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Laura Ramos, 10.º ano, n.º14, turma F, Escola Artística António Arroio - Disciplina de Português - Professora Eli
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1
Escola Artística António Arroio
Viagens por entre poemas
Língua Portuguesa
Professora: Elisabete Miguel
Laura Ramos nº14 10ºF
2
3
Introdução
O trabalho que vai ser apresentado consiste na construção de um dossiê com
20 poemas, com um tema aglutinador, e a ilustração de um deles.
A seleção baseia-se em poesias que me fizeram recordar momentos que
passei, bons ou maus, deixando, em mim, saudades desses tempos. Todos os
poemas que transcrevi são de autores portugueses, e optei por ilustrar “Teatro
da Boneca”, de Carlos Queirós. Como ilustração utilizei uma fotografia tirada
por mim.
Decidi também incluir a letra de uma música do meu particular agrado, por
considerar ter qualidades poéticas.
As imagens são fotografias da minha autoria, editadas por mim.
4
5
Vaguíssimo retrato
Levar-te à boca,
beber a água
mais funda do teu ser -
se a luz é tanta,
como se pode morrer?
Eugénio de Andrade, Obscuro Domínio
6
Nada
Eu no meu corpo como o tigre no seu bafo.
O mundo leva iguais a jaula e a casa.
Somos a vida que não é,
Fora não ser a morte.
Nem mesmo nada somos:
Estamos no que fomos
À espera do que importe.
Não se pode sair, e entrar já não:
Nada já deu entrada ao só nascido
Que é esse mesmo Nada:
Pelo que Nada não é nada,
Mas é nada
Em Deus que tudo gera.
Eu na minha alma como o bafo no seu tigre.
Vitorino Nemésio
7
Retrato do herói
Herói é quem no muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
E morre devagar de morte certa.
Homem é quem anónimo por leve
lhe ser o nome próprio traz aberta
a alma à fome fechado o corpo ao breve
instante em que a denúncia fica alerta.
Herói é quem morrendo perfilado
Não é santo nem mártir nem soldado
Mas apenas por último indefeso.
Homem é quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.
Manuel Alegre, O canto e as armas
8
Livro de Horas
Aqui diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.
Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,
e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.
Me confesso
o dono das minhas horas
O dos facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de
Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus
governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da
caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!
Miguel Torga
9
Retrato de uma princesa desconhecida
Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino
Sophia de Mello Breyner Andresen
10
Não choro...
A dor não me pertence.
Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.
Carrega os céus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...
Corre nas veias do ar,
atrai os abismos,
curva os pinheiros...
E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
Surge nos meus olhos
presa a um pássaro a morrer
no céu indiferente.
Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.
José Gomes Ferreira
11
Sem data
Esta voz com que gritei às vezes
Não me consola de só ter gritado às vezes.
Está dentro de mim como um remorso, ouço-a
Chiar sempre que lembro a paz de segurança estulta
Sob mais uma pedra tumular sem data verdadeira.
Quando acabava uma soma de silêncios,
Gritava o resultado, não gritava um grito.
Esta voz, enquanto um ar de torre à beira-mar
Circula entre folhas paradas,
Conduz a agonia física de recordar a ingenuidade.
Apetece-me explicar, agora, as asas dos anjos.
Jorge de Sena
12
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem sorte,
Sou a irmã do sonho, e desta sorte,
Sou a crucificada...a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Florbela Espanca, Livro de Mágoas
13
A palavra impossível
Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.
Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.
Adolfo Casais Monteiro
14
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças Nem consta que
tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa, Cancioneiro
15
“A pele que há em mim”
Quando o dia entardeceu
E o teu corpo tocou
Num recanto do meu
Uma dança acordou
E o sol apareceu
De gigante ficou
Num instante apagou
O sereno do céu
E a calma a aguardar lugar em mim
O desejo a contar segundo o fim.
Foi num ar que te deu
E o teu canto mudou
E o teu corpo do meu
Uma trança arrancou
O sangue arrefeceu
E o meu pé aterrou
Minha voz sussurrou
O meu sonho morreu
Dá-me o mar, o meu rio, minha calçada.
Dá-me o quarto vazio da minha casa
Vou deixar-te no fio da tua fala.
Sobre a pele que há em mim
Tu não sabes nada.
Letra da Música de Márcia & JP Simões
16
Heroísmos
Eu temo muito o mar, o mar enorme,
Solene, enraivecido, turbulento,
Erguido em vagalhões, rugindo ao vento;
O mar sublime, o mar que nunca dorme.
Eu temo o largo mar rebelde, informe,
De vítimas famélico, sedento,
E creio ouvir em cada seu lamento
Os ruídos dum túmulo disforme.
Contudo, num barquinho transparente,
No ser dorso feroz vou blasonar,
Tufada a vela e n'água quase assente,
E ouvindo muito ao perto o seu bramar,
Eu rindo, sem cuidados, simplesmente,
Escarro, com desdém, no grande mar!
Cesário Verde
17
Página
outro é o tempo
outra a medida
tão grande a página
tão curta a escrita
entre o achigã e a perdiz
entre chaparro e choupo
tanto país
e tão pouco
Manuel Alegre, Alentejo e Ninguém
18
Estação
Esperar ou vir esperar querer ou vir querer-te
vou perdendo a noção desta subtileza.
Aqui chegado até eu venho ver se me apareço
e o fato com que virei preocupa-me, pois chove miudinho
Muita vez vim esperar-te e não houve chegada
De outras, esperei-me eu e não apareci
embora bem procurado entre os mais que passavam.
Se algum de nós vier hoje é já bastante
como comboio e como subtileza
Que dê o nome e espere. Talvez apareça
Mário Cesariny
19
Cantiga do ódio
O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?
Carlos de Oliveira
20
Libertação
Menino doido, olhei em volta, e vi-me
Fechado e só na grande sala escura.
(Abrir a porta, além de ser um crime,
Era impossível para a minha altura...)
Como passar o tempo?... E diverti-me
Desta maneira trágica e segura:
Pegando em mim, rasguei-me, abri, parti-me,
Desfiz trapos, arames, serradura...
Ah, meu menino histérico e precoce!
Tu, sim!, que tens mãos trágicas de posse,
E tens a inquietação da Descoberta!
O menino, por fim, tombou cansado;
O seu boneco aí jaz esfarelado...
E eu acho, nem sei como, a porta aberta!
José Régio
21
Não fugir. Suster o peso da hora
Não fugir. Suster o peso da hora
Sem palavras minhas e sem os sonhos,
Fáceis, e sem as outras falsidades.
Numa espécie de morte mais terrível
Ser de mim despojado, ser
abandonado aos pés como um vestido.
Sem pressa atravessar a asfixia.
Não vergar. Suster o peso da hora
Até soltar sua canção intacta.
Cristovam Pavia
22
Comigo me desavim
Comigo me desavim,
Vejo-me em grande perigo;
Não posso viver comigo,
Não posso fugir de mim.
Antes que este mal tivesse,
Da outra gente fugia.
Agora já fugiria
De mim se de mim pudesse.
Que cabo espero ou que fim,
Deste cuidado que sigo,
Pois trago a mim comigo,
Tamanho imigo de mim.
Sá de Miranda
23
Desaparecido
Sempre que leio nos jornais:
"De casa de seus pais desapar'ceu..."
Embora sejam outros os sinais,
Suponho sempre que sou eu.
Eu, verdadeiramente jovem,
Que por caminhos meus e naturais,
Do meu veleiro, que ora os outros movem,
Pudesse ser o próprio arrais.
Eu, que tentasse errado norte;
Vencido, embora, por contrário vento,
Mas desprezasse, consciente e forte,
O porto de arrependimento.
Eu, que pudesse, enfim, ser meu
- Livre o instinto, em vez de coagido.
"De casa de seus pais desapar'ceu..."
Eu, o feliz desapar'cido!
Carlos Queirós
24
Teatro da boneca
A menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca.
A boneca ninguém sabe se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora também já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.
E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca arromba as portas de todos os armários.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda parte.
A boneca enche a casa toda.
É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.
A boneca.
A boneca.
Carlos Queirós
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26
A minha fotografia - justificação
Escolhi esta imagem porque representa bastante bem a minha ideia do
poema. As bonecas a saírem das gavetas, como se fosse a nossa infância a
tentar vir, de novo, à tona, com todas as nossas recordações, todos os
pequenos momentos que um dia vivemos.
Todos temos uma criança dentro de nós, mas nem sempre a deixamos
respirar… Talvez porque é mais fácil esconder aquilo que fomos que deixar
que influencie o nosso persente…
A boneca, que um dia significou tudo para a menina, foi esquecida. A
menina cresceu, a criança, em si, morreu. Mas, por mais que se tente, não se
consegue esconder o passado, a boneca não cabe em nenhuma gaveta, é
demasiado grande para poder desaparecer, demasiado forte para morrer.
Na minha opinião, não vale a pena esconder aquilo que fomos, não
devemos ter vergonha daquilo que passamos, das decisões que tomámos, das
memórias que criámos… Porque um dia podemos acordar e acabar por nos
aperceber que, esses sim, foram os bons tempos, e que agora só resta a
saudade, e o desejo de poder voltar atrás e poder brincar com a boneca, pela
última vez.
27
A selecção - motivação
Selecionei estes poemas, porque todos eles me tocaram de alguma
forma. Não só por grande parte deles me fazerem lembrar pessoas que fazem
ou fizeram parte da minha vida, como também momentos que passei, bons e
maus, que tinham ficado na minha memória, muitos dos quais, julgava eu,
tinham sido há muito esquecidos.
Alguns destes poemas fizeram-me recordar pequenas coisas, coisas
simples, vivências. Deixando-me, de alguma forma, com pena de lhes ter
permitido passar tão depressa e de não as ter disfrutado tanto quanto devia…
Assim, escolhi estes poemas principalmente pelas recordações que me
ficaram, algumas antigas, outras recentes. Mas principalmente porque
deixaram em mim um sentimento de pena e saudade, e um desejo de voltar
atrás no tempo.
Por outro lado, elegi também poemas que me caracterizam enquanto
pessoa, poesias com que me identifiquei. Não só relativamente ao que sou
hoje, mas também áquilo que um dia fui. E afinal de contas, sou uma pessoa
feita de memórias…
28
Conclusão
Gostei de ter realizar este trabalho, penso que foi uma proposta de
trabalho inteligente no sentido de levar os jovens a relerem textos e, ao terem
de pesquisar, descobrirem novos poetas, novos versos, contribuindo, assim,
para o maior conhecimento e gosto pela poesia.
Confesso que aquilo em que tive mais dificuldade foi na eleição dos 20
poemas. Confesso que considero ter ultrapassado as dificuldades mas sei que,
embora a maioria se integre no tema, a escolha de uns éi menos óbvia do que
a de outros.
Apesar de ter tido encontrado alguns obstáculos e me ter deparado com
imprevistos vários, creio que os soube superar e que correspondi ao
pretendido, tanto na pesquisa e seleção de textos, como na ilustração do meu
poema preferido assim como na justificação das opções.
29
Sítios consultados (janeiro e fevereiro)
http://portodeabrigo.do.sapo.pt/
http://www.citador.pt/poemas/a/fernando-pessoa
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/camoes.html
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/florbela.html
http://cvc.instituto-camoes.pt/poemasemana/25/cqueiros.html
http://pracadapoesia.blogspot.com/2008/12/teatro-da-boneca.html
http://www.animaramalta.com/musica-portuguesa-tuga/marcia-jp-simoes-a-
pele-que-ha-em-mim
30
Índice
introdução 3
“Vaguíssimo retrato” Eugénio de Andrade 5
“Nada” Vitorino Nemésio 6
“Retrato do herói” Manuel Alegre 7
“Livro de Horas” Livro de Horas Miguel Torga 8
“ Retrato de uma princesa esconhecida” Sophia de M. Breyner 9
“Não choro…” Miguel Torga 10
“Sem data” Jorge de Sena 11
“Eu” Florbela Espanca 12
“Palavra impossível” Adolfo Casais Monteiro 13
“Liberdad”e LFernando Pessoa 14
“A pele que há em mim”
Letra de Márcia & JP Simões
15
“Heroísmo” Cesário Verde 16
“Página” Manuel Alegre 17
“Estação” Mário Cesariny 18
Cantiga do ódio Carlos de Oliveira 19
“Libertação” José Régio 20
“Não fugir, suster o peso da hora” Cristovam Pavia 21
“Comigo me desavim” Sá de Miranda 22
“Desaparecido” Carlos Queirós 23
“A boneca” Carlos Queirós 24
Fotografia 25
Justificação da imagem 26
A razão da seleção 27
Conclusão 28
Sítios consultados 29