141
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Simone Velho COMPREENDENDO OS PROCEDIMENTOS DA ATIVIDADE “TOCAR DE OUVIDO” PORTO ALEGRE 2011

Ler Sobre Ensinar Musica

Embed Size (px)

DESCRIPTION

musica

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE EDUCAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO Simone Velho COMPREENDENDO OS PROCEDIMENTOS DA ATIVIDADETOCAR DE OUVIDO PORTO ALEGRE 2011 Simone Velho COMPREENDENDO OS PROCEDIMENTOS DA ATIVIDADE TOCAR DE OUVIDO DissertaoapresentadaaoProgramade Ps-GraduaodaFaculdadede Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para aobtenodottulodeMestreem Educao. Orientadora: Prof.Dr.LedadeAlbuquerque Maffioletti Linha de Pesquisa: Arte, Linguagem e Tecnologia PORTO ALEGRE 2011 Simone Velho COMPREENDENDO OS PROCEDIMENTOS DA ATIVIDADE TOCAR DE OUVIDO DissertaoapresentadaaoProgramade Ps-GraduaodaFaculdadede Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para aobtenodottulodeMestreem Educao. Orientadora:Prof. Dr. Leda de Albuquerque Maffioletti Aprovada em 05 ago. 2011. ___________________________________________________________________ Professora Doutora Leda de Albuquerque Maffioletti Orientadora ___________________________________________________________________ Professora Doutora Kelly Stifft ___________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Ceclia de Arajo Rodrigues Torres Centro Universitrio do IPA ___________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Luiza Becker Universidade Federal do Rio Grande do Sul Dedicoestetrabalhoatodososmeus alunosdepiano,queacadadiame mostramnovaspossibilidadesde aprender e ensinar. AGRADECIMENTOS Ao finalizar o mestrado, quero manifestar minha gratido... A Deus; Aos meus pais, Dagoberto e Solange, que, incondicionalmente, me apoiam e vibram com as minhas conquistas; famlia Botezini Velho por compreender a minha ausncia; querida tia Carmem Brandat Zingano que me facilitou o acesso a biblioteca; s minhas amigas do corao: Iara Sidegum, Cristina Fischer e Carolina Herrmann que me motivaram durante todo esse processo; sminhasamadasafilhadas,NatliaSidegumDiaseAliceBoteziniVelho,que aparecem neste trabalho atravs do emprstimo dos seus nomes; AocasaldeamigosElianaeClaudecir(Ci)Blaszczekieviczpeladisponibilidadede sempre; minhagrandeamigaudreaMartinspelaparceiradurantetodootempodeste mestrado; minha querida Snia Rocha por tudo que fez por mim durante esta caminhada; Ao Rafael Raymundo por todos os momentos compartilhados; querida Ana Paula Stahlschmidt, que muito me incentivou a cursar o mestrado; minha amada professora de piano Lris Heller (in memoriam); Aosmeusalunosdepianoeseusresponsveis,quemeoportunizamaalegriade ser professora; Aos queridos trs sujeitos desta pesquisa, que tanto me ensinaram; sinstituiesparaasquaistrabalhoequecompreenderamestemomentoto importantedaminhavida.Registroesseagradecimentodeformaespeciala Maristela Martins Pereira, Luciane Riffel e Luciane Ostermann; minha orientadora, Dra. Leda Maffioletti, que me conduziu durante este percurso, compartilhando sua sabedoria e conhecimento; bancaexaminadoradestadissertaopelaspreciosassugestes:KellyStifft, Maria Luiza Becker e Maria Ceclia de Arajo Rodrigues Torres; Aos queridos colegas de mestrado; Ao grupo Educamus. Agradeo e aprecio cada momento consciente da minha vida. 1

1 Do livro Meditando com os Anjos de autoriade Snia Caf. Osegredodopossvel,seelevalera pena,torn-lonecessrio,paranse para os outros. O segredo do impossvel, se ele valer a pena, torn-lo ainda que indiretamente possvel, para ns e para os outros.(MACEDO, 1994, p. XVIII) RESUMO A presente pesquisa tem como objetivo analisar os procedimentos empregados pelo sujeito na atividade tocar de ouvido, procurando compreender de que modo organiza suasaesparaencontrarasnotasdamelodianopiano.Ostrssujeitosque participaramdesteestudotinhamidadeentre7e14anos.Aatividadede reproduodeumamelodiaconhecidaporaudiorepresentourecortesdasaulas particularesdepianoministradasnomunicpiodeTaquara/RS.Osdadosforam coletadosnosegundosemestrede2010atravsdosseguintesinstrumentosde registro:gravaoemvdeo,diriodecampoeanotaesmusicaisfeitaspelo prprio sujeito. Aps as degravaes dos vdeos, foram acrescentadas as anotaes do dirio de campo e as digitalizaes dos materiais correspondentes s anotaes dos alunos, constituindo os protocolos dos sujeitos. A partir dos protocolos, foi feita a decupagem das sequncias de aes pertinentes para cada sujeito, tendo em vista o estudo pretendido. A coleta de dados teve como princpio a anlise microgentica propostaporInheldereCellrier(1996)associadaestratgiadoestudodecaso (Yin,2002).AinterpretaodosdadosfoirealizadaapartirdaEpistemologia GenticadeJeanPiaget,quepossibilitouacompreensodatrajetriapercorrida pelossujeitosaorealizaremaatividade.Osresultadosdestapesquisapodero contribuirparaacompreensodassignificaesfeitaspelosalunosduranteo processo de aprendizagem, bem como possibilitar novos olhares sobre a prtica dos professores de instrumento. Palavras-chave: 1. Msica Ensino. 2. Piano. 3. Micrognese. 4. Epistemologia Gentica. ABSTRACT Thepresentresearchhastheobjectiveofanalyzingtheproceduresusedbythe subjectintheactivityofplayingamusicalinstrumentbyear,tryingtocomprehend the wayhe/she organizes his/her actions in order to find melody notes on the piano. Thethreesubjectsthattookpartofthisstudywereattheagebetween7and14 years old. The activity of reproducingafamiliarmelodybyearrepresented excerptsinthescheduleinprivatepianoclassesthatarecarriedoninthecityof Taquara/RS. The data was collected in the second semester of 2010, through out the followingregistrationinstruments:videorecords,fielddiaryandmusicalnotations madebythesubjecthim/herself.Afterthetranscriptionofthevideos,thenotations fromthefielddiaryandthedigitalizationofthematerialcorrespondingtothe notations made by the students were added, constituting the protocol of the subjects. Fromtheprotocolsthedecoupageofthesequenceofactionspertinenttoeach subject was made considering the intended study. The collection of the data had as itsprinciplethemicrogeneticanalysisproposedbyInhelderandCellrier(1996) associated with the strategy of case study (Yin, 2002). The interpretation of the data wasbasedontheGeneticEpistemologyofJeanPiaget,whichmadeitpossibleto comprehend the path the subjects explored while performing the suggested activity. Theresultsofthepresentworkmaybeacontributionforunderstandingthe significationsmadebythestudentsduringthelearningprocessaswellasan opportunity for new sights upon the practice of musical instruments teachers. Keywords:1.MusicTeaching.2.Piano.3.Microgenesis.4.Genetic Epistemology. LISTA DE PARTITURAS Partitura 1 Pezinho ................................................................................................. 55 Partitura 2 Meteoro ................................................................................................. 67 Partitura 3 To Love and Back ................................................................................. 83 Partitura 4 Cai, cai balo. ..................................................................................... 134 LISTA DE ILUSTRAES Figura 1 Teclado do Piano ..................................................................................... 52 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Procedimentos dos sujeitos .................................................................. 112 Quadro2Asimpressese/oupercepesprovocadaspelaatividadetocarde ouvido. ..................................................................................................................... 116 SUMRIO 1 INTRODUO ....................................................................................................... 16 1.1 AS AVENTURAS NO PAS DO SOM .................................................................. 16 1.2 DIRECIONANDO A ESCUTA E O OLHAR NAS AULAS DE PIANO .................. 19 1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................... 23 1.3.1 Objetivo Geral ................................................................................................. 23 1.3.2 Objetivos Especficos .................................................................................... 24 2EDUCAO MUSICAL: a histria da aprendizagem instrumental .................. 25 2.1 DICOTOMIA MUSICAL: diferenas do ensino formal e no formal .................... 26 2.2 TOCAR DE OUVIDO: conceito e relevncia ....................................................... 29 2.3 ATIVIDADE TOCAR DE OUVIDO E AS CONCEPES PIAGETIANAS........... 31 2.3.1 Bamberger e Aproximaes com a Presente Pesquisa .............................. 32 2.3.1.1 Apresentando o Estudo da Cano Hot Cross Buns ..................................... 32 2.3.1.2 Bamberger e Piaget....................................................................................... 33 3 PIAGET E AS INTERLOCUES COM ESTA PESQUISA ................................. 35 3.1 COMPREENDENDO A INTERAO SUJEITO/OBJETO EM PIAGET .............. 35 3.1.1 As Inferncias ................................................................................................. 37 3.2ANLISEMICROGENTICA:umapossibilidadedecompreenderalgicado sujeito ........................................................................................................................ 39 3.3 QUESTO NORTEADORA DA PESQUISA ....................................................... 40 4 ORIENTAES METODOLGICAS .................................................................... 41 4.1 CONTEXTO DA PESQUISA ............................................................................... 42 4.2 CARACTERIZAO DOS SUJEITOS ................................................................ 42 4.3 CARACTERIZAO DAS AES DA PESQUISADORA .................................. 43 4.4 COLETA DE DADOS .......................................................................................... 45 4.4.1 Gravao em Vdeo ........................................................................................ 45 4.4.2 Dirio de Campo ............................................................................................. 46 4.4.3 Anotaes Musicais Feitas pelo Prprio Sujeito ......................................... 46 4.5 ELABORAO DOS PROTOCOLOS ................................................................. 46 4.6 ESTUDO PRELIMINAR ....................................................................................... 47 4.7 FOCOS DE OBSERVAO ................................................................................ 48 4.8 ANLISE DOS DADOS ....................................................................................... 48 5 APRESENTAO DOS SUJEITOS E DAS SEQUNCIAS DE AES .............. 50 5.1 APRESENTANDO BETO .................................................................................... 51 5.1.1 Beto e a Atividade Tocar de Ouvido ............................................................. 52 5.1.2 A Escolha e Anlise da Msica de Beto ....................................................... 53 5.1.3 Sequncia de Aes de Beto ........................................................................ 56 5.2 APRESENTANDO ALICE ................................................................................... 63 5.2.1 Alice e a Atividade Tocar de Ouvido............................................................. 64 5.2.2 A Escolha e Anlise da Msica de Alice ...................................................... 65 5.2.3 Sequncias de Aes de Alice ...................................................................... 68 5.3 APRESENTANDO NATLIA ............................................................................... 79 5.3.1 Natlia e a Atividade Tocar de Ouvido ......................................................... 80 5.3.2 A Escolha e Anlise da Msica de Natlia ................................................... 80 5.3.3 Sequncias de Aes de Natlia ................................................................... 83 6 ANALISANDO OS PROCEDIMENTOS PARA TOCAR DE OUVIDO ................... 93 6.1 APRESENTAO E ANLISE DOS PROCEDIMENTOS DE BETO (7;10) ....... 93 6.2 APRESENTAO E ANLISE DOS PROCEDIMENTOS DE ALICE (10;9) ....... 98 6.3 APRESENTAO E ANLISE DOS PROCEDIMENTOS DE NATLIA (14;7) 105 6.4 IMPRESSES E/OU PERCEPES PROVOCADAS PELA ATIVIDADE TOCAR DE OUVIDO ............................................................................................................ 113 6.5 A CONSTRUO MICROGENTICA NA ATIVIDADE TOCAR DE OUVIDO .. 117 6.5.1 Beto: 99,8% igual! .................................................................................. 117 6.5.2 Alice: Sabe como percebi que estava estranho? .................................. 119 6.5.3 Natlia: Ser que no uma oscilao na hora de tocar? .................... 121 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 129 REFERNCIAS ....................................................................................................... 136 ANEXOS ................................................................................................................. 140 1 INTRODUO 1.1 AS AVENTURAS NO PAS DO SOM2

Era incio de agosto de 1980 e uma menina de cinco anos, de mos dadas com seu pai, dirigia-se casa da professora de piano. Ela queria aprender a tocar o instrumento.SuaavpaternacompraraumpianonaantigaCasaMesbla,quando seusfilhosaindaerampequenosaproximadamentenoanode1957na esperanadeque,pelomenos,umdelesseinteressasse.Nofoibemissoque aconteceu. Passadootempo,seufilhomaisvelhocasou-seeconstituiufamlia.Em quase todos os finais de semana, juntamente com sua esposa, levava os filhos para visitar a av. Naquela casa, as crianas disputavam o grande armrio que produzia sons,chamadopiano.Eralqueapequenameninacompunhamsicase interpretavavariadasmelodiasquesexistiamemseuspensamentosinfantis.Foi por essa e outras razes, que seu pai decidiu lev-la at uma professora particular de piano que pudesse alfabetiz-la musicalmente. Chegandocasadaprofessora,opaifaloudoseudesejo,queacreditava sertambmodesuafilha,dequeessaaprendesseatocarpiano.Masajovem senhora logo argumentou que uma criana daquela idade, e no alfabetizada, teria dificuldadesduranteoprocessodeaprendizagem.Sugeriu,entoqueeles voltassem a procur-la quando a garota j estivesse cursando, ao menos, a 1 srie. Ameninanoentendeuporquedeveriaesperar.Maisoumenosuma semana depois, pai e filha retornaram casa da professora de piano. Novamente o paipediuque,pelomenos,elatentasse.Afinal,suafilhahaviademonstradomuito interesse e tanto ele quanto a me no estavam preocupados com o tempo que sua garotalevariaparaaprenderatocar,masqueriamoportunizarocontatocomo instrumento. Foiassimque,nodia20deagostode1980,tiveminhaprimeiraaulade piano, sem saber ler msica nem palavras, atravs do mtodo chamado Aventuras noPasdoSom,deMargaretE.Steward.Nesselivro,asduasprimeiraslies utilizavam apenas trs notas (d, r, mi) e, a partir da terceira msica, apareciam as

2 Ttulo homnimo do livro de minhas primeiras lies de piano, de Margaret E. Steward.17 mais diversas informaes da escrita musical, como sataccato, linha de oitava, as setenotasmusicasescritasnasmaisdiversasregies,ritmosdiferentes,entre tantosoutrosensinamentos3.Athojenoseicomons,minhaprofessoraeeu, demos conta de tudo aquilo. Assim, desde aquele dia at hoje, nunca mais parei de tocar piano e acabei me alfabetizando primeiramente na escrita musical, muito antes de conseguir ler e escrever.Depoisdealgunsanos,apesardegostarmuitodetocarpiano,comeceia ficar um pouco cansada das aulas, que tinham uma concepo voltada apenas para aexecuoderepertrioseruditos.Improvisar,criar,tirarmsicasdeouvidoera algo proibido. Msica popular, aquela que eu costumava ouvir, nem se cogitava4! Foi ento que comecei a explorar outro instrumento que existia na minha casa: o violo. Assim,semorientaodeprofessoretranspondooqueeutinhaapreendidono pianoparaoviolo,retomeiasminhascomposiesetocavatudoqueeuqueria, usando apenas o acompanhamento harmnico das canes.Osanossepassaram,eem1996inicieiminhagraduaoemmsicacom nfaseemBachareladoemPianonaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul. Duranteoprimeiroanodocurso,acabeipercebendoqueomeuinteressenoera naperformance,masnaaprendizagemdascrianasdasescolasdeeducao infantilcomasquaistrabalhava.Solicitei,ento,transfernciaparaaLicenciatura emMsica.Foinessemomentoquecomeceiateracessosvriasteoriasde aprendizageme,principalmente,acompreenderqueoensinodamsicano instrumentoeramaisamplodoquetudoqueeujhaviaexperimentado. Influenciada por tantas novidades, em 1998 comecei a lecionar aulas particulares de piano. Mas foi no ano seguinte que tive o meu primeiro contato com o que seria um dosgrandesfocosdeinteressenaminhacaminhadaacadmica:APedagogiado Piano,quefoiumcursooferecidopelaExtensoUniversitriaepromovidopelo DepartamentodeMsicadoInstitutodeArtesdaUFRGS,sobacoordenaoda Prof.Dr.DeniseFrederico.Pelaprimeiravez,escuteirefernciaaosmtodosde piano em grupo, em especial ao mtodo de Marion Verhaalen5, que era o enfoque do curso.Muitosurpresaeinteressadaportudoquevieouvi,inicieiaminhabusca

3 Aterminologiaapresentadaentreaspasrefere-sesnomenclaturasutilizadasnamsica,como articulao do som, localizao em que devem ser executadas as notas da partitura, entre outras.4 Tal concepo de aula de piano era bastante corrente na dcada de 80.5 Marion Verhaalen compositora e educadora norte-americana. Foi assistente do professor Robert Pace, criador de um revolucionrio mtodo de ensino musical (VERHAALEN, 1989, p.2). 18 pelosmaisdiversosmateriais,principalmentemtodosparalecionar,apesarde aindanoconseguirmedistanciardametodologiadeaulaqueeuhavia experenciado quando estudante. Em2001participei,comoouvinte,domduloPedagogiadoPianodo Curso de Especializao Performance Canto/Piano da EMBAP, ministrado pela Dr. MariaIsabelMontandon.Nessecurso,muitomaisdoqueapresentaese sugestes de mtodos, aprendi que, como professora, deveria estar atenta e aberta parapossibilitarasmaisvariadassituaesdeaprendizagemaosmeusalunos. Assim,atravsdedepoimentosedemateriaisqueaprpriaMontandonelaborou, pudeperceberqueoqueeuestavaprocurando,comorespostasminhas inquietaes, seria, na realidade, uma busca infinita, pois dependeria do sujeito que estivesse comigo durante o processo de ensino.Ainda com muitas dvidas sobre como proceder, introduzi mudanas no meu mododedarauladepianoemepropusaensinarmsica,tendocomoobjetivo principal o interesse de cada aluno que me procurasse. Logo percebi que a maioria daspessoasquequeremaprenderatocarpiano,temcomomotivaoprincipalo desejodetocarasmsicasdequegostam,ouseja,quefazempartedoseu repertrioparticular.Comecei,ento,atirarmsicasdeouvidoecriararranjos, produzindo partituras que contemplassem os interesses de cada aluno, respeitando osdiferentesmomentosdosprocessosdeaprendizagemmusicalquecadaum deles estava vivenciando.Noanode2008,retorneiUniversidadeeinicieiminhacaminhadacomo alunaPECdoPPGEDU/UFRGSnumadisciplinadenominadaMsica,Espaoe Tempo,ministradapelaProf.Dr.LedaMaffioletti.Nessesseminrios,conheci algunsconceitosdaEpistemologiaGenticadeJeanPiagete,pelaprimeiravez, comecei a compreender a importncia desse autor, que tem como objeto de estudo o desenvolvimento da criana.EssecontatoinicialcomaobradePiagetmemotivouaindamaisaquerer compreender como ocorre a construo do conhecimento do meu aluno de piano. 19 1.2 DIRECIONANDO A ESCUTA E O OLHAR NAS AULAS DE PIANO Musicalmente,sempreacrediteiqueasaulasdeinstrumentodeveriamter umaconcepomaisampladoqueeuhaviavivenciadonaminhaaprendizagem, que tinha como principal foco a execuo. Movida por essa inquietao, comecei a explorar, nas aulas de piano, maneiras de expandir a experincia musical do aluno (FRANA; BEAL, 2004, p.70) sem limit-lo apenas performance instrumental, mas tambmdisponibilizandoaelemomentosparaatividadesdecriaomusical. Porm,naprtica,pudeobservarque,demodogeral,osujeitonoseautorizaa criar.EssamesmaobservaofoifeitaporMaffioletti(2005)aoconcluirqueabrir espaos para atividades de criao no o mesmo que garantir que o aluno se sinta livre para criar. Noentanto,foiexatamenteemumdessesmomentosqueminhaaluna Solange (9;1), ao mostrar-se um pouco resistente atividade de criar, perguntou-me como eu fazia a partitura das msicas que ela trazia no CD. Em outras palavras, a alunaqueriasabercomoeuprocediaparatiraramsicadeouvido.Respondi-lhe quetnhamosqueouviramsicaeperceberseosomsobe,desceouficano mesmolugare,posteriormente,procur-lonopianoeirescrevendoasnotas,que ns j havamos encontrado, para no esquecer. Foi quando ela perguntou6: Edparagentefazeristo?Simone:Claro!sescolheramsica!Quemsicaquetu queres fazer?Podeser oPezinho7?Simone:Pode!Em quenota tuachasquepodemos comear?Nosei...Quetalod8?Simone:timo!Entovamosveroqueacontecena msica. Essaconversamudou,emuito,aminhaconcepodedarauladepiano, pois essa pequena atividade, que foi realizada naquele mesmo dia, durou mais trs semanasdemuitaaprendizagemtantoparaaalunaquantoparamim.Afinal, Solange,quetinhaescolhidoamsicaporcausadeumaatividadedasuaescola, alm de tirar de ouvido a melodia, comeou, primeiramente por engano, e depois por incentivo meu, a transp-la para todas as tonalidades, explorando comear a cano nasteclasbrancasedepoisnaspretastambm.Quandopareciaquetodasas

6 A fala da aluna foi transcrita em itlico. 7 Cano Folclrica do estado do Rio Grande do Sul. 8 A nota a que ela se refere, o d central do piano. 20 possibilidadescomessacanohaviamesgotado,pergunteioquesuamo esquerdairiafazernaquelamsicae,paraminhasurpresa,comeouumnovo processo: a inveno de um acompanhamento para a sua cano. Ao concluir a atividade, editei a partitura elaborada por Solange e expliquei o porqu de haver colocado seu nome como arranjadora: Simone: A profe colocou aqui Solange porque tu que fizeste o arranjo da mo esquerda. Amelodiajexiste.Masserqueexisteestemesmoarranjo?Euachoquepodeter outros!Simone:Eserquemuitodiferentedoquetufizeste?Ah...podeseralgumas coisas iguais, algumas coisas diferentes. TodoesseprocessovivenciadoporSolangetantoosmusicaisquantoa conscinciadequesuaproduonicanosfomentouaindamaisomeu interesse por esse tipo de atividade nas aulas de piano, como tambm motivou-me a compreender como o aluno encontra solues ao desenvolver a tarefa proposta. Instigadaporessasituao,comeceiabuscarsubsdiostericosque fundamentassem as minhas reflexes e a prtica profissional, relacionando a teoria deJeanPiaget(1978,1987,1993a,1993b,1997,2002)comasexperincias vivenciadas nas aulas de instrumento que ministro. Nessa mesma poca, conheci o livroODesenrolardasdescobertasdacriana:umestudosobreasmicrogneses cognitivas,deautoriadeBrberInheldereGuyCellrier(1996),quetambmme auxiliou a refletir sobre o saber-fazer do sujeito. Concomitantemente, visitei autores da rea especfica da msica que j vm estabelecendoconexesentreaEpistemologiaGenticaeaEducaoMusical, comoBarcel(1988),Bamberger(1995),Costa(1995),Beyer(1999),Maffioletti (2005),Kebach(2007)eStifft(2008).Essasreferncias,entreoutras,me possibilitaramcompreenderoprocessodeensino-aprendizagemdosmeusalunos, considerandoosseussaberes,assuashipteseseasdemaisinfernciasque realizam durante as atividades musicais.Posteriormente,inicieiumarevisobibliogrficaapartirderevistas nacionais9especializadasemeducaomusical,especificamente,sobreotema

9 ATRAVEZ,ABEM,CLAVES,EMPAUTA,OPUS,PERMUSI,MUSICAHODIEforamasrevistas consultadasondeseencontramartigosrelacionadosaoensinodopiano.Nosdemaiseditorais,no foram encontrados assuntos referentes ao ensino e aprendizagem do piano.O ltimo levantamento foi realizado em maio de 2011. 21 aprendizagemdopiano.Constateique,apesardeexistiremartigosnarea,os enfoques,demodogeral,contemplamoutrovisdoensinodopiano,queno necessariamente a construo do conhecimento musical. Entre os temas abordados, enfatizo os seguintes:pedagogiadopiano(Amato,2001;Barancoski,2004;Montandon,2004; Arajo, 2006; Viegas, 2006; Glaser e Fonterrada, 2007); avaliaodaexecuopianstica(Santos,Hentschke,Fialkow,2000; Richerme, 2002);anlise das composies dos alunos de piano (Frana, Pinto, 2005);memria musical (Higuchi, 2005);leitura musical (Ramos, Marino, 2003);piano em grupo (Santiago, 1995; Cerqueira, 2009);ensino centrado no aluno (Glaser, 2006);repertrio pianstico (Thys, 2008);cultura pianstica no Brasil (Amato, 2006);performance instrumental (Frana e Beal, 2004);iniciao musical (Oliveira, 1990);o professor de piano (Oliveira, Santos, Hentschke, 2009).Embora esses artigos nos tragam referenciais importantes sobre a educao musicalespecficanopiano,elesnooferecemsubsdiosparaquepossamos compreendercomoocorreaconstruodoconhecimentoduranteoprocessode aprendizagemdoinstrumento.Tambmobserveiqueostemasmaisrelacionados comaimprovisao,composioetirarmsicadeouvido10 nopianosopouco explorados. Essa constatao me fez repensar por que a aprendizagem pianstica ainda esttovoltadaapenasparaaleitura,estudoderepertriocomnfasenamsica erudita e, por consequncia, para performance. Qual seria a razo da predominncia deumestudotradicionaldemsica,sendoqueamotivaodosalunosque procuramaprenderuminstrumentoespecficoest,muitasvezes,vinculadaa interesses que se distanciam da maioria das aulas de piano oferecidas?

10 Utilizo as expresses tirar de ouvido e tocar de ouvido como sinnimos nesta pesquisa. Maiores detalhamentos no 2 captulo. 22 Aolevantaressesquestionamentos,gostariadeesclarecerque,deforma alguma,meoponho,comoprofessoradepiano,aoensinodatcnica,teoria, repertriosdedeterminadosperodosmusicaiseoutrossaberesespecficosda aprendizagemdoinstrumento.Apenasacreditoque,seabrirmosespaospara atividadescriativasouqueinstiguemosalunosaseremcmplicesdasuaprpria aprendizagem,teremosestudantescomumamaiorautonomiamusicalaomesmo tempoemqueestaremosproporcionandoumaaprendizagemmaisampladoque apenas seguir um mtodo direcionado leitura e performance. Entretanto,paraseoferecerumensinodepianoqueproporcioneesses espaos para atividades criativas de forma que realmente oportunizem a construo doconhecimento,sefaznecessrioqueoprofessorsaibacomoesseprocesso ocorre.Conforme Marques (2007), o professor precisa ser um pesquisador do pensamento do seu aluno. Precisa descobrir o que seu aluno pensa e como pensa. Precisa descobrir quais os caminhos que levam a uma construo: da inexistncia de uma capacidade para uma capacidadeativaeefetiva.[...]Precisarsaberoqueseusalunosj construramarespeitoequehiptesesestoconstruindoarespeitodesse processo.Edequeformaoprofessorpoderconheceroprocessodeseu aluno? Uma das formas dando espao para as suas manifestaes, para que possa conhecer a realidade do seu pensamento. (MARQUES, 2007, p. 59). O presente estudo o resultado de minhas observaes e reflexes sobre a construodoconhecimentoapartirdaatividadedetocardeouvidonasaulasde piano. A seguir, apresento como organizei esta dissertao. No primeiro captulo, relato minha experincia de vida imbricada com o tema deste estudo e minhas inquietaes.No segundo captulo, apresento, atravs de diferentes autores, a histria da educaomusicalinstrumental,odistanciamentoentreasprticasdoensino musical formal e do ensino no formal, bem como a relevncia da atividade tocar de ouvido na busca de uma educao musical com uma abordagem mais ampla. Oterceirocaptulotratadafundamentaotericaquedsustentaos reflexes desta pesquisa: a Epistemologia Gentica de Jean Piaget. 23 O quarto captulo traz as orientaes metodolgicas que tm como base os princpiosdaanlisemicrogenticadeInhledereCellerier(1996)associada estratgia do estudo de caso (Yin, 2002). No quinto captulo, apresento os sujeitos e a decupagem de sequncias de aespertinentesdosprotocolos(INHELDERECARPONA1996),organizadasa partirdaordemcronolgicadosacontecimentosduranteodesenrolardaatividade tocar de ouvido.A anlise dos dados, que aparece neste estudo no sexto captulo, refere-se anlisedosprocedimentosinventadospelossujeitos,dasimpressese/ou percepesprovocadaspelaatividadepropostaedaconstruomicrogenticana atividadetocardeouvido.Porltimo,apresentoasconsideraesfinais,que resumemosaprendizadosdestainvestigaonoqueconcerneutilizaoda atividade tocar de ouvido durante as aulas de piano. Assim,apresentepesquisapretendecompreenderosprocedimentosque levamosujeitoatirarmsicadeouvidoecontribuirparaareflexosobrea construo do conhecimento musical a partir da teoria de Jean Piaget. Acredito que este estudo pode oferecer subsdios ao pedaggica do professor de instrumento ematividadesquetenhamcomofocooprocessoenoapenasoresultadofinal, possibilitando ao docente compreender como o aluno significa a tarefa proposta e a natureza das dificuldades encontradas pelas crianas e adolescentes ao realizarem esse tipo de atividade. 1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA Tendocomofocoasconsideraesereflexesfeitassobreoprocessode ensino eaprendizagemnas aulas de piano,osobjetivosparaainvestigaoforam definidos da forma que segue. 1.3.1 Objetivo Geral Analisar os procedimentos empregados pelo sujeito na atividade tocar de ouvido, procurando compreender de que modo organiza suas aes para encontrar as notas da melodia no piano.24 1.3.2 Objetivos Especficos Identificarosprocedimentosempregadospelossujeitosdurantea atividade. Interpretar teoricamente a trajetria dos sujeitos, buscando compreenso a partir da teoria de Jean Piaget. 2EDUCAO MUSICAL: a histria da aprendizagem instrumental Ahistriadaeducaomusicalestintimamentevinculadaevoluoda humanidade,refletindoosvaloresdasociedadeeexercendofunesdistintasem cadaperodo(BEYER,1999;FONTERRADA,2008).Essesreflexospodemser percebidos at os dias de hoje.Para compreendermos por que a atual educao musical instrumental ainda enfatiza tanto a performance nas aulas de instrumento, faz-se necessrio remontar, sucintamente, sua histria. Desde a Grcia, a msica possui papel importante na educao de crianas e jovens. Porm, nos sculos XVII e XVIII, incio da idade moderna e o advento da burguesia,oensinomusicaldeixadeserumasupremaciadaIgrejaCatlicaeda IgrejaReformadaepassaaserministradoaquempossapagarporele.Assim,a instruomusicalficou,basicamente,calcadanarelaoentremestreediscpulo (FONTERRADA, 2008).Nessa poca, at aproximadamente meados do sculo XIX, atransmissomusical,emsuamaiorparte,ocorriadeformaoral.Osprofessores, alm de ensinarem as tcnicas no instrumento, tambm enfatizavam a improvisao eacomposio.Assim,osalunosiniciantesaprendiamaspassagens frequentemente de ouvido, procurando imitar o professor nas peas desconhecidas ereconstruirnoinstrumentopeasecanesjfamiliares.(HARDER,2008,p. 133). OsculoXIXtrouxeaevoluodaproduodepartiturasimpressase, assim,umamaiordivulgaodosexercciosligadostcnica,bemcomoa utilizaodemtodosparaaprendizagemmusical.Osurgimentodomtodo impresso tornou a educao musical uma educao reprodutiva, com menos nfase na composio, na improvisao e em tocar de ouvido (HARDER, 2008). Esse fator, somado melhoria da qualidade dos instrumentos musicais, refletiu-se na exigncia da qualidade tcnica dos intrpretes, fazendo com que comeassem a proliferar as escolasparticularesdemsicadecarterprofissionalizante,promovendoafase urea dos virtuoses. Somente em meados do sculo XX, alguns educadores, preocupados com a educaomusical,passaramaadotaroutraposturaemrelaoaoaprendizado musical, que no mais aquela de carter mecanicista. Conforme Fonterrada (2008), 26 essa atitude possibilitou, novamente, a abertura de espaos para atividades criativas nas aulas de msica. Apesar de essa iniciativa ter tambm se refletido nas aulas de instrumentos, asatividadesdecompor,improvisaretocardeouvidoaindaestavammuitomais relacionadas educao musical informal do que ao ensino formal de msica. 2.1 DICOTOMIA MUSICAL: diferenas do ensino formal e no formal A educao musical, assim como outras reas da educao11, tem, ao longo dos anos, experimentado os efeitos da diviso entre o ensino formal e o no formal. AutorescomoPenna(1994),Green(2002;2008)eSantiago(2006)soapenas alguns que versam sobre o aprendizado instrumental a partir da incluso da prtica musical no formal.Paracompreendermosadiferenaentreessesdoistiposdeensinode msica, apresentarei as caractersticas do ensino formal e as do ensino no formal respectivamente. Considera-seensinoformaloaprendizadomusicalqueocorre, necessariamente,atravsdaintervenodeumprofissional,especialistaouno, que exera a funo de professor de msica. Nesse tipo de aprendizagem, muito valorizada a leitura musical, a tcnica, a teoria e a performance, estando geralmente embasadaemmtodosmusicais.Noensinonoformal,aaquisiode conhecimentoedehabilidadesmusicaisocorreatravsdoconvviocomafamlia, amigos, msicos desde que esses no atuem como professor e atravs da auto-aprendizagem.Asatividadesdecomposio,improvisaoetocardeouvidoso muito valorizadas. Penna12 (1994), ao fazer referncia s diferenas entre o ensino formal e no formaldemsica,iniciaoseutexto,descrevendoalgumascenascotidianasdo aprendizado musical, citando, como primeiro exemplo, um rapaz que toca violo de ouvido.Escreve:Caractersticodeumaeducaonoformal,[...]essetocarde

11 Comoexemplosobreasdicotomiasnaeducao,citoareadalinguagematravsdolivro Preconceito Lingustico, de Marcos Bagno. Nesse livro, o autor fala sobre a necessidade, ao ensinar o portugus, de se respeitar o conhecimento intuitivo do aluno, valorizar o que ele j sabe do mundo, da vida, reconhecer na lngua que ele fala a sua prpria identidade como ser humano. (2004, p. 145). 12 http://www.atravez.org.br/ceem_4_5/desafio_necessario.htm. 27 ouvido [...] pode ser responsvel pela formao de pessoas que alcanam um certo domniodoinstrumento,realmente,umaexperinciamusical.Logoaps,Penna descreve uma menina que, olhando para partitura, cata as teclas no piano, sendo incapaz de imaginar como a msica antes de toc-la no instrumento. Aps narrar as situaes, a autora afirma que [...] se o tocar de ouvido se configuramuitasvezescomoumaformadeeducaono-formal,oadestramento visual-motor encontrado em diversas situaes de ensino formal. (PENNA, 1994). Haoposioentreoaprendizadoinformal,ligadomsicapopularque valorizaaexplorao,aimprovisao,aexpressoequeseapoianofazer,eo ensinoformaldemsicarealizadoemescolasespecializadas,quevalorizao aprendizadocentradonaleitura,poisexcluem-seeopem-seemseusespaose suas formas de aprendizagem. Romper esta dicotomia, por certo, traria benefcios. (PENNA, 1994). Assim como Penna (1994), outros pesquisadores tambm se opem a essa diviso entre o que deve ser ensinado no ensino formal de msica e o que deve ser ignorado.Santiago13(2006)defendequeasatividadesdoensinonoformalpodem cooperar para o pleno desenvolvimento de [...]processosessenciaisaoaprendizadomusical,taiscomoa familiarizaocomdiferenteslinguagenseestilosmusicaiseo desenvolvimentodamemria.[...]tambmpodeservircomoelemento catalisadordosprocessosdecompreensoematuraomusical. (SANTIAGO, 2006, p. 57). McPherson(1997),atravsdesuapesquisa,observouqueexistemcinco tiposdehabilidadesmusicais14presentesnoensinotradicionaldeinstrumento. Dentreessas,hduashabilidadesquesodesenvolvidasapartirdeatividades comumenterelacionadaseducaomusicalinformal:acapacidadedetocarde ouvido e a capacidade de improvisar, reforando, assim, a ideia de aproximao dos dois tipos de educao.

13 O termo prtica informal adotado por Santiago (2006) designando os mesmos tipos de atividade que so inerentes a educao no formal, citada por Penna (1994).14McPherson(1997)identificoucincotiposdehabilidadesmusicaisnoensinotradicionalde instrumento:1.Capacidadedeexecutarumrepertriodemsicaensaiada;2.Capacidadedeler prontamenteuma partitura musical; 3. Capacidadede executar msicas de memria; 4. Capacidade de tocar de ouvido; 5. Capacidade de improvisar. 28 OutraautoraquedefendeessaunioLucyGreen(2002;2008).Green tem-sededicadoapesquisarsobrecomoocorreaaprendizagemmusicaldos msicos populares, procurado compreender e fazer aproximaes com a escola, ou seja, com a educao formal. A autora afirma: Estou interessada [...] nos benefcios de diferentes abordagens para o aprendizado da msica [...]15 (2002, p.8). E, no final do livro, complementa: Aprendizagematravsdaeducaomusicalformaleinformaltemestado lado a ladopor sculos com pouca comunicao entra elas.As prticas de aprendizagemdaeducaomusicalinformaltmperdidoalgumas habilidades e conhecimentos que a educao musical formal pode ajudar os aprendizes a desenvolver. [...] alguns msicos [populares] demonstram que gostariam de ler msica ou conhecer uma variedade de termos tcnicos to bemquantoimprovisamoutocamdeouvido.Emcontraponto,aeducao musicalformalnotemprivilegiadonemessasoutrasaprendizagens musicaisnemoprazerdequemasexperienciae,frequentemente,tem afastadojovensmsicospopularesaltamentemotivadoseoutrosmsicos em potencial.16(GREEN, 2002, p. 216). Apesardasargumentaesdediferentesautores,aindahmuita resistncia,porpartedosprofessoresdeinstrumentosmusicais,emproporcionar aosalunosessasatividadesdeimprovisao,composioetocardeouvido. Entretanto,jpossvelpercebermudanasemalgunsmtodosdepianoque possibilitamespaosparaessestiposdeatividades,como,porexemplo,Pace (1961;1962),Gainza(1986),Gonalves(1986),Verhaalen(1989;1993),entre outros.OutroeducadorquerepensouoensinodamsicainstrumentalfoiShinichi Suzuki,que,nadcadade1940,criouummtodoparaviolinoe,maistarde,para demaisinstrumentosdecordaesoproeparapiano.Nessemtodo,acriana aprende,inicialmente,porimitao,isto,baseadanaescuta.Conformeo Dicionrio Grove (1994, p. 919), a aprendizagem se d por ouvido e hbito, o que implica escutar muito e repetir muito [...]. A tcnica e a musicalidade so altamente enfatizadas. Apesar de o mtodo Suzuki ter o foco inicial em atividades que utilizam areproduosonora,eledistancia-sedosdemaismtodosanteriormentecitados, poisSuzukitemcomoobjetivooresultado,ouseja,aexecuomusicalenoas atividades que possibilitem a inveno.

15Traduo nossa. 16 Traduo nossa. 29 2.2 TOCAR DE OUVIDO: conceito e relevncia Msicos profissionais e amadores, estudantes de msica e leigos, em algum momento, j se depararam com a expresso tocar de ouvido17, que est, na maioria das vezes, associada educao musical informal e ao universo da msica popular.Apesardesermuitoutilizada,observoquenohmuitapreocupaoem definiraexpressotocardeouvido.Ostextosquetratamdotemaempregama expressosemespecificaraqueserefere,tratando-aquasecomoum conhecimentointrnseco.Oconsensoqueexistequeestaatividadeapia-se, exclusivamente, na audio para reproduzir uma msica no instrumento. Assim, a atividade tocar de ouvido pode ter vrios significados: tocar a linha meldica, com ou sem acompanhamento; tocar apenas os acordes bsicos ou toda aharmonia,ouaindareproduziroritmo.Emalgunscasos,tirarmsicadeouvido pode se referir reproduo da melodia acrescida de um arranjo musical18. McPherson(1997)afirmaqueahabilidadedetocardeouvidoest associadacapacidadedereproduziramsicalogoapst-laescutado,estando, tambm,associadacapacidadedetranspor,isto,reproduziramsicaem diferentes tonalidades. Apartirdasconsideraesapresentadasnestapesquisa,definotocarde ouvido como a habilidade de reproduzir msicas no instrumento atravs da audio. As msicas reproduzidas podem pertencer a um repertrio j conhecido, ou no, do sujeito.Oconceitodehabilidade,porsuavez,nosereferesaquisiesque dependem de algum treino, mas so um conjunto de possibilidades, de repertrios queexpressamnossasmltiplas,desejadaseesperadasconquistas.(MACEDO, 2005,p.73).Assim,tocardeouvidoumadaspossibilidadesdeseexpressar atravs da msica.Considerando que em minha pesquisa os sujeitos so estudantes iniciantes depiano,amodalidadeaquitrabalhadarefere-seatocardeouvidoumalinha meldica de uma cano conhecida e escolhida por eles.

17 Opto nesta pesquisa em utilizar expresses tocar de ouvido e tirar msica de ouvido entre aspas apenasnottulodadissertao,objetivos,questonorteadoraequandodefinoessasexpresses aqui no captulo 2.18 Oarranjosignificaareelaboraoouadaptaodeumacomposio,normalmenteparauma combinao sonora diferente da original (Dicionrio Grove de Msica, 1994, p.43). 30 Nestapesquisa,utilizareiasexpressestirarmsicadeouvido,tocarde ouvidoereproduodemsicaatravsdaaudio,todascomosinnimos, representandoabuscadosujeitoemreproduziramsicaescolhidaapartirda audio, tendo como base uma fonte sonora gravada (CD)19 ou o seu prprio cantar.Parasetocardeouvido,sefaznecessriocompreendercomoocorrea escuta musical para a posterior reproduo.Green (2002) constatou, a partir dos relatos dos msicos populares, que h trsprincipaistiposdeescutaenvolvidosnoprocessodetirarumamsicade ouvido:escutaproposital:temcomoobjetivoaprenderalgumacoisacomo objetivodecoloc-laemusodepoisdaexperinciadaescuta.20(p.23).Apartir dessetipodeescuta,omsicopodeaprenderatocarexatamenteconformea gravao da msica, buscando apreender seja mentalmente ou atravs da escrita daharmoniaoudeoutraspropriedadesdacanoasequnciaparaconseguir us-la em outro contexto. Esta escuta requer um exerccio analtico.escuta atenta: pode envolver o mesmo nvel de detalhes que uma escuta proposital, mas sem nenhum objetivo especfico de aprender alguma coisa a fim de conseguir tocar, lembrar, comparar ou descrev-la depois.21 (p.24) escutadistrada:quandoamsicatratadacomdistanciamento,sem nenhumoutroobjetivoquenosejaodivertimento.22(p.24).Nestetipodeescuta, no se costuma prestar muita ateno na msica.Apesar de Green ter observado essas diferenciaes na escuta, muitos dos entrevistados,quandodescrevemoprocessodecomoaprendematocaruma msica atravs da audio, utilizavam a expresso apenas escutar (2002, p. 64), o queremeteaumaescutaatentaoudistrada.Aautoratambmconstatou,atravs de seu estudo, que podemos passar por vrios tipos de escuta durante a apreciao de uma msica. Alm de gostar, podemos nos divertir e nos identificar com a msica para que ela seja aprendida.

19 CD abreviatura de Compact Disc. 20 Traduo nossa. 21 Traduo nossa. 22Traduo nossa. 31 Apsdefinirmosoquetocardeouvidoeostiposdeescutaquepodem estarenvolvidosnesseprocesso,faz-senecessriopensarnarelevnciada atividade em nvel de educao musical.Burnard (2002) acredita que a atividade de tocar de ouvido deva ser includa, pois, [...]almdeprazerosa,[]essencialparaaformaodomsico instrumentista, uma vez que requer uma escuta musical atenta e persistente equefavoreceodesenvolvimentodacapacidadedeouvirasimesmo. (BURNARD, 2002 apud SANTIAGO, 2006, p. 56). Green(2002)tambmserefereimportnciadaatividadetocardeouvido (a que, no livro, a autora se refere como copiar do CD), pois a considera essencial paradesenvolverahabilidadedeperformanceetambmfundamentalparaservir como base para a habilidade de compor. A autora justifica sua afirmao: O que aprendidoatravsdacpiadeumagravaopodeseradaptadoparaserviraum novo contexto musical e assim fornecer um precursor para uma inveno original23 (p. 75). Outro autor que menciona a relevncia dessa atividade McPherson (1997) aoconcluir,emsuapesquisa,queahabilidadedetocardeouvidoinfluencia positivamente tanto a habilidade de improvisar como, de modo muito significativo, a leitura musical. 2.3 ATIVIDADE TOCAR DE OUVIDO E AS CONCEPES PIAGETIANAS Nesta pesquisa, utilizo como base terica a Epistemologia Gentica de Jean Piaget e, por esse motivo, busco aproximaes com pesquisas na rea da educao musicalqueconsideramqueosujeito,atravsdasexperinciassignificativas, constrigradualmentesuasestruturascognitivasecapazdeinventarnovos saberes. Combasenisso,revisiteiaautoraBamberger(1995),quetomocomouma das principais referncias para este estudo devido proximidade que o meu tema e metodologia tm com a referida pesquisa.

23 Traduo nossa. 32 2.3.1 Bamberger e Aproximaes com a Presente Pesquisa 2.3.1.1 Apresentando o Estudo da Cano Hot Cross Buns Jeanne Bamberger, em seu livro The mind behind the musical ear (1995), desenvolveuumestudodastentativasdomeninoJeffpararegistraracanoHot CrossBunsapartirdaconstruodessacanoporaudionossinosde Montessori.Aautora,paratanto,analisoudoisprocessosrealizadosporJeff:a atividadedetiraramsicadeouvidoeaconstruodeumanotaoque possibilitasseaoutraspessoastocaremacanoqueoJeffhaviaconstrudonos sinos, utilizando, para isso, o registro feito por ele.Bamberger,duranteseurelato,questiona-sesobrecomoprocederpara ajudar Jeff nos momentos de impasse sem que, com isso, ela lhe d a resposta. O caminhoencontradopelaautoraodefazerintervenes,ondebusca, principalmente,atravsdequestionamentos,compreenderosprocedimentos inventados pelo aluno na resoluo da atividade.Asanlisesereflexesdaautorasobreosprocessosqueogarotoutilizou parasolucionarasduasetapasdaatividademusicalpropostasoapresentadas,a seguir, de forma resumida. Na resoluo da primeira parte montar a cano nos sinos de Montessori BambergerpercebequeJeffutiliza,deformacorrente,umprocedimentoem especial: tocar toda a cano e, ento, testar um sino por vez at eleger o novo sino. Ao analisar esse procedimento de Jeff, a autora argumenta que todos os sinos so consideradoscomoumapossibilidadeparaaconstruodacanoequeessa estratgiacriadaporJeff,comcerteza,norpida,maseficiente.Nasegunda parte do estudo a escrita de Jeff , Bamberger analisa as vrias elaboraes que o garotofazdosseusprpriosprocedimentosdurantearealizaodaatividadee conclui que, nessas tentativas de registrar o ritmo e a melodia, Jeff acaba unindo-as, poissotointerligadasumacomaoutraquesepar-lasumexercciode abstrao.24 (BAMBERGER, 1995, p.165).

24 Traduo nossa. 33 2.3.1.2 Bamberger e Piaget Bamberger(1995),aoiniciarsuasreflexesnoestudoanteriormente apresentado,ressaltaqueparaseconstruirumamelodia,sefaznecessrio considerarasrelaestemporais(durao)easrelaesdealtura(som). Especificamenteemrelaoaoparmetroaltura,aautoradestacaqueparauma pessoa construir uma msica ela precisa, necessariamente, ter referncias sonoras internas que possibilite comparar o som a ser procurado com o som que est sendo executadonoinstrumentonomomentodestaconstruo.Essaafirmaode Bamberger nos remete s representaes em nvel mental teorizadas por Piaget. ParaPiageteInhelder(1993a),asimagensmentaissurgem, aproximadamente, aos dois anos de idade, juntamente com a linguagem, a imitao eojogosimblico.Elaspodemserdistinguidasemduasgrandescategorias:as imagens reprodutivas e as imagens antecipadoras. Para os autores, asimagensreprodutivaslimitam-seaevocarespetculosjconhecidose percebidosanteriormente,easimagensantecipadoras,queimaginam movimentosoutransformaes,assimcomoseusresultados,massem haverassistidoanteriormentesuarealizao.(PIAGET;INHELDER, 1993a, p. 62). Asimagensmentaisnoso,necessariamente,cpiasfiisdarealidade, massimumsistemadesmbolosquepossibilitaaosujeitotrazerlembranaos objetos ausentes assim como prever transformaes futuras sobre estes. Na educao musical, denominamos de imagens aurais as imagens mentais queosujeito formasobreossonsqueescuta.ConformeBeyer(1999,p.15),so asimagensauraisquepossibilitamaumindivduoqueevoquesimbolicamentea realidade musical ausente. Costa(1995)afirmaqueessasimagenscomeamaseformarapartirdo momentoemqueosujeitocomeaatercontatocomossonsmusicais.Comoas imagensauraisestoligadassfunesintelectuais,elaspodemocorrerem diversosnveis.Porexemplo,num nvelmaiselementar, aimagemaural podeno relacionarumsomespecficoemumdeterminadocontextomusicalnemconseguir relacion-lo a um determinado conceito. Posteriormente, a criana pode, a partir dos intervaloscaractersticosdecanes,jogos,brincadeirasderoda,parlendase 34 outrasatividades,comearaformarumacoleodeimagensaurais,queficaro armazenadaseseroutilizadasquandonecessrio.Entretanto,osujeitopodeter umaimagemauraldeumintervaloespecficoenoterodomniosobreasua utilizao,oqueoimpossibilitardeusaresseintervalodeoutramaneiraoude transform-lo. Comopassardotempoeestandoosujeitoinseridonumprocessode educaomusical,existeapossibilidadedasimagenssonorascomearemase relacionar aos conceitos que elas representam. (COSTA, 1995, p. 20).Portanto,quando Bambergermencionaque,paraseconstruiruma melodia conhecida,necessriopossuirrefernciasinternas,aautoraestreferindo-ses representaesauraisououtrasrepresentaes.Soasrepresentaesmentais teorizadasporPiagetquepossibilitaroaosujeitorealizaraatividademusical proposta. Assim, as anlises e reflexes realizadas por Bamberger no estudo sobre a canoHotCrossBunseaepistemologiagenticadePiaget,auxiliaram-mea pensar sobre a minha pesquisa, orientando os meus procedimentos e direcionando omeuolharparacompreenderdequemodoosujeitoorganizasuasaescomo objetivo de tirar uma msica de ouvido. 3 PIAGET E AS INTERLOCUES COM ESTA PESQUISA A minha aproximao com a Epistemologia Gentica de Jean Piaget iniciou apartirdosestudosnasdisciplinascursadasnoProgramadePs-Graduaoem EducaonaUniversidadeFederaldoRioGrandedoSul(PPGEDU/UFRGS) durante o meu mestrado.Logo nos primeiros seminrios, senti-me motivada a criar interlocues entre esse referencial terico e minha prtica docente. Entretanto, a obra de Piaget no foi escritavisandoprticapedaggica,massimaodesenvolvimentodacriana. ConformeMacedo(1994)exatamenteesseobjetivoqueaproximaosestudos piagetianos da educao.NateoriadePiaget,oconhecimentoestemcontnuatransformao,pois ele uma consequncia das interaes entre sujeito e objeto, seja em nvel fsico ou mental. A compreenso de que o conhecimento est sempre em construo faz com que esse referencial terico tenha um carter construtivista. Assim, com base na epistemologia gentica, comecei a fazer conexes que mepossibilitaramcompreenderaconstruodoconhecimentomusicaldosmeus alunos de piano durante o desenvolvimento da tarefa tocar de ouvido. 3.1 COMPREENDENDO A INTERAO SUJEITO/OBJETO EM PIAGET AobradePiagettemcomofococentralaconstruodoconhecimentoa partir da interao do sujeito com o objeto. Na busca de compreender o que significa essainteraosujeito/objeto,sefaznecessrioentenderosvriosprocessosaqui implicadoscomo:assimilao,acomodao,adaptao,construodeesquemas, formao das estruturas cognitivas e funcionamento do sistema cognitivo. NolivroONascimentodaInteligncianaCriana(1987),Piaget, inicialmente,destacadoisprocessosfundamentaisemsuateoria:assimilaoe acomodao.O autor considera a assimilao o fator primordial, sendo essa representada pelaaodosujeitosobreoobjeto.Oobjetopodeserconsideradoalgoconcreto (fsico)ouapenasmental.Oautortambmdestacaquehdiferentestiposde assimilao:assimilaoreprodutora,queestvinculadanecessidadeda 36 repetio;aassimilaogeneralizadoraearecognitiva,asquaisacarretam mudanassutisentresinamedidaemquealtima(recognitiva)trazconsigouma perspectiva de diferenciao e, com isso, o incio do reconhecimento. ParaPiaget,todaassimilaoprovocaumaacomodaoparaelaprpria poder acontecer. Portanto, a acomodao a modificao que ocorre nas estruturas cognitivasdosujeito,tendocomoobjetivoincorporarasexignciasimpostaspelo meio.Apesardeosprocessosdeassimilaoeacomodaorepresentaremlados opostosdeumamesmaatividade,elesnoconstituemprocessosestanquesnem sequenciais,mascomplementaresesimultneos.Assim,podemosdefinirque assimilao quando o sujeito incorpora uma realidade externa qualquer a uma ou outrapartedociclodeorganizao(PIAGET,1987,p.380);enquantoa acomodaorepresentadapeloresultadodaspressesexercidaspelomeio (PIAGET,1987,p.17)sobreosujeito.Esseequilbrioentreaassimilaoea acomodao gera o que Piaget denominou de adaptao. Quandoassimilamos,incorporamosnovosobjetosaumesquemaj existenteouemconstruo.Essesesquemas,porsuavez,soprodutosdas assimilaesocorridasanteriormenteesoelesquefuncionarocomomatrizes para o sujeito em suas novas interaes com o meio. Os esquemas representam a sntesedasaes,ouseuaspectogeneralizvel.Assim,umesquemauma coordenao de ao, um saber fazer (MACEDO, 1994, p.146).Porm,ummesmoesquemapodeserenriquecidoecoordenadoaoutros esquemas,transformando-seemumaestruturamaiscomplexa.Porexemplo,uma ao prtica como o tocar a nota d central do piano para escutar e perceber o seu som,podedarlugarconstruodeimagenserepresentaesquepermitiro pensar no som.Um conjunto de esquemas coordena-se com outros conjuntos de esquemas que se coordenam entre si formando as estruturas do sistema cognitivo. Asestruturassoligaespermanentesdosistemacognitivo,que engendramsuaspossibilidades(aberturas)enecessidades(fechamentos). [...]elasso,aomesmotempo,oacabamentodeumaconstruoeuma abertura sobre novos possveis. (INHELDER; CAPRONA, 1996, p.20). 37 Asestruturascognitivasorientamomododeagirdosujeitodurantea resoluo de uma atividade. So elas que daro base s elaboraes de inferncias que se tornaro, pouco a pouco, necessrias. 3.1.1 As Inferncias Comovimosanteriormente,osesquemasfuncionamporqueesto relacionados entre si atravs de um vnculo cognitivo criado pela assimilao.PiageteGarcia(1997)afirmamquehvriasformasderelaesentreos esquemas,podendoessasrelaesserclassificadasemdoistipos:relaes causais e relaes de implicao.As relaes so consideradas causais quando esto centradas nos objetos e se referem aos resultados das aes (PIAGET; GARCIA, 1997, p. 149), ou seja, sorelaesapoiadasnasaesemseuaspectoconcretoouprtico.Osujeito consegue fazer constataes baseado nos resultados de suas aes, no havendo, nesse caso, antecipaes.Asrelaesdeimplicaoenvolvemcoordenaoentresignificaes.As significaesocorremgraasscoordenaeseimplicaesentreaes, possibilitando que o sujeito faa antecipaes, isto , inferncias. Dessa forma, acrianaprev,antesdeexperimentar,quaissoasmanobrasque fracassaroequaisqueteroxito;portanto,ocontroledaexperincia incide sobre a totalidade dessa deduo e no mais, como antes, sobre os pormenores de cada iniciativa singular. (PIAGET, 1987, p. 320). Nessetipoderelao,osujeitoaotomarumainiciativa,antecipa-sea implicao de outra que se tornar necessria, pois antecipar consiste em deduzir e todadeduoouinfernciaumasrieousistemadeimplicaes.(PIAGET; GARCIA, 1997, p. 26). Asimplicaestmcomoorigemasassimilaes,tantoareprodutora quantoageneralizadora.Naassimilaoreprodutora,ascondutasqueforam proveitosas, so repetidas e incorporadas a esquemas j existentes, conferindo-lhes uma significao ou, dito de outra forma, inserindo-as num sistema de implicaes. Naassimilaogeneralizadora,osobjetosnovossoincorporadosaosesquemas 38 conhecidoscomafinalidadedealiment-los,provocandonovassignificaese implicaes.Assim,aassimilaoreprodutora(erecognitiva),porumaparte,ea assimilao generalizadora, por outra parte, so, portanto, a origem da implicao. (PIAGET, 1987, p. 378). PiageteGarcia(1997)salientamquehumdesenvolvimentocorrelativo entre as inferncias e as implicaes, sendo possvel diferenciar trs nveis em cada umadelas.Paraumamelhorcompreenso,primeiramente,seroapresentadosos nveis de inferncias.NvelI:nestenvel,osujeitosfazinfernciastendocomobaseum universodeobjetosempricos,isto,osujeitosabenoplanodofazer,masno consegue pensar sobre (abstrair) esse fazer.Por exemplo: o sujeito ser capaz de escolher a alternativa correta, se esta estiver ao alcance de sua percepo. NvelII:asinfernciasrealizadasreferem-seacertasantecipaesque ultrapassamoqueperceptvel,constituindoimplicaesnecessrias.Porm,o sujeitoaindanocompreendeasrazesdesuasinferncias.Poressemotivo, suasinfernciassobastanteflutuantesedependemdocontextoemqueso formuladas.NvelIII:Asinfernciasestofundamentadasemrazesou demonstraes possveis. (PIAGET;GARCIA, 1997, p. 150). Dito de outra forma, as antecipaestmcomofundamentaoacompreensototaldaquestoaser resolvida. J as implicaes so classificadas e explicadas da seguinte forma: Implicaes Locais: a significao das aes est determinada pelo que percebidonosresultados.Poressemotivo,asimplicaessorestritasadados limitados e a contextos particulares, como, por exemplo, o aqui agora. ImplicaesSistmicas:aquijexisteumsistemaderelaes,porm aindalimitado,entreelementosprximos.Nessemomento,comeamosjuzos sobreoquepossvelouno,massemconsideraratotalidadedosfatos implicados. ImplicaesEstruturais:jexisteumacompreensointeriordosfatos observados. 39 PiageteGarcia(1997)confirmamquetodoconhecimento,desdeosnveis maiselementares,envolveumadimensoinferencial,sendoestaofundamentoda lgica das significaes. 3.2ANLISEMICROGENTICA:umapossibilidadedecompreenderalgicado sujeito Inhelder,Cellrierecolaboradores(1996),aopesquisaremamicrognesedoconhecimento,buscaramcompreenderosprocessosfuncionaisqueintervm quandoosujeitoaplicaseusconhecimentosemcontextosparticulares[...](p.7), analisando as representaes que o sujeito faz da tarefa para cumpri-la. Para que essas representaes ocorram, necessrio que o sujeito realize compensaes a partir das perturbaes desencadeadas pela interao com o meio, ouseja,odesequilbrioprovocadonodesenrolardaatividade.Asperturbaes, algumasdelasenvolvendocontradies,ocorremquandoosesquemasdequeo sujeitodispe,nososuficientespararesolverumadeterminadasituao.Ao superar uma perturbao, o sujeito integra-a ao seu sistema cognitivo, reelaborando aorganizaointernadosesquemas.Apossibilidadedesuperaracontradio,ou seja,oretornoaoequilbrio(reequilibrao),conduzosujeitocriaode novidades, como por exemplo, a inveno de um procedimento, ou uma nova forma de abordar a situao. Osprocedimentossodefinidoscomosequnciasfinalizadasdeaes (INHELDER; CAPRONA, 1996, p. 20). Um dos problemas do procedimento saber seeleestligadoresoluode umatarefaem particularouse passveldeser generalizado a outras situaes. ConformeMacedo(2008),oquediferenciaumprocedimentodeuma estratgia,exatamenteacapacidadedestaltimaserusadaemdiferentes situaes,ougeneralizada,enquantoosprocedimentossoformasdeao indissociveisdeseuscontedos.Omesmoprocedimentoemumasituao diferente pode no resultar no mesmo. (p.43)InheldereCaprona(1996)afirmamquenemtodososprocedimentos inventadospelosujeitooconduzemsoluodaatividade,maselespossibilitam 40 umanovaorientaocondutadacriana.Issopodeserexemplificadopelo retornoaozerodurantearealizaodeumaatividade,poisessamanobratorna possvelqueosujeitorevejaseusprocedimentos.Destaforma,construiruma estrutura ou inventar um procedimento supe assimilao de dados a esquemas e, em consequncia, uma atribuio de significaes. (p.21).Assignificaespodemseridentificadasapartirdequestesqueosujeito fazasimesmo.Ouseja,assignificaessorepresentadasatravsdeaes:o que podemos fazer com o objeto; de explicaes: o que podemos dizer do objeto; e dearticulaesemnveldepensamento:oquepodemospensardeumobjeto (PIAGET;GARCIA,1997).Namicrognese,assignificaesreferem-sesaes com o objetivo de solucionar a atividade. Portanto,aanlisemicrogenticaprocuraidentificarassignificaesqueo sujeito atribui ao que realiza, dentro de um contexto particular, buscando entender o queosujeitoutilizaparateracessoapossibilidadesquenotinhanoprincpioou [...]comoelesevaledoquesabefazerparaapreenderaquiloqueaindano conhece (INHLEDER; CAPRONA, 1996, p. 56). 3.3 QUESTO NORTEADORA DA PESQUISA Aminhatrajetriapessoalcomoaluna,eatualmentecomoprofessorade piano,somadaexperinciavividacomaalunaSolange,foramasmarcasque desencadearam meus questionamentos e reflexes at aqui apresentados.FundamentadanaEpistemologiaGenticadeJeanPiaget,apresentoa questo norteadora desta pesquisa: Dequemodoosujeitoorganizasuasaestendoemvistatiraruma msica de ouvido? 4 ORIENTAES METODOLGICAS Oobjetivodesteestudoanalisarosprocedimentosempregadospelo sujeito na atividade tocar de ouvido, procurando compreender de que modo organiza suas aes para encontrar as notas da melodia no piano.Comoofocodotrabalhoestnodesenrolardasaesdosujeitoena invenodosprocedimentospararesolveratarefaproposta,opteiporinvestigar meusprpriosalunosdepiano,oquemepossibilitouummaioracessosideias expressasatravsdesuasaes,falas,comportamentos,bemcomooutras manifestaes(experinciascotidianasemusicais)consideradasrelevantesna coleta, anlise e interpretao dos dados a partir do aporte terico escolhido. Oestudoaproxima-sedamicrognese,queestudaascondutas temporalizadas e tem como objetivo analisar o saber-fazer de cada sujeito dentro desuaindividualidade(INHELDER;CAPRONA,1996,p.8).Osautoresprocuram apreender a compreenso dos procedimentos dos sujeitos, analisando suas aes, repetiesdeaes,asvariaesprogressivasdasaes,assimcomoas mudanasdeaes.Paratanto,opesquisadordeveestaratentonos sequnciadasaesprticasdosujeitonaresoluodatarefaproposta,como tambmaoscomportamentosporeledemonstrados,taiscomogestos,mmicas, murmrios, falas, entre outras manifestaes. Aatividadeaserpropostaparaaanlisemicrogenticadeveser interessante e envolver o sujeito por um tempo suficientemente longo, para que ele possa entender o que realiza e, assim, desenvolver a capacidade de refletir sobre os meios e fins de suas aes. [...]importantequeatarefafavoreaasatividadescognitivaseseu exerccio,apeleimaginaoeinventividadedosujeito,quedeve experimentaranecessidadedetriunfar.Maisprecisamenteatarefadeve apresentardificuldadesreais,masassimilveispelacriana:eladeveter paraacrianaumsentidoe,noentanto,serumproblema.(INHELDER; CAPRONA, 1996, p.12 e 13). Paraatingirosseusobjetivos,osautoresdolivroOdesenrolardas descobertasdacriana:um estudosobreasmicrognesescognitivasutilizam,em muitosmomentos,amicrogneseassociadaaoestudodecaso,poisoestudode casopermiteobservaroencadeamentotemporaldasaes[...](INHELDER; 42 CAPRONA,1996,p.40),possibilitandoaopesquisadorummaiordetalhamentodo fato a ser estudado.Oestudodecaso,comoestratgiadepesquisa,representaumamaneira de se investigar um tpico emprico, seguindo-se um conjunto de procedimentos pr-especificados (YIN, 2002, p.35). Outra caracterstica do estudo de caso investigar o fenmeno dentro do seu contexto ou dentro do ambiente natural.Como estratgia de pesquisa, o estudo de caso podeincluirtantoestudosdecasonicoquantodecasosmltiplos.[...]os estudosdecasonicoecasosmltiplos,narealidade,sonadaalmdo que duas variantes dos projetos de estudo de caso. (YIN, 2002, p.33) Emvistadisso,apresentepesquisatemcarterqualitativoeadota abordagem microgentica associada ao estudo de casos mltiplos. 4.1 CONTEXTO DA PESQUISA Apesquisafoidesenvolvidaduranteasaulasparticularesdepiano, ministradaspelapesquisadoranomunicpiodeTaquara/RS,quetmcomo caracterstica serem individuais com a durao de uma hora por semana. Duranteasaulas,sodesenvolvidosdiversostiposdeatividadesmusicais, como,porexemplo,leitura,percepoauditiva,apreciao,composio,ritmo, tcnica, desenvolvimento de repertrio, entre outras propostas que tm por objetivo conciliarcomosinteressesmusicaisdoaluno,rumoaumaamplaaprendizagem pianstica.Aatividadedetocardeouvido,focodeinteressedestapesquisa, configura-secomoumrecortedaauladepiano.Notevecarterobrigatrio, ocorrendonomomentodaaulaeduranteotempoemqueoalunomostrou interesse. 4.2 CARACTERIZAO DOS SUJEITOS Aseleodossujeitosobservouosseguintespr-requisitos:interesseem participardaatividadedereproduzirmsicasatravsdaaudio;pertencerem 43 faixaetriaentre7e14anoseterautorizaodosresponsveislegaismediante preenchimento do formulrio Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (modelo em anexo).Inicieiacoletanosegundosemestrede2010,comasalunasAlice(10;9), Lris(12;2)eNatlia(14;7).Aindaduranteoprocesso,percebiqueAliceutilizava procedimentosdiferenciadosdasoutrasalunas.Aomesmotempo,LriseNatlia criavamcadaumaaseumodosoluesmuitoparecidas.Entusiasmadacom essasobservaes,resolviconvidaroutroaluno,Beto(7;10),aparticiparda pesquisa. Esse convite surgiu da motivao em acompanhar uma criana mais nova nabuscadesoluesaotirarumamsicadeouvido.Dessaforma,meustrs sujeitos tornaram-se quatro: Alice (10;9), Lris (12;2), Natlia (14;7) e Beto (7;10). Porm, trs meses depois, Renato (14;10) solicitou que o ajudasse a tocar umamsicadeouvidoparaquepudesseapresentar-setocandoecantandoem ingls num trabalho da disciplina de lngua estrangeira na sua escola regular. Essa solicitaosooucomomaisumapossibilidadedecompreenderosprocedimentos dos alunos durante a atividade tocar de ouvido. Convidei-o a participar da pesquisa. Assim, os sujeitos que no projeto estavam delimitados em trs, passaram a ser cinco: Alice (10;9), Lris (12;2), Natlia (14;7), Beto (7;10) e Renato (14;10).Entretanto, devido proximidade nos procedimentos de alguns alunos e ao tipodeanlisequemepropusrealizar,opteiporselecionarosseguintessujeitos: Beto (7;10),Alice (10;9) e Natlia (14;7).A escolha desses trs alunos no ocorreu por acaso, mas sim devido a uma maior quantidade de nuances de condutas observadas durante a atividade proposta e que, futuramente, poderiam contribuir, de forma mais profunda, para os estudos da atividade tocar de ouvido. 4.3 CARACTERIZAO DAS AES DA PESQUISADORA Omeuolhardepesquisadoraestfocadonosujeito,ouseja,noalunode pianoesuasdecisesdurantearesoluodaatividadedetirarmsicadeouvido. Por esse motivo, no tive a inteno de investigar a minha prtica como professora, mas sim de compreender procedimentos e decises dos alunos durante a resoluo dessa atividade musical. 44 Acredito que, dessa forma, assumo o papel de professora-pesquisadora, que Becker(2007)denominoudeprofessorlatosensu,ouseja,oprofessorque transforma a sua docncia num momento de reflexo, buscando possibilidades para compreenderosprocessosqueosalunospercorremnaconstruodoseu conhecimento.Minhasintervenestiveramcomofundamentoasobservaesinterativas prprias da anlise microgentica. Assim, as intervenes do observador so controladas de modo a no interferir na compreensodofuncionamentodeseusprpriosconhecimentosporparte dosujeito.Quandoocorre,aintervenofazparteintegrantedoprocesso de resoluo gerado pelo sujeito, a ttulo de varivel situacional. (ROBERT, 1996, p.129) As observaes interativas asseguraram, ao sujeito, liberdade de tomar suas prpriasiniciativas,poisasintervenesprocuraramnointerferirnassolues encontradaspelosujeito.Essaposturapossibilitouqueoalunodescobrisse,porsi mesmo,comoiniciaredarcontinuidadeatividadedetirarmsicadeouvido.Por esse motivo, as intervenes fizeram parte do processo desencadeado pelo sujeito e constituram uma varivel situacional inerente ao desenrolar da atividade. Tendocomobaseoconceitodeobservaointerativapropostopelos autores, minhas intervenes ocorrem, basicamente, nas seguintes situaes: intervenesdeencorajamento:quandopercebiaqueosujeitoparecia perder o nimo. Tal interveno caracteriza-se por estimular o aluno a prosseguir na resoluo da atividade; intervenesdeassinalamento:quandopercebiaqueosujeito necessitavademaiorcompreensodasaesquehaviarealizado.Essa interveno caracteriza-se por traduzir em palavras as aes do aluno; intervenesdeexplicao:quandopercebiaqueosujeitoencontrava obstculos que lhe pareciam, naquele momento, intransponveis. Conforme Macedo (1994,p.112)estetipodeintervenocaracteriza-seporperguntascomopor qu?,comovocsabe?etemcomoobjetivoprovocar,nosalunos,reflexesa partir de suas prprias justificativas. 45 4.4 COLETA DE DADOS Acoletadedadosiniciouimediatamenteapstersidopropostoaosujeito tocar de ouvido uma msica por ele escolhida.Paraisso,foramutilizadososseguintesinstrumentosderegistro:gravao emvdeo,anotaesemdiriodecampoeanotaesmusicaisfeitaspeloprprio sujeito. Baseadanoestudopreliminarforamprevistasgravaesemudiopara aquelas situaes em que o aluno mostrasse alguma dvida. A gravao seria uma maneira de comparar ou conferir as notas escolhidas. No entanto, esta situao no ocorreuaolongodapesquisa,ouseja,noforamrealizadasgravaesemudio com o objetivo de dirimir as dvidas dos alunos. 4.4.1 Gravao em Vdeo Oobjetivodagravaoemvdeofoiapoiarasanlises.Afilmagemtornou possvelretomarascenastantasvezesquantonecessrias,contribuindo decisivamente para a compreenso do desenrolar das aes dos sujeitos. Inhelder e Caprona(1996,p.12)afirmamqueagravao(emvdeo)permiteconfrontaros pontosdevistaeretomaraanlise,revendoodesempenhodosujeito,pois visualizar, muitas vezes, torna precisa a descrio. Poressemotivo,foramfilmadostodososmomentosdostrssujeitosem que ocorreu a atividade tocar de ouvido.A durao mdia de cada momento foi de, aproximadamente,23 minutos.Ototaldehorasfilmadasdostrssujeitos foide5 horas e 45 minutos. Duranteosencontros,acmeraficouposicionadanumlocalestratgico donde fossepossvelcaptarimagensdorostodosalunosedesuasmossobreo tecladodopiano.Foipossvelobservarqueapresenadacmeranoafetouo comportamento usual dos alunos. Asgravaesemvdeoforamintegralmentedegravadasearmazenadasem arquivo no computador. 46 4.4.2 Dirio de Campo BogdaneBiklen(1994,p.150)afirmamque,nosapontamentosdo pesquisador, deve constar aquilo que ele ouve, v, experiencia e pensa no decurso da coleta e reflexo sobre os dados de um estudo qualitativo. Combasenessesautores,utilizeiumdiriodecampoemtodosos encontrosemquefoidesenvolvidaaatividadetocardeouvido.Neleregistreias minhas impresses sobre os acontecimentos, bem como as minhas hipteses sobre as aes do aluno no desenrolar da atividade. Ao longo da coleta de dados, o dirio de campo foi revisado e atualizado, a fimderegistraramaiorquantidadepossveldedetalhesquepudessemauxiliara reconstruo do contexto da aula. 4.4.3 Anotaes Musicais Feitas pelo Prprio Sujeito Durantearealizaodaatividadetocardeouvido,foisolicitadoacada sujeito que anotasse, em seu caderno, as alturas conforme as fosse encontrando e considerandocorretasnopercursodesuamelodia.Asanotaestinhamcomo objetivo funcionar como recurso de memria para o aluno.Nofinaldaatividadefoisolicitadoaoalunoquetransformassesuaescrita espontneaemescritaconvencionalenfocando,pelomenos,oparmetroaltura.Esserecurso foi utilizado para ampliare aproximaraatividade tocarde ouvidodos demais aspectos que compem a aula de instrumento, como, nesse caso especfico, a escrita e a teoria musical. Nofinaldecadaaula,omaterialproduzidopelossujeitosfoirecolhidoe digitalizado, compondo o banco de partituras que retrata a trajetria percorrida pelo sujeito. 4.5 ELABORAO DOS PROTOCOLOS Omaterialempricodestapesquisaconsistenasaesdosalunosaotirar uma msica de ouvido. Como material emprico complementar, esta pesquisa conta com as anotaes musicais produzidas pelo sujeito e anotaes em dirio de campo 47 produzidaspelo pesquisador.Nabuscade organiz-loseprepar-losparaanlise, elaborei um documento com inteno de integrar essas informaes, que denominei protocolo.Cadaumadasaulasdecadasujeitooriginouumprotocolo,totalizandoa quantidade de quinze. Os protocolos foram estruturados, contemplando os seguintes dados:nmerodoprotocoloquecorrespondeaonmerodaaulaemquefoi desenvolvida a atividade; dia em que ocorreu a observao; nome do sujeito; ttulo da msica; cantor ou banda que interpreta a msica; tempo de filmagem do encontro (em minutos e segundos); resumo dos principais fatos da aula e minhas impresses sobre o sujeito nesse encontro; descriointegraldasaesocorridasduranteaatividadetocarde ouvido.Nas descries foram includas, j digitalizadas, as anotaes musicais dos alunos. Para melhor representar o momento narrado, utilizei o programa Paint25 para recortaretratarasimagens.Orecursomencionadopossibilitou-meeditaras anotaesdosalunosconformeassituaesqueestavamacontecendonum determinadomomentodaaula,dando,assim,ummaiordetalhamentoaos protocolos. 4.6 ESTUDO PRELIMINAR Oestudopreliminarteveumcarterformativo,quebuscouverificara relevncia da questo e aspectos conceituais da pesquisa (YIN, 2002). O estudo ocorreu durante as aulas particulares de piano ministradas por mim com apenas um sujeito. A atividade proposta teve como msica escolhida a cano

25 Paintumsoftwareutilizadoparaacriaodedesenhossimplesetambmparaaediode imagens. 48 natalinaBoteimeuSapatinho,quefoidesenvolvida,portrssemanas,nomsde dezembro de 2009.Foiatravsdestebreveestudoquepudeconfirmaraimportnciado direcionamento de meu olhar, auxiliando-me a elencar os elementos que originaram os focos de observao. Oestudopreliminarproporcionou-mecompreenderalgumasdasaesdo sujeitoesuaspossveissignificaesnabuscadesolucionaratarefatocarde ouvido. 4.7 FOCOS DE OBSERVAO Osfocosdeobservaoconstituramosindcios,tantodereaes emocionais quanto de aes prticas, que me possibilitaram organizar a anlise dos protocolos.OsfocosforamidentificadosnoEstudoPreliminare,posteriormente, ampliados a partir da coleta dos dados da pesquisa, gerando um total de oito focos. Para organiz-los e facilitar a compreenso, cada um deles foi identificado com uma letra do alfabeto (A at H), conforme apresento a seguir:A - as solues imediatamente encontradas pelo sujeito;B - as condutas claramente intencionais;C - as condutas repetitivas do sujeito;D - os momentos de impasse durante a resoluo da atividade;E - as reaes do sujeito diante dos momentos de impasse;F-aspossveisgeneralizaesqueosujeitofazduranteaatividade proposta; G - a utilizao de estratgias oriundas de outras reas do conhecimento; H-asimpressese/oupercepesprovocadaspelaatividadetocarde ouvido. 4.8 ANLISE DOS DADOS OsautoresInheldereCaprona(1996)destacamquenaanlise microgentica se faz necessrio observar 49 asatividadesdesenrolando-senaturaleespontaneamenteduranteum determinadoespaodetempo.Consequentemente,estaprimeirapesquisa j coloca o problema da decupagem pertinente da sequncia (INHELDER; CAPRONA, 1996, p. 41). Na presente pesquisa, a decupagem de sequncias pertinentes foi realizada apartirdosoitofocosdeobservao.Parafinsdeinterpretaoterica,procurei abordaroconjuntodosdadosbuscandoumavisodetotalidade.Dessemodo,os procedimentos empregados pelos sujeitos so definidos como unidade de anlise. AunidadedeanliseconformeYin(2002),relaciona-secomaquesto fundamentalestudada.Porconseguinte,oqueconduzainterpretaodosdados desta pesquisa a busca de compreenso dos procedimentos dos sujeitos, o modo como eles organizam suas aes e inventam maneiras de resolver a atividade tocar de ouvido. A teoria de Jean Piaget compe o quadro terico de referncia a partir do qual as interpretaes encontram coerncia e consistncia. 5 APRESENTAO DOS SUJEITOS E DAS SEQUNCIAS DE AES A exposio dos dados tem incio a partir da apresentao individual dos trs sujeitos desta pesquisa, salientando suas particularidades pessoais e musicais. Para apresent-los,soutilizadasinformaesgeraisedadosespecficosdareade msica extrados da entrevista26 inicial, realizada com todos os alunos que comeam seusestudosdepianocomigo,bemcomominhasimpressessobreeles.Essa contextualizaosefaznecessria,poismuitasdasiniciativasdossujeitosso marcadas por suas experincias com a msica ou oriundas de outras reas de suas vidas.Aseguirsoapresentadasassequnciasdeaesconsideradas pertinentes, tendo em vista o estudo pretendido. Conforme previsto na metodologia, trata-se de um recorte dos protocolos dos sujeitos a partir dos focos de observao. As sequncias constam nesta apresentao devidamente identificadas com relao aocontextooriginaldondeforamextradas.Osprotocolos,porsuavez,so identificados atravsdassiglasPB,PA ouPN,quecorrespondem respectivamente aosprotocolosdossujeitosBeto,AliceeNatlia.Logoaps,vmosnmerosdo encontro e da pgina de onde foi extrado o exemplo. A ltima informao refere-se aofocodeobservaoqueoriginouadecupagem.Cadafocoobservadoest representadoporumaletra(A,B,C,D,E,F,G,H),conformefoiexposto anteriormente na metodologia. Por exemplo: PB n1, p. 2/A refere-se ao protocolo de Beton1,pgina2,sobreassoluesimediatamenteencontradaspelosujeito. Essasistemticadeidentificaomantidanasdiferentessituaesemqueos sujeitos so nomeados ao longo do trabalho. Dandocontinuidade,expem-seassequnciasdeaesrespeitandoa ordemcronolgicadosacontecimentos.Asucessodosfatossefaznecessria paracompreendermosalgicautilizadapeloaluno,poissprogressivamente podemos identificar os recortes que o sujeito faz para desvelar seus procedimentos ou encadeamentos de aes (INHELDER; CAPRONA, 1996, p.12).

26Aentrevistacontempla,almdosdadospessoaisdoaluno,informaesestritamentemusicais, como, por exemplo, se j estudou piano de forma formal ou no, que livros utilizou, se sabe tocar de ouvido, se sabe improvisar, se sabe transpor, se toca outros instrumentos, se canta ou j cantou em algum coro e que tipo de msica prefere, assim como as suas motivaes para estudar o instrumento musical.51 5.1 APRESENTANDO BETO Conheci Beto (7;10) em maro de 2010, ano em que ele estava cursando o 2anodoensinofundamentalemumaescolaparticular.Logonaprimeiraaula, percebiqueBetoeraummeninotmido,muitointeligenteeinteressadoem aprender. Tambm demonstrava fluncia na leitura e na escrita do portugus, assim como uma facilidade em calcular (somar, subtrair, multiplicar e dividir).Betohaviafrequentadoaulasdepianodurante,aproximadamente,umano numconservatrionomunicpiodeTaquara.Oalunotrouxe,comolivrode referncia para estudo, uma coletnea de msicas de trs mtodos de iniciao ao piano:OCasteloD,R,Mi,deAparecidaFaulin;DuasMozinhasno Teclado, de Mrio Mascarenhas, e Meu piano divertido, de Alice Botelho. Apsdetalhadaanlisedosmtodoscitadosanteriormente,percebique todos tm como principal caracterstica a abordagem do D central, conforme define Jacobson (2006). Isto , o desenvolvimento da leitura musical - tanto da clave de sol quantodaclavedef-ocorreapartirdanotad3,ondeambasasmosse posicionam,colocandoopolegarnateclaconsideradareferncia,isto,od central.O mtodo de Mrio Mascarenhas sugere uma associao da abordagem do Dcentralcomainclusodedesenhosdiferenciadosparacadanota.Nesses desenhos,aprimeiraslabadafiguracorresponde(ousemelhante)aonomeda nota. Por exemplo: d representando pelo desenho de um dedo; a nota r por um relgio; mi por um gato; f por uma faca e a nota sol pelo desenho de um sol.Quando Beto comeou a estudar piano comigo, percebi que ele reconhecia comfacilidadealocalizaodasnotasd3asol3naclavedesol.Essafluncia ocorriatantonapautaquantonotecladodopiano.Entretanto,omesmono aconteciacomasnotasdaclavedef(f2ad3).Oalunotambmdemonstrava umagrandepreocupaocomoposicionamentodasmos,cujodedopolegar deveria, obrigatoriamente para ele, ficar sobre a tecla d3, isto , o d central.A seguir apresento a imagem de um teclado do piano com a localizao das notas, regio grave, regio aguda e a nota d central (d3). 52 Sons Graves D Central (D3) Sons Agudos (Descer) (Subir) Figura 1 - Teclado do Piano Ritmicamente, Beto conhecia as figuras e os seus valores27. Porm, na hora de executar ao piano, o aluno desconsiderava a leitura rtmica. Durante o primeiro ano letivo, tive a preocupao de mostrar a Beto que os dedosnosodonosdenenhumatecla.Tambmtrabalhamosbastantealeitura rtmica e a compreenso geral das informaes que constam numa partitura, como, porexemplo,articulaes,aestruturadasmsicas(oqueigual,oque semelhante,oquediferente),dinmicasentreoutrosaspectos.Betofezgrande progresso na rea rtmica e na compreenso das demais informaes musicais que compem a partitura. 5.1.1 Beto e a Atividade Tocar de Ouvido Noinciode2010,Betohaviademonstradointeressenaatividadetocarde ouvido, especificamente quando pediu para tocar a msica Fico assim sem voc, de Claudinho e Buchecha. Naquela situao, ao perguntar se gostaria de encontrar as notas da msica no piano, logo respondeu que no, mas sim que eu mesma fizesse essa tarefa. Combinamos, ento, que eu encontraria as notas da melodia no piano e eleescreveria,noseucadernopautado,asalturasparanoesquecer.Emvista disso,otrabalhovoltou-separaaescritamusical,especificamentedoparmetro altura,enoparaaatividadedetocardeouvido.Entretanto,considereiessa experinciaimportanteparaBeto,queprovavelmenteaindanotinhavivenciado essa situao. Mesesdepois,sugeriaBetoqueelemesmotentassetirardeouvidoa msica Atirei o pau no gato por ser conhecida do aluno. Beto achou legal e realizou

27 Oalunoconheciatrsfiguras,squaisatribuaosseguintesvalores:semibreve=4tempos, mnima = 2 tempos e semnima = 1 tempo. 53 a atividade, porm no se ateve s alturas corretas da melodia, contentando-se com aproximaesdonomedanotacomaslabadotextoqueestavasendoentoada. Essedetalhechamou-meaatenoeposteriormenteconvidei-oparaparticipar deste estudo. 5.1.2 A Escolha e Anlise da Msica de Beto Beto,quandofoisolicitadoaescolheramsicapararealizaraatividade desta pesquisa, me pediu ajuda. Sugeri algumas canes folclricas que acreditava queeleconhecia.CombasenaatividadedetirarmsicadeouvidoqueBetoj haviarealizadoanteriormentecomacanoAtireioPaunoGato,resolvipropor uma nova melodia em que o texto no tivesse slabas repetidas, como ocorria nessa cano.Convencionei,tambm,queanovamelodianoultrapassasseointervalo deumaoitava.Essecuidadocomaextensomeldicadacanotinhacomo objetivo delimitar a procura de notas.Depoisdealgumassugestes,propusacanoPezinho.Betogostouda escolha e mostrou conhecer tanto o texto quanto a linha meldica da msica e a sua coreografia. Conforme os autores Corts e Lessa (1997, p. 53), o Pezinho constitui uma dasdanasgachasmaisconhecidas.Asuamelodia,deorigemportuguesa, adaptou-se aqui no Rio Grande do Sul instrumentao tpica do estado. O Pezinho a nica dana popular rio-grandense em que todos os danarinos obrigatoriamente cantam, no se limitando a simples execuo da coreografia. O Pezinho pertence a umageraocoreogrficaespecial,queapresentaduasfigurascaractersticas:na primeira figura, h uma marcao de ps e, na segunda, os pares giram em redor de si prprios, tomados pelo brao. (CORTS; LESSA, 1997, p.53). O texto da cano composto por um refro28, que denominarei de Parte A, epormaistrsestrofes,quecorrespondemParteB.Cadaumadessaspartes repetida sempre duas vezes, conforme apresento a seguir29:

28 Conforme o dicionrio Mini Aurlio, as palavras refro e estribilho so sinnimos. 29 Otextodacano,andamentoepartituraforamextradosdolivroBrincandoderoda,deIris Costa Novaes, p.223. 54 Pezinho (Folclore do Rio Grande do Sul) (Parte A)Ai bota aqui, ai bota ali O teu pezinho, O teu pezinho bem juntinhoCom o meu. (2x) (Parte B)E depois no vai dizer Que voc j me esqueceu. (2x) (Parte A)Ai bota aqui, ai bota ali... (2x) (Parte B) E, no chegar desse teu corpo, Um abrao quero eu. (2x) (Parte A)Ai bota aqui, ai bota ali... (2x) (Parte B) E agora que estamos juntinhos, Da c um abrao e um beijinho. (2x) Beto,entretanto,scantaorefro(parteA)ea1estrofe(parteB).Outra particularidadequeoalunoutilizaopronomepossessivonaterceirapessoado singular, ou seja, em vez de cantar o teu pezinho, ele canta o seu pezinho. A forma da msica binria, composta por uma parte A, que corresponde ao refro, e uma parte B, que corresponde s estrofes. O andamento allegretto30e o compassobinriosimplescomfrasesqueiniciamemcontratempo.Asfiguras rtmicas que compem essa msica, so mnimas, semnimas e colcheias.O Pezinho possui, como extenso meldica, um intervalo de stima menor. Outra caracterstica da cano uma leve tendncia na repetio de notas.Nessa atividade, por sugesto minha, o aluno comeou a tocar a msica na nota sol3, o que corresponde tonalidade de d maior. A escolha dessa tonalidade foi proposital, pois Beto ainda no havia explorado as teclas pretas formalmente, ou seja,elejhaviatocadoporimitaoouatravsdeleituradepartiturascom

30 q = 104. 55 escritamusicalnoconvencionalouvanguardista31canesqueutilizamapenas asteclaspretas,masaindanohavialidopartiturascomalteraesdesustenidos nem de bemis. Beto foi o nico aluno que no utilizou gravao como referncia para tirar a msicadeouvido.Oapoiosonoroutilizadofoianossaprpriavozaocantar.O alunorealizouaatividadepropostaemquatrosemanas,usando,emmdia,19 minutos por encontro. Aseguir,napartitura1,apresentoacanoPezinho32natonalidadeded maior: Partitura 1 Pezinho

31 ConformeSouza(1999),hbasicamentequatrotiposdegrafiamusicalnoconvencionalou vanguardista:notaocomosmboloicnico;notaocomoregistrodaposiooudisposio corporal; notao associada significao musical e notao como fixao de alturas. 32 Apresento o texto da cano conforme o aluno Beto costuma cantar. 56 5.1.3 Sequncia de Aes de Beto33 BetocomeaatiraramsicaPezinhoapartirdanota34 sol3,conformeminhasugesto. Registra,emseucadernopautado,acano,colocandoprimeiramenteaclavedesol, seguida da nota sol, atravs da escrita convencional. Em seguida, toca as notas sol3 e d3 respectivamenteerapidamenteanotanapauta.Simone:Quepartedamsicaessed? Bo! [referindo-se primeira slaba da palavra bota]. O aluno reinicia a msica e toca o que havia registrado para continuar a sua procura. Interrompe a frase logo no trmino da palavra bota para anotar a nova nota f3 na sua partitura. Repete novamente a frase e acrescenta a nota mi3 para a palavra aqui. Ai,bo-ta aqui, (Fonte: PB n1, p. 2/A). Antes de Beto dar continuidade construo da frase seguinte da cano Pezinho [Ai, bota ali],oalunotocaoquejhaviaregistradoemseucadernoaomesmotempoemque cantamosamelodiacorretadacano.Assimquechegapartenova,tocaanotasol3, seguida da nota d3, e anota. Fala baixinho: Sol, d, f... s agora que eu mudo! Simone: Tu fizeste as notas iguais s do incio de propsito? [Falo, enquanto exemplifico, mostrando na partitura]. Sim. S a ltima que vai mudar. Simone: E por que tu fizeste igual? Porque o comeo igual! Simone: O texto? ! O texto da primeira e da segunda frase. Beto toca toda a parte da cano que j fez e acrescenta a nota r3 para palavra ali.

Ai,bo-ta a-qui,ai, bo- ta a- li(Fonte: PB n1, p. 3/B).

33 Todososdilogosapresentadostmcomocaractersticaaletraemitlicoquandoafalado sujeito.Inseriotextodascanesemtodososexemplosparafacilitaracompreensodapartitura queestsendoapresentada.Tambminclumolduracoloridaparadestacarosaspectosqueso relatados nos excertos. 34 Utilizoanumeraointernacionaldeoitavascomorefernciaparadescreverasnotasutilizadas pelos sujeitos, conforme apresentado por Bohumil Med no livro Teoria da Msica, 1996, p. 266. 57 NasegundafrasedaparteAdacanoPezinho[oseupezinho],Beto,semhesitar, decidequeanotad3correspondeaoartigoo.Depois,falaapalavraseuetocaanota r3.Logoemseguida,mudadeideiaapscantarapalavrapezinho,substituindoanota r3 pela nota sol3. Simone: O seu vai ser a nota sol? Ah! Simone: Por que no r que tu tinhastocadoantes?Porquecomosolvaificarmelhor.Betocontinuaprocuradanota para a primeira slaba da palavra pezinho [pe] e afirma: Agora sim o r! Para a segunda slaba da palavra pezinho [zi], Beto toca a nota mi3. Simone: Ah, tu escolheste a nota mi! O somdessanotaigualaosomdaslabaziquensestamoscantando?Ah!Simone: Igual?[Entoonovamenteaalturacorretadamelodiaenquantotocoanotaescolhidapelo aluno] Sim, por causa da ltima letra! Zi e mi terminam com i. Para finalizar, Beto escolhe a nota d3 para a ltima slaba da palavra pezinho [nho]. Ai,bo -ta a-qui, ai, bo- taa- lio seupe- zi -nho(Fonte: PB n1, p. 4/C;G). Naterceira frasedaparteA[oseupezinhobemjuntinho],Betoconsideracorretaanota sol3 para o artigo o e r3 para a palavra seu. Ao procurar a nota para a primeira slaba da palavrapezinho[pe],oalunodemonstradvidassobreaescolhadanotaanterior[r3]. Apaga-adapartitura.Fica,durantealgunssegundos,emsilncio,olhando fixamentepara assuasanotaes.Em seguida, resolvemanteranotar3,reescrevendo-anapauta.Na primeira slaba da palavra pezinho [pe], repete a nota r3. Simone: U, resolveste manter a nota r? ... os dois combinam. Simone: Deixa eu ouvir. Beto toca as notas que acabou de registrar ao mesmo tempo em que canta, junto comigo, a melodia correta desse trecho da msica. Simone: Ah, ento tu achas que igual o som que estamos cantando com o som que tu ests tocando no piano? Ah!

Ai,bo - ta aqui,ai, bo-ta a - li oseupe zi nho, o seupe - (Fonte: PB n1, p. 5/C;D;E). 58 No segundo encontro, retomo com o aluno o que ele havia realizado na aula anterior. Peo para ele tocar, enquanto cantamos o texto da cano com a melodia correta. Beto comenta: Olha,asnotassoiguais![apontandoparaapartitura].Simone:verdade...Snas palavrasdiferentes,aquieali,quetucolocastenotasdiferentes.porqueasduas palavras tm a mesma letra do mi. Simone: Mas nessa tu colocaste um r [apontando para anotaquecorrespondepalavraali].Betofazumaexpressodedvida.Emsilncio, pega a borracha e fica pensando se apaga ou no. Acho que vou ficar com o mi. [Apaga a nota r e coloca a nota mi3 no lugar]. Simone: Tu achas que o som da nota mi fica melhor quandoagentecantaapalavraali?[Cantaroloamelodiaesustentoosomnessaltima palavra].Euachoqueficabom.Beto,novamente,ficaemsilncioepegaaborracha. Simone: E agora? O que tu vais fazer? Vou arrumar aqui! [referindo-se s trs ltimas notas damelodiaquehaviatirado].Semtocarnenhumanotanopiano,Betocolocaanotad3 paraoartigoo,sol3paraapalavraseu,er3 paraaprimeira slabadapalavrapezinho [pe].Simone:Nossa!Quantasmodificaes!queooficamelhorcomod.Oseu combinamaiscomosol,epe[primeiraslabadapalavrapezinho]comor.Eujfiz assimnasoutras![risos,referindo-sesoutrasvezesemquehaviamaparecidoessas mesmas palavras]. Ai, bo - ta a qui, ai, bo-taa -li oseupe zi nho,o seupe -(Fonte: PB n2, p. 1/B;C;D;E;G). Beto pede para que eu toque a melodia que ele havia escrito em sua partitura, enquanto ele canta.Duranteaexecuodacano,perceboqueoalunoolhafixamenteparaminha mo.Logoapsotrminodamelodia,Betopegaolpisecomeaadesenharnasua partitura.Voucolocarumaligadura35!Simone:Tuvaisprumaligaduraparatocarbem ligado?Quandotutocas,parecequetem,n?Simone:,realmente,euachoquetem. Essamsicaficamelhorquandotocadabemjuntinho.Betoficaemsilnciodurante algunssegundos,contemplandoasuapartitura.Emseguida,recomeaatocarassuas anotaesao mesmo tempoem quecanta.Simone:Agora,tuachas queosom queest saindodasteclasdopianoestbemigualmsicaPezinho?Sim.Simone:Igualzinha, igualzinha? Sim, est! Ai,bo-a a qui, ai, bo-taa -li oseupe zi nho, o seupe - (Fonte: PB n2, p. 2/F).

35 Ligaduradeexpressoalinhacolocadasobreousobfigurasdealturasdiferentes,asquais devem ser executadas unidamente sem nenhuma interrupo. (MED, p.48, 1996). 59 Naterceira frasedaparteA,naltimaslabadapalavrapezinho[nho],Betopergunta: O nhoparecemaiscomodoucomosol?Simone:U?Porqu?Porqueosdoistma letra o. S que o d termina com a letra o como o outro [referindo-se ltima slaba da palavrapezinho],squetemacento.Simone:Entovamosverqualdasnotascombina maiscomosomquensestamoscantando.Vamoscantardesdeoincio?Beto,sem responder,comeaatocarsuasanotaes,masnocanta.Cantoamelodiaoriginal sobreposta s alturas que o aluno estava tocando. Quando chega slaba nho da palavra pezinho, Beto, sem vacilar, pega o lpis e escreve a nota d3. Ai,bo-ta a qui,ai, bo-taa -li oseu pe zi nho, o seupe zi-nho(Fonte: PB n2, p. 3/D;G). Assim que Beto finaliza a parte A da cano, comento: Beto! Sabe o que eu percebi agora, olhandoparatuapartitura?Temcoisasqueficaramiguais![Falo,enquantoexemplifico, mostrandonapartitura].Tutinhasnotadoisso?Ah,eufizparaficardireito!Simone:Tu fizeste de propsito? Por qu? Porque igual! Simone: O qu? O texto ou o som? O texto!

Ai,bo-ta a- qui, ai, bo - ta a -li oseupezinho, o seupe- zi -nho bem jun-ti-nho

como meu. (Fonte: PB n3, p. 4/B;G). 60 AoconcluiraparteAdacano,pergunto:Eagora?Oqueacontececomamsica? [silncio]Repete.Simone:Issomesmo!Elarepete!Eoqueagentepodef