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REVISTA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO
Juizados Especiais
AGOSTO DE 2006
NÚMERO 17
ISSN 1678-3085R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 01-274, 2006.
PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAUSEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO
Editora: Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva Juíza Federal da 3ª Vara de Execução Fiscal Planejamento: Patrícia Reis Longhi Secretaria Geral - SG Gabriela Gomes de Ávila Subsecretaria de Documentação e Divulgação – SDD Indexação: Seção de Biblioteca - SEBIB/SDD Célia Barreto Gil Dayananda Souza Nunes Eliane Maria Teixeira da Cruz Silva Tristão Patrícia Waldeck Rodrigues Marina de Pinho e Souza Oliveira
Diagramação: Teresa Cristina de Figueiredo Montes Seção de Publicação - SEPUB/SDD
Revisão: Fabio Rosário Damique Fisciletti Seção de Publicação - SEPUB/SDD Contracapa: Foto de Pedro Leal Seção de Assessoria de Imprensa - SEASI Capa: Subsecretaria de Documentação e Divulgação - SDD Impressão: Gráfica da Justiça Federal da 2ª Região
Tiragem: 600 exemplares
Endereço: Seção Judiciária do Rio de Janeiro Subsecretaria de Documentação e Divulgação Av. Venezuela, 134 - Bloco B/5º andar Centro - Rio de Janeiro/RJ CEP: 20081-312 Tel.: (21) 2510-8966 - Fax.: (21) 2510-8968 E-mail: [email protected]
Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, n. 17 – Rio de Janeiro: JFRJ. 2006 274p.
Continuação de: Revista de Jurisprudência da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. 1994-2002.
ISSN 1678-3085
1.Direito – Periódicos 2. Seção Judiciária do Rio de Janeiro – Jurisprudência. I. Brasil. Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro.
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REVISTA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO
Editora Responsável
Fernanda Duarte Lopes Lucas da SilvaJuíza Federal da 3ª Vara de Execução Fiscal
Direção da SJRJ
Carlos Guilherme Francovich LugonesJuiz Federal — Diretor do Foro
Mauro Souza da Costa BragaJuiz Federal — Vice-Diretor do Foro
Titulares e Substitutos
Juízes Federais de 1º Grau
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU Titulares(em ordem alfabética)
Adriana Barretto de Carvalho Rizzotto
Alberto Nogueira Júnior
Alcides Martins Ribeiro Filho
Alcir Luiz Lopes Coelho
Alexandre Libonati de Abreu
Alexandre Miguel
Alfredo França Neto
Alfredo Jara Moura
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes
Ana Amélia Silveira Moreira Antoun Netto
Ana Paula Vieira de Carvalho
Andrea Cunha Esmeraldo
Andrea Daquer Barsotti
Andrea de Luca Vitagliano
Anelisa Pozzer
Angelina de Siqueira Costa
Antonio Henrique Correa da Silva
Augusto Guilherme Diefenthaeler
Bianca Stamato Fernandes
Boaventura João Andrade
Carlos Alexandre Benjamin
Carlos Guilherme Francovich Lugones
Carmen Silvia de Arruda Torres
Cassio Murilo Monteiro Granzinoli
Cláudia Maria Pereira Bastos Neiva
Claudia Valeria Bastos Fernandes
Cristiane Conde Chmatalik
Cynthia Leite Marques
Daniela Milanez
Edna Carvalho Kleemann
Eduardo André Brandão Fernandes
Edward Carlyle Silva
Eloá Alves Ferreira
Enara de Oliveira Olimpio Ramos Pinto
Erika Schmitz Assumpção Ramos
Eugênio Rosa de Araújo
Fátima Maria Novelino Sequeira
Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva
Fernando Cesar Baptista de Mattos
Firly Nascimento Filho
Flávia Caldas da Rocha
Flavio Oliveira Lucas
Frana Elizabeth Mendes
Geraldine Pinto Vital de Castro
Guilherme Bollorini Pereira
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Guilherme Couto de Castro
Helena Elias Pinto
Humberto de Vasconcelos Sampaio
Isabel Cristina Longuinho Batista de Souza
Isabel Maria de Figueredo Souto
Jane Reis Gonçalves Pereira
José Antônio Lisboa Neiva
José Arthur Diniz Borges
José Carlos da Silva Garcia
José Eduardo do Nascimento
José Eduardo Nobre Matta
José Ferreira Neves Neto
Julio Emilio Abranches Mansur
Lafredo Lisboa Vieira Lopes
Lana Maria Fontes Regueira
Leopoldo Muylaert
Livia Maria Ferreira Orotavo
Lucy Costa de Freitas Campani
Luis Eduardo Bianchi Cerqueira
Luiz Claudio Flores da Cunha
Luiz Eduardo Pimenta Pereira
Luiz Norton Baptista de Mattos
Luiz Paulo da Silva Araújo Filho
Macário Ramos Júdice Neto
Manoel Rolim Campbell Penna
Marcello Ferreira de Souza Granado
Marcelo Bretas
Marcelo da Fonseca Guerreiro
Marcelo Leonardo Tavares
Marcelo Luzio Marques de Araújo
Marcelo Pereira da Silva
Márcia Helena Ribeiro Pereira Nunes
Marcia Maria Nunes de Barros
Marco Falcão Critsinelis
Marcos André Bizzo Moliari
Marcus Livio Gomes
Marcus Vinicius Figueiredo de Oliveira Costa
Maria Alice Paim Lyard
Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho
Maria Claudia de Garcia Paula Allemand
Maria do Carmo Freitas Ribeiro
Mauro Luís Rocha Lopes
Mauro Souza Marques da Costa Braga
Monique Calmon de Almeida Biolchini
Nizete Antônia Lobato Rodrigues
Paula Patricia Provedel Mello Nogueira
Paulo André Rodrigues de Lima Espirito Santo
Paulo Pereira Leite Filho
Regina Coeli Medeiros de Carvalho Peixoto
Renato Cesar Pessanha de Souza
Ricardo Perlingeiro Mendes da Silva
Ricarlos Almagro Vitoriano Cunha
Rogério Moreira Alves
Rogério Tobias de Carvalho
Salete Maria Polita Maccalóz
Sandra Meirim Chalu Barbosa de Campos
Sidney Merhy Monteiro Peres
Silvio Wanderley do Nascimento Lima
Simone Bretas
Simone Schreiber
Theophilo Antonio Miguel Filho
Valéria Caldi Magalhães
Valéria Medeiros de Albuquerque
Vigdor Teitel
Virgínia Procópio Oliveira Silva
Vladimir Santos Vitovsky
Washington Juarez de Brito Filho
William Douglas Resinente dos Santos
Wilney Magno de Azevedo Silva
Wilson José Witzel
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU Substitutos(em ordem alfabética)
Adriana Alves dos Santos Cruz
Adriana Menezes de Rezende
Adriano Saldanha Gomes de Oliveira
Ailton Schramm de Rocha
Alceu Maurício Junior
Alessandra Belfort Bueno Barroso
Alexandre Berzosa Saliba
Alexandre da Silva Arruda
Alfredo de Almeida Lopes
Aline Alves de Melo Miranda
Américo Bedê Freire Junior
Ana Carolina Vieira de Carvalho
Ana Cristina Ferreira de Miranda
Ana Paula Rodrigues Mathias
André de Magalhães Lenart Zilberkrein
André Luiz Martins da Silva
Bianor Arruda Bezerra Neto
Bruno Dutra
Bruno Otero Nery
Caio Márcio Gutterres Taranto
Caroline Medeiros e Silva
Cleyde Muniz da Silva Carvalho
Daniela Pereira Madeira
Daniella Rocha Santos Ferreira de Souza Motta
Dario Ribeiro Machado Junior
Elmo Gomes de Souza
Érico Teixeira Vinhosa Pinto
Erik Navarro Wolkart
Fábio César dos Santos Oliveira
Fábio de Souza Silva
Fábio Nobre Bueno Brandão
Fábio Tenemblat
Fabíola Utzig Haselof
Fabrício Antonio Soares
Fabrício Fernandes de Castro
Flávia Heine Peixoto
Flávio Roberto de Souza
Francisco de Assis Basilio de Moraes
Gilson David Campos
Gustavo Arruda Macedo
Hudson Targino Gurgel
Iorio Siqueira D’Alessandri Forti
Itália Maria Zimardi Arêas Poppe Bertozzi
João Marcelo Oliveira Rocha
José Carlos da Frota Matos
José Carlos Zebulum
José Luis Castro Rodriguez
Juliana Brandão da Silveira Couto
Kelly Cristina Oliveira Costa
Leonardo Marques Lessa
Liléa Pires de Medeiros
Luiz Clemente Pereira Filho
Marceli Maria Carvalho Siqueira
Marcella Araújo da Nova Brandão
Marcello Enes Figueira
Márcia Maria Ferreira da Silva
Márcio Solter
Marcos Aurélio Silva Pedrazas
Margareth de Cássia Thomaz Rostey
Maria de Lourdes Coutinho Tavares
Marianna Carvalho Bellotti
Marina de Mattos Salles
Mariza do Nascimento Silva Pimenta-Bueno
Natália Tupper dos Santos
Odilon Romano Neto
Osair Victor de Oliveira Junior
Pablo Coelho Charles Gomes
Paulo Gonçalves de Oliveira Filho
Rafael de Souza Pereira Pinto
Raffaele Felice Pirro
Ricardo Ribeiro Campos
Roberto Dantes Schuman de Paula
Roberto Gil Leal Faria
Rodolfo Kronemberg Hartmann
Rodrigo Esperança Borba
Rômulo Filizzola Nogueira
Ronald Kruger Rodor
Rosália Monteiro Figueira
Sandro Valério Andrade do Nascimento
Stelly Gomes Leal da Cruz Pacheco
Valter Shuenquener de Araújo
Vellêda Bivar Soares Dias Neta
Viviany de Paula Arruda
Vlamir Costa Magalhães
Walner de Almeida Pinto
Apresentação
A Justiça Federal do Rio de Janeiro se sente gratificada e prestigiada com
a evolução e a repercussão que cada número da Revista da SJRJ tem apresentado. Nossa
publicação está cada vez mais interessante, com uma participação cada vez maior de
magistrados e, principalmente agora, com a abertura para publicação de artigos elabo-
rados por servidores e estagiários desta Seção Judiciária e colaboradores externos. Estas
colaborações enriquecem ainda mais este número, possibilitando uma visão pluralista
do universo jurídico, veiculando diferentes visões sobre o tema selecionado para esta
edição: os Juizados Federais Especiais – que prometem ou negam uma possibilidade de
ruptura com um sistema judicial tradicional de acesso à justiça?
Este não é o primeiro número sobre o tema. Uma edição especial, lançada
em fevereiro de 2003, reinaugurou a Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Naquela oportunidade somente se apresentavam sentenças. Hoje se vai mais além: as
sentenças permanecem, evidentemente, como parte de um caleidoscópio que reflete a
atuação de nossos magistrados federais, mas há um expressivo espaço para a reflexão
crítica sobre o tema, bem como para uma maior aproximação entre a pesquisa acadê-
mica e o Judiciário.
Os artigos deste número tratam de assuntos tão diversos quanto pertinen-
tes, marcados por trabalhos sobre a estrutura processual que informa o acesso aos JEFs
e ao direito nele pleiteado.
Esse interesse investigativo na seara processual confirma nossa consolidada
tradição de privilegiar os estudos das questões processuais, em suas distintas dimensões.
Nesse sentido, podemos listar os seguintes textos: o estudo do RE nº 418.918-6/RJ e da me-
dida cautelar nº 272-9 para análise do efeito vinculante de recurso extraordinário, da autoria
de Caio Márcio Guterres Taranto; a atuação da Defensoria Pública da União nos Juizados
Especiais Federais, elaborado por Cristiane Conde Chmatalik; uma exegese das requisões
de pequeno valor, expressas no art. 87 do ADCT, criado pela EC nº 37/02, por Eugênio Rosa
de Araújo; uma advertência para a atuação dos rábulas em nossa Seção Judiciária, de José
Antônio Seixas da Silva; a supressão do efeito suspensivo da apelação, o julgamento limi-
nar de improcedência do pedido e a uniformização da interpretação do direito federal nos
Juizados Especiais Estaduais, por Luiz Norton Baptista de Mattos; e, finalmente, a questão
da celeridade processual nos juizados, com a sentença de improcedência anterior à citação
nos Juizados Especiais Federais, da autoria de Rafael da Silva Rocha.
Também, no campo da investigação sociológica, e de forma pioneira, a Re-
vista divulga resultados surpreendentes, obtidos por Maria Stella de Amorim, em pesquisa
de campo realizada entre juizados especiais federais e estaduais da Região Metropolitana
do Rio de Janeiro, em perspectiva comparada, nos últimos anos. A autora privilegia a ótica
do jurisdicionado e a natureza do conflito apresentando perante o Estado-juiz – o que
dá ao tema escolhido uma maior amplitude e aproximação com a sociedade civil. E no
plano institucional, Josélia Ferreira dos Reis discute a importância e o desenvolvimento
do serviço social na Seção de Atendimento dos Juizados Especiais Federais.
Quanto às sentenças, também se verifica um perfil rico e variado. A liti-
gância de má-fé é examinada pelo juiz André Lenart; a caracterização do dano moral
durante atividade realizada por servidora pública é apreciada pela juíza Cristiane Conde
Chmatalik; e a indenização por danos patrimoniais e morais a servidor público, devido à
ausência de revisão geral da remuneração segundo o art. 37, X, da CF/88, é decidida pela
juíza Angelina de Siqueira Costa. Nesta seção, dedicada à atividade jurisprudencial, ainda
há duas ementas das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. A primeira,
tendo como relatora a juíza Geraldine Pinto Vital de Castro, trata sobre o pedido de
prestação pecuniária única em pecúlio, conforme a Lei nº 8.870/94. A segunda, relatada
pelo juiz Paulo André Rodrigues de Lima Espirito Santo, cuida da consideração do tempo
de serviço exercido em condições especiais.
Para finalizar, são trazidos dois outros textos especiais. Tem-se a recensão
de um dos marcos teóricos da Filosofia do Direito, a obra “Introdução ao Pensamento
Jurídico”, de Karl Engisch, elaborada por Eugênio Rosa de Araújo. E, por último, o Relato
do 2º FONAJEF (Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais), realizado em outubro
de 2005, de autoria de José Carlos Garcia, com a inclusão de todos os enunciados pro-
duzidos neste encontro.
A Justiça Federal, em nome da Revista da SJRJ e de sua Editora, agradece
a todos os colaboradores e realizadores desta revista por todo empenho, dedicação e
criação, desejando que o magistrado, servidor, advogado, pesquisador, professor ou
acadêmico de Direito, aprecie este material e o nosso esforço para manter um espaço
plural e crítico sobre o Direito de nosso país.
FERNANDA DUARTE LOPES LUCAS DA SILVA
Juíza Federal da 3ª Vara Federal de Execução Fiscal
Editora da Revista da SJRJ
Lista de Siglas
ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
CDC – Código de Defesa e Proteção do Consumidor
CEF – Caixa Econômica Federal
CJF – Conselho da Justiça Federal
CPC – Código de Processo Civil
INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
MP – Ministério Público
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
Sumário
JUIZADOS ESPECIAIS
ARTIGOS
Efeito vinculante decorrente de recurso extraordinário: estudo do RE nº 418.918-6/RJ
e da Medida Cautelar nº 272-9 – Caio Márcio Gutterres Taranto......................19
Os Juizados Especiais Federais e a Defensoria Pública da União – Cristiane Conde
Chmatalik...................................................................................43
Execução de débitos de pequeno valor diante das Fazendas Estaduais e Municipais:
exegese do art. 87 do ADCT da Constituição Federal – Eugênio Rosa de Araújo.............61
A volta dos rábulas: comentários ao art. 10 da Lei nº 10.259/01 – José Antônio Seixas da Silva...69
A implantação do serviço social na Seção de Atendimento dos Juizados Especiais
Federais – Josélia Ferreira dos Reis......................................................77
Tópicos da reforma processual: supressão do efeito suspensivo da apelação, julgamen-
to liminar de improcedência do pedido e uniformização da interpretação do direito
federal nos Juizados Especiais Estaduais – Luiz Norton Baptista de Mattos..............81
Juizados Especiais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro – Maria Stella de Amorim...107
A sentença de improcedência anterior à citação nos Juizados Especiais Fe-
derais – Rafael da Silva Rocha................................................133
SENTENÇAS
Causa de pedir pitoresca e demandas temerárias: a condenação em hono-
rários e custas como instrumento de contenção da litigância de má-fé nos
JEFs – André de Magalhães Lenart Zilberkrein...................................153
Servidor público. Indenização por danos patrimoniais e morais. Ausência de re-
visão geral da remuneração. Art. 37, X, da CF/88. Omissão do Poder Executivo.
Inadmissão de danos morais – Angelina de Siqueira Costa..........................157
Inexistência de responsabilidade do estado por alegados danos morais decorrentes de
tratamento irregular no âmbito da chefia da polícia federal. Situação caracterizada
como mero aborrecimento – Cristiane Conde Chmatalik...............................175
Previdenciário. Pecúlio. Prestação pecuniária única. Extinção. Lei nº 8.870/94.
Ressalva contida no art. 24 da Lei nº 8.870/94. Pedido administrativo formulado.
Prescrição afastada. Direito reconhecido – Geraldine Pinto Vital de Castro.......181
Desconsideração de tempo de serviço como exercido em condições especiais – Paulo
André Rodrigues de Lima Espirito Santo................................................183
TEXTOS, RESENHAS E RECENSÕES
Recensão à “Introdução ao pensamento jurídico”, de Karl Engisch (Fundação Calouste
Gulbenkian) – Eugênio Rosa de Araújo...................................................195
O 2º FONAJEF: Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais – José Carlos Garcia....235
ÍNDICES
I – Órgãos Jurisdicionais ...................................................................................... 245
II – Autores .................................................................................................. 247
III – Assuntos ................................................................................................. 249
Artigos
p. 19 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
EFEITO VINCULANTE DECORRENTE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO: ESTUDO DO RE Nº 418.918-6/RJ E DA MEDIDA CAUTELAR Nº 272-9
Caio Márcio Gutterres Taranto
Juiz Federal Substituto do 1º Juizado Especial de Niterói
1. Introdução 2. Capítulo 1: Apresentação do Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ
e da Ação Cautelar nº 272-9 3. Capítulo 2: a admissão do Recurso Extraordinário
nº 418.918-6/RJ e distinção perante a Súmula nº 281 do Supremo Tribunal Federal.
O manuseio dos Enunciados nº 21 e 26 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do
Rio de Janeiro perante o sistema do artigo 557 do Código de Processo Civil. Lesão
ao devido processo legal e necessidade de interpretação conforme a Constituição
4. Capítulo 3: visão objetiva do Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ e da Ação
Cautelar nº 272/RJ 5. Capítulo 4: O efeito vinculante decorrente de recurso extra-
ordinário conjugado com ação cautelar 6. Conclusão 7. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
Todos os ramos do saber, independentemente da indagação de constituírem,
ou não, ciência, possuem um conjunto de conhecimento a priori. Trata-se de assertivas aptas
a funcionar como ponto de partida para a obtenção de uma ilação dentro de um ou vários
silogismos. O conhecimento apriorístico, assim, assume importância na medida em que con-
substancia instrumento de transferência de saber sedimentado entre diversas gerações.
Na eterna batalha do homem contra a ignorância, esse conjunto cognitivo
sofre mutações, não só pelo processo de seleção dos institutos culturais, mas também pela
superação decorrente de constatação de equívocos. Entretanto, o conhecimento a priori
continua a existir, necessário, inclusive, para a sedução de um auditório, e mostram-se
frustradas as tentativas de totalização do conhecimento a posteriori.
O conhecimento jurídico, da mesma forma, não representa exceção a essa
regra. Pelo contrário, a confirma. De certa forma, esse conhecimento a priori engloba
p. 20 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
o que, para o estudo do Direito, convencionou-se denominar de Dogmática Jurídica1,
conjugando-o a certo rigor terminológico e de objeto.
Por exemplo, cita-se a produção de efeitos do recurso extraordinário. Um
silogismo simples poderia ser expresso, dispondo que o recurso extraordinário produz
eficácia inter partes2 e não erga omnes; o presente recurso é extraordinário, logo o teor
da decisão apenas obrigará as partes do processo e não toda a coletividade, desprovida
de vinculação.
Sem dúvida, a superação de um dado postulado apriorístico gera certa
crise no ramo do saber em que se aplica até a sedimentação do respectivo substituidor,
independentemente da alteração de paradigmas essenciais (basilares), apesar da con-
tinuidade com que esse fenômeno se desenvolve. Dentro deste contexto, pretende-se
demonstrar a superação do dogma da impossibilidade de produção de vinculação e eficácia
erga omnes por parte do recurso extraordinário, utilizando-se, para tanto, o estudo do
RE nº 418.918-6/RJ.
2. CAPÍTULO 1: APRESENTAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 418.918-6/RJ E DA AÇÃO CAUTELAR Nº 272-9
Na Sessão Plenária de 30 de março de 2005, o Egrégio Supremo Tribunal
Federal apreciou o Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ (Relatora: Ministra Ellen Gracie),
editando a ementa in verbis:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CORREÇÃO DAS CONTAS VINCULADAS AO FGTS. DESCONSIDERAÇÃO DO ACORDO FIRMADO PELO TRABALHADOR. VÍCIO DE PROCEDIMENTO. ACESSO AO COLEGIADO.1 – Superação da preliminar de vício procedimental ante a peculiari-dade do caso: matéria de fundo que se reproduz em incontáveis feitos idênticos e que na origem (Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro) já se encontra sumulada.
1 Nesse sentido, Alexy sustenta que “os argumentos dogmáticos podem ser utilizados mesmo que eles próprios não sejam também
fundamentados; porém, é possível utilizá-los em uma fundamentação, justificando-os com outros argumentos”. Mais adiante, o
mencionado autor passa a defender que a dogmática possui a função de estabilização na medida em que, com a ajuda de enunciados
dogmáticos, fixam-se e fazem-se, portanto, reprodutíveis, determinadas soluções a questões práticas. Isso é possível porque a
dogmática opera institucionalmente”. Por outro lado, Alexy sustenta a função de progresso da dogmática jurídica (ALEXY, Robert.
Teoria da Argumentação Jurídica: A Teoria do Discurso Racional como Teoria da Justificação Jurídica. Tradução de Zilda H. Schild Silva.
São Paulo: Landy, 2005, páginas 253 e 258, respectivamente).2 Por todos, cita-se a lição de Zeno Veloso, ao dispor que, em sede de controle incidental, a “decisão afasta, apenas, a sua incidência
no caso, para o caso e entre as partes. A eficácia da sentença é restrita, particular, refere-se, somente, à lide, subtrai a utilização
da lei questionada ao caso sob julgamento, não operando erga omnes. A lei, teoricamente, continua em vigor, não perde a sua força
obrigatória com relação a terceiros, sendo aplicada a outros casos” (VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade.
3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 41).
p. 21 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
2 – Inconstitucionalidade do Enunciado nº 21 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que preconiza a desconsideração do acordo firmado pelo trabalhador e previsto na Lei Complementar nº 110/2001. Caracterização de afastamento, de ofício, de ato jurídico perfeito e acabado. Ofensa ao princípio inscrito no art. 5º, XXXV, do Texto Constitucional.3 – Recurso extraordinário conhecido e provido.
O mencionado recurso foi interposto para impugnar decisão monocrática
da 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que negou seguimento a re-
curso inominado apresentado pela Caixa Econômica Federal, por desconsiderar o acordo
celebrado nos termos da Lei Complementar nº 110/2001, utilizando-se do disposto no
Enunciado nº 21 das Turmas Recursais do Rio de Janeiro, cujo teor é:
O trabalhador faz jus ao crédito integral, sem parcelamento, e ao levantamento, nos casos previstos em lei, das verbas relativas aos expurgos de índices inflacionários de janeiro de 1989 (42,72%) e abril de 1990 (44,80) sobre os saldos das contas de FGTS, ainda que tenha aderido ao acordo previsto na Lei Complementar nº 110/2001, deduzidas as parcelas porventura já pagas.3 (os grifos não constam do original).
O dispositivo da referida decisão monocrática reza que:
Em face do exposto, NEGO SEGUIMENTO AO RECURSO, nos termos do artigo 557, caput, do CPC, do artigo 3º, inciso VIII, do Provimento nº 8/2002, da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais, com fulcro no Enunciado nº 21 das Turmas Recursais, para manter integralmente a r. sentença, condenando o recorrente ao pagamento de multa no valor de R$ 249,67 (duzentos e quarenta e nove reais e sessenta e sete centavos), com base no Enunciado nº 1 das Turmas Recursais.
Vislumbra-se que um dos fundamentos da recorrente gravita em torno não
só da desconsideração judicial do acordo previsto na Lei Complementar nº 110/2001,
violando-se, assim, o princípio do ato jurídico perfeito, mas também na inconstituciona-
lidade do procedimento, ao se sustentar a negativa de acesso ao colegiado da Turma, nos
termos do artigo 98, inciso I, da Constituição da República, em lesão ao devido processo
legal. Ademais, as Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro editaram o
Enunciado nº 26, que disserta: “decisão monocrática proferida pelo relator não desafia
recurso à Turma Recursal”.
3 Cancelado em 1º de abril de 2005.
p. 22 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
É verdade que, por força de consolidação de orientação pretoriana4, o
Egrégio Superior Tribunal de Justiça editou o Verbete nº 252 da Súmula da Jurisprudência
Predominante (publicado em 13 de agosto de 2001), dispondo, in verbis:
Os saldos das contas do FGTS, pela Legislação infraconstitucional,
são corrigidos em 42,72% (IPC) quanto às perdas de janeiro de 1989 e
44,80% (IPC) quanto às de abril de 1990, acolhidos pelo STJ os índices
de 18,02% (LBC) quanto as perdas de junho de 1987, de 5,38% (BTN)
para maio de 1990 e 7,00% (TR) para fevereiro de 1991, de acordo
com o entendimento de STF (RE 226.855-7-RS).
O thema decidendum dessa demanda multitudinária gravita em torno de
consistir, ou não, a correção monetária meramente na reposição do valor real da moeda,
devendo compensar os efeitos da perda de poder aquisitivo na forma mais próxima
possível da realidade, sob pena de enriquecimento sem causa da Caixa Econômica Federal
naquilo que teria sido expurgado pelos planos econômicos acima da correção monetária
oficial. Dentro desta perspectiva, tem-se entendido que o IPC seria o melhor índice a
retratar essa desvalorização5.
Posteriormente, devido à sucumbência gerada, o Poder Público editou a Lei
Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001, que regulou acordo para o levantamento
dos mencionados expurgos e, inclusive, instituiu receita tributária para o pagamento.
Entretanto, a conduta do Poder Público não gerou a cessação de ajuizamento de novas
ações. Pelo contrário, foi consolidada orientação de permanecer interesse de agir mesmo
após a vigência da Lei Complementar6 instituidora do acordo. Várias demandas, então,
foram ajuizadas, sobretudo perante os Juizados Especiais Federais.
4 O Supremo Tribunal Federal, em apreciação constitucional do tema, manteve a orientação dos precedentes dos Tribunais Regionais
Federais. Vide RE nº 318.644-RR, Relator: Ministro Ilmar Galvão; RE nº 226.855-RS, Relator: Ministro Moreira Alves.
5 Trata-se de orientação acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante denotam os seguintes julgados: REsp. nº 73.628/DF,
Rel.: Min. César Asfor Rocha, D.J./I de 25.03.96; REsp. n.º 67.204-0/SP, Rel.: Min. Milton Luiz Pereira, D.J./I de 1º.04.96;
REsp. nº 114.486/SC, Rel.: Min. José Delgado, D.J./I de 23.06.97; REsp. nº 177.990/SC, Rel.: Min. Peçanha Martins, D.J./I de 6.09.99;
REsp. nº 206.967, Rel.: Min. Demócrito Reinaldo, D.J./I de 20.09.99.
6 “FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO - FGTS. CORREÇÃO MONETÁRIA. ALEGAÇÃO DE CARÊNCIA DE AÇÃO, POR FALTA DE
INTERESSE DE AGIR, EM FACE DA SUPERVENIÊNCIA DA LC Nº 110/01. AUSÊNCIA DE EXTRATOS. PRESCRIÇÃO. QUESTÕES PROCESSUAIS.
EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.
“1. Subsiste o interesse dos titulares de contas vinculadas ao FGTS de ingressar em juízo, objetivando o complemento da correção
monetária dos respectivos saldos, mesmo após o advento da Lei Complementar nº 110/01, porquanto o aludido ato legislativo con-
diciona o pagamento, via administrativa, à assinatura de termo de adesão, no qual o titular deve concordar com a redução do valor
que lhe é devido, além de ter que se submeter à forma e prazo legalmente estabelecidos para o cumprimento da obrigação. Persiste,
pois, tal interesse, na medida em que não terão que se sujeitar a qualquer cláusula que iniba o pagamento integral de seus créditos.
(...)” (TRF – 1ª Região, AC – 38000452645, 5ª Turma, DJ de 21.05.02, Rel.: Desembargador Fagundes de Deus)
p. 23 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Tendo-se em vista a mencionada orientação das Turmas Recursais da Seção
Judiciária do Rio de Janeiro, incidental ao Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ, a
Caixa Econômica Federal ajuizou a Ação Cautelar nº 272-9 perante o Egrégio Supremo
Tribunal Federal (Relatora: Ministra Ellen Gracie), pretendendo o sobrestamento de todos
os processos de recomposição de contas vinculadas ao Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço com fundamento nos expurgos inflacionários em trâmite nos Juizados Especiais
Federais e nas Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. O pedido liminar
foi deferido por decisão monocrática prolatada em 30 de junho de 2004, posteriormente
referendada pelo Colegiado do Pretório Excelso.
A Ministra Relatora dissertou que o periculum in mora decorre do efeito
multiplicador que demandas multitudinárias representam, com indesejável sobrecarga
da máquina judiciária, enquanto que o fumus boni iuris é decorrente da conjugação dos
elementos instauração de jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal (existência de
juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, consubstanciado em decisão
proferida pelo presidente do tribunal de origem) e viabilidade processual do recurso
extraordinário. Isso para que a postulação de direito material deduzida pela parte re-
corrente tenha plausibilidade jurídica. O dispositivo dessa decisão monocrática assumiu
a seguinte redação:
Por tais razões, defiro a liminar, ad referendum do Plenário, para
conferir efeito suspensivo ao RE 418.918 até o seu julgamento final,
e determinar a suspensão na origem, até o advento do pronun-ciamento da Corte sobre a matéria, de todos os processos ora em tramitação perante os Juizados Especiais e Turmas Recursais da Seção Judiciária Federal do Estado do Rio de Janeiro, nos quais se discutia a desconsideração, como ato jurídico perfeito, de acordos comprovadamente firmados, decorrentes do termo de adesão previsto na Lei Complementar 110/2001, o que faço com
base no recém editado inciso I, do § 5º, do art. 321 do Regimento
Interno desta Casa. (os grifos não constam do original).
No instante da apreciação da decisão pelo Plenário, o Ministro Marco Aurélio
procedeu à seguinte indagação:
Ora, é possível a Corte, num processo ligado a outro, também sub-
jetivo, numa ação cautelar que vise a emprestar efeito suspensivo
a recurso extraordinário, deferir medida acauteladora, suspendendo
não só o efeito da decisão impugnada mediante o recurso extraordi-
nário como todos os processos em curso?
p. 24 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Dentro deste contexto, pretende-se, com o presente estudo, questionar se o
Supremo Tribunal Federal, por meio do mencionado provimento de urgência em harmonia
com a decisão final e de mérito do Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ, por determinar o
sobrestamento de um sem-número de processos não identificados, mas apenas identificáveis
pelo objeto (sendo que alguns, possivelmente, sequer tinham sido ajuizados no momento
da concessão da liminar), criou hipótese de efeito vinculante e eficácia erga omnes em
sede de controle incidental de constitucionalidade na experiência brasileira.
Cabe ressaltar que essa construção está em pleno uso pelo Pretório Excelso,
como por exemplo, nos Recursos Extraordinários nº 416.827/SC e 415.454/SC (Relator:
Ministro Gilmar Mendes), que suspenderam o trâmite dos processos, perante Juizado
Especial Federal e Turmas Recursais, que tenham por objeto a integralidade de pensão
por morte concedida anteriormente à vigência da Lei nº 9.032/95. Para tanto, necessário
se faz proceder à admissibilidade do Recurso Extraordinário nº 418.918/RJ em face da
Súmula nº 281 do Supremo Tribunal Federal.
3. CAPÍTULO 2: A ADMISSÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 418.918-6/RJ E
DISTINÇÃO PERANTE A SÚMULA Nº 281 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O MANUSEIO
DOS ENUNCIADOS Nº 21 E 26 DAS TURMAS RECURSAIS DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO
DE JANEIRO PERANTE O SISTEMA DO ARTIGO 557 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
LESÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO CONFORME
A CONSTITUIÇÃO
Antes de identificar, ou não, a presença de efeito vinculante in casu, cabe
ressaltar que o Pretório Excelso teve de superar questão relativa à admissibilidade do
recurso, especialmente em face da Súmula nº 281 da respectiva Jurisprudência, que dis-
põe que “é inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem,
recurso ordinário da decisão impugnada”. O Ministro Sepúlveda Pertence, inclusive, chegou
a indagar a impossibilidade de conhecimento do RE nº 418.918-6 com fundamento nessa
súmula, citando precedente a respeito de decisões de Turmas Recursais.
Essa questão, aparentemente processual, escamoteia tema ligado ao devido
processo legal, como bem observou o Supremo, na medida em que se questiona vício de
procedimento a ser superado por força do Enunciado nº 26 das Turmas Recursais da Seção
Judiciária do Rio de Janeiro, que reza: “decisão monocrática proferida pelo relator não
desafia recurso à Turma Recursal”. Ora, uma vez que a decisão do relator nega o segui-
mento do recurso e determina a remessa dos autos ao Juizado de origem, há verdadeiro
impedimento processual para que a matéria seja objeto de apreciação pelo Colegiado
p. 25 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
e, dessa forma, obsta-se o exaurimento das vias ordinárias. Por outro lado, em certas
hipóteses, a aplicação desse sistema impede a incidência da reserva de plenário inserta
no artigo 98 da Constituição da República.
A Relatora, Ministra Ellen Gracie, em seu voto defendeu a superação dessa
questão referente ao alegado vício de procedimento, tendo-se em vista não apenas a
relevância jurídica da questão, mas também informação prestada pela Turma Recursal
no sentido de que, a partir de janeiro de 2004, os julgamentos em questões sumuladas
vinham sendo submetidos ao referendo do colegiado.
Por outro lado, o agravo regimental interposto pela recorrente (nos termos
do artigo 557, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, apesar de o inteiro teor do acór-
dão, por diversas vezes, citar o parágrafo 2º) foi recebido como embargos declaratórios
rejeitados. Ademais, a Turma Recursal repeliu a insurgência da Caixa Econômica Federal
contra o procedimento adotado mediante a aplicação de multa por litigância de má-fé.
A respeito desse tema, o Ministro Marco Aurélio sustentou que:
[...] Mas, aí, verifica-se que as turmas recursais acabam, por criar um sistema que é um terceiro gênero, tendo em conta o texto do Código de Processo Civil: o relator pode acionar o artigo 557 e che-gar, até mesmo, ao julgamento de fundo, reformando a decisão do juízo especial, mas fazendo-o, contrariando uma sistemática que é da tradição do Direito brasileiro, a parte prejudicada não tem acesso ao colegiado; fazendo-o, deixa o artigo 557 capenga, no que a Turma Recursal afasta o agravo previsto no § 2º 7 do artigo 557. Foi justamente isso que ocorreu no caso, neste processo.
O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, então, propôs a aplicação da técnica
distinguishing em relação à Súmula nº 281 para, no voto da Relatora, entender que se
conhece do recurso extraordinário. Nesse sentido, o Ministro Sepúlveda Pertence sustentou
que, na medida em que o Enunciado nº 26 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do
Rio de Janeiro impede que decisão monocrática do relator seja impugnada por recurso
ao órgão colegiado, ter-se-ia de abrir uma exceção. No mesmo sentido, o Ministro Carlos
Mário Velloso defendeu que se tratava de ação em que o Supremo Tribunal Federal deveria
adotar uma posição menos ortodoxa, ou seja, heterodoxa, mesmo porque nos Juizados
Especiais, de regra, não há recurso.
7 Observa-se que o conteúdo do voto refere-se ao parágrafo 1º do artigo 557 do Código de Processo Civil.
p. 26 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Muitas vezes, ao atribuir racionalidade à decisão de uma das formas de
controle de constitucionalidade, o julgador observa que, apesar de aparente semelhança,
a demanda apreciada possui particularidades próprias aptas a afastar a incidência de um
precedente, mesmo que vinculante. Conclui, assim, o julgador que a ratio decidendi da
demanda apreciada é distinta da do paradigma utilizado, razão pela qual irá afastá-lo.
Ao método que obtém essa conclusão denominamos de distinção.
Trata-se de aplicação negativa, por exclusão, de um precedente. Observa-
se que a distinguishing é utilizada desde o momento histórico em que os precedentes
assumem o potencial de inserir racionalidade à fundamentação de uma decisão. Entre-
mentes, a inserção do efeito vinculante, seja em sede de controle abstrato, seja em sede
de edição de súmula, potencializa a aplicação desse método. Augusto César Moreira Lima
sustenta que a distinção atua como “válvulas de escapes” para os operadores do direito e
ressalta que, provavelmente, “consubstancia uma das ferramentas que mais possibilitam
o desenvolvimento do direito no sistema da common law”8.
A aplicação da distinguishing não se confunde com o não-seguimento da
orientação-paradigma pelo magistrado. Pelo contrário. Assume-se, em primeiro lugar,
que, se a demanda em apreciação fosse a mesma, a orientação seria aplicada, sobretudo
se vinculante. Mas, a conclusão da fundamentação é em sentido oposto. No método da
distinção, o magistrado não defenderá que o precedente paradigma seja inconstitucional
ou equivocado, bem como que ele tenha sido revogado, cancelado ou esteja em situação
de desuso. Tampouco sustentará que deixará de aplicá-lo por discordar das razões do
Tribunal. Assim, a distinção consubstancia a técnica mediante a qual o magistrado conclui
tratar-se de hipótese diversa de aplicação do direito objetivo, ou seja, com diversa questão
a ser decidida. O mecanismo da distinção é assimilado a uma concepção de isonomia, que
seria ferida se fosse aplicado precedente com diversa ratio decidendi9.
Desta forma, vislumbra-se que o Egrégio Supremo Tribunal Federal aplicou a
mencionada técnica, e conclui-se que, no juízo de admissibilidade do Recurso Extraordiná-
rio nº 418.918-6/RJ, a Súmula nº 281 deveria ser aplicada por exclusão (heterortodoxia),
tendo-se em vista a conclusão tratar-se de questões diversas.
Assim, o Supremo concluiu que o sistema de utilização dos Enunciados
nº 21 e 26 representa lesão ao princípio do devido processo legal, em especial no que
se coaduna com a garantia do exercício regular do direito de defesa e com o acesso às
vias extraordinárias. Cabe, então, analisar o funcionamento procedimental emanado da
conjugação das mencionadas súmulas.
8 LIMA, Augusto César Moreira. Precedentes no Direito. São Paulo: LTr, 2001. p. 65.9 TOSTES, Natacha Nascimento Gomes. Judiciário e Segurança Jurídica: A Questão da Súmula Vinculante. Rio de Janeiro: América
Jurídica, 2004. p. 35.
p. 27 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
A expressão “súmula” é oriunda do latim summula e significa a síntese de
uma orientação. Consubstancia o reconhecimento da adoção, por um tribunal, de uma
dada tese jurídica, bem como a intenção de reproduzi-la de forma uniforme nos posteriores
julgamentos com a mesma ratio decidendi. Observa-se que alguns órgãos jurisdicionais
optam pela expressão “enunciado”, como no caso das Turmas Recursais do Rio de Janeiro.
Para fins deste estudo, as duas expressões serão tratadas como sinônimas.
Tal como conhecemos, atribui-se ao então Ministro Vitor Nunes Leal a idea-
lização da súmula na qualidade de método de trabalho a ser utilizado em processos poste-
riores e repetitivos. Na histórica sessão plenária de 13 de dezembro de 1963, foi publicada
a pioneira súmula da jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal.
Roberto Rosas leciona que “o processo de elaboração de uma súmula é exausti-
vo, depende de pronunciamento único (mas expressivo) ou então da reiteração”10. Entretanto,
uma análise da prática do Pretório Excelso na edição de um verbete denota que se trata de
precedente pluriprocessual, ou seja, exige a reiteração e emana da apreciação de um certo
número de processos que atuaram na qualidade de precedentes monoprocessuais.
O artigo 479 do Código de Processo Civil, inserto no capítulo relativo à
uniformização de jurisprudência, ampliou o campo de incidência das súmulas ao estender
essa técnica aos demais tribunais, ao dispor que o julgamento “será objeto de súmula e
constituirá precedente na uniformização da jurisprudência”. A priori, uma súmula pro-
duz efeito, apenas, persuasivo, no sentido de que atua na qualidade de opinião formada
de um certo tribunal, cujo teor não necessita de ser aplicado a casos posteriores com a
mesma ratio decidendi.
Entretanto, o artigo 38 da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, introdu-
ziu o poder do relator, no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça,
“em negar seguimento a recurso que contrariar, nas questões predominantes de direito,
Súmula do respectivo tribunal”. Posteriormente, as Leis nº 9.139/95 e 9.756/98 atribu-
íram nova redação ao artigo 557 do Código de Processo Civil, ao estender esse poder a
relator de qualquer tribunal, bem como admitiram o não-seguimento do recurso quando
as razões confrontarem não apenas as súmulas, mas também a jurisprudência dominante
do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.
10 ROSAS, Roberto, Direito Sumular. Comentários às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
11. ed.. São Paulo: Malheiros, 2002.
p. 28 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Com a mesma ratio essendi, o parágrafo 1º-A admite que o relator possa dar provimento
ao recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com
jurisprudência predominante do Supremo ou do Superior Tribunal de Justiça.
Esses dispositivos sofrem severas críticas da doutrina, sobretudo por
transformarem o julgamento em segundo grau em decisão monocrática. É divergente
a natureza do efeito introduzido pelas Leis nº 8.038/90, 9.139/95 e 9.756/98. Há três
orientações. A primeira vislumbra que, apesar do poder atribuído ao relator, as súmulas
referidas produzem efeito meramente persuasivo11. A segunda corrente12 reza que se trata
de efeito impeditivo de recurso13. Já a terceira orientação14 defende tratar-se de efeito
vinculante, inserido de forma indireta.
Lênio Streck advoga que, no sistema da civil law, basta que a decisão esteja
de acordo com a lei, mas que no Brasil “é suficiente que a decisão esteja de acordo com
uma Súmula para ser válida”. Sustenta que o sistema jurídico brasileiro possui o poder
discricionário da common law sem a proporcional necessidade de justificação. As súmulas,
defende, “transformam-se de normas individuais válidas para cada caso em normas gerais
de validade erga omnes.” Vislumbra-se assim, que o sistema brasileiro de precedentes
judiciais merece severas críticas pela aplicação das orientações paradigmas por dedução,
fato responsável por severos equívocos hermenêuticos. Por fim, elucida que:
As Súmulas são, desse modo, uma metacondição de programação e reprogramação de sentido do sistema jurídico. Contudo, são, tam-bém, condição de fechamento do sistema. Trata-se de um paradoxo, na perspectiva luhmaniana, que é resolvido pela unidade que lhe dá a posição ímpar dos tribunais superiores ao editar Súmulas para poder auto-reproduzir o sistema15.
11 Marcelo Lamy e Luiz Guilherme Arcaro Conci sustentam que “esse papel persuasivo tem, no entanto, sofrido trajetória sensível de
mutação, incorporando gradativamente eficácia expansiva em face de casos pendentes e futuros, atingindo certas vezes força obriga-
tória, vinculante” (LAMY, Marcelo; CONCI, Luiz Guilherme Arcaro. Reflexões sobre as Súmulas Vinculantes. In: TAVARES, André Ramos;
LENZA, Pedro; ALARCÓN, Pietro de Jesus (Org.). Reforma do Judiciário Analisada e Comentada. São Paulo: Método, 2005. p. 305).12 CRUZ E TUCCI, Rogério. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 260.13 Lembra-se que a parte da Reforma do Judiciário (PEC nº 29/2000) que retornou à Câmara disciplinava, em sede constitucional,
a súmula impeditiva de recurso, prevê a inserção do artigo 105-A ao Texto da Constituição. Salienta-se que a Lei nº 11.276,
de 07 de fevereiro de 2006, passou a permitir a utilização desse mecanismo pelo Juízo de primeiro grau, dispondo no parágrafo 1º
que “o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de
Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.14 Lênio Streck defende a inconstitucionalidade desses dispositivos ao eles estabelecerem efeito vinculante de forma indireta (STRECK,
Lênio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro. Eficácia, Poder e Função: A ilegitimidade constitucional do efeito vinculante. 2. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 145). Essa orientação é seguida por João Luís Fischer Dias. In: DIAS, João Luís Fischer. O Efeito
Vinculante – dos Precedentes Jurisprudenciais – das Súmulas dos Tribunais. São Paulo: IOB Thomson, 2004. p. 63.15 STRECK, Lênio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma Nova Crítica do Direito. 2. ed. São Paulo: Forense, 2004. p. 511-512.
p. 29 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Apesar da erudição com que essas correntes são defendidas, entende-se que
as Leis nº 8.038/90, 9.139/95 e 9.756/98 atribuíram efeito impeditivo16 de recursos às
Súmulas do Supremo Tribunal Federal e às do Superior Tribunal de Justiça, a ser aplicado
pelos Juízos ad quem, enquanto que a Lei nº 11.276, de 07 de fevereiro de 2006, passou
a permitir a utilização desse mecanismo pelo Juízo a quo, mantendo-se efeito persuasivo
às súmulas dos demais tribunais, que apenas podem produzir efeitos trancativos interna
corporis, ou seja, quando o relator pertencer ao mesmo tribunal que sumulou a questão
de direito. Vislumbra-se, assim, que toda súmula impeditiva produz efeito persuasivo,
mas o oposto não é verdadeiro.
Por outro lado, o artigo 557 e o artigo 285-A, introduzido pela Lei
nº 11.277/2006, do Código de Processo Civil necessitam de interpretação conforme a
Constituição, no sentido de não ser negado o acesso às vias excepcionais, de índole
constitucional, razão pela qual verbetes de tribunais locais apenas podem produzir
efeitos impeditivos interna corporis quando a orientação for conexa com a dos Tribunais
de Superposição. Trata-se de tema já decidido pelo Direito Pretoriano, como denota o
exposto pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 299.196-MG,
relatado pelo Ministro Franciulli Netto, in verbis:
A expressão ‘jurisprudência dominante do respectivo tribunal’ so-mente pode servir de base para negar seguimento a recurso quando o entendimento adotado estiver de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sob pena de negar às partes o direito constitucional de acesso às vias excepcionais (extraordinária e especial).17
Essa necessidade de interpretar o sistema jurídico do artigo 557 do Código
de Processo Civil conforme a Constituição foi objeto de reflexão em diversas passagens do
inteiro teor do Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ. Ora, constatou o Pretório Excelso
que, uma vez sumulado o tema pelas Turmas Recursais, ocorria verdadeiro deslocamento
da competência recursal, na medida em que o recurso passava a ser apreciado pelo relator,
cuja decisão não poderia ser impugnada por recurso ao Colegiado. Em outras palavras, o
sistema do artigo 557 do Código de Processo Civil estava sendo distorcido, na medida em
que o Enunciado nº 26, ao afirmar que “decisão monocrática proferida pelo relator não
desafia recurso à Turma Recursal”, impedia a utilização do parágrafo 1º do mencionado
artigo, que prevê agravo de petição, dispondo que:
16 Essa é a orientação defendida por Rogério Cruz e Tucci (CRUZ E TUCCI, Rogério. Precedente Judicial como Fonte do Direito.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 260).17 2ª Turma, D.J.U. de 05.08.2002.
p. 30 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Art. 557 [...]
§ 1º Da decisão caberá agravo, no prazo de 5 (cinco) dias, ao órgão competente para julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
Por força do criado regime de aplicação desse enunciado, o Egrégio Supremo
Tribunal Federal aplicou o método distinguishing em relação à Súmula nº 281. No inteiro
teor, o Ministro Marco Aurélio argumentou que:
E há um detalhe: só se pode cogitar do exercício do juízo primeiro de admissibilidade, seja pelo presidente da corte de origem, seja pelo presidente da turma recursal, seja pelo próprio juízo, se contra possível decisão negativa de seqüência do recurso, houver previsão de interposição de um outro recurso.O que temos quanto aos embargos declaratórios? O que temos quanto ao agravo do artigo 557, § 2º? 18 Que esses recursos serão apresentados em Mesa. Não pode, de início, o relator a eles negar seguimento, porque entraríamos num círculo vicioso com uma interposição contínua de agravos, e ele, evidentemente, sempre, negando-lhes seguimento.Não há um terceiro sistema, um sistema específico para a observân-cia, pelas turmas recursais, a partir do teor da duas leis por mim referidas. O sistema é único e viabiliza o agravo contra a decisão, quando o relator atua substituindo-se à turma recursal.
Dessa forma, o procedimento idealizado pela edição de súmulas relativas
a procedência ou improcedência de certas demandas, sobretudo as multitudinárias,
conjugadas com a ratio do Enunciado nº 26, despoja o sistema do artigo 557 de inter-
pretação conforme a Constituição, na medida em que pode vedar o curso do processo
às instâncias excepcionais, caso a edição da súmula relativa a direito material não seja
reprodução de orientação já consolidada dos tribunais de superposição. Dessa forma, em
caso de matéria constitucional, pode, inclusive, ocorrer lesão ao disposto no artigo 98
da Constituição da República.
Por outro lado, a vedação às instâncias excepcionais representa lesão ao
direito de defesa e, por conseguinte, ao devido processo legal. Destarte, apesar de o
tema ter sido tratado como preliminar, o Supremo Tribunal Federal, ao aplicar o método
da distinção em relação à Súmula nº 281, procedeu a verdadeiro controle incidental de
constitucionalidade a respeito do conteúdo do devido processo legal.
18 Observa-se que o conteúdo do voto refere-se ao parágrafo 1º do artigo 557 do Código de Processo Civil.
p. 31 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
CAPÍTULO 3: VISÃO OBJETIVA DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 418.918-6/RJ E DA
AÇÃO CAUTELAR Nº 272/RJ
Vislumbra-se que o Pretório Excelso atribui leitura objetiva ao Recurso
Extraordinário nº 418.918-6/RJ, à medida que aprecia o ius in thesi, abandonando a ini-
cial pretensão subjetiva das partes. Constata-se que a experiência pátria caracteriza-se
pela centralização do direito objetivo, inclusive com a previsão expressa de tribunais de
superposição com, também, a finalidade de impedir que haja orientações divergentes em
partes diversas do país. O objetivismo, dentro desse contexto, possui duas manifestações.
A primeira é ligada à averiguação de que parte considerável dos ramos do direito (positivo)
é de competência legislativa da União Federal e aplicada em todo o território nacional.
A outra manifestação dessa objetivação consubstancia a previsão de recur-
sos ditos excepcionais19, que têm por objeto não o direito subjetivo, mas sim o objetivo.
Em outras palavras, as partes, durante todo o curso do processo, dirigem a respectiva
pretensão para a defesa de direito subjetivo. Entretanto, quando interpõem um recurso
excepcional (especial ou extraordinário), atribuem rumo diverso à pretensão, no sentido
de defesa do ius in thesi e da resolução da controvérsia jurisprudencial.
José Rogério Cruz e Tucci sustenta que esses recursos visam “precipuamente
à assecuração da segurança jurídica, resguardando a inteireza positiva, a validade, a
autoridade e a uniformidade de interpretação da Constituição e das leis federais”20. Essa
conclusão é ressaltada pelos precedentes do Pretório Excelso. Verbi gratia, na Medida
Cautelar no RE nº 376.852, o Ministro Gilmar Mendes21, na qualidade de relator, asseverou
o caráter objetivo que a evolução legislativa vem emprestando ao recurso extraordinário
como medida racionalizadora de efetiva prestação jurisdicional. Dissertou o mencionado
Ministro que o recurso extraordinário:
Deixa de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva. Trata-se de orientação que os moder-nos sistemas de Corte Constitucional vêm conferindo ao recurso de amparo e ao recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde). Nesse sentido, destaca-se a observação de Häberle segundo a qual “a fun-ção da Constituição na proteção dos direitos individuais (subjetivos) é apenas uma faceta do recurso de amparo”, dotado de uma “dupla função”, subjetiva e objetiva, “consistindo esta última em assegurar
19 MANCUSO, Rodolfo Camargo de. Recurso Extraordinário e Recurso Especial. 7. ed. Recursos no Processo Civil, v. 3. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001. p. 96.20 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 266. 21 Esse posicionamento também é defendido em sede doutrinária pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes (MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos
Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 284).
p. 32 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
o Direito Constitucional objetivo” (Peter Häberle, O recurso de amparo no sistema germânico, Sub Judice 20/21, 2001, p. 33 (49)). Essa orientação há muito mostra-se dominante também no direito americano. Já no primeiro quartel do século passado, afirmava Triepel que os processos de controle de normas deveriam ser concebidos como processos objetivos [...].
A Ministra Ellen Gracie, no voto da Ação Cautelar nº 272/RJ, expressamente
faz menção ao citado Recurso Extraordinário nº 376.852, relembrando o caráter objetivo
que vem assumindo o Recurso Extraordinário como medida racionalizadora da efetiva
prestação jurisdicional. Sustenta, também, que a pretensão suspensiva em massa, à
época, foi denegada por ausência de disciplina autorizadora da medida, o que veio a
concretizar-se em dezembro de 2003, com o advento da Emenda Regimental nº 12, ao
se reformar o artigo 321 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, permitindo
provimento de urgência extensivo a outros processos em que seja discutida a mesma
questão constitucional.
Nesse sentido, o Egrégio Supremo Tribunal Federal sumulou a inadmissibili-
dade de recurso extraordinário quando a questão federal suscitada não for devidamente
ventilada na decisão recorrida (Verbete nº 282), o que impossibilitaria a objetivação do
processo na busca da defesa do ius in thesi.
Sob dois aspectos especiais, o Supremo Tribunal Federal objetivou o RE nº
418.918-6/RJ. O primeiro considerou a imensidão de demandas idênticas e a merecerem
o crivo da corte, tendo-se em vista a demonstração, pela recorrente, de uma deliberada
instigação ao trabalhador que aderiu ao acordo para que ingresse em juízo e busque a
desconsideração. O Pretório ponderou que, à época do encaminhamento do Projeto de
Lei Complementar, o passivo referente a tais correções montava a R$ 42 bilhões ou quase
4% do produto interno bruto nacional.
Por outro lado, o Supremo visualizou mecanismo de retenção de determi-
nadas matérias nas instâncias recursais. Nesse contexto, manifestou o Eminente Ministro
Gilmar Ferreira Mendes, in verbis:
E com uma razão adicional, que este RE da Lei nº 10.259, dos Juizados Especiais, tem toda a feição de um processo, se não objetivo, um pro-cesso fortemente objetivado. Daí, inclusive, a decisão que tomamos quando da suspensão, porque há todo aquele mecanismo de retenção de determinadas matérias nas instâncias recursais ordinárias e a ascensão de alguns processos apenas que tramitam com prioridade no âmbito dessa Corte.[...]Antes mesmo da súmula vinculante, esse processo da Lei nº 10.259 e a regulação que emprestamos na resolução regimental conferem esse caráter objetivo ao processo.
p. 33 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Cabe ressaltar, também, o posicionamento do Ministro Cezar Peluso no
sentido de que “nesse processo, e é exatamente essa a razão, pois o colegiado tomou
uma posição de caráter normativo: dispôs que todos os casos que lhe forem submetidos
terão tal julgamento, a despeito de suas particularidades”. Por fim, mais a frente, retoma
o Ministro Gilmar Mendes a defesa da objetivação, ao sustentar que:
A vantagem é que estamos a falar de processos de massa, que têm
causado tanta preocupação e já foi objeto de consideração de Vossa
Excelência, e nesse caso, pelo menos o Tribunal se pronuncia de ma-
neira seletiva, quer dizer, decide um caso, é essa a proposta, e em
princípio, fixará uma orientação normativa num ou noutro sentido.
Podemos até, daqui a pouco, estar a extrair súmulas vinculantes
desses pronunciamentos.
As duas feições objetivas especiais são claras no voto da Ministra Ellen
Gracie prolatado na Ação Cautelar nº 272/RJ, ao dispor, in verbis:
Senhor Presidente, esclareço ao Tribunal que, para lavrar a decisão
ora em exame, concessiva de efeito suspensivo a recurso extra-
ordinário com a suspensão na origem dos processos que lhe são
assemelhados, levei em consideração não apenas o potencial lesivo
encerrado na multiplicidade de processos judiciais em que a mesma
controvérsia constitucional está posta, mas também a utilidade de
uma medida acauteladora que alcançasse o cerne do provimento
recorrido: a edição de enunciado afastando a eficácia do acordo
previsto na Lei Complementar nº 110/2001.
[...]
Sobressai destes autos a circunstâncias de que, uma vez sumulada
pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais do Rio de
Janeiro a desconsideração, em juízo abstrato, do acordo firmado com
esteio na LC 110/2001, a correção da questão procedimental preli-
minar, consiste na sucessão de decisões monocráticas, ensejaria, tão
somente, a reiteração do pronunciamento judicial de mérito que já
declarara a ineficácia do acerto entre as partes. Assim, a providência
restaria inócua, na medida em que não traria como conseqüência
solução judicial diversa da que ora se aprecia.
É dizer-se: se cingíssemos o provimento suspensivo do recurso
extraordinário à submissão do feito, na origem, ao crivo do cole-
giado competente – uma das Turmas Recursais – estaríamos apenas
protelando a resolução de um problema, de ordem constitucional,
que haveria de ser trazido a esta Corte, em larga escala, em um ou
outro momento.
p. 34 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Dessa forma, ao assumir a objetividade do processo, o Supremo Tribunal
Federal, em tese, possibilita que todos os processos potencialmente suspensos por força
da Ação Cautelar nº 272, mesmo que não ajuizados, e que, assim, apresentem o mesmo
objeto constitucional debatido no RE nº 418.918-6/RJ, tenham o thema decidendum
decidido. Cabe, a partir desse momento, decantar o mecanismo de efeito vinculante
decorrente de recurso extraordinário conjugado com ação cautelar.
CAPÍTULO 4: O EFEITO VINCULANTE DECORRENTE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO
CONJUGADO COM AÇÃO CAUTELAR
Concidadãos!O Povo, o Exército e a Armada Nacional, em perfeita comunhão de sentimentos com os nossos concidadãos residentes nas províncias, acabam de decretar a deposição da dinastia imperial e conseqüen-temente a extinção do sistema monárquico representativo.Como resultado imediato desta revolução nacional, de caráter essen-cialmente patriótico, acaba de ser instituído um Governo Provisório, cuja principal missão é garantir com a ordem pública a liberdade e o direito do cidadão.22
Com essas palavras, Marechal Deodoro da Fonseca inicia o discurso do dia
15 de novembro de 1989, em movimento de natureza questionável que enseja o fim do
regime monárquico e a instauração da República. Entretanto, esse movimento rotulado de
“revolução” gerou a ruptura do Estado Imperial e, por conseguinte, do então Poder Mode-
rador (artigo 98 da Constituição de 1824), inspirado na Carta Francesa de Napoleão III23.
Com a superação da legitimidade do imperador em intervir, em especial no
Poder Judiciário, surge a possibilidade de instauração de sistema de controle jurisdicional
da primazia da Constituição em relação aos atos do Poder Público. Ademais, a Carta
Imperial, por força do artigo 15, nº 8, atribuía ao Poder Legislativo a função de guarda
da Constituição e, exclusivamente, a interpretação das leis.
O Governo Provisório da República então proclamada editou o Decreto nº 484,
de 11 de novembro de 1890, que disciplinou a Justiça Federal e permitiu a inserção da
fiscalização judicial de constitucionalidade das leis, com influência do judicial review
norte-americano, posteriormente confirmada pela Constituição de 1891. Surge, assim,
a Jurisdição Constitucional na experiência brasileira, prestada de forma incidental e
despojada de efeito vinculante.
22 Discurso do Marechal Deodoro da Fonseca (In: FIGUEIREDO, Carlos. 100 Discursos Históricos Brasileiros. Belo Horizonte: Leitura,
2003. p. 234).
23 Nesse sentido, Alexandre Sormani sustenta que somente “ao Poder Moderador competia o zelo pela independência, equilíbrio e
harmonia dos outros três poderes que não poderiam interferir entre si, estando todos sob o manto da fiscalização do Poder Moderador”
(SORMANI, Alexandre. Inovações da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade: Uma visão
crítica da Lei nº 9.868/99 sob o viés do princípio da segurança jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 77).
p. 35 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Apesar da mencionada influência do judicial review, o controle introduzido
no Brasil diferenciava-se de seu paradigma norte-americano pela não-adoção da doutrina
do stare decisis, ou seja, as decisões a respeito de constitucionalidade das leis prolata-
das pelo Pretório Excelso eram desprovidas de vinculação. É bem verdade que inexistia
dispositivo que previa a adoção dessa doutrina, o que não consubstancia argumento para
afastá-la, pois o mesmo ocorria, e ainda ocorre, nos Estados Unidos.
Posteriormente, a Constituição de 1934 disciplinou o quorum da maioria
absoluta dos membros dos tribunais para decisões sobre a inconstitucionalidade de lei
ou ato do Poder Público, bem como previu a possibilidade de suspensão, pelo Senado, da
eficácia do ato declarado inconstitucional. A Carta de 1934 previu, ainda, a intervenção
nos Estados para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis e a
execução das leis federais.
Já a Carta “Polaca” de 1937 excluiu a possibilidade de o Senado suspender
a eficácia de diploma declarado inconstitucional pelo Judiciário e restringiu, em muito,
o controle difuso, pois permitiu, no parágrafo único do artigo 96, que o presidente sub-
metesse novamente o ato inválido ao Parlamento que, se o confirmasse por dois terços
dos votos, tornaria sem efeito a decisão do Tribunal.
A Constituição democrática de 1946 retomou o modelo estabelecido pela
Carta de 1934. Entretanto, atribuiu objetividade à intervenção federal, assemelhando-a
a uma ação direta, mas desprovida de eficácia erga omnes. Até esse momento, a experi-
ência pátria de Jurisdição Constitucional caracterizava-se pela ausência de vinculação,
apesar da possibilidade de suspensão do ato pelo Senado.
Essa realidade foi alterada pela Emenda Constitucional nº 16, de 26 de
novembro de 1965, que ampliou a competência do Supremo Tribunal Federal ao prever a
representação contra a inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal
ou estadual (artigo 101, inciso I, alínea “k”). Nesse momento histórico, foi introduzido o
controle concentrado de constitucionalidade no Brasil. Ora, se até então adotávamos o
sistema difuso, de inspiração americana, nosso direito, a partir de então, fundiu-se com
o modelo austríaco desenvolvido por Kelsen.
A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1/69 mantiveram o regime de controle
de constitucionalidade então vigente, sem apresentar inovações à Jurisdição Constitucional.
Sábias as palavras de Zeno Veloso24, ao lecionar que “esta combinação ocorrida a partir
de 1965, representa uma importante inovação do constitucionalismo brasileiro, dados os
moldes e a extensão em forma aproveitados - com adaptações – os dois modelos.”
24 VELOSO, Zeno. Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 34.
p. 36 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
A Carta de 1988 amplia o rol de legitimados para a ação direta (artigo 103)
e introduz a ação direta por omissão, o mandado de injunção, a argüição de descumpri-
mento de preceito fundamental (regulada pela Lei nº 9.882/99) e a representação de
inconstitucionalidade de leis ou de atos normativos estaduais ou municipais em face das
Cartas dos Estados (artigo 125). Posteriormente, a Emenda nº 03/1993 introduz a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (artigo 102, inciso I, “a”),
ao inovar e inserir mais uma possibilidade de vinculação.
Essa síntese parcial da evolução histórica da experiência de controle de
constitucionalidade brasileira nos faz concluir que passamos de um sistema inspirado no
modelo norte-americano, mas desprovido da doutrina da stare decisis, para um sistema
misto com diversos instrumentos de vinculação, o que conota verdadeira tendência de
política não só legislativa, mas também por parte do Poder Judiciário, de atribuir efeito
vinculante aos provimentos jurisdicionais.
Dentro desse contexto, conforme exposto na introdução, a Dogmática
Jurídica confeccionou a assertiva, para ser aplicada a priori, de que o julgamento oriundo
de recurso extraordinário tem eficácia apenas inter partes, e não erga omnes, despojado
de vinculação, com o fundamento de consubstanciar instrumento do controle incidental,
não concentrado, de constitucionalidade. Essa assertiva defendida como dogma pela
doutrina orientou, até então, a Jurisprudência de todos nossos tribunais, sobretudo dos
egrégios Supremo Tribunal Federal25 e Superior Tribunal de Justiça26.
Entretanto, essa assertiva passou a perder força a partir de 12 de julho de
2001, quando foi promulgada a Lei nº 10.259, que dispõe sobre a instituição dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, cujo artigo 15 reza: “o recurso
extraordinário, para os efeitos dessa Lei, será processado e julgado segundo o estabelecido
nos parágrafos 4º a 9º do artigo 14, além da observância das normas do Regimento”.
Os parágrafos 5º, 6º e 9º do mencionado artigo 14 dispõem que:
§ 5º No caso do § 4º, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a requerimento do interessado, me-dida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.
25 “DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL. RECLAMAÇÃO. PRESERVAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E GA-
RANTIA DA AUTORIDADE DE SUAS DECISÕES. ARTIGO 102, I, “l”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 156 DO REGIMENTO INTERNO DO
S.T.F. 1. Os julgamentos do S.T.F., nos Conflitos de Jurisdição e nos Recursos Extraordinários, referidos na Reclamação, tem eficácia
apenas “inter partes”, não “erga omnes”, por encerrarem, apenas, controle difuso (“in concreto”) de constitucionalidade. [...]
3. A decisão proferida pela Corte, no julgamento de mérito de ação direta de inconstitucionalidade, esta, sim, tem eficácia “erga
omnes”, por envolver o controle concentrado (“in abstracto”) de constitucionalidade, mas não comporta execução. E para preservação
de sua autoridade, nessa espécie de ação, o S.T.F. só excepcionalmente tem admitido Reclamações, e apenas a quem tenha atuado
no respectivo processo, não sendo esse o caso da Reclamante. [...]” (STF, Reclamação 447, Relator: Ministro Sydney Sanches).26 Nesse sentido, vide o Agravo Regimental no Recurso Especial nº 511.279, Relator: Ministro Luiz Fux.
p. 37 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
§ 6º Eventuais pedidos de uniformização idênticos, recebidos subse-qüentemente em quaisquer Turmas Recursais, ficarão retidos nos autos, aguardando-se pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.[...]§ 9º Publicado o acórdão respectivo, os pedidos referidos no § 6º serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.
O parágrafo 10 do artigo 14 da Lei nº 10.259/2001 disserta que os Tribunais
Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito
das respectivas competências, expedirão normas regulamentadoras da composição dos
órgãos e dos procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do
pedido de uniformização e do recurso extraordinário.
Dessa forma, o Pretório Excelso editou a Emenda Regimental nº 12/03 27,
alterando o regime do artigo 321 do Regimento Interno, albergando o provimento cautelar
extensivo a outros processos em que seja discutida a mesma questão constitucional, cujo
parágrafo 5º, caput, e incisos I, VI, e VII dispõem que:
§ 5º Ao recurso extraordinário interposto no âmbito dos Juizados Especiais Federais, instituídos pela Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, aplicam-se as seguintes regras:I – verificada a plausibilidade do direito invocado e havendo funda-do receio da ocorrência de dano de difícil reparação, em especial quando a decisão recorrida contrariar Súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, poderá o Relator conce-der, de ofício ou a requerimento do interessado, ad referendum do Plenário, medida liminar para determinar o sobrestamento, na origem, dos processos nos quais a controvérsia esteja esta-belecida, até o pronunciamento desta Corte sobre a matéria; [...]VI – eventuais recursos extraordinários que versem idêntica controvér-sia constitucional, recebidos subseqüentemente em quaisquer Turmas Recursais ou de Uniformização, ficarão sobrestados, aguardando-se o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal;VII – publicado o acórdão respectivo, em lugar especificamente des-tacado no Diário da Justiça da União, os recursos referidos no inciso anterior serão apreciados pelas Turmas Recursais ou de Uniformização, que poderão exercer o juízo de retratação ou declará-los prejudicados, se cuidarem de tese não acolhida pelo Supremo Tribunal Federal; [...]
27 Lênio Streck defende a inconstitucionalidade de vinculação oriunda dos regimentos dos tribunais brasileiros. A respeito do tema
vide: STRECK, Lênio Luiz. Súmulas no Direito Brasileiro: Eficácia, Poder e Função. A ilegitimidade constitucional do efeito vinculante.
2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. p. 152-157.
p. 38 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Ora, indaga-se: se existiria finalidade em provimento de urgência para
suspender outros processos não identificados, mas identificáveis pelo objeto, mesmo que
ainda não ajuizados, não haveria a vinculação à ratio decidendi firmada pelo Pretório
Excelso no julgamento do recurso extraordinário? Cabe ressaltar que o provimento de
urgência, caso configure processo autônomo, é incidental ao processo em fase de recurso
excepcional, ao qual é distribuído por dependência, e a todos os demais processos em
trâmite nas instâncias inferiores atingidos pela suspensão, bem como, ao mesmo tempo,
preparatório para os não ajuizados. Da mesma forma, o conteúdo do citado inciso VII
deve ser interpretado levando-se em conta a vinculação produzida.
Esses dispositivos não merecem ser interpretados despojados do conteúdo
decisório do recurso extraordinário de efeito vinculante, pois representaria excluir-lhes
força normativa, o que manteria o regime antigo dos recursos excepcionais. Trata-se, pois,
de mecanismo de simplificação (sumarização) do procedimento pelo uso de precedente
vinculante pluriprocessual, sumulado ou não, na medida em que a decisão, ao menos em
parte, da questão constitucional é decidida pelo Pretório Excelso, evitando-se assim, a
continuidade dos demais recursos até a mais alta corte e instância recursal. Dessa forma,
acima de tudo, esse sistema representa instrumento de acesso à ordem jurídica justa.
O teor objetivo desse mecanismo protetor do ius in thesi mostra-se, por
outro lado, evidente em face do teor do inciso III do citado artigo 321 do Regimento
Interno do Supremo, que admite que eventuais interessados, ainda que não sejam partes,
manifestem-se no prazo de trinta dias a contar da medida cautelar prevista no inciso I,
assumindo a qualidade de amicus curiae.
Ademais, cabe ressaltar que o sistema em estudo não pode ser confundido
com o previsto no artigo 557 do Código de Processo Civil. Não dúvida de que esse mecanismo
criado pelos artigos 14 e 15 da Lei nº 10.259/2001, combinados com o parágrafo 5º do artigo
321 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, estabeleceu mais uma hipótese de
vinculação, em verdadeira adoção da doutrina do stare decisis, e é desnecessária a edição
de súmula com efeito vinculante por parte do Supremo Tribunal Federal.
Apreciando-se o complexo normativo do recurso extraordinário das decisões
oriundas dos Juizados Especiais Federais, Gilmar Ferreira Mendes28 sustenta a presença de
um tratamento diferenciado por parte do legislador, ao consubstanciar disposição asse-
melhada ao estabelecido no art. 21 da Lei nº 9.868/99, que prevê a medida cautelar na
ação declaratória de constitucionalidade, e no artigo 5º da Lei nº 9.882/99, que autoriza
a cautelar em sede de descumprimento de preceito fundamental.
28 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3. ed.
São Paulo: Saraiva, 2004. p. 283.
p. 39 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Adentrando no estudo do Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ e da Ação
Cautelar nº 272-9/RJ, vislumbra-se que o Pretório Excelso efetuou controle de constitu-
cionalidade do procedimento recursal ditado pelo Enunciado nº 26 das Turmas Recursais
da Seção Judiciária do Rio de Janeiro e, no que foi tratado como mérito propriamente
dito, do Enunciado nº 21, por entendê-lo contrário à garantia do ato jurídico perfeito.
Dessa forma, os processos paralisados na Seção Judiciária do Rio de Janei-
ro por força da medida liminar na Ação Cautelar nº 272-9/RJ, inclusive os que vieram e
venham a ser ajuizados, deverão seguir a mencionada orientação e não presumir que os
acordos nos termos da Lei Complementar nº 110/2001 foram celebrados eivados por erro
na qualidade de vício do consentimento. Cabe ressaltar que, caso a orientação vinculante
do Supremo Tribunal Federal não seja seguida, caberá a utilização de reclamação por
parte do prejudicado.
Destaca-se que, ao contrário do que uma leitura displicente pode nos levar,
o magistrado de primeira instância não perde o poder de anular o acordo, caso provocado
pelo autor e presentes os demais pressupostos. Em outras palavras, não há impedimento
para que o juiz aplique o Recurso Extraordinário em estudo por exclusão, ou seja, proceda
ao método distinguishing. Essa possibilidade emana do fato de que os precedentes não
são aplicados por dedução, mas sim por indução, e deve o julgador, para tanto, decantar
a respectiva ratio decidendi.
Como exposto pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes no voto da Ação Cautelar
nº 272-9/RJ, o regime jurídico formado pela Lei nº 10.259/2001 e pela referida emenda
regimental tem em vista, especialmente para os Juizados Especiais, emprestar ao recurso ex-
traordinário disciplina racional que evite a superposição e a superprodução de demandas.
6. CONCLUSÃO
Ao Supremo Tribunal Federal compete a guarda da Constituição. É verdade
que o Texto Magno distribui essa beatitude a todo o Poder Público. Entretanto, o artigo 102
deixa claro que, precipuamente, essa é a função do Pretório Excelso e, nessa qualidade,
merece receber do hermeneuta força normativa.
Ao se imaginar se as demandas suspensas pela Ação Cautelar nº 272-9/RJ
fossem apreciadas despojadas do efeito vinculante emanado da ratio decidendi do
Recurso Extraordinário nº 418.918-6/RJ, certamente a recorrente necessitaria de, em
uma infinidade de processos, utilizar-se do recurso excepcional para preservar a garantia
constitucional do ato jurídico perfeito, além de sofrer lesão ao direito de defesa por força
do Enunciado nº 26 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
p. 40 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
Essa infinidade multitudinária de processos repetitivos certamente abarro-
taria as prateleiras do Supremo Tribunal Federal, que deixaria de apreciar outras questões
constitucionais ainda não decididas, inclusive em sede de controle concentrado. Estarí-
amos, então, fomentando o mal da prestação jurisdicional lenta e tardia, em verdadeiro
desrespeito ao jurisdicionado. Na última década, vários foram os exemplos dessa infeliz
constatação, com ênfase nos processos de recomposição da conta vinculada ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço e nos relativos a matéria previdenciária.
Por outro lado, evita-se, assim, a continuidade de lesão de normas constitu-
cionais, abandonando-se a visão dogmática de que a aplicação da doutrina do stare decisis
é incompatível com a tradição de nosso sistema, racionalizando-se a disciplina do recurso
extraordinário, e se impede, também, a superposição e a superprodução de demandas.
Assim, como bem expôs o Supremo Tribunal Federal na Ação Cautelar nº 272-9/RJ,
passamos a adotar a relativa objetivação do recurso extraordinário, já verificado no
recurso de amparo espanhol e na Verfassungsbeschewerde alemã.
Ora, ao edificar o mecanismo de controle de constitucionalidade qualificado
pela produção de efeito vinculante conjugando os artigos 14 e 15 da Lei nº 10.259/2001
com o novo regime do artigo 321 do Regimento Interno, o Supremo atribui força normativa
não só ao mencionado artigo 102, mas a todo o Texto Magno.
p. 41 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 19-42, 2006.
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OS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS E A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
Cristiane Conde Chmatalik
Juíza Federal Titular do 2º Juizado Especial Federal de Vitória/ES;
Mestre em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ;
Professora de Direito Administrativo da Universidade Estácio de Sá.
1. Premissas Necessárias: O Acesso à Justiça 2. Transformações Fundamentais
3. A Defensoria Pública da União 4. Conclusão 5. Bibliografia
“Acesso aos tribunais, acesso à educação. Em termos da igual-
dade está relacionado à acessibilidade do sistema jurídico.”
(Mauro Cappelletti)
“Se árdua é a missão dos Defensores Públicos em suavizar as
asperezas da vida dos desvalidos da fortuna, mais árdua ainda se
torna quando se lhes são negadas as mínimas condições de atuação
eficiente.” (Diogo Figueiredo Moreira Neto)
O tema “acesso à justiça” vem sendo debatido por muitos autores notáveis
em nível nacional e internacional1. No entanto, este tema nunca será por demais debatido,
enquanto não forem erradicados os problemas intrinsecamente ligados a ele. O vertente
tema ganha as páginas dos jornais através de diferentes discursos acerca da matéria.
Tal se dá, decerto, por tratar-se fundamentalmente de tema prioritário para aqueles
preocupados com a democracia do Poder Judiciário.
Democracia entendida como integração, participação, igualdade de oportuni-
dades e tratamento. Não há de se falar em democracia sem Poder Judiciário independente,
eficiente e, acima de tudo, confiável e acessível a todos os membros da comunidade.
É certo que, enquanto valer a regra do direito em julgamentos públicos e
inteligíveis para as partes, somente com a facilidade ao acesso poderá ser assegurada a
igualdade de tratamento e oportunidade entre ricos e pobres, letrados e analfabetos,
administrador público e administrado.
1 Temos o exemplo de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Artemio Zanon, Boaventura Souza dos Santos, Joaquim Falcão, José Eduardo
Faria, José Reinaldo Lopes, Roberto Lyra Filho, José Geraldo de Souza Júnior et al.
p. 44 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
Nosso enfoque estará voltado para a análise de como o Estado (notada-
mente a União) pode oferecer meios para possibilitar o acesso a todos os cidadãos, na
formulação e implantação da assistência jurídica, tornando-se, desse modo, obrigação
estatal que evitará o desestímulo e o descrédito em relação à justiça.
O interesse do tema, ultrapassada a questão do acesso e suas implicações,
reside nos Juizados Especiais Federais, que é parte das soluções para a implantação do
acesso à justiça, que poderá ser resolvido também através de outros órgãos: os sindicatos,
as organizações paraestatais, o serviço de Estágios e Práticas de Advocacia nas faculdades,
os Juizados Especiais Estaduais, as Defensorias Públicas, as Regiões Administrativas nos
bairros, etc. Entretanto, em face da necessidade de se estabelecer uma delimitação do
tema, focaremos a questão dos Juizados Especiais Federais – com a implantação de uma
Defensoria Pública da União efetiva –, que poderão se constituir em um novo procedimento
estatal de se atingir o acesso à justiça.
Assim, a Constituição de 1988, no artigo 98, não previa a princípio regra
específica para a criação de Juizados Federais. Entretanto, dez anos depois, houve a in-
trodução, pela Emenda Constitucional nº 22/99, do parágrafo único, que passou a definir
que Lei Federal haveria de dispor sobre a criação dos Juizados Especiais no âmbito da
Justiça Federal, trazendo esta essencial função jurisdicional para a Justiça Federal.
Segundo a regra constitucional em destaque, os Juizados Especiais Federais
serão, antes de tudo, imprescindíveis à função jurisdicional do Estado. Isto é, qualquer
pessoa poderá litigar em juízo, sem advogado, perante a Justiça Federal, para as causas
de menor complexidade.
A assistência judiciária, estrito senso, está no capítulo IV, “Das Funções
Essenciais à Justiça”, e reservada para a Seção III, com o Título “Da Advocacia e da Defen-
soria Pública”. Assim, ganha bastante relevo na fecunda Constituição Federal. Contudo,
ao contrário da Defensoria Pública dos Estados, a União não possui uma Defensoria dotada
de um número de profissionais suficientes para atender aos reclamos advindos da criação
dos Juizados Especiais Federais.
Não é somente neste capítulo que a assistência judiciária foi contemplada.
O próprio art. 134 da Constituição de 1988 nos remete ao art. 5º, inc. LXXIV, que reza: “o
Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência
de recursos”. O princípio é antigo, mas se ampliou com a nova Carta. O inciso LXXIV do
art. 5º prevê assistência judiciária para os necessitados, agora jurídica, algo muito mais
p. 45 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
amplo, mais abrangente, quando fala em “assistência jurídica integral”, isso abrange não
só representação em juízo, mas consultoria, estando, portanto, os defensores obrigados
a prestarem ambos os serviços2.
O art. 98, parágrafo único, da CR/88 foi regulamentado pela Lei nº 10.259/01,
que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da
Justiça Federal, que institui os Juizados (art. 1º) a partir de seis meses após a sua publicação
(art. 27), mesmo sem a preocupação com a necessária previsão orçamentária.
A referida lei delimitou a competência dos Juizados Especiais Federais em
sessenta salários mínimos (art. 3º), podendo as partes designarem, por escrito, repre-
sentantes para a causa, advogado ou não (art. 10).
A despeito da não-necessidade de haver um advogado acompanhando a
parte, na prática torna-se necessário o assessoramento técnico mínimo na formulação
do pedido e na compreensão do trâmite e linguagem forenses.
Assim, aos defensores públicos incumbe a função de orientar as partes juridi-
camente, tentando, inclusive, conciliá-las antes de promover a ação quando julgar conve-
niente. Esta função de conciliação e assessoramento seria mais bem exercida se houvesse a
atuação permanente de um defensor público, pelo menos, em cada Juizado Federal, onde
o defensor ou os estagiários ouvem as partes e compartilham suas histórias.
A instituição dos Juizados Federais, sem dúvida, resultou num crédito na
Justiça, principalmente em relação à chamada litigiosidade contida, pois, na atualidade,
é uma das melhores formas de atuação da assistência jurídica integral e gratuita. É certo
que o acompanhamento do defensor público torna-se imprescindível, pois as partes ao
se defrontarem com o profissional que representa a instituição procuram resolver, ainda
que de modo informal aos olhos do sistema tradicional, o seu conflito.
Não nos cabe nesse trabalho discutir a atuação da Defensoria Pública de
forma global, mas como os Juizados Especiais acabaram por aumentar de forma notória
o número de demandas, e como se tornaram a única via de acesso a uma justiça muito
mais célere e eficaz, e como contribuíram de modo ímpar para o acesso à justiça.
2 Havia uma discussão, logo após a promulgação do dito diploma legal, acerca da possibilidade de o constituinte ter retrocedido
no inciso in fine, quando estabelece a necessidade de “comprovarem a insuficiência de recursos”, dando uma ilusão que há uma
presunção de prova. A Lei nº 7.510 de 4 de julho de 1986 prescinde desta comprovação, desta medida. A simples afirmação da parte
gera uma presunção juris tantum, portanto, somente refutável com a prova pela parte adversa.
Este é o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por decisão unânime de seu Órgão Especial (Acórdão de 30.8.90, no
Agravo Regimental nº 34/90, no Mandado de Segurança nº 137/90), que reconheceu a possibilidade da simples afirmação de pobreza,
decorrente da mera declaração do interessado.
p. 46 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
Assim, o próprio patamar definido na lei, de sessenta salários, relativamente
alto para a média per capita de nossa população, acabou por gerar o acesso diferencial
ao direito à justiça por grande parte das classes e estratos sociais menos favorecidos.
Ainda dentro deste mesmo tema, a criação dos Juizados veio a expressar
o direito à jurisdição, que é garantia constitucional, primária e indispensável à eficácia
de todos os direitos - verifica-se até que ponto a igualdade formal dos cidadãos perante
a lei passou a ser confrontada com a desigualdade da lei perante os cidadãos.
1. PREMISSAS NECESSÁRIAS: O ACESSO À JUSTIÇA
É mister voltarmos ao tema do acesso à justiça para compreendermos
melhor a sua problemática. A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil
definição, mas quem inicialmente se depara com o assunto tem de analisar dois aspectos
fundamentais: “em que sistema as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver
seus litígios sob os auspícios do Estado”3.
Com isso, tratamos de delimitar nosso enfoque, e o primeiro passo a se
analisar é que este sistema seja acessível a todos, com o reconhecimento por parte das
pessoas de um possível direito a ser pleiteado em juízo e, segundo, que ele produza
resultados justos, sendo a informalização do Judiciário requisito apriorístico para o
acesso efetivo.
O tema “acesso à justiça” é o que mais diretamente equaciona as relações
entre o processo civil e a justiça social, entre a igualdade jurídico-formal e a desigual-
dade sócio-econômica4.
Em outros termos, o “acesso” não é apenas um direito social fundamen-
tal, crescentemente reconhecido; ele é também, necessariamente, o ponto central da
moderna processualística. Seu estudo pressupõe um alargamento e aprofundamento dos
objetivos e métodos da moderna ciência jurídica5.
Muito deste pensamento ainda está refletido em nossas leis. O Brasil so-
mente se preocupou com um sistema que proporcionasse o efetivo acesso à justiça muito
3 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1988.4 SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Jus-
tiça: A Função Social do Judiciário. São Paulo, Ática, 1989. Nesse mesmo sentido encontramos no texto formulado pela Comission
Presidencial para la Reforma del Estado, “Fortalecimento del Estado de Derecho” (v. 5, Caracas, 1990), que cito:
“O Estado de Direito é um dos princípios que com valor superior estabelece a Constituição, junto com a democracia, a igualdade
social e a primazia da dignidade humana.
“Com efeito se, a dignidade humana é o núcleo de ordem política e social, os direitos que lhe são inerentes – o livre desenvolvimento
da personalidade, o respeito ao direito dos demais e respeito à lei – fazem do homem em sociedade, sem sujeição a um ordenamento
econômico e social determinado, a chave filosófica que sustenta o sistema contemplado na Constituição: o indivíduo em sociedade
dentro de um contorno de liberdade, entre os parâmetros das leis e o respeito pelo direito dos outros” (tradução livre).5 CHAYES, Abraham. O Papel do Juiz nos Conflitos de Direito Público. Harvard Law Review, v. 89, 1976. p. 1041-1048.
p. 47 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
recentemente. O estudo jurídico também se manteve indiferente à realidade do sistema
judiciário: “Fatores como diferenças entre litigantes em potencial no acesso prático ao
sistema, ou a disponibilidade de recursos para enfrentar o litígio, não eram sequer per-
cebidos como problemas”6. O estudo era tipicamente formalista, dogmático e indiferente
aos problemas reais do foro cível.
Não se organiza uma justiça para uma sociedade abstrata, e sim para um
país de determinadas características sociais, políticas, econômicas e culturais.
Assim, considera-se a história da Justiça no Brasil dos anos 20 para cá, quando
se iniciou uma fase diferente, da qual o Judiciário passou a participar, com a progressiva de-
mocratização de seus quadros e também a progressiva solicitação de sua interferência.
De qualquer modo, a justiça como administração, alheia às lutas políticas,
ficou como ideal bastante forte. O sistema de carreira subordinada a uma cúpula escolhida
pelo Executivo serviu também, com o tempo, para isolá-lo da sociedade, da sociedade
cada vez mais conflitiva, complexa e ativa em que estamos, e é em parte a causa desta
crise de legitimidade que o atinge hoje em dia7.
Então, ainda acerca do estudo da informalização do Poder Judiciário, está
a hipótese de se estruturar organicamente leis e códigos a partir de princípios básicos
do Direito, expressando-os com uma linguagem inequívoca, para que ninguém realmente
desconheça os preceitos legais – tarefas básicas de qualquer jurista realmente preocupado
com o “acesso”.
Neste domínio, verifica-se a completa vitimização do cidadão que pretende
impugnar um ato ou pleitear uma demanda. Por exemplo, um dos aspectos é a lentidão
dos processos, que pode também resultar em um custo econômico adicional para aqueles
cidadãos com menos recursos.
A distinção, portanto, de algumas questões relacionadas ao acesso à justi-
ça, para dar-lhes um tratamento judicial diferenciado, passou a ser um imperativo para
a própria administração da Justiça – para a sobrevivência do Poder Judiciário – como,
por exemplo, a atuação da Defensoria Pública no foro comum e nos Juizados Especiais
Cíveis e Criminais8.
6 FARIA, José Eduardo. Direito e Justiça: A Função Social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989.7 LOPES, José Reinaldo de Lima. A Função Política do Poder Judiciário, apud nota 9.8 Os Juizados Especiais têm sido uma solução, tornando-se o locus para se administrarem de forma célere e justa as crises e litígios
sociais – não apenas sua meta e objetivo é acabar com o processo, mas, sim, transformar-se em um instrumento de pleno resgate
da cidadania.
Os procedimentos adotados pelos Juizados Especiais, calcados nos princípios da celeridade, oralidade, simplicidade, informalidade e
economia processual, criam, em curto prazo, uma nova cultura na prestação jurisdicional, renovando a postura de todos os juristas
que se dedicam ao acesso à justiça.
A priori, questiona-se, no entanto, o que seriam as “causas de menor complexidade”. Não se poderia obstar o funcionamento do órgão
por falta da definição legal. O fato de serem causas de menor complexidade também não significa causas de menor importância.
Antes dos Juizados, por não haver um tratamento processual diferenciado, em razão da maior ou menor complexidade das causas,
tínhamos uma situação caótica em que juízes e tribunais perdiam-se em um volume extraordinário de serviço.
p. 48 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
Também é importante tentar inovar no estudo, já que muitos se detiveram
no litígio, e não na norma. Mesmo em análise superficial, pode-se notar que o nosso
Código Civil, quase dois terços dele, trata do direito de propriedade. Mesmo a parte de
sucessões, toda ela é voltada para a questão dos bens. Constata-se, então, que o modelo
de democracia preconizado é democracia para os que são iguais. Mas quem são os iguais?
Aqueles que têm a propriedade. Então, é evidente que nossa legislação completamente
anacrônica, que em vários aspectos encontra-se em desacordo com a evolução social, ab-
solutamente não atende aos reclamos da grande maioria da população marginalizada.
Verifica-se, ademais, que as bases do processo fundam-se prioritariamente
na igualdade formal, que constitui, é certo, grande vitória (reflexiva da Revolução Fran-
cesa), mas nem por isso proporcionou o parâmetro formal almejado da igualdade entre
os homens. É certo que outra marca da Revolução Francesa nos persegue até hoje – o
individualismo – , e este veio a significar a construção de todo o sistema jurídico, gerando
uma certa não-cognição pelo papel dos grupos sociais.
O arcabouço do processo civil e da ordem jurídica em geral é tomado a
partir de como um indivíduo se confronta com outro indivíduo, mesmo quando um é
muito mais forte que o outro.
O processo civil, emergido do individualismo, resta afastado dos conflitos
sociais emergentes e procura solucionar conflitos entre indivíduos, considerados como
tais, isoladamente.9
Em um nível mais restrito, poderíamos nos perguntar se haverá um efetivo
acesso à justiça nos Juizados Especiais Federais sem uma Defensoria Pública ativa, até
que ponto este preceito está sendo empregado, como vêm sendo realizados os trabalhos
de assistência jurídica no âmbito federal atualmente.
Por fim, procuramos buscar elucidar algumas questões pertinentes à Defen-
soria Pública da União, à sua atualização e crescimento, e ao fato de que nos Juizados
Federais há uma necessidade de aconselhamento e encaminhamento das ações que, diante
da falta de defensores, acaba sendo exercida por servidores federais muitas vezes sem
o preparo necessário para tal atribuição.
2. TRANSFORMAÇÕES FUNDAMENTAIS
O tema “acesso à justiça”, como já foi dito inicialmente, é o que melhor
equaciona as relações entre processo civil e a justiça social, entre igualdade jurídico-
formal e desigualdade sócio-econômica.
9 Melhor explanação a respeito encontra-se no texto de ARRUDA ALVIM, Anotações sobre as Perplexidades e os Caminhos do Processo
Civil Contemporâneo: Sua Evolução ao lado da do Direito Material. In: TEIXEIRA, Sálvio de F. (Coord.). As Garantias do Cidadão na
Justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 167-184.
p. 49 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
A contribuição, então, da sociologia consistiu em investigar sistemática e
empiricamente os obstáculos ao acesso efetivo à justiça por parte das classes populares
com vista a propor as soluções que melhor pudessem superá-los. São três esses obstáculos:
econômicos, sociais e culturais10.
Por este motivo, a função jurisdicional (jurisdição) pode ser provocada (pelo
direito de ação) por qualquer indivíduo para a tutela ou satisfação de interesse próprio,
e constitui-se entre o demandante e aqueles que resistem à pretensão, sejam eles outros
indivíduos, empresas, grupos ou até mesmo o Estado, uma relação social prevista pelo
direito (o processo), que possibilita a defesa do interesse legítimo.
O texto da Constituição de 1988 começa com um preceito decisivo de intenção
em favorecer ao acesso à justiça, a partir do art. 1º, que estabelece como fundamento da
República do Brasil a dignidade da pessoa humana – inciso III. E sem o possível acesso ao
Judiciário, não há de se falar em dignidade humana, quando vulnerada em seus direitos.
Isso pode ser complementado pelo art. 3º, que anuncia o objetivo fundamental da República
do Brasil: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que erradique a pobreza
e a marginalização e promova o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação – incisos I, III e IV.
O fortalecimento do princípio da isonomia dá-se no bojo do artigo 5º, que
contempla o direito de petição em defesa de direitos – inciso XXXIV, “a” –; a inafastabili-
dade do controle jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça de direito – inciso XXXV –; o
processo e sentenciamento pela autoridade judiciária competente – inciso LIII –; o devido
processo legal – inciso LIV –; e o contraditório e ampla defesa, com recursos e meios a ela
inerentes, seja no processo judicial como no administrativo – inciso LV.
Explicita-se desta forma o caráter constitucional da garantia do direito
de ação (CR, art. 5º, inc. XXXV) e seus corolários (habeas corpus, art. 5º, inc. LXVIII;
mandado de segurança, art. 5º, inc. LXIX; ação popular, art 5º, inc. LXXIII; a assistência
jurídica integral e gratuita, art. 5º, inc. LXXIV). A Constituição previu, ainda, o mandado
de segurança coletivo (art. 5º, inc. LXX), o habeas data, o mandado de injunção (art. 5º,
inc. LXXI), e a ampliação do objeto da ação popular comum.
Também os direitos de segunda geração tiveram importante reconhecimento
– arts. 6º a 11 –, fixada a justiça social como objetivo da ordem social do art. 193, valor
que reaparece dentre os princípios gerais da atividade econômica – art. 170.
Assim, tem o Poder Judiciário o papel fundamental de socorrer o indivíduo
comum da ilimitada ação do poder estatal.
10 SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça:
A Função Social do Judiciário. São Paulo: Ed. Ática, 1989.
p. 50 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
Esta é a lição de JOSÉ RENATO NALINI, que, em seu bem elaborado “O Juiz
e o Acesso à Justiça”11, nos ensina:
Não há como deixar de reconhecer que a intervenção pronta do Ju-diciário representa a plenitude do acesso a justiça. E essa resposta consentânea com a necessidade só poderá advir se o juiz estiver preparado para adentrar a uma nova realidade jurídica, resultante de modificada situação social, que já encontrou reflexo na ordem constitucional vigente.
O Judiciário, como poder função, não é mera sofisticação jurídico-política
– é o dinâmico processo de proteção de cada um e a realização mais completa e visível
do regime democrático. Perante a divindade que representa o ideal de justiça, de olhos
vendados, todos são democraticamente iguais.
Assim, cabe ao Estado puxar para si a função de democratizar seus pode-
res. Não só o Executivo, o Legislativo, mas também o Judiciário há de ser aberto para a
população que mais precisa de seu socorro.
No imediato pós-guerra, vigorava na maioria dos países um sistema de
Assistência Judiciária gratuita organizada pela Ordem dos Advogados a título de munus
honorificum. Os inconvenientes deste sistema eram muitos e foram rapidamente de-
nunciados. A qualidade dos serviços jurídicos era baixíssima, uma vez que, ausente a
motivação econômica, a distribuição acabava por recair em advogados sem experiência
e, por vezes, ainda não plenamente profissionalizados, em geral sem qualquer dedicação
à causa. A assistência limitava-se aos atos em juízo, estando excluída a consulta jurídica
e a informação sobre direitos.
A denúncia das carências deste sistema privado e caritativo levou a que na
maioria dos países ele fosse completamente substituído por um sistema público assistencial
organizado ou subsidiado pelo Estado.
Procurou-se, então, sanar as dificuldades em relação a este acesso. Por
isso, fala-se em obstáculos econômicos, sociais e culturais.
Segundo Boaventura Santos12:
Estudos revelam que distância dos cidadãos em relação à administra-ção da justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e que essa distância tem como causas próximas não apenas fatores econômicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns, e outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econômicas.
11 São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. p. 49-50.12 Op. cit.
p. 51 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
3. A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
No Brasil, estamos avançando neste sentido com a advertência da Consti-
tuição de 1988, que prevê a criação de Defensoria Pública em todos os estados, e temos,
em conjunto com o art. 9º e incisos do Código de Processo Civil, a atuação do Defensor
Público como Curador Especial. No âmbito federal, há uma carência efetiva de defensores
públicos: segundo a modificação da Lei Complementar nº 80/94 pela Lei Complementar
nº 98/99, a Defensoria Pública da União deverá firmar convênios com as Defensorias
Públicas dos Estados para que estas, em seu nome, passem a atuar perante os órgãos de
primeiro e segundo graus de jurisdição no desempenho de suas funções. E nos locais onde
não há Defensoria Pública foi, ainda, autorizado o convênio com a entidade pública que
desempenha essa função.
No Rio de Janeiro, por carência de defensores e servidores da Justiça
Federal que pudessem atender as partes, recorria-se aos convênios com as universi-
dades públicas que faziam o primeiro atendimento aos interessados em pleitear em
juízo. Já no Espírito Santo, há convênio com algumas universidades e com a Ordem dos
Advogados, no sentido de encaminhar as pessoas aos escritórios credenciados para tanto,
com a distribuição de senhas seqüenciais.
Com isso temos, pelo menos, uma previsão de serviços dos defensores junto
a vários órgãos, mas que, na prática, ainda estão ausentes de atuação em diversos estados.
Isto porque, essencialmente, é a Defensoria Pública o instrumento de me-
lhor acolhimento das necessidades das pessoas que procuram solucionar seus conflitos no
Poder Judiciário e não têm como arcar com custas judiciais ou com a contratação de um
advogado. Mesmo que seus membros estejam assoberbados de funções, com um número
enorme de demandas e com a falta de aparato mínimo para o melhor desempenho de
sua tarefa, os serviços prestados pela Defensoria Pública dos estados têm sido bastante
satisfatórios, com sucessos importantes para as partes.
E é através da Defensoria Pública que se tem efetivado o princípio consti-
tucional da assistência jurídica integral e gratuita na forma pensada em outros países.
Assim, tem de ser claro na mente das pessoas que a Defensoria é “Pública”,
não só na sua destinação ou finalidade, mas também porque seu custeio é rateado entre
todas as pessoas, e, como todo serviço público, está a disposição de quem dele necessite,
expressando sua eficiência no aumento gradativo de sua clientela, no sentido de se
tornar um eficiente meio de dirimir os conflitos sociais e fazer cumprir a isonomia como
princípio fundamental13.
13 Como exposto anteriormente, não se discute no bojo deste trabalho a crise do estado assistencial, apenas se busca a justificação
dos conceitos impostos pela Constituinte de 1988, que remontam de datação histórica definida.
p. 52 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
Qualquer trabalho preocupado com o verdadeiro acesso à justiça não poderia
findar-se sem propostas para um efetivo acesso. No continente europeu, por exemplo,
podemos apontar os bem conhecidos movimentos de reforma que foram agrupados sob
a designação de “oralidade” e ocuparam-se essencialmente com a “livre apreciação da
prova”, a “concentração” do procedimento e o contato “imediato” com os juízes, par-
tes e testemunhas, bem como com a utilização dos juízos de instrução para investigar a
verdade e auxiliar a pôr as partes em pé de igualdade.
No Brasil, adota-se o sistema de jurisdição una, em que do Judiciário emana
a última palavra em matéria de direito.
Assim, em nossa pátria, a despeito de não ser costumeira a prática da re-
solução dos conflitos por estes métodos diversos, há outros meios de dirimir conflitos sem
a adjudicação da autoridade estatal. Conflitos há, notadamente aqueles que envolvem
pessoas em permanente contato (v.g., relação de vizinhança, de locação, de compra
e venda de bens móveis), para as quais a mediação e a conciliação são perfeitamente
cabíveis e dirimem conflitos com a virtude de pacificar os conflitantes. Assim também
funciona o arbitramento, solução com aspectos bastante positivos.
Temos o juízo arbitral, a conciliação e os incentivos econômicos para as
soluções dos litígios fora dos tribunais. Estes métodos são ajustáveis principalmente quando
se tratam de pequenas causas ou as de interesse dos consumidores. Com a criação dos
Juizados Especiais Federais, há a necessidade de se buscar o modelo dos estados para a
realização de acordos, ainda que de forma incipiente, já que nos estados funcionam bem,
com estagiários de Direito fazendo a conciliação, uma defensora pública auxiliando e um
juiz que poderá (ou não) homologar um acordo entre as partes no mesmo momento ou
em audiência a ser marcada previamente.
KAZUO WATANABE, ao explicitar a importância da participação da comuni-
dade na administração da justiça, nos informa:
A experiência dos Juizados Informais de Conciliação e Juizados
Especiais de Pequenas Causas, têm posto à mostra a importância
dessa participação. A participação tem ocorrido sobre a forma de
conciliador e Árbitro. Essa participação da comunidade e a adoção
de técnicas alternativas de solução de conflitos, principalmente a
conciliação e o arbitramento, e ainda a tendência à deformalização
(mais informalidade) e delegalização (menos legalismo e solução dos
conflitos, em certos casos, pela eqüidade) têm constituído, a grande
inovação desses Juizados. A par das vantagens mais evidentes, que
são a maior celeridade e maior aderência da Justiça à realidade
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social, a participação da comunidade traz, ainda o benefício da maior
credibilidade da Justiça, principalmente o do sentido pedagógico da
administração da justiça, propiciando o espírito da colaboração. Os
que têm oportunidade de participar conhecerão melhor a Justiça e
cuidarão de divulgá-la ao segmento social a que pertencem.14
No âmbito federal, não havia uma tradição para a realização de acordos,
tendo em vista a indisponibilidade do interesse público da parte ré envolvida na demanda.
Contudo, a própria lei de criação dos Juizados, no art. 10, parágrafo único autoriza os
representantes da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais a conciliar,
transigir ou desistir nos processos da competência dos Juizados.
Outro ponto interessante é que cresce o caráter coletivo das demandas
relativas ao acesso à justiça. Ao individualismo das demandas se contrapõe a cidadania
coletiva, cada vez mais ativante. Os chamados interesses difusos, como os dos consu-
midores ou os relativos à proteção ambiental e à preservação do patrimônio cultural,
caracterizados pela impossibilidade prática de se determinarem seus titulares e pela
indivisibilidade de seus objetos, passam, após a Constituição de 1988, a se tornarem
questão de ordem do dia para os preocupados com o acesso à justiça.
A Lei nº 10.259/01, no art. 3º, § 1º, inc. I, infelizmente afastou a possibili-
dade de serem pleiteadas as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou
individuais homogêneos, embora não afaste a postulação da questão de forma individual.
Entretanto, isso não deixa de ser um retrocesso.
Em suma, perquire-se a instrumentalidade do processo e os propósitos
norteadores da ação dos profissionais do Direito – o processo como instrumento que tem
um fim específico a ser alcançado. Assim, a preocupação dos juristas passa a ser, cada
vez mais, com o acesso à justiça, isto é, com a busca de procedimentos conducentes à
proteção dos direitos das pessoas comuns, sejam individualmente analisados ou não.
Esse sistema implica baixos custos, informalidade e rapidez, pregadores ati-
vos, e utilização e aplicação de conhecimentos jurídicos inovadores à matéria processual,
que resultarão em um arcabouço para a verdadeira democratização do acesso à justiça.
Como dito anteriormente, no Brasil adota-se o sistema de jurisdição una,
mas a questão da oralidade, a livre apreciação da prova, o contato “imediato” com
os juízes são institutos cada vez mais adotados no sistema brasileiro (art. 2º da Lei
nº 9.099/95, c/c art. 1º da Lei nº 10.259/01).
14 WATANABE, Kazuo. Acesso À Justiça e Sociedade Moderna. In mimeo.
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O Poder Judiciário tem competência constitucional para solucionar e di-
rimir os conflitos oriundos dessas diferenças e divergências de interesses que convivem
no mesmo espaço e tempo, e cabe-lhe dizer qual o direito que deve ser aplicado para a
solução desses litígios.
Desse modo, a eficácia da função do Poder Judiciário na aplicação do
direito, com o objetivo de garantir o valor universal da Justiça Social, depende de alte-
rações quanto à sua estrutura e concepção de Poder como órgão incumbido da função
jurisdicional do Estado.
A criação dos Juizados Especiais tem levado a uma práxis de acesso à justiça,
ao serem admitidas as técnicas alternativas de solução de conflitos, menos formais e mais
céleres, ainda que, ao final, tenhamos o contra-senso que é sair dos trâmites normais
de julgamento e se deparar com o problema dos recursos, quando justamente se tentou
fugir do emperramento do Poder Judiciário. Contudo, somente a prática na realização de
conciliações, com o tempo e com a experiência, possibilitará se evitarem a prorrogação
da demanda e seus trâmites recursais.
Deste modo, nos Juizados Especiais, a despeito de primarem pela celeridade,
se não houver a conciliação, as partes terão de se submeter ao procedimento (Turmas
Recursais, Turma de Uniformização de Jurisprudência e até mesmo o Supremo Tribunal
Federal), que, a despeito de célere, pode se alongar por dois a três anos, no mínimo, o
que implicará o retorno ao ponto de partida, como dito anteriormente.
Nunca é por demais repetir que, para a plenitude deste desafio, é necessário
se fazer com que as fontes do Direito (lei, doutrina, jurisprudência dos tribunais) estejam
em sintonia com a realidade social, na qual se demonstra que a maioria da população não
tem os seus direitos garantidos. Esse fato é decorrente da própria falta de conhecimento
da população sobre os seus direitos, bem como dos meios existentes e necessários, ainda
que alternativos, para defesa e obtenção desses direitos.
O juiz, portanto, deve ter uma nova compreensão do Poder Judiciário e do
Direito, e considerar em suas decisões outros fatores além do jurídico, como o econômico,
o político e o social, para afirmar ou criar direitos.
A democratização do Poder Judiciário implica, em um primeiro momento,
assegurar a participação da comunidade na fiscalização de seus serviços, o que compre-
ende os procedimentos e as instâncias de negociações, intermediações e decisões para a
solução dos conflitos de interesses existentes na sociedade. O serviço seria prestado nas
comunidades para uma melhor compreensão dos problemas que essa população enfrenta
no cotidiano, com a criação de tribunais nos bairros, como os Juizados Especiais.
p. 55 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
Para a Defensoria Pública, no entanto, o grande avanço foi a Lei Complementar
nº 80, de 12 de janeiro de 1994, que organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito
Federal e dos territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos estados,
conforme determinado pelo art. 134, parágrafo único, da Constituição da República.
Esta lei, que trouxe em nível nacional uma postura abrangente, indepen-
dente, sem violações aos princípios institucionais, ainda aguarda por parte da União a
implantação de uma Defensoria Pública em todos os estados da federação, com número
suficiente de defensores que possam atuar em todas as jurisdições.
Não restam dúvidas sobre ter sido a Defensoria Pública palco de inúmeras
mudanças, com vitórias para a categoria e para a população que pode, em nível consti-
tucional, exigir o seu direito à jurisdição prestado por um corpo de advogados do Estado,
postos a sua disposição como instituição autônoma, independente e eficaz.
A atividade essencial que o defensor público exerce junto aos magistrados
diz respeito, primordialmente, à garantia de defesa quando estabelecida a relação
processual civil e penal, em estrito cumprimento ao princípio do contraditório, que se
estende, ainda, à esfera administrativa, tudo em obediência à garantia constitucional
prevista no art. 5º, LV, da Carta Magna.
A Defensoria Pública da União tem atuação relevante no que concerne à
celebração de acordos a serem firmados nos mais diversos conflitos, com os quais
a formação de inúmeros processos é evitada de modo a minimizar o trabalho já
desgastante do órgão jurisdicional, desde os serviços cartorários até o pronuncia-
mento dos magistrados.
A Defensoria Pública, então, é a tentativa, na prática, de se acabar com
a discriminação social, com as diferenças entre as classes sociais, na mediação de seus
conflitos, ao se tornar um órgão independente sem compromisso com o interesse estatal.
A instituição funciona através do desempenho de seus defensores públicos, cujos atos são
imputados ao órgão a que pertencem, dando autonomia aos seus membros, que, junto
com o Ministério Público e a Procuradoria Geral da União, formam os “órgãos indepen-
dentes do Estado”15.
Compete, ainda, à Defensoria Pública prestar assistência jurídica extra-
judicial, ou seja, atuar em procedimento administrativo, por exemplo, por força da
garantia constitucional consignada no art. 5º, LV, da Constituição (c/c art. 4º, IV, da Lei
Complementar nº 80) e pela Lei Estadual (RJ) nº 1.694/90, que no art. 6º estabeleceu:
“É dispensado do pagamento de custas e emolumentos, nos atos judiciais e extrajudiciais,
15 Hely Lopes Meirelles, expressão utilizada em seu Direito Administrativo Brasileiro (Revista dos Tribunais, 1989, p. 61-62). Volta-
remos à questão da independência funcional quando analisarmos a Lei Complementar nº 80/94.
p. 56 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
o juridicamente necessitado, sempre que assistido pela Defensoria Pública”. A medida
há de ser salientada porque é de grande valia para aquele que necessita de orientação
jurídica, nem sempre perante órgãos do Poder Judiciário. Assim, a consulta e a orientação
do Defensor Público serão indispensáveis para a garantia do direito.
A esse diversificado trabalho acresce-se ainda o fato de mais da metade
dos processos que tramitam nos Juizados Especiais Federais, por exemplo, serem sem
o patrocínio de advogado, fato que, por si só, demonstra a necessidade da atuação dos
defensores públicos.
É certo que o art. 4º da Lei Complementar nº 80/94 nos premia, já no inciso
I, com a função primordial da categoria, qual seja “promover judicialmente, a conciliação
entre as partes em conflito de interesses”. O aconselhamento jurídico por si só já justi-
ficaria a existência da Defensoria Pública, pois, como dito a priori, a questão da falta de
informação caracteriza-se por um forte obstáculo ao acesso, corroborado pela demora e
pelas altas custas processuais. Assim, a conciliação pode significar um desafogamento do
Poder Judiciário, evitando-se inúmeras ações, agilizando-se a composição dos conflitos.
A segunda função relevante do defensor público é a possibilidade de
promover a Ação Civil Pública em defesa de interesses difusos ou coletivos, como o meio
ambiente e direitos do consumidor lesado, consoante os termos dos incisos III e XI do art. 4º
da Lei Complementar nº 80/94. A atuação como curador especial, consoante o inc. VI do
art. 4º da LC nº 80/94, tornou-se função privativa da Defensoria Pública, só que como
função atípica, pois prescinde da situação de economicamente frágil do citado por edital
ou por hora certa, do incapaz, que não tenha representante legal (ou que os interesses
daqueles colidam com os deste), ou do réu preso (art. 9º do CPC). O inc. VII do art. 4º
exige a defesa da criança e do adolescente. O Estatuto da Criança e do Adolescente
já previa a atuação da Defensoria Pública na defesa dos menores (art. 141, par. 1º,
e 206 e seguintes).
Os incisos X e XI do art. 4º merecem particular detalhamento, já que a
atuação do defensor público perante os Juizados Especiais é de importância fundamental
no aconselhamento jurídico, como na conciliação das partes e na representação judicial
daquele que não tem advogado. Quanto à defesa do consumidor, esta função vem em
consonância com o art. 5º, I, do Código de Proteção ao Consumidor. Por fim, a regra do
parágrafo 2º do art. 4º, que legitima a Defensoria Pública a pleitear contra pessoas jurí-
dicas de direito público, o que é a afirmação de sua independência funcional, podendo
ir contra a União ou qualquer pessoa jurídica de direito público.
Cabe ao defensor público, então, aceitar as prerrogativas ou poderes do seu
munus público. Isso porque tais poderes são imprescindíveis em benefício daqueles que o
defensor deve assistir. Deve, portanto, o defensor público cumprir os deveres enumerados
no art. 45, e incisos, da LC nº 80/94 como forma de atuação institucional.
p. 57 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
Com pertinência, atente-se ao fato que no Brasil é elevadíssimo o número
de pessoas que carecem da prestação jurisdicional necessária ao restabelecimento do
equilíbrio social afetado e não podem satisfazer, ao menos, o pagamento das custas
processuais – são elas os necessitados.
Poderíamos definir como necessitados todas as pessoas carentes de recursos
ou aquela parcela da população, a maioria, que vive de alguma espécie de segregação
e espoliação de seus direitos, que resulta na lesão ou ameaça de lesão a seus direitos e
interesses. Assim, são considerados hipossuficientes o idoso, a criança e o adolescente,
o consumidor, todos que estão em posição de inferioridade em uma relação jurídica.
Diante da realidade que nos cerca, somos levados a refletir porque o servi-
ço deve ser prestado de forma gratuita somente para os que comprovarem insuficiência
de recursos e não para toda a população, como se esse segmento fosse uma pequena
parcela da sociedade.
Assim, busca-se alargar o conceito de hipossuficiente jurídico, afinal é justo
que, pelo menos perante a lei, tenham os “hipossuficientes judiciais” artifícios mais efica-
zes para enfrentar seus adversários, tratando desigualmente partes que são desiguais.
De qualquer sorte, a função da justiça, em sua totalidade, é conter os
antagonismos das classes sociais, erradicando ou minimizando as tensões e as frustrações
dos que nela buscam refúgio.
A Defensoria Pública visa a tentar minimizar a distância entre o direito
oficial e o não-oficial, a resolução dos conflitos em uma instância local, sem a intervenção
do Poder Judiciário, onde os mediadores são pessoas da própria comunidade. Assim, a
instalação da Defensoria Pública nesses pontos seria uma tentativa de oferecer assistên-
cia jurídica a estas pessoas – aos cidadãos que residem nas favelas, nas periferias e nos
locais mais distantes.
Com isso, busca-se a descentralização e a regionalização do serviço, já que
um forte obstáculo ao acesso é justamente a dificuldade de se chegar aos locais onde
a Defensoria Pública atua. Estabelece-se, deste modo, uma conexão entre o titular da
assistência jurídica e o defensor público, que estará inserido na comunidade, vivenciando
os problemas cotidianos dela. Este contato direto propicia também a identificação pelo
profissional da assistência jurídica dos problemas e obstáculos criados pelo Direito, de
modo a facilitar uma reflexão crítica sobre o ordenamento jurídico e sobre qual o papel
do Direito como instrumento de resolução de conflitos e não como perpetuador das
desigualdades sociais.
p. 58 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
A Defensoria Pública – representada pelos defensores públicos – está obri-
gada a prestar os serviços de assistência jurídica integral e gratuita, o que engloba não
só a representação em juízo, mas a consultoria, inclusive no que se refere aos direitos e
garantias fundamentais estabelecidos pela Constituição da República.
Nessa esteira, o acesso à justiça configura-se, na atualidade, no direito
a uma ordem jurídica justa, sendo que são dados elementares, primeiro, o direito à
informação e ao conhecimento do direito material, além de uma pesquisa constante no
sentido de se procurar adequar a ordem jurídica vigente à realidade sócio-econômica
dos clientes da Defensoria Pública.
Assim, deve haver a tentativa de fazer um trabalho de ordem política ins-
titucional, no sentido de criar juizados nos locais de moradia das populações carentes16,
como dito anteriormente, onde formalmente não há a regularização dos conflitos. A ins-
talação da Defensoria Pública nestes pontos seria uma tentativa de oferecer assistência
jurídica a esta população. Para tanto, é necessária a capacitação da Defensoria Pública de
autonomia financeira e administrativa, com dotação orçamentária própria, para viabilizar
a administração dos vários Núcleos de Atendimento às populações carentes.
Releva notar, ademais, que a formação de uma magistratura inserida
dentro desse contexto, ou seja, comprometida com uma ordem jurídica justa, torna-se
imprescindível para a efetivação do acesso à justiça.
Em suma, exerce-se o direito a uma ordenação dos atos processuais de
forma que a maioria da população tenha condições de sanar os problemas básicos de
impedimento ao acesso, de evitar as custas e a prolongada resolução dos conflitos, e de
capacitar a promoção da efetiva tutela de direitos – a questão da informalização do Poder
Judiciário e da autonomia da Defensoria Pública.
4. CONCLUSÃO
É importante salientar que a Constituição de 1988, ao prever que “A Defen-
soria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado” (art. 134, caput) e ao
prever a Lei Orgânica Nacional, que cuida da organização da instituição, funcionamento,
atribuição e competência de seus órgãos, bem como do regime jurídico de seus membros,
fortaleceu, ampliou e institucionalizou a atuação da Defensoria Pública.
16 A Justiça Federal conta com os Juizados Federais Itinerantes, que atuam nos locais mais distantes da Região Norte, onde o acesso é extre-
mamente difícil, sendo levada a atuação de juízes através de microônibus ou barcas, notadamente em relação à matéria previdenciária.
p. 59 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
A par disso, a Defensoria Pública extrapola seus próprios limites de atua-
ção, pois como é “essencial à função jurisdicional”, torna-se ilimitada, podendo atuar
em todos os graus de jurisdição, alcançando a própria garantia e efetividade do Estado
Democrático de Direito, ou seja, por intermédio dos defensores públicos exerce-se ativi-
dade essencial junto aos magistrados, os quais, em razão de seu ofício, estão investidos
desta função jurisdicional.
É mister, ainda, que a Defensoria Pública guarde uma posição de indepen-
dência e autonomia em relação aos órgãos estatais e ao Poder a que se encontra vinculada.
Independência total, ou seja, apenas adstrita a sua própria consciência, como dito, com
dotação orçamentária própria e liberdade de atuação de seus órgãos.
Assim, a Lei Complementar nº 80/94 trouxe garantias excepcionais para
os Defensores Públicos agirem em defesa de seus assistidos, representando-os em igual-
dade de condições. Essas medidas foram outorgadas pela própria Constituição de 1988,
evidentemente não para benefício dos defensores, mas em consonância com o exercício
das suas públicas funções.
É, portanto, também um obstáculo a se ressaltar a tentativa de se subs-
tituir a atuação da Defensoria Pública por outros órgãos muitas vezes sem preparo para
a função, que deverão cada vez mais se estabelecer de modo a se afastarem todos os
impedimentos ao acesso.
“Last but not least”, de acordo com o estudo feito neste trabalho, podemos
concluir pelo direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao efetivo
acesso à justiça com estas características – a Defensoria Pública é um instrumento para
assegurar a proteção dos direitos das populações carentes, bem como para efetivar o
pleno exercício de direitos constitucionais, como o acesso ao Poder Judiciário e o res-
gate da cidadania, pois não pode ficar a população à espera de uma vontade política na
realização efetiva de sua própria cidadania.
A União Federal deverá implantar esse serviço relevante, deixando de
prestar a assistência através de advogados dativos indicados pelos juízes, o que além de
não atender à isonomia, ainda deixa de destinar recursos para a realização da efetiva
implantação das defensorias, o que se traduz em relegar o problema a um segundo plano,
já que há esta possibilidade e a possibilidade de celebrar convênios com outros órgãos,
que jamais estarão plenamente comprometidos com a finalidade do acesso à justiça.
Estes são, portanto, alguns pontos que se afiguraram oportunos.
p. 60 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 43-60, 2006.
5. BIBLIOGRAFIA
ARRUDA ALVIM. Anotações sobre as Perplexidades e os Caminhos do Processo Civil Contem-
porâneo: Sua Evolução ao lado da do Direito Material. In: TEIXEIRA, Sálvio de F. (Coord.)
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NALINI, José Renato. O Juiz e o Acesso à Justiça. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994.
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução à Sociologia da Administração da Justiça.
In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do Judiciário. São
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p. 61 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 61-68, 2006.
EXECUÇÃO DE DÉBITOS DE PEQUENO VALOR DIANTE DAS FAZENDAS ESTADUAIS E MUNICIPAIS – EXEGESE DO ART. 87
DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Eugênio Rosa de Araújo
Juiz Federal da 17ª Vara
Com o advento da Emenda Constitucional nº 37, de 12 de junho de 2002,
o regime jurídico dos pagamentos devidos pelas Fazendas Estaduais e Municipais sofreu
profunda e oportuna alteração.
Sabe-se que o regime geral de pagamentos contra a Fazenda, de um modo
geral, obedece ao princípio do precatório como medida inspirada nos princípios da iso-
nomia e moralidade, impedindo o privilégio de pessoas e traçando um fluxo previsível ao
erário de modo a não turbar o necessário equilíbrio das contas públicas.
Neste sentido, o art. 100, caput, da Constituição Federal estipula que:
À exceção dos créditos de natureza alimentar, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual e Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apre-sentação de precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
O legislador constituinte, por ocasião da Emenda Constitucional nº 30, de
setembro de 2000, optou por aclarar – exemplificando – quais seriam os créditos que
ostentariam a qualificação de alimentares, dispondo no parágrafo 1º-A do art. 100 que:
Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decor-rentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas comple-mentações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.
Por outro lado, o parágrafo 3º do referido artigo, com a redação da Emenda
nº 30/00, sofreu importante alteração, ao permitir que débitos de pequeno valor fossem
pagos sem o procedimentalismo do precatório, dispondo que:
p. 62 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 61-68, 2006.
O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
No âmbito federal, tais alterações repercutiram fortemente em favor dos
pequenos credores da Fazenda Nacional.
A Emenda Constitucional nº 22/99 criou a possibilidade de criação dos, até
então inexistentes, Juizados Especiais Federais, de enorme sucesso dada a verdadeira
demanda reprimida que se verificou após abertas as portas dos referidos órgãos, possibi-
litando o pagamento de pequenas quantias através das denominadas RPVs – Requisições
de Pequeno Valor –, o que foi realizado pelo advento da Lei nº 10.259, de 12/07/2001.
Tal despretensioso e sucinto estudo se volta, agora, para o regime jurídico
trazido pela Emenda Constitucional nº 37, de 12/06/2002, que acrescentou o art. 87 no
Ato das Disposições Transitórias, com a seguinte redação:
Para efeito do que dispõe o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a:I – 40 (quarenta) salários mínimos perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal;II – 30 (trinta) salários mínimos perante a Fazenda dos Municípios.Parágrafo único – Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100. (grifo nosso).
De uma leitura ligeira do texto do art. 87 do ADCT, pode-se concluir que, em
sede de Justiça Estadual, é lícita a apresentação de pretensões perante as Fazendas Estadual
e Municipal, independentemente de precatório, nos valores ali descritos, sendo certo que
o dispositivo tem feitio de norma de direito material de aplicabilidade imediata.
Ao discorrer sobre a natureza do Ato das Disposições Constitucionais Tran-
sitórias, lecionou Pontes de Miranda que:
No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que se promulgou no mesmo dia que a Constituição há regras que não são de direito intertemporal, e sim de direito substancial. Sempre que aparecer o
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elemento “tempo”, o legislador constituinte tomou a norma como se fosse de direito transitório ou intertemporal, desprezando a classificação científica das regras de direito. Poucos são, portanto, os artigos de direito intertemporal. Quase todos são de direito transitório, expressão mais larga. (In: Comentários à Constituição de 1946: V. VII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960. p. 4)
O insigne Raul Machado Horta, ao discorrer sobre as soluções de acomodação
legislativa típicas dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, assevera que:
A técnica constitucional elaborou soluções de acomodação normativa, que afastam o colapso que adviria do vazio jurídico: a recepção do direito anterior pela constituição, a vigência da legislação anterior que não contrariar as disposições da nova constituição e as nor-mas de transição para regular situações discrepantes das normas constitucionais permanentes. (Constituição e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. In: Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 321).
Por derradeiro, no plano doutrinário, impende transcrever passagem de
subida precisão e clareza da lavra de Sérgio A. Frazão do Couto, em “A Atual Constituição
Explicada” (Belém: Cejup, 1989. p. 205), em que o ilustre jurista assevera que:
As disposições transitórias incidem sobre um determinado ato ou fato sócio-constitucional relevante. A efemeridade desses preceitos não lhes subtrai a força das disposições permanentes, no que tange à aplicabilidade e cogência, embora localizados e fixados em um determinado lapso de tempo, ou até que ocorrida certa condição de exigibilidade fática.
Tal escólio encontra esteio, no plano jurisprudencial, no entendimento
firmado no Supremo Tribunal Federal, segundo o qual, pelo princípio da unidade da
constituição, há de ser dado o mesmo status e a mesma vinculação eficacial da parte
permanente, para o que se tenha inserido no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, a saber:
Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Constituição Federal.A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originarias dando azo a declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossivel com o sistema de Constituição rígida.Na atual Carta Magna “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição” (artigo 102, “caput”),
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o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte origi-nário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição.Por outro lado, as clausulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitu-cionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elabora-da pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação às outras que não sejam consideradas como clausulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido.(ADI nº 815/DF. Rel.: Min. Moreira Alves. Pleno. DJ: 10/05/96, p. 15131)
PRECATÓRIO – PAGAMENTO PARCELADO – ADCT, ART. 33 – NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS INTEGRANTES DO ADCT – RELAÇÕES ENTRE O ADCT E AS DISPOSIÇÕES PERMANENTES DA CONSTITUIÇÃO – ANTI-NOMIA APARENTE – A QUESTÃO DA COERÊNCIA DO ORDENAMENTO POSITIVO – RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDOOs postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico e que lhe dão o necessário substrato doutrinário assentam-se na premissa fundamental de que o sistema de direito positivo, além de caracte-rizar uma unidade institucional, constitui um complexo de normas que devem manter entre si um vínculo de essencial coerência. O Ato das Disposições Transitórias, promulgado em 1988 pelo legis-lador constituinte, qualifica-se, juridicamente, como um estatuto de índole constitucional. A estrutura normativa que nele se acha consubstanciada ostenta, em conseqüência, a rigidez peculiar às regras inscritas no texto básico da Lei Fundamental da República. Disso decorre o reconhecimento de que inexistem, entre as nor-mas inscritas no ADCT e os preceitos constantes da Carta Política, quaisquer desníveis ou desigualdades quanto a intensidade de sua eficácia ou a prevalência de sua autoridade. Situam-se, ambos, no mais elevado grau de positividade jurídica, impondo-se, no plano do ordenamento estatal, enquanto categorias normativas subordinantes, a observância compulsória de todos, especialmente dos órgãos que integram o aparelho de Estado.Inexiste qualquer relação de antinomia real ou insuperável entre a norma inscrita no art. 33 do ADCT e os postulados da isonomia, da justa indenização, do direito adquirido e do pagamento mediante
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precatórios, consagrados pelas disposições permanentes da Cons-tituição da República, eis que todas essas clausulas normativas, inclusive aquelas de índole transitória, ostentam grau idêntico de eficácia e de autoridade jurídicas. O preceito consubstanciado no art. 33 do ADCT — somente inaplicável aos créditos de natureza alimentar — compreende todos os preca-tórios judiciais pendentes de pagamento em 05/10/88, inclusive aqueles relativos a valores decorrentes de desapropriações efetivadas pelo Poder Público.(RE nº 160.486/SP. Rel.: Min. Celso de Mello. 1ª Turma. DJ: 09/06/95, p. 17246)
O que se depreende do que se acaba de explicitar sobre a natureza jurí-
dica do ADCT, o qual tem status de norma constitucional vinculante, cujo desenho pode
traduzir-se em regra veiculadora de direito substancial, é o fato de ser indeclinável a
fixação de exegese da expressão “até que se dê a publicação oficial das respectivas leis
definidoras pelos entes da federação” segundo a qual não há óbice à propositura de
demandas perante os Juizados Estaduais, em face das Fazendas Estaduais e Municipais,
nos tetos estabelecidos pelo legislador constituinte derivado.
Há de ser considerada revogada, portanto, a proibição constante do artigo
8º da Lei nº 9.099, de 26/09/95, que proíbe as pessoas jurídicas de direito público de
serem partes rés perante estes valiosíssimos órgãos do Poder Judiciário, preordenados
que se encontram na Carta Magna à garantia do amplo acesso ao mínimo existencial do
acesso à justiça, justificando-se a cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana,
insculpida no art. 1º, III, da CF/88.
É imprescindível o benfazejo alargamento da competência dos Juizados
Estaduais trazido pela Emenda nº 37/02, que vem ao encontro da filosofia esposada pela
Carta Magna do amplo acesso à justiça, bem como ao binômio segurança/celeridade, tão
bem equacionados por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro em seu precioso “Acesso à Justiça:
Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil Pública” (Ed. Forense, 1999, p. 79), no qual o emi-
nente processualista alerta que:
Esse ideal da justiça instantânea, evidentemente, é impossível de ser alcançado, na medida em que as partes precisam de tempo para postular, demonstrar seus respectivos direitos e, finalmente, é preciso também um tempo para que o juiz possa decidir. É, justamente, entre este dilema da rapidez de um lado e da segurança de outro que os grandes debates sobre a atividade jurisdicional vêm acontecendo através dos tempos.
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No passado, a opção do legislador foi a de privilegiar o aspecto da segurança em detrimento da rapidez. Quanto mais longo o proce-dimento, quanto maior o número de oportunidades, de recursos, que as partes pudessem utilizar, possivelmente mais justa seria a decisão final.Essa opção foi feita com base numa realidade totalmente diversa da atual. Hoje o modo de vida predominante, com a evolução da indústria, da tecnologia, dos meios de comunicação, dos sistemas de troca, da economia, é pautado na celeridade. No que diz respeito ao Poder Judiciário, alguns fatores prejudicam a rapidez de suas ativi-dades. Observamos atualmente um aumento vertiginoso do número de litígios, em contraste com um número reduzido de magistrados para julgá-los. Soma-se a esse quadro a própria estrutura antiquada e materialmente deficiente do sistema.Para que se tenha uma idéia, em pesquisa recentemente realizada pela CNT em conjunto com a Vox Populi, 89% das pessoas entrevis-tadas consideram a justiça demorada, lenta, enquanto 67% acham que ela só favorece aos ricos, e 58% não confiam nela.Tudo isso está a evidenciar que o dilema de ontem entre a segurança e a celeridade, hoje é um falso dilema. A rapidez, sem dúvida, deve ser priorizada, com o mínimo de sacrifício da segurança dos julgados.Da exacerbação do fator segurança, como ocorre em regra no nosso sistema, não decorre maior justiça das decisões. É perfeitamente possível priorizar a rapidez e ao mesmo tempo assegurar justiça, per-mitindo que o vencedor seja aquele que efetivamente tem razão.Todavia, é preciso que os instrumentos hoje existentes e que acenam e que priorizam a rapidez sejam efetivamente utilizados, na prática, pelos operadores da justiça e, em especial, pelos juízes.O maior inimigo da efetividade nos dias de hoje é o tempo. Quanto mais demorado for o processo, menor será a utilidade do vencedor de poder usufruir o bem da vida.Como já examinamos anteriormente, existe uma grande preocupação do legislador no sentido de evitar que o processo sirva e se constitua em uma vantagem para a parte que não tem razão.A preocupação com a correção do comportamento das partes, as sanções previstas para a litigância de má-fé, a possibilidade de imposição de pena de multa, de ofício, pelo juiz, no processo de execução (arts. 644 e 645 do Código de Processo Civil), procuram desestimular que uma demora provocada possa beneficiar a parte que se utiliza de tal expediente.De outro lado, as reformar recentes, quer aquelas que criaram os Juizados, primeiro os de Pequenas Causas, depois os Especiais, a ação civil pública, e ainda as que modificaram o Código de Processo Civil, com novos títulos extrajudiciais (art. 585), a criação da ação monitória e, em especial, a tutela antecipada, demonstram, de um modo inequívoco, o direcionamento do legislador pela efetividade e pela rapidez do processo.
p. 67 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 61-68, 2006.
Vê-se que não há exegese possível que mantenha a injusta e, agora,
inconstitucional vedação de pequenos pleitos contra a Fazenda em sede de Juizados
Especiais Estaduais, o que traduz um grande avanço no prestígio da cidadania e do Estado
Democrático de Direito.
O comando constitucional é claro, desenhado na forma de regra do tudo ou
nada, e não se pode – sob pena de violar a norma constitucional – atribuir-lhe o feitio de
norma de eficácia limitada à espera de interpositio legislatoris, posto que o próprio texto
constitucional, em norma de cunho nitidamente substantivo e auto-executável, determina
que a via crucis do precatório não seja imposta ao pequeno credor da Fazenda.
Não há de se ter medo, seja por parte dos magistrados, na aplicação da
lei, seja por parte do Poder Executivo, posto que o aumento do movimento forense, em
decorrência da demanda reprimida, traz consigo o prestigio do Judiciário como Poder
da República, República esta que tem como um de seus pilares a responsabilidade do
governante, obrigado a pagar, pelo regime de requisições de pequeno valor, somas muito
diminutas, incapazes de impactar, por si só, a burra estatal.
Vivemos, no instante de elaboração destas linhas (novembro de 2004), a
visita do relator especial da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações
Unidas (ONU), Leandro Despouy, que identificou o fato de que grande parte da população
não tem acesso à justiça por razões sociais, econômicas ou de exclusão, demonstrando
que também sob o aspecto das relações internacionais, a abertura dos Juizados Especiais
Estaduais aos pleitos contra as Fazendas Municipais ou Estaduais prestigia o comando do
inciso II, do art. 4º da Carta Magna, segundo o qual a República Federativa do Brasil rege-
se nas suas relações internacionais pelo Principio da Prevalência dos direitos humanos.
O fato é que, com as referidas emendas constitucionais, bem como a
edição da Lei dos Juizados Especiais Federais, não há mais ambiente constitucional ou
legislativo que justifique a vedação de ingresso de demandas de pequena monta em face
das Fazendas Estaduais e Municipais, e deve-se considerar como revogado, em parte, o
art. 8º da Lei nº 9.099, de 26/09/95.
Resistir a esta realidade legislativa e fática é tornar o discurso da
proteção da dignidade da pessoa humana e do acesso democrático ao Judiciário mera
peça de retórica.
Espera-se que estas poucas e despretensiosas linhas tenham o impulso
de uma brisa leve, que faça a vela do barco da Justiça esticar e mover a aplicação do
art. 87 do ADCT rumo a uma distribuição mais equânime de igualdade entre o nosso povo
já excessivamente maltratado.
p. 68 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 61-68, 2006.
BIBLIOGRAFIA
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: Juizados Especiais Cíveis e Ação Civil
Pública. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
DO COUTO, Sérgio Alberto Frazão. A Atual Constituição Explicada. Belém: Cejup, 1989.
HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1946. V. VII.
Rio de Janeiro: Borsoi, 1960.
p. 69 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
A VOLTA DOS RÁBULAS: COMENTÁRIOS AO ART. 10 DA LEI Nº 10.259/01
José Antônio Seixas da Silva*
Estagiário da EMARF lotado na 5ª Vara Federal de Execução Fiscal
1. Introdução 2. O rábula no Direito brasileiro 3. A sistemática dos Juizados Especiais
4. A representação para a causa 5. A ADIN nº 3168-6 6. Conclusão
1. INTRODUÇÃO
Campo propício para o exercício da cidadania, os Juizados Especiais Federais
Cíveis, instituídos pela Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, representam um avanço em
busca de um acesso à justiça mais amplo, contra arbitrariedades e ilegalidades cometidas
pela própria União e seus entes institucionais.
Dentro de sua sistemática, uma das características que mais se sobressaem
nos Juizados Especiais é a faculdade da presença de advogados nas causas limitadas
ao valor de 20 salários mínimos (Juizados Especiais Estaduais) ou 60 salários mínimos
(Juizados Especiais Federais), nas quais, às partes é reconhecido o ius postulandi, para
que estas possam promover a defesa de seus direitos, levando-se em consideração a
menor complexidade jurídica e fatual da demanda.
A problemática que se apresenta trata da necessidade ou não do compare-
cimento pessoal das partes aos Juizados Especiais Federais e a volta dos rábulas, com o
crescimento de escritórios de pessoas não graduadas em Direito, “despachantes” especia-
listas na praxe forense, pleiteando, em nome de terceiros, perante a Justiça Federal.
2. O RÁBULA NO DIREITO BRASILEIRO
O major Damião de Souza, rábula de profissão, às voltas com crimes
e cadáveres [...], por muitas razões, apelidado de Rábula do povo,
[...] Procurador dos pobres, Providência dos infelizes, provisionado
* Acadêmico de Direito da Universidade Estácio de Sá.
p. 70 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
no fórum, batera todos os recordes de defesa – e absolvição – no júri onde atuava há cerca de cinqüenta anos. [...] Seu escritório, em princípio, é onde o major se encontra, pois jamais foi visto andando só, vai pela rua com três ou quatro infelizes a embargar-lhe o passo, e quando se arrima ao balcão de qualquer botequim [...] imediata-mente começam os relatos, as queixas, os pedidos [...].1
Por rábula, entende-se aquele que não possui diploma de bacharel em
Direito e busca a tutela jurisdicional em favor próprio ou de outrem.
O termo caiu em desuso pela extinção da classe, quando o exercício da
atividade da advocacia passou a ser privativo dos inscritos na Ordem dos Advogados do
Brasil, ressalvada a atuação perante a Justiça do Trabalho, a Justiça de Paz e os Juizados
Especiais2, necessitando, para tanto, ter diploma de graduação em Direito, obtido em
instituição de ensino autorizada e credenciada na OAB (art. 8º, II, EOAB).
Como no fragmento citado de Jorge Amado, eram os rábulas os respon-
sáveis pelo acesso à justiça e à prestação jurisdicional, representando as classes mais
empobrecidas da população, no fim do século XIX e início do passado.
3. A SISTEMÁTICA DOS JUIZADOS ESPECIAIS
A última década do século passado registrou
Com a entrada em vigor da Lei 9.099/95 [...], que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, introduziu-se no mundo jurídico um novo sistema, ou ainda melhor, um microssistema de natureza instrumental e de instituição constitucionalmente obrigatória [...], destinada à rápida e efetiva atuação do Direito.3
Dentro da temática a que se propõe, o art. 9º da Lei nº 9.099/95 diz, textu-
almente: “Art. 9º. Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão
pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência
é obrigatória” (g. n.).
Nesse sentido, ainda prescreve o diploma legal em comento: “Art. 51.
Extingue-se o processo, além dos casos previstos em lei: I - quando o autor deixar de
comparecer a qualquer das audiências do processo” (g. n.), e acentua: “Art. 20. Não
1 AMADO, Jorge. Tenda dos milagres. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 24, 54 e 56.2 Ver ADIN nº 1127-8.3 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais: Lei 9.099, de 26.09.1995. 3. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 39.
p. 71 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julga-
mento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário
resultar da convicção do Juiz” (g. n.).
A contumácia e a revelia são gêneros da inatividade das partes diante da
relação processual, não se admitindo, numa interpretação mais radical, a presença de
advogado com poderes de representação sem a presença física do cliente em audiência.
O mesmo vale para o réu pessoa jurídica, por força de lei.
Trazendo uma interpretação mais teleológica, Joel Dias Figueira Júnior admite
O comparecimento apenas por intermédio de procurador habilitado e, se a demanda tiver valor superior a vinte salários mínimos, essa representação necessariamente haverá de ser feita por procurador com capacidade postulatória, segundo se infere do disposto no art. 9º, caput, desta lei, ou seja, dispensando-se o comparecimento pessoal do litigante em face da outorga do instrumento de mandato, que confere poderes específicos ao mandatário.4
Não há dúvida de que tal possibilidade facilitaria o acesso aos juizados
àquelas pessoas que, por algum motivo, não pudessem comparecer “pessoalmente” às
audiências, como na hipótese de doença ou viagem.
Infelizmente, porém, o diploma legal adotou a expressão “pessoalmente”
para fixar a necessidade do comparecimento das partes à audiência de conciliação,
instrução e julgamento.
Finalmente, para dar cumprimento ao parágrafo 1º do art. 98 da Carta Maior,
foi promulgada a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, que instituiu os Juizados Especiais
Cíveis e Criminais da Justiça Federal, com competência para processar, conciliar e julgar
as infrações de menor potencial ofensivo (pena não superior a dois anos, ou multa) e as
causas cíveis até o valor de 60 salários mínimos.
A respeito do tema tratado, polêmico se revela o dispositivo, in verbis:
Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não. Parágrafo único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais. (g. n.).
4 Op. cit. p. 367.
p. 72 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
Ponto crucial que se revela, o mencionado artigo não diz respeito a audi-
ência, como na Lei nº 9.099, mas, em sentido amplo, a “representante para a causa”,
entendendo-se aqui a palavra “causa” como “todo e qualquer procedimento em cujo
âmbito o Poder Judiciário, desempenhando sua função institucional típica, pratica atos
de conteúdo estritamente jurisdicional”5.
Se, em âmbito estadual, a parte poderia atuar como rábula, pleiteando
apenas em causa própria, na esfera federal, o terceiro, não graduado e não inscrito nos
quadros da OAB, possuirá um ius postulandi relativizado, e não poderá o feito ser extinto
com base no art. 51, I, da Lei nº 9.099/95.
Um perigo que se vislumbra será o reaparecimento dos rábulas atuando em
causas contra autarquias, fundações e empresas públicas federais, p. e., o INSS, a CEF e
a própria União, havendo margem para a prática de estelionatos (art. 171, CP).
4. A REPRESENTAÇÃO PARA A CAUSA
Como foi dito, o art. 10 da Lei nº 10.259/01 instituiu a figura do representante
para a causa, assim definido por De Plácido e Silva: “o meio legal ou jurídico por que a
pessoa não presente ou incapaz se faz substituir por outrem, como se fora ela própria, para
a prática de atos que tenha autorizado ou que não possam ser praticados por ela” 6.
Esses representantes para a causa, como leciona José Eduardo Carreira Alvim,
Atuam como verdadeiros prepostos das partes, nos moldes do art. 9º, § 4º, da Lei 9.099/95, que admite também que o réu, pessoa jurídica ou firma individual, possa ser representado por preposto credenciado. A Lei dos Juizados Especiais Federais estende, no art. 10, caput, o benefício a ambas as partes no processo, indepen-dentemente da sua natureza jurídica (pessoa física ou jurídica), o que a Lei dos Juizados Especiais Estaduais reconhece, no art. 9º, § 4º, apenas ao réu pessoa jurídica.7
Como observou Guilherme Bollorini Pereira, “embora seja razoável que o
representante seja uma pessoa que tenha conhecimento dos fatos levados para exame
em juízo, não há obrigatoriedade nesse sentido. O que a lei obriga é que a representação
seja por instrumento escrito, público ou privado”8.
5 AGRRE nº 164.458/DF, Supremo Tribunal Federal. Rel.: Min. Celso Mello, DJ de 02.06.1995.6 In: Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 103.7 In: Juizados Especiais Federais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 87.8 In: Juizados Especiais Federais Cíveis: Questões de processo e de procedimento no contexto do acesso à Justiça. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004. p. 78.
p. 73 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
Nesse particular, ao legislador coube aplicar o sistema dos Juizados de
Pequenas Causas de Nova York, onde a pessoa física, devido à sua idade, à sua incapa-
cidade física ou mental, ou em decorrência de qualquer incapacidade, pode fazer-se
representar por um parente, em vez de comparecer pessoalmente, como relata Álvaro
Couri Antunes Sousa9.
Essa flexibilidade para o comparecimento pessoal do litigante em juízo foi
criada para facilitar o acesso (ativo ou passivo) à jurisdição federal especial, mas vem
recebendo críticas por parte da doutrina, que a entende por inconstitucional, o que ensejou
a Ordem dos Advogados do Brasil a propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.
5. A ADIN Nº 3168-6
Questionando a constitucionalidade do art. 10 da Lei nº 10.259/01, a Ordem
dos Advogados do Brasil ajuizou, em 17 de março de 2004, a Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade nº 3168-6. Nela, a entidade de classe aduziu que a dispensa do advogado é
atentatória ao texto constitucional dos arts. 1º; 5º, caput, XXXV, LIV, LV; e, principal-
mente, do art. 133, que declara: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração
da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos
limites da lei” (g. n.).
Como fundamento desse excesso, a OAB atenta para a distribuição de renda
no Brasil, com base em dados estatísticos do IBGE, que aponta apenas 1,4% da população ga-
nhando, em 2001, acima de 20 salários mínimos, o que transformaria a exceção em regra.
Por força do art. 103, § 3º, da Constituição Federal, a Advocacia-Geral da
União foi intimada para manifestar-se pela manutenção do art. 10 da Lei nº 10.259/01,
em 13 de abril de 2004. Em seu arrazoado, a AGU afirmou que
A possibilidade de designação de representação que não seja advo-
gado tendo em vista o pequeno valor da causa, visa facilitar a busca
da prestação jurisdicional daqueles sem condições econômicas de
suportar o ônus do processo e dos honorários advocatícios. A amplia-
ção da atuação do Poder Judiciário é evidente no momento em que
o exercício do ius postulandi pode ser realizado pela própria parte,
viabilizando financeiramente o processo.
9 In: Juizados Especiais Federais Cíveis: Aspectos relevantes e o sistema recursal da Lei nº 10.259/01. Rio de Janeiro: Renovar,
2004. p. 91.
p. 74 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
Finalmente, em 8 de junho de 2006, o STF afastou a inconstitucionalidade
do dispositivo, excluindo sua incidência nos feitos criminais, desde que respeitado o teto
estabelecido no artigo 3º da Lei nº 10.259/01, e sem prejuízo da aplicação subsidiária
integral dos parágrafos do artigo 9º da Lei nº 9.099/95, considerando, conforme declarou
o relator, Ministro Joaquim Barbosa, que
A faculdade conferida aos litigantes de constituir ou não um advo-
gado para representá-los, em juízo, nas causas de competência dos
Juizados Especiais Federais Cíveis, não ofende a Constituição de
1988, seja porque se trata de exceção à regra da indispensabilidade
– reconhecida em lei –, seja porque tal dispositivo tem por finalidade
efetivamente ampliar o acesso à Justiça.
Prevaleceu, assim, a lição de José Eduardo Carreira Alvim, de que
O sistema processual brasileiro não se mostra incompatível com
o exercício do ius postulandi pela própria parte, como também o
pequeno valor da demanda não aconselharia o seu patrocínio por
advogado. É que, se se exigisse a presença de advogado, e viessem as
partes a se comporem em audiência, perante o juiz togado, estaria
a parte que contratou obrigada a lhe pagar os honorários pactuados.
Seria como que tirar “um pouco” do “quase nada”, não se podendo
sobrepor o direito da parte a um formalismo técnico que não foi
concebido com essa finalidade.10
O que é corroborado, ainda, pelo ensinamento de Fernando da Costa
Tourinho Neto:
Em qualquer dos microssistemas (estadual ou federal) a presença dos
advogados (mesmo nas causas de até vinte salários mínimos) não é
proibida, mas apenas facultado às partes litigarem desacompanha-
das de procuradores habilitados. Acima desse valor a presença do
profissional do Direito é obrigatória, assim como em qualquer hipó-
tese de interposição de recurso. Logo, não encontramos nenhuma
inconstitucionalidade no art. 9º da Lei 9.099/95 ou no art. 10 da Lei
10.259/01, mas apenas uma lamentável dissonância entre o espírito
da lei e a realidade forense nacional.11
10 Op. cit. p. 89.11 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais: Comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 191.
p. 75 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
6. CONCLUSÃO
O advento da Lei nº 10.259/01 possibilitou um acesso mais amplo à Justiça
Federal, permitindo que pessoas com menor poder aquisitivo, por si mesmas ou através
de terceiros, defendam seus direitos de forma mais célere e econômica.
A crítica que se faz à estrutura apresentada pelo diploma legal em comento
está na possibilidade do surgimento de escritórios de “despachantes”, os rábulas do século
XXI, atuando em defesa de direitos alheios perante os Juizados Especiais Federais, o que,
com certeza, ensejará a prática de crime de estelionato (art. 171, CP), notadamente nas
ações em face de instituições como a Caixa Econômica Federal e o INSS.
Porém, exigir-se a presença de advogado em todos as causas em tramitação
nos Juizados Especiais seria, “no mínimo, impedir a apreciação pelo judiciário, de lesão
ou ameaça de direito (art. 5.º, XXXV, da CF), em causa de valor econômico de menor
expressão e de complexidade fatual reduzida”12.
12 TOURINHO NETO. Op. cit. p. 189.
p. 76 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 69-76, 2006.
7. BIBLIOGRAFIA
AJUFE. Anais do Seminário sobre os Juizados Especiais Federais. Brasília: [s. n.], 2002.
ALVIM, José Eduardo Carreira. Juizados Especiais Federais. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
AMADO, Jorge. Tenda dos milagres. 43. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais:
Lei 9.099, de 26.09.1995. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Juizados Especiais Cíveis Federais. Rio de Janeiro:
Idéia Jurídica, 2003.
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis: Questões de processo e
de procedimento no contexto do acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984.
SILVA, Luís Praxedes Vieira da. Juizados Especiais Federais Cíveis. Campinas: Milennium, 2002.
SOUSA, Álvaro Couri Antunes. Juizados Especiais Federais Cíveis: Aspectos relevantes e
o sistema recursal da Lei nº 10.259/01. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais:
Comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
p. 77 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 77-80, 2006.
A IMPLANTAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA SEÇÃO DE ATENDIMENTO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
Josélia Ferreira dos Reis
Analista Judiciário/Serviço Social da SDI/SADJE
1. O que é o Serviço Social? 2. O Serviço Social na 2ª Região 3. Perfil dos Usuários
Em 2006, o Serviço Social completa 70 anos de institucionalização no Brasil.
Neste mesmo ano, completa-se o primeiro aniversário de instalação do Setor de Serviço
Social na Seção de Atendimento dos Juizados Especiais Federais.
Apresentamos este texto como forma de celebração das datas e, também,
como uma explanação sobre o que é, o que faz e quais as possibilidades de atuação do
profissional de Serviço Social nos Juizados Especiais Federais.
1. O QUE É O SERVIÇO SOCIAL?
O Serviço Social é profissão regulamentada pela Lei Federal nº 8.662/93, que
define as atribuições e competências do fazer profissional do assistente social. Somente
podem utilizar o título de assistente social as pessoas formadas nos cursos universitários
regulares e devidamente inscritas nos Conselhos Regionais de Serviço Social.
As atuações profissionais estão localizadas no âmbito da elaboração, exe-
cução e avaliação de políticas públicas, como também na assessoria a movimentos sociais
e populares, instituições públicas e privadas.
Há uma confusão muito comum entre Assistência Social e Serviço Social.
E, embora haja uma relação conforme veremos, a distinção é clara: a Assistência Social
consubstancia-se em um conjunto de ações de instituições públicas e privadas, que tem
um regimento próprio, a Lei Orgânica da Assistência Social.
Desta forma, confundir a Assistência Social com o Serviço Social leva à re-
dução do entendimento sobre o leque de questões geradas com o mundo do trabalho que
demandam a atuação do assistente social. E, ao se falar de mundo do trabalho, lembra-se
do objeto de estudo e intervenção da profissão: a questão social.
p. 78 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 77-80, 2006.
Definida como as múltiplas expressões das desigualdades sociais, a questão
social se espraia nas relações sociais com repercussão no campo dos direitos da famí-
lia, do trabalho e do não-trabalho, da saúde, da educação, dos idosos, da criança e do
adolescente, dos grupos étnicos, da expropriação da terra, das questões ambientais, da
discriminação a homossexuais, entre outras formas de violação dos direitos.
Nestas esferas, cabe ao Serviço Social a elaboração e a execução de projetos
e ações de pesquisa e de intervenção que ultrapassam o âmbito da assistência social,
previstos para garantir o mínimo necessário à subsistência de quem não consegue prover
o próprio sustento.
2. O SERVIÇO SOCIAL NA 2ª REGIÃO
O Serviço Social está presente na 2ª Região desde a criação do Egrégio
Tribunal Regional Federal. A assistente social nomeada à época foi encarregada das ações
inerentes à área de Recursos Humanos. Em 1998, chegaram outras profissionais que
integraram os quadros das Seções Judiciárias do Rio de Janeiro e Espírito Santo, além de
aumentar o quantitativo do TRF2.
É fundamental lembrar que o assistente social também se insere, nas
Seções Judiciárias da 2ª Região, no trabalho das Centrais de Penas e Medidas Alternativas,
desempenhando um papel fundamental na aplicação das medidas relativas aos apenados
nos casos de menor potencial ofensivo.
Em 2002, a chegada da assistente social, lotada no Foro Desembargadora
Marilena Franco, embora direcionada para a área de saúde, inicia uma aproximação com
a Seção de Atendimento e Distribuição dos Juizados Especiais Federais, na medida em que
era requisitada para atuação perante os usuários que traziam alguma questão relativa à
saúde, ou alguma muito diversa da atuação da SADJE, o que dificultava o redirecionamento
da demanda à instituição adequada. Esses atendimentos eram pontuais e visavam a uma
resposta imediata à solicitação do usuário.
O ano de 2005 marcou a inclusão do Serviço Social como parte integrante da
SADJE. A partir do mês de maio, as ações junto ao Atendimento dos Juizados passaram a
ser sistematizadas pelo Serviço Social, com a lotação de uma assistente social para atuar
especificamente no setor. A lotação desta profissional foi fundamental para a garantia da
qualidade do trabalho a ser desenvolvido.
Na SADJE, o trabalho da assistente social foi construído a partir da obser-
vação participativa no Pré-Atendimento, com a aproximação das demandas trazidas pelos
usuários. Realizou-se também uma visita institucional aos Juizados Especiais Federais de
p. 79 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 77-80, 2006.
São Paulo, onde o Serviço Social foi implantado junto com a estrutura dos JEFs, o que
auxiliou bastante na constituição dos serviços a serem prestados. Na oportunidade da
visita, a assistente social da SADJE acompanhou a assistente social dos JEFs/SP em perícia
social para instrução de processo de Benefício de Prestação Continuada.
3. PERFIL DOS USUÁRIOS
O trabalho na SADJE identificou, em um primeiro momento, um público
muito característico, em grande parte movido por notícias dos meios de comunicação de
massa sobre a possibilidade de recurso pela via judicial de reposições de perdas salariais
ou pela expectativa de driblar a burocracia das instituições no atendimento à população.
Uma outra fração buscava a inclusão na rede pública de saúde, ou o restabelecimento de
serviços interrompidos pelas instituições1. Neste último caso fica muito claro o esgarça-
mento da rede de saúde, na medida em que não se consegue nem o atendimento, nem
o redirecionamento previsto na Lei Orgânica da Saúde e nas Normas Operativas Básicas
(NOBs) do Sistema Único de Saúde.
Cabe ressaltar o grande número de aposentados e pensionistas que procu-
ram informações sobre como peticionar judicialmente, antes mesmo de solicitar por via
administrativa o seu direito, ou de cidadãos que, desprovidos de conhecimento sobre
possíveis perdas financeiras com planos econômicos, procuram a Seção de Atendimento
e Distribuição dos Juizados para “se informar sobre seus direitos”.
Após a identificação das principais demandas dos jurisdicionados e das
características do setor, construiu-se o Projeto de Intervenção, que tem dois vetores
principais: o plantão social e a perícia social.
Atualmente, com a aprovação pela Direção do Foro, o projeto encontra-se
em plena consolidação das atividades previstas no projeto.
No Plantão Social, já implantado, atende-se às demandas imediatas da
população usuária, com identificação dos recursos intra e extra-institucionais e da Rede
de Proteção Social.
No Serviço Social, após a entrevista social e a avaliação criteriosa do caso
trazido pelo usuário, pode-se recorrer a instrumentos como o encaminhamento interinsti-
tucional para que o usuário, antes de demandar judicialmente, tenha seu pleito analisado
pela via administrativa.
1 Neste sentido foi expressivo o número de pessoas que procuravam os Juizados Especiais Federais para restabelecer o fornecimento
de medicamentos excepcionais pelos órgãos responsáveis.
p. 80 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 77-80, 2006.
No ano passado, conseguiu-se sucesso em situações como atendimento
médico, inclusão em programas de tratamento específico e cirurgia cardíaca. Da mesma
forma, diversos usuários que encontravam dificuldades de obtenção da cópia do processo
administrativo perante o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), para fins judi-
ciais, conseguiram ter acesso às cópias de documentos que lhes diziam respeito com o
encaminhamento pelo Serviço Social.
Assim, todo o trabalho visa não só ao acesso aos direitos dos usuários, con-
forme preconiza a Lei de Regulamentação da Profissão e o Código de Ética Profissional,
mas também busca a instrução dos processos judiciais.
O contato com as instituições tem sido importante no sentido de criar uma
parceria que, utilizando a rotina formal de atendimento destas, faz a inclusão dos cidadãos
que, muitas vezes por má orientação, não conseguiram obter os serviços públicos.
Um dos aspectos a se destacar na intervenção do Serviço Social é o caráter
pedagógico no sentido de apresentar aos jurisdicionados o seu poder de petição às ins-
tituições públicas, garantindo, na prática, o que já é previsto pelo Texto Constitucional
no artigo 5º. É neste sentido que o trabalho identificado como Projeto Pedagógico visa a
atuação. Com este trabalho, objetiva-se oferecer informação aos usuários sobre as formas
de acesso, não só aos Juizados Especiais Federais, mas também às instituições públicas
de uma forma mais ampla.
O projeto do Serviço Social no Atendimento dos Juizados busca também a
construção de uma atuação específica e privativa do assistente social: a perícia social.
Principalmente nas ações de Benefício de Prestação Continuada, a ação profissional no
campo das perícias pode e deve ser utilizada, posto que é atribuição privativa do assis-
tente social, conforme previsto na Lei Federal nº 8.662/93, que regulamenta a profissão
no Brasil. A atuação em Perícia Social já é objeto de um subprojeto e está em fase de
estruturação para posterior oferta do trabalho aos magistrados desta Seccional.
p. 81 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
TÓPICOS DA REFORMA PROCESSUAL: SUPRESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO DA APELAÇÃO, JULGAMENTO LIMINAR DE IMPRO-CEDÊNCIA DO PEDIDO E UNIFORMIZAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO FEDERAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS1
Luiz Norton Baptista de Mattos
Juiz Federal do 6º Juizado Especial
1. Introdução 2. A supressão do automático efeito suspensivo da apelação – o Projeto
de Lei nº 136/2004 e o Anteprojeto nº 4 da Comissão da Reforma do Poder Judiciário
do Ministério da Justiça 3. O julgamento liminar de improcedência do pedido –
o Projeto de Lei nº 4.728/2004 4. A uniformização de interpretação do direito fede-
ral nos juizados especiais estaduais – o Projeto de Lei nº 4.723/2004 5. Conclusão
6. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
É consenso que o funcionamento do Poder Judiciário, por razões internas
e externas ao seu organismo, não tem atendido, de forma satisfatória, às expectativas
sociais. Os processos, em sua maioria, têm trâmite moroso e chegam ao seu término após
o decurso de prazo muito superior àquele que seria socialmente esperado, o que torna
a tutela jurisdicional inapta a produzir efeitos no plano prático e a possibilitar a efetiva
fruição do bem jurídico pela parte vitoriosa. Essa lentidão advém de diversos fatores, como
o excessivo formalismo do procedimento ordinário, impregnado de formas desnecessárias
aos fins a que se destinam, como a impugnação ao valor da causa e a exceção de incom-
petência relativa, defesas processuais que podem ser suscitadas de maneira muito mais
racional como preliminares da contestação; a exacerbação das possibilidades recursais,
por mais volátil e inconsistente que seja a tese nelas sustentada; a pletora de processos
repetitivos que versam sobre matérias já pacificadas pela jurisprudência dos Tribunais
Superiores e impedem que os magistrados e servidores dediquem tratamento expedito e
minucioso aos processos nos quais se verifica uma controvérsia fática ou jurídica “real”;
1 Este artigo foi elaborado no final de dezembro de 2005 e início do mês de janeiro de 2006.
p. 82 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
a pequena eficácia conferida à sentença do juízo de primeiro grau, fazendo com que este
seja apenas uma etapa de passagem; a ausência de executividade imediata das sentenças
condenatórias ao cumprimento de obrigação pecuniária, o que enseja a instauração de
nova relação processual, com a possibilidade de embargos pelo devedor.
As decisões judiciais, em muitos casos, ostentam ínfima efetividade em
virtude da pequena aplicação dos instrumentos processuais destinados à prevenção e à
repressão de comportamentos que lhes embaraçam o cumprimento.
Insta ressaltar, ainda, a baixa racionalidade do sistema judiciário, que
desestimula o tratamento coletivo e molecular dos conflitos de massa, dando azo à proli-
feração de demandas individuais desnecessárias, postergando-se a economia processual e
acarretando a possibilidade de decisões contraditórias para situações idênticas, em ofensa
aos princípios da isonomia e da certeza das relações jurídicas. Agregada a esse fator está
a falta de eficácia vinculante das súmulas e da jurisprudência dominante do Supremo
Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, amesquinhando a sua função precípua, deter-
minada pelo legislador constituinte, de cortes responsáveis pela guarda e uniformização
da interpretação, respectivamente, da Constituição e da legislação ordinária federal.
Nesse contexto de enfraquecimento da credibilidade e do prestígio do
Poder Judiciário, e de exigência social de uma justiça mais acessível, ágil e efetiva, foi
promulgada a Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que implantou a
Reforma Constitucional do Poder Judiciário, trazendo como inovações mais significativas a
previsão do Conselho Nacional de Justiça, a possibilidade de edição de súmulas vinculantes
pelo Supremo Tribunal Federal, e a consagração, no artigo 5º, inciso LXXVIII, da garantia
fundamental, nos âmbitos judicial e administrativo, à razoável duração do processo e
aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Ciente de que a mera alteração
constitucional não é, por si só, suficiente para precipitar a transformação do estado atual
do Poder Judiciário, e que o cerne das suas morosidade e ineficácia situa-se no plano
da legislação processual, o legislador constituinte derivado determinou, no artigo 7º da
Emenda Constitucional, a instalação pelo Congresso Nacional de comissão especial mista,
destinada a elaborar, em 180 dias, os projetos de lei necessários à alteração da legislação
federal a fim de tornar a prestação jurisdicional célere e o acesso à justiça mais amplo.
Ao mesmo tempo, os Chefes dos Três Poderes Federais firmaram pacto de Estado em fa-
vor de um Judiciário mais rápido e republicano, um pacto que envolve os compromissos
fundamentais de coordenar iniciativas para auxiliar o Congresso Nacional na conclusão do
trabalho de exame e aprovação dos diversos projetos e sugestões de alteração do Código
de Processo Civil, apresentados por juristas, magistrados e tribunais, bem como por as-
sociações de magistrados.
p. 83 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
Assim, existem diversos projetos de lei em tramitação no Congresso
Nacional, bem como vários anteprojetos elaborados pela Comissão de Reforma do Poder
Judiciário do Ministério da Justiça, alguns anteriores à própria emenda constitucional
aludida, todos voltados ao aprimoramento do Código de Processo Civil ou da legislação
extravagante, como a Lei nº 9.099/95.
O angusto âmbito deste artigo obsta a análise de todas as proposições
legislativas existentes, sendo certo que algumas delas demandariam, em razão de
suas complexidade e abrangência, estudo específico, separado. Assim, houve a opção
pelo enfoque dos projetos de lei e anteprojetos voltados ao enfrentamento de três dos
cruciais problemas que afligem o processo civil e a máquina judiciária pátria: ausência
de eficácia imediata da sentença, sustada pelo efeito suspensivo geral decorrente da
mera interposição da apelação; proliferação nauseante, sobretudo na esfera da Justiça
Federal, de ações sobre matéria jurídica já sedimentada na jurisprudência dos Tribunais
Superiores ou do Supremo Tribunal Federal; possibilidade de julgamentos díspares sobre
a mesma questão de direito na seara dos Juizados Especiais da Justiça Estadual, entre
as Turmas Recursais do mesmo Estado ou de Estados diferentes, sem a possibilidade de
uniformização jurisprudencial, permitindo que uma mesma regra jurídica tenha inter-
pretações antagônicas para situações substancialmente idênticas sob o aspecto fático,
em um mesmo contexto ou período histórico.
2. A SUPRESSÃO DO AUTOMÁTICO EFEITO SUSPENSIVO DA APELAÇÃO – O PROJETO DE
LEI Nº 136/2004 E O ANTEPROJETO Nº 4 DA COMISSÃO DA REFORMA DO PODER JUDI-
CIÁRIO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
O Projeto de Lei n° 136/2004 ostenta o seguinte teor:
O CONGRESSO NACIONAL decreta:Art. 1º - O artigo 520 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil –, terá a seguinte redação:“Art. 520 – A apelação terá somente efeito devolutivo, podendo o juiz dar-lhe efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte.”Art. 2º - Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
O Anteprojeto nº 4 2 da Comissão da Reforma do Poder Judiciário do
Ministério da Justiça, que dispõe também sobre outros assuntos relativos aos recursos que
excedem o objeto do presente trabalho, tem, por sua vez, a seguinte redação:
2 O anteprojeto em questão foi apresentado pelo Poder Executivo como substitutivo do Projeto de Lei nº 136/04.
p. 84 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:Art. 1º. Os artigos 520, 521, 553, 563 e 564 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil – passam a vigorar com a seguinte redação:“Art. 520. A apelação será recebida no efeito devolutivo. Será, no entanto, recebida também no efeito suspensivo quando disposição ex-pressa de lei assim o determinar, ou quando interposta de sentença:I - proferida em ação relativa ao estado ou capacidade da pessoa;II - diretamente conducente à alteração em registro público;III - cujo cumprimento necessariamente produza conseqüências práticas irreversíveis;IV - que substitua declaração de vontade;V - sujeita a reexame necessário.“Art. 521. Recebida a apelação em ambos os efeitos, o juiz não po-derá inovar no processo; recebida só no efeito devolutivo, o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da sentença.[...]“Art. 553. Devolvidos os autos pelo relator, a secretaria do tribunal distribuirá cópias do relatório e de outras peças que o relator indicar, e as distribuirá aos juizes que componham o órgão julgador, podendo fazê-lo por meio eletrônico.[...]“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso inadmissível ou preju-dicado, e negará provimento a recurso manifestamente improcedente ou que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.§ 1º O relator poderá dar provimento ao recurso quando a decisão recorrida manifestamente contrariar súmula ou jurisprudência do-minante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.§ 2º Da decisão do relator caberá, no prazo de cinco dias e com efeito suspensivo, agravo ao órgão competente para o julgamento do recurso.§3º Se não houver retratação, o relator pedirá a inclusão do processo em pauta; caso provido o agravo, o recurso terá seguimento.§ 4º Quando considerar manifestamente inadmissível ou improcedente o agravo interno, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agrava-do multa em valor não excedente a dez por cento do valor atualizado da causa ou da condenação, ficando condicionada a interposição de qualquer outro recurso ao depósito do respectivo valor.[...]“Art.563 [...]Parágrafo único. O relator poderá adotar como fundamentos do acórdão os constantes da decisão, sentença ou acórdão impugnado, dispensada transcrição.
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“Art. 564. Lavrado o acórdão no prazo máximo de trinta dias, será sua conclusão publicada em quarenta e oito horas no órgão oficial.§ 1º O voto ainda não revisado por seu prolator no prazo acima pre-visto, será incluído no acórdão com a nota de ausência de revisão, cumprindo ao presidente requisitar os autos, se for caso.§ 2º Antes da publicação, o tribunal comunicará o teor da decisão a quem deva desde logo cumpri-la.”Art. 2º. Fica acrescido à Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil – o seguinte artigo:“Art. 514-A. No caso de sentença condenatória ao pagamento de quantia líquida, o apelante comprovará, no ato de apresentação do recurso ou nos três dias úteis subseqüentes, sob pena de deserção, o depósito em juízo do valor da condenação, até um limite de sessenta salários mínimos.§ 1º Tratando-se de indenização por danos pessoais decorrentes de ato ilícito, o depósito terá por limite máximo cem salários mínimos.§ 2º Provando o apelante justo impedimento, o juiz relevará a pena de deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o depósito.”Art. 3º. É revogado o artigo 519 do Código de Processo Civil.Art. 4º. Esta lei entra em vigor três meses após sua publicação.
O projeto faz com que a regra geral passe a ser a ausência de efeito
suspensivo da apelação, só sendo este concedido pelo juiz de primeiro grau, ao realizar
o juízo de admissibilidade, se for necessário para evitar dano irreparável à parte recor-
rente. O anteprojeto, na mesma direção, ressalvados os casos específicos, determina o
recebimento da apelação no efeito suspensivo quando o cumprimento da sentença produzir
necessariamente conseqüências práticas irreversíveis (artigo 520, inciso III, do Código de
Processo Civil, conforme a previsão contida no anteprojeto), revelando o risco de dano
irreparável para o apelante, tornando inócuo o provimento da apelação. A atribuição de
efeito suspensivo à apelação pelo juízo de primeiro grau está condicionada apenas a este
requisito e pode se dar de ofício, independentemente de requerimento pelo apelante.
Ocorre, assim, a importação para o Código de Processo Civil do modelo
albergado em algumas leis especiais que estabelecem, em certas ações, que a apelação
terá apenas efeito devolutivo, conferindo-se ao juiz a possibilidade de atribuir-lhe efeito
suspensivo quando a execução provisória da sentença puder acarretar dano irreparável
para a parte, como é o caso do artigo 14 da Lei nº 7.347/85, na hipótese da ação civil
pública; e do artigo 43 da Lei nº 9.099/95, na hipótese do rito sumariíssimo dos Juizados
Especiais Cíveis.
A melhor solução seria simplesmente a retirada do efeito suspensivo
da apelação, mantendo-o apenas nos casos excepcionais expressamente previstos em lei.
Caberia ao apelante que pretender evitar a produção de efeitos da sentença antes do
julgamento do recurso valer-se da providência do artigo 558 do Código de Processo Civil,
p. 86 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
conforme o seu parágrafo único, isto é, requerer ao relator do recurso a suspensão da
eficácia da decisão recorrida, e ficaria o deferimento da medida pleiteada na dependência
da configuração da relevância da fundamentação do apelo e da existência de risco de
dano irreparável ou de difícil reparação resultante da execução provisória.
Em verdade, a segunda solução viria a dar coerência ao sistema. Uma
decisão interlocutória que antecipa a tutela, baseada em juízo de verossimilhança ou de
aparência, em cognição superficial ou sumária, em muitos casos antes de completada
a relação processual e implantado qualquer contraditório, é imediatamente exeqüível,
porquanto o recurso cabível, o agravo de instrumento, não é dotado de automático efeito
suspensivo, dependendo a sua atribuição de requerimento pelo agravante; da presença
da verossimilhança das suas alegações, indicando a probabilidade de provimento do
agravo; e do risco de dano irreparável ou de difícil reparação para a parte recorrente
resultante da efetivação da decisão, o que se colige do artigo 527, inciso III, do Código
de Processo Civil, que remete a disciplina da concessão do efeito suspensivo ao agravo de
instrumento à sistemática do artigo 558 e à da antecipação da tutela. Impende enfatizar
que a concessão do efeito suspensivo ao agravo não tem como exclusivo pressuposto o
perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, exigindo também a plausibilidade dos
fundamentos do recurso, porque não é razoável a suspensão da eficácia de uma decisão
quando o relator percebe que há pouca ou nenhuma probabilidade de sua reforma.
A sentença, embora fundada em cognição exauriente e em juízo de certeza,
não é, no modelo atual, imediatamente exeqüível, devido ao efeito suspensivo automá-
tico da apelação, ressalvadas as hipóteses do artigo 520 do Estatuto Processual Civil.
Interposta a apelação, o recorrido não pode executar provisoriamente a sentença antes
do julgamento do recurso pelo Tribunal, não obstante a inconsistência dos fundamentos
do recurso e a inexistência de qualquer risco para o recorrente. Destarte, a suspensão
da eficácia da sentença somente deveria ser possível no caso da presença simultânea dos
requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora em favor do apelante, não bastando
o risco de dano irreparável, como é proposto no projeto e no anteprojeto, sob pena de
se perpetuarem a maior eficácia e o maior prestígio da decisão antecipatória da tutela
sobre a sentença, como se a primeira estivesse em posição de superioridade ou
primazia sobre a segunda, quando o correto seria exatamente o contrário.
O modelo vigente parte da premissa de que a sentença sempre, em qualquer
caso, deve estar incorreta, com a probabilidade acentuada de o recurso ser provido. Ao
se exigir a presença da plausibilidade da tese do apelante para que seja bloqueada a
execução provisória, aquela falsa premissa desaparece, e valoriza-se a atividade funcional
do juiz de primeiro grau, quem tem o contato direito com as partes e com as provas,
p. 87 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
não podendo a sua função limitar-se à mera instrução do processo para que a instância
recursal vá proferir a decisão efetivamente eficaz. Neste aspecto, destaca-se a lição de
Luiz Guilherme Marinoni:
A sentença, até prova em contrário, é um ato legítimo e justo. Assim, não há motivo para ela ser considerada apenas um projeto de decisão de segundo grau, nesta perspectiva a única e verdadeira decisão. A sentença, para que o processo seja efetivo e função do juiz de primeiro grau valorizada, deve poder realizar direitos e interferir na vida das pessoas.3
O requerimento do efeito suspensivo seria apresentado, com fulcro no
artigo 558 do Código de Processo Civil – aplicável, atualmente, aos raros casos em
que a apelação não tem o efeito em análise –, ao relator do recurso e não ao juízo de
primeiro grau. Não só porque seria inútil, mas também pelo fato de que não seria lógico
exigir-se que o magistrado que prolatou a sentença, convencendo-se de que o réu não
tem direito, venha a atribuir efeito suspensivo ao apelo, com base na plausibilidade das
razões do recurso – que deve necessariamente ser requisito para a concessão do efeito
suspensivo –, contrariamente a tudo que decidiu no ato judicial guerreado4. Se o recurso
ainda não subiu ao Tribunal, caberia ao apelante, através de simples petição, devida-
mente instruída com cópia do recurso, da prova do preparo e das demais peças dos autos
necessárias à compreensão da controvérsia, requerer a suspensão diretamente ao órgão
de segundo grau, sendo o pedido distribuído a um relator, que ficaria prevento para o
julgamento da apelação. A concessão do efeito suspensivo corresponderia, nesta linha
de raciocínio, à antecipação provisória da tutela jurisdicional recursal, com o fim de
garantia da utilidade e da efetividade de provável decisão de provimento da apelação.
É claro que esta proposição, em um primeiro momento, poderia aumentar o volume de
serviço dos tribunais de segunda instância em virtude dos requerimentos de atribuição
de efeito suspensivo. Mas é necessário atentar para o fato de que o modelo preconizado
nas propostas em comento também não eliminaria ou reduziria o trabalho dos órgãos de
segundo grau, uma vez que é perfeitamente razoável a suposição de que os apelantes,
em face da retirada do automático efeito suspensivo da apelação, passariam a requerer,
em suas razões recursais, a atribuição do desejado efeito com fulcro em suposta irrever-
sibilidade das conseqüências da execução provisória, ocorrendo, em muitos casos (senão
a maior parte deles), o indeferimento pelo juízo recorrido, o que ensejaria a interposição
de agravo de instrumento.
3 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 2. ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1997. p. 184.4 Neste sentido, WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de
Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 170.
p. 88 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
A supressão do efeito suspensivo automático da apelação eliminaria a
concessão de antecipação da tutela na própria sentença, uma vez que tal providência
careceria de necessidade e utilidade pelo fato de a própria sentença bastar, por si só, para
que seja possível a sua execução provisória, não havendo efeito suspensivo da apelação
a ser elidido pelo deferimento da tutela antecipada. A execução provisória das sentenças
condenatórias passaria a representar a regra geral.
Haveria, igualmente, um desestímulo aos recursos protelatórios, porque
o réu teria a ciência de que a mera interposição do recurso, sem qualquer fundamento,
não seria suficiente para empecer a realização provisória do direito do autor, sem poder
contar com a lentidão dos tribunais no julgamento dos recursos.
É previsto, no anteprojeto da Comissão de Reforma do Poder Judiciário do
Ministério da Justiça, efeito suspensivo para a apelação no caso de sentença que leve à
alteração do estado da pessoa e da capacidade civil; que substitua declaração de vonta-
de e que leve à alteração do registro civil, uma vez que, em todos os casos, o comando
nela enunciado irá produzir efeitos incompatíveis com uma situação de transitoriedade,
somente devendo ter eficácia após o trânsito em julgado. A imediata eficácia da sentença
poderia provocar, nestas situações, insegurança nas relações jurídicas entre as partes ou
entre estas e terceiros. O efeito suspensivo da apelação também estará presente quando
a sentença estiver sujeita ao reexame necessário.
O anteprojeto deveria ter abolido o reexame necessário, que ofende o prin-
cípio da isonomia, uma vez que somente se aplica a uma das partes da relação processual,
exatamente a mais forte. Agride, também, o princípio da independência funcional do
Poder Judiciário, extensível aos magistrados de primeiro grau de jurisdição. De fato, o
legislador, ao prescrever que se o juiz julgar o mérito em determinado sentido, deverá
submeter a sua decisão a um controle ou censura obrigatória pelo órgão de segundo grau,
independentemente de recurso da parte sucumbente, está estabelecendo, a priori, uma
presunção de suspeição ou de incorreção da sentença, abstraindo-se as circunstâncias
fáticas e jurídicas do caso concreto, como se o juiz não pudesse decidir a lide contra-
riamente à Fazenda Pública ou a qualquer outra parte em favor da qual fosse instituído
um duplo grau de jurisdição obrigatório. É como se o legislador estivesse dizendo que
o juiz de primeiro grau tem apenas idoneidade moral e intelectual para julgar as ações
favoravelmente às pessoas jurídicas de direito público, mas estas idoneidades lhe faltam
para decidir contrariamente à pretensão daqueles entes, exigindo-se a tomada de uma
precaução consistente na verificação e na chancela da sua decisão por magistrados de
grau superior. Em última análise, a competência jurisdicional para decidir a lide contraria-
mente à Fazenda Pública é, de modo indireto, originária dos tribunais, sendo a atividade
do magistrado de primeiro grau meramente opinativa, embora o ordenamento jurídico
reconheça a sua competência para processar e julgar o processo.
p. 89 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
Em verdade, a supressão do duplo grau de jurisdição do direito pátrio
prescinde de edição de lei que revogue o artigo 475 do Código de Processo Civil e as
disposições similares da legislação processual extravagante. Depende apenas da ousadia
dos tribunais, em especial dos tribunais de superposição, para, desagrilhoando-se de
certos ranços de nossa histórica permeada por regimes de exceção, declarar que aqueles
dispositivos não foram recepcionados pela Constituição de 1988.
A permanência do reexame necessário, com excepcional efeito suspensivo,
mantém a situação privilegiada das pessoas jurídicas de direito público e contradiz o
espírito da reforma processual.
3. O JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – O PROJETO DE LEI Nº
4.728/2004
O Projeto de Lei nº 4.728/20045 contém o seguinte texto:
O CONGRESSO NACIONAL decreta:Art. 1º. Fica acrescido à Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil o seguinte artigo:Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de di-reito, em processos repetitivos e sem qualquer singularidade, e no juízo já houver sentença de total improcedência em caso análogo, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença reproduzindo a anteriormente prolatada.§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz, no prazo de cinco dias, cassar a sentença e determinar o prosseguimento da demanda.§ 2º Caso mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso. Art. 2º. Esta lei entra em vigor três meses após sua publicação.
O referido projeto de lei inclui o artigo 285-A, o qual prescreve que, quando
a matéria controvertida for exclusivamente de direito, em processos repetitivos, e no
5 Após a conclusão deste trabalho, o referido projeto de lei foi aprovado pelo Congresso Nacional, resultando na promulgação da Lei
nº 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, com entrada em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação. A lei em questão apresenta a
seguinte redação, corrigindo alguns defeitos apontados no curso deste trabalho:
“Art. 1º. Esta Lei acresce o artigo 285-A à Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil.
Art. 2º. A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que institui o Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida do artigo 285-A:
‘Art. 285-A – Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sentença de total improcedência em
outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º - Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento
da ação.
§ 2º - Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.’
Art. 3º. Esta lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a data de sua publicação.”
p. 90 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
juízo já houver sentença de improcedência em caso análogo, poderá ser dispensada a
citação e ser proferida sentença com conteúdo análogo ao da anteriormente prolatada.
Em outras palavras, o dispositivo outorga ao juiz a possibilidade de julgar liminarmente o
mérito da ação, proferindo sentença de improcedência antes da citação do réu, quando
a questão for exclusivamente jurídica e repetir-se em vários processos.
Inicialmente, é mister frisar que a redação proposta para o novo dispositivo
legal peca por uma série de imperfeições.
De fato, o caput do artigo refere-se a “matéria controvertida”, permitindo
que seja prolatada sentença antes da citação do réu. Todavia, sem a resposta do réu, que
sequer integra a relação processual, não pode haver controvérsia.
Por outro lado, afigura-se incorreta a menção a “processos repetitivos sem
qualquer singularidade”, uma vez que a inexistência de qualquer singularidade entre os
processos importa o reconhecimento da sua identidade, o que configuraria, tecnicamente,
litispendência ou coisa julgada. Em verdade, o dispositivo deveria aludir a demandas seme-
lhantes, fundadas em idênticos fundamentos jurídicos, havendo, no entanto, diversidade
entre elas ou entre os processos, ao menos no tocante ao sujeito ativo.
Além disso, a condição de que, no juízo, já exista sentença de total im-
procedência em caso análogo levaria ao absurdo, caso interpretada literalmente, de
que se o juízo específico ao qual foi distribuída a ação ainda não tivesse decidido caso
análogo, em virtude de se tratar de órgão jurisdicional novo ou resultante da alteração
da competência material de órgão anterior, não seria lícito o julgamento imediato de
improcedência, não obstante a matéria ser examinada freqüentemente em outros órgãos
jurisdicionais, com jurisprudência sedimentada a seu respeito.
A regra só faz sentido se a questão jurídica já está pacificada na juris-
prudência dos Tribunais Superiores ou do Supremo Tribunal Federal contrariamente ao
pleito do autor e o juiz adota o mesmo entendimento, pois a providência seria racional,
possibilitando o máximo de resultado do processo com o mínimo de atividade processual.
Ainda que houvesse recurso, a probabilidade de reforma da sentença seria inexistente.
Em hipótese contrária, na qual a matéria está cristalizada na jurisprudência ou em súmula
dos Tribunais Superiores ou do Supremo Tribunal Federal favorável ao autor, e o juiz tem
posição isolada ou minoritária, já manifestada em processos similares, no sentido da
improcedência do pedido6, a adoção de tal medida seria contraproducente, pois haveria,
com certeza, ou na maioria esmagadora dos casos, a interposição de apelação, que seria
provida, obrigando a citação do réu, justamente o que se quer evitar.
p. 91 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
Além disso, o fundamento jurídico para o julgamento imediato de improce-
dência do pedido, antes de completada a relação processual, é a tutela de evidência em
favor do réu, conforme demonstração a ser feita a seguir, que somente existirá no caso
de jurisprudência consolidada contrariamente à postulação do sujeito ativo da relação
processual. Diversamente, se a jurisprudência firmou-se em favor do autor, o seu direito
é indiscutível e o pedido é incontroverso, cabendo a tutela de evidência em benefício
desse direito, nos termos do artigo 273, § 6º, do Estatuto Processual Civil, de maneira que
o julgamento liminar de improcedência, nesta situação, engendraria ruptura da coerência
do ordenamento processual pelo antagonismo insuperável entre o proposto artigo 285-A
e o parágrafo 6º do artigo 273, além de consagrar o arbítrio judicial.
O novo artigo 285-A ostentaria uma redação mais escorreita se previsse o
julgamento liminar de improcedência nos casos em que a questão a ser decidida no pro-
cesso é unicamente de direito, sem a demanda de qualquer dilação probatória, ou seja,
sem a necessidade da apresentação de qualquer prova diversa da dos documentos que
instruem a petição inicial; e a pretensão formulada na inicial está em desconformidade
com jurisprudência dominante ou súmula do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal
Superior com competência para o exame da matéria em grau de recurso.
A norma jurídica proposta, efetuadas as apontadas correções de redação,
não ofende absolutamente o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois somente
vai ser aplicável à hipótese na qual a matéria ou a questão a ser examinada pelo magis-
trado é exclusivamente jurídica e diz respeito à interpretação, ao alcance ou à validade
de norma de direito, não havendo fatos a serem demonstrados mediante prova distinta da
dos documentos anexados à petição inicial. Por este motivo, o autor não sofreria qualquer
prejuízo, pois não haveria a necessidade de produção de qualquer prova após a citação do
réu, e é certo que o momento apropriado para o demandante expor a sua tese e aduzir
argumentos jurídicos para influir no convencimento do juiz corresponde à petição inicial,
não lhe sendo tolhida essa oportunidade. Em verdade, caso haja unicamente questão ou
matéria jurídica a ser resolvida, deferida a citação, o trâmite normal do processo incluiria
apenas atos praticados pelo ou em favor do réu, isto é, a citação e a contestação – ou o seu
decurso in albis –, ocorrendo, em seguida, o julgamento antecipado da lide, com supedâneo
6 A respeito da mencionada deficiência de redação, é completamente procedente e lúcida a crítica de Barbosa Moreira, que aponta
que o dispositivo não exige sequer a existência de jurisprudência a respeito, bastando a existência de um único precedente do mesmo
juízo. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Súmula, Jurisprudência, Precedentes: Uma Escalada e Seus Riscos. Revista Dialética de Direito
Processual, São Paulo, n. 27, jun. 2005. p. 58).
p. 92 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, sem qualquer intervenção ou ato a
ser praticado pelo autor. Logo, a abreviação do rito importaria somente a eliminação de
fases processuais que favorecem o réu.
A medida é benéfica para o autor, que sairá do processo sem ter de suportar
a condenação ao pagamento de honorários advocatícios ao réu, o que ocorreria caso o
último fosse convocado a integrar a relação processual.
Não há violação do contraditório quanto ao demandado, porque a solução de
mérito lhe é favorável, ficando ele definitivamente a salvo da repetição da mesma ação
em função da certeza, resultante da coisa julgada material, da inexistência do direito
material reclamado, sem que tenha os ônus e as despesas – muitas vezes irrecuperáveis,
quando o autor é beneficiário da gratuidade de justiça ou não tem patrimônio – de vir ao
processo se defender. O réu obtém o máximo proveito ou o melhor resultado que poderia
esperar do processo, sem que tenha de realizar qualquer atividade processual.
Há, no caso, uma tutela de evidência em favor do réu, decorrente da im-
procedência manifesta, inexorável, inevitável do pedido, pelo fato de a postulação estar
em desacordo com a jurisprudência pacificada dos Tribunais7. O desfecho do processo já
é sabido de antemão e é indiscutível a inexistência do direito material alegado.
Restaura-se a isonomia no tratamento entre as partes. Quando o direito
do autor é indiscutível e incontroverso, o mero fato de ter de recorrer ao processo,
com a sua demora natural, já lhe causa um gravame e representa uma injustiça, de
maneira que o ordenamento jurídico, a fim de resguardar a sua situação, possibilita a
concessão de tutela antecipada, nos termos do artigo 273, § 6º, do Código de Processo
Civil. Outrossim, quando é evidente que o autor não tem razão, a mera sujeição do réu
ao processo, com a sua demora natural, já configura uma situação de injustiça, mesmo
que, ao final, o pedido seja julgado improcedente, devendo o legislador outorgar-lhe
alguma proteção. Se há o direito do autor de demandar, há também, como assinala
7 Luiz Fux afirma a possibilidade de tutela de evidência em favor do réu: “A cognição judicial de evidência permite não só o deferi-
mento initio litis do provimento requerido como também o seu indeferimento e, nesse tópico, coincidem os regimes de segurança
e de evidência, tanto que o juiz pode indeferir de plano a inicial pela inexistência ‘evidente’ de direito alegado, sem que haja
qualquer violação do contraditório, instituído em prol do demandado, para que a sentença favorável não seja fruto da manifestação
unilateral do autor. Ora, se o juízo de per si verifica de plano a inexistência do direito, pelo ângulo da evidência, nenhuma utilidade
representará a vinda dos autos, mercê de essa postura resguardar, no plano jusfilosófico a igualdade de tratamento às partes.”
(FUX, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela de Evidência. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 317).
p. 93 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
Leonardo Greco, o dever de não molestar o réu com processos infundados8, fadados ao
insucesso, uma vez que o mero processo, em virtude da litigiosidade dele decorrente,
já limita o exercício de direitos, notadamente quanto à eficácia dos atos de alienação
de bens. Ademais, a realidade constatada na Justiça Federal, notadamente no âmbito
dos Juizados Especiais Cíveis, nos quais parcela substancial das ações se relaciona à
postulação já rechaçada, ad nauseam, em processos similares, pelo Supremo Tribunal
Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça, indica que a imposição ao réu, na hipótese
a Fazenda Pública Federal, do ônus de se defender em tais espécies de ações, tem um
impacto nocivo, e muitas vezes insuportável, sobre a racionalidade e a eficiência de
sua representação judicial, assoberbando as suas procuradorias e impedindo a defesa
adequada e percuciente nas demais ações.
Cândido Dinamarco, por sua vez, condenando o que denomina de processo
civil de autor, leciona que
Tem-se hoje a consciência de que a tutela jurisdicional é destinada àquela das partes que tiver razão no processo e na medida em que o tiver, devendo o processo ser suficiente para proteção ao autor ou ao réu, na medida do direito de cada um, ou mesmo da inexistência de qualquer vínculo jurídico envolvendo os litigantes.9
A providência, por isso, de acordo com os princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade, equilibra o direito de ação, que não é absoluto e não pode ser
exercitado abusivamente, com o direito do réu.
Insta frisar que, de acordo com o artigo 14, inciso III, do Código de Processo
Civil, há o dever das partes de não deduzir pretensões cientes de que são destituídas de
fundamento, o que ocorre quando o autor formula pretensão contrária à jurisprudência
consolidada dos Tribunais Superiores ou do Supremo Tribunal Federal. Impõem-se ao juiz,
por sua vez, os deveres de velar pela rápida solução do litígio e de prevenir ou reprimir
atos atentatórios à dignidade da justiça, consoante o artigo 125, incisos II e III. Nesse
contexto, o dispositivo a ser incluído consagra medida de cunho pedagógico e dissuasório,
com finalidade preventiva da litigância de má-fé pelo autor.
8 GRECO, Leonardo. A Teoria da Ação no Processo Civil. São Paulo: Editora Dialética, 2003. p. 22.9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Intervenção de Terceiros. 3. ed. Editora Malheiros: São Paulo, 2002. p. 189.
p. 94 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
Não há o amesquinhamento do princípio do acesso à justiça, nem a negativa
de jurisdição, pois o autor tem o seu pedido apreciado, podendo apelar da sentença para
demonstrar que o seu caso não se insere no modelo jurídico consolidado na jurisprudência,
cabendo, também, juízo de retratação pelo magistrado de primeiro grau. Ao contrário,
a norma favorece o acesso à justiça de outros demandantes, uma vez que permite a rá-
pida e imediata solução de processos repetitivos, que, em especial no âmbito da Justiça
Federal, estão a estorvar o funcionamento dos órgãos jurisdicionais. Ao se eliminarem
de plano esses processos inúteis, há a redução da carga de trabalho do Poder Judiciário,
que permite que os juízes e servidores possam dar tratamento célere, minucioso e apro-
priado aos processos singulares nos quais existe “efetivamente” uma controvérsia fática
ou jurídica a ser dirimida.
A ordem normativa vigente não é infensa ao julgamento liminar de impro-
cedência do pedido, antes da citação do réu, uma vez que o Código de Processo Civil
habilita o juiz a extinguir o processo com julgamento do mérito, indeferindo a petição
inicial, quando reconhecer a prescrição ou a decadência (artigos 295, inciso IV, e 269,
inciso IV), hipótese que envolve matéria de fato, o que comporta, em muitos casos, a
produção de prova quanto à data da lesão ao direito e à ocorrência de causas interrup-
tivas ou suspensivas. Mesmo quando a questão for exclusivamente jurídica e refere-se
à definição de qual prazo é aplicável à espécie, o artigo 295, inciso IV, não condiciona
o imediato julgamento de mérito ao fato de a matéria estar pacificada na jurisprudên-
cia – diversamente da solução defendida neste trabalho quanto à alteração legislativa
proposta –, o que alarga a probabilidade de a sentença vir a ser reformada caso haja a
interposição de apelação pelo autor.
Não obstante a falta de previsão legislativa expressa, a providência em
estudo não é inédita nem desconhecida, em absoluto, da prática judiciária brasileira,
pois é adotada pelos Juizados Especiais Federais de todo o país e chancelada pelas res-
pectivas Turmas Recursais Federais10. O hiato normativo não torna ilícito ou abusivo o
reconhecimento de plano da improcedência do pedido praticado no sistema dos Juizados
Especiais Federais, uma vez que a medida não infringe qualquer princípio constitucional
que informa o processo civil pátrio, sobretudo o princípio do contraditório e da ampla
defesa, e se compatibiliza com os princípios que regem o sistema dos Juizados Especiais,
em especial os da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade,
previstos no artigo 2º da Lei nº 9.099/95.
10 A plenária do 2° Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais (FONAJEF), realizado no Rio de Janeiro, aprovou, em 21 de outubro de 2005, vários enunciados, entre eles o de número 1, que, não obstante algumas deficiências de redação, similares às contidas no projeto de lei ora apreciado, consagra a constitucionalidade do julgamento liminar de improcedência do pedido, verbis: “O julgamento de mérito de plano ou prima facie não viola o princípio do contraditório e deve ser empregado na hipótese de decisões reiteradas de improcedência pelo juízo sobre determinada matéria”.
p. 95 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
Se o autor apelar da sentença, o projeto determina a citação do réu para
responder ao recurso, desviando-se do tratamento dado pelo Código de Processo Civil às
apelações de sentenças de indeferimento liminar da petição inicial, que, de acordo com
o artigo 296, são processadas de maneira unilateral, sem contraditório, sem que o sujeito
passivo seja intimado a responder o recurso. Solução melhor e mais consentânea com a
economia processual e com os fins da proposta de alteração legislativa ora investigada
seria o processamento da apelação em consonância com a sistemática atual, porquanto
se a sentença está em conformidade com a jurisprudência consolidada sobre a matéria,
sendo incontestável a inexistência do direito material pleiteado, a probabilidade de pro-
vimento do apelo é exígua, senão nula, de sorte que a intimação do demandado acaba
por reduzir a consecução dos escopos que inspiram a norma jurídica.
É recomendável a inclusão de um parágrafo terceiro, repetindo a regra do
artigo 219, § 6º, no sentido de que, ao transitar em julgado a sentença, sem que o autor
apele, o escrivão intimará o réu, dando-lhe ciência da propositura da ação e da sentença.
Esta providência colima possibilitar ao réu argüir a preliminar de coisa julgada, caso
venha a ser novamente demandado, bem como afastar a nulidade de eventual transação
que as partes venham a celebrar a respeito da relação jurídica objeto da demanda, haja
vista o comando do artigo 850 do Código Civil de 2002, que repete a regra contida no
artigo 1.036 do Código Civil de 1916. A coisa julgada material não obsta o réu de realizar
transação com o autor, relativamente à relação jurídica material, dispondo sobre o seu
interesse de maneira distinta daquela resultante do comando ou da parte dispositiva da
sentença de improcedência. Contudo, a validade do ato jurídico estará condicionada à
ciência das partes sobre a sentença liminar, o que, em regra, dependerá, quanto ao réu,
da sua intimação.
Por fim, o projeto deveria ser aprimorado para permitir o julgamento parcial
do mérito naquelas hipóteses em que parcela do pedido ou dos pedidos cumulados está
em desacordo com a jurisprudência dominante ou súmula do Supremo Tribunal Federal
ou dos Tribunais Superiores, rompendo-se a regra da indivisibilidade e da unidade da
sentença de mérito, o que a redação da proposta legislativa não admite ao mencionar
improcedência total do pedido. Caso não houvesse recurso interposto pelo autor da decisão
interlocutória que resolveu parcialmente o mérito da ação, o pronunciamento judicial
de improcedência de parte do pedido, alicerçado em cognição exauriente, estaria sob o
pálio da coisa julgada material, esgotada a jurisdição estatal sobre o tema, e não cabe-
ria confirmação ou reconsideração pelo juízo ao proferir sentença decidindo os pedidos
p. 96 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
restantes. Esta modificação exigiria, contudo, a fim de que seja mantida a harmonia do
ordenamento jurídico, a alteração do artigo 273, § 6º 11, do Código de Processo Civil,
para que seja possível também, logo após a resposta do réu, a cisão do exame do méri-
to, com o julgamento antecipado parcial da lide nos casos em que parcela dos pedidos
mostrar-se incontroversa, uniformizando-se o tratamento dado à tutela de evidência em
favor de ambas as partes.
4. A UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DO DIREITO FEDERAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS
ESTADUAIS – O PROJETO DE LEI Nº 4.723/2004
O projeto de lei a ser esquadrinhado apresenta o seguinte teor:
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. O Capítulo II da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995,
passa a vigorar acrescido da seguinte seção:
“Seção XIII-A
Da Uniformização de Jurisprudência
Art. 50-A. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei
quando houver divergência entre decisões proferidas por Turmas
Recursais sobre questões de direito material.
§ 1º O pedido fundado em divergência entre Turmas do mesmo Esta-
do será julgado em reunião conjunta das Turmas em conflito, sob a
presidência de Desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça.
§ 2º No caso do § 1º, a reunião de juízes domiciliados em cidades
diversas poderá ser feita por meio eletrônico.
§ 3º Quando as turmas de diferentes Estados derem a lei federal
interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em
contrariedade com súmula ou jurisprudência dominante do Superior
Tribunal de Justiça, o pedido será por este julgado.
Art. 50-B. Quando a orientação acolhida pelas Turmas de Uniformização
de que trata o § 1º do art. 50-A contrariar súmula ou jurisprudência
dominante no Superior Tribunal de Justiça, a parte interessada poderá
provocar a manifestação deste, que dirimirá a divergência.
11 Alguns autores sustentam que o parágrafo 6º do artigo 273 do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei nº 10.444, de 07 de
maio de 2002, não cuida de mera antecipação de tutela, mas, sim, de uma decisão de julgamento antecipado da lide, em verdadeira
ruptura do princípio da unidade e da unicidade da sentença, o que infirmaria a afirmação colocada no texto. É o caso de Marinoni
(Antecipação de Tutela. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 207) e de Fredie Didier Jr. (A Nova Reforma Processual. 2 ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 67). Todavia, comungamos do entendimento de Athos Gusmão Carneiro, no sentido de que a reforma processual
ocorrida em 2002 não alcançou tal magnitude, sendo necessária previsão legislativa expressa e inequívoca – inexistente até o momento
– para a cisão do julgamento do mérito (Da Antecipação da Tutela. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 64).
p. 97 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
§ 1º Eventuais pedidos de uniformização fundados em questões idênticas, recebidos subseqüentemente em quaisquer das Turmas Recursais ficarão retidos nos autos, aguardando pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça. § 2º Nos casos do caput deste artigo e do § 2º do art. 50-A, presente a plausibilidade do direito invocado e havendo fundado receio de dano de difícil reparação, poderá o relator conceder, de ofício ou a reque-rimento do interessado, medida liminar determinando a suspensão dos processos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.§ 3º Se necessário, o relator pedirá informações ao Presidente da Turma Recursal ou Presidente da Turma de Uniformização e ouvirá o Ministério Público, no prazo de cinco dias. § 4º Eventuais interessados, ainda que não sejam partes no processo, poderão se manifestar no prazo de trinta dias.§ 5º Decorridos os prazos referidos no §§ 3º e 4º, o relator incluirá o pedido em pauta na Seção, com preferência sobre todos os demais feitos, ressalvados os processos com réus presos, os habeas corpus e os mandados de segurança.§ 6º Publicado o acórdão respectivo, os pedidos retidos referidos no § 1º serão apreciados pelas Turmas Recursais, que poderão exercer juízo de retratação ou os declararão prejudicados, se veicularem tese não acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.Art. 50-C. Os Tribunais de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, no âmbito de suas competências, expe-dirão normas regulamentando os procedimentos a serem adotados para o processamento e o julgamento do pedido de uniformização e do recurso extraordinário.Art. 50-D. O recurso extraordinário, para os efeitos desta Lei, será processado e julgado segundo o estabelecido no art. 50-B, além da observância das normas do Regimento. (NR)”Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
No sistema atual dos Juizados Especiais Estaduais, há a previsão somente
de recurso inominado da sentença do juiz de primeiro grau (artigo 41 da Lei nº 9.099/95)
para Turma composta por juízes de primeiro grau (artigo 98, inciso I, da Constituição
Federal de 1988) e de embargos de declaração da sentença ou do acórdão da Turma,
quando houver contradição, omissão ou obscuridade (artigo 48 da Lei nº 9.099/95). No
julgamento do recurso inominado, caberá do acórdão da Turma, além dos embargos de
declaração, recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, quando for alegada a
existência, na decisão recorrida, de violação ao texto constitucional (artigo 102, inciso III,
da Carta Magna).
Um dos objetivos do ordenamento jurídico é conferir certeza, previsibi-
lidade e segurança às relações sociais, de maneira que os indivíduos, ao saberem, de
p. 98 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
antemão, com clareza, os seus direitos e deveres, possam programar e planejar os seus
atos no meio social, com plena ciência das suas conseqüências. Além dessa preocupação,
deve ser assegurada a isonomia, a igualdade, não só na formulação da norma jurídica,
mas também na sua aplicação, seja pelo administrador, seja pelo Poder Judiciário, de
maneira que os que estão em situação idêntica recebam igual interpretação do preceito
legal. Essa finalidade vem sendo perseguida intensamente, nos últimos tempos, nota-
damente através da Emenda Constitucional nº 45/2004, com a instituição da chamada
súmula vinculante.
A conjuntura legislativa vigente permite que, não só no âmbito dos Estados,
onde houver mais de uma turma recursal, com também no âmbito nacional, que a mesma
questão jurídica de direito federal seja decidida de maneiras diversas e antagônicas, e
cabe destacar que, no caso de divergência de interpretação de questão constitucional,
a admissibilidade do recurso extraordinário – por força do artigo 102, inciso III, da Cons-
tituição, que não faz qualquer ressalva quanto ao órgão prolator da decisão recorrida
para fins de cabimento do recurso – resolve o problema.
Esta realidade dá origem ao que Eduardo Cambi denomina de “jurisprudên-
cia lotérica”, em que a obtenção da tutela jurisdicional passa a ser um jogo de sorte ou
azar, a depender da turma recursal à qual o recurso foi distribuído, o que contribui para
o desprestígio e a falta de credibilidade do Poder Judiciário, em especial dos Juizados
Especiais, além de induzir as partes, em casos extremos, ao uso de expedientes ardilosos
para a burla da livre distribuição e do juiz natural12.
Não pode ser olvidada a circunstância de que a competência dos Juizados
Especiais Estaduais é relativa, tendo o autor, de acordo com o artigo 3º, § 3º, da Lei
nº 9.099/95, a opção, exercitável segundo o seu exclusivo alvedrio, de ajuizar ação cujo
valor não ultrapasse 40 (quarenta) salários mínimos perante os Juizados Especiais ou o Juízo
comum, de maneira que a mesma questão de direito material pode sujeitar-se a entendi-
mentos antagônicos entre as Turmas Recursais e o Tribunal de Justiça do mesmo Estado.
Assim, o projeto, importando parcialmente as soluções previstas na Lei
nº 10.259/01 para os Juizados Especiais Federais – nos quais a questão da uniformização da
jurisprudência assume relevância ainda maior pelo fato de ser a Fazenda Pública Federal
a ré nas demandas –, acrescenta os artigos 50-A, 50-B, 50-C e 50-D.
No artigo 50-A, é criado o incidente de uniformização de interpretação
da lei, que poderia ser denominado de um recurso de divergência, quando houver
dissonância entre decisões, por Turmas Recursais do mesmo Estado, sobre questões de
12 CAMBI, Eduardo. Jurisprudência Lotérica. Revista dos Tribunais. São Paulo, n. 786, abr. 2001. p. 108-128.
p. 99 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
direito material, sendo o pedido de uniformização julgado pela reunião das Turmas em
conflito sob presidência de desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça. Insta subli-
nhar que o desembargador não poderá tomar parte no julgamento para proferir voto de
desempate, sob pena de afronta ao artigo 98, inciso I, da Constituição, que determina
que os recursos no sistema dos Juizados Especiais sejam julgados por Turmas de juízes
de primeiro grau.
O recurso em questão não se presta ao reexame de matéria de fato, mas
apenas de questão de direito material. Não há razão para serem excluídas as divergências
de direito processual do âmbito do recurso, sob pena de ficarem cristalizadas violações ao
princípio da isonomia no plano processual, em que os indivíduos, em idênticas situações,
estariam submetidos a “ritos sumariíssimos diferentes”, ou mesmo, a interpretações dis-
crepantes, conforme a Turma ou o Estado, quanto à admissibilidade da formulação de sua
pretensão perante os Juizados Especiais e ao acesso a uma justiça célere. Isto se verifica,
por exemplo, no tocante à competência daqueles órgãos jurisdicionais para as ações pro-
postas pelo condomínio em face do condômino, visando à cobrança da cota condominial.
Se a realidade dos fatos demanda a uniformização da interpretação do direito federal no
sistema dos Juizados Especiais Estaduais – e também no dos Juizados Especiais Federais,
no qual vigora a mesma ressalva ou distinção quanto ao conteúdo da regra jurídica –, ela
deve compreender as normas de direito material e de direito processual, e não há motivo
razoável e lógico a justificar esse tratamento diferenciado, uma vez que a finalidade que
inspira a norma está presente nas duas situações.
Caso haja divergência de interpretação da lei federal no que concerne ao
direito material, relativamente a Turmas de Estados diversos, ou quando a orientação da
Turma de Uniformização contrariar a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de
Justiça, em vez de criar uma Turma Nacional de Uniformização, formada por juízes de
direito de 27 unidades federativas – o que seria de difícil operacionalização prática –, a
proposta prevê um recurso de divergência ao Superior Tribunal de Justiça.
Ressalte-se que o projeto em comento não estabelece o prazo para a
interposição do recurso de uniformização, seja para as Turmas Estaduais reunidas, seja
para o Superior Tribunal de Justiça.
A previsão de recurso de divergência para o Superior Tribunal de Justi-
ça é materialmente inconstitucional, da mesma maneira que o artigo 14, § 4º, da Lei
nº 10.259/01, uma vez que expande, por intermédio de lei ordinária, a competência
daquele Tribunal, que somente pode ser alterada por emenda constitucional.
É pacífico o entendimento de que a competência do Superior Tribunal de
Justiça é de direito constitucional estrito, ou seja, tem sede na Carta Magna, que exaure
a matéria, regulando-a em hipóteses taxativas, não deixando qualquer espaço de manobra
para o legislador infraconstitucional.
p. 100 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
O artigo 105 não abarca qualquer competência recursal ou derivada do
Superior Tribunal de Justiça para julgar recurso, qualquer que seja a sua denominação
ou nomenclatura, de acórdão de Turma Recursal, e a competência para julgar o recurso
especial está limitada a decisões de única ou última instância proferidas por Tribunal
Regional Federal ou Tribunal Estadual, conferindo-se, a esse respeito, o Enunciado nº 203
da Súmula do Superior Tribunal de Justiça13. O pedido ou incidente de uniformização tem
inegável natureza recursal e colima substituir, fazer o papel, de modo disfarçado, de um
recurso especial, sem autorização constitucional14.
Por essa razão, o problema da uniformização da jurisprudência das Turmas
Recursais, em âmbito nacional, através da intervenção do Superior Tribunal de Justiça,
exige obrigatoriamente emenda constitucional.
Ao se abstrair a questão da constitucionalidade do dispositivo, ou mesmo
considerando-se que ele fosse incorporado ao ordenamento jurídico nacional através de
emenda constitucional que dilatasse a competência do Superior Tribunal de Justiça, deve
ser realizada uma ponderação entre os valores “isonomia” e “segurança jurídica”, de um
lado, e “celeridade”, “simplicidade” e “economia processual”, do outro. Isso porque as
causas de competência dos Juizados Especiais são de pequena magnitude econômica,
muitas delas envolvendo valores irrisórios, de maneira que o rito processual não pode
conter diversas possibilidades recursais, que fazem com que as despesas da parte para o
acompanhamento do processo até a decisão final e os gastos estatais com o processamento
em múltiplas instâncias superem, por grande margem, os proveitos auferidos pela parte,
desequilibrando a relação custo-benefício e, por extensão, desencorajando o acesso aos
Juizados Especiais. Por outro lado, os Juizados Especiais, notadamente na Justiça Estadual,
na qual tramitam processos que envolvem particulares, foram concebidos como uma
“justiça de bairro”, próxima do jurisdicionado, mais acessível, mais atenta e envolvida
com a realidade social que ocasionou o litígio15 , característica que tende a desaparecer
ou ser mitigada com a aprovação do projeto.
13 Enunciado nº 203 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de
segundo grau dos Juizados Especiais”.14 Neste sentido, apontando a inconstitucionalidade de disposição similar no âmbito dos Juizados Especiais Federais, contida no artigo
14, § 4º, da Lei nº 10.259/01, CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: Uma abordagem crítica.
Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2004. p. 253. Confiram-se, ainda: ALVIM, José Eduardo Carreira. Juizados Especiais Federais.
Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 107; TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Federais
Cíveis e Criminais: Comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 367. 15 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral
do processo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 105.
p. 101 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
Portanto, qualquer proposta de criação de um recurso de uniformização da
interpretação da lei federal no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais deve, a fim de que
sejam preservadas a harmonia e a coerência do ordenamento jurídico, condicionar o seu
cabimento à relevância da questão federal ou à sua repercussão geral, que já é requisi-
to de admissibilidade do recurso extraordinário, por força do artigo 102, § 3º, da Carta
Magna, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, e pode se tornar requisito
de admissibilidade do recurso especial, caso haja a aprovação da parte da Proposta de
Emenda à Constituição nº 29/2000, referente à Reforma do Poder Judiciário – da qual já
resultou a Emenda Constitucional nº 45/2004 –, que retornou à Câmara dos Deputados16,
e do Projeto de Lei nº 1.343/200317. O recurso especial se volta, sobretudo, para a defe-
sa do direito objetivo federal, nas situações em que a sua ofensa pode acarretar sérias
conseqüências negativas para o ordenamento jurídico, somente para tutelar o direito
subjetivo da parte de forma indireta. O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao recurso de
divergência na seara dos Juizados Especiais. Haveria um paradoxo incontornável, pois, na
esfera do juízo comum, no qual tramitam causas de maior complexidade e envergadura,
o acesso ao Superior Tribunal de Justiça estaria condicionado à repercussão geral da
matéria versada no recurso, ao passo que, no âmbito dos Juizados Especiais, ele seria,
nos moldes do projeto de lei ora censurado, irrestrito, bastando a contrariedade à lei
federal ou a divergência da sua interpretação pelas Turmas Recursais. A repercussão geral
ou a relevância da matéria estaria presente, por exemplo, quando a controvérsia fosse
constatada ou pudesse se repetir em milhares de processos de conteúdo essencialmente
idêntico, em situação de direitos individuais homogêneos, o que exigiria, inclusive, a
propositura da ação civil pública. Nesse caso, segundo o princípio da proporcionalidade,
os valores da isonomia, da previsibilidade e da segurança jurídica estão a sobrepujar os
valores da celeridade e da economia processual, contribuindo, inclusive, para a promoção
e o prestígio dos segundos, já que a uniformização da interpretação da lei federal tem
o efeito de obstar a multiplicação de ações repetitivas, conferindo racionalidade aos
Juizados Especiais, que teriam melhores condições de realizar tratamento apropriado
aos processos que integram o seu acervo.
16 A citada proposta de emenda constitucional acrescenta o § 3º ao artigo 105, facultando ao legislador ordinário estabelecer outros
requisitos intrínsecos de admissibilidade do recurso especial, distintos daqueles já consagrados no texto constitucional, verbis:
“Art. 105 [...] § 3º A lei estabelecerá os casos de inadmissibilidade do recurso especial”.17 O Projeto de Lei nº 1.343/2003, cuja constitucionalidade subordina-se à aprovação da proposta de emenda constitucional mencionada
na nota anterior, acrescenta o § 2º ao artigo 541 do Código de Processo Civil: “Art. 541 [...] § 2º O recurso especial por ofensa a lei
federal somente será conhecido quando o julgado recorrido tiver repercussão geral, aferida pela importância social ou econômica
da causa, requisito que será dispensado quando demonstrada a gravidade do dano individual.”
p. 102 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
O paradigma dos Juizados Especiais Federais não pode servir como inspiração
e fundamento para a previsão, sem qualquer temperamento, do recurso de divergência
no sistema dos Juizados Especiais Estaduais, abstraindo-se a competência constitucional
do órgão ao qual foi atribuído o julgamento de tal recurso. É que, nos Juizados Especiais
Federais, a maioria esmagadora das demandas envolve situações que se repetem ao
longo do tempo de maneira absolutamente idêntica ou homogênea, isto é, situações
que não estão sujeitas a variações fáticas em seus elementos essenciais, mas apenas em
dados acidentais que não interferem na solução dada à lide, nem no seu enquadramento
na moldura jurídica geral, tendo significância apenas quanto a aspectos quantitativos a
serem definidos na liquidação do montante devido ao autor vitorioso. É o que passa, por
exemplo, no tocante às ações nas quais se discute a constitucionalidade ou a legalidade
do critério de reajuste anual de benefícios previdenciários empregado pelo Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS), de sorte que, reconhecida a correção ou a incorreção
da postura administrativa da autarquia federal, ela estará presente na situação pessoal
de cada segurado ou dependente, e o valor da renda mensal inicial do benefício, variável
de beneficiário para beneficiário, influirá somente na definição do valor dos atrasados
e da nova renda mensal, após aplicado o correto percentual de reajuste, que incide de
maneira uniforme. Raciocínio similar é pertinente às demandas sobre a atualização de
vencimentos de servidores públicos, a correção de contas do Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço (FGTS) e a constitucionalidade de tributos. Em tais casos, a uniformização da
interpretação da lei federal é imprescindível, não só porque a identidade das situações
das partes autoras na sua relação com o Poder Público naquilo que é essencial para o
deslinde da controvérsia torna injustificáveis, inconcebíveis julgamentos de conteúdos
distintos e antagônicos, como também exige a pacificação dos entendimentos sobre o
alcance da norma jurídica de maneira a permitir que a Administração Pública Federal
possa, por injunção dos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade e da
eficiência, adequar as suas posturas administrativas à jurisprudência dominante, e seria
um verdadeiro dislate a tolerância da possibilidade de que essa conformação ou adequação
administrativa venha a ocorrer, de modo heterogêneo, de Estado para Estado, ao sabor
da posição das respectivas Turmas Recursais.
Na seara dos Juizados Especiais Estaduais, as relações jurídicas de direito
privado, em sua maioria, comportam múltiplas variações fáticas, de sorte que uma mesma
norma jurídica pode dar azo a interpretações diferentes, em um mesmo contexto his-
tórico, social e cultural, sem afronta à isonomia, porque as situações que se inserem na
sua hipótese de incidência não ocorrem de forma absolutamente idêntica, apresentando
nuances substanciais que as distinguem. A própria diversidade de realidades econômica,
social, cultural entre os Estados, em um país de dimensões continentais, pode justificar e
p. 103 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
legitimar, excepcionalmente, diferenças de interpretação de normas de Direito Civil e de
Direito Comercial pelas Turmas Recursais de diferentes unidades federativas. Destarte, a
previsão de um recurso de divergência nos Juizados Especiais Estaduais, a ser apreciado
pelo Superior Tribunal de Justiça, somente seria razoável para aquelas situações com
perfil de plena identidade dos elementos essenciais, e que elas se repetissem em grande
escala, com o risco de multiplicação geométrica das lides, como é o caso dos conflitos
de massa oriundos do Direito do Consumidor, especialmente aqueles que envolvem con-
cessionárias de serviços públicos, fazendo surgir a repercussão geral ou a relevância da
matéria para que o recurso de divergência possa ser conhecido.
5. CONCLUSÃO
Os três projetos de lei esmiuçados neste sucinto trabalho apresentam pontos
positivos, bem como outros pontos censuráveis, que demandam correção ou ajuste.
O Projeto de Lei nº 136/2004, bem como o Anteprojeto nº 4 da Comissão de
Reforma do Poder Judiciário instituída pelo Ministério da Justiça, inovam ao tornar regra
geral a ausência de eficácia suspensiva da apelação, valorizando a justiça de primeiro
grau, bem como desencorajando a interposição do recurso por si própria como mero
artifício para o adiamento da concretização do direito já reconhecido. São proposições
que materializam a garantia constitucional, agora expressa no inciso LXXVIII do artigo 5º,
da Carta Magna, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, à prestação
jurisdicional em tempo socialmente razoável, incluindo não só a declaração do direito
material, mas também, e principalmente, a efetivação prática desse direito.
Contudo, as duas propostas legislativas pecam por sujeitarem a atribuição
de excepcional efeito suspensivo à existência apenas de risco de dano irreparável para
o apelante, decorrente do fato de a execução provisória da sentença acarretar conse-
qüências práticas irreversíveis, mantendo a ilógica e gratuita supremacia das decisões
interlocutórias que antecipam a tutela sobre a sentença, visto que a suspensão da eficácia
das primeiras, em decisão liminar em agravo de instrumento, exige, além do risco de dano
irreparável ou de difícil reparação, a plausibilidade das razões recursais, o que desvela
a probabilidade do seu provimento.
Ademais, o anteprojeto do Ministério da Justiça, além de não ter extirpado
o reexame necessário, prescreve expressamente a manutenção do automático efeito
suspensivo da apelação – e, por conseguinte, da própria remessa obrigatória, quando
não houver apelação – quando a sentença estiver sujeita ao reexame necessário. Sendo
o Poder Público, em qualquer dos seus níveis federativos, o grande responsável pelo
congestionamento dos tribunais de segundo grau e das instâncias superiores, a proposição
p. 104 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
tenderá a instigá-lo a não adequar as suas condutas administrativas ao entendimento
dos tribunais, haja vista a consciência de que a execução provisória da obrigação estará
obstada pelo simples duplo grau de jurisdição obrigatório.
O Projeto de Lei nº 4.728/2004 tem como finalidade estabelecer o equilí-
brio entre o autor e o réu, por consagrar a tutela de evidência em benefício do segundo,
permitindo a solução imediata de demandas relativas a pleitos rejeitados, inúmeras ve-
zes e de modo pacificado, pelo Supremo Tribunal Federal ou pelos Tribunais Superiores,
conferindo racionalidade ao funcionamento do Poder Judiciário.
Entretanto, a sua redação carece de correções das impropriedades técnicas
existentes, mormente a derivada do sentido literal do texto que autoriza o julgamento
imediato de improcedência sem que seja evidente a inexistência do direito material
perseguido, bastando a simples presença de precedentes do próprio juízo, dissociados da
jurisprudência pacífica das instâncias superiores. Além disso, é imprescindível o acréscimo
de emenda aditiva que venha a prever a intimação do réu para tomar ciência da sentença
de improcedência, caso não haja apelação do autor.
O Projeto de Lei nº 4.723/2004 colima resolver o problema da falta de
uniformidade na interpretação do direito material no sistema dos Juizados Especiais
Estaduais, no âmbito do mesmo Estado e no plano nacional, que é fonte de imprevisibi-
lidade e incerteza ao possibilitar que pessoas que se encontrem em situações absoluta-
mente idênticas tenham tratamento diferenciado. Porém, adota uma solução eivada de
inconstitucionalidade material ao ampliar, sem a emenda constitucional indispensável,
a competência do Superior Tribunal de Justiça para abarcar o julgamento do incidente
ou recurso de uniformização quando a divergência se verificar entre Turmas Recursais
de Estados diferentes.
Por outro lado, não contempla as divergências de interpretação de normas
de direito processual, com resultados tão ou mais perniciosos para a isonomia, sobretudo
quando cria diferenciações relativas à própria competência material dos Juizados Especiais
e ao acesso a eles, cujo exemplo atual mais significativo diz respeito à admissibilidade do
rito sumariíssimo para a ação proposta pelo condomínio em face do condômino pleiteando
a cobrança da cota condominial em atraso, que tem sido aceita em algumas unidades
federativas e repelida em outras.
Por fim, a possibilidade de recurso de divergência para o Superior Tribunal de
Justiça no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais deve estar condicionada, por imperativo
dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, à relevância ou à repercussão
geral do tema, pressuposto que, em razão de projeto de emenda constitucional e projeto
de lei, pode vir a integrar a admissibilidade do recurso especial.
p. 105 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 81-105, 2006.
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p. 107 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
JUIZADOS ESPECIAIS NA REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
Maria Stella de Amorim
Professora titular de Sociologia aposentada do IFCS-UFRJ;
Atual docente do Programa de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Gama Filho (professora de Sociologia Jurídica);
Pesquisadora da Faperj.
1. Introdução 2. Juizados Especiais Estaduais: suas relações com a sociedade
3. Os juizados especiais da Justiça Federal: relações conflituosas de particulares com
o Estado brasileiro 4. A prestação jurisdicional nos juizados especiais brasileiros em
perspectiva comparada 5. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
Um dos aspectos tradicionalmente mais acentuados entre o Direito e a
sociedade no Brasil é a separação entre a cultura especializada dos operadores jurídicos
e a cultura cívica dos cidadãos que recebem a prestação jurisdicional nos tribunais.
Contribuem para esta separação algumas características do Direito Brasileiro como, por
exemplo, a ausência de literalidade das leis e a fragilidade de consenso sobre as decisões
judiciais. Deste modo, não basta que a lei esteja escrita, ela precisa ser interpretada, o
que quer dizer que mesmo pessoas com alto nível de instrução não estariam certas sobre
o que exatamente significa o que nela está escrito. Igualmente, as interpretações variam
bastante, porque os doutrinadores podem expressar entendimento distinto acerca de uma
mesma lei. Além disso, os magistrados detém livre convencimento sobre o que consta
dos autos processuais, resultando, tanto deste aspecto, como dos anteriores, distribuição
desigual da justiça, constatada nos casos em que os jurisdicionados enfrentam conflitos de
natureza análoga e recebem decisões distintas ou até opostas. Entendimentos dissonan-
tes na doutrina sobre um mesmo texto legal levam o magistrado a enfrentar dois níveis
de conflito para decidir: primeiro, ele precisa resolver conflitos de interpretação, para
depois sentenciar sobre o conflito material em apreço1. Tal situação sugere a presença
1 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A teoria da norma jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1978. O autor dá rara contribuição à comunicação
interna ao discurso jurídico-normativo, inclusive inspiradora de variadas reflexões sobre o assunto.
p. 108 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
predominante da lógica do contraditório em todo o Direito Brasileiro, abrangendo tanto
a dimensão chamada teórica, como a doutrinária e a prática. Assim sendo, a lógica do
contraditório vai para além da fase processual assegurada às partes, o que dificulta firmar
consensos sobre os valores sempre envolvidos nas apreciações judiciais e que também
estão presentes na sociedade2. Neste sentido, a lógica do contraditório é um tipo de
lógica sem fim, em que a argumentação dos participantes do cenário comunicativo só
é interrompida pela autoridade. Nesta tradição seguida pela justiça brasileira, sem a
intervenção de um tertius para interromper o contraditório, ele poderia prosseguir até
o infinito. Do mesmo modo, entre operadores e doutrinadores, o papel da autoridade,
concebida como independente e livre para decidir, põe fim ou interrompe a contradita,
sem que seja socializado entre os interlocutores algum consenso judicial sob a matéria em
apreço. O contraditório difere de outras lógicas abertas, em que a argumentação visa a
obter consenso entre os participantes da questão, sejam eles autoridades ou não.3 Nestas
circunstâncias, os interesses das partes em conflito tendem a ficar isolados da prestação
jurisdicional, assim como elas próprias, protagonistas principais, ficam despersonalizadas
e passam a ter contato indireto, via seus representantes contratados livremente ou dis-
postos pelo Estado nos processos judiciais que lhes dizem respeito.
Entretanto, a Constituição de 1988 introduziu os Juizados Especiais Cíveis
e Criminais nas justiças estaduais, regulamentados pela Lei nº 9.099/95, o que poderia
contribuir para minorar os efeitos da situação descrita acima. Sobretudo, a presença da
conciliação nestes juizados sugeriria a possibilidade de as partes participarem do processo,
como também introduziria elementos de lógica mais consensual no Direito Brasileiro. Com
a reforma constitucional de 1999, foram também criados os Juizados Cíveis e Criminais na
Justiça Federal, regidos pela Lei nº 10.259/01. Estes microssistemas judiciais – enquanto
partes integrantes do sistema judicial-legal brasileiro – trouxeram alterações significativas
nas relações entre os tribunais e a sociedade, tanto pela explícita proposta de ampliarem
o acesso à justiça e ao direito, como por facilitarem a busca por tratamento judicial de
conflitos que, antes da implantação dos juizados, não eram usualmente encaminhados
aos tribunais e jaziam na sociedade. Os Juizados (da esfera estadual, principalmente)
passaram a ser sediados dentro de comunidades de moradia, deixando de ocupar com
exclusividade os tradicionais locus do Direito, os Palácios de Justiça, ou Fóruns, onde
2 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1999. Muitos destes valores estão expressos na Constituição
Brasileira e são apenas simbolicamente usados, sem que sua validade se atualize ou que estejam “normalizados” nas relações sociais. 3 Entre os autores que postulam a lógicas comunicativas abertas estão, por exemplo, Chaim Perelman, Jürgen Habermas, Karl-Otto
Apel, entre outros, que privilegiam a mediação, a conciliação e a negociação de interesses, de modo a consensualisar posições ou
decisões entre partes com valores ou com interesses distintos.
p. 109 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
ainda tramita a justiça ordinária ou comum. Propunham-se os Juizados a conceder ao
jurisdicionado tratamento informal, privilegiando a simplicidade, a oralidade e a rapidez
processual, e a possibilidade de participar da prestação jurisdicional nos tribunais
brasileiros. No rito dos juizados, introduziu-se a fase da Audiência de Conciliação, em
que os conflitos poderiam ser acordados entre as partes litigantes. No entanto, a despeito
destas inovações, tais audiências não alcançam pleno êxito, principalmente nos juizados
criminais estaduais e nos juizados cíveis da esfera federal, nos quais ainda se observa a
presença de acentuadas rupturas na relação entre o Direito e a sociedade no Brasil. Esta
e outras questões correlatas vêm sendo investigadas no Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Gama Filho (UGF)4.
A escolha dos juizados como cenário privilegiado pela pesquisa deve-se
à circunstância de terem eles mais se aproximado da população do que os tribunais
comuns, permitindo assim melhor visualizar as relações entre o Direito, os tribunais e a
sociedade no Brasil. Outra característica que leva a pesquisa a concentrar-se nos juizados
é a atualidade e a espontaneidade dos conflitos que a eles são levados pela sociedade.
Note-se que, ao serem criados, os Juizados não privilegiaram qualquer tipo de conflito
em particular. Ao contrário, o critério adotado quanto aos juizados criminais foi o peque-
no potencial ofensivo, entendido como curto tempo da pena estabelecida para o delito
praticado (inicialmente, até um ano de pena prevista no Código Penal e, atualmente, até
dois anos de pena). Quanto aos juizados cíveis, o critério também não destacou nenhum
tipo de conflito, apenas fixou o máximo de valores das causas em teto menor do que as
encaminhadas à Justiça Civil comum e a baixa complexidade da causa a ser apreciada.
No entanto, ao entrarem em funcionamento, os Juizados passaram a
receber, em quantidade expressiva, certos tipos de conflitos sociais cuja natureza não
havia sido prevista e que viriam a influenciar o desempenho do modelo legal que lhes
foi atribuído. É possível admitir variações quanto à prestação jurisdicional nos juizados,
tanto em relação à expressividade numérica do atendimento que prestam a população,
quanto à natureza dos conflitos para eles dirigidos em diferentes regiões brasileiras.
Primeiro, porque a despeito da legislação comum que os regula, as Justiças Estaduais
detém liberdade para regulamentar a atuação dos juizados dentro de suas respectivas
jurisdições. Segundo, porque, em diferentes regiões do país, os conflitos submetidos aos
4 O PPGD-UGF (Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho) participa de uma rede de investigações sobre
várias modalidades de administração de conflitos tanto judiciais como não-judiciais com pesquisadores da UnB, da UFF e da UFMG,
e, no exterior, da Universidade de Ottawa (Canadá), da Universidade de Buenos Aires e da Universidade de Missiones (ambas na
Argentina) e da Faculdade de Direito Agostinho Neto, em Luanda (Angola). A institucionalização desta rede contou com o incentivo
sempre presente do Dr. Roberto Kant de Lima.
p. 110 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
juizados podem deter natureza e quantitativos distintos. Porém, na Região Metropolitana
da capital do Estado do Rio de Janeiro, onde a pesquisa é realizada, os tipos de conflito
predominantemente encaminhados aos juizados apresentam natureza similar aos de
pesquisas realizadas em outras regiões brasileiras5.
Aos Juizados Estaduais Cíveis, a sociedade encaminhou, predominantemente,
conflitos em relações de consumo de bens e serviços. Embora já existisse o Código de
Defesa do Consumidor, a proteção por ele concedida foi bastante ampliada com o advento
dos juizados cíveis dos estados, visto que qualquer cidadão poderia recorrer à justiça, sem
maiores custos, para reclamar de contratos de compra de qualquer bem ou serviço que
não correspondesse às condições da oferta pelo vendedor no ato da operação realizada
no mercado, observados os limites de valores para os bens e serviços reclamados, em
conformidade com o prescrito na Lei nº 9.099/95.
Aos Juizados Estaduais Criminais, a sociedade respondeu com conflitos nas
relações domésticas (predominantemente verificados entre homens e mulheres adultos,
casados legalmente ou não) e de vizinhança, a maioria deles tendo como vítimas mu-
lheres e como agressores os homens6. Antes da criação desses juizados, tais conflitos
eram habitualmente encaminhados para as delegacias policiais e administrados pelos
delegados, sendo conhecidos na esfera policial como “feijoadas”7. Com o advento dos
Juizados Criminais estaduais, passaram a receber tratamento judicial, previsto na Lei
nº 9.099/95, tornando-se assim mais amplamente judicializados (VIANNA et al., 1999) na
sociedade, sobretudo entre segmentos menos favorecidos da população.
2. JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS: SUAS RELAÇÕES COM A SOCIEDADE
Os conflitos civis e criminais canalizados para os Juizados Estaduais não
só recebem tratamento distinto na Lei nº 9.099/95, mas se diferenciam entre si, tanto
nesta lei, como na sociedade. Estas diferenças também tornam distintas a conciliação e
a prestação jurisdicional concedidas nos âmbitos civil e criminal. Os conflitos civis são
marcados por relações entre partes estranhas, que não se conhecem. Já os criminais levam
a marca da intimidade, da amizade, própria de relações de proximidade, entre partes que
bem se conhecem. Portanto, a conciliação torna-se mais viável nos conflitos de caráter
5 Veja-se, por exemplo, as pesquisas de Breno Inácio Silva (2004), Rodrigo Ghiringhelli Azevedo (2000) e Ângela Moreira Leite (2003). 6 Ver KANT DE LIMA, Roberto et al. Guerra e paz na família brasileira: um falso armistício. Insight Inteligência. a. V, n. 17, abr.-jun.
2002. p. 98-110. O artigo mostra em gráficos os dados estatísticos sobre os juizados criminais investigados.7 Nas esferas judiciais, os conflitos encaminhados aos juizados, tanto cíveis como criminais, também são vistos como “bagatelas”,
ou seja, como pouco relevantes, se comparados aos que se apresentam na Justiça Comum.
p. 111 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
civil, cujas relações tendem a ser mais impessoais, do que nos conflitos tipificados como
criminais, estes de caráter familiar e de amizade, envolvendo relações pessoais.
Ainda que a intenção dos juizados criminais seja francamente despenali-
zadora, por conceder aos conflitos tratamento “civilizador” (ou seja, mais aproximado
das concepções jurídicas civilistas), a lei que os regula é mais dura na parte criminal do
que na civil. Durante a Audiência de Instrução e Julgamento, chega-se a admitir a prisão,
caso o agressor mantenha a recusa ao pagamento de cestas básicas para instituições de
caridade ou não aceite realizar trabalho comunitário (ambos habitualmente concebidos
como penas alternativas), pois o art. 85 da Lei nº 9.099/95 enseja a aplicação de pena
restritiva de liberdade8.
Embora não seja usual ao Direito tratar de relações afetivas de modo geral
e, particularmente, em processos criminais, os conflitos concretos levados aos juizados
criminais envolvem forte dimensão emocional9, mais apreciáveis nestes do que nos cíveis10.
Contudo, relatos apresentados por outros estudiosos assinalam que o insulto recebido
por consumidores quando reclamam diretamente dos comerciantes acerca do mau for-
necimento de bens e serviços encerram motivos relevantes para que os compradores
encontrem no Estado, via aparelho judicial, a proteção contra empresas prestadoras de
serviços e contra comerciantes, de modo a repor o justo equilíbrio no contrato de compra
e venda realizado11.
Entretanto, o valor reclamado, em muitas ações, não compensa as despesas
de transporte, entre outras, para comparecer ao juizado e aguardar a chamada para as
audiências, quase sempre atrasadas, o que costuma provocar falta ao trabalho e a outros
compromissos regulares das partes envolvidas no conflito. Os transtornos enfrentados pelos
consumidores, todavia, são por eles aceitos, o que sugere que os consumidores lesados
buscam mais a reposição da falta de consideração, expressa em ofensas recebidas no
mercado, quando levam a reclamação na loja ou na empresa vendedora, do que reparos
8 Ver jurisprudência a respeito de rigidez na aplicação de penas de prisão nos JECrim. FERNANDEZ, José Barros. A transação penal e
suas conseqüências jurídicas. In: AMORIM, Maria Stella de et al. Juizados Especiais Criminais, sistema judicial e sociedade no Brasil.
Niterói: Intertexto, 2003. p. 129-156. 9 OLIVEIRA, Luís Roberto Cardoso de. Direito legal e insulto moral. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. A ofensa moral como motivo
relevante para a propositura de ações judiciais foi introduzida entre os estudiosos de conflitos judiciais por este autor, de quem nos
valemos no decorrer do presente texto. 10 Na verdade, o “crime passional” é abrigado no Código Penal brasileiro. Porém, está excluído da Lei nº 9.099/95, que trata de
delitos de pequeno potencial ofensivo. A tipificação do crime passional envolve emoções que não são consideradas normais, algo que
arrasta o autor do delito para “fora de si”. Logo, elas não integram a dimensão humana tratada na Lei dos Juizados, embora emoções
e sentimentos estejam necessariamente presentes nos conflitos previstos nesta lei.11 Ver BEVILAQUA, Ciméa. Notas sobre a forma e a razão dos conflitos no mercado de consumo. Revista Sociedade & Estado. v. XVI,
n. 1-2, jan.-dez. 2001. p. 306-334. A autora enfatiza que as trocas no mercado consumidor não são apenas trocas de bens, mas en-
volvem dimensão moral, presente inclusive em reivindicação por direitos de consumidores perante instituições estatais. Esta autora
realizou pesquisa no PROCON e nos Juizados Especiais Cíveis de Curitiba, Estado do Paraná.
p. 112 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
materiais. A falta de consideração sentida pelo queixoso assume dimensão relevante por
ser o “dano moral” admitido nos juizados, o que enseja, além do reparo por dano mate-
rial, o reparo pelo dano moral causado à vítima, embora as quantias relativas a ofensas
de caráter moral quase sempre resultem em indenizações bastante baixas.
Os consumidores de serviços fornecidos por empresas como bancos e
companhias de energia elétrica e comunicações telefônicas, por exemplo, reclamam da
falta de atendimento, quando a elas se dirigem para apresentar queixas sobre prejuízos
decorrentes dos maus serviços prestados. Dizem que não conseguem encontrar a seção
destinada a atendê-los e que ficam andando de um atendente para outro, sem sequer
conseguir encaminhar a reclamação sobre o problema que lhes aflige, demonstrando assim
o quanto se sentem desconsiderados. Queixam-se também de que, antes de comparece-
rem à empresa, tentaram exaustivamente fazer a reclamação pela via do atendimento
eletrônico, sem obter sucesso na busca por solução de seu problema. Segundo essa
visão, somente restaria aos reclamantes recorrer ao Estado para reparar o sentimento
por ofensas recebidas.
Entretanto, entrevistas12 realizadas com alguns advogados e funcionários atu-
antes nos juizados cíveis estaduais investigados expressam visão diferente da dos cidadãos
que buscam solucionar seus problemas sem recorrer à via judicial. Segundo alguns desses
entrevistados, os Juizados estão incentivando conflitos na sociedade e sobrecarregando o
aparelho judicial com questões pequenas. Conforme avaliações por eles manifestas, muitos
reclamantes que recorrem à justiça são “litigantes de má fé”, que exploram a “indústria
do dano moral”, por demais ampliada com a introdução dos juizados.
No caso dos Juizados Criminais, a dimensão emocional presente no con-
flito é bastante exacerbada, podendo tanto levar a vítima a apresentar a queixa, como
a desistir de processar o agressor, quase sempre seu marido, durante a audiência de
conciliação. Entrevistas feitas com mulheres vítimas de agressão continuada revelam
que elas buscam nos juizados um meio de fazer o marido parar de lhes bater, mas não
pretendem que eles sejam presos, pois a prisão significa perda do direito ao trabalho do
marido e, conseqüentemente, restrição no orçamento familiar, entendida como punição
sobre elas e os filhos do casal. O pagamento de cestas básicas onera o orçamento familiar
e encerra outro motivo para a desistência da ação contra o agressor, como acontece com
as mulheres oriundas de classes menos favorecidas economicamente, que foram entre-
vistadas em juizados da Baixada Fluminense e de São Gonçalo (RJ). Tal situação aponta
12 As entrevistas mencionadas neste trabalho foram realizadas nos juizados especiais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, pela
autora e pelos seguintes alunos da graduação em Direito da UGF, entre 2003 e 2006: Nadja Monteiro, Betânia Cristina S. Ramos, Laís M.
Freitas Cardoso, Ana Caroline Ramos, Thais Lysandra Genúncio Salles Moreira (bolsistas IC da Faperj em diferentes períodos); Carlos
Felipe L. M. Aires e Janine Khyoshi Sugai (bolsistas IC do PIBIC/UGF-CNPq). A todos agradeço pela colaboração que emprestaram a
esta pesquisa. Em especial, agradeço ao Prof. Dr. Roberto Kant de Lima que tem sido um interlocutor privilegiado em nossas pesquisas
sobre os juizados especiais.
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para dificuldades na administração judicial destes conflitos, que acabam sendo devolvidos
para a sociedade. Entretanto, o cenário em que eles ocorrem deveria ser objeto de sérias
preocupações. São conflitos domésticos, contínuos, pois nenhuma das vítimas entrevistadas
que recorreu aos juizados admitiu ter sido agredida pela primeira vez, quando levou seu
caso à polícia e à justiça, e, sim, que fora agredida inúmeras vezes, antes de registrar
queixa contra o parceiro conjugal. Estes conflitos ocorrem dentro de casa, geralmente
sem testemunhas oculares, exceto os próprios membros do grupo doméstico, sobretudo
os filhos menores, que aprendem a banalizar a violência desde cedo, experiência que,
certamente, levarão para as vidas adultas13 e cujos efeitos na sociedade podem ser vistos
como nada construtivos.
A despeito destas e de outras situações em que se manifesta a violência,
são os juizados criminais em número muito menor do que os juizados cíveis na Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, a mesma proporção sendo encontrada entre o número
de varas criminais e cíveis da Justiça Comum na região, embora a cidade seja apontada
entre as que detêm altos índices de violência. Um rápido balanço quanto à eficácia social
dos juizados criminais sinaliza para os seguintes obstáculos principais:
a) a indisponibilidade da garantia do devido processo legal na prestação jurisdicional
concedida nestes juizados contribui para bloquear a conciliação entre as partes,
por serem elas, quase sempre, influenciadas pelo procedimento processual comum,
sobretudo quando a conciliação é conduzida por magistrados, que mais se concen-
tram na visão legal do conflito do que nos interesses das partes ou nos seus direitos
individuais, exercendo mais função tuteladora do que permitindo a mediação entre
elas. Já os conciliadores se esforçam mais para fazer a mediação entre as partes,
no que nem sempre são bem sucedidos, em vista de motivos já assinalados antes,
sobretudo nos juizados criminais;
b) para fazer a “queixa”, a vítima deve se dirigir a uma delegacia policial, o que
embora não esteja previsto na Lei nº 9.099/95, segue o padrão do Código de Pro-
cesso Penal, que se inicia na Polícia. As delegacias, por sua vez, encarregam-se
de ridicularizar as vítimas, que representam 80% das mulheres que recorrem aos
juizados criminais investigados (KANT DE LIMA et al., 2002, p. 98-110). Usualmen-
te, a polícia procura dificultar o registro da “queixa”. Se a mulher não apresenta
ferimento ou marcas da agressão, dizem os policiais que não há motivo para a
“queixa”. Se ela apresenta sinais da agressão, solicitam que primeiro vá a um posto
médico ou ao Instituto Médico Legal para fazer exame e trazer a declaração do
médico. Ambos os expedientes não estão previstos na Lei dos Juizados;
13 Ver AMORIM, Maria Stella de. Cidadania e jurisdição de direitos nos Juizados Especiais Criminais. In: AMORIM, Maria Stella de;
KANT DE LIMA, Roberto; BURGOS, Marcelo Baumann. Juizados Especiais Criminais, sistema judicial e sociedade no Brasil. Niterói:
Intertexto, 2001. p. 205-229.
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c) o agressor, por sua vez, já entra no juizado como culpado, sem desfrutar do prin-
cípio da presunção da inocência e sem dispor da plena garantia do devido processo
legal, aliás, como é corrente no sistema de justiça criminal adotado no Brasil, em
que o processo não apenas é público, mas estatal, ficando assim sob completa tutela
do Estado. Na condição de acusado, é oferecida a ele uma transação penal, feita
obrigatoriamente com o Ministério Público e não com a vítima. Caso a oferta seja
aceita, o agressor deverá pagar a pena em cestas básicas para terceiros ou realizar
serviços comunitários. Caso não haja acordo entre as partes, a transação penal não
é realizada, e seguir-se-á a Audiência de Instrução e Julgamento, fase processual de
que a vítima não participa. Se o autor do fato não aceita a culpa nesta audiência,
poderá ser processado sem que lhe tenham sido oferecidas as condições de exercício
da ampla defesa e do contraditório a ela associado;
d) afastada do processo na etapa da Audiência de Instrução e Julgamento, não
cabe à vítima nenhum ressarcimento, nem mesmo um simples pedido de desculpas
de seu agressor, com o qual continuará a conviver e, com certeza, a experimentar
novas agressões;
e) a realização da relevante função social do Direito e dos Tribunais na sociedade
vê-se assim prejudicada, tanto porque a garantia individual do acesso à justiça e
ao direito, assim como a garantia do devido processo legal, nem são asseguradas
aos agressores, nem às vítimas, o que inviabiliza a almejada “solução” do conflito
no âmbito judicial. Deste modo, os conflitos concretos, dadas as características
específicas que abrigam, não podem ser administrados institucionalmente na esfera
judicial, integrante de um dos poderes do Estado, e assim passa a ser devolvido
para a sociedade. Deve ser assinalado que a pesquisa encontrou um juizado onde,
usualmente, o juiz suspendia o processo, sempre que o casal concordava, durante
a conciliação, em receber algum tipo de acompanhamento profissional, destinado
a uma aprendizagem para lidar com a própria violência, no caso dos homens agres-
sores, e à recuperação da auto-estima das mulheres agredidas continuamente.
Igualmente, o mesmo procedimento era utilizado em casos de alcoolismo e uso de
drogas, sendo retomado o processo, depois de terem as partes recebido parecer
do profissional que lhes prestava assistência. A suspensão do processo nesses casos
apreciados chamava-se “medida alternativa”, diferente, portanto, da pena alterna-
tiva. Entretanto, este tipo de medida alternativa não chegou a ser usual em outros
juizados criminais e a maioria de conciliadores e de magistrados indagados sobre
o procedimento considerava-o não-judicial porque a Justiça não poderia obrigar
ninguém a se tratar e porque o procedimento ultrapassava a esfera judicial.
p. 115 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
Uma breve avaliação acerca da eficácia do desempenho social dos juizados
cíveis e criminais estaduais leva a considerar que os juizados cíveis concedem prestação
jurisdicional relativamente mais satisfatória do que os criminais. Porém, isso não quer dizer
que os conflitos tratados nos juizados criminais sejam menos relevantes para a sociedade
do que os levados à esfera civil dos microssistemas regidos pela Lei nº 9.099/95.
3. OS JUIZADOS ESPECIAIS DA JUSTIÇA FEDERAL: RELAÇÕES CONFLITUOSAS DE
PARTICULARES COM O ESTADO BRASILEIRO
Os Juizados Federais começaram a atuar mais recentemente, a partir de
2002, e contam com cerca de quatro anos de funcionamento, menos da metade do tempo
que os juizados estaduais entraram em funcionamento, ou seja, a partir de 1996. O art. 98
da Constituição Federal de 1988 autorizou a União no Distrito Federal, nos Territórios e
nos Estados da Federação a criar juizados especiais. Entretanto, o entendimento conce-
dido a esse artigo foi de que os juizados federais poderiam ser criados apenas no Distrito
Federal e nos Territórios. Com a transformação dos antigos Territórios em Estados da
Federação brasileira, esse entendimento ficou ainda mais limitado quanto à introdução
dos juizados na Justiça Federal. Somente após a aprovação da Emenda Constitucional
nº 22, de 1999, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei
propondo a ampla criação dos juizados no âmbito da Justiça Federal. O projeto, diga-
se, de iniciativa do Superior Tribunal de Justiça, recebera apoio da magistratura e teria
“[...] envolvido toda a classe jurídica do País, especialmente os Juízes Federais, que,
através da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), se mobilizou para apresentar
suas sugestões a respeito” (ALVIM, 2002, p. VII).
Inspirados na Lei nº 9.099/95, foram então criados os Juizados Especiais
da Justiça Federal brasileira, com a aprovação da Lei nº 10.259 em 12 de julho de 2001.
Já no curso da aprovação do projeto de lei surgiram dificuldades relativas aos Juizados
Criminais Federais, porque na grande maioria dos crimes contra a União estabelecem-se
penas superiores a 1 (um) ano, limite este fixado para o pequeno potencial ofensivo
contemplado na Lei nº 9.099/95 para os juizados criminais estaduais. Assim sendo, este
limite foi estendido para os crimes com pena prevista até dois anos na Lei nº 10.259/01 e,
por força de uniformização de legislação, passou a ser adotado nos juizados criminais dos
estados, regidos pela Lei nº 9.099/95. A alteração não trouxe modificações expressivas,
prevalecendo nestes juizados a presença predominante dos conflitos domésticos e entre
partes mutuamente conhecidas. Também a ampliação para delitos com penas previstas
até dois anos de detenção não aumentou a demanda nos juizados criminais federais, que
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se manteve relativamente baixa. Os conflitos levados aos juizados criminais federais, na
maioria, caracterizam-se por queixas sobre abuso de autoridade, desacato à autoridade na
pessoa de servidores públicos federais e, raramente, afastam-se destes padrões. Quando
isso acontece, o caso ganha notoriedade, como aconteceu com uma briga, seguida de
agressão física, entre dois particulares, passageiros de um avião da Varig trafegando em
espaço aéreo sob jurisdição federal.
Já nos juizados cíveis federais, a demanda é muito alta desde que estes
microssistemas entraram em funcionamento. Reprimida de longa data, a demanda logo
explodiu nestes juizados, que encerravam esperanças inovadoras nutridas por magistrados
federais que participaram de gestões destinadas à elaboração da Lei nº 10.259/01. A este
respeito, escreveu um deles:
Vejo o juizado especial federal como uma solução diversa da Justi-ça tradicional, feita nos moldes do Código de Processo Civil, ainda apegado ao formalismo, e, sobretudo, uma excelente oportunidade para democratizarmos o processo, tratando as partes paritariamente, sem qualquer privilégio para os entes federais.
E, prosseguindo, o mesmo magistrado diz: “Penso que se não acabarmos
com os privilégios que são reconhecidos aos entes públicos nesse País, esse juizado es-
pecial que se pretende criar será tão emperrado como é a Justiça tradicional [...]”. Em
seguida conclama seus pares: “Vamos utilizar essa ‘cova rasa’ para sepultar esses odiosos
e injustificáveis privilégios com que nosso ordenamento jurídico ainda brinda a União
Federal e suas autarquias e fundações”14.
As esperanças dos magistrados federais diminuíram quando os Juizados
começaram a funcionar, pois a eles a sociedade respondeu com uma invasão de conflitos,
majoritariamente contra agências públicas como o INSS (Instituto Nacional de Previdência
Social) e a Caixa Econômica Federal (CEF), ficando a primazia do lugar de réu com o INSS,
seguido da CEF. Embora os conflitos envolvam ações de particulares contra o Estado, tais
conflitos podem ser tipificados de maneira distinta.
1- Os conflitos com o INSS são caracterizados por ações que reclamam pagamentos
de benefícios sociais, como aposentadoria, pensões de viúvas, companheiras que
passaram por separação conjugal ou mulheres que enviuvaram com a morte de
seus companheiros e requerem pensões para seus filhos menores. São ainda objeto
de ações contra o INSS reclamações contra maus atendimentos na rede hospitalar
14 ALVIM, J. E. Carreira (2002). Juizados Especiais Federais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. XVII -VIII. Os destaques no texto são
do próprio autor.
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mantida pelo governo federal, dificuldade de acesso a consultas médicas, a inter-
nações hospitalares e a medicamentos em estabelecimentos federais. Enfim, são
direitos sociais previstos na Constituição, em grande parte legislados, mas que
não estão diretamente disponíveis para os cidadãos brasileiros, sobretudo para
os integrantes de camadas sociais economicamente desfavorecidas, justamente
as que mais recorrem aos juizados.
Para obter benefícios previdenciários do INSS, há de se lançar mão do direito de ação
civil contra o Estado, pois estes direitos sociais não estão diretamente ao alcance da
população. Basta ver o expressivo número de cidadãos que buscam os Juizados para
ter acesso aos direitos sociais em tela. Como os juizados admitem reclamações por
dano moral, já foram concedidas indenizações por dano moral praticado pelo Estado –
o que, diga-se, é muito raro acontecer – a alguns reclamantes cujo benefício
havia sido requerido há mais de uma década atrás e só liberado recentemente.
Em períodos que ocorrem decisões concedendo correção de remuneração aos
servidores ou relativa ao FGTS, grande quantidade de ações contra a União é en-
caminhada aos juizados federais. Nestes casos, também a concessão da correção
não é produzida de imediato, ensejando a promoção pelo interessado de ação
civil contra o Estado;
2 - conflitos com a CEF são de natureza diferente da dos anteriormente mencio-
nados e referem-se ao mau atendimento recebido pelo cidadão nesta agência
governamental, dos quais resultam prejuízos ao cliente. A CEF é uma empresa de
caráter misto. Desfruta de regime jurídico público quando concede apoio financeiro
a programas sociais do governo e dispõe de regime jurídico privado, como qualquer
instituição financeira particular, quando presta serviços bancários a seus clientes.
Como um dos maiores escoadouros de pagamentos de benefícios previdenciários, a
CEF conta entre seus clientes com grande número de beneficiários da Previdência
Social. Justamente em relação a suas atividades bancárias, ela se torna visada
como uma das principais rés nos juizados federais cíveis. Esses conflitos poderiam
ser vistos como regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, porém os ma-
gistrados federais tenderam a evitar esta caracterização, em vista de o assunto
ser objeto de controvérsia, só recentemente decidida pelo STF, que estabeleceu
serem os serviços bancários objeto de apreciação judicial e amparados pelo Có-
digo de Defesa do Consumidor. A CEF atua como qualquer instituição financeira
privada, e muitas das reclamações judiciais apresentadas contra ela são análogas
às encaminhadas contra bancos privados nos juizados da Justiça Estadual, onde
a tendência de ampará-las pelo Código de Defesa do Consumidor já era maior e
hoje foi estabelecida por decisão do STF.
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A CEF instalou um sistema de atendimento segmentado, considerado pelos seus
gerentes como “moderno” e “avançado” no setor de serviços bancários. O sistema
obedece a critérios quantitativos diferenciados entre os valores de depósito dos
clientes. Estudo realizado nas agências localizadas em bairros da Zona Sul e da
Tijuca revela que, na área investigada, o atendimento para clientes que dispõem
de depósitos até 5 mil reais – justamente onde está grande número de beneficiários
da previdência, incluindo vasta quantidade de “desbancarizados”15 – é de 1 (um)
gerente para 13 mil pessoas16. Assim, nos juizados do Centro do Rio de Janeiro,
são freqüentes as ações relativas à perda de cartões e ao seu uso por terceiros
para movimentações indevidas em contas; desaparecimento de valores depositados
em contas; mudança de pagamento de benefício da agência onde originalmente a
remuneração era recebida para outra agência, sem aviso ao cliente, entre outras
questões, poderiam dispensar o uso da máquina judiciária, caso a CEF oferecesse
atendimento diferenciado mais condizente com as características e com o quan-
titativo expresso na feição dos clientes que estão na base de sua pirâmide de
atendimento segmentado;
3 – um outro tipo de conflito está presente no cenário investigado que, embora não
ocorra na esfera judicial, a afeta de maneira significativa. Relativamente ao acesso
da população a benefícios previdenciários – ou seja, a direitos sociais –, podem ser
identificados o que denominamos de “conflitos intra-estatais” por ocorrerem entre
entidades estatais. Trata-se de conflito oculto para a maioria dos atores presentes
no cenário relativo à administração dos conflitos judiciais estudados, tais como
os que se verificam entre o INSS e a CEF, e que se desdobram entre estas agências
governamentais e o Poder Judiciário. É comum o INSS autorizar o pagamento do
benefício, e a CEF não pagá-lo, alegando haver problemas na identificação do
beneficiário, ensejando assim entrada de ações no Juizado Federal.
O atendimento no INSS é bastante lento e envolve várias idas do interessa-
do a esta agência para acompanhar o requerimento de solicitação do benefício. Se este
requerimento não for atendido, o cidadão dirige sua reivindicação aos juizados. Esposas
legítimas e companheiras costumam enfrentar dificuldades para ter acesso a benefícios
para si e para filhos menores tidos com o falecido. Quando o morto não deixou esclarecida
sua relação conjugal com mulheres e com filhos tidos durante a relação mantida com
elas, a concessão do benefício pode ser negada ou postergada, ensejando ações judiciais
15 “Desbancarizados” são aposentados ou pensionistas que recebem benefícios regulares no caixa das agências, mediante comprovantes
nominais, sem possuírem conta bancária.16 CASTRO, Leopoldo Orsini de. O projeto de segmentação na Caixa Econômica Federal: a percepção do gerente. Dissertação de
Mestrado em Administração de Empresas. PUC-RJ, 2004.
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para recebê-lo. Às vezes, o benefício é autorizado para a primeira mulher a reivindicá-lo
e se torna muito complicado incluir outras pretensas beneficiárias, sendo difícil rever
a concessão primária na esfera administrativa, o que também leva a acionar a justiça
para resolver a questão. Benefícios decorrentes de aposentadoria, quando demoram a
ser liberados, igualmente resultam em ações nos Juizados.
Para os funcionários do INSS, muitas idas do requerente a esta agência pres-
tadora de serviços públicos decorrem de falta de documentação a ser apresentada pelo
pretendente ao benefício, o que constitui motivo decisivo para a agência não concedê-lo.
No entanto, do ponto de vista do requerente, a agência estatal o trata sem consideração,
gerando nele o sentimento de ofensa pelo menosprezo a ele endereçado.
Entrevistas realizadas com funcionários responsáveis pelas ações em que a
CEF é ré nos juizados mostram que, para os funcionários, é necessário cumprir exigências
formais, mesmo que elas venham a retardar o acesso do cidadão a seu direito, apesar de
o benefício lhe ter sido concedido pelo INSS. A principal restrição apontada na liberação
de pagamentos foram dúvidas acerca da documentação relativa à identificação do bene-
ficiário, em vista de seus documentos apresentarem manchas, rasuras e outros sinais que
comprometeriam sua clara legibilidade. No entanto, a mesma documentação é utilizada
para interpor ação nos Juizados. A este respeito, declarou um funcionário:
A Caixa não pode pagar os benefícios, porque tem a obrigação de proteger o patrimônio da União. Dinheiro da Caixa é dinheiro público, do povo e não pode ser liberado de qualquer jeito, nem para qualquer um... Mas, se a Justiça mandar pagar, a Caixa paga...
E, em prosseguimento, afirmou:
A Caixa só não paga quando existe dúvida sobre a identificação do beneficiado [...] Mas, se existe um mandado judicial, a responsabi-lidade pelo pagamento é do Poder Judiciário e não da Caixa. Logo, a Caixa cumpre a ordem judicial e não se responsabiliza pela concessão de benefício sobre o qual teve dúvida. Aí a responsabilidade é da Justiça e a Caixa fica sem responsabilidade pelo pagamento.
Os agentes da CEF e do INSS não admitem haver conflito entre estas agências.
Para eles, a explosão da demanda nos juizados nada tem a ver com o mencionado conflito
intra-estatal, que para eles permanece oculto. Consideram a atuação dessas agências
– por eles admitidas como lentas e precárias – independente da recorrência de ações nos
juizados. Segundo os funcionários entrevistados, o INSS e a CEF são agências que atuam
de maneira independente da dos juizados, entendendo assim que as ações na Justiça são
“normais”. Disse-nos um deles que recorrer à Justiça é “[...] um direito que o pretendente
tem. Tanto assim que as sentenças judiciais são rigorosamente cumpridas”.
p. 120 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
Do ponto de vista do cidadão que não foi beneficiado na esfera da adminis-
tração executiva e que obteve o benefício pela via judicial, os Juizados são representados
como instituições judiciárias de importância especial, pois, sem elas, acham que nunca
receberiam o que lhes era devido pelo Estado. Muitos não distinguem o Juizado Federal
e atribuem o efetivo acesso ao benefício à Justiça em geral. Percebem que os órgãos do
Poder Executivo atuam de maneira oposta ao atendimento de seus interesses, mas não
explicitam a natureza do conflito aqui denominado de intra-estatal. Em suas queixas sobre
o atendimento recebido na esfera administrativa, apontam a lentidão e a dificuldade de
comunicação entre eles e os atendentes destes órgãos, aspecto que revela a dimensão
emocional, porque se sentem ofendidos com o tratamento desconsiderado (OLIVEIRA,
2002) que lhes foi concedido pelo INSS ou pela CEF.
Ao contrário, na Justiça Federal já existe opinião quase unânime, de funcio-
nários a juizes, de que o expressivo volume de processos em que o INSS e a CEF são réus
resulta de má atuação destes órgãos. Segundo um entrevistado, membro da Magistratura
Federal e atuante nos Juizados:
Se o INSS e a Caixa dessem um bom atendimento, diminuiria muito
o volume de processos nos Juizados. Muitas situações poderiam ser
resolvidas no plano administrativo. Por exemplo, a Caixa tem au-
torização para fazer pagamentos de valores retidos até R$ 100,00,
mas não faz isso. Então, existem processos em que os autores fazem
reclamação para receber R$ 50,00 e até R$ 30,00.
Que os Juizados Federais, assim como os Estaduais, contribuíram significa-
tivamente para o acesso à justiça é constatação evidente na pesquisa, do mesmo modo
que o é na opinião pública. Uma notícia veiculada pela imprensa em 200417 informa que
somente nos Juizados Federais da 2ª Região (integrada pelos Estados do Rio de Janeiro e
do Espírito Santo), onde esses microssistemas começaram a atuar em 2002, encontram-se
mais de 200 mil ações em trâmite. Segundo a mesma fonte, 63,8% destas ações são contra
o INSS. A notícia guarda correspondência com os dados qualitativos de nossa pesquisa
nos juizados federais cíveis localizados no prédio da Justiça Federal situado na Avenida
Venezuela, no bairro da Saúde, Rio de Janeiro.
Uma apreciação mais segura das relações entre os Juizados e a sociedade
necessitaria de que alguns elementos fossem desagregados dentro de qualquer levanta-
17 Jornal O Dia, 18.04.2004.
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mento geral, destacando especificações como, por exemplo, o perfil de quem recorre, se
são mais homens ou mulheres, com maior ou menor nível de instrução, a que segmento
social pertencem, que tipos de conflitos sociais são predominantemente apreciados nestas
cortes, entre outras informações relevantes para se obter uma fotografia mais nítida da
relação destes microssistemas com a população.
Os quantitativos disponíveis são provenientes do próprio Judiciário e ficam
comprometidos com a perspectiva interna dos operadores nos tribunais, descartando
registros relevantes sobre os jurisdicionados que demandam por soluções de problemas
que afetam suas vidas cotidianas na sociedade brasileira. Normalmente as estatísticas
disponíveis nos tribunais brasileiros retratam o que chamam de “produtividade dos juí-
zes”, que embora tenham importância internamente para quantificar o exaustivo trabalho
dos magistrados, não permitem maiores reflexões sobre a função social dos tribunais na
sociedade brasileira, nem mesmo podem assegurar uma quantidade de processos em an-
damento em certo período, porque mais de um magistrado pode ter atuação no mesmo
processo. Por outro lado, ações que foram consideradas improcedentes e não se tornam
processos tramitáveis, ou entrarão novamente com pedidos distintos dos que receberam
a apreciação de improcedência, também não são conhecidas e podem encerrar limita-
ções de acesso à justiça18. Deste modo, torna-se praticamente impossível determinar
um quantum de exatidão confiável a respeito dos processos que tramitam nos juizados,
mesmo em período curto. No entanto, as estimativas de que são em grande quantidade
parecem não contradizer a realidade, ainda meio ofuscada a este respeito.
Da natureza dos conflitos que ocorrem na sociedade, pouco se sabe com
precisão, mas é possível considerá-los razoavelmente tipificados pela recorrência das ações
endereçadas aos tribunais, conforme assinalam nossos dados de campo. Recentemente
o Conselho da Justiça Federal criou uma tabela, conhecida como TUA (Tabela Única de
Assuntos) em que é possível identificar ações previdenciárias, revisões do FGTS, ações
de dano material e de dano moral, direitos de servidores públicos. A tabela reproduz a
ratio advinda da legislação e não permite identificar a natureza do conflito de interesses
entre os particulares e o Estado. Por exemplo, ações previdenciárias envolvem distintas
reivindicações dos cidadãos e não seria possível orientar nenhuma política no sentido de
implementar intervenções que diminuíssem a lesão de direitos que incentivam as ações
previdenciárias contra o Estado, porque a TUA estabelece uma miríade de situações sem
distinguir os conflitos agrupados sob um item, o que impede a identificação da natureza
do conflito para o qual se poderia atentar. Do mesmo modo, prossegue o desconhecimento
18 Entrevista concedida pelo magistrado coordenador dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região (São Paulo e Mato Grosso do Sul)
assinala que 60% das ações são julgadas improcedentes. Revista Consultor Jurídico, 26.02.2006. Disponível em: www.conjur.com.br.
p. 122 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
sobre o tipo de cidadão que mais recorre e o porquê de ele recorrer. Os jurisdicionados
tornam-se assim uma ficção abstrata, quando poderiam ser identificados com precisão.
Tais informações seriam relevantes, não apenas para a pesquisa acadêmica, mas para
reflexões internas nos próprios tribunais, além de abrirem caminhos seguros para a
identificação de aspectos dissonantes, contraditórios e disfuncionais no Direito e nas
organizações judiciárias brasileiras, que, se visualizados com clareza, poderiam receber
as necessárias correções, contribuindo para que a relevante função social dos tribunais
ganhasse maior reconhecimento na sociedade19.
A corrida da população aos Juizados Federais, a partir de 2002, quando
estas pequenas cortes entraram em funcionamento, foi investigada, e é possível admitir
que ela esteja relacionada aos seguintes fatores:
a) a tradicional demanda reprimida por direitos no Brasil, sobretudo para as camadas
menos favorecidas, que, sem condições econômicas de recorrer aos tribunais
comuns, encaminharam-se para os juizados especiais, onde a prestação jurisdicional
é gratuita e as promessas de rapidez e simplicidade no atendimento, em muitos
casos, sem necessidade de advogado, representam atrativos para aqueles que não
dispunham (e, ainda hoje, não dispõem) de amparo judicial. Particularmente na
Justiça Federal, onde a repressão da demanda vinha ocorrendo de longa data, e a
opinião pública lhe atribuíra predicados de lentidão e de uma certa “mentalidade
fazendária”, mais comprometida com os interesses da União do que com os dos
cidadãos jurisdicionados20, os Juizados se ofereceram como importantes organismos
atuantes na ruptura com aspectos irremovíveis da tradição judicial, alguns deles
ainda presentes na atualidade;
b) o mau atendimento atribuído à CEF e ao INSS, enquanto órgãos administrativos
do Poder Executivo, é também revelador da ausência de socialização dos servidores
quanto aos direitos com que estão ungidos os requerentes de concessão e de paga-
mento dos benefícios a que fazem jus. Apesar de, costumeiramente, ser atribuída
aos requerentes uma “certa ignorância” acerca de seus direitos, não deixam eles de
saber como recorrer à justiça para fazê-los valer, conforme demonstra a explosão
da demanda nos juizados federais. A respeito do atendimento geralmente prestado
por órgãos estatais, um conhecido antropólogo brasileiro, com vasta experiência de
vida no exterior, assim escreveu:
19 Segundo a pesquisadora Dra. Maria Tereza Sadeck, professora da USP, “faltam estatísticas confiáveis e minimamente padronizadas
sobre a Justiça [...] O Judiciário brasileiro não tem a cultura da importância da informação [...]. Por causa dessa falta de estatísticas
fica difícil diagnosticar o problema [...]”. Revista Consultor Jurídico, 08.01.2006. Disponível em: www.conjur.com.br.20 Esta mentalidade hoje sofre críticas internas, como a expressa pelo Coordenador dos Juizados Federais da 3ª Região: “O governo,
em vez de pagar a dívida [...] prefere deixar rolar o processo [...], mesmo sabendo que terá que pagar”. Revista Consultor Jurídico,
26.02.2006. Disponível em: www.conjur.com.br.
p. 123 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
No Brasil, existem regras para atender e para pedir. Quem concede o ‘dom’ é superior e como tal age com vagarosa tolerância e franca condescendência. Nas filas continuamos realizando o ideal escravo-crata, segundo o qual o Amo anda grave, compassado e lentamente (pedindo autoritariamente paciência), ao passo que o Escravo ‘corre’ e espera. A espera é o sintoma de inferioridade social. Fazer-se esperar é uma prerrogativa da importância. O ‘chá de cadeira’ é a fila do notável. Chegar atrasado é o apanágio do poderoso, aquele cuja presença é estrutural para qualquer começo. Imobilizando cidadãos definidos como móveis e livres – e eventual-mente os matando de direitos que não são atendidos – a fila é, cer-tamente, um dos maiores insultos contra a cidadania moderna.21
A ausência de uma adequada socialização de servidores sobre os direitos
assegurados igualmente a todos os cidadãos “naturaliza” e também contribui para a
demora no atendimento, sendo ela objeto de uma série de justificativas que vão desde o
mau aparelhamento da agência estatal até seus salários baixos. Tal justificativa, bastante
comum entre funcionários do INSS, retorna para uma zona cinzenta e particularmente
específica de conflitos intra-estatais envolvidos em um círculo vicioso – ou melhor, em
uma causação circular cumulativa –, pois o Estado, por não atender a direitos legislados
para a proteção de seus cidadãos na esfera administrativa, leva-os a recorrer ao próprio
Estado (no caso, ao Poder Judiciário) para reclamar pelos seus direitos não atendidos.
Forma-se então o espantoso volume de processos judiciais, que, talvez, nenhuma Justiça
deste mundo possa dar conta de atender. Vislumbra-se, assim, uma espantosa fábrica
de processos dentro do Estado, ramificada em seus poderes, pois tanto a fragilidade das
garantias cidadãs, como as leis processuais brasileiras parecem se manter dispostas a
alimentar a referida produção fabril. E da vasta produção de processos que dela resulta
não poderiam os juizados federais dar conta, uma vez que eles próprios também acabam
tornando-se depositários desta mesma produção fabril. A expressiva demanda por direitos
sociais, especialmente os direitos previdenciários, configurada no volume de processos que
estes juizados absorvem, acabam por romper com sua proposta de agilidade processual.
Para não perdê-la, os JEFs passaram a informatizar não apenas a informação sobre os
processos, mas os próprios processos, no que dispensam as conciliações e, sobretudo, des-
cartam o princípio da oralidade atribuído constitucionalmente aos Juizados do Brasil.
21 DA MATTA, Roberto. Filas: óbvio ululante e patrimônio nacional. Jornal O Globo, 18.05.2005.
p. 124 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
4. A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS BRASILEIROS EM PERSPECTIVA
COMPARADA
Os juizados brasileiros acham-se discriminados em quatro modalidades nas
Leis nº 9.099/95 e 10.259/01. Os primeiros destinam-se à Justiça dos Estados da Federação
e subdividem-se em cíveis e criminais, e os Juizados Federais que integram as regiões da
Justiça Federal estão igualmente subdivididos em cíveis e criminais.
Embora imaginados a partir do modelo das Small Claims Courts (Carneiro,
1982), adotadas na Justiça dos EUA desde 1931, os juizados brasileiros ganharam feição
própria, de modo a se ajustarem melhor ao ordenamento jurídico brasileiro. E pode-se
dizer que suas principais diferenças residem nas características próprias dos sistemas
judiciais norte-americano e brasileiro. Destas diferenças resultam também distintas mo-
dalidades de prestação jurisdicional concedidas aos cidadãos pela Justiça dos dois países,
sobretudo por causa de distinções básicas entre as concepções processuais vigentes em
seus respectivos ordenamentos jurídicos. Outras diferenças como, por exemplo, a não-
existência de pequena corte criminal, nem a apreciação de dano moral nas Small Claims
Courts dos EUA, oferecem distinções apreciáveis entre elas o os juizados brasileiros. En-
tretanto, embora a mediação não seja obrigatória nos EUA, as partes costumam aceitá-la
livremente. Já no Brasil, a conciliação encerra fase estabelecida nas leis dos Juizados,
sendo, portanto, indispensável que as partes a ela se submetam.
Tomando-se, por exemplo, a conciliação e a oralidade como critérios com-
parativos entre os próprios juizados brasileiros, pode-se constatar que, nos juizados crimi-
nais dos Estados e nos cíveis federais, a conciliação fica inviabilizada. Os procedimentos
processuais adotados na justiça criminal brasileira são tutelados pelo Estado, e a natureza
majoritária dos conflitos apreciados nos juizados criminais estaduais envolve, como já foi
dito, relações entre pessoas próximas, o que dificulta conceder-lhes trato impessoal e
padronizado para as demais situações que tratam de conflitos de natureza distinta da dos
que se apresentam nestes juizados. Portanto, torna-se mais fácil obter acordo entre partes
desconhecidas – como acontece nas relações de consumo apreciadas nos juizados cíveis
estaduais – do que entre partes que mantém relações próximas. Entretanto, nos juizados
criminais estaduais, ocorre a oralidade nas Audiências de Conciliação, que geralmente são
conduzidas por conciliador. Porém, nestes juizados criminais a transação penal é imposta.
Além de não ser realizada entre as partes, ela resulta da conciliação realizada entre o
acusado (autor do fato) e o Ministério Público, sendo a vítima excluída desta transação.
Se o autor do fato não aceita a transação, o processo irá para a Audiência de Instrução e
Julgamento, onde uma pena alternativa ser-lhe-á aplicada pelo juiz e, novamente, não
p. 125 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
sendo aceita ou descumprida pelo réu, este poderá ser processado, condenado e preso.
A rigidez da legislação penal brasileira não poderia absorver a transação, muito menos
entre as partes, embora concepções penalizantes e despenalizantes se contradigam acerca
da transação penal introduzida pela Lei nº 9.099/95.
A respeito da transação penal, existem duas posições doutrinárias principais
que podem figurar na prestação jurisdicional concedida pelo juiz do JECrim. Uma delas
considera que a transação penal, por ter sido acordada, é restritiva de direitos e não tem
caráter condenatório ou absolutório. A outra considera que a pena restritiva de direitos
vigente no JECrim tem natureza penal e, se descumprida, o juiz poderá aplicar a pena
restritiva de liberdade. Tem-se, então, duas posições contraditórias a respeito da transação
penal estabelecida na Lei nº 9.099/95. Deste modo, autores de delitos previstos nesta
lei e que recebem sentenças de privação de liberdade podem recorrer para as Turmas
Recursais, e o julgamento de seus recursos permite observar a presença contraditória
da jurisprudência que abriga ora uma, ora outra posição doutrinária (FERNANDEZ, 2003,
p. 140-150). Da fase recursal, estão excluídas a conciliação e a oralidade para as partes,
sendo a última permitida ao advogado do réu.
Já nos juizados cíveis federais da mesma região, é muito rara a presença do
conciliador. A conciliação fica praticamente abolida, sendo todo o procedimento judicial
conduzido pelo magistrado. A oralidade é extremamente restrita, exceto para as partes
responderem às indagações ou atenderem aos esclarecimentos solicitados pelo juiz. Apesar
de a Lei nº 10.259/01 abrigar a fase da conciliação, a indisponibilidade dos direitos e do
patrimônio da União para os particulares é observada rigorosamente, o que inviabiliza a
conciliação. Nas Audiências de Conciliação que foram acompanhadas durante a pesquisa
o juiz sempre pergunta às partes se há acordo. O representante da parte ré – procurador
ou advogado do INSS ou da CEF – responde negativamente em todos os casos observados.
O magistrado passa então para a Audiência de Instrução e Julgamento e indaga se a parte
autora aceita ser acompanhada de um advogado, quando esta não contratou nenhum.
Note-se que presença do advogado das partes é dispensada em casos que envolvem valores
menores que os fixados na Lei nº 10.259/01. A parte autora muitas vezes hesita em aceitar
a oferta, mas acaba concordando, mais em atenção ao juiz do que por estar convencida
da necessidade de ter um advogado. Para atender a esta oferta, os advogados dativos
circulam nos corredores ou nas próprias dependências do Juizado.
Durante entrevistas realizadas com representantes do INSS e da CEF – seus
advogados ou procuradores – nas ações em trâmite nos Juizados Federais, estes opera-
dores disseram que não podiam conciliar ou fazer acordos porque são responsáveis pelo
patrimônio da ré e que estavam ali para protegê-lo, porque ele é público e inegociável
com particulares. Assim, eles comparecem às audiências para resguardar o patrimônio
p. 126 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
da União, indisponível para acordos com particulares, não podendo este patrimônio ser
tocado, sem que haja decisão judicial que o permita. A situação deixa o juiz federal como
responsável maior pelo bem público, o que explicaria a oferta que faz à parte autora
quanto à presença de advogado dativo para acompanhá-la, pois ela é vista como a parte
mais fraca nas conciliações e, sobretudo, na fase de julgamento.
O trabalho de campo mostra que os jurisdicionados não conseguem esta-
belecer comunicação com a linguagem presente nos processos que lhes dizem respeito.
Alguns juízes pacientemente lhes explicam a situação em termos acessíveis ao senso
comum, ao passo que outros desconhecem a dificuldade. Em um caso observado, a autora
não aceitou o advogado dativo e a juíza deu andamento à audiência de julgamento. Após
expor o caso em tela, perguntou se a autora havia entendido, e esta respondeu que não.
A juíza entregou-lhe o processo para que fosse lido, mas a autora não conseguia entendê-
lo, pois lia com grande dificuldade. O marido dela, presente à audiência, foi em socorro
da esposa, mas acabou sendo severamente repreendido pela juíza, sob a alegação de que
somente a autora era parte do processo. A falta de comunicação entre a linguagem dos
operadores e a linguagem dos jurisdicionados que recorrem aos Juizados Federais Cíveis
oferece considerável obstáculo à presença da oralidade nas audiências. Nos juizados
federais cíveis, não há lugar prescrito para a comunicação das partes entre si nem, em
muitos casos, entre estas e o magistrado.
Temos assim que, por distintas circunstâncias, a conciliação e a oralidade
ficam limitadas nos juizados criminais estaduais e nos juizados cíveis da Justiça Federal.
Nos primeiros, porque os conflitos de relações domésticas dificultam a conciliação e
porque a transação e a pena descartam a presença da vítima. Nos segundos, porque a
parte autora fica em posição assimétrica em relação à parte ré, esta detentora do direito
que está sendo reivindicado.
Nos juizados federais criminais, as audiências são raras e poucas ações lhes
são encaminhadas, comparadas com a elevada quantidade de reclamações nos juizados
federais cíveis. Estes juizados criminais são chamados de “juizados adjuntos” por estarem
instalados em dependências das varas federais criminais, e as audiências que realizam
são bastante escassas. As ações neles predominantes envolvem conflitos entre funcioná-
rios públicos e particulares. Configuram conflitos distintos dos encontrados nos juizados
federais cíveis porque não são conflitos diretos contra a União e, sim, tipicamente ações
de particulares contra funcionários que a representam ou ações de funcionários contra
particulares (ações de abuso de autoridade ou de desrespeito à autoridade). Nestes ca-
sos, os funcionários respondem pessoalmente em juízo, seja quando acusados ou quando
autores. As circunstâncias em que se encontram os atores nestas ações seriam favoráveis
à conciliação, entretanto ela raramente acontece.
p. 127 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
Não apenas as dificuldades da conciliação nos juizados cíveis federais
resultam da primazia que a União desfruta na prestação jurisdicional. Sempre que a
Justiça Federal viu-se diante de explosão da demanda, restringiu a conciliação, passando
a admitir que ações que se referiam a direito líquido e certo dispensariam a conciliação,
por tratarem de direito incontroverso. Depois, suprimiu as conciliações nos juizados de
São João de Meriti (município da Baixada Fluminense) e de Niterói (município do Estado
do Rio de Janeiro). Instalou juizados virtuais em São Gonçalo (município próximo a Niterói
e ao Rio de Janeiro), o que também estaria ferindo o princípio da oralidade, sem falar no
descumprimento legal da obrigatoriedade de conciliação, prevista na Lei nº 10.259/01.
Comparativamente, os juizados cíveis estaduais são os que ainda exibem
condições relativamente mais favoráveis para abrigar a conciliação e a oralidade. Seja
por lidarem com conflitos majoritariamente decorrentes de relações de consumo, em
que a relação entre as partes é impessoal, seja por não haver direitos indisponíveis para
nenhuma das partes, estando estas em condições mais favoráveis para negociar os legí-
timos interesses que reclamam do que no juizado cível da Justiça Federal.
Os juizados cíveis estaduais investigados contam com conciliadores que se
esforçam por obter acordo entre as partes. Porém, a presença do dano moral interpõe situação
que, muitas vezes, complica a negociação. Se, por um lado, o dano moral pode oferecer a
oportunidade para que a ofensa a sentimentos seja reparada, por outro alimenta a parte
autora a enfatizar a ofensa recebida, a pleitear a desconsideração com que foi tratada pela
parte ré – sobretudo quando a parte autora é assistida por advogado – de modo a alcançar
maior valor a receber na reclamação de que se considera vítima. A prestação jurisdicional
nos juizados cíveis estaduais fica marcada pelo sentimento de desconsideração, e o dano
material acaba separando-se do dano moral, como se este não fizesse parte daquele.
Neste sentido, duas dimensões passam implicitamente a ser vistas no mesmo fato. Disso
resulta que o dano moral tende a ser desprezado, sendo-lhe atribuído valor muito baixo
nos juizados cíveis, o que acaba por desqualificá-lo e por banalizar o respeito que deveria
ser preservado nos contratos presentes nas relações de consumo, nas quais trocas de bens
e serviços estão sendo realizadas.
Críticas de que o dano moral transformou-se em uma “indústria” nos juizados
cíveis estaduais (e também na Justiça Civil Comum) têm sido bastante enfatizadas, em-
bora com intenções diversas do ponto de vista apresentado neste trabalho, que se refere
apenas aos juizados cíveis estaduais e também aos cíveis federais. Tais críticas, geralmente
endereçadas aos jurisdicionados, acabam também por atacar a imprecisão com que o dano
moral está definido no ordenamento brasileiro ou, de outro modo, acabam por denunciar a
desigualdade com que sua administração é concedida nas decisões judiciais.
p. 128 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
Os conciliadores geralmente opinam na fase de mediação preliminar entre
as partes e muitas vezes induzem a parte a aceitar a proposta que lhes parece mais justa,
no que nem sempre são bem sucedidos. Quando as partes não aceitam acordo mútuo,
vão para a Audiência de Instrução e Julgamento. Nesta etapa da prestação jurisdicional
– antes de ser marcada a respectiva audiência –, é permitido que os advogados (quando
os há) apresentem arrazoado escrito ao juiz, em favor da parte que representam. Aberta
a Audiência de Instrução e Julgamento, o juiz retoma os termos do desacordo, levando
as partes ou seus representantes a exporem suas razões não-conciliáveis. No intuito de
ainda buscar conciliação, ele passa a opinar sobre o conflito, posicionando-se de acordo
com o ordenamento comum, o que leva alguma das partes a aceitar acordo. Entretanto,
esta aceitação mais decorre de estar o juiz manifestando uma possível tendência para
julgar o conflito do que por estar a parte convencida daquilo que aceita.
Partes entrevistadas após as audiências manifestam-se diferentemente
sobre os acordos que aceitaram e sobre as decisões que lhes foram endereçadas. Umas
consideram-se bem atendidas, apesar de terem aberto mão de direitos (danos morais, em
geral), pelo fato de o juiz as terem ouvido, avaliando esta atenção como mais importante
do que a concessão do valor monetário requerido na ação, que, quase sempre, alcança
o teto máximo permitido para indenizações morais nos juizados. Outras já reclamam do
atendimento recebido e expressam desagrado, declarando não compreenderem porque
a decisão contrariou seus interesses, por elas considerados dignos de apreciação.
Caso haja acordo, o juiz poderá proferir a sentença de imediato. Em caso
contrário, a sentença será expedida posteriormente e disponibilizada para as partes.
Entretanto, independentemente do conhecimento oficial da sentença, as partes já parecem
intuir se seus interesses foram acolhidos ou não na sentença. Em um dos casos acompa-
nhados, a juíza insistia que o autor não detinha direito a dano moral porque, chamado
pela CEF, havia aceito acordo extra-judicial e resolvido a feição material da questão,
que se referia ao desaparecimento de dinheiro em sua conta, destinado a compra de
um carro usado, negociação esta que havia sido acertada com o vendedor. E, no ato de
realizar o devido pagamento pelo veículo, o autor não dispunha do valor que estava depo-
sitado em sua conta na CEF. Saiu indignado da audiência, proclamando que havia passado
vergonha por não ter o dinheiro para pagar pela compra acertada com o vendedor.
Porém, posteriormente, foi verificado que a sentença judicial lhe havia concedido a
quantia de R$ 500,00 pelo dano moral, a ser paga pela CEF, a ré.
p. 129 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
Mesmo nos juizados cíveis estaduais, onde a conciliação entre as partes
não é suprimida, não há regra explícita para a oralidade, embora as partes tenham opor-
tunidade para se manifestarem oralmente, sobretudo na fase de conciliação preliminar.
Uma tendência na adoção do procedimento usual na Justiça Civil Comum vem sendo
seguida, ou seja, as partes se manifestam quando o juiz permite, e o mesmo acontece
com seus advogados. As partes não se comunicam entre si sem um interlocutor, seja ele o
conciliador ou o magistrado. Deste modo, os juizados chamados de “especiais” tendem a
adotar procedimentos da Justiça Comum, o que aponta para a presença da força advinda
da tradição jurídica brasileira, mais notável na Justiça Comum do que nos Juizados, cujos
procedimentos para eles prescritos, em muitos aspectos, rompem com a tradição.
A conciliação destacada na comparação entre as quatro modalidades de
juizados brasileiros decorre do fato de estar ela presente, sobretudo na fase preliminar
ao julgamento, e também porque seria ela uma espécie de lugar indispensável para a
oralidade e para a comunicação entre jurisdicionados, e entre estes e os operadores
jurídicos dos juizados. Além disso, a conciliação – e a oralidade como seu complemento
– ofereceria momento privilegiado para que os jurisdicionados fossem socializados no
Direito de seu país, em situação que seus supostos legítimos interesses estariam sob
apreciação judicial. Nesta visão, os Juizados estariam não apenas concedendo maior
acesso à justiça e ao direito, mas realizando uma importante política pública estatal que
contribuiria para a internalização de normas jurídicas nos cidadãos que a eles recorrem
para solucionar os conflitos que experimentam na sociedade.
De mobilizadores da democratização judicial e de instituições capazes de
romper com concepções tradicionalmente arraigadas no Direito e na Justiça brasileiros, os
Juizados Especiais vão se tornando mais caracterizados pelos parâmetros delimitadores de
práticas judiciais tradicionais, minimizando ou suprimindo os procedimentos mais flexíveis
que lhes foram atribuídos pela legislação que os criou e que permanece vigente. Imaginados
como microssistemas capazes de provocar rupturas com o passado e de mitigar traços
anti-republicanos e antidemocráticos que ainda se insinuam no presente, estão os juizados
brasileiros adotando padrões já ultrapassados na contemporaneidade e conciliando-se
com a tradição.
Que os magistrados que tanto atuaram para a inclusão destes microssistemas
no ordenamento jurídico nacional reencontrem as esperanças com que saudaram o seu
advento. Ainda estamos atravessando a era dos direitos22, um período que se enriqueceu
com grandes avanços para a humanidade e que, longe de retroagir, inexoravelmente terá
de prosseguir.
22 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
p. 130 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 107-131, 2006.
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p. 133 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA ANTERIOR À CITAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
Rafael da Silva Rocha
Técnico Judiciário da 2ª Vara Federal1
1. Introdução 2. Aspectos constitucionais 3. A sentença de improcedência como
hipótese de indeferimento da inicial 4. Questões relativas à ausência de citação do
réu 5. A formação de coisa julgada material a partir da sentença de mérito anterior
à citação 6. Conclusão 7. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
Sendo o objeto da ação questão meramente de direito e manifes-tamente improcedente – conforme entendimento pacificado na jurisprudência dos tribunais superiores, súmulas da Turma de Unifor-mização ou enunciados das Turmas Recursais – e, ainda, evidenciada ausência de qualquer prejuízo à defesa, pode o juiz da causa de plano, julgar improcedente o pedido.
Este foi o entendimento firmado no 2º Encontro de Magistrados dos Juizados
Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Não poderia haver melhor síntese
para o objeto do presente estudo, que se ocupará da análise das implicações funcionais e,
sobretudo, técnicas, da aplicação do enunciado acima transcrito aos processos judiciais
em trâmite nos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Os Juizados Especiais Federais foram criados pela Lei nº 10.259/20012,
editada com arrimo no artigo 98, inciso I, parágrafo 1º 3 da Constituição da República,
incluído pela EC nº 22/99. No âmbito cível, os JEFs têm competência para processar e
julgar as causas de competência da Justiça Federal, desde que o valor atribuído não seja
superior a 60 salários mínimos4. Há de se observar, todavia, o elenco de exceções expresso
no art. 3º, § 1º, da lei em comento.
1 Acadêmico de Direito – 7º Período do Curso de Graduação em Direito da UERJ; Bolsista de Iniciação Científica pelo CNPQ.2 “Art. 1º. São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com
esta Lei, o disposto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.3 “Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”.4 V. art. 3º da Lei nº 10.259/2001.
p. 134 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Com a criação dos Juizados, objetivou-se ampliar o acesso à Justiça às
camadas mais humildes da população5, sem haver condenação em custas e honorários
advocatícios em primeira instância6, prevendo-se ainda que as partes são dotadas de
capacidade postulatória7. Por outro lado, pretendeu-se também viabilizar a solução mais
célere dos conflitos de menor complexidade, e se desafogaram, com isso, as demais
Varas Federais.
No entanto, com a eclosão das chamadas “ações de massa”, os Juizados
Especiais Federais viram-se, subitamente, abarrotados de processos versando sobre as
mesmas matérias, quase sempre, exclusivamente de direito. No caso dos juizados cíveis,
as demandas mais comuns têm por objeto o pagamento das perdas impostas por expurgos
inflacionários decorrentes de planos econômicos pretéritos às contas de PIS/PASEP e de
FGTS, além daquelas em que servidores públicos civis e militares pleiteiam reajustes que
não lhes foram concedidos, no todo ou em parte, tais como os referentes aos seguintes ín-
dices: 3,17%, 28,86%, 10,87%, 11,98%, 35,28%, apenas para citar os mais encontrados.
Nesse sentido, é impossível desprezar a influência dos meios de comunicação
de massa, seja para alertar as pessoas sobre direitos legítimos que só podem ser exercidos
através da propositura de ações judiciais, seja para induzi-las a ajuizar demandas sem
qualquer chance de êxito, já que são contrárias aos entendimentos consolidados dos
Tribunais Superiores, da Turma de Uniformização e das Turmas Recursais.
Dessa forma, servidores e magistrados dos Juizados Especiais Federais viram-
se compelidos a levar ao extremo a flexibilidade do rito criado pela Lei nº 10.259/2001,
sob pena de não-atendimento à crescente demanda da população por um provimento
jurisdicional favorável.
Soluções criativas não faltaram. À guisa de exemplo, citamos os Juizados
Especiais Federais da Bahia, que promoveram a realização de audiências públicas para a
apreciação de pretensões idênticas.
Não nos parece passível de controvérsia a afirmação de que todos esses
mecanismos empregados, incluindo-se o tema do presente trabalho, estão em plena
conformidade com os princípios que regem os Juizados Especiais Federais. O que de fato
gera polêmica é a inserção dessas práticas à sistemática do Processo Civil pátrio, o que
discutiremos ao longo deste artigo.
5 Sobre o tema, ver dissertação de mestrado de Guilherme Bollorini Pereira: “O Acesso à Justiça e os Juizados Especiais Federais Cíveis”.6 V. arts. 54 e 55 da Lei nº 9.099/95.7 V. art. 10 da Lei nº 10.259/2001.
p. 135 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Os princípios em questão são aqueles previstos no artigo 2º da Lei
nº 9.099/95, subsidiariamente aplicável aos Juizados Especiais Federais por força do
disposto no artigo 1º da Lei nº 10.259/2001. São eles: oralidade, simplicidade, infor-
malidade, economia processual e celeridade. Vejamos o que diz sobre cada um deles
Guilherme Bollorini Pereira8:Oralidade – traduz-se na predominância da palavra oral sobre a escrita, visando a agilizar a prestação jurisdicional.[...]Simplicidade – esse princípio visa, acima de tudo, a estimular os juizados especiais a funcionarem sem ostentação ou pompa, [...] facilitando a produção da prova oral. Busca-se, enfim, que aquele que procura os juizados especiais possa compreender todo o desen-rolar de seu processo.[...]Informalidade – [...] Os atos processuais [...] devem ser praticados sem apego às formas ou ritos que comprometam as finalidades dos juizados especiais.[...] não havendo prejuízo para as partes, mesmo que o ato processual careça de algum requisito legal, se cumpriu sua finalidade, é válido. [...]Celeridade – Por serem os juizados especiais órgãos jurisdicionais competentes para julgar, essencialmente, pequenas causas, deve-se esperar deles rapidez e praticidade, além de segurança no proces-samento do feito, até a sentença, o que não significa que o procedi-mento fique engessado às formas previstas na Lei 9.099/95.[...]Economia Processual – é o princípio motriz dos juizados especiais, tanto dos federais como dos estaduais. O processo deve buscar, no menor espaço de tempo possível, satisfazer as partes com a prestação jurisdicional rápida e segura, sem delongas. (Grifos nossos).
Observa-se, portanto, que a prolação de sentença de improcedência anterior
à citação, presentes os requisitos citados no enunciado exposto no início deste estudo,
é procedimento que emerge como consectário lógico dos imperativos de celeridade e
efetividade que estão ínsitos nos princípios estudados.
Embora a discussão acerca dos aspectos técnicos da referida medida seja
altamente relevante no contexto que se pretende analisar, uma vez que o rito previsto
na Lei nº 10.259/2001 deve observar as normas processuais constitucionais e infra-cons-
titucionais, a tendência é que a doutrina venha a admiti-la, com a entrada em vigor do
8 Op. cit. p. 51-54.
p. 136 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
art. 285-A do CPC, acrescido pela Lei nº 11.277/2006, in verbis: “Art. 285-A. Quando a
matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sen-
tença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação
e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.” 9
Antes, todavia, deverá ser enfrentada em sede doutrinária e jurisprudencial
a questão da constitucionalidade do novo dispositivo do Código de Processo Civil, tema que
não pode ser aprofundado no presente estudo, sob pena de se relegar as peculiaridades
dos Juizados Especiais Federais a segundo plano.
2. ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
Sem embargo das inúmeras definições acerca do direito de ação, muitas
das quais já superadas, transcrevemos a precisa conceituação de Mauro Luís Rocha Lopes,
que sintetiza o pensamento da doutrina brasileira contemporânea: “Ação é o direito
público subjetivo à obtenção de um provimento jurisdicional estatal sobre um conflito
de interesses, obviando os reflexos negativos que os litígios geram à sociedade.”
Prossegue o autor, afirmando a natureza constitucional do direito em exame, as-
sociando-o ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CRFB):
“O direito de ação é garantido pela Constituição Federal, quando proclama o livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV) e é também autônomo (abstrato), ou seja, não está vinculado ao direito material que visa a proteger. Por isso, o titular do direito de ação nem sempre sairá vitorioso, no mérito, ao final da contenda.” 10
Posto nesses termos, há de se reconhecer que não representa violação ao
direito de ação do jurisdicionado a prolação de sentença de mérito antes da citação.
Não que se pretenda interpretar restritivamente o conteúdo do direito
em tela. Na verdade, é estranha à noção de inafastabilidade da tutela jurisdicional a
necessidade de que venha o réu a ser citado para oferecer resposta ao alegado na inicial,
sobretudo nos casos em que se tratar de matéria exclusivamente de direito. Ou seja, não
haveria um “direito à citação” como decorrência necessária do direito de ação.
9 Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, ao comentarem o novo artigo, destacam a necessidade de que a matéria discutida
seja exclusivamente de direito: “Obviamente que isto somente é possível quando a matéria controvertida for unicamente de direito.
Isto porque, envolvendo questão de fato, as particularidades do caso concreto poderão importar soluções diferentes, de modo que a
conclusão lançada em um processo pode não servir para outro” (Manual do Processo de Conhecimento, p. 113).10 Processo Judicial Tributário: Execução Fiscal e Ações Tributárias, p. 258. No mesmo sentido, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada
Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco: “Sendo um direito (ou poder) de natureza pública, que tem por conteúdo o exer-
cício da jurisdição (existindo, portanto, antes do processo), a ação tem inegável natureza constitucional [...] Trata-se de direito ao
provimento jurisdicional, qualquer que seja a natureza deste – favorável ou desfavorável, justo ou injusto –e, portanto, direito de
natureza abstrata” (Teoria Geral do Processo, p. 255-256).
p. 137 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Note-se que, uma vez prolatada a sentença de mérito, estará satisfeito
o direito subjetivo público do autor, oponível ao Estado-juiz, o qual, por intermédio do
provimento jurisdicional, cumpre seu dever jurídico, pronunciando-se sobre o conflito
de interesses submetido à sua apreciação.
Presentes as condições da ação e cumpridos os pressupostos processuais,
faz jus o autor, independentemente de haver ou não contestação do réu, a uma sentença
de mérito que não necessariamente lhe será favorável, sendo este o cerne da questão.11
Em outras palavras, o fato de à inicial seguir-se uma sentença de improcedência não
autoriza a afirmação de que se estaria negando ao autor a prestação jurisdicional.
Sublinhe-se ainda que a sentença de mérito prolatada pelo magistrado no
Juizado Especial Federal poderá não pôr fim ao processo, bastando apenas, por exemplo,
que haja interposição de recurso inominado em face da decisão. Neste caso, haverá um novo
pronunciamento judicial, sendo a questão submetida à apreciação da Turma Recursal.
Demonstrou-se, portanto, não haver prejuízo ao direito de ação do
jurisdicionado em decorrência da não-citação do réu no contexto em análise, podendo
a citação ocorrer posteriormente à sentença, para que venha a ser oferecida resposta
ao recurso interposto.12
No esteio do raciocínio desenvolvido, não se pode deixar de falar no
princípio do contraditório13, corolário da noção de devido processo legal14, ao lado do
princípio da ampla defesa.
Seguindo o conceito clássico formulado por Joaquim Canuto Mendes de
Almeida, o contraditório seria a ciência bilateral dos atos e termos do processo, aliada
à possibilidade de contrariá-los.15
Evidentemente, o réu não citado não exerce o direito ao contraditório,
uma vez que, a rigor, sequer tem conhecimento de que está sendo demandado em ação
judicial. No nosso caso específico, não é difícil acreditar que entidades que figuram no
pólo passivo de milhares de processos, como a União e a Caixa Econômica Federal, jamais
tomarão conhecimento de demandas em que, por qualquer motivo, não foram citadas.
Para elas, nada há de extraordinário no fato de constar como ré em um processo judicial.
Diferentemente de um cidadão comum, que ficará ao menos curioso para saber o motivo
pelo qual está sendo processado, mesmo antes da citação, caso descubra de alguma
forma que está sendo demandado.
11 No mesmo sentido, Nelson Nery Junior: “podemos verificar que o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um
direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da
ação” (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, p. 91). 12 A necessidade de citação do réu para contra-razoar o recurso interposto será analisada adiante.13 Art. 5º, LV, CRFB.14 Art. 5º, LIV, CRFB.15 Princípios Fundamentais do Processo Penal, p. 82.
p. 138 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
A constatação da inexistência de contraditório assume relevo na medida
em que, para alguns, não existe processo sem contraditório.16
Sem entrar no mérito da consideração, mas sem deixar de reconhecer o
papel fundamental que exerce o contraditório no Estado Democrático de Direito, buscamos
sua utilidade prática para a parte que poderia exercê-lo. Julgado totalmente improcedente
o pedido no JEF, verifica-se desde logo que não haveria interesse por parte do réu em
dispor das prerrogativas que o princípio lhe assegura. Mesmo porque, mais do que a mera
defesa, o objetivo principal da garantia é o poder de influenciar a decisão do magistrado,
alegando o que julgar conveniente e requerendo as provas necessárias17 (o que descabe
no contexto do nosso estudo, pois, como vimos, a sentença de improcedência anterior à
citação nos Juizados Especiais Federais só será prolatada em processos que tenham por
objeto matéria exclusivamente de direito).
Portanto, se a decisão que se pretenderia influenciar é prolatada exatamen-
te da maneira que deseja o réu (lembrando que a sentença no JEF não condena o vencido
em custas e honorários advocatícios), isto é, totalmente favorável aos seus interesses,
não subsiste para ele a utilidade no exercício do contraditório.
Evidentemente, não poderá haver sentença de procedência anterior à
citação, ainda que se trate de ações repetitivas, sob pena de, nesse caso, vilipendiarmos
os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
Sublinhe-se que ao autor também é assegurada a plena possibilidade de
influir na decisão judicial, na medida em que, julgada improcedente a sua demanda
através de sentença padronizada, ele poderá interpor recurso em face desta, sustentando
o desacerto da decisão.18
Em suma, demonstrou-se não haver qualquer contradição entre o expediente
que analisamos no presente trabalho e os princípios dispostos no artigo 5º, incisos XXXV e LV.
No entanto, por amor ao debate, admitindo-se uma hipotética violação
aos dispositivos constitucionais em relevo, subsistiria para o magistrado a possibilidade
de rejeitar de plano a pretensão manifestamente improcedente, dentro dos limites já
16 É o que nos informa Alexandre Câmara, citando Elio Fazzalari e Cândido Rangel Dinamarco (Lições de Direito Processual Civil.
v. 1. p. 50). Todavia, é pertinente transcrever o entendimento do segundo processualista em relação à existência de processo, não
obstante o indeferimento da inicial: “o juiz indefere a petição inicial, mas o autor tem sempre a faculdade de recorrer da sentença
e com isso exigir o pronunciamento do tribunal a esse respeito – por mais absurda que ela seja e, portanto, rigorosamente acertada a
sentença extintiva do processo. A faculdade de recorrer é seguro sinal da existência do processo, porque o recurso é um ato processual
e é exclusivamente no processo que se recorre” (destaques no original). Em Instituições de Direito Processual Civil, p. 48. 17 No mesmo sentido, Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. Elias Rosa e Marisa F. Santos, Curso de Direito Constitu-
cional, p. 65. 18 Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Arenhart: “Para se evitar violação ao direito de influir, confere-se ao autor o direito
de interpor recurso de apelação, mostrando as dessemelhanças entre a sua situação concreta e a que foi definida na sentença que
julgou o(s) caso(s) tomado(s) como idêntico(s).” (op. cit. p. 113).
p. 139 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
delineados, isto é, preenchidos os requisitos impostos pelo entendimento firmado no
2º Encontro de Magistrados dos Juizados Especiais Federais da Seção Judiciária do Rio de
Janeiro, conforme já visto. Na verdade, os princípios constitucionais abordados deve-
riam ser sopesados com o recém-constitucionalizado19 princípio da duração razoável do
processo, presente no inciso LXXVIII, artigo 5º da CRFB, in verbis: “Art. 5º. [...] LXXVIII
– a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Na prática, a ponderação implicaria necessariamente a relativização do
direito de ação e do direito ao contraditório, pois, na hipótese contrária, assistiríamos a
uma perpetuação dos litígios, principalmente dos que não se enquadram na classificação
de “ações de massa”, na medida em que os recursos materiais e humanos de que dispõem
atualmente os Juizados Especiais Federais seriam insuficientes para o atendimento da
assustadora demanda que se verifica, caso se permitisse que os processos que hoje são
prontamente extintos com fundamento no artigo 269, I e IV, do CPC seguissem seu trâmite
regular. Ou seja, restaria totalmente vilipendiado o princípio acima transcrito.20
Há de se admitir, portanto, a constitucionalidade da sentença de improce-
dência anterior à citação nos Juizados Especiais Federais.
Neste diapasão, impende ressaltar, por derradeiro, que há plena observân-
cia ao disposto no artigo 93, IX, da CRFB. Isso porque é possível observar que, não só as
sentenças em comento são fundamentadas com exposição das razões de fato e de direito
que formaram o convencimento do magistrado, que, evidentemente, não está obrigado
a rejeitar de plano a pretensão autoral, como também não está o juiz vinculado aos
argumentos expostos na inicial, sem haver necessidade de enfrentá-los um a um21. Com
isso, torna-se possível a existência de sentenças idênticas para processos que versem
sobre a mesma matéria, embora sejam distintas as iniciais, sem que isso importe em
inobservância do princípio da motivação das decisões judiciais.
3. A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA COMO HIPÓTESE DE INDEFERIMENTO DA INICIAL
Embora pareça, à primeira vista, que o procedimento que ora se estuda
represente indeferimento da inicial, já que a resposta jurisdicional imediata à inicial é
uma sentença, a afirmação não pode ser feita sem as devidas ressalvas, mesmo porque
o ato decisório em questão resolve o mérito da causa.
19 V. EC nº 45/2004.20 Sobre a importância do direito à razoável duração do processo, v. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart. Op. cit. p. 112. 21 “O juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fun-
damentar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus
argumentos.” (RJTJSP, 115/207).
p. 140 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Nesse sentido, recorde-se que o artigo 267, I, do CPC prevê que a sentença
que indefere a inicial extingue o feito sem julgamento do mérito, o que é incompatível
com a improcedência do pedido, objeto do nosso trabalho.
No entanto, ao se indeferir a inicial com fulcro no artigo 295, IV 22, do CPC,
deve-se admitir que a sentença extingue o processo com julgamento do mérito, porquanto
há o reconhecimento da prescrição ou da decadência23. A questão será aprofundada em
momento oportuno.
Em relação à adequação técnica da classificação da sentença de improce-
dência anterior à citação como hipótese de indeferimento da inicial, trazemos à colação
o entendimento de Calmon de Passos:
A petição inicial, ato processual típico, pode, conseqüentemente, ser
defeituosa. E se o defeito que apresenta é relevante, isto é, capaz
de obstar o fim específico a que o ato se propõe ou de dificultar ou
impedir o alcance dos fins de justiça a que o próprio processo, como
fenômeno global, se lança, deve o defeito da petição inicial acarre-
tar o seu indeferimento, vale dizer, a sanção de invalidade do ato,
chamada de indeferimento, por seu caráter obstativo.24
Insta ressaltar que o fato de a demanda não ter chances concretas de êxito,
já que foi consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de sua improcedência, não
autoriza que se venha a afirmar que a inicial seja ato processual defeituoso, sendo, por isso,
passível de sanção, no caso, o indeferimento. Da mesma forma, o exercício da pretensão
prescrita não importa em nenhum vício processual idôneo a impedir a prestação da tutela
jurisdicional, mesmo porque a prescrição e a decadência são questões de mérito.
Logo, em sentido estritamente técnico, ao adotarmos o brilhante entendi-
mento esposado por Calmon de Passos, verificamos que ambas as situações acima aludidas
não ostentam a natureza de indeferimento da inicial; todavia, a afirmação gera sérios
problemas em relação à segunda hipótese, na medida em que a própria lei outorga ao
magistrado a prerrogativa de indeferir a inicial caso constate a sua incidência.25
22 “Art. 295. A petição inicial será indeferida: [...] IV – quando o juiz verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição (art. 219, § 5º).”23 No mesmo sentido, Alexandre Câmara: “Como já se viu, o juiz ao indeferir a petição inicial estará extinguindo o processo, o que
se dará – quase sempre – sem resolução do mérito (art. 267, I)” (grifamos). Op. cit. p. 329.24 Comentários ao Código de Processo Civil: lei nº 5.869 de 1973. Vol. III: arts. 270 a 331, p. 213.25 Sobre o erro técnico na inclusão da prescrição e da decadência como causas de indeferimento da inicial, v. Calmon de Passos
(op. cit. p. 216).
p. 141 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Ainda que se considere passível de indeferimento a inicial pertinente a
alguma das chamadas “ações de massa”, não nos parece nada razoável considerar inepta
uma petição inicial, sob a justificativa de que ela afronta o entendimento consolidado
nas instâncias superiores. Isso porque a inépcia está associada a vício que impede a
apreciação do mérito da causa26, o que não é o caso, uma vez que o pedido é julgado
improcedente. Outrossim, a hipótese não se enquadra em nenhum dos casos previstos
no parágrafo único do artigo 295 do CPC.
Considerados esses aspectos técnicos, verificamos que, independentemente
de ter andado bem ou mal o legislador ao incluir a prescrição e a decadência como cau-
sas de indeferimento da inicial, não se pode negar que o juiz pode fazê-lo. Neste caso,
aplicar-se-ão as conseqüências previstas no artigo 296 do CPC27.
A questão a ser enfrentada é: deve o mesmo ocorrer nos Juizados Especiais
Federais, ao se julgar improcedente a demanda antes mesmo da citação do réu? Em outros
termos, independentemente de se classificar ou não a hipótese como indeferimento da
inicial, a questão que assume real relevância prática é: o que fazer se o autor recorrer
da sentença?
No caso das ações que têm por objeto o pagamento de valores relativos a
índices de correção monetária, referentes a planos econômicos, expurgados de contas
de PIS/PASEP, é possível reconhecer sem maiores dificuldades a aplicação do disposto
no artigo 296 do CPC. Isso porque a sentença padronizada que julga improcedente o
pedido o faz com fundamento no artigo 269, IV, do CPC, que reconhece a prescrição da
pretensão autoral.
Embora não seja exatamente a hipótese prevista no artigo 295, IV, do CPC,
já que este faz menção ao artigo 219, § 5º, do CPC, que veda ao juiz o reconhecimento de
ofício da prescrição em ações fundadas em direitos patrimoniais28, não nos parece haver
justificativa razoável para a geração de efeitos diversos em hipóteses tão assemelhadas.
Da mesma forma, acreditamos que mesmo as sentenças de improcedência
proferidas com base no artigo 269, I, do CPC devem ensejar as conseqüências previstas
no artigo 296 do CPC.
26 Nesse sentido, citamos novamente Calmon de Passos: “De logo se observa girar a inépcia em torno de defeitos vinculados à causa
de pedir e ao pedido, isto é, ao mérito da causa. Não se cuida, como no art. 284, de defeito capaz de dificultar o julgamento do
mérito, mas sim de defeito que obsta, impede, torna impossível o exame do mérito.” (op. cit., p. 213).27 “Art. 296. Indeferida a petição inicial, o autor poderá apelar, facultado ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua
decisão. Parágrafo único. Não sendo reformada a decisão, os autos serão imediatamente encaminhados ao tribunal competente.”28 Recordando que o presente estudo se presta a analisar o contexto específico em que se iniciou a prolação de sentenças de mérito
anteriores à citação nos Juizados Especiais Federais, destacamos que, a partir da vigência da Lei nº 11.277/2006, o artigo 219, § 5º,
do CPC passa a vigorar com a seguinte redação: “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.
p. 142 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Assim, interposto o recurso inominado, no prazo regular de dez dias, terá
o juiz o prazo de 48 horas para exercer o juízo de retratação. Mantida a decisão, serão
os autos encaminhados a uma das Turmas Recursais.
No entanto, há de se reconhecer o interesse do réu em se valer do princípio
do contraditório para assegurar a posição de vantagem que o indeferimento da inicial lhe
representa. Portanto, é recomendável que, antes da remessa dos autos, ocorra a citação
do réu para que este, querendo, apresente contra-razões.29
Reformada a decisão, seja através do exercício do juízo de retratação,
seja através de decisão da Turma Recursal, será o réu citado, ou, caso já o tenha sido,
intimado, para oferecer resposta. O feito seguirá seu trâmite regular.
4. QUESTÕES RELATIVAS À AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO RÉU
A citação é um dos meios de comunicação dos atos processuais previstos
pelo Código de Processo Civil (o outro é a intimação). Embora este a defina como “o ato
pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”30, existem outras
conceituações elaboradas em sede doutrinária mais condizentes com a real natureza do
ato. Dentre elas, selecionamos a formulada por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz
Arenhart: “Efetivamente, a citação é o ato de convocação inicial do processo, capaz de
angularizar a relação processual, trazendo para ela a(s) pessoa(s) em face de quem se
pede a atuação do direito.”31
São desnecessárias maiores considerações acerca da importância da dili-
gência, levando-se em conta o que já foi dito sobre o papel fundamental que desempenha
o princípio do contraditório no Estado Democrático de Direito.
A citação seria um pressuposto processual objetivo intrínseco para parte
da doutrina que sustenta uma ampliação do elenco de requisitos de admissibilidade do
provimento jurisdicional.32
29 No mesmo sentido, Calmon de Passos: “Se, irresignado, interpuser recurso de apelação, mantendo o juiz o indeferimento, os autos
devem subir à segunda instância e o julgamento exigirá o contraditório, sendo indispensável a citação do réu” (grifo nosso). Op. cit.
p. 240. Em sentido contrário, Alexandre Câmara: “a apelação contra sentença de indeferimento liminar da petição inicial não está
sujeita ao oferecimento de contra-razões do apelado [...], eis que o réu ainda não foi citado, não integrando, portanto, a relação
processual.” (op. cit. p. 330).30 Art. 213 do CPC.31 Op. cit. p. 116.32 V. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, p. 289. Tais
requisitos seriam as condições da ação e os pressupostos processuais, objetivos e subjetivos.
p. 143 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Por outro lado, outros, como Humberto Theodoro Júnior33, com fundamento
no artigo 214 do CPC, sustentam que a citação seria requisito essencial para a validade
do processo.
Sem a pretensão de discutir o acerto dos entendimentos doutrinários em
relevo, acreditamos que eles não são aplicáveis ao objeto do nosso estudo. Ou seja, há
processo antes da citação do réu, embora esteja incompleta a relação processual, que
como vimos, angulariza-se através da citação34. No entanto, a não-inserção do (então)
terceiro, no contexto em análise, não pode ser vista como óbice à prolação de sentença
de mérito, a qual, uma vez decorrido in albis o prazo recursal, formará coisa julgada
material, conforme veremos adiante.
Um exemplo disso é o que expusemos no item anterior em relação à sen-
tença que indefere a inicial. Não faria nenhum sentido negar a existência de processo
in casu, tampouco sua validade, se a própria lei outorga expressamente ao magistrado a
possibilidade de proferir sentença antes da citação.35
Da mesma forma, não pode ser considerada inválida a sentença de mérito
proferida nos Juizados Especiais Federais em ações repetitivas, em vista de tudo que já
expusemos até aqui, desde que respeitados os requisitos já mencionados, apenas porque
não houve a citação do réu, que, como visto, não teria nenhum interesse em contestar
a demanda em questão.
A nulidade da sentença, provocada por qualquer motivo, está condicionada
à declaração judicial. Enquanto não houver provimento jurisdicional nesse sentido, o ato
judicial é tido como válido.
Contudo, à luz do disposto no artigo 249, § 1º 36, do CPC, é possível notar
que não haverá declaração de nulidade caso esta não importe prejuízo a alguma das
partes. É o que se denomina, em sede doutrinária, de princípio do prejuízo.37
33 “Tão importante é a citação, como elemento instaurador do indispensável contraditório no processo, que sem ela todo o proce-
dimento se contamina de irreparável nulidade” (Curso de Direito Processual Civil, v. 1, p. 288). No mesmo sentido, Cândido Rangel
Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil, p. 507).34 No mesmo sentido, trazemos à colação o preciso ensinamento de Alexandre Câmara: “Havendo réu, porém, haverá processo, mesmo
antes de sua integração à relação processual” (op. cit. p. 233).35 Uma vez mais transcrevemos uma lição de Alexandre Câmara: “O processo pode existir validamente sem citação. Basta lembrar a
hipótese em que, proposta a demanda, o juiz indefere a petição inicial. Houve processo, com sentença e trânsito em julgado, sem
que houvesse citação” (op. cit. p. 260-261). 36 “Art. 249. O juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que
sejam repetidos, ou retificados. § 1º. O ato não se repetirá nem se lhe suprirá a falta quando não prejudicar a parte.”37 V. Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, v. 1. p. 217.
p. 144 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
No caso em exame, a nulidade poderia ser argüida pelo réu, porquanto
este poderia ser prejudicado, já que não teve conhecimento da demanda, tampouco
lhe foi facultada a possibilidade de contraditar a tese jurídica sustentada pelo autor
em sua exordial.
No entanto, sabemos que nos Juizados Especiais Federais isso não acon-
tecerá, pois conforme exposto, não há utilidade para o réu em oferecer contestação,
uma vez que a sentença de total improcedência representa o ápice da satisfação
do interesse do demandado no JEF, porquanto é inviável a condenação em custas e
honorários advocatícios.
Por outro lado, não aproveitará ao autor a alegação de que sofreu preju-
ízos com a medida adotada, considerando-se que o magistrado decidiu a causa após a
exposição de, tão somente, tese favorável à sua pretensão autoral. Não é de se esperar
que o réu, em sede de contestação, apóie os argumentos do autor, unindo-se a ele para
persuadir o magistrado a julgar procedente o pedido, sobretudo no âmbito de demanda
reiteradamente decidida no sentido da improcedência.
Destarte, há de se reconhecer que houve uma prestação jurisdicional célere,
que possibilitou, inclusive, o rápido acesso à instância superior, caso esteja inconformado
o autor com a decisão desfavorável.
Não sendo possível a alegação de prejuízo por nenhuma das partes, não
deve o magistrado, neste caso, declarar, de ofício, a nulidade da sentença decorrente
da inexistência de citação.
Desta maneira, restarão igualmente atendidos os princípios processuais da
finalidade e da instrumentalidade das formas, segundo os quais não haverá nulidade se os
atos atingem o fim a que se destinavam, ainda que não realizados em estrita observância à
cominação legal. Ou seja, embora, em regra, a sentença de mérito não possa ser prolatada
sem que o réu seja citado para oferecer resposta, na hipótese em tela será respeitada a
finalidade do provimento de mérito, isto é, a solução do conflito de interesses. Com ou
sem citação, o resultado será invariavelmente o mesmo: a improcedência do pedido.
Por fim, a título de síntese do exposto, é pertinente destacar o que diz
Guilherme Bollorini Pereira acerca da aplicabilidade do princípio da instrumentalidade
das formas ao rito instituído pela Lei nº 10.259/2001: “Um ponto é pacífico: não havendo
prejuízo para as partes, mesmo que o ato processual careça de algum requisito legal, se
cumpriu sua finalidade, é válido. É a aplicação, em sua inteireza, do princípio da instru-
mentalidade das formas, sem as limitações do Código de Processo Civil”38 (grifamos).
38 O Acesso à Justiça e os Juizados Especiais Federais Cíveis. p. 53.
p. 145 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
5. A FORMAÇÃO DE COISA JULGADA MATERIAL A PARTIR DA SENTENÇA DE MÉRITO
ANTERIOR À CITAÇÃO
Dispõe o artigo 467 do CPC: “Art. 467. Denomina-se coisa julgada mate-
rial a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso
ordinário ou extraordinário”.
A definição legal é alvo de críticas por significativa parcela da doutrina, que
diverge acerca da real natureza jurídica do instituto. Sem a intenção de se aprofundar
no debate que travam eminentes processualistas brasileiros em relação ao assunto em
questão, transcrevemos abaixo a conceituação que, a nosso sentir, representa o pensa-
mento que melhor traduz as vicissitudes do tema em relevo:
Como se poderá então conceituar o que seja realmente a coisa julgada? Dissemos que se pode defini-la como a virtude própria de certas sentenças judiciais, que as faz imunes às futuras controvérsias, impedindo que se modifique, ou discuta, num processo subseqüente, aquilo que o juiz tiver declarado como sendo ‘a lei do caso concreto’. [...] A coisa julgada deve ser entendida como uma maneira, ou uma qualidade, pela qual o efeito (da sentença) se manifesta, qual seja a sua imutabilidade e indiscutibilidade, como afirma LIEBMAN, ou simplesmente sua indiscutibilidade, como julgamos preferível dizer. 39 (destaques no original).
Situado o tema na dogmática processualista, entendida a coisa julgada ma-
terial como atributo da sentença de mérito, passamos a enfrentar a seguinte questão: a
quem se aplica os efeitos da sentença passada em julgado? Ou seja, quem está vinculado
à imutabilidade e à indiscutibilidade da decisão?
A lei processual fornece resposta satisfatória, em vista dos fins visados
pelo presente estudo:
Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.
39 Ovídio Batista da Silva. Op. cit. p. 484-486. Em sentido análogo, igualmente com fundamento no pensamento do processualista
italiano, Humberto Theodoro Júnior: “Filiando-se ao entendimento de Liebman, o novo Código não considera a res iudicata como
um efeito da sentença. Qualifica-a como uma qualidade especial do julgado, que reforça sua eficácia através da imutabilidade
conferida ao conteúdo da sentença como ato processual (coisa julgada formal) e na imutabilidade dos seus efeitos (coisa julgada
material)”. Op. cit. p. 580.
p. 146 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
O dispositivo acima reproduzido do Código de Processo Civil nos induz mo-
mentaneamente a pensar que a sentença de improcedência anterior à citação não tem
o condão de fazer coisa julgada material em face do réu, uma vez que é justamente a
citação que o faz ingressar na relação processual, tornando-se parte do processo (e não
mais apenas parte da demanda).40
No entanto, no caso dos Juizados Especiais Federais, tal entendimento não
se revela razoável. Isto porque, como já demonstrado, da adoção de tal procedimento
não advém qualquer prejuízo ao réu. Outrossim, será extremamente útil ao réu valer-se
das conseqüências da coisa julgada material formada, na medida em que poderá invocar
seus efeitos negativos41, argüindo exceção de coisa julgada em caso de ajuizamento de
demanda idêntica, obstando seu julgamento.
Destarte, admitir tal entendimento seria aceitar que o julgamento do
mérito sem o ingresso do réu no processo possa lhe causar prejuízo. Se a coisa julgada
material não lhe pode beneficiar, desatendida estaria uma de suas funções primordiais: a
pacificação do conflito de interesses submetido à apreciação do Estado-juiz. Trata-se, na
verdade, de uma necessidade de estabilidade decorrente do próprio Estado Democrático
de Direito.42
Em outros termos, o trânsito em julgado da sentença de improcedência é
tudo o que pode desejar o réu no âmbito de processo em trâmite no JEF. Com o pronun-
ciamento estatal definitivo acerca da controvérsia, torna-se imutável o efeito declarativo
negativo da sentença de improcedência: não mais poderá o autor importunar o réu com
aquela pretensão, porquanto a “lei do caso concreto” fixou-se no sentido de que aquele
não tem direito ao bem da vida almejado.
Com efeito, prevalecendo o entendimento contrário, surgirá para o réu o
legítimo interesse de ingressar na demanda, contestá-la, embora já esteja formado o
convencimento do magistrado no sentido da improcedência do pedido (desde o momento da
propositura da ação), apenas para que, formada a coisa julgada material em decorrência
do trânsito em julgado da sentença de rejeição do pedido autoral, possa considerar-se
definitivamente resolvido o litígio submetido à tutela jurisdicional.
Evidentemente, isso não faz o menor sentido.
40 Nesse sentido, Nelson Nery Junior, para quem “são necessários os seguintes requisitos (para que se forme a coisa julgada material):
[...] que estejam presentes os pressupostos de constituição do processo (jurisdição, petição inicial, citação – CPC 267 IV)” (grifo
nosso). Em Código de Processo Civil Comentado, p. 864.41 Sobre os efeitos negativos da coisa julgada material, veja-se o que diz Ovídio Baptista da Silva: “O efeito negativo da coisa julgada
opera sempre como exceptio rei iudicate, ou seja, como defesa, para impedir o novo julgamento daquilo que já fora decidido na
demanda anterior” (destaques no original). Op. cit. p. 500. 42 É o que ensina Humberto Theodoro Júnior: “Na realidade, porém, ao instituir a coisa julgada, o legislador não tem nenhuma pre-
ocupação de valorar a sentença diante dos fatos (verdade) ou dos direitos (justiça). Impele-o tão-somente uma exigência de ordem
prática, quase banal, mas imperiosa, de não mais permitir que se volte a discutir acerca das questões já soberanamente decididas
pelo Poder Judiciário. Apenas a preocupação de segurança nas relações jurídicas e de paz na convivência social é que explicam a
res iudicata”. Op. cit. p. 580.
p. 147 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Por outro lado, há quem sustente que, não sendo expressamente conferida
ao magistrado a prerrogativa de rejeitar de plano a pretensão do autor pela lei processual,
a única saída seria a extinção do processo sem o julgamento do mérito, com fulcro no
artigo 267, VI43, do CPC, reputando-se ausente uma das condições da ação, qual seja, a
possibilidade jurídica do pedido.
O entendimento em questão não pode prevalecer. Segundo Humberto
Theodoro Júnior,
Predomina na doutrina o exame da possibilidade jurídica sob o ângulo de adequação do pedido ao direito material a que eventualmente correspondesse a pretensão do autor. [...] A possibilidade jurídica, então, deve ser localizada no pedido imediato, isto é, na permissão, ou não, do direito positivo a que se instaure a relação processual em torno da pretensão do autor.44
Salvo melhor juízo, não é o caso das pretensões deduzidas nas “ações de
massa” que ensejam a improcedência ora estudada nos Juizados Especiais Federais.
Com efeito, não se pode considerar juridicamente impossível o provimento
jurisdicional que determinasse o pagamento de expurgos inflacionários incidentes sobre
contas de PIS/PASEP, apenas porque foi deduzida de forma extemporânea a pretensão. Mesmo
porque, à luz da redação antiga do artigo 219, § 5º, do CPC, anterior à Lei nº 11.277/2006,
não poderia o juiz reconhecer de ofício a prescrição quando a causa versasse sobre direitos
patrimoniais. Ou seja, se o réu deixasse de alegar a prescrição, poderia o magistrado acolher
o pedido, sem que isso representasse qualquer violação ao direito objetivo.
Por outro lado, nas demandas em que servidores públicos pleiteiam rea-
justes, a rejeição da pretensão não se funda, normalmente, na impossibilidade de o juiz
conceder esses reajustes, já que há casos em que isso ocorre; na verdade, o magistrado,
por algum motivo, entende que aquele autor não preenche as condições para fazer jus ao
aumento salarial, embora outro servidor possa auferi-lo. Um exemplo disso é o reajuste
de 11,98%, negado aos funcionários do Poder Executivo, mas concedido aos servidores e
pensionistas do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Portanto, afastada a impossibilidade jurídica do pedido, presentes as demais
condições da ação e atendidos os pressupostos processuais, faz jus o autor a um provimento
de mérito, sob pena de vilipêndio ao seu constitucional direito de ação.
43 “Art. 267. Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: [...] VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação,
como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”44 Op. cit. p. 63-64.
p. 148 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Outrossim, com a sentença de mérito, e com a subseqüente formação de
coisa julgada material, fica impedido o autor de ajuizar nova demanda idêntica à julgada,
o que não aconteceria no caso de sentença terminativa, que enseja tão-somente a coisa
julgada formal. Esta não impede a propositura de ação idêntica, na medida em que apenas
obsta a discussão da matéria no processo em que foi proferida a decisão.45
Com isso, levando-se em consideração os seus efeitos já abordados, veri-
fica-se que a coisa julgada material, além de ser tecnicamente mais adequada, está em
plena conformidade com os ideais de celeridade e efetividade inerentes aos Juizados
Especiais Federais.
Por derradeiro, devemos enfrentar a seguinte questão: a mudança de
entendimento dos Tribunais Superiores e/ou das Turmas Recursais legitimará a propositura
de nova demanda?
Entendemos que não. Devem ser respeitados os efeitos negativos da coisa
julgada, já discutidos. Ademais, há de se reconhecer a eficácia preclusiva da coisa julgada
material, prevista no artigo 47446 do CPC, sendo certo que ela impede a rediscussão da
matéria com base em novas alegações.
Outrossim, a hipótese não se enquadra em nenhum dos casos em que permite
o ordenamento a propositura de ação rescisória, visto que é taxativo o elenco do artigo
485 do CPC47. Tampouco seria cabível falar-se em relativização da coisa julgada, uma vez
que mesmo os que a admitem reservam-na para casos de maior gravidade, entre os quais
não se enquadra a mudança de orientação de determinado Tribunal48.
6. CONCLUSÃO
Ao fim do presente estudo, analisados os diversos aspectos referentes à
sentença de improcedência anterior à citação nos Juizados Especiais Federais, aplicável
às ações repetitivas e que versem sobre matéria exclusivamente de direito, a conclusão
a que se chega é que o expediente em questão não só está em conformidade com os
princípios que regem o rito instituído pela Lei nº 10.259/2001, como também é adequado
tecnicamente, integrando-se à sistemática processual vigente.
45 É o que ensina Alexandre Câmara: “A coisa julgada formal, porém, só é capaz de pôr termo ao processo, impedindo que se reabra a discussão acerca do objeto do processo no mesmo feito. A mera existência da coisa julgada formal é incapaz de impedir que tal discussão ressurja em outro processo”.46 “Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.”47 No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: “O cabimento da ação rescisória limita-se a casos extraordi-nários, expressamente enumerados em lei, através do art. 485 do CPC” (op. cit. p. 650). 48 Sobre a relativização da coisa julgada, ver os trabalhos de Cândido Rangel Dinamarco, “Relativizar a coisa julgada material”; José Augusto Delgado, “Efeitos da coisa julgada e princípios constitucionais”; e Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro Faria, “A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle”, todos eles publicados na coletânea organizada por
Carlos Valder do Nascimento sob o título de Coisa Julgada Inconstitucional, da Editora América Jurídica (Rio de Janeiro, 2002).
p. 149 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
Isso porque, como demonstrado ao longo deste trabalho, o procedimento
em questão não viola direitos e garantias fundamentais inerentes ao processo, tais como
o direito de ação e o contraditório; vimos que o magistrado, em determinados casos,
pode indeferir de plano a pretensão deduzida em juízo, adentrando, forçosamente, o
mérito da causa; discutiu-se a validade da sentença proferida nas condições em relevo,
concluindo-se pela inexistência de nulidade capaz de macular a decisão proferida; por
fim, afirmamos que, com o decurso do prazo recursal, a sentença de mérito prolatada
estará apta a formar coisa julgada material, com a produção de todos os efeitos legais
dela decorrentes.
Embora tenhamos deixado explícito que o contexto analisado é o anterior
à permissão legal para adoção da medida discutida, por força do artigo 285-A do CPC,
incluído pela Lei nº 11.277/2006, boa parte dos argumentos aqui deduzidos são aplicáveis
à defesa de sua constitucionalidade e de sua harmonização com os princípios infracons-
titucionais do processo.
Na verdade, não descartamos a idéia de que a experiência bem sucedida nos
Juizados Especiais Federais tenha influenciado o legislador a incluir o ousado dispositivo
à reforma que está em curso no processo civil brasileiro.
É impossível olvidar que, mais do que uma reforma processual empreendida em
sede jurisprudencial, o procedimento que ora discutimos decorreu da inadiável necessidade
que detectaram os juízes federais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro de impedir que um
excessivo número de processos inviabilizasse a efetividade da prestação jurisdicional.
Não resta dúvidas de que, ao se permitir o trâmite regular de tantas ações
idênticas e sem quaisquer chances de êxito, em face do entendimento consolidado nas
instâncias superiores, ficaria inviável à observância do direito constitucional do jurisdicio-
nado à regular duração do processo, sobretudo nas demandas de maior complexidade.
Contudo, há de se ressaltar que isso não ofusca a correção técnica que
exaustivamente buscamos demonstrar na solução adotada, em face da dogmática
processual pátria.
Por fim, cabe destacar que o rito criado pela Lei nº 10.259/2001, a rejeição
liminar do pedido deduzido nas condições estudadas e a reforma do Código de Processo
Civil a que assistimos na atualidade são mecanismos que convergem para os mesmos ideais:
a efetividade da prestação jurisdicional e, por via de conseqüência, a implantação de
meios capazes de viabilizar a realização da finalidade do processo, que é a composição
do litígio de forma célere49. Tais noções não devem restringir-se aos Juizados Especiais
Federais, mas devem, ao revés, nortear todos os campos do Direito Processual.
49 Conforme Mauro Luís Rocha Lopes. (op. cit., p. 263).
p. 150 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 133-150, 2006.
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Sentenças e decisões
p. 153 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 153-155, 2006.
CAUSA DE PEDIR PITORESCA E DEMANDAS TEMERÁRIAS: A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS E CUSTAS COMO INSTRUMENTO
DE CONTENÇÃO DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NOS JEFS
André de Magalhães Lenart Zilberkrein
Juiz Federal Substituto da Vara Única de Teresópolis
O Autor pretende ser indenizado por não poder depositar seu voto em urna fora de
seu domicílio eleitoral. O fato de lhe ser franqueado requerer a transferência para
o município em que passou a residir não o comove: o Estado é que deveria ajustar-
se, permitindo o exercício do sufrágio onde cada um bem entendesse. O que seria
apenas uma insólita e caricata historieta, rodeada de tantas outras, e pretexto para
boas gargalhadas ganha o ar de tragicomédia, no atual contexto. Para os milhares
de autores que pacientemente e com incontida revolta aguardam anos a fio o julga-
mento de seus processos e para servidores e magistrados a braços com o crescente
e interminável fluxo de reivindicações, a prodigalização de demandas inviáveis é
um inquietante vezo jurídico a ser coibido com rigor. A legislação nos oferece uma
importante ferramenta, nem sempre lembrada: a condenação em honorários e custas.
“Os Juizados não são casas de loteria, nem bingos em que se pode tentar a sorte
para ganhar algum dinheiro, como parecem fazer crer os jornais” – eis a frase que
bem resume o espírito da sentença.
JUIZADO/OUTRAS
PROCESSO Nº 2004.51.65.001478-1
AUTOR: LEONARDO DE ARAÚJO COSTA
RÉ: UNIÃO FEDERAL
S E N T E N Ç A
1. FUNDAMENTAÇÃO
Trata-se de demanda proposta, pelo rito da Lei n. 10.259/01, objetivando
a condenação do ESTADO BRASILEIRO/UNIÃO (sic) ao pagamento de verba indenizatória a
título de danos morais e à imagem do AUTOR, que se viu compelido, por força do Código
p. 154 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 153-155, 2006.
Eleitoral a justificar a ausência às urnas nos dois turnos do pleito de 2002 (“doar seu
tempo ao Estado”), já que seu domicílio eleitoral está sediado na Capital do Estado e
ele se encontrava em Teresópolis, à época da votação.
Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38 da Lei n. 9.099/95 c/c art. 1º
da Lei n. 10.259/01, passo a decidir.
A confusa e pouco nítida vestibular se resume a um amontoado de invectivas
à legislação eleitoral do país, a qual, segundo copiosa e inusitada fundamentação, ornada
por citações de RAYMUNDO FAORO, merece ser tachada de discriminatória. Mais à frente,
num trecho que dá a medida da seriedade da pretensão, conclui apoteoticamente:
“Venho pedir ao Exmo. Juiz a retratação do Estado brasileiro, a UNIÃO, como RÉU (sic) e a (sic) indenizar, (sic) o AUTOR, pecunia-riamente, a (sic) guiza (sic) de indenização por Danos Morais e à Imagem, pelo flagrante Crime de Direito Humano (sic) quando, (sic) promoveu a discriminação e cerceamento do exercício democrático de direito, que é UNIVERSAL, e de, (sic) exercer sua cidadania, cerceamento este que, (sic) marcou, e (sic), marca profundamente a história individual, (sic) do AUTOR, (sic) violada definitivamente, naquela oportunidade, em sua cidadania brasileira.”
A fls. 43, informa Sua Excelência, o Juiz Eleitoral de Teresópolis, que o
AUTOR “transferiu seu domicílio eleitoral do Rio de Janeiro para Teresópolis, em
30.07.2003. Votou nas eleições de 2004, em Teresópolis. No pleito de 2002 (1º e 2º Turnos),
justificou sua ausência nas urnas”. “Acrescento ainda que” – prossegue o Magistrado
– “embora o autor da ação faça referências incisivas quanto à preservação do seu direito
ao voto, ele tem um histórico repleto de ausência nas votações, desde 1998, como se vê
pela documentação que acompanha este ofício”.
O pedido é manifestamente improcedente. A uma, porque a obrigação de
justificar-se, no caso de não-comparecimento à Seção Eleitoral, no dia do voto, decorre
de dispositivo do Código Eleitoral, cujo texto o próprio AUTOR transcreve, em sua inicial.
A duas, porque a lei está de acordo com a Constituição da República (art. 14, caput e
§ 1º, I da CR). A três, porque, como expressão da soberania, o ato legislativo não gera a
obrigação de indenizar a quem quer que seja. A quatro, porque o AUTOR poderia e deve-
ria ter requerido a transferência do domicílio eleitoral, do Rio para Teresópolis – o que
acabou fazendo depois. A cinco, porque nem a obrigação de requerer a transferência,
nem a de justificar a ausência à Seção Eleitoral lhe acarretaram constrangimento, de
espécie alguma.
Há mais: a presente demanda constitui exemplo ímpar do chamado abuso
do direito de litigar. Se de um lado é certo que a Constituição da República consagra o
amplo acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), do qual são consectários de primeira grandeza os
p. 155 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 153-155, 2006.
Juizados Especiais, de outro não é aceitável que a isenção de despesas processuais sirva
de incentivo e fermento à propositura descabida, desregrada e aventureira de ações - sem
um resquício mínimo de plausibilidade a embasá-las – que absorvem significativa parcela
do escasso tempo de que dispõem os Magistrados, drenam recursos humanos da Varas e
contribuem para o congestionamento do já tão atribulado Poder Judiciário. Essa men-
talidade pouco responsável de “se colar colou”, que vem fazendo escola nos Juizados,
deve ser banida de uma vez por todas da mentalidade do brasileiro, que precisa ter a
exata noção da gravidade dos seus atos. Só deve aportar ao Judiciário aquele que tem o
direito ou se julga de boa fé dele merecedor. Os Juizados não são casas de loteria, nem
bingos em que se pode tentar a sorte para ganhar algum dinheiro, como parecem fazer
crer os jornais. E quem pensar o contrário deve suportar em sua total magnitude o peso
econômico do processo, pois – como todos sabemos – é com a mão na algibeira que se
pune o homem.
2. DISPOSITIVO
Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO (art. 269, I, do CPC).
Condeno o AUTOR em custas e em honorários sucumbenciais (art. 55 da
Lei nº 9.099/95 c/c art. 1º da Lei nº 10.259/01), estes fixados em 20% do valor dado à
causa (art. 20, § 4º c/c § 3º do CPC), com correção monetária, a partir do ajuizamento
(Súmula 14/STJ).
P. R. I.
No caso de recurso, observe a Secretaria a necessidade de preparo.
Certificado o trânsito em julgado, remetam-se à Contadoria para o cálculo
da condenação. Após, intime-se pessoalmente o AUTOR para o recolhimento. Decorrido
in albis o prazo de 15 dias, o Diretor de Secretaria deverá encaminhar cópia desta e de
certidão dando conta do não-recolhimento, por ofício, à Procuradoria da Fazenda Nacional,
para inscrição em Dívida Ativa da União (art. 16 da Lei n. 9.289/96).
Após, dê-se baixa e arquivem-se.
Teresópolis, em 25 de julho de 2005.
ANDRÉ LENART
(Juiz Federal Substituto no Exercício da Titularidade)
p. 157 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
SERVIDOR PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS. AUSÊNCIA DE REVISÃO GERAL DA REMUNERAÇÃO.
ART. 37, X, DA CF/88. OMISSÃO DO PODER EXECUTIVO. INADMISSÃO DE DANOS MORAIS
Angelina de Siqueira CostaJuíza Federal da Vara Única de Macaé
A sentença abaixo transcrita aborda matéria amparada pelo art. 37, inciso X, da CRFB, no que concerne à omissão do Poder Executivo em proceder à revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, cuja obrigatoriedade deu-se a partir de junho de 1999, isto é, doze meses após a data de publicação da Emenda Constitucional nº 19/98 até a vigência da Lei nº 10.331/2001, tendo, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão, em 16 de junho de 1999, sido assentada a mora legislativa do Chefe daquele Poder.O posicionamento adotado na presente, comungando do entendimento jurisprudencial hodierno majoritário, inclusive, da recente decisão da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, foi no sentido de que a inação do Chefe do Executivo causou um dano ao servidor público, no período de sua total omissão ao comando consti-tucional, suscetível de reparação indenizatória por danos materiais, consistente na diferença entre a remuneração que o(a) servidor(a) recebeu, inclusive férias e gratificação natalina, e a que lhe seria devida, mês a mês, após a aplicação do índice que melhor reflete a perda aquisitiva da moeda, qual seja, o INPC, não havendo que se falar em dano moral, vez que a perda aquisitiva da moeda, advinda da referida mora legislativa, por si só, não tem o condão de abalar a esfera moral e psicológica do servidor.
JUIZADO / ADMINISTRATIVO / CONSTITUCIONAL
PROCESSO Nº: 2005.51.66.001090-9
AUTORA: VALÉRIA CRISTINA PINTO
RÉ: UNIÃO FEDERAL
S E N T E N Ç A (III)
1. RELATÓRIO
Vistos etc.
p. 158 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
A parte autora acima nominada, qualificada na exordial, mediante ação de
indenização por danos materiais e morais, vindica da União, em razão da sua vinculação
à Justiça federal de primeira instância, como servidora ativa, seja a Ré condenada:
a indenizá-la pelo dano material consistente na diferença entre a remuneração, inclusive
férias e natalinas, efetivamente percebida pela mesma e a que faria jus com a aplicação
do INPC, ano a ano, nos termos do art. 37, X da Constituição Federal, referente ao período
de janeiro de 2000 a dezembro de 2001; a pagar a título de danos morais, o valor de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
A Ré apresentou contestação às fls. 57/91, arguindo, preliminarmente,
carência de ação, ante a impossibilidade jurídica do pedido, nos termos do art. 167 da CRFB,
que exclui expressamente o pedido do autor, e, no mérito, refutou o pleito autoral ante
as limitações orçamentárias impostas pela própria Constituição Federal e pela ausência
de direito subjetivo e de dano certo, inexistindo omissão legislativa.
2. FUNDAMENTO E DECIDO
Presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, verifico
tratar-se de pedido feito por servidora na ativa, no sentido de obter a condenação da Ré
em pagamento de indenização por danos materiais, com fundamento nas razões apresen-
tadas, decorrente da omissão estatal em promover a correção dos valores pagos a título
de vencimentos, por ordem expressa da Constituição Federal, nos termos da EC 19/1998,
no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2001; ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco
mil reais) a título de danos morais, pelo sofrimento, ante a perda de sua qualidade de
vida, e frustração pessoal, feridores de sua dignidade como pessoa humana, ocasionados
pela omissão governamental.
2.1. DA PREJUDICIAL E DA PRELIMINAR
No que tange à prescrição suscitada pela ré, reporto-me à decisão de fl. 104.
Afasto a argüição de impossibilidade jurídica do pedido, vez que este tem
por base a Emenda Constitucional nº 19/98, a qual deu nova redação ao art. 37, X da
Constituição Federal, reconhecendo ao servidor público uma revisão geral anual. O direito
de ação contra lesão ou ameaça de direito é garantia constitucional insculpida no art. 5º,
XXXV da Carta Magna.
p. 159 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
2.2. DO MÉRITO
A questão envolve a obrigatoriedade ou não da revisão geral anual da
remuneração dos servidores públicos.
2.2.1. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
O art. 37, inciso X da Constituição Federal, regula a matéria que aqui se dis-
cute, e ampara o pedido autoral na sua pretensão à indenização, ante à omissão do Poder
Executivo, em não conceder à revisão geral anual dos servidores públicos nela prevista.
É de conhecimento da mais ampla jurisprudência que o texto constitucional
anterior fazia referência apenas à aplicação do mesmo índice entre servidores públicos
civis e militares, e que tal deveria ocorrer sempre na mesma data, sem qualquer cono-
tação à anualidade. Assim determinou o constituinte originário, in verbis:
CF, Art. 37, X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data (Texto anterior a EC 19/98)
O próprio STF entendeu que o texto não exigia a reposição geral anual das
remunerações dos servidores públicos, o que transferia ao Poder Executivo a faculdade
de proceder à revisão somente quando entender conveniente e oportuna, diante das suas
necessidades orçamentárias.
Tal fato entretanto veio sofrer uma grande transformação com a edição da
EC 19/98, que, dentre outras modificações do texto constitucional originário, trouxe uma
profunda alteração no inciso X do art. 37, ao garantir que a remuneração dos servidores
públicos e o subsídio dos membros de Poder, do detentor de mandato eletivo, dos Ministros
de Estado e dos Secretários Estaduais e Municipais assegurando-se, agora, a sua revisão
geral anual, mantidos os requisitos do texto original de serem feitos na mesma data e
sem qualquer distinção de índices entre os servidores públicos civis e militares.
CF, Art. 37, X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou al-terados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;(Redação dada pela EC nº 19, de 1998)
p. 160 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
Em razão da nova redação e do novo direito, a falta de ação do Poder
Executivo ao cumprimento de determinação constitucional trouxe, após o período apto
a se proceder à revisão geral anual das remunerações, uma certeza insofismável: o
Poder Executivo omitiu-se no cumprimento de uma ordem constitucional. Várias ações
de inconstitucionalidade por omissão foram ajuizadas, perante o STF, com o intuito de
obter a permissão de que os interessados pudessem usufruir de um direito que a Carta
explicitamente lhe concedera.
2.2.2. DA CARACTERIZAÇÃO DA OMISSÃO DO PODER EXECUTIVO
A partir da edição da EC 19/98 e da alteração do art. 37, X da CF, se iniciou
a contagem de tempo (anualidade) para que o chefe do Poder Executivo fizesse cumprir
a determinação constitucional de se proceder à revisão geral das remunerações dos ser-
vidores públicos, sob pena de incidir em mora legislativa, por reconhecimento explícito
do novo texto.
Há de se considerar que o prazo de um ano, por se tratar de correção
anual, é de boa justiça e plenamente constitucional. Editada a EC 19 em junho de 1998,
a mora se instalaria a partir de junho de 1999, e se estenderia até que lei, editada pelo
chefe do Poder Executivo, viesse a conceder à revisão determinada pela Constituição.
Isto de fato ocorreu, com a sanção da Lei 10.331/2001, conferindo o reajuste anual aos
servidores referentes ao ano de 2002.
Algumas decisões no âmbito dos tribunais regionais, sob a jurisdição da
Justiça Federal, já podem ser vistas como o ponto de partida para que a vontade do consti-
tuinte e o direito do administrado (servidor público) sejam devidamente respeitados (1 a 4)
(1)
Ementa CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO GERALA Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou o art. 37, X, da CF, assegurou aos servidores públicos o direito à revisão geral anual de seus vencimentos.Incorreu o Chefe do Executivo em mora legislativa ao não elaborar ato normativo que lhe competia, motivo pelo qual são indenizáveis os danos materiais decorrentes do prejuízo que causou.O termo inicial da mora é junho de 1999, um ano após a edição da EC que previu o reajuste anual.O termo final da indenização consiste na data de entrada em vigor da Lei nº 10.331/2001, que conferiu o reajuste anual aos servidores, referente ao ano de 2002.(AC 623347 – TRF/4ªR, Rel. Juíza Silvia Goraieb, DJ 28/04/2004)(destaque desta juíza)
p. 161 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
(2)
EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
LEGITIMIDADE DA UNIÃO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. PREVISÃO ABS-
TRATA. SERVIDORES PÚBLICOS. REVISÃO GERAL. ART. 37, X, DA
CF/88. ADIN 2061. STF. MORA LEGISLATIVA. OMISSÃO DO CHEFE
DO PODER EXECUTIVO. DANOS MATERIAIS.
1. O evento danoso, fundamento da demanda, é a mora legislativa
pelo não-envio de projeto de lei prevendo a revisão dos vencimentos
dos servidores, cuja iniciativa era do Chefe do Poder Executivo e
não do titular da Autarquia em que o autor é serventuário, sendo,
pois, a União legitimada passivamente.
2. Nos termos em que formulado o pedido - indenização por danos
causados pela mora legislativa - não se vislumbra óbice legal à pre-
tensão, porquanto há previsão abstrata no ordenamento jurídico da
responsabilização do Estado em face de danos causados a terceiros
- art. 37, § 6º, da CF/88, donde surge amparado juridicamente o
pleito trazido a desate.
3. A diretriz confinada no art. 37, X, da CF/88, com redação forne-
cida pela EC n. 19/98, garantiu aos servidores públicos o direito à
revisão geral anual das suas remunerações, a ser promovida mediante
lei específica de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Precedente do STF.
4. A ausência de revisão geral, por omissão do Poder Executivo em
promovê-la, pretextou significativa lesão ao patrimônio dos servi-
dores públicos, que não tiveram a recomposição da força aquisitiva
das suas remunerações.
(AC 17488 – TRF/4ªR, Rel. Luiz Carlos de castro Lugin, DJU
12/05/2004)
(destaque desta juíza)
(3)
A TURMA, POR UNANIMIDADE, NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE. REMUNERAÇÃO.
INFLAÇÃO.
...
2. Não cabe ao Judiciário, que não tem função legislativa conceder
reajuste de vencimentos frente ao fenômeno inflacionário. Tão-
somente tem competência privativa para propor ao Legislativo
projeto de lei referente à remuneração de seus servidores (art. 96,
inciso II, “b”, CF).
(AC 504132 – TRF/4ªR, Rel. Carlos E. T.F. Lenz, DJU 03/03/2003)
...
p. 162 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
(4)
Ementa CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS. AUSÊNCIA DE REVISÃO GERAL DE REMUNERAÇÃO. ART. 37, X, DA CR/88. IMPOSSI-BILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.1. A União é legitimada passiva em ação que busca indenização por omissão do chefe do Poder Executivo, por omissão legislativa em proceder a revisão geral de remuneração prevista no art. 37, X/CF, na redação posterior à EC nº 19/98.2. Afasta-se a argüição de impossibilidade jurídica do pedido, que tem por base a Emenda Constitucional nº 19/98, a qual deu nova redação ao art. 37, X da Constituição Federal, reconhecendo ao servidor público uma revisão geral anual. O direito de ação contra lesão ou ameaça de direito é garantia constitucional insculpida no art. 5º, XXXV da Carta Magna.3. As indenizações por mora legislativa têm seu marco inicial em junho de 1999, um ano após a EC nº 19, de 04 de junho de 1998, iniciando-se aí a contagem do prazo prescricional.4 A regra constitucional, introduzida pela EC nº 19/98 estabeleceu a obrigatoriedade de que o Presidente da República envie um projeto de lei anual que garanta a recomposição do valor do subsídio dos servidores públicos federais. O direito à indenização pela mora legislativa restou reconhecida pelo STF ao julgar Mandado de Injunção nº 283/DF.5. A configuração do dano material não implica necessariamente o direito em indenização por dano moral. O dano experimentado decorre da perda aquisitiva da moeda, corroída pela inflação, o que não demonstra que dano seja capaz de abalar a esfera moral e psicológica dos autores.(AC 533945 – TRF/4ªR, Rel. MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, DJU 21/05/2003)(destaque desta juíza)
Reconhecida a mora legislativa nas ações diretas de inconstitucionalidade
por omissão, resta, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, comunicar ao
Poder Legislativo a sua existência, para que se supra a omissão. Nenhuma dúvida se tem
que a declaração de inconstitucionalidade por omissão não permite que o Poder Judiciário
possa suprir a função do Poder Legislativo, sob pena de infringência constitucional ao
princípio da separação dos Poderes. Razão porque, detectada a mora legislativa, cabe
ao judiciário simplesmente comunicar ao Poder competente tal fato, para que este possa
suprir, na forma legal, a sua mora, a fim de tornar possível que os direitos e interesses
individuais de cada cidadão atribuído pelo legislador constituinte possa de fato ser exer-
cido em sua plenitude (5).
p. 163 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
(5)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 2525 - 2 / DF - MINISTRO ILMAR GALVÃOPor unanimidade, o Tribunal julgou procedente o pedido formulado para assentar a omissão do Chefe do Poder Executivo quanto ao encaminhamento do projeto visando a revisão geral dos vencimentos, dando-se-lhe ciência desta decisão.
2.2.3. DAS CONSEQÜÊNCIAS DA OMISSÃO DO PODER EXECUTIVO
Evidentemente que a mora legislativa do Poder Executivo, decorrente da sua
omissão, descumprindo determinação constitucional de atuar positivamente na elaboração
da lei, deveria e deve trazer conseqüências ao Poder Público, sob pena de haver uma total
inversão da ordem institucional, fazendo com que a prescrição explícita do constituinte
seja subjugada inteiramente à vontade do legislador ordinário, podendo inclusive ignorá-la
totalmente, sem que isso trouxesse maiores conseqüências para o Estado.
Seria, sem dúvida alguma, um despropósito constitucional, ao se permitir
que o legislador ordinário pudesse ao seu alvedrio cumprir ou não a Constituição.
Descabida seria qualquer interpretação que nos levasse a ser complacente
com tal assertiva. Teríamos a constitucionalização implícita do princípio do engodo, criando
direitos e expectativas vãs aos cidadãos de bem que acreditaram nos constituintes, por
eles eleitos, na certeza de que fariam o melhor para o País e para seu povo.
A comunicação do Poder Judiciário ao Poder Executivo de que este, dentro
de um prazo bastante razoável, incidiu numa inconstitucionalidade por omissão, ao não
sancionar uma lei complementar ou ordinária, ordenada pelo constituinte, não basta para
se fazer cumprir dever seu indelegável, que atinge diretamente os direitos e os interesses
de cada cidadão deste País. Admitir-se que o constituinte se contentou em simplesmente
registrar os direitos individuais, políticos, econômicos, coletivos ou sociais, sem a efe-
tividade de sua implementação, seria o mesmo que reconhecer que a Carta Magna não
passa de um grande estelionato constitucional.
Não pode realmente o Poder Judiciário interferir nas funções do Poder
Legislativo, para que não se arranhe a ordem e a independência dos Poderes, mas de nada
adiantaria se ficasse o administrado, sujeito de um direito subjetivo, carente de exercê-lo
em razão da inércia governamental. O direito lhe seria concedido ou não, dependendo da
vontade do Poder Executivo, e não do legislador constituinte. Pode e deve entretanto dar
ao cidadão prejudicado, pela inércia do Executivo, uma recomposição do dano que sofreu
ou que vem sofrendo, sob a forma de indenização por perdas e danos, fato, inclusive,
p. 164 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
já amplamente acolhido por algumas decisões judiciais. Não seria justo, não seria legal,
não seria constitucional que o Poder Judiciário se encolhesse diante de fatos graves como
os dessa natureza, associando-se ao Poder Executivo na aplicação do inexistente princípio
implícito do engodo, sem dar, de fato, uma solução justa e condizente com a vontade do
constituinte, leal com o seu povo. Não fez o legislador nenhuma referência, em qualquer
momento, no sentido de sujeitar-se o Executivo a um momento político que considerasse
mais adequado a conceder o direito que lhe cabe.
Agir de forma contrária é dar à Carta Magna uma interpretação sub-reptícia,
encampar uma fraude que o legislador constituinte jamais desejou para o povo brasileiro.
2.2.4. DO DANO INDENIZÁVEL
Tanto a jurisprudência, como a doutrina vem reconhecendo a necessidade
de, em certos casos específicos, restituir os direitos feridos pela mácula da omissão de
iniciativa legislativa do Poder Executivo, através de uma indenização por perdas e danos,
cujo fundamento tem esteio amplo em todos os princípios emanados da Constituição
Federal, que não o do engodo.
Celso Antônio Bandeira de Mello desenvolve em seu Curso de Direito Adminis-
trativo (11ª ed., Malheiros Editora, 1999) capítulo dos mais importantes, cuidando da res-
ponsabilidade civil do Estado, assunto do qual trata com clareza e detalhes singulares.
A responsabilidade civil do Estado, fundada no art. 37, § 6º da Constituição
Federal, é objetiva. Nenhuma dúvida, quanto aos atos comissivos. Dúvidas ainda há
quanto à sua responsabilização por ato omissivo, eis que parte da doutrina e da própria
jurisprudência tem-se mostrado vacilante, principalmente pela omissão constitucional a
respeito. Entretanto, motivos têm a maior parte daqueles que motivam a responsabilidade
subjetiva quando se tratar de atos omissivos por parte do Estado, como a decisão que a
seguir reproduzo, cujo relator, Min. Carlos Velloso, definiu com lucidez a responsabilidade
civil subjetiva da Administração Pública nos atos omissivos (6).
(6)
RE 369820/RSRELATOR: MIN. CARLOS VELLOSONo voto que proferi no RE 204.037/RJ, cuidei do tema: a responsabili-dade do poder público por ato omissivo. Destaco do voto que proferi: “(...) O § 6º do art. 37 da CF dispõe: ‘Art. 37. (...) (...) § 6º - As pes-soas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso
p. 165 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.’ Em princípio, pois, a responsabilidade objetiva do poder público, assentada na teoria do risco administrativo, ocorre por ato de seus agentes. Dir-se-á que o ato do agente público poderá ser omissivo. Neste caso, entretanto, exige-se a prova da culpa. É que a omissão é, em essência, culpa, numa de suas três vertentes: negligência, que, de regra, traduz desídia, imprudência, que é temeridade, e imperícia, que resulta de falta de habilidade (Álvaro Lazarini, ‘Responsabilidade Civil do Estado por Atos Omissivos dos seus Agentes’, em ‘Rev. Jurídica’, 162/125). Celso Antônio Bandeira de Mello, dissertando a respeito do tema, deixa expresso que ‘o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra: quando se comporta ilicita-mente ao abster-se.’ E continua: ‘A responsabilidade por omissão é responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute de service dos franceses, entre nós traduzida por ‘falta de serviço’. É que, em caso de ato omissivo do poder público, o dano não foi causado pelo agente público. E o dispositivo constitucional instituidor da responsabilidade objetiva do poder público, art. 107 da CF anterior, art. 37, § 6º, da CF vigente, refere-se aos danos causados pelos agentes públicos, e não aos danos não causados por estes, ‘como os provenientes de incêndio, de enchentes, de danos multitudinários, de assaltos ou agressões que alguém sofra em vias e logradouros públicos, etc.’ Nesses casos, certo é que o poder público, se tivesse agido, poderia ter evitado a ação causadora do dano. A sua não ação, vale dizer, a omissão estatal, todavia, se pode ser considerada condição da ocorrência do dano, causa, entretanto, não foi. A responsabilidade em tal caso, portanto, do Estado, será subjetiva. (Celso Antônio Bandeira de Mello, ‘Responsabilidade Extracontratual do Estado por Comportamentos Administrativos’, em ‘Rev. dos Tribs.’, 552/11, 13 e 14; ‘Curso de Direito Adminis-trativo’, em ‘Rev. dos Tribs.’, 552/11, 13 e 14; ‘Curso de Direito Administrativo’, Malheiros Ed. 5º ed., pp. 489 e segs.).
Além do reconhecimento da responsabilidade civil subjetiva do Estado por
atos omissivos, resta-me examinar se estamos diante de um fato indenizável, porquanto
nem todos os atos comissivos ou omissivos o são. Celso Bandeira de Mello apresenta como
requisitos indispensáveis para a indenização, quando se tratar de ato ilícito (como é o
caso presente, pois todos os atos omissivos indenizáveis são ilícitos), saber-se se o dano
é um direito da vítima e se ele é certo, real, e não possível ou eventual. A omissão do
p. 166 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
Executivo na iniciativa legislativa que lhe conferiu a Constituição, após decorrido o prazo
de um ano, é indiscutível. Está-se diante de um direito irrefutável do servidor público.
Além disso é um direito certo, conhecido e presente.
A exigência de ser também um dano especial e um dano anormal, para que
ao Estado possa ser responsabilizado pela indenização devida atinge unicamente os atos
estatais decorrentes de comportamentos lícitos, o que não é o caso presente.
Resta comprovado que a inação do Chefe do Executivo causou um dano ao
servidor público, no período de sua total omissão ao comando constitucional, suscetível de
reparação indenizatória, por se conformar com a omissão do Poder Executivo geradora da
responsabilidade civil subjetiva, em razão da falta de agir do Estado para evitar o dano,
e por se adequar aos preceitos que demonstram ser um direito do servidor público, em
expressa determinação constitucional, e um direito atual e certo.
Na jurisprudência, encontro algumas decisões que buscam reparar alguns
danos decorrentes de omissão legislativa do Poder Executivo (5).
(5)
Ementa CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO GERAL...- A Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou o art. 37, X, da CF, assegurou aos servidores públicos o direito à revisão geral anual de seus vencimentos.- Incorreu o Chefe do Executivo em mora legislativa ao não elaborar ato normativo que lhe competia, motivo pelo qual são indenizáveis os danos materiais decorrentes do prejuízo que causou.- O termo inicial da mora é junho de 1999, um ano após a edição da EC que previu o reajuste anual.- O termo final da indenização consiste na data de entrada em vigor da Lei nº 10.331/2001, que conferiu o reajuste anual aos servidores, referente ao ano de 2002.- Mantida a indenização fixada com base no INPC, em face da ausência de recurso dos autores.- O dano decorrente da perda aquisitiva da moeda, em razão da inflação, não caracteriza o dano moral.- A correção monetária incide a partir do vencimento da dívida.- Juros de mora - índice. Juros de mora fixados em 1% ao mês, face à natureza alimentar das parcelas, segundo entendimento paci-ficado no STJ (5ª Turma, Resp. 195964/SC, DJ de 15.3.99, p.283; 6ª Turma, Resp. 175827/SC, DJ de 7.12.98, p. 116; 3ª Seção, Embargos de Divergência 58.337/SP, DJ de 22.9.97, RSTJ). A Medida Provisória 2.180-35/01 não altera a situação dos processos ajuizados anteriormente, nem das parcelas de débitos de caráter alimentar.
p. 167 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
- Juros de mora - termo inicial. Juros moratórios incidentes a partir
da data do evento (Súmula nº 54 STJ).
...
(AC 623347 – TRF/4ªR, Rel. Silvia Goraieb, DJU 28/04/2004)
Acórdão Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO
(6)
EMBARGOS INFRINGENTES. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO.
LEGITIMIDADE DA UNIÃO. ART. 37, § 6º, DA CF/88. PREVISÃO ABSTRATA.
SERVIDORES PÚBLICOS. REVISÃO GERAL. ART. 37, X, DA CF/88.
ADIN 2061. STF. MORA LEGISLATIVA. OMISSÃO DO CHEFE DO PODER
EXECUTIVO. DANOS MATERIAIS.
1. O evento danoso, fundamento da demanda, é a mora legislativa
pelo não-envio de projeto de lei prevendo a revisão dos vencimentos
dos servidores, cuja iniciativa era do Chefe do Poder Executivo e
não do titular da Autarquia em que o autor é serventuário, sendo,
pois, a União legitimada passivamente.
2. Nos termos em que formulado o pedido - indenização por danos
causados pela mora legislativa - não se vislumbra óbice legal à pre-
tensão, porquanto há previsão abstrata no ordenamento jurídico da
responsabilização do Estado em face de danos causados a terceiros
- art. 37, § 6º, da CF/88, donde surge amparado juridicamente o
pleito trazido a desate.
3. A diretriz confinada no art. 37, X, da CF/88, com redação forne-
cida pela EC n. 19/98, garantiu aos servidores públicos o direito à
revisão geral anual das suas remunerações, a ser promovida mediante
lei específica de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Precedente do STF.
4. A ausência de revisão geral, por omissão do Poder Executivo em
promovê-la, pretextou significativa lesão ao patrimônio dos servi-
dores públicos, que não tiveram a recomposição da força aquisitiva
das suas remunerações.
5. Considerando que o prejuízo dos servidores públicos tem cone-
xão direta com a omissão da autoridade estatal que não adotou
medidas, afetas à sua esfera de competência, para realização
concreta do preceito constitucional, resta identificado o nexo en-
tre o dano dos servidores públicos e a conduta omissiva do agente
estatal, conformando-se os pressupostos da responsabilidade civil
e do conseqüente dever de indenizar, nos moldes que concebido no
§ 6º do art. 37 da CF/88.
5. Mora legislativa constatada a partir de junho de 1999, consoante
expressamente reconhecido pelo Pretório Excelso na ADIN n. 2061.
(EIAC 17488 – TRF/4ªR, Rel. Luiz Carlos de Castro Lugon,
DJU 12/05/2004)
p. 168 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
(7)
Ementa CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS. AUSÊNCIA DE REVISÃO
GERAL DE REMUNERAÇÃO. ART. 37, X, DA CR/88. IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.
...
3. As indenizações por mora legislativa têm seu marco inicial em
junho de 1999, um ano após a EC nº 19, de 04 de junho de 1998,
iniciando-se aí a contagem do prazo prescricional.
4. A regra constitucional, introduzida pela EC nº 19/98 estabeleceu a
obrigatoriedade de que o Presidente da República envie um projeto
de lei anual que garanta a recomposição do valor do subsídio dos
servidores públicos federais. O direito à indenização pela mora
legislativa restou reconhecida pelo STF ao julgar Mandado de
Injunção nº 283/DF.
5. A configuração do dano material não implica necessariamente
o direito em indenização por dano moral. O dano experimentado
decorre da perda aquisitiva da moeda, corroída pela inflação, o
que não demonstra que dano seja capaz de abalar a esfera moral e
psicológica dos autores.
6. O direito a indenizações por mora legislativa é contado a partir de
junho de 1999, um ano após a EC nº 19, de 04 de junho de 1998, pois
a EC nº 19/98 não retroage para assegurar revisões pretéritas.
(533945 – TRF/4ªR, Rel. MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE,
DJU 21/05/2003)
Mas não só a jurisprudência dos tribunais inferiores tem verificado a indis-
pensável correção desta vesga leitura do texto constitucional, como também a melhor
doutrina, em sua tradicional independência, constata com clarividência que caminhos
tortuosos tem consumido direitos legítimos de seus verdadeiros detentores, carreando
uma necessidade premente de recomposição do dano sofrido, por meio de indenizações
justas e coerentes. Veja-se a reprodução doutrinária de pequeno texto de Alexandre de
Moraes a respeito do assunto (8).
(8)
Direito Constitucional - Alexandre de Moraes, 6ª ed. – Ed. Atlas,
1999, pág. 578
Ação de inconstitucionalidade por omissão
12.4. Decisão do STF declarando o Supremo Tribunal Federal a
inconstitucionalidade por omissão, por ausência de medida legal que
torne a norma constitucional efetiva, deverá dar ciência ao Poder
ou órgão competente para:
p. 169 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
1. Órgão Administrativo: adoção de providências necessárias em
30 dias. A fixação de prazo permite a futura responsabilização do
Poder Público administrativo, caso a omissão permaneça.
2. Poder Legislativo: ciência para adoção das providências neces-
sárias, sem prazo preestabelecido. Nessa hipótese, o Poder Legis-
lativo tem a oportunidade e a conveniência de legislar, no exercício
constitucional de sua função precípua, não podendo ser forçado
pelo Poder Judiciário a exercer seu múnus, sob pena de afronta a
separação dos Poderes, fixada pelo art. 2º da Carta Constitucional.
Como não há fixação de prazo para a adoção das providências cabí-
veis, igualmente não haverá possibilidade de responsabilização dos
órgãos legislativos. Declarada, porém, a inconstitucionalidade e dada
a ciência ao Poder Legislativo, fixa-se judicialmente a ocorrência da
omissão, com efeitos retroativos ex tunc e erga omnes, permitindo-se
sua responsabilização por perdas e danos, na qualidade de
pessoa de direito público da União Federal, se da omissão ocorrer
qualquer prejuízo.
Clèmerson Merlin Clève, em sua magnífica doutrina, trata do tema com a
clareza que se requer (9).
(9)
Clemerson Merlin ClèveA fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, pág 346/347Ação direta de inconstitucionalidade por omissãoA decisão e seus efeitosComo a omissão inconstitucional não se confunde com a mera lacuna técnica ou de legislação, deve o Supremo verificar, em cada caso, o período pelo qual se prolonga a inércia do aceitável (razoável), declara-se a inconstitucionalidade da inércia. A decisão de mérito do STF, com trânsito em julgado, produz efeito erga omnes.Declarada a inconstitucionalidade por omissão, “será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em 30 dias”. Não há prazo para o suprimento da omissão pelo Poder Legislativo.... tudo se passa de modo diferente com os órgãos administrati-vos. Por isso, o constituinte fixou um prazo para o suprimento da omissão: 30 dias....Em qualquer hipótese, as omissões declaradas inconstitucionais “concretizam uma verdadeira censura constitucional ao Poder omisso, com repercussões diversas, entre elas a responsabilização civil do Estado quanto aos danos porventura ocorridos”.
p. 170 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
(10)
Clemerson Merlin ClèveA fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2ª ed. Editora Revista dos Tribunais, pág 349.As soluções apontadas não excluem, com foi dito acima, o fato de que as omissões legislativas substanciam sempre pressuposto de responsabilidade civil do Estado. Configurada a omissão, e irrealizada ou realizada a destempo a satisfação da norma constitucional, “é cabível o ajuizamento de ação de perdas e danos contra a pessoa jurídica de direito público responsável pela omissão”.
Creio que tanto a melhor doutrina, como parte da jurisprudência dos
tribunais inferiores, têm procurado dar a adequada interpretação ao texto constitu-
cional, no sentido de fazer valer a vontade do constituinte, que, neste caso específico
brasileiro, por não ter sido uma constituinte exclusiva, foi a vontade do povo, que teve
nos seus escolhidos, o verdadeiro representante na sua elaboração. A efetividade das
normas constitucionais jamais pode deixar de ser um marco a ser alcançado, sob pena
de o legislador constituinte instituir regras, normas e direitos apenas como ficção jurí-
dica, fundada no inexistente princípio do engodo, que atinge diretamente os cidadãos
do Estado de Direito.
Assim, a ré deve ser compelida a pagar à parte autora o dano material que
lhe acarretou, consistente na diferença entre a remuneração que o(a) servidor(a) rece-
beu, inclusive férias e gratificação natalina, e a que lhe seria devida, mês a mês, após a
aplicação do índice correto, relativa ao período janeiro de 2000 a dezembro de 2001,
com atualização e correção monetárias e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês
(art. 406 do Código Civil c/c art. 161, § 1º do CTN c/c Enunciado 31 das Turmas Recursais
do Rio de Janeiro), consoante cálculos perfazidos pela contadoria desta juízo.
No que concerne ao índice de correção correto, entendo ser o mais adequado
o INPC, por melhor refletir a perda do valor aquisitivo da moeda.
2.2.5. DO DANO MORAL
O dano moral objeto de várias ações, pelos mais variados motivos, acaba-
ram dando aos autores que buscam judicialmente qualquer ressarcimento proveniente
de indenização por responsabilidade civil a oportunidade de incluírem o pedido de danos
morais, como se se tratasse de uma vinculação automática.
Como diz o eminente jurista Sergio Cavalieri Filho, em sua obra “Programa
de Responsabilidade Civil” (4ª ed. Malheiros Editores, 2003) depois de passarmos por vários
p. 171 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
períodos, como o de negação da sua indenização e o de inadmissão de cumulação com
dano material referente ao mesmo fato, estamos agora diante do tormentoso problema
que consiste em definir concretamente o que vem a ser dano moral.
Sucintamente pode-se dizer que à luz da Constituição vigente, dano moral
é uma violação do direito à dignidade. A dignidade humana é um dos fundamentos do
nosso Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III) (11).
(11)
CF, Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
...
III - a dignidade da pessoa humana;
A dignidade é a base de todos os valores morais; é a essência de todos os
direitos personalíssimos. Nela se incluem o direito à honra (liberdade, inteligência, ho-
nestidade, trabalho, etc), à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade, a qualquer
direito da personalidade, todos englobados no direito à dignidade.
Violados quaisquer desses direitos, haverá uma agressão à dignidade pes-
soal, a exigir, por isso, uma indenização. É de se observar que enquanto o dano material
atinge o patrimônio, o dano moral atinge a pessoa. E por assim ser, vê-se de logo, que não
estamos tratando de um dano avaliável pecuniariamente, mas unicamente compensável
com obrigação pecuniária, com caráter mais de satisfação, do que de indenização.
Conclui-se, pelo excelente trabalho desenvolvido pelo ilustre mestre Cava-
lieri, que o dano moral exige que haja uma dor, um vexame, um sofrimento, uma humi-
lhação que fuja à normalidade, de modo que tal fato possa interferir tão intensamente
no comportamento psicológico do indivíduo, que possa causar-lhe aflições, angústia e
desequilíbrio em seu bem-estar. A sua observação é de grande valia (12).
(12)
Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação e desequilíbrio ou
sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, por-
quanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia,
no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar,
tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o
equilíbrio psicológico do indivíduo
(Programa de Responsabilidade Civil, Sergio Cavalieri Filho, 4º ed.
Malheiros Editores, 2003, pág. 99)
p. 172 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
Na jurisprudência, é possível encontrar-se decisão que indiretamente atinge
o interesse do Autor, que, por não ter tido tempestivamente a revisão na sua remunera-
ção, acabou por se deparar com vencimentos aviltados pela perda do poder aquisitivo da
moeda, em razão da inflação, o que, não se caracteriza como dano moral, na acertada
conclusão, apresentada no julgamento que a seguir reproduzo (13).
(13)
Acórdão Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL – 623347 Processo: 200371020047854 UF: RS Órgão Julgador: TERCEIRA TURMAData da decisão: 16/03/2004 Fonte: DJU DATA:28/04/2004 PÁGINA: 672Relator(a) JUIZA SILVIA GORAIEB- O dano decorrente da perda aquisitiva da moeda, em razão da inflação, não caracteriza o dano moral.
Justifica-se plenamente a inadmissão de indenização por dano moral de
situações que tais, por se traduzir este fato em mera contrariedade (dissabor, aborreci-
mento, mágoa, irritação) e incômodo, reparável materialmente pela via judicial. Atinge
virtualmente a perda do poder aquisitivo da moeda, de modo indireto, fato que apesar de
conhecido por todos, acaba por se estabelecer gradativamente, e, aos poucos, corrói os
salários, sem mesmo que se possa determinar um momento exato de indignação pessoal
pelo desrespeito governamental. Não atinge o Estado diretamente com esta ilicitude a
dignidade da pessoa humana, eis que se trata de medida tomada em âmbito geral que
afeta toda uma coletividade.
Veja-se uma passagem mencionada por Sergio Cavalieri, pág. 99 de seu
utilíssimo compêndio (14):
(14)
Outra conclusão que se tira desse novo enfoque constitucional é a de que mero inadimplemento contratual, mora ou prejuízo econô-mico não configuram, por si sós, dano moral, porque não agridem a dignidade humana. Os aborrecimentos deles decorrentes ficam subsumidos pelo dano material ...(destaque desta juíza)
Ademais, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais
Federais, em recentíssimo julgado datado de 28 de março do presente ano, pacificou o
entendimento ora esposado, no sentido de que a conduta omissiva da União enseja apenas
dano material, não configurando dano moral, vez que, a perda aquisitiva da moeda, em
p. 173 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 157-173, 2006.
razão da inflação, por si só, não tem aptidão de abalar a esfera moral e psicológica da
parte autora. Esse julgado teve por relator o Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição
Júnior (2005.72.50.006304-0/SC), tendo, em seu voto, destacado que: “a configuração
de dano material não implica a existência de dano na esfera subjetiva do autor, de sorte
que é descabida a indenização por dano moral”.
III. DECIDO
Ante ao que amplamente se expôs, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES
os pedidos da parte autora feitos na exordial, extinguindo o processo com resolução do
mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para:
1. condenar a Ré na obrigação de pagar à parte autora a indenização por
danos materiais, no importe de R$ 2.599,41 (dois mil, quinhentos e cinqüenta e nove
reais e quarenta e um centavos), valor este consistente na diferença entre a remuneração,
inclusive adicionais de férias e gratificação natalina, efetivamente percebida pela mesma, e
a que teria recebido se sobre ela tivesse sido aplicada, a partir do mês de janeiro de 2000
a dezembro de 2001, ano a ano, a correção pelo INPC, conforme cálculos de fls. 105/108,
bem como, na atualização e correção monetárias e juros de mora de 1% (um por cento)
ao mês (art. 406 do Código Civil c/c art. 161, § 1º do CTN c/c Enunciado 31 das Turmas
Recursais do Rio de Janeiro), quantia esta apurada às fls. pelo contador deste juízo;
2. rejeitar o pedido de danos morais, por considerar incabível na espécie,
nos exatos termos da fundamentação apresentada;
Sem condenação em custas e honorários advocatícios, de acordo com o art. 55
da Lei nº 9.099/95, subsidiariamente aplicada.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Oportunamente, dê-se baixa e arquivem-se.
Macaé, 05 de maio de 2006.
ANGELINA DE SIQUEIRA COSTA
Juíza Federal
p. 175 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 175-179, 2006.
INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ALEGADOS DANOS MORAIS DECORRENTES DE TRATAMENTO IRREGULAR
NO ÂMBITO DA CHEFIA DA POLÍCIA FEDERAL. SITUAÇÃO CARACTERIZADA COMO MERO ABORRECIMENTO
Cristiane Conde Chmatalik
Juíza Federal Substituta do 2º Juizado Especial
No caso em comento, servidora da polícia federal questiona o poder hierárquico da
Administração em coordenar e atribuir funções a seus servidores (art. 11 e segs. da
Lei nº 9.784/99), por sentir-se prejudicada em razão de seu estado de saúde. Princípio
da razoabilidade. Excesso de poder não caracterizado, afastada a responsabilidade
objetiva do Estado (art. 37, § 6º, da CF), por se tratar de situação de mero aborre-
cimento decorrente das relações humanas de conflito corriqueiro.
JUIZADO/OUTRAS
PROCESSO Nº: 2003.51.51.047297-6
AUTORA: ÂNGELA MARIA BAPTISTA PEREIRA DE AZEVEDO
RÉ: UNIÃO FEDERAL
S E N T E N Ç A
Vistos etc.
Dispensado o relatório, nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/95. Passo
a decidir: Cuida-se de ação proposta por servidora pública federal da Polícia Federal,
objetivando o pagamento de indenização por danos morais, em decorrência de ter sido
submetida a tratamento irregular por parte de sua chefia, pois após comprovar através
de atestado médico não poder mais exercer as atividades no setor em que estava lotada,
solicitou fosse transferida para outro setor, a fim de que pudesse exercer regularmente
suas funções. A despeito de tal fato sua chefia passou dois meses sem lhe enviar qualquer
expediente ou lhe dar qualquer informação acerca de sua situação funcional, o que gerou
para a Autora danos morais. Juntou documentos de fls. 12/50.
p. 176 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 175-179, 2006.
Em sua contestação a Ré alega que os fatos narrados pela autora não acon-
teceram da forma narrada e que esta obteve sua transferência para o Setor pleiteado
e, por fim, alega que a autora não conseguiu comprovar o dano alegado na inicial, que
inexiste ato ilícito praticado pela Administração ou conduta culposa, que o trabalho
da Comissão Administrativa instaurada para apurar o caso não concluiu pela prática de
qualquer irregularidade praticada pelo Chefe do SECRIM, Perito Criminal Federal Antonio
Cleber Cajueiro. Junta documentos de fls.67/276.
Em Audiência de Conciliação, Instrução e Julgamento a Autora presta seu
depoimento pessoal e são ouvidas as testemunhas da Autora e as testemunhas da Ré,
conforme depoimentos acostados às fls. 286/291 dos autos.
Analisamos primeiro a questão posta a respeito da conduta da chefia da
Autora, se regular e, portanto, lícita, ou se irregular e ilícita. A matéria não é simples,
à medida que se trata do poder discricionário da Administração e da forma de condução
do poder hierárquico inerente à própria Administração.
A questão da lotação dos servidores e a verificação do setor para o qual os
mesmos deverão ser designados e quais são suas atribuições resulta do poder hierárquico,
que decorre da própria competência administrativa, definida nos arts. 11 e seguintes da
Lei Federal 9.784/99. Com o exercício desta atribuição objetiva-se ordenar, coordenar,
controlar e corrigir as atividades administrativas.
Não restam dúvidas que tais atribuições ensejam uma série de atividades
de cunho discricionário, as quais dão uma certa margem de liberdade de atuação ao
administrador e dada a multiplicidade e variedade de situações fáticas passíveis de
ocorrerem é preciso que o agente possa, em consideração à fisionomia própria de cada
qual, proceder à eleição da medida idônea para atingir de modo perfeito o objetivo da
regra a ser aplicada.
Nesse sentido, o juiz poderá verificar, em exame de razoabilidade, se o
comportamento administrativamente adotado, não obstante estar contido na regra abs-
trata da lei, revelou-se em concreto, respeitoso das circunstâncias do caso e deferente
para com a finalidade da norma aplicada.
Assim, analisando a situação, in concreto, verifico que a chefia da Autora
não procedeu de forma excessiva ou com abuso de poder, diante de uma situação fática
procedeu de modo a buscar meios de solucionar a questão, tendo, inclusive, a Autora,
posteriormente obtido a transferência solicitada. O fato de não receber expediente se
justifica já que a Autora não poderia mesmo realizá-los estando em tratamento de alergia.
p. 177 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 175-179, 2006.
O fato de que a Administração demorar dois meses para resolver a questão, tratando-se
de um sistema formal, burocratizado e complexo, também não gera maiores abusos,
pois o trâmite de qualquer feito administrativo geralmente requer um tempo para
ser operacionalizado.
Resta-nos verificar quanto à responsabilidade civil da União, se objetiva
(art. 37, § 6º, da Constituição) ou subjetiva, de modo a aplicar-se ou não o risco admi-
nistrativo. Assim, o Poder Público, no exercício de atividades típicas do Estado, responde
objetivamente pelos danos que causar a terceiros.
Cumpre ressaltar que, no presente caso, não se trata de terceiro e sim de
servidora pertencente aos quadros de servidores da União, que pretende indenização em
decorrência do vínculo especial que mantém com a União. È o próprio estatuto que deve
ser invocado num caso como o presente. Não se pode falar, portanto, em risco adminis-
trativo. Em qualquer caso, a jurisprudência tem, acuradamente, repelido a indenização
quando não comprovado o dano, pois isso implicaria na cobertura, pelo Estado, de boa
parte dos riscos inerentes à vida coletiva, pelos quais o Estado estaria erigido a segurador
universal, o que não é o caso, a exemplo dos seguintes julgados:
“Responsabilidade Civil. Apelação de sentença que julgou improce-dente ação indenizatória, por ausência de prova dos fatos constitu-tivos do direito do autor. Também na responsabilidade objetiva, é indispensável o estabelecimento da relação causal entre a conduta do agente e o dano para ensejar a responsabilidade, inocorrente na hipótese em questão. Desprovimento da apelação.” (Tipo da Ação: APELACAO CIVEL, Processo: 2000.001.08221, Data de Registro: 23/03/2001, Órgão Julgador: DECIMA CAMARA CIVEL do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO; Votação: Unani-me, DES. EDUARDO SÓCRATES SARMENTO, Julgado em 21/11/2000)
“(...) O ESTADO NÃO É TUTOR DE TODA E QUALQUER ATIVIDADE DE SEUS SERVIDORES COMO PESSOAS FISICAS, PORQUANTO NAO DISPOE A ENTIDADE ESTATAL DE SUPORTE PATRIMONIAL PARA RESPONDER PELAS ATITUDES DESVIANTES DE SEUS MILHARES DE SERVIDORES. EXEGESE NESSE SENTIDO CONDUZIRIA A INVIABILIDADE DO ESTADO COMO PRES-TADOR DE SERVICOS ESSENCIAIS. NA APLICACAO DA LEI O JUIZ DEVE AFERIR O ALCANCE DE SEUS RESULTADOS NA VISAO PERCUCIENTE DE CARLOS MAXIMILIANO AO INDICAR TECNICAS DE HERMENEUTICA E APLICACAO DO DIREITO. O PRINCIPIO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA NAO SE REVESTE DE CARATER ABSOLUTO, EIS QUE ADMITE O ABRAN-DAMENTO E, ATE MESMO, A EXCLUSAO DA PROPRIA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO, NAS HIPOTESES EXCEPCIONAIS CONFIGURADORAS
p. 178 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 175-179, 2006.
DE SITUACOES LIBERATORIAS — COMO O CASO FORTUITO E A FORCA MAIOR — OU EVIDENCIADORAS DE OCORRENCIA DE CULPA ATRIBUIVEL A PROPRIA VITIMA. DESPROVIMENTO DO APELO.” (APELACAO CIVEL, Processo: 1999.001.11514, Data de Registro: 19/05/2000, Órgão Julgador: DECIMA CAMARA CIVEL Votação: DES. LUIZ FUX, Julgado em 21/03/2000).
Deste modo, realizada a audiência de instrução e julgamento, a autora não
comprovou o dano moral alegado na inicial. Senão, vejamos. Segundo um dos depoimentos
a Autora “sofreu alguns constrangimentos diante dessa situação, tais como, conversas de
corredor, bate-bocas entre colegas e a autora, alguns passaram a não falar com ela; que
antes do pedido de transferência nunca tinha havido nada” e, por fim, alega que “não
presenciou insultos em relação à autora feitos pelo chefe Cajueiro” (fls. 287)
A segunda testemunha da Autora disse que ouviu, através das divisórias, o
chefe Cajueiro gritar com a Autora, algo do tipo “eu não admito isso” e que a Autora saiu
chorando, depois alega que presenciou o mesmo chefe rindo, com um grupo de pessoas
de um documento de informações da Autora (fls. 288).
Não vislumbro nesses depoimentos situações que cheguem a ser excessi-
vas, já que havia um conflito interno entre as pessoas envolvidas. É sabido que, como
seres humanos, todos nós somos passíveis de sofrer aborrecimentos decorrentes de
nosso cotidiano e da propensão em determinada situação para se sofrer mais ou menos
dependendo do fato. Contudo, é absolutamente normal que haja em determinada época
um certo conflito entre pessoas que trabalham juntas, pela própria relação de trabalho
e de subordinação hierárquica que existe dentro da Administração, inclusive, por ser um
dos poderes-deveres da Administração Pública, que tem o poder-dever de coordenar e
corrigir falhas de seus servidores através de seu poder hierárquico.
Assim, em relação ao dano moral, não basta a simples alegação genérica
de “que a Autora ficou à mercê de insultos, provocações e ironias praticadas por seu
chefe”. Na hipótese vertente, houve uma possível irregularidade apurada e constatada
pela Administração, de acordo com a sua atribuição regular, se houve excesso de poder
ou quaisquer atos que levassem a ferir a moral da Autora, cabia a esta demonstrar a
ocorrência de tal fato, ou ainda sua possível posição de pessoa que teve sua imagem
vilipendiada, de modo a descaracterizar a atuação do referido chefe. A simples assertiva
de que teve sua moral abalada, não é suficiente para caracterizar o dano.
Com efeito, pela análise da prova documental juntada pela Autora e pela Ré,
surge uma situação totalmente adversa dessa imagem de vítima que a Autora tenta
transparecer, pois além de conhecer seus direitos, realmente obteve a transferência
requerida e passou a trabalhar em outro setor (fls. 119). Causa espécie que lá chegando,
p. 179 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 175-179, 2006.
continuasse insatisfeita, o que está documentado com petições de punho da própria autora
(fls. 120/121/129), demonstrando que esta se encontra inconformada com a Seção como
um todo. O Poder Judiciário não é palco para intrigas, fofocas ou brigas interna corpori,
até porque, se não há ilicitude ou irregularidade que possa ser sanada, a razoabilidade
deve imperar no sentido de não se permitir abusos ou excessos.
Sendo certo que, a princípio, não vislumbro aí comportamento desrespeito-
so, ensejador de reparação de dano moral, pois, conforme as lições do ilustre Des. Sérgio
Cavalieri Filho, somente é cabível o dano moral quando haja “dor, vexame, sofrimento
ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento
psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-
estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada
estão fora do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do
nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente fami-
liar, tais situações não são tão intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio
psicológico do indivíduo” (in PROGRAMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL, Ed. Malheiros,
2 ed., 1998. P. 79/80). (grifei)
Nesse caso específico, verificada a irregularidade, foi prontamente apu-
rada pela Administração e corrigidas eventuais falhas, conforme a cópia do processo de
sindicância de fls. 133/225 dos autos.
Como o dano moral não está prefixado em tabelas, atentando para o
princípio da razoabilidade, deve-se estimar uma quantia compatível com a reprovada
conduta e a gravidade do dano produzido, pois o dano não pode transformar-se em fonte
de lucro. Quem se alega prejudicado, portanto, deve provar, nos autos do processo de
conhecimento, que o fato de que se queixa concreta e efetivamente causou-lhe prejuízo,
não bastando a simples potencialidade de dano a que ficou exposto.
Isto posto, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO. Sem custas processuais, nem
honorários advocatícios, por força do art. 55, da Lei 9.099/95.
Transcorrido o prazo legal sem a interposição de recurso, dê-se baixa na
distribuição e arquivem-se.
Rio de Janeiro, 27 de julho de 2004.
CRISTIANE CONDE CHMATALIK
Juíza Federal Substituta
no exercício da titularidade do 2º JEF/RJ
p. 181 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 181-182, 2006.
PREVIDENCIÁRIO. PECÚLIO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA ÚNICA. EXTINÇÃO. LEI Nº 8.870/94. RESSALVA CONTIDA NO ART. 24 DA LEI Nº 8.870/94. PEDIDO ADMINISTRATIVO FORMULADO.
PRESCRIÇÃO AFASTADA. DIREITO RECONHECIDO
Geraldine Pinto Vital de Castro (Relatora)
Juíza Federal da 1ª Turma Recursal
Trata-se de acórdão emanado da 1ª Turma Recursal do Rio de Janeiro que reformou
sentença que havia julgado improcedente pedido de pagamento de pecúlio, pelo
fato de as parcelas devidas ao Autor terem sido atingidas pela prescrição qüinqüe-
nal, diante da revogação dos arts. 81 a 85 pelas Leis nº 9.129, de 20/11/95; 9.032,
de 28/04/95; e 8.870, de 15/04/94, sem considerar, contudo, o teor do art. 24 da
Lei nº 8.870/94.
RECURSO/SENTENÇA CÍVEL
PROCESSO Nº 2005.51.51.001421-1/01
RECORRENTE: HELIO ALBRECHT
RECORRIDO: INSS-INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PECÚLIO. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA ÚNICA. EXTINÇÃO. LEI Nº 8.870/94.
RESSALVA CONTIDA NO ART. 24 DA LEI Nº 8.870/94. PEDIDO ADMINISTRATIVO FORMULADO.
PRESCRIÇÃO AFASTADA. DIREITO RECONHECIDO
1. O pecúlio consistia em prestação pecuniária única, paga pela Previdência Social, cor-
respondente à devolução dos valores vertidos pelo segurado a título de contribuição
previdenciária, sendo devido aos segurados nas hipóteses disciplinadas nos arts. 81
a 85, revogados pelas Leis n.º 9.129, de 20/11/95, 9.032, de 28/04/95, e 8.870, de
15/04/94;
2. O art. 81, II, da Lei 8.213/91, em sua redação original, assegurava ao aposentado por
idade ou por tempo de serviço, que voltasse a exercer atividade profissional, o paga-
mento de pecúlio, quando dela se afastasse;
p. 182 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 181-182, 2006.
3. Contudo, o contido no parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.870/94 ressalvou, àqueles
segurados que já vinham contribuindo até a data da vigência desta lei, o direito à
percepção da soma das importâncias relativas às suas contribuições, quando do afas-
tamento da atividade que exerciam em abril de 1994;
4. No caso concreto, o segurado foi aposentado em 29/12/1988 (fls. 12) e postula a con-
cessão do pecúlio em razão de ter retornado ao exercício de atividade abrangida pelo
RGPS, mediante contrato celebrado com a empresa Distribuidora Cirurgica Fátima Ltda,
no período compreendido entre 01/03/1990 a 10/08/1998 (fls. 13). O Autor comprova
ter requerido administrativamente o pecúlio em 31/03/2000 (fl. 15), constando à
fl. 17 resultado de uma consulta fornecida pelo INSS em 22/12/2004 com a seguinte
situação: “Pecúlio concedido, aguarde correspondência em casa”;
5. Por não decorridos mais de cinco anos entre a data do afastamento da atividade que o se-
gurado já exercia em abril de 1994 e a formulação do pedido em sede administrativa, resta
afastada a prejudicial de prescrição; sendo devido o recebimento, em pagamento único, do
valor correspondente à soma das importâncias relativas às suas contribuições;
6. Recurso provido. Sentença reformada, para se julgar o pedido procedente, com a con-
denação do Réu ao pagamento de pecúlio no valor de R$ 7.569,07 (sete mil, quinhentos
e sessenta e nove reais e sete centavos), corrigido monetariamente desde 31/03/2000,
data do pedido administrativo apresentado, acrescido de juros de mora de 1% ao mês
a contar da citação, a ser objeto de Requisição por Pequeno Valor – RPV, nos termos
do art. 17 da Lei nº 10.259/2001;
7. Sem condenação de verba honorária, por se tratar de Recorrente vencedor.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Srs. Juízes Federais da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais
da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe
provimento, nos termos do voto/ementa da Juíza Federal Relatora. Votaram com a Relatora
os MM. Juízes Federais Andréa Cunha Esmeraldo e Renato César Pessanha de Souza.
Rio de Janeiro, 05 de abril de 2006.
GERALDINE PINTO VITAL DE CASTRO
Relatora
p. 183 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
DESCONSIDERAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO COMO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS
Paulo André Rodrigues de Lima Espirito Santo (Relator)
Juiz Federal da 2ª Turma Recursal
Trata a demanda de pedido de declaração de exercício de atividade laborativa em
condições especiais para fins de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição.
A autora objetivava demonstrar que trabalhou em condições especiais (insalubridade),
a fim de que lhe fosse aplicado o coeficiente de 1.20 sobre o seu tempo de serviço.
Ocorre que, a despeito de reconhecido o tempo especial pela sentença, a autora não
demonstrou por documentos hábeis a sua submissão, de forma específica, direta e
habitual, aos agentes nocivos que determinavam a conversão do tempo de serviço
especial em comum. Apesar disto, mesmo afastando a “condição especial” de par-
te de seu tempo de serviço, a autora reunia condições de se aposentar, de forma
proporcional, na forma do art. 9º, § 1º, I, da EC nº 20/98.
Determinou-se, então, a reforma parcial da sentença apenas para considerar que todo
o tempo de serviço da autora foi desempenhado de forma comum e não especial,
o que não a impediu de obter a aposentadoria por tempo de serviço proporcional,
na forma da EC nº 20/98.
RECURSO/SENTENÇA CIVEL
PROCESSO Nº: 2003.51.51.011054-9/01
RECORRENTE: INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
RECORRIDA: Maria das Graças Gemaque
V O T O
Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos.
Pretende a Autora a declaração de que laborou por mais de 25 anos, a fim de
receber o benefício de aposentadoria. Pede, ainda, a condenação do INSS nos atrasados,
com juros de mora e correção monetária.
A Autora teve indeferido o requerimento de aposentadoria por tempo de
contribuição formulado em 12 de setembro de 2002 (documento de folha 50), não tendo
p. 184 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
sido reconhecido o tempo mínimo de 25 anos de contribuição (art. 202, § 1º, da CR/88,
redação anterior à EC 20/98). Alega que exerceu atividade laborativa na SAMCI em con-
dições especiais no período entre 01/04/1991 a 04/07/2002, fazendo jus à conversão do
tempo pelo coeficiente de 1,20 previsto na Tabela do art. 70 do Decreto 3048/99, o que
lhe conferiria aposentadoria proporcional de tempo de contribuição em pelo menos 70%
da integralidade devida.
Inicialmente, é importante frisar que o reconhecimento do tempo de serviço
pleiteado pela Autora encontra respaldo no verbete nº 242 da Súmula de Jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“242. Cabe ação declaratória para reconhecimento de tempo de
serviço para fins previdenciários.”
Para a comprovação do tempo de serviço, deve-se comprovar na forma
especial do artigo 55 da Lei 8213/91, que enuncia a maneira como este período é de-
monstrado para fins de aposentadoria. Diz os dispositivo legal:
“Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida
no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às ativi-
dades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11
desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
...
§ 3º. A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei,
inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme
o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início
de prova material, sendo admitida prova exclusivamente testemu-
nhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito,
conforme disposto no Regulamento.”
A demonstração do período de serviço deve ser feita de acordo com a lei vigente
ao tempo em que o mesmo foi exercido e não conforme a lei regente ao tempo em que foi
requerida a aposentadoria, não se aplicando aqui o princípio do tempus regit actum.
Não há dúvida de que a legislação previdenciária, no que tange ao serviço
rural, por exemplo e analogia, sempre entendeu como insuficiente a demonstração do perí-
odo através de prova meramente testemunhal, sendo exigido o “início de prova material”,
ou seja, a existência de outros meios de prova, notadamente documental, que corrobore o
efetivo desempenho da função rural. Tanto isto é verdade que o verbete nº 149 da Súmula
de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é expresso neste sentido:
p. 185 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
“149. A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário”
Apesar do verbete acima enunciado, o próprio STJ vem flexibilizando a
interpretação do verbete nº 149 cum grano salis, especialmente nos casos em que os traba-
lhadores rurais são aqueles denominados “bóias- frias”, conforme a seguinte ementa:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. INÍCIO DE PROVA. APOSENTADORIA POR IDADE. DECLARAÇÕES DE EX-PATRÕES. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONDENAÇÃO. PRESTAÇÕES VINCENDAS. SÚMULA 111-STJ. Não impugnada a veracidade da declaração, a que se juntam dados colhidos com a prova testemunhal robusta, não vejo como negar-lhe eficácia, máxime em setor como esse, desprovido quase sempre de condições mínimas de sobrevivência, o meio rural, e em que o trabalho é prestado sem fiscalização e controle pelos órgãos gover-namentais.” Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas (Súm. 111 – STJ), mas apenas sobre as prestações vencidas até a prolação da sentença. Agravo conhecido e parcialmente provido.”(STJ, AGRESP 363346/SC, Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ 09/12/2002)
Apesar de não ser este o caso concreto da Autora, o raciocínio jurídico é o
mesmo. Seja rural ou urbano, o tempo de serviço deve ser demonstrado por documentos
hábeis a tornar inequívoco o período laborado. Esta exigência é atendida pela Autora,
quando junta documentos hábeis e suficientes a demonstrar o tempo de serviço com as
empresas acima. Tal documentação juntada configura início de prova material razoável
a identificar a sua situação laboral no período que pretende ver declarado.
A Lei 3.807/60, no seu art. 32, § 9º, já exigia o início de prova material para a
demonstração do tempo de serviço, reputando insuficiente a exclusiva prova testemunhal:
“Art. 32. (...)§ 9º Não será admissível para cômputo de tempo de serviço prova exclusivamente testemunhal. (Incluído pelo Decreto-Lei nº 66, 21.11.1966)”
O mesmo fazia o Decreto 83.080/79 nos artigos 57 e 58:
“Art. 57. A prova de tempo de serviço é feita através de documentos que comprovem inequivocamente o exercício de atividade remunera-da nos períodos a serem contados, devendo esses documentos serem
p. 186 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
contemporâneos dos fatos a comprovar e mencionar com precisão as datas de início e término ou duração do trabalho prestado, a natu-reza dele e a condição em que foi prestado o valor da remuneração recebida ou o das contribuições recolhidas.”(...) § 2º Servem para a prova prevista neste artigo, entre outros, os documentos seguintes:
I - a Carteira de Trabalho e Previdência social, inclusive a emitida pelo INPS na forma do artigo 20, a antiga carteira de férias ou carteira sanitária, a caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos Institutos de Aposentadoria e Pensões;II - atestado de tempo de serviço passado por empresa, certificado emitido por sindicato que agrupa trabalhadores avulsos, certidão de contribuições passada por extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões e certidão expedida pela Delegacia de Trabalho Marítimo;III - certidão de inscrição ou matrícula em órgão de fiscalização profissional, acompanhada de documento que prove o exercício de atividade;IV - contrato social e respectivo distrato, quando for o caso, ata de assembléia geral e registro de firma individual.
§ 3º Na falta de documento contemporâneo pode ser aceita decla-ração ou atestado de empresa ainda existente ou certificado ou certidão de entidade oficial do qual constem os dados previstos no capítulo deste artigo, desde que extraídos de registros efetivamente existentes e acessíveis à fiscalização da previdência social.§ 4º Se o documento apresentado pelo segurado não atende ao estabelecido neste artigo, a prova de tempo de serviço pode ser complementada por outros documentos que levam à convicção do fato a comprovar, inclusive mediante justificação administrativa, na forma do Título III da Parte IV.§ 5º A comprovação do tempo de serviço realizada mediante justifi-cação judicial só produz efeito perante a previdência social quando baseada em razoável início de prova material.” “Art. 58. Não é admitida prova exclusivamente testemunhal para efeito de comprovação de tempo de serviço.”
A lei 8213/91 não exige prova testemunhal para comprovar o exercício da
atividade, mas prescreve que, se houver esse tipo de prova, a mesma deve ser corrobo-
rada por início de prova material.
A questão que se coloca nesta lide é verificar se a autora exerceu ou não a
atividade laboral na empresa SAMCI em condições especiais no período entre 01/04/1991
a 04/07/2002.
p. 187 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
Inicialmente, impõe-se fixar que, segundo o Enunciado nº 16 da Turma
Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, o tempo
de serviço em condições especiais só pode ser computado até a data de 28 de maio de
1998, um dia antes da entrada em vigor a MP 1663-10 (art. 28), que foi convertida poste-
riormente na Lei 9711/98. Portanto, a conversão do tempo de serviço prestado na SAMCI,
em tempo especial, deveria ser limitado ao período compreendido entre 01/04/1991 e
28/05/1998 (E. 16 da Turma Nacional de Uniformização).
Ocorre que, no caso concreto, não há provas concretas de que a Autora
trabalhou na empresa SAMCI (folhas 54/65), realizando atividade insalubre e perigosa.
Observando-se os formulários DSS-8030 de folhas 54/55, não há indicação expressa de
agente nocivo a que era submetida a autora, não havendo qualquer especificação quanto
à submissão de agente previsto em algum dos itens do Anexo III do Decreto 53.831/64
e do Decreto 83.080/79, repetido pelo Decreto 84.312/84. Além disso, os documentos
afirmam claramente a atividade de recepcionista da autora, que certamente não pode
ser reputada como insalubre.
A insalubridade a que se submeteu o recorrente, para fins de aposentadoria
especial, não pode ser demonstrada unicamente com o adicional de insalubridade previsto
nos documentos de folhas 56/65. Para que o segurado faça jus à aposentadoria especial,
é necessário que junte aos autos formulários (SB-40 ou DSS-8030) e laudos técnicos que
indiquem de forma especificada o agente nocivo ou a insalubridade prevista nos decretos
acima mencionados. Sem essa prova documental essencial, torna-se difícil a demonstração
de que merece ter o seu tempo de serviço contado de forma especial, não sendo suficiente
contra-cheques constando recebimento de adicional de insalubridade.
Pelas provas constantes nos autos (folhas 54/65), percebe-se que não há
documentação comprobatória (DSS-8030 e laudo técnico) de que a Autora submeteu-se a
atividade de risco, conforme dispõe o Anexo III do Decreto 53.831/64 e seguintes.
A título de argumentação, afasta-se aqui a tese de que a autora deveria
demonstrar o tempo de serviço em condições especiais através dos meios de prova
previstos no artigo 58, caput e parágrafos 1º e 2º, da Lei 8213/91, com redação dada
pelas Leis 9528, de 10/12/1997, e 9732, de 11/12/1998. O tempo de serviço deve ser
demonstrado de acordo com a legislação vigente à época em que fora desempenhado,
não podendo as Leis 9528 e 9732 retroagirem para abraçar situações fáticas em que não
eram exigidos os laudos periciais técnicos do art. 58 da Lei 8213/91. Retroagir essa nova
legislação para abranger tempo de serviço anterior é violar frontalmente o princípio
constitucional da intangibilidade dos atos jurídicos perfeitos, veiculado pelo art. 5º,
inciso XXXVI, da CR/88.
p. 188 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
Essa intangibilidade foi reconhecida pelo próprio Poder Executivo no art. 70,
§ 1º, do Decreto 3048/99, modificado pelo Decreto 4827, de 3 de setembro de 2003:
“Art.70. A conversão de tempo de atividade sob condições espe-ciais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela: TEMPO A CONVERTER MULTIPLICADORES MULHER (PARA 30) HOMEM (PARA 35)DE 15 ANOS 2,00 2,33DE 20 ANOS 1,50 1,75DE 25 ANOS 1,20 1,40 “§ 1º. A caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerá ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.“§ 2º. As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período.”
A impossibilidade de se aplicar meios probatórios previstos em legislação
posterior ao tempo de serviço efetivamente prestado também passou pela análise do
Superior Tribunal de Justiça:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. ATIVI-DADE SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS. LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA EM QUE OS SERVIÇOS FORAM PRESTADOS. CONVERSÃO EM COMUM DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. LEI 9.032/95 E DECRETO 2.172/97. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.I - O tempo de serviço é disciplinado pela lei vigente à época em que efetivamente prestado, passando a integrar, como direito au-tônomo, o patrimônio jurídico do trabalhador. A lei nova que venha a estabelecer restrição ao cômputo do tempo de serviço não pode ser aplicada retroativamente.II - A exigência de comprovação de efetiva exposição aos agentes nocivos, estabelecida no § 4º do art. 57 e §§ 1º e 2º do artigo 58 da Lei 8.213/91, este na redação da Lei 9.732/98, só pode aplicar-se ao tempo de serviço prestado durante a sua vigência, e não retro-ativamente, porque se trata de condição restritiva ao reconheci-mento do direito. Se a legislação anterior exigia a comprovação da exposição aos agentes nocivos, mas não limitava os meios de prova, a lei posterior, que passou a exigir laudo técnico, tem inegável caráter restritivo ao exercício do direito, não podendo se aplicada a situações pretéritas.
p. 189 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
III - Até o advento da Lei 9.032/95, em 29-04-95, era possível o re-conhecimento do tempo de serviço especial, com base na categoria profissional do trabalhador. A partir desta Norma, a comprovação da atividade especial é feita por intermédio dos formulários SB-40 e DSS-8030, até a edição do Decreto 2.172 de 05-03-97, que regu-lamentou a MP 1523/96 (convertida na Lei 9.528/97), que passou a exigir o laudo técnico.IV - O § 5º, do artigo 57 da Lei 8.213/91, passou a ter a redação do artigo 28 da Lei 9.711/98, tornando-se proibida a conversão do tempo de serviço especial em comum, exceto para a atividade es-pecial exercida até a edição da MP 1.663-10, em 28.05.98, quando o referido dispositivo ainda era aplicável, na redação original dada pela Lei 9.032/95.V - Agravo interno desprovido.” (STJ- AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 493458, 5ª Turma, Data da decisão: 03/06/2003, Relator Ministro GILSON DIPP)
Portanto, o tempo de serviço desempenhado pela autora na empresa SAMCI
no período de 01/04/1991 a 28/05/1998, ao contrário do que afirmado no laudo contábil
de folhas 117 e 159, não pode ser contado como especial, não se lhe aplicando o coefi-
ciente de 1,20 da tabela do art. 70 do Decreto 3048/99.
Considerando, portanto, o tempo de serviço na empresa SAMCI como comum
e estendendo-lhe até 16/12/1998, na forma do cálculo do contador judicial de folha
117, ou seja, contando 2.816 dias ao invés de 3.379 dias no período de 01/04/1991 até
16/12/1991, observa-se que a recorrida (até tal data) disporia de 24 anos, 8 meses e
6 dias (não lhe aplicando o coeficiente de 1,20 do art. 70 do Decreto 3048/1999).
Na época do requerimento administrativo (12/09/2002), já havia entrado
em vigor a EC 20/98, não estando mais vigente o art. 202, § 1º, da CR/88, que dizia ser
possível a aposentadoria por tempo de serviço proporcional se a segurada tivesse 25 anos
de serviço. Nessa época, já estava em vigor o art. 9º da EC 20/98, que conferia uma
norma de transição àqueles que ingressaram ao Regime Geral de Previdência Social antes
de 16 de dezembro de 1998. Na época do requerimento administrativo, exigia-se a idade
mínima de 48 anos (mulher) para fins de aposentadoria.
“Art. 9º Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:
p. 190 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
I - contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e
II - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; eb) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior. § 1º O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o dis-posto no inciso I do caput, e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições: I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; eb) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior; II - o valor da aposentadoria proporcional será equivalente a setenta por cento do valor da aposentadoria a que se refere o caput, acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de cem por cento.”
Segundo os cálculos da contadoria judicial de folhas 117/118 e 150/162,
na época do requerimento (12/09/2002), a autora contava com 53 anos de idade.
Contando os 24 anos, 8 meses e 6 dias (até 16/12/1998) com o período de quase 4 anos
de 17/12/1998 a 04/07/2002 (folha 159), a recorrida soma um total de 28 anos de tempo
de serviço. Percebe-se, pois, que, além de ter a idade mínima de 48 anos (art. 9º, I),
cumpriu o adicional de 40% da alínea “b” do art. 9º, § 1º, I, da EC 20/98.
Em 16/12/1998, possuía 24 anos, 8 meses e 6 dias. Na forma do art. 9º,
§ 1º, I, da EC 20/98, após 16/12/1998, deveria cumprir um adicional de 40% do tem-
po que faltava para a aposentadoria, ou seja, o tempo que faltava para completar 25
anos. A diferença entre os 25 anos (exigidos) e os 24 anos, 8 meses e 6 dias (exercidos),
fazendo uma conta arredondada, corresponde a 4 meses. Quarenta por cento de 4 meses
significa, mais ou menos, 1 mês e 15 dias. Portanto, depois de 16/12/1998, a recorrida
deveria trabalhar mais um mês e meio depois de completar os 25 anos de serviço. Como
o tempo posterior a 16/12/1998 (folha 117) conta mais de 3 anos de serviço, certamente
a recorrida cumpriu a exigência do art. 9º, § 1º, I, “b”, da EC 20/98 para fazer jus à
aposentadoria por tempo de serviço proporcional.
p. 191 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
Portanto, segundo a folha 117, mesmo desconsiderando como especial o
tempo trabalhado na empresa SAMCI de 01/04/1991 a 16/12/1998 (folhas 54/55), a autora
dispunha de tempo suficiente para se aposentar por tempo de serviço proporcional, na
forma do art. 9º, § 1º, da EC 20/98. Tendo a Autora completado os requisitos de idade e
tempo do art. 9º, § 1º, I, da EC 20/98 até 12/09/2002 (data do requerimento), faz jus à
aposentadoria proporcional.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO do INSS para
retificar parte da sentença de folha 165 no sentido de:
1) desconsiderar como especial o tempo de trabalho exercido na empresa SAMCI de
1/04/1991 a 16/12/1998; e
2) determinar a concessão a aposentadoria por tempo de serviço proporcional à recorrida
(art. 9º, § 1º, I, da EC 20/98), com DIB em 12/09/2002, considerando o tempo total na
forma da fundamentação acima (24 anos, 8 meses e 6 dias até 16/12/1998, somados
ao tempo comum de 17/12/1998 a 04/07/2002).
Transitada em julgado esta decisão, deve o INSS implementar a RMI no mês
seguinte e apurar administrativamente as diferenças devidas a título de atrasados, limita-
das ao montante de sessenta salários-mínimos vigentes à data da distribuição, corrigidas
monetariamente na forma da Tabela de Precatórios da Justiça Federal e acrescidas de
juros de mora de 1% a contar da citação, informando-as ao Juízo de 1º grau, para fins de
expedição da Requisição de Pequeno Valor (art. 17 da Lei 10.259/2001), tudo conforme
os Enunciados 22 e 31 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Sem condenação do INSS em honorários advocatícios, por ser recorrente
parcialmente vencedor (art. 55 da Lei 9099/95 c/c art. 1º da Lei 10.259/2001).
É como voto.
Rio de Janeiro, 04 de abril de 2006.
PAULO ANDRÉ ESPIRITO SANTO
Juiz Federal Relator – 2ª Turma Recursal
p. 192 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 183-192, 2006.
2ª TURMA RECURSAL
RECURSO INOMINADO
PROCESSO: 2003.51.51.011054-9/01
RECORRENTE: INSS – INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
RECORRIDA: MARIA DAS GRAÇAS GEMAQUE
ORIGEM: 7º JUIZADO ESPECIAL FEDERAL - CAPITAL
JUIZ FEDERAL RELATOR: PAULO ANDRÉ ESPIRITO SANTO
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. APOSENTADORIA POR TEMPO PROPORCIONAL.
PROVA IDÔNEA.
- Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos.
- Prova documental inidônea e insuficiente para comprovar vínculo empregatício
como exercido em condições especiais (insalubres).
- Contudo, mesmo considerando o tempo exercido como comum, a recorrida faz
jus à aposentadoria proporcional.
- Sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido.
- Sem honorários.
A C Ó R D Ã O
Decidem os Juízes integrantes da 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais
Federais, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, reformando a
r. sentença proferida, nos termos do voto do Juiz Relator.
Participaram da sessão a Juíza Federal Presidente da 2ª Turma Recursal,
Dra. Lucy Costa de Freitas Campani, o Juiz Federal, Dr. Alfredo Jara Moura (revisor), e o
Juiz Federal Relator, Dr. Paulo André Espirito Santo.
Rio de Janeiro, 04 de abril de 2006.
PAULO ANDRÉ ESPIRITO SANTO
Juiz Federal Relator – 2ª Turma Recursal
Resenhas e textos
p. 195 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
RECENSÃO À “INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO JURÍDICO”, DE KARL ENGISCH (FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN)
Eugênio Rosa de Araújo
Juiz Federal da 17ª Vara
1. Sobre o sentido e a estrutura da regra jurídica 2. A elaboração de juízos jurídicos
concretos a partir da regra jurídica, especialmente o problema da subsunção
3. A elaboração de juízos jurídicos abstratos a partir das regras jurídicas. Interpretação
e compreensão destas regras 4. Interpretação e compreensão das regras jurídicas.
Continuação: o legislador ou a lei? 5. Conceitos jurídicos indeterminados, conceitos
normativos, poder discricionário 6. Preenchimento de lacunas e correção do direito legis-
lado incorreto 7. Da lei para o Direito, da jurisprudência para a filosofia do Direito
1. SOBRE O SENTIDO E A ESTRUTURA DA REGRA JURÍDICA
No Direito, a palavra validade tem um significado muito particular –
ela traduz a idéia de que uma relação da vida é visualizada de determinada maneira
(ex.: pais e filhos em face do Direito Civil e do Direito Penal).
De um modo geral, o Direito se curva diante da natureza e apenas afirma
aquilo que é. Por exemplo, uma mulher casada que engravida tem a paternidade presumida
de seu esposo. Considera-se (vale) como filho o feto, embora de forma presumida.
Nesse caso, o ponto de vista jurídico pode estar em conflito com o ponto de
vista natural. A incerteza do pai é eliminada no interesse da segurança jurídica através
da presunção de que o marido que coabitou com a mãe é o pai da criança.
Assim, muito embora o legislador se esforce, nem sempre os dados especi-
ficamente jurídicos precisam coincidir com os dados naturais, embora deva ser almejada
a coincidência.
O conceito jurídico do fato natural (ex.: o parentesco) tem um alcance
particular que lhe empresta uma significação que funciona como hipótese legal à qual a
norma jurídica liga conseqüências jurídicas.
Quando se diz que o pai ilegítimo não é parente de seu filho ilegítimo, com
esta regra jurídica se quer significar que à hipótese legal da descendência ilegítima não
são ligados os mesmos efeitos jurídicos que à hipótese legal de descendência legítima.
Que são efeitos jurídicos? É a relatividade da regulamentação jurídica,
sob a forma de diferentes efeitos jurídicos referidos à mesma situação fática básica, que
nos faz compreender melhor a relatividade da regulamentação jurídica na formação dos
conceitos da hipótese legal.
p. 196 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
A sucessão legítima e a ilegítima poderiam ter diferentes conseqüências
jurídicas embora constituíssem uma mesma situação de fato material, porque o legislador
tem a liberdade de, em face de um fato natural unitário, determinar diferentemente os
pressupostos da hipótese na perspectiva de pontos de vista específicos, ao concebê-los
de diferentes modos, tendo em conta diferentes conseqüências jurídicas.
As conseqüências jurídicas consistem em direitos (poderes jurídicos) e
deveres, e que estes direitos e deveres são reconhecidos como jurídicos. Eles apenas são
reconhecidos como jurídicos quando podem ser defendidos e efetivados através de meios
jurídicos, i.e., podem fazer-se valer perante as autoridade judiciais e administrativas.
As conseqüências jurídicas são constituídas por direitos e deveres. No
Direito, há grandezas negativas, conseqüências jurídicas negativas, i.e., a negação de
direitos e deveres. Se, v.g., um negócio jurídico é contrário à lei (promessa de prestar
falso testemunho mediante paga), o negócio é nulo, o que significa que dele não resul-
tam quaisquer direitos ou obrigações.
Pode-se distinguir, ainda, hipótese legal, de que eles podem resultar di-
reitos e deveres de conteúdo negativo, i.e., referentes a uma omissão, a um não-fazer
algo, v.g., não fazer barulho e o correspondente direito.
Autênticas grandezas negativas em sentido jurídico são negações de
direitos e deveres que seguem conexas à nulidade dos negócios jurídicos contrários à
lei e aos bons costumes. Elas representam como um cancelamento das conseqüências
jurídicas que nós, estranhamente, chamamos de “conseqüência jurídica”, pois dizemos
que a ofensa à lei por parte de um negócio jurídico tem por conseqüência jurídica a
nulidade do negócio e que, portanto, ele não produz propriamente quaisquer conse-
qüências jurídicas.
Essa ambigüidade reside no fato de chamarmos “conseqüência jurídica”
uma parte constitutiva da regra jurídica (composta de hipótese legal e conseqüência
jurídica) que prescreve ou estatui a constituição de um direito ou dever ou aquilo a
que o direito e o dever se referem (a prestação, a pena, etc.).
Por exemplo, é preciso distinguir entre a estatuição da regra jurídica,
prescrevendo que de um contrato de compra e venda resultam certos direitos e deveres
(é esta a conseqüência jurídica como parte constitutiva da regra de direito) e os próprios
direitos e deveres das partes contratantes que se encontram prescritos naquela regra:
o direito do vendedor a exigir o preço da venda e o dever do comprador de pagar e
receber a mercadoria.
p. 197 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Para afastar dúvidas, convém dar à conseqüência jurídica, quando esta
seja entendida no sentido de elemento constitutivo da regra jurídica, a designação de
comando ou estatuição jurídica.
O centro gravitacional do Direito reside no fato de ele positivamente
assegurar direitos e impor deveres.
De um modo geral tem-se a conseqüência jurídica ou efeito jurídico de
uma factualidade juridicamente relevante, que consiste na constituição, extinção ou
modificação de uma relação jurídica.
Relação jurídica é uma relação de vida definida pelo Direito (comprador/
vendedor, cônjuges, etc.).
Pelo lado do seu conteúdo, as relações jurídicas apresentam-se como po-
deres (direitos) aos quais se contrapõem os correspondentes deveres.
Se analisarmos a relação jurídica enquanto conteúdo de “conseqüência
jurídica”, veremos que ela não funciona como conseqüência jurídica, mas como hipótese
legal destinada a produzir conseqüências jurídicas e que, ao invés, na medida em que
a relação jurídica, ou a sua constituição, extinção ou modificação seja encarada como
conseqüência jurídica, esta formulação, por sua vez, nada mais exprime senão direitos
e deveres, sua constituição, etc.
Pode-se concluir que as conseqüências jurídicas, que nas regras de Direito
aparecem ligadas às hipóteses legais, são constituídas por direitos e deveres. As esta-
tuições das conseqüências jurídicas prescrevem a constituição ou a não-constituição de
direitos e deveres.
É fora de dúvida que não existem direitos sem deveres, ao passo que é duvidoso
que a todos os deveres correspondam direitos referidos ao cumprimento desses deveres.
As conseqüências jurídicas previstas nas regras de Direito são constituídas
por deveres e um dever consiste sempre no dever-ser de certa conduta.
As regras jurídicas são regras de dever-ser e são verdadeiramente pro-
posições ou regras hipotéticas. Elas afirmam um dever-ser condicional, um dever-ser
condicionado através da hipótese legal (ex.: na compra e venda a entrega da coisa e o
pagamento do preço).
Podemos afirmar que as regras jurídicas, como regras de dever-ser dirigidas
a uma conduta de outrem, são imperativas. Pode-se esclarecer, ainda, o conceito de
dever-ser pelo conceito de valor: uma conduta é devida (dever-ser) sempre que a sua
realização é valorada positivamente e a sua omissão, valorada negativamente.
Dizer que as regras jurídicas são imperativas significa dizer que exprimem
uma vontade da comunidade jurídica, do Estado ou do legislador. Esta vontade dirige-se
p. 198 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
a uma determinada conduta dos súditos, exigindo-a com vistas a determinar a sua reali-
zação. Enquanto os imperativos jurídicos estiverem em vigor, eles têm força obrigatória.
Os deveres (obrigações) são, portanto, o correlato dos imperativos.
Tanto as definições legais como as permissões são regras não-autônomas:
apenas têm sentido em combinação com imperativos que por ele são esclarecidos e
limitados. Também os imperativos só se tornam completos quando lhes acrescentamos
os esclarecimentos que resultam das definições legais e das delimitações do seu alcance,
das permissões, assim como de outras exceções.
Os verdadeiros portadores de sentido da ordem jurídica são as proibições
e as prescrições (comandos) dirigidas aos destinatários do Direito, entre os quais, os
próprios órgãos estatais.
Em relação às denegações de conseqüências jurídicas (nulidade do negócio),
as prescrições ou comandos que impõem a prestação são também limitados pelas regras
sobre a nulidade dos negócios jurídicos.
No caso de revogação de um imperativo, a revogação não é, ela mesma,
um imperativo nem parte integrante de um imperativo; no imperativo, a vontade do
destinatário do Direito é vinculada, ao passo que na norma jurídica revogatória, essa
vontade é libertada (revogação do aborto, p. ex.).
Se, no entanto, a regra da proibição do aborto é quebrada apenas em alguns
casos (terapêutico), a proibição não deixa de ser regra geral, havendo em relação à parte
destacada uma regra permissiva limitadora não-autônoma.
Pelas normas revogatórias, certas formas de conduta são subtraídas ao domí-
nio do jurídico e relegadas para o “espaço ajurídico”. O que subsiste são imperativos.
Outra classe de normas importante é a das normas atributivas. São aquelas
que conferem direitos subjetivos (ex.: garantias fundamentais, propriedade, etc.).
O Direito objetivo é a ordem jurídica, o conjunto das normas ou regras
jurídicas que nós concebemos como imperativas. O Direito subjetivo é o poder ou legi-
timação conferidos pelo Direito.
Os direitos subjetivos são mais do que simples permissões. Reconhece-se
ao seu titular uma esfera de poder, de modo a ser-lhe possível, dentro dela, acautelar
os seus próprios interesses. O direito subjetivo é um poder que ao indivíduo é concedido
pela ordem jurídica e, pelo que respeita à sua finalidade, um meio para a satisfação de
interesses humanos.
Toda regra jurídica perfeita (completa) contém uma prescrição (um co-
mando); muitas, além disso, contêm uma concessão.
p. 199 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
A regra jurídica que me atribui a propriedade não se limita a estabelecer
para os outros a proibição de me perturbarem no domínio da coisa, antes me conferem,
ao mesmo tempo, o domínio sobre a coisa, no sentido de que eu próprio possa exigir que
não me perturbem.
A concessão de direitos subjetivos é, no fundo, um modo de falar sobre
uma constelação de imperativos entrelaçados de uma forma especial.
Sempre que há direitos subjetivos, sempre que eles são concedidos, os são
através da criação de imperativos. O Direito não dispõe de qualquer outro meio de ação,
senão aquele que lhe é conferido através do poder de emitir comandos.
Os direitos subjetivos só podem ser concedidos quando se agravam as ou-
tras pessoas com exigências e obrigações, mesmo que se trate apenas da obrigação de
conservar uma coisa ou abster-se de uma ação.
Em relação à distinção entre a simples permissão e a concessão de direitos
subjetivos, é preciso frisar que, a cada nova permissão, são limitadas as proibições e os
imperativos perdem terreno. Em novas concessões de direitos, os imperativos aumen-
tam necessariamente. O domínio do permitido alarga-se tanto mais os imperativos se
dissolvem. Inversamente, o inventário dos direitos subjetivos apenas pode aumentar em
paralelo com o aumento do inventário das proibições e prescrições.
É preciso lembrar que a vontade do legislador não é desvinculada (incon-
dicionada), um mero arbítrio. Os comandos e proibições do Direito têm as suas raízes
nas chamadas normas de valoração e fundamentam-se em valorações, aprovações e
desaprovações. Todo imperativo já pressupõe o juízo de que aquilo que se exige tem um
valor particular, um valor próprio, e é por isso mesmo exigido.
O Direito enquanto norma determinativa (= imperativa) não é “pensável”
sem o Direito enquanto norma valoradora – o Direito como norma valoradora é um pres-
suposto necessário e lógico do Direito como norma determinativa, pois quem pretende
“determinar” alguém a fazer algo tem de previamente conhecer aquilo que quer deter-
minar: ele tem de “valorá-lo” em um determinado sentido positivo.
Firmado que as normas jurídicas são, no seu conteúdo essencial, impera-
tivos, cabe a pergunta: são imperativos categóricos ou hipotéticos?
Já se viu que as regras ou proposições jurídicas são regras hipotéticas
de dever-ser.
Os imperativos hipotéticos colocam a necessidade prática de uma possível
conduta como meio para qualquer outra coisa que se pretenda alcançar.
Os imperativos categóricos seriam aqueles que apresentassem uma conduta
como objetivamente necessária por si mesma, sem referência a qualquer outro fim.
p. 200 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Os imperativos hipotéticos têm o seguinte teor: se queres alcançar este ou
aquele fim, deves recorrer a este ou àquele meio. São indicações técnicas, nas quais se
pressupõe “hipoteticamente” um determinado fim. Aqui a questão não é saber se o fim
é racional ou bom, mas apenas o que temos de fazer para alcançá-lo. Um traço essencial
da técnica de formulação dos imperativos hipotéticos é ensinar os meios de realizar
determinados fins sem discutir ou apreciá-los moralmente.
De modo diverso, a função de um imperativo categórico é dizer qual o
fim a que se deve propor ou seguir, em cada caso, incondicional e absolutamente sem
referência a um outro fim.
Aqui, importa salientar que a técnica ensina os meios para alcançar o fim
desejado e deixa à moral a determinação do próprio fim. A técnica é moralmente indife-
rente e recebe a significação de moralidade ou imoralidade a cujo serviço se propõe.
Indaga-se: a ciência jurídica é mais informada por uma orientação técnica ou
ética? As regras jurídicas são concebidas como preceitos que exigem determinados meios
para determinados fins. Grande parte dos imperativos proíbe ou prescrevem determinadas
condutas para criarem aquelas posições de privilégio denominadas direitos subjetivos.
Ao lado disso, o Direito está sob o signo e o critério da conveniência política
(da adequação a fins). Ele deve conformar e modelar a vida da comunidade de modo
ajustado a certos fins.
O próprio Direito aprecia os fins em ordem aos quais estabelece as suas
regras. Ele valora determinados fins como bons e por isso mesmo se submete, na medida
em que é informado pela aspiração do “justo” aos princípios morais. Fixa, portanto, os
fins e exige a sua realização de uma forma tão incondicional, de um modo tão “categó-
rico”, como a moral.
Na interpretação e na aplicação dos imperativos jurídicos, devemos enten-
der/compreender estes como meios para alcançar os fins que o Direito considera bons.
Inversamente, quando nos achamos diante de imperativos hipotéticos, somos livres para
nos decidir a favor ou contra o fim. Só se quisermos o fim e o quisermos alcançar com
segurança, é que temos de nos orientar pelo imperativo hipotético, o qual nos aconselha
os meios apropriados.
Assim, o Direito tem ao mesmo tempo um caráter hipotético e categórico.
Quanto à sua substância, a regra jurídica é um imperativo categórico. Ela exige/prescreve
incondicionalmente (ex.: pagar impostos, contratos, tratados).
O certo é que depende de nós se queremos ou não nos vincular à celebra-
ção de um contrato. Nesse caso, está em nossas mãos o poder de utilizar as regras e os
preceitos jurídicos como meios para a modelação planejada de nossas relações de vida.
Uma vez que nos tenhamos vinculado, é-nos exigido categoricamente o cumprimento
das obrigações assumidas.
p. 201 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Toda regra jurídica representa uma hipótese, pois que ela é apenas apli-
cável quando se apresentarem certas circunstâncias de fato que na própria regra se
acham descritas.
A rigor, a proibição de matar tem o seguinte teor: quando não é caso de
legítima defesa, guerra, sentença de morte, é proibido matar. Tem-se aqui um imperativo
concebido sob a forma hipotética. Para não confundirmos com o “imperativo hipotético”,
pode-se designá-lo como um “imperativo condicional”.
Em determinados casos concretos, pode-se duvidar sobre o que pertence à
hipótese legal e o que faz parte da conseqüência jurídica. Quando a lei diz “aquele que
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, podemos perguntar se a
fórmula “causar dano a outrem” pertence à hipótese legal ou à conseqüência jurídica.
A solução é a seguinte: pertence à hipótese legal que um determinado
prejuízo tenha surgido, e à conseqüência jurídica que esse prejuízo deva ser indenizado.
Pertence à hipótese legal tudo aquilo que se refere à situação que está conexa ao dever-
ser, e à conseqüência jurídica tudo aquilo que determina o conteúdo deste dever-ser.
Tanto a hipótese legal como a estatuição (conseqüência jurídica) são,
sob o aspecto de elementos da regra jurídica, representados por conceitos abstratos.
A hipótese legal e a conseqüência jurídica (estatuição), como elementos constitutivos
da regra jurídica, não devem ser confundidos com a concreta situação da vida e com a
conseqüência jurídica concreta, tal como esta é proferida ou ditada com base naquela
regra. Para maior clareza, chamamos por isso “situação de fato” ou “concreta situação
da vida”: a hipótese legal concretizada.
Outro problema é a questão de saber qual a relação em que se encontram
entre si a hipótese legal e a conseqüência jurídica. Trata-se de uma relação de condi-
cionalidade: a hipótese legal, como elemento constitutivo abstrato da regra jurídica,
define conceitualmente os pressupostos sob os quais a estatuição da conseqüência
jurídica intervém e a conseqüência jurídica é desencadeada.
É logicamente indiferente dizer que, sob as condições (pressupostos) for-
muladas na hipótese legal vale (intervém) a conseqüência jurídica, ou dizer que para a
hipótese legal vale a conseqüência jurídica.
Uma modificação no mundo do Direito somente surge (acontece) quando se
verifica a situação descrita na hipótese legal para tanto necessária; se ela desencadeia
sempre que a situação descrita na hipótese legal se apresenta como uma necessidade
inarredável, por assim dizer automaticamente, e isto no preciso momento em que a
situação descrita na hipótese legal se completa: entre a causa jurídica e o efeito não se
medeia, como na natureza física, qualquer espaço de tempo mensurável.
p. 202 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
A causalidade jurídica (a circunstância de um fato arrastar consigo efeitos
de Direito) baseia-se na determinação da lei e, por isso, pode ser livremente modelada
por ela: o Direito pode coligar a quaisquer fatos quaisquer conseqüências jurídicas.
Da idéia de causalidade jurídica extraem-se conseqüências práticas.
Ex.: um conseqüência jurídica não pode produzir-se duas vezes ou ser duas vezes anulada.
Não há “efeitos duplos” no Direito. Se adquiro o imóvel por compra e venda, não posso
adquiri-lo novamente por usucapião; se um negócio é anulado por um motivo, não pode
ser declarado nulo mais uma vez por outro motivo.
Um direito, uma vez constituído, não pode voltar a constituir-se, e um
direito que ainda não se constituiu ou se extinguiu não pode ser anulado. Um direito não
constituído não pode ser anulado.
Quando o Juiz refere à regra jurídica uma faticidade concreta prevista na
hipótese legal, uma situação da vida, i.e., quando ele a subsume à hipótese abstrata da
lei, esta subsunção, por si só, não chega à conseqüência jurídica concreta, mas unicamente
quando logicamente pressupõe que, na lei, por um lado e, no caso concreto, por outro,
a situação descrita na hipótese legal arraste consigo a conseqüência jurídica.
É a este arrastar atrás de si que os causalistas dão a designação de causa-
lidade jurídica. Por conseguinte, chamaremos de causalidade esta conexão entre hipó-
tese legal e conseqüência jurídica, in abstrato (dentro da regra jurídica, portanto) ou
in concreto (quer dizer, com referência ao caso da vida que cai sobre a regra jurídica).
É sempre verdade que a causalidade natural se baseia em leis naturais, ao
passo que a causalidade jurídica se funda em leis humanas, sendo estas últimas produto
de uma criação arbitrária.
Cumpre mencionar a questão dos duplos efeitos. No caso, várias hipóteses
legais trazem, abstratamente, a mesma conseqüência jurídica, por exemplo: uma pessoa
compra um bem o qual já tenha usucapido. Aqui, o resultado concreto – transferência da
propriedade –, de forma concreta e convergente, é baseado, no entanto, em hipóteses
abstratas distintas.
É possível que se constituam uma após outra duas obrigações de realizar
uma e a mesma prestação, e bem assim que eu seja proprietário por dois fundamentos
distintos (comprei imóvel o qual já havia usucapido), sendo indiferente que estes dois
fundamentos surjam um ao lado do outro. É igualmente possível que uma e mesma relação
jurídica deva ser negada por dois fundamentos diferentes. É possível que um crédito seja
pago e depois prescreva e, ainda, é possível que um negócio jurídico possa ser nulo por
dois fundamentos, como por falta de forma e ao mesmo tempo por doença mental de
uma das partes, pelo que poderá um negócio jurídico nulo ser ainda atacado em via
de anulação e tornar-se nulo por este outro motivo, pois que também nesse caso trata-se
apenas de uma pluralidade de fundamentos da não-existência do vínculo.
p. 203 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
O problema dos efeitos duplos é dificultado pelo fato de que nem sempre
se distinguem e se separam com suficiente precisão os diferentes grupos de casos. Nos
duplos fundamentos, trata-se de uma conseqüência jurídica procedente de vários funda-
mentos, ao passo que nos efeitos duplos trata-se de várias conseqüências jurídicas iguais
quanto ao seu conteúdo.
A presença dos fatos concretos que preenchem a hipótese legal abstrata
da regra jurídica passa a ser a base em que se funda o juízo cognitivo sobre a atualidade
(= efetiva existência) da conseqüência jurídica.
A questão de saber em que medida uma e mesma conseqüência jurídica
pode ser derivada de vários complexos de fatos que a fundamentam, apenas pode ser
decidida de caso para caso, segundo pontos de vista próprios do jurista e metodologi-
camente corretos. Fundamentalmente, nada obsta à admissibilidade de efeitos duplos,
quer se trate de duplos fundamentos ou de conseqüências duplas.
O problema da subsunção parte do realce da conexão entre hipótese legal
e conseqüência jurídica, de qualquer modo que a interpretemos ou designemos, aparece
como uma conexão produzida pelo Direito Positivo, i.e., pela lei.
2. A ELABORAÇÃO DE JUÍZOS JURÍDICOS CONCRETOS A PARTIR DA REGRA JURÍDICA,
ESPECIALMENTE O PROBLEMA DA SUBSUNÇÃO
Vamos falar novamente do problema da regra jurídica.
O Direito, quando se dirige a nós, o faz tendo em conta que atuamos através
de ações. A todo momento, o Direito determina nossos atos e omissões através dos quais
construímos nossa vida.
A forma sob a qual o Direito adquire um significado determinante do nosso
viver consiste em que ele diz o modo como in concreto nos devemos conduzir. O Direito
destila-se em regras concretas de dever-ser e a todo momento dele solicitamos como
devemos ou não agir (o que é lícito, o que não se deve fazer...).
Sabemos que, na vida moderna, é a lei que nos informa sobre o concreto
dever-ser jurídico, obrigando-nos a relacionar a vida com o Direito. Tal questão conduz-
nos ao problema do “pensamento jurídico”.
A determinação daquilo que, in concreto, é juridicamente devido ou per-
mitido é feita de um modo autoritário através de órgãos aplicadores do Direito e pelo
Direito mesmo instituídos, i.e., através dos tribunais e das autoridades administrativas.
Rege-nos o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF/88), sendo este um aspecto
essencial do Estado de Direito de nossa vida pública.
p. 204 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Pelo princípio da legalidade, todos os atos do Estado devem poder ser
reconduzidos a uma lei formal ou “com base” numa lei formal. Não se consente que um
ato do Executivo seja pura e simplesmente fundamentado no Direito não escrito ou em
princípios ético-sociais gerais como justiça, moralidade, etc.
É preciso lembrar, no entanto, que é função da administração e dos tribunais
moldar a vida da comunidade estatal segundo pontos de vista de utilidade e eqüidade,
inclusive segundo um critério discricionário ou de “livre iniciativa”.
Para analisarmos o pensamento dos juristas na aplicação da lei à concreta
situação da vida, é preciso focar o processo de aplicação em que ele se apresenta de
uma forma depurada.
O juiz perante o seu cargo e a sua consciência somente poderá sentir-se
justificado quando a sua decisão também possa ser fundada na lei, o que significa ser dela
deduzida. A descoberta e a fundamentação não são procedimentos opostos.
O centro de gravidade dessa fundamentação é a premissa menor. Nela já
se acha mencionada a subsunção. Em regra, com ela encontra-se estreitamente conexa
uma verificação de fatos, i.e., dos fatos que são subsumidos.
Temos de nos debruçar com mais vagar na verificação dos fatos como
tais. As provas, diz-se, têm o objetivo de criar no juiz a convicção da existência de
determinados fatos.
Assim como o historiador descobre os fatos históricos com base nas fontes
ao seu dispor, assim também no processo judicial os fatos juridicamente relevantes são
descobertos com base nas declarações do acusado (confissão) e nos meios de prova: objetos
suscetíveis de inspeção ocular direta, documentos, testemunhas e peritos.
Ao falarmos de fatos, temos em vista acontecimentos, circunstâncias,
relações, objetos e estados, todos situados no passado, ou mesmo só temporalmente
determinados, pertencentes ao domínio da percepção externa ou interna e ordenados
segundo leis naturais.
A prova judicial é, na maioria dos casos, “por indícios”, quer dizer, prova
feita através de conclusões dos “indícios” para os fatos diretamente relevantes cuja
verificação está em causa.
Indícios são os fatos que têm na verdade a vantagem de serem acessíveis à
nossa percepção e apreensão atuais, mas que em si mesmos seriam juridicamente insig-
nificativos se não nos permitissem uma conclusão para aqueles fatos de cuja subsunção
às hipóteses legais se trata, e a que chamamos “fatos diretamente relevantes”.
Aquilo que é diretamente relevante depende de cada regra jurídica e de
p. 205 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
sua hipótese legal. Também ao conceito de fato diretamente relevante pertence uma
certa relatividade. Entre os indícios, a confissão no processo penal tem um valor, e no
processo civil, outra.
Acrescente-se que também as afirmações das testemunhas dos fatos nada
mais são que “indícios”. As afirmações (depoimentos) das testemunhas apenas são “fatos
indiretamente relevantes”, os quais permitem uma conclusão relativamente fundada para
o fato que se situa no passado e sobre o qual são feitas afirmações (depoimentos).
Ao falarmos de conclusão, devemos frisar que se trata de uma conclusão
apenas válida com certo grau de probabilidade, maior ou menor, baseada nas regras de
experiência. Regras que, por sua vez, desempenham importante papel no procedimento
judicial probatório e são fornecidas ao tribunal nos casos difíceis, por peritos.
A indagação processual da verdade é juridicamente regulada, observando-se
os limites jurídicos processuais de sua indagação.
Ora, se a verificação dos fatos integrada na premissa menor como um resul-
tado parcial é já o produto de atos cognitivos e deduções complexas, algo de semelhante
ocorre com a subsunção que se passará a considerar em si mesma.
Escolhamos um exemplo em que a lei, para a descrição do tipo legal, serve-
se de conceitos que não requerem quaisquer valorações e, portanto, não são conceitos
normativos, mas conceitos descritivos.
Podemos tomar o conceito de coisa e a questão de saber se a energia elé-
trica deve ser subsumida a este conceito.
Na subsunção, trata-se de submeter um caso individual à hipótese ou tipo legal
e não diretamente subordinar ou enquadrar um grupo de casos ou uma espécie de casos.
Para Larenz, subsunção é a afirmação de que as características referidas
na hipótese da regra jurídica encontram-se realizadas na situação de vida a que a mesma
afirmação se reporta.
Assim, a subsunção é a determinação da coincidência do “complexo con-
creto de características” com a “definição abstrata do conceito” ou determinação da
identidade “entre os conteúdos da experiência”, significados em geral pelas palavras
da lei (buzinar de carros) e o fato da experiência imediatamente sensível da situação
concreta (o buzinar deste carro).
Ainda em relação à estrutura lógica da subsunção de um caso a um conceito
jurídico, nota-se que ela representa uma relação entre conceitos: um fato tem de ser pen-
sado em conceitos, pois que de outra forma – como fato – não é conhecido, ao passo que os
conceitos jurídicos, como o seu nome diz, são sempre pensados na forma conceitual.
São, portanto, subsumidos conceitos de fatos a conceitos jurídicos.
p. 206 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
A subsunção de uma situação de fato concreta e real a um conceito pode
ser entendida como enquadramento desta situação de fato, do “caso”, na classe dos casos
designados pelo conceito jurídico ou pela hipótese abstrata da regra jurídica.
A interpretação do conceito jurídico é o pressuposto lógico da subsunção,
a qual, por seu turno, uma vez realizada, representa um novo material de interpretação
e pode servir posteriormente como material ou termo de comparação.
Em cada subsunção efetivamente nova, o caso a subsumir difere-se sob
qualquer aspecto dos casos até então enquadrados na classe e, por conseguinte, impõe
sempre ao jurista, que está vinculado ao princípio da igualdade, a penosa questão de
saber se a divergência é essencial ou não.
A interpretação não só fornece o material de confronto para a subsunção
como ainda os pontos de referência para a comparação. Desta forma, ela decide ao mes-
mo tempo sobre aqueles momentos (aspectos) do material de confronto e da situação de
fato a decidir que hão de ser entre si comparados.
É ela ainda quem decide por que meios do espírito a comparação deve ser
realizada: se por meio dos sentidos externos ou por meio do pensamento e, neste último
caso, se por meio do pensamento cognitivo ou emocional.
São agora necessárias algumas considerações sobre as conseqüências de
não se lograr estabelecer a premissa menor.
Até aqui, temos pressuposto que se consegue obter a premissa menor, que
se chega à verificação de fatos que podem ser subsumidos a um conceito jurídico, e isto de
modo a podermos, da combinação da premissa menor com a maior, deduzir a conclusão.
O ônus da prova relaciona-se com a hipótese de, apesar de todas as ativi-
dades probatórias, subsistirem dúvidas na questão de fato.
As dúvidas sobre os fatos não podem, como as dúvidas sobre o direito, ser
afastadas, e nos esforçamos simplesmente para decidir por uma determinada concepção. Por
outro lado, é também proibido ao tribunal recusar-se a decidir, alegando dúvida na questão
de fato. O tribunal tem de resolver o litígio, muito embora não possa resolver a dúvida.
De outro modo, ele não cuidaria da pacificação em concreto das relações da vida.
Caso existam dúvidas sobre a questão de fato, o juiz terá de “presumir” a situação
de fato. No processo penal, in dubio pro reo e no processo civil, in dubio contra actorem.
Se, por exemplo, o demandado admite ter recebido o empréstimo e apenas
se limita a contestar, com a alegação de que já o restituiu, caso a restituição continue a
ser objeto de contestação e de dúvida, é ao demandado que cabe o ônus de provar esta
exceção. Se não provar a restituição, será condenado a pagar ao demandante (equivale
ao in dubio contra reum).
p. 207 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Relativamente àquelas oposições e exceções cuja prova compete ao de-
mandado, este é equiparado, pelo risco do processo, a um demandante que não consegue
provar os fatos que fundamentam sua pretensão.
3. A ELABORAÇÃO DE JUÍZOS JURÍDICOS ABSTRATOS A PARTIR DAS REGRAS JURÍDICAS.
INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO DESTAS REGRAS
No capítulo anterior, tratou-se do silogismo jurídico. A premissa menor é o
nervo que veicula até o caso concreto as idéias jurídicas gerais contidas na lei, i.e., na
premissa maior, o que torna possível a conformidade do caso com a lei.
Viu-se que a subsunção contida na premissa menor remete para uma
“interpretação” da lei e, dessa forma, para uma atividade mental realizada em torno
da premissa maior.
Foi dito que a premissa maior, com a qual a menor se combina, é extraída
da lei. Representou-se a lei como imperativo condicional (dever-ser através da limitação
da lei), ao passo que a premissa maior correspondente à lei traduz um juízo hipotético
(ordena uma ação que é boa relativamente a um objetivo possível ou real).
Seria muito simples se a elaboração da premissa maior se reduzisse a con-
verter o imperativo condicional (“faça o que está na lei”) em um juízo hipotético.
Cabe aqui relembrar algo que já se disse sobre juízos hipotéticos e impe-
rativos condicionais.
Proposições ou regras devem ser hipotéticas. Elas afirmam (um dever-ser
condicional), um “dever-ser” condicionado através da hipótese legal.
Embora as leis designem as conseqüências jurídicas como “obrigações”
ou se exprimam de qualquer outra maneira, o que se quer significar sempre é que algo
deve acontecer.
O “dever-ser” é dirigido por uma vontade supra-ordenada a uma vontade
subordinada. O “tu deves” tem caráter imperativo. Podemos, então, afirmar que as regras
jurídicas, como regras de dever-ser dirigidas a uma conduta de outrem, são imperativas.
O deverá-ser através do conceito de valor implica que uma conduta é devida
(deve ser) sempre que a sua realização for valorada positivamente.
Os deveres (obrigações) são, portanto, correlatos dos imperativos.
A máxima “o que não é proibido é permitido” pode também ser invertida:
“o que é permitido não é proibido”. Tanto as definições legais como as permissões são,
pois, regras não autônomas. Apenas têm sentido em combinação com imperativos que
por elas são esclarecidos ou limitados.
p. 208 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Os verdadeiros portadores de sentido da ordem jurídica são as proibições e
as prescrições (comandos) dirigidas aos destinatários do Direito, entre os quais se contam,
de resto, os próprios órgãos estatais.
Uma primeira e mais complicada tarefa que o jurista tem de desempenhar
para obter a premissa maior jurídica consiste em aglutinar num todo unitário as partes ou
elementos de um pensamento jurídico-normativo completo que, por razões “técnicas”,
encontram-se dispersas, senão violentamente separadas.
O jurista deve reunir e conjugar aquelas partes constitutivas do pensamento
jurídico-normativo que são necessárias para a apreciação e decisão do caso concreto.
No caso do art. 121 do CP, a premissa maior completa seria: segundo o
Direito Penal o homicida, “imputável”, que não esteja numa “causa de justificação ou
exclusão” e que provoque “intencionalmente” a morte de uma “pessoa” com “crueldade”
ou “motivo torpe”, etc., sofrerá a pena tal.
A complementação da premissa maior será, conforme o caso, tão extensa
quanto o exigir da apreciação e da decisão do caso.
Quanto mais compreensiva e sutil a legislação, maiores são as exigências
postas pela reunião e congregação das partes que integram a norma jurídica a fim de se
obter um domínio mental da lei.
Quando aplicamos um artigo do Código, aplicamos todo o Código e todo o
ordenamento jurídico.
Pode parecer a tese um exagero, mas ela põe em destaque a unidade do
ordenamento jurídico, vez que é preciso traduzir a premissa maior dentro do contexto
de todo o código ou ordenamento jurídico, porque compõem um complexo harmônico
de pensamentos jurídicos.
É preciso ter em mente que o jurista reúne o material legislativo disperso
num todo unitário com sentido e, desta forma, prepara a premissa maior de que necessita
no caso concreto. Se a esta premissa pode-se dar uma expressão lingüística satisfatória,
isso é coisa secundária e nem sempre possível.
Talvez a premissa maior apresente-se como uma tessitura de pensamentos
que só possa receber uma expressão lingüística adequada em uma série de proposições.
O essencial será que, no sentido lógico, a conexão intrínseca dos pensamentos jurídicos
forme aquela premissa maior com a qual se combinam a premissa menor e, através dela,
a conclusão.
Aqui, trata-se de reconduzirmos a premissa maior do domínio do “extensivo”
para o do “intensivo”, isto é, “da subsunção global” para a “subsunção particular”.
A subsunção se processa pela equiparação do caso a decidir “aqui e agora”
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àqueles casos que sem dúvida são abrangidos pela lei, mas a questão de saber quais são
estes casos e sob que pontos de vista e aspectos o novo caso será passível de equiparação
será decidida através da interpretação da disposição legal em foco.
Através da interpretação, são intercaladas, entre a premissa maior e a
decisão do caso, várias premissas menores as quais facilitam a subsunção.
Um exemplo simplório: alguém furtar algo dentro de um “espaço fechado”.
1. O espaço fechado que se destina ao ingresso de pessoas encontra-se cercado de
dispositivos de segurança.
2. O espaço fechado é um carro, e dele são subtraídos objetos (o carro era conver-
sível, em parte...)
3. O espaço fechado é um carro e um passageiro subtrai, de um outro, objetos.
A tarefa da interpretação é fornecer ao jurista o conteúdo e o alcance
(extensão) dos conceitos jurídicos. A indicação do conteúdo é feita por meio de uma
definição, i.e., pela indicação das conotações conceituais (“espaço fechado é um espaço
aberto que...”). A indicação do alcance (extensão) é feita pela apresentação de grupos
de casos individuais que são passíveis de subsunção ao conceito jurídico.
Vamos demonstrar agora a metodologia da interpretação, da apreensão do
sentido do compreender jurídico.
Dispomos de inúmeros métodos de interpretação e pontos de vista interpre-
tativos: a interpretação segundo o teor verbal (interpretação gramatical); a interpretação
com base na coerência (conexidade) lógica; a interpretação “lógica” ou “sistemática”,
que se apóia na localização de um preceito no texto da lei e na sua conexão com outros
preceitos; a interpretação a partir da conexidade histórica, particularmente baseada
na “história da gênese do preceito”; e, finalmente, a interpretação baseada na ratio,
no fim, no “fundamento” do preceito (a interpretação “teleológica”).
Tais espécies de interpretação pertencem ao patrimônio adquirido da
hermenêutica jurídica.
Enneccerus declara que a interpretação tem de partir do teor verbal da
lei, tendo em conta as regras da gramática e o uso corrente da linguagem, ao tomar em
particular consideração também os “modos de expressão técnico-jurídicos”.
Acrescenta que, além do teor verbal, devem ser considerados: “a coerência
interna do preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos”
(ou seja, a interpretação lógico-sistemática), assim como a situação que se verificava
anteriormente à lei, toda sua evolução histórica, bem como a história da gênese do pre-
ceito, que resulta dos trabalhos preparatórios, e o fim particular da lei ou do preceito
em singular (interpretação teleológica).
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Arrematava afirmando que o preceito da lei deve, na dúvida, ser interpre-
tado de modo a ajustar-se o mais possível às exigências da nossa vida em sociedade e ao
desenvolvimento de toda a nossa cultura (para Engish é interpretação teleológica).
Com referência à interpretação gramatical, é freqüente o mal-entendido
que consiste em se supor que existe uma pura interpretação verbal ou terminológica
distinta de uma interpretação do sentido.
Ora, o Direito “fala a sua própria língua”. Por isso, o que importa sempre
é o sentido “técnico-jurídico” o qual possui contornos mais rigorosos que o conceito da
linguagem corrente.
Muitas vezes, o legislador liga a uma palavra sentidos diferentes, ex.:
funcionário, posse, propriedade, negligência, etc. Fala-se, nestes casos, de uma “relati-
vidade de conceitos jurídicos”. Ela resulta inevitável, dada a inserção dos conceitos em
contextos sistemáticos e teleológicos diferentes. A pura interpretação verbal é afastada
pela interpretação sistemática e teleológica.
Em relação à interpretação sistemática e a teleológica, é preciso dizer que
a conexidade (coerência) lógico-sistemática não se refere só ao significado dos conceitos
jurídicos em cada contexto de idéias (v.g., o significado do conceito de posse no quadro dos
parágrafos relativos ao abuso de confiança): a conexidade refere-se à plenitude do pensa-
mento jurídico latente (oculto, não manifestado) na regra jurídica individual, com a sua
multiplicidade de referências às outras partes constitutivas do sistema jurídico global.
É difícil separar a interpretação sistemática da teleológica: enquanto
interpretação sistemática ela já é, simultaneamente, teleológica, tendo em vista que
as regras têm por função preencher certos fins em combinação com outras normas, com-
plementando-se mutuamente.
O conceito de fim é elástico e plurissignificativo. Ele se estende, segundo
seu conteúdo, a idéias como manutenção da segurança jurídica, conservação da ordem
pública, bem-estar social, proteção da boa-fé, etc., fazendo com que a interpretação
teleológica traduza-se em uma solução metódica dos conflitos de interesses através de
critérios, valorações e opções legais.
Cumpre ainda falar sobre a “interpretação a partir da história do precei-
to”. Trata-se de, com atenção a todos os elementos dentro do nosso alcance, penetrar
o mais completamente possível no espírito do legislador e tomar em linha de conta a
situação jurídica existente no momento em que a lei foi editada, situação essa que há
de se presumir que o legislador esteve presente.
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A interpretação teleológica e a histórica entrelaçam-se principalmente
quando é preciso descobrir o que o legislador teve em mente, visto que a correta com-
preensão dos preceitos exige o exame dos fundamentos histórico-culturais e o papel e
significado da tradição (vide a importância, até hoje, do Direito Romano).
É preciso reconhecer que ainda não dispomos de uma teoria jurídica interpre-
tativa que ofereça uma hierarquização segura dos múltiplos critérios de interpretação.
Dizer que os métodos gramatical, lógico, histórico e sistemático devem ser
considerados conjuntamente é passar por cima do problema.
A questão é intrincada. Importa que os juristas, ao interpretar, transcendam
o horizonte visual da simples prática, voltando-se para uma compreensão num sentido
mais elevado, mesmo que esta nos arraste para uma posição filosófica, histórico-cultural
ou política.
4. INTERPRETAÇÃO E COMPREENSÃO DAS REGRAS JURÍDICAS. CONTINUAÇÃO: O
LEGISLADOR OU A LEI?
A moderna doutrina da compreensão conhece múltiplas distinções
do compreender.
Costuma-se distinguir a compreensão de um sentido (apreensão do conteúdo
objetivo de uma expressão) da compreensão do que venham a ser os motivos daquele
que se exprime.
Outra distinção é a que procura compreender o que foi pensado e a que
procura compreender quais razões teriam levado ao pensamento.
Tais reflexões levam a um trabalho de “conhecimento do conhecido”, i.e.,
o conhecimento daquilo que foi produzido pelo espírito humano – o conhecido.
Pode-se dizer que é necessário compreender melhor o autor do que ele se
compreender a si próprio.
André Gide dizia que “antes de explicar o meu livro aos outros, aguardo
que os outros o expliquem a mim. Querer explicá-lo primeiro significaria ao mesmo tempo
limitar o seu sentido; pois, ainda que saibamos aquilo que quisemos dizer, não sabemos
todavia se dissemos apenas isso.”
Tal é o desafio em situar a interpretação e a compreensão jurídicas.
É preciso, ainda, distinguir as intenções da história do Direito e as da
dogmática jurídica.
Ao historiador do Direito, importa descobrir os motivos das leis (o que levou o
legislador a inovar o ordenamento?) para revelar a faceta da compreensão pelos motivos.
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A compreensão histórica da lei começa com o sentido “pensado e dese-
jado”, pondo em conexidade fatos históricos, com vistas à descoberta dos motivos, em
um constante interrogatório das raízes históricas e do “espírito da época” em que a lei
se desenvolveu e se formou.
No que se refere à dogmática jurídica, em princípio a esta deve interessar
o conteúdo da lei em si, seu alcance prático, conteúdo, extensão dos seus conceitos e
normas, sem descuidar dos significados políticos, éticos e culturais que a envolvem.
Na teoria da interpretação, duas vertentes se digladiam – a teoria subje-
tivista e a teoria objetivista.
Em breve síntese, é possível dizer que a sujetivista prestigia a vontade do legis-
lador, ao passo que a objetivista destaca o sentido objetivamente válido da regra jurídica.
A problemática tem um contorno muito interessante: o conteúdo objeti-
vo da lei e, conseqüentemente, o último escopo da interpretação, seriam fixados pela
“vontade” do legislador histórico, de modo que a dogmática deve seguir as pegadas do
historiador ou, ao contrário, o conteúdo da lei tem autonomia em si mesmo e nas suas
palavras enquanto “vontade da lei”, revelando um sentido objetivo independente do que
passou pela cabeça do legislador e que, por isso, tem um movimento autônomo, suscetível
de evolução como tudo na vida?
Dizem os objetivistas que, com a edição da lei, esta desprende-se do seu
autor e adquire uma existência objetiva própria. A obra do autor é o texto da lei. As
expectativas do autor da lei não apresentam nenhum caráter vinculativo, sendo meras
expectativas, ficando, ele próprio, sujeito ao comando de sua criação.
O sentido incorporado na lei pode ser mais rico do que tudo aquilo que seus
autores pensaram (se é que pensaram...), já que a lei e seu conteúdo não são estáticos,
mas algo vivo, mutável e suscetível de adaptação.
O sentido da lei logo se modifica pelo fato de ela passar a constituir parte
de uma ordem jurídica global e, portanto, participar da sua constante mutação em razão
da unidade da ordem jurídica. Nunca é demasiado lembrar que quando se interpreta um
artigo de lei, interpreta-se todo o ordenamento.
Novas disposições legais influem nas antigas, modificando-as ou dando-
lhes novo colorido. Também novos fenômenos técnicos, econômicos, sociais, políticos,
culturais e morais têm de ser juridicamente apreciados com base nas normas jurídicas
preexistentes (vejam os exemplos do exame de DNA, da globalização, das uniões estáveis
entre homossexuais e da clonagem...).
O Direito, ao ser obrigado a encarar fenômenos e situações históricas que
de maneira nenhuma poderiam ter sido pensadas, cresce para além de si mesmo.
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Por isso, ficamos em condições de “compreender melhor” a lei do que
compreender o próprio legislador histórico. É a partir da situação presente que nós, a
quem a lei se dirige e que temos de nos afeiçoar a ela, havemos de tirar aquilo que é
racional, adequado e adaptado às nossas circunstâncias.
O juiz, como membro de Poder, deve nortear sua interpretação de acordo
com a época atual, situando-se no presente: sua perspectiva não deve voltar-se ao pas-
sado, mas ao presente e ao futuro.
Como membro do “Terceiro Poder”, o juiz é, portanto, igual ao legislador
na medida em que, por meio de interpretação objetivista, deixa valer a lei no sentido
de sua própria autonomia (da lei e da jurisdição).
No caso das leis interpretativas que veiculam interpretações autênticas,
elas têm significado apenas para a disposição concreta cuja interpretação as esclarece.
Trata-se de regra jurídica passível, ela própria, de interpretação.
Assim, a função jurídica da interpretação como critério do método inter-
pretativo correto e científico deve servir-se de cada um dos métodos, visualizando o
espaço histórico e sua objetividade.
Outra questão é a de se saber em que medida estes conteúdos de sentido
(históricos ou objetivos) são vinculativos para a aplicação prática do Direito.
O problema se direciona para a mescla dos métodos, o que confere ao juiz
legitimidade para, desprendendo-se da “vontade” do legislador histórico, dar à lei um
sentido ajustado ao momento atual, um sentido razoável, adequado aos fins do Direito.
Tratado o tema da correlação entre o “pensamento” do legislador e a
construção de sentido ajustada à situação atual, fica patente a necessidade de ajustar
as teorias interpretativas aos métodos gramatical, sistemático e teleológico.
Somente através da combinação dos métodos histórico e objetivista,
poderemos obter decisões seguras no processo interpretativo.
Em todas as fases da interpretação (gramatical, lógico-sistemática e teleo-
lógica) persistirão questões em aberto e pontos de relativa ambigüidade. Em todas estas
fases nos deparamos com a pergunta: vontade da lei ou do legislador? Que sentido ligou
o legislador às suas palavras, ou então, qual o sentido que as palavras, em si mesmas,
são portadoras?
Prossigo: que significado tem a conexão lógico-sistemática segundo as
intenções do legislador, ou que significado resulta dessa conexão dentro da própria lei?
Qual o fim que persegue o legislador histórico ou qual o fim que está imanente na lei?
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No momento em que nos decidimos por uma teoria da interpretação, tam-
bém as questões relativas ao teor literal, à conexão sistemática e ao fim assumem uma
conformação específica.
Se cada elemento (literal, histórico, teleológico, etc.) é, por si só, pluris-
significativo, o quadro pode se alterar caso queiramos perquirir um momento histórico,
ou mesmo descobrir uma interpretação razoável e ajustada à nossa realidade atual.
Isto traz novas dificuldades e novas dúvidas, mas o método redunda na
possibilidade de um modo de interpretação gramatical-subjetivo, gramatical-objetivo,
teleológico-subjetivo ou teleológico-objetivo, o que faz reconduzir a interpretação ao
processo de interpretação.
Devemos, ainda, ter em conta que o subjetivismo ou o objetivismo, por
si só, não caracterizam os métodos da interpretação e da compreensão. Se me ponho
na posição subjetivista, permanece ainda a questão de saber o que se deve decidir em
primeira linha: se os comandos que o legislador histórico “representou” (quais as hipó-
teses e conseqüências jurídicas teve em mente), os seus fins (quais efeitos quis obter
com os preceitos) ou a sua atitude globalmente considerada (quais idéias ou princípios
os nortearam).
Do mesmo modo, se assumirmos o ponto de partida objetivista também
aqui teremos de considerar objetivos e pontos de vista segundo os quais o sentido obje-
tivamente implícito na lei deve ser atualizado.
Aquilo que pode ser retirado da lei como objetivamente razoável, justo,
de acordo com nossa época, ajustado à situação atual, apenas pode ser deduzido se
soubermos o que queremos, i.e., um entendimento correto da lei tem como pressuposto
que nos compreendamos corretamente.
Somente quando já tivermos concebido a decisão e os fundamentos materiais em
que ela se apóia, é que poderemos perguntar à lei em que medida esta decisão é “imanente”
às palavras da lei como sentido possível (pré-compreensão – círculo hermenêutico).
Para completarmos o quadro problemático entre a teoria subjetivista e a
teoria objetivista da interpretação, resta ainda uma análise dos conceitos não unívocos
de interpretação extensiva e interpretação restritiva, com algumas direções de pensa-
mento conexas entre si.
Por um lado, podemos nos situar num aspecto lingüístico e contrapor
um sentido “imediato”, “estrito”, “rigoroso”, “restritivo” a um sentido “afastado” ou
“mediato”, “lato”, “extensivo”. Uma teoria atém-se mais estritamente e a segunda,
menos estritamente, ao sentido lingüístico das palavras.
p. 215 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Muitas vezes, utilizam-se os conceitos de interpretação extensiva e restri-
tiva de um modo mais livre, referindo-os ao afastamento completo do sentido literal em
favor de uma genuína vontade do legislador ou da lei. Por esta fórmula, dissolvem-se os
limites entre a interpretação, por um lado, e o preenchimento de lacunas e a correção
da lei que veremos adiante, por outro.
Vê-se que os dois conceitos acima referidos induzem a pensar na relação
entre o sentido das palavras de um determinado preceito e o seu domínio de aplicação
(sentido da palavra domínio de aplicação): a interpretação estrita (restritiva) refere o
preceito a um círculo menor de casos do que a interpretação lata (extensiva).
As leis freqüentemente se referem à palavra “causa”. Esta palavra é
interpretada ou no sentido de “relação condicionante”, ou no sentido de “conexão típica”
entre uma conduta e um resultado.
Segundo a primeira interpretação, todo e qualquer ferimento (por mais
leve que seja) que, por qualquer complicação, conduza à morte, é “causal” em relação
a esta; na segunda, ao contrário, tal ferimento só é “causal” em relação à morte que
condicionou quando for tipicamente mortal. Esta interpretação apresenta-se em relação
à primeira como “restritiva”, enquanto restringe o domínio de aplicação do conceito de
causa, e, portanto, o domínio de aplicação de todo o preceito.
A compreensão da contraposição dos conceitos de interpretação extensiva
ou restritiva não é puramente lingüística, mas, antes, objetiva ou de fundo, sendo-lhe
inerente certo formalismo, na medida em que ele se refere à relação extrínseca dos
preceitos da lei com o seu “âmbito”, quer dizer, com o seu domínio de aplicação.
A distinção restritiva/extensiva adquire uma significação material quando
a referimos à relação entre as normas jurídicas e a liberdade, ou aos direitos subjetivos,
ou ainda, à preexistência de um princípio geral.
Por vezes afirma-se que: in dubio pro libertate ou singularia non sunt
restringenda. Neste caso, uma interpretação estrita e rigorosa (restritiva) equivale a um
entendimento de que as leis penais, as restrições à propriedade, as imposições de deveres,
as exceções a um princípio, são interpretadas de forma a serem limitados tanto quanto
possível o poder punitivo, a interferência na propriedade, a imposição de obrigações ou
a exceção a uma regra.
À luz do que se disse sobre a distinção de interpretação extensiva/restritiva,
é “extensiva” aquela interpretação que alarga o poder do Estado às expensas da liberdade,
prejudica os direitos subjetivos ou quebra os princípios jurídicos fundamentais através
do alargamento das exceções.
p. 216 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Por exemplo, o princípio segundo o qual os atos praticados para afastar
um perigo atual para a integridade física ou a vida não devem ser sujeitos à punição
(ex.: estado de necessidade); caso seja interpretado de forma extensiva significa uma
limitação à punibilidade, o que alarga, eventualmente, o domínio de aplicação desse prin-
cípio. Teremos, no entanto, uma exceção ao princípio do estado de necessidade quando
um indivíduo, sendo policial, tem como obrigação legal resistir ao perigo e manter-se
no seu posto com perigo de vida e sob quaisquer circunstâncias. Aqui o preceito relativo
ao estado de necessidade é restringido através do alargamento do dever de enfrentar o
mesmo estado de necessidade.
O exemplo do policial nos esclarece o caráter formal do conceito de domínio
de aplicação e também sobre a relatividade dos conceitos de “princípio” e “exceção”:
o regime excepcional do policial constituiu um “retorno” à regra da punibilidade, já que
se apresenta como exceção de uma exceção, i.e., exceção à impossibilidade excepcional
dos atos praticados em estado de necessidade.
Pode-se colocar a questão das distinções até agora realizadas de forma
crítica, posto que todas elas (restritiva/extensiva) estão sujeitas a certas reservas na
medida em que vários preceitos mutuamente se completam. A limitação ou extensão de
um dos preceitos pode ser, inversamente, um alargamento ou restrição de outros precei-
tos, sendo igualmente relativa a relação entre regra e exceção.
Verificamos que também o conceito de liberdade é, ele mesmo, muitas
vezes relativo: num conflito entre um policial e um cidadão que “resista à autoridade”,
não está somente em jogo a liberdade do cidadão, mas também a liberdade de atuação
do agente policial (o que implica dizer que as máximas in dubio pro libertate, in dubio
contra fiscum ou singularia non sunt extendenda são pouco seguras).
Do que se viu, é possível aceitar a oposição conceitual já referida, ope-
rando-se com os conceitos de vontade do legislador e vontade da lei. Aqui, as palavras
da lei são consideradas como meios de expressão da vontade do legislador ou da lei, e o
seu sentido é ampliado ou restringido de acordo com essa vontade.
Do ponto de vista subjetivista a distinção entre interpretação extensiva e
restritiva refere-se apenas à relação lógica da expressão com o pensamento, na medida
em que aquela pode ter um conteúdo menor ou maior que este.
No primeiro caso, a correção da expressão realiza-se através de uma
interpretação extensiva; no segundo através de uma interpretação restritiva. Ambas se
propõem a fazer coincidir a expressão com o pensamento efetivo (do legislador).
p. 217 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Uma interpretação corretiva em qualquer sentido somente seria admissível
no caso de as palavras da lei pudessem ser consideradas ainda como uma declaração da
sua vontade, se bem que imperfeita, inteligível, embora tomadas em consideração todas
as circunstâncias relevantes.
Com isto, quer-se significar que a interpretação deve se manter sempre de
qualquer modo nos limites do “sentido literal” e, portanto, pode, quando muito, “forçar”
estes limites, mas nunca ultrapassá-los. Para além de tais limites, já não há interpretação
extensiva, mas sim “analogia”.
O mesmo pode se dizer da interpretação restritiva. Aquelas disposições
que, por exemplo, expressamente (ainda que em contrário da vontade do legislador) se
refiram apenas a “homens” (varões) nunca podem, por interpretação extensiva, abranger
também as “mulheres” e serem, assim, alargadas aos “seres humanos em geral”.
Como se apresentam, porém, os conceitos de interpretação extensiva e
restritiva, do ponto de vista da teoria objetivista? Como tal teoria concebe e respeita o
texto independentemente da vontade do legislador, como portador de um sentido ima-
nente, à primeira vista pode parecer que sequer há qualquer margem para interpretação
extensiva ou restritiva.
Se o sentido literal é unívoco, é porque o espírito objetivo se manifestou
precisamente deste modo; se o sentido literal é equívoco, a decisão há de ser, então, a
favor do sentido “razoável”. Ocorre que, também nos objetivistas, deparamos-nos com
os conceitos de interpretação extensiva e restritiva.
Para tal corrente, então, para fazer vingar o sentido razoável em face
do teor verbal incorreto, é preciso verificar se a lei foi defeituosamente concebida
(interpretação extensiva ou restritiva), pois do ponto de vista objetivista, não só a lei
pode ser mais inteligente do que o seu autor, como também o intérprete pode ser mais
inteligente do que a lei.
Por fim, e em um certo sentido, a interpretação extensiva e a restritiva
já podem ser consideradas como uma espécie de complementação da lei. Indo adiante,
ingressaremos na heurística (pesquisa) jurídica praeter legem, cujo principal exemplo é a
analogia, e com a heurística jurídica contra legem, que em sentido estrito significa uma
“correção” da lei. Interpretar, portanto, apresenta-se como via de uma descoberta (heurís-
tica) do Direito secundum legem, de acordo com o princípio da fidelidade ao texto legal.
p. 218 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
5. CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS, CONCEITOS NORMATIVOS, PODER
DISCRICIONÁRIO
Hoje nos deparamos com diversos modos de expressão legislativa que fazem
com que o julgador (o órgão aplicador do direito) adquira autonomia em face da lei.
Como modos de expressão deste tipo, distinguimos: conceitos jurídicos
indeterminados, conceitos normativos, conceitos discricionários e cláusulas gerais (dife-
rentes formas de afrouxamento da vinculação legal).
Conceito indeterminado é aquele cujo conteúdo e extensão são em larga
medida incertos. Conceitos absolutamente determinados são muito raros no direito
(v.g., conceitos numéricos).
Os conceitos jurídicos são predominantemente indeterminados pelo menos
em parte, v.g., aqueles conceitos naturalísticos recebidos pelo direito, como os de
“escuridão”, “sossego noturno”, “ruído”, “perigo” e “coisa”. Do mesmo modo se pode dizer
dos conceitos jurídicos como “crime”, “ato administrativo”, “negócio jurídico”, etc.
Nos conceitos jurídicos indeterminados, podemos distinguir um núcleo
conceitual e um halo conceitual. Sempre que temos uma noção clara do conteúdo e da
extensão de um conceito, estamos no domínio do núcleo conceitual. Onde as dúvidas
começam, começa o halo do conceito.
Os conceito normativos, por sua vez, são também conceitos indetermina-
dos. Contrapõem-se estes conceitos aos conceitos descritivos, i.e., aqueles conceitos
que designam “descritivamente” objetos reais ou participam da realidade, i.e., objetos
perceptíveis pelos sentidos: “homem”, “morte”, “cópula”, “escuridão”, “vermelho”,
“velocidade”, “intenção”, etc.
Também entre os conceitos descritivos encontram-se muitos conceitos
indeterminados. Nem todos os conceitos indeterminados são, porém e ao mesmo tempo,
“normativos”.
Destacando-se dois significados diferentes do conceito normativo strictu
sensu, podemos entender por conceitos “normativos” aqueles que, contrariamente
aos conceitos descritivos, visam a dados que não são simplesmente perceptíveis pelos
sentidos, mas que só em conexão com o mundo das normas se tornam representáveis
e compreensíveis.
Os conceitos descritivos de “homem”, “morte” e “escuridão” são conceitos
de experiência, mesmo quando referidos a valores. Ao contrário, dizer que uma coisa
é “alheia”, podendo ser objeto de furto, significa que ela pertence a outro que não o
agente. Pressupõe-se o regime de propriedade do Direito Civil.
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No caso do sentido normativo (e não simplesmente referido a valores) tem
ele, de igual modo, conceitos jurídicos como “casamento”, “afinidade”, “funcionário
público”, “menor”, “indecoroso”, “íntegro”, “indigno”, “vil” (baixo), os quais radicam
seu teor de sentido em quaisquer normas (de direito ou morais).
Conceitos como casamento e menoridade são relativamente determinados,
pois os pressupostos da sua aplicação são definidos de modo bastante preciso. Pode-se
até mesmo definir estes pressupostos através de conotações descritivas, v.g., declarando
“menor” aquele que ainda não completou 18 anos.
É sempre necessária uma valoração para aplicar, no caso concreto, um con-
ceito normativo: se alguém é casado ou menor, tal pode ser “estabelecido” por critérios
descritivos. Ao contrário, se uma predisposição de caráter é “indigna”, se um motivo é
“vil”, se um escrito é “pornográfico”, se uma representação é “blasfema”, isso só poderá
ser decidido com base numa valoração.
Os conceitos dessa espécie chamam-se conceitos carecidos de um pre-
enchimento valorativo. O volume normativo destes conceitos tem de ser preenchido
caso a caso, através de atos de valoração (valoração individual autônoma ou adoção de
valorações alheias [“generalidade de pessoas”]). Seja como for, à valoração irá inerente
uma indeterminação que nos mostra os conceitos normativos como uma classe especial
de conceitos indeterminados.
Os conceitos discricionários põem-se a serviço do afrouxamento da vincu-
lação legal, bem como permitem uma certa autonomia da valoração pessoal.
É necessário saber se, ao lado dos conceitos indeterminados e normativos,
podemos reconhecer os discricionários que postulam uma particular posição ou atitude
do funcionário ou do juiz.
Vista pelos clássicos, a discricionariedade é no sentido de que o ponto de
vista de quem exerce o poder discricionário deve valer como relevante e decisivo.
Para Forsthoff, poder discricionário significa um espaço de liberdade
para a ação e para a resolução, a escolha entre várias espécies de conduta igualmente
possíveis. O Direito Positivo não dá a quaisquer destas espécies de conduta preferência
sobre as outras.
“Espaço livre” é a possibilidade de se escolher entre várias alternativas
diferentes de decisão, esteja o espaço livre apenas entre duas decisões contraditoriamente
opostas (v.g., conceder ou não uma autorização) ou entre várias decisões à escolha numa
relação disjuntiva (nomear um professor em uma lista de três).
É o conteúdo intrínseco do critério “possibilidade de escolha” que evi-
dencia a particularidade dos conceitos de discricionariedade. Tal possibilidade não é
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só a de fato, mas também uma possibilidade jurídica: é o direito, quase sempre a lei,
que numa parte da norma abre a possibilidade de uma escolha entre várias alternativas
de fato possíveis.
No caso da “discricionariedade vinculada”, o exercício do poder de escolha
deve ir endereçado a um escopo e é resultado da dicção que é o “único ajustado”, em
rigorosa conformidade com as diretrizes legais, ao lado de uma cuidadosa consideração
de todas as “circunstâncias do caso concreto”.
A incerteza eventualmente existente é um mal que se tem de aceitar.
O espaço residual (espaço livre – restringido) da subjetividade na apreciação do justo
depois de atendidos as regras e as circunstâncias pode não ser totalmente eliminado.
Os espaços da livre apreciação distinguem-se das genuínas atribuições de
poder discricionário (i.e., atribuições de poder para uma discricionariedade livre) pelo
fato de que as atribuições de poder reconhecem um “espaço ou domínio de liberdade
de decisão própria” onde se deve decidir segundo as “concepções próprias” daquele a
quem a competência é atribuída.
O autêntico poder discricionário é atribuído pela lei quando a decisão
sobre o correto ou conveniente é confiada à responsabilidade de alguém e definida à
valoração individual da pessoa chamada a decidir em concreto, porque se considera
a melhor solução aquela que, dentro de determinados limites, como pessoa consciente
de sua responsabilidade, faça valer seu próprio ponto de vista.
É problema de interpretação verificar quando, na relação entre a lei e a
administração, temos de aceitar a abertura de um “poder discricionário”.
Tem de se decidir caso a caso qual intenção inspira aqueles conceitos que
se suspeita serem discricionários, se eles possibilitam a descoberta de uma decisão como
a única justa (correta) segundo critérios firmes.
Os conceitos indeterminados (mormente os descritivos indeterminados)
e os conceitos normativos (v.g., características normativas – hipótese legal no Direito
Penal com “mal sensível”) não se reportam a valorações pessoais, se bem que permitem
um espaço residual de apreciação pessoal do justo e correto, porque sua interpretação
e aplicação no caso concreto é ambivalente.
Inversamente, pode-se dizer que os conceitos discricionários, como regra,
são formulados pela sua própria estrutura como indeterminados e normativos (v.g., in-
teresse público, equidade, dureza).
Se se pode falar da discricionariedade do legislador e do governo, também
é possível falar da judicial, que aparece na determinação das conseqüências jurídicas do
p. 221 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
fato punível ou na fixação da reparação pecuniária do dano moral, ou em certas medidas
processuais baseadas na mera conveniência (reunião de processos). O “podem” não sig-
nifica mera possibilidade fática, mas se traduz em um poder de escolha.
No domínio da administração ou jurisdição, a convicção pessoal (valoração)
de quem seja chamado a decidir é elemento decisivo para determinar qual das várias
alternativas que se oferecem como possíveis entre certo “espaço de fogo” será havida
como a melhor e a justa.
É problema de hermenêutica indagar onde e em que extensão tal discri-
cionariedade existe.
Assim, os conceitos indeterminados contrapõem-se aos conceitos determi-
nados; os conceitos normativos contrapõem-se aos descritivos; e os espaços ou âmbitos
de livre discrição contrapõem-se às vinculações aos critérios objetivos do justo.
O conceito multisignificativo de cláusula geral é conceito que se contrapõe
a uma elaboração casuística das hipóteses legais. Casuística é aquela configuração da
hipótese legal (enquanto somatório de pressupostos que condicionam a estatuição) que
circunscreve particulares grupos de casos na sua especificidade própria.
As cláusulas gerais e o método casuístico nem sempre se excluem mutuamen-
te dentro de uma certa matéria jurídica, mas, antes, podem também se complementar.
Uma combinação de ambos é o método exemplificativo.
As cláusulas gerais não apresentam qualquer estrutura própria. Não exigem
processos de pensamento diferentes daqueles que são pedidos pelos conceitos indetermi-
nados, os normativos e os discricionários. Tendo em vista sua técnica legislativa e graças
à sua generalidade, elas tornam possível sujeitar um mais vasto grupo de situações, sem
lacunas e com possibilidade de ajustamento a uma conseqüência jurídica.
O casuísmo está sempre exposto ao risco de apenas fragmentar e “proviso-
riamente” dominar a matéria jurídica. Este risco é evitado pela utilização das cláusulas
gerais, embora outros riscos devam ser aceitos.
Constitui um ato de interpretação interrogar os conceitos normativos
contidos em lei para saber se eles foram concebidos como critérios objetivos de valor ou
como autorizações para se proceder a uma valoração pessoal, como conceitos dos quais
decorre uma apreciação “vinculada” ou um genuíno poder discricionário.
Nos conceitos descritivos indeterminados, não nos afastamos da base da in-
terpretação e daquela que lhe é conexa da subsunção. O manejo dos conceitos puramente
empíricos é interpretação. Por exemplo, “período noturno” e “escuridão” são conceitos
empíricos que podem dificultar a interpretação e a subsunção (que na interpretação se ba-
seia) dos casos concretos e abrigar o aplicador do Direito a uma particular ponderação.
p. 222 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Os conceitos normativos contêm certa ambigüidade. Esta significa que o
conceito em questão pressupõe certas normas (menoridade, casamento, funcionário, etc.)
ou a normatividade traduz carência de um preenchimento valorativo. Ex.: saber se o dedo
indicador é um “membro importante do corpo”, se os combates de boxe são compatíveis
com os bons costumes, ou se um curador “violou gravemente suas obrigações”.
Em tais casos, a lei é de opinião de que há concepções morais dominantes
pelas quais o juiz deve se deixar orientar. Se se tratar, v.g., de questões éticas funda-
mentais, o juiz não poderá desprezar aquilo que se chama “lei moral objetiva”, que o
legislador pressupõe e aceita como válida.
A função dos conceitos normativos, em boa parte, é justamente eles per-
manecerem abertos às mudanças das valorações: a valoração que o conceito normativo
aqui exige é uma questão de conhecimento. O órgão aplicador do direito tem de averiguar
quais são as concepções éticas efetivamente vigentes. A valoração pessoal é apenas uma
parte do material do conhecimento, e não o último critério de conhecimento.
Assim, as decisões através das quais estes conceitos normativos carecidos de
preenchimento valorativo são “concretizados” têm o significado de algo como uma espé-
cie de interpretação destes conceitos, ao mesmo tempo que também a determinação da
valoração correspondente ao caso concreto revela certo parentesco com a subsunção.
Os conceitos normativos (ao contrário dos descritivos) podem adaptar-se
elasticamente à configuração particular das circunstâncias do caso concreto e ainda a
qualquer mudança das concepções valorativas.
Nos conceitos normativo-subjetivos, cujos protótipos são os genuínos concei-
tos discricionários, os quadros ou molduras da livre discrição autorizam o órgão aplicador
do direito a considerar como vinculante e justa a valoração por ele pessoalmente tida por
justa. Nestes termos, conscientemente se conformam com uma pluralidade de sentidos.
O quadro ou moldura de decisão pessoal não só é restringido através de
limites legais, mas ainda de outras limitações segundo os costumes ou as idéias de direito
ou de Estado.
A proibição da arbitrariedade e da falta de pertinência exige consideração,
posto que na utilização do poder discricionário são evitados excessos e abusos desse poder.
Neste momento, supomos que a decisão “pessoal” é uma decisão ajustada, proferida com
base em uma convicção íntima e sincera.
A discricionariedade implica não apenas a livre escolha dos fins, mas tam-
bém, em certos casos, a livre escolha dos meios, embora não seja possível negar uma
certa relatividade desta distinção.
p. 223 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Por diversas formas, o aplicador do Direito, através da equidade que se
prende com os conceitos indeterminados e com os conceitos normativos, com as cláusulas
de discricionariedade e as cláusulas gerais, é chamado a descobrir o direito do caso con-
creto, não simplesmente através da interpretação e da subsunção, mas também através
de “valorações e decisões de vontade”.
No exercício do poder discricionário, surgem várias alternativas à escolha
(fungibilidade), cada uma delas pode ser fungível e defensável, em vista da grande am-
bigüidade que permanece dentro do “espaço de fogo”.
Essa fungibilidade ou justificabilidade não exclui a esgrima de argumentos
e críticas sobre as razões porque precisamente esta ou aquela decisão é a melhor e
“genuinamente” reta. O reto tem de ser sempre defensável, mas nem tudo que é defen-
sável tem de ser aceito como reto, pois continua a ser discutível. Aquilo que em todo caso
tem de ser reconhecido como defensável deve valer como dentro do espaço de manobra
do poder discricionário e, nessa medida, deve valer como correto.
Aplicadores do Direito são comissionados a procurar o que é de direito,
o que é conveniente e o que é a medida justa no caso concreto, para empenhar a sua
responsabilidade e a sua melhor ciência e consciência, sim, mas ao mesmo tempo através
de um modo criativo e, talvez por isso mesmo, inventivo.
6. PREENCHIMENTO DE LACUNAS E CORREÇÃO DO DIREITO LEGISLADO INCORRETO
Sabe-se que a lei pode autorizar ao Juiz o exercício da função de legislador,
dentro de certos limites, efetuando juízos de valor.
Veremos agora o direito remetido a novas vias de pensamento quando se
trata de preencher lacunas e retificar incorreções no ordenamento jurídico. Lacunas e
incorreções podem se reunidas sob o conceito comum de deficiência.
A deficiência denominada lacuna é afastada por meio da integração jurídica,
atuando o juiz praeter legem e supplendi causa, ao passo que na incorreção o afastamento
dá-se pela correção da lei: o juiz atua contra legem, corrigendi causa. A fronteira entre
ambas nem sempre é nítida e segura.
O conceito de lacuna jurídica pode ser traduzido por uma incompletude
insatisfatória no seio de um todo jurídico.
O que é o todo jurídico dentro do qual se abre a lacuna?
Houve quem desenvolvesse teoremas (proposições que, para se tornarem evi-
dentes, carecem de demonstração) segundo a plenitude (fechamento ou completude) da ordem
jurídica transformada em dogma e que contesta a existência de genuínas lacunas jurídicas.
p. 224 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Tais teoremas fundamentaram-se no conceito de espaço ajurídico. O todo
jurídico estende-se sobre um determinado domínio e é, nestes termos, fechado. Ao lado
dos domínios regidos pelo direito existem outros que não são por ele afetados, v.g., os
domínios da crença e das relações de sociabilidade. Estes domínios caem no “espaço
ajurídico”. Não se trata de lacunas, mas de algo que se situa fora do Direito. Realmente,
uma lacuna jurídica seria uma lacuna no todo jurídico, certo que o espaço ajurídico se
estende para além e em volta do jurídico.
As lacunas são deficiências no Direito Positivo (do direito legislado ou
do direito consuetudinário), apreensíveis como faltas ou falhas de conteúdo de regu-
lamentação jurídica para determinadas situações de fato em que é de se esperar uma
regulamentação, e que tais falhas admitam sua remoção através de uma decisão judicial
jurídico-integradora.
Na medida em que a interpretação baste para responder às questões jurídicas,
o direito não será lacunoso. Pelo contrário, a analogia possui uma função integradora.
Ela não exclui as lacunas, mas as fecha ou as colmata. O mesmo vale para os princípios
gerais do Direito. Também quando o legislador conscientemente deixou uma questão em
aberto para decisão, uma questão que ele deixou ao parecer da ciência e da prática,
teremos de falar de uma lacuna.
Nestes termos, existem lacunas involuntárias e voluntárias. Para Engish,
não se deveria falar de lacuna quando o legislador, através de conceitos jurídicos inde-
terminados, ou de cláusulas gerais, reconhece à decisão uma certa margem de variabili-
dade. Aqui nos encontramos perante afrouxamentos planejados da vinculação legal para
ajustamento da decisão às circunstâncias particulares do caso concreto e às concepções
variáveis da comunidade jurídica.
A linha de fronteira entre a aplicação do direito secundum legem e o
preenchimento de lacunas praeter legem torna-se pouco nítida nas cláusulas gerais.
Falou-se das lacunas sob o aspecto de sua relação intrínseca com o todo
jurídico. Agora é preciso identificar o momento ou aspecto da incompletude insatisfatória,
da incompletude contrária a um plano. Antes de sentirmos a não-existência de uma
regulação como lacuna, é preciso verificar o plano do legislador ou da lei, posto que
uma inexistência planejada de certa regulamentação surge quando uma conduta,
“consciente e deliberadamente”, não é declarada como punível, quando nós aguardávamos
sua punibilidade. Se a impunidade nos cai mal, pode-se falar de uma “lacuna político-
jurídica”, de uma “lacuna crítica”, de uma “lacuna imprópria”, i.e., de uma lacuna do
ponto de vista de um futuro direito mais perfeito (de lege ferenda); não, porém, de uma
lacuna autêntica e própria, i.e., de uma lacuna do direito vigente (de lege lata).
p. 225 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
O Juiz não pode colmatar as lacunas de lege ferenda, mas apenas as
de lege lata.
O conceito de espaço ajurídico se justifica na medida em que implica a
idéia de que a não-ligação, “consciente e deliberada”, de conseqüências jurídicas a de-
terminados fatos os deixa fora do direito e não provoca uma verdadeira lacuna.
É sempre verdade que o primeiro passo do julgador consiste em verificar
a necessidade e a justificação da integração de lacunas.
Para Engish, na determinação de lacunas não podemos nos ater apenas
à vontade do legislador histórico. A mudança das concepções de vida pode fazer surgir
lacunas que anteriormente não haviam sido notadas e que temos de considerá-las como
lacunas do direito vigente e não simplesmente como lacunas jurídico-políticas.
Diz-se, ainda, que não há apenas “lacunas primárias”, lacunas de antemão
inerentes a uma regulamentação legal, mas, ainda, “lacunas secundárias”, i.e., lacunas
que só supervenientemente se manifestam, porque as circunstâncias se modificaram.
As regulamentações jurídicas não raro se tornam posteriormente lacunosas em razão de
fenômenos econômicos novos (v.g., inflação) ou de progressos técnicos (Internet, insemi-
nação artificial, clonagem) fazerem surgir questões jurídicas às quais a regulamentação
anterior não oferece qualquer resposta satisfatória.
Voltando ao problema de saber através de que métodos de pensamento
jurídico há de se proceder ao preenchimento das lacunas, devemos começar pelo mais
conhecido de todos, o argumento de analogia.
A conclusão por analogia é uma conclusão “do particular para o particular”,
ao passo que a conclusão por dedução parte do particular para o geral. O conceito plu-
rissignificativo de “semelhança” é o eixo da conclusão. Somente nos fenômenos particu-
lares, a partir dos quais se conclui, se abstrai um pensamento geral, é possível concluir
(dedução) para um outro particular.
Para que exista uma conclusão de analogia juridicamente admissível, re-
quer-se a prova de que o particular em relação ao qual a regulamentação falha tenha
em comum com o particular para o qual existe regulamentação aqueles elementos sobre
os quais a regulamentação jurídica se apóia.
A analogia é lícita enquanto se verificar aquela semelhança. Quando a seme-
lhança cessa, onde aparece uma diferença essencial, a analogia encontra os seus limites
e surge, em certos casos, o chamado argumento a contrário, a saber, o argumento que
parte da diversidade dos pressupostos para a diversidade das conseqüências jurídicas.
Existem outros problemas particulares conexos com o conceito de
analogia no Direito.
p. 226 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Toda regra jurídica é suscetível de aplicação analógica, até mesmo de
Direito Consuetudinário. Não tem aplicação apenas dentro do mesmo ramo do Direito,
tampouco dentro de cada código.
Vemos a analogia intercalada entre a interpretação e o argumento contrário.
Também, nem sempre é fácil descobrir a fronteira entre a interpretação e a analogia. Esta
se insere por detrás da interpretação, por detrás mesmo da interpretação extensiva.
Se para a interpretação se assenta a regra de que ela encontra o seu limite
onde o sentido possível das palavras já não dá abertura a uma decisão jurídica (o limite
das hipóteses de interpretação é o sentido possível da letra), é nesse limite que começa a
indagação de um argumento de analogia. Não raramente, é duvidoso saber se o sentido literal
não poderá ser referido à situação concreta através de uma “interpretação extensiva”.
A linha limítrofe entre a interpretação – especialmente a extensiva – por
um lado, e a analogia, pelo outro, é fluída. Isso tem importância prática quando é juri-
dicamente permitida toda espécie de interpretação, mas está proibida, em vez disso,
uma aplicação analógica dos preceitos jurídicos.
As questões da metodologia da interpretação reaparecem, mutatis mutandis,
na analogia, especialmente a questão de saber em que medida, para a descoberta do
“pensamento fundamental” decisivo, deve-se procurar a vontade do legislador histórico
ou a vontade “objetiva” da própria lei, e, logo, a questão de saber que significado têm
os fins inerentes a um preceito para a apreensão do respectivo sentido (não se conhece
apenas uma interpretação teleológica, mas também uma analogia teleológica).
Podemos distinguir a analogia da lei (analogia legis) da analogia do direito
(analogia juris). Na primeira, parte-se de uma regra jurídica isolada e dela se retira um
pensamento fundamental aplicável a casos semelhantes. Na segunda, parte-se de uma
pluralidade de normas jurídicas e se desenvolvem com base nelas (através de indução)
princípios mais gerais aplicados a casos que não cabem em nenhuma norma jurídica.
Ex. de analogia juris: uma série de preceitos individuais do Código Civil que impõem a
obrigação de indenizar por uma conduta culposa em face da contraparte contratual, na
fase da contratação, e fazem derivar o princípio geral de que – após a simples iniciação
das negociações – fundamenta-se um dever de cuidado entre as partes, cuja violação induz
em responsabilidade por perdas e danos (a responsabilidade por culpa in contraendo).
A distinção entre analogia da lei e analogia do direito, no fundo, apenas
se refere à base de indução usada na elaboração do pensamento fundamental, base
essa que em um caso é mais restrita e em outro, mais ampla. Trata-se, apenas, de uma
diferença de grau.
p. 227 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Há limites para a analogia. Se uma disposição é editada para um determina-
do caso excepcional ou para um grupo de tais casos, não pode ser analogicamente aplicada
a casos nos quais se não verifique esta situação excepcional. Cabe aqui o argumento a
contrário: na falta dos pressupostos particulares, a conseqüência jurídica específica tem
de ser denegada. Por outro lado, nos limites do pensamento fundamental do preceito
excepcional, é bem possível uma analogia (a possibilidade de retirar o réu da audiência
pode ser aplicada à testemunha – preceito singular).
A máxima “singularia non sunt extendenda” deve ser manejada com a maior
cautela e não diz nada de novo em face das considerações anteriormente feitas sobre a
relação entre a analogia e o argumento a contrário.
Diversamente, tem de se reconhecer como limite à admissibilidade da
analogia a proibição desta, por vezes estabelecida pelo legislador: “nullum crimen sine
lege, nulla poena sine lege”.
Como critério para determinação dos limites entre uma interpretação ex-
tensiva, ainda permitida, e uma aplicação analógica, que já não o é, temos novamente
o sentido literal possível.
É hora de tratar da questão de saber por que modo se deve proceder ao
preenchimento de lacunas quando a “capacidade de expansão” lógica e teleológica da
lei ou de uma norma de Direito Consuetudinário não bastar para descobrir e fundamentar
a decisão procurada.
No caso da interpretação extensiva, como apreciar juridicamente um
tratamento médico com morfina para aliviar as dores insuportáveis de um paciente já
condenado à morte, no caso de existir o perigo de, através da alta dose indicada, ser
apressada a morte do paciente? Na medida em que nos apegarmos à lei penal e à sua
interpretação tradicional, temos de reconhecer que o encurtamento da vida conscien-
temente aceito (porque prognosticado como altamente provável) é um ato de homicídio
doloso (voluntário), que em todo caso pode ser punido com um pena mais branda quando
possa estar ligado à “solicitação expressa e séria” do paciente morto. É também duvidosa
a existência de um erro invencível sobre a proibição por parte do médico que provoca a
“morte misericordiosa”.
No manejo da analogia, é preciso observar o critério de orientação da maior
utilidade possível para a comunidade estatal, um proveito maior que o prejuízo.
Recomenda-se como meio de preenchimento de lacunas, além das consi-
derações puramente teleológicas sobre a aptidão de uma regulamentação jurídica para a
realização prática de determinados fins, uma valoração jurídica, moral ou cultural tanto
do próprio fim como do meio de que se lança mão para o atingir. O princípio da ponderação
p. 228 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
e do confronto de bens e deveres é o único meio de proteger um bem jurídico ou cumprir
um dever imposto ou reconhecido pelo Direito, a questão de saber se aquela ação é lícita,
não é proibida, ou é ilícita deve ser decidida com base no valor relativo que o Direito
vigente reconhece aos bens jurídicos ou deveres em conflito.
Tal fórmula, além de considerações práticas e técnicas (qual a gravidade
do perigo que ameaça o bem jurídico, em que medida é necessário sacrificar um bem ou
um dever?) há de se apoiar em critérios de valor “objetivos”.
A questão decisiva será sempre de saber em que medida a “valoração
pessoal” do juiz é entendida como uma decisão efetivamente pessoal, subjetiva, e em
que medida ela é uma decisão que encontra apoio em critérios objetivos. Na dúvida,
procurar-se-á no preenchimento de lacunas uma decisão objetiva.
Há ainda a questão de saber se, apesar das possibilidades de uma desco-
berta integradora do direito, não haverá casos nos quais não seja possível uma colma-
tação de lacunas, i.e., se, além das lacunas do Direito Positivo, não haverá finalmente
lacunas da ordem jurídica global. De fato, podem ficar em aberto lacunas insuscetíveis
de preenchimento, que o dogma da plenitude do ordenamento jurídico, segundo o qual
“para cada questão jurídica há de ser sempre possível encontrar uma resposta”, não é
absolutamente válido. É verdade que vale a regra do non liquet, que veda a denegação
de justiça, mas ela não é válida a priori: em certos casos de lacuna, o juiz pode recusar
a resposta. Pensemos nos casos do Direito Público e Internacional. O Tribunal não tem
competência para proferir uma decisão segundo o critério ou segundo pontos de vista
de oportunidade apenas.
Nestes termos, não existe uma plenitude (fechamento) da ordem jurídica que
seja lógica e teorética (especulativa) juridicamente necessária. A plenitude da ordem jurídica
deve ser mantida como uma idéia “regulativa”, como um princípio da razão. O que de nós
se exige é que a todas as questões jurídicas respondamos juridicamente, que colmatemos
as lacunas do Direito Positivo, na medida do possível, através de idéias jurídicas.
Ao lado do princípio da plenitude do ordenamento jurídico, cabe situar o
princípio da unidade do ordenamento jurídico.
O princípio da unidade do ordenamento nos conduz às questões referentes
à correção do direito incorreto. Uma das faces do princípio é o postulado da exclusão das
contradições na ordem jurídica. Estas se apresentam como erros ou incorreções. Nem
toda contradição redunda em uma incorreção.
Sobre as contradições na ordem jurídica, partindo do Direito legislado e
traçando um paralelo com as lacunas primárias e secundárias, podemos distinguir as
contradições primárias e secundárias, conforme identificadas desde o início do complexo
de regras ou posteriormente.
p. 229 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
O legislador às vezes se dá conta de uma contradição da lei nova com as
preexistentes, no todo jurídico mais amplo em que se insere a nova regulamentação.
Tal ocorre em contradições do novo com o antigo regime, em que nem
sempre aquelas podem ser apreendidas pelo novo regime.
Podem-se identificar algumas espécies de contradições, cada uma com seu
alcance particular e seu peculiar significado metodológico.
Por outro lado, as contradições de técnica legislativa consistem em uma
falta de uniformidade da terminologia adotada pela lei. V.g.: o conceito de funcionário
no Direito Público não é o mesmo em Direito Penal. Pode alguém ser funcionário em
sentido jurídico-penal sem que o seja em termos de Direito Público; do mesmo modo,
conceitos como “coisa”, “posse”, “erro”, “publicidade”, “negligência”, “exceção” têm
nas diferentes normas jurídicas diferentes significações. Fala-se de uma relatividade dos
conceitos jurídicos.
A ordem jurídica exige uma variação individualizante dos conceitos com
vistas à sua adaptação ao sentido particular da determinação do direito em concreto.
A “negligência”, no Direito Penal, tem interpretação diversa da do Direito
Civil, porque a punição exige, na determinação da culpa, um grau mais elevado do que na
indenização dos prejuízos, sendo certo que os conceitos recebam o seu conteúdo e o alcance
do contexto em que se inserem, especialmente do contexto normativo e teleológico.
Podem ser ainda citadas as contradições normativas que consistem em
uma conduta in abstrato ou in concreto aparecer ao mesmo tempo como prescrita e
não-prescrita, proibida e não-proibida, ou até como prescrita e proibida. V.g.: dever de
obediência às ordens do superior e, ao mesmo tempo, proibição de atos puníveis como
matar. Tal contradição normativa tem de ser removida.
Muitas contradições, no entanto, são aparentes. É o que podemos afirmar
todas as vezes que, a uma interpretação correta das normas que prima facie se
contradizem e da sua inter-relação, mostra-se, logo, que uma delas deve ter precedência
sobre a outra. Incide aqui o postulado do princípio da unidade e da coerência (ausência
de contradições) da ordem jurídica.
Tal postulado funciona da seguinte forma: a norma especial tem precedência
sobre a geral; a norma superior prefere a inferior; a norma posterior tem precedência
sobre a anterior.
Se, dentre várias normas entre si contraditórias, não for possível destacar
uma como a “mais forte”, como a única válida e decisiva, então, dentre as normas que
entre si se contradizem, entrando em conflito umas com as outras, surge a chamada
“lacuna de colisão”, que deve ser colmatada segundo os princípios gerais do preenchimento
de lacunas. Vê-se aqui como os postulados da coerência (ausência de contradições) e da
plenitude da ordem jurídica se encontram.
p. 230 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
As contradições valorativas são aquelas que resultam do fato de o legislador
não ter se mantido fiel a uma valoração por ele próprio realizada. V.g.: pena proporcional-
mente mais grave para um crime de menor potencial ofensivo. Aqui, o legislador se põe
em conflito com suas próprias valorações, e que, portanto, a contradição valorativa é uma
contradição imanente. Tais contradições têm de ser aceitas, todavia, cada contradição
valorativa imanente deve constituir um estímulo a que verifiquemos cuidadosamente se
ela não poderá ser eliminada através da técnica de interpretação.
Contradições teleológicas, embora raras, aparecem sempre que a relação
de meio e o fim entre as normas não se verifica, mas deveria se verificar.
O legislador visa, com determinadas normas, a determinado fim, mas através
de outras normas rejeita aquelas medidas que se apresentam como as únicas capazes
de servirem de meio para se alcançar tal fim, ou ainda, adia a edição de normas que
confiram executoriedade à lei.
Freqüentes e inevitáveis são as contradições de princípios, e elas se constituem
em desarmonias que surgem em uma ordem jurídica pelo fato de, na constituição desta, toma-
rem parte diferentes idéias fundamentais entre as quais se pode estabelecer um conflito.
7. DA LEI PARA O DIREITO, DA JURISPRUDÊNCIA PARA A FILOSOFIA DO DIREITO
O pensamento do jurista moderno se orienta pela lei, seu entorno, seu
alcance, seus limites, suas lacunas e suas incorreções, tendo como meta a descoberta
do Direito no caso concreto.
Veremos outros métodos de descoberta do Direito não vinculados à lei,
destacando-se a sua descoberta por meio dos precedentes (Case Law).
O Case Law reside no fato de que o apoio que o juiz continental normalmente
encontra na lei é, neste sistema, representado pelas decisões individuais anteriores de
um tribunal superior (House of Lords, Court of Appeal), não só nos pontos em que a lei
seja omissa, mas também quanto àqueles outros em que se trata de uma interpretação
duvidosa da mesma lei.
Se o caso a ser decidido é igual a outro que já foi decidido por um tribunal,
deve ser decidido de igual modo.
Sempre haverá o problema de saber se o novo caso é igual ao outro, sob
os aspectos considerados essenciais.
Por outro lado, a regra jurídica expressa num precedente apenas é vincu-
lativa na medida em que foi necessária para a decisão do caso jurídico anteriormente
julgado; se ela foi concebida com maior amplitude do que a que teria sido necessária,
não constitui essa parte uma razão de decidir decisiva para o futuro, mas, antes um obter
dictum, um “dito de passagem” irrelevante do juiz.
p. 231 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Retornando ao sistema continental voltado para a lei, sabe-se que esta não
é uma grandeza apoiada sobre si mesma e absolutamente autônoma, mas é estratificação e
expressão de pensamentos jurídicos aos quais cumpre recorrer a cada passo sempre que se
pretenda compreender a lei corretamente, ou ainda restringi-la, completá-la ou corrigi-la.
Uma idéia apreensível deste direito nos dá a denominada jurisprudência
dos interesses a qual domina a interpretação, o preenchimento de lacunas e a correção
dos erros da lei.
A jurisprudência dos interesses tem como concepção fundamental o fato
de a ordem jurídica ser constituída de comandos (imperativos) que devem apreender os
interesses materiais e ideais dos homens e tutelá-los na medida em que eles se apresen-
tem como dignos de proteção e tutela.
É certo que os interesses dos homens não se situam isoladamente uns ao
lado dos outros, mas se encontram, podendo colidirem entre si. Importa ao Direito a
colisão de interesses, o “conflito de interesses”.
Em toda parte, o Direito contrapõe certos interesses a outros. Ele dirime
esses conflitos através da ponderação de interesses em conflito e do estabelecimento de
um equilíbrio entre eles (Teoria Conflitual). Todo comando jurídico dirime um conflito de
interesses (quando são contrapostos).
A propósito de cada norma jurídica deve destacar-se o conflito de interesses
decisivo: cada análise exige a articulação dos interesses. O juiz no Estado legalista não
os pondera segundo a sua fantasia, mas vinculado às soluções dadas aos conflitos pelo
legislador. Prevalece o princípio da fidelidade à lei.
O juiz concretiza, caso a caso, as soluções gerais dadas aos conflitos pela
lei, ao verificar, por confronto, que o conflito concreto se configura da mesma forma que
o intuído pelo legislador ao criar a norma.
Somente quando o Direito o autoriza excepcionalmente a assentar a decisão
na sua própria apreciação dos interesses, e especialmente nas delegações discricionárias,
é que o juiz assume o papel de legislador.
A jurisprudência dos interesses coloca a lei num campo de forças sociais
econômicas e culturais, cuja consideração é indispensável para tornar inteligível sua
função juridicamente ordenadora.
Em verdade, ao considerarmos apenas os interesses ou também outros
fatores da vida como os elementos jurídico-causais determinantes e que, desse modo,
têm também de ser tidos em conta para a interpretação, a compreensão, a integração
e a complementação do Direito, sempre a decisão do legislador ou julgador do Direito
deve traduzir a valoração dos interesses e desses outros fatores.
p. 232 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Os valores morais como a igualdade, a confiança e o respeito pela dignidade
da pessoa humana não são interesses quaisquer ao lado de outros: eles são os elementos
ordenadores do Direito Privado e do Direito Público; eles não se situam ao lado dos fatos
a ordenar, no mesmo plano, mas por cima deles, em um plano superior. Por isso, o fun-
damento último de toda aplicação do Direito há de ser a conscientização das valorações
sobre as quais se assenta nossa ordem jurídica.
As valorações do legislador não podem ser isoladas. Elas têm de ser rela-
cionadas com outras que estão por detrás da lei e imprimem o seu cunho ao Direito.
O presente capítulo deixa entrever que a relação lei e Direito (lei/juristas –
Direito/filósofos) em determinado ponto transforma-se em um problema e um tema
fundamentalmente filosófico-jurídico.
Um tema que se localiza no limiar de tais temas é o desenvolvido por
Theodor Viehweg: o conceito de Tópica.
A Tópica como “técnica do pensar por problemas” já aparecia no “Organon”,
de Aristóteles, e era nessa obra aplicada a argumentos que não se apóiam em premissas
seguramente “verdadeiras”, mas, antes, em premissas simplesmente plausíveis, geral-
mente evidentes ou que pelo menos aparecem aos “sábios” como verdadeiras.
O processo tópico presta-se para a elaboração e colheita de pontos de vista
e argumentos relevantes, mas não para a apreciação do seu peso e para a descoberta de
regras de preferência na ponderação a fazer – a não ser que tais regras de preferência
sejam elas mesmas, por sua vez, colocadas entre os pontos de vista (Topoi).
A Tópica parece carecer de complementação por parte de uma teoria dos
valores, de um “sistema de valores”, tal como aquele que dispomos no catálogo dos
direitos fundamentais (que não são simples Topoi).
De uma maneira mais geral, em um Estado de Direito, o princípio da legali-
dade a reger a justiça e a administração, para a seleção, valoração e ponderação dos Topoi
nos remete aos métodos de interpretação da lei, etc., pelo que a tópica e hermenêutica
tradicional encontram-se novamente.
Nos casos em que ao juiz ou administrador são deixados “espaços” para
aplicação de conceitos, preenchimento de lacunas, complementação do Direito, chega-se
ao ponto em que entram em cena “pontos de vista” materiais que ultrapassam a lei e
para cuja busca é competente a Tópica.
Importa saber onde os topoi relevantes encontram seu apoio jurídico e
assentam-se sua vinculação.
Todos os defensores da Tópica, quando não a referem logo como Topoi,
acentuam operações hermenêuticas como interpretação, analogia e argumento a
contrário, que são pontos de vista de justiça, equidade, oportunidade, razoabilidade,
senso comum, lei moral, natureza das coisas, etc.
p. 233 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 195-233, 2006.
Com efeito: a questão, por exemplo, de saber se o Direito deve seguir
a moral (que moral?) ou erguer-se e suster-se apenas sobre os seus próprios pés, se
um “senso comum” (ou “consenso”) pode exigir relevância, se um tal consenso pode
sequer existir na moderna “sociedade pluralista”, assim como a questão de saber em
que relação estão entre si a justiça e a oportunidade, a de saber se a justiça pela sua
própria “natureza” deve, por uma via generalizadora, prestar o mais possível atenção
à igualdade de tratamento ou, por uma via individualizadora, atentar na adequação à
particularidade das circunstâncias e à especificidade das partes, o de saber o que pode
significar “natureza das coisas” (o que significa nesta combinação verbal “natureza” e
o que é que se entende aqui por “coisa” – matéria, assunto?), de saber o que é que se
entende em geral por “idéia de direito”, que tensões estão nela implícitas, se ela é
“absoluta” ou apenas “relativamente válida”, como pode lançar-se a ponte sobre o abismo
que vai entre a sua majestosa generalidade (basta pensar na idéia de “bem comum”) e
os problemas jurídicos especiais ou singulares – todas estas são questões que se põem ao
jurista, as quais ele não pude fugir, mas que, do ponto de vista metodológico, só podem
ser respondidas pela filosofia do Direito.
p. 235 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
O 2º FONAJEF – FÓRUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
José Carlos Garcia
Juiz Federal da 5ª Vara de Niterói;
Mestre em Direito pela PUC-RJ
De 19 a 21 de outubro de 2005, a ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL
– AJUFE – realizou no Rio de Janeiro o 2º Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais.
A abertura do evento foi prestigiada pelos Presidentes da AJUFE, do STJ, da Turma Nacional
de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e do TRF da 2ª Região, além de membros
do Conselho Nacional de Justiça e desembargadores coordenadores dos juizados especiais
federais nas cinco regiões da Justiça Federal. Como efetivos participantes, cerca de
100 juízes e juízas federais com competência de JEF em todo o país. Durante o dia 20
de outubro, os participantes do encontro se dividiram em oito grupos de trabalho temáticos,
sem que houvesse dois grupos com a mesma pauta, ainda que se referissem ao mesmo
tema. Debateram-se as questões mais importantes da prestação jurisdicional nos juizados
e elaboraram-se as propostas que seriam rediscutidas e formalizadas na plenária final do
dia 21. Os grupos versavam sobre: demandas de massa (um grupo), competência dos JEFs
(três grupos), juizados virtuais, itinerantes e adjuntos (um grupo), turmas recursais (dois
grupos) e questões administrativas (um grupo).
Na plenária final, que durou oito horas, foram discutidas dezenas de pro-
postas de enunciados e aprovados, com quorum mínimo de dois terços, os quarenta e
cinco que serviriam para orientar e homogeneizar entendimentos nos juizados federais
de todo o Brasil. Muitos deles, entretanto, foram aprovados por unanimidade.
Além disso, aprovou-se uma nota pública em que os juízes federais po-
sicionaram-se contrariamente à tentativa do governo de instituir, via emenda nº 27 à
então chamada “MP do Bem”, a redução do valor máximo das causas ajuizáveis nos JEFs
e a dilação do prazo para pagamento das Requisições de Pequeno Valor – RPVs – para até
24 meses, esvaziando, desta forma, um de seus essenciais componentes de efetividade.
Finalmente, elegeu-se a nova coordenação nacional do FONAJEF, composta
pelos colegas Kátia Balbino de Carvalho Ferreira (1ª Região), Sandra Meirim Chalu Barbosa
de Campos (2ª Região), Leonardo Safi de Melo (3ª Região), Vilian Bollmann (4ª Região) e
Marco Bruno Miranda Clementino (5ª Região).
1 O autor, Juiz Federal da 5ª Vara de Niterói, foi Vice-Presidente da AJUFE na 2ª Região à época da realização do 2º FONAJEF e
presidente da comissão de organização do evento, que contou ainda com a participação dos colegas Andréa Cunha Esmeraldo,
Sandra Meirim Chalu Barbosa de Campos, Geraldine Pinto Vital de Castro e Julio Emilio Abranches Mansur.
p. 236 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
Em sua segunda edição, o FONAJEF firmou-se como a grande referência
nacional em Juizados Especiais Federais, envolvendo um número extremamente repre-
sentativo de juízes de todas as regiões e servindo como um potencializador do seu de-
senvolvimento e aperfeiçoamento. Vale o registro de que, sendo organizado pela AJUFE,
o FONAJEF, suas conclusões e enunciados não têm qualquer força cogente, eles apenas
expressam o entendimento da maioria qualificada de pelo menos dois terços dos presentes
sobre os temas neles versados, ao passo que o próprio evento se traduz em um ambiente
para a troca de experiências entre os juízes, um campo aberto para a reflexão que possa
resultar em soluções viáveis para os problemas atuais dos juizados.
Abaixo, a íntegra da nota e dos enunciados aprovados no 2º FONAJEF.
NOTA PÚBLICA AO POVO BRASILEIRO
“Os juizes federais participantes do 2º FORUM NACIONAL DOS JUIZADOS
ESPECIAIS FEDERAIS – FONAJEF vêm a público manifestar seu repúdio à recente tentativa
do Governo Federal de alterar a Lei 10.259/2001, reduzindo o teto de 60 salários mínimos
para ajuizar ações pelos Juizados Especiais Federais – JEFs, bem como ampliando de 60 dias
para 24 meses o prazo para pagamento das Requisições de Pequeno Valor. Estas medidas,
na prática, criariam uma espécie de “sub-precatório” para os processos dos juizados,
representando um duro golpe na efetividade das decisões oriundas dos JEFs.
Com os juizados especiais federais, milhões de brasileiros antes alijados
do acesso ao Judiciário vêm fazendo valer seus direitos através de um processo rápido
e eficaz, concluindo-se os processos e recebendo-se os valores devidos em menos de um
ano. Se as condenações advindas dos JEFs alcançam hoje cifras elevadas, isto se deve às
reiteradas violações ao direito de segurados do INSS, em sua maioria, ao longo dos anos,
e demonstra que a Justiça Federal está funcionando regularmente para assegurar estes
mesmos direitos ao povo.
Os juízes federais repudiam qualquer tentativa de alteração da Lei dos
Juizados Especiais Federais contra os interesses populares, e conclama a sociedade civil
e seus representantes no Congresso Nacional a não permitirem a aprovação de qualquer
iniciativa que enfraqueça esta experiência vital para a plena realização do estado de-
mocrático de direito.”
p. 237 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
2º FÓRUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
FONAJEF
ENUNCIADOS
Enunciado nº 1 do FONAJEF:
O julgamento de mérito de plano ou prima facie não viola o principio do contraditório e deve ser empregado na hipótese de decisões reiteradas de improcedência pelo juízo sobre determinada matéria.
Enunciado nº 2 do FONAJEF:
Nos casos de julgamentos de procedência de matérias repetitivas, é recomendável a utilização de contestações depositadas na Secretaria, a fim de possibilitar a imediata prolação de sentença de mérito.
Enunciado nº 3 do FONAJEF:
A auto-intimação eletrônica atende aos requisitos da Lei nº 10.259/2001 e é prefe-rencial à intimação por e-mail.
Enunciado nº 4 do FONAJEF:
Na propositura de ações repetitivas ou de massa, sem advogado, não havendo viabili-dade material de opção pela auto-intimação eletrônica, a parte firmará compromisso de comparecimento, em prazo pré-determinado em formulário próprio, para ciência dos atos processuais praticados.
Enunciado nº 5 do FONAJEF:
As sentenças e antecipações de tutela devem ser registradas tão-somente em meio eletrônico.
Enunciado nº 6 do FONAJEF:
Havendo foco expressivo de demandas em massa, os Juizados Especiais Federais solicitarão às Turmas Recursais e de Uniformização Regional e Nacional o julgamento prioritário da matéria repetitiva, a fim de uniformizar a jurisprudência a respeito e de possibilitar o planejamento do serviço judiciário.
Enunciado nº 7 do FONAJEF:
Nos Juizados Especiais Federais o procurador federal não tem a prerrogativa de
intimação pessoal.
p. 238 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
Enunciado nº 8 do FONAJEF:
É válida a intimação do procurador federal para cumprimento da obrigação de fazer,
independentemente de oficio, com base no artigo 461 do Código de Processo Civil.
Enunciado nº 9 do FONAJEF:
Além das exceções constantes do § 1º do artigo 3º da Lei n. 10.259, não se incluem
na competência dos Juizados Especiais Federais, os procedimentos especiais pre-
vistos no Código de Processo Civil, salvo quando possível a adequação ao rito da
Lei n. 10.259/2001.
Enunciado nº 10 do FONAJEF:
O incapaz pode ser parte autora nos Juizados Especiais Federais, dando-se-lhe curador
especial, se ele não tiver representante constituído.
Enunciado nº 11 do FONAJEF:
No ajuizamento de ações no JEF, a microempresa e a empresa de pequeno porte
deverão comprovar essa condição mediante documentação hábil.
Enunciado nº 12 do FONAJEF:
No Juizado Especial Federal, não é cabível o pedido contraposto formulado pela União
Federal, autarquia, fundação ou empresa pública federal.
Enunciado nº 13 do FONAJEF:
Não são admissíveis embargos de execução nos JEFs, devendo as impugnações do
devedor ser examinadas independentemente de qualquer incidente.
Enunciado nº 14 do FONAJEF:
Nos Juizados Especiais Federais, não é cabível a intervenção de terceiros ou
a assistência.
Enunciado nº 15 do FONAJEF:
Na aferição do valor da causa, deve-se levar em conta o valor do salário mínimo em
vigor na data da propositura de ação.
Enunciado nº 16 do FONAJEF:
Não há renúncia tácita nos Juizados Especiais Federais para fins de fixação
de competência.
p. 239 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
Enunciado nº 17 do FONAJEF:
Não cabe renúncia sobre parcelas vincendas para fins de fixação de competência nos
Juizados Especiais Federais.
Enunciado nº 18 do FONAJEF:
No caso de litisconsorte ativo, o valor da causa, para fins de fixação de competência
deve ser calculado por autor.
Enunciado nº 19 do FONAJEF:
Aplica-se o parágrafo único do art. 46 do CPC em sede de Juizados Especiais Federais.
Enunciado nº 20 do FONAJEF:
Não se admite, com base nos princípios da economia processual e do juiz natural, o
desdobramento de ações para cobrança de parcelas vencidas e vincendas.
Enunciado nº 21 do FONAJEF:
As pessoas físicas, jurídicas, de direito privado ou de direito público estadual ou mu-
nicipal podem figurar no pólo passivo, no caso de litisconsórcio necessário.
Enunciado nº 22 do FONAJEF:
A exclusão da competência dos Juizados Especiais Federais quanto às demandas sobre
direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos somente se aplica
quanto a ações coletivas.
Enunciado nº 23 do FONAJEF:
Nas ações de natureza previdenciária e assistencial, a competência é concorrente
entre o JEF da Subseção Judiciária e o da sede da Seção Judiciária (art. 109, § 3º da
CF e Súmula 689 do STF).
Enunciado nº 24 do FONAJEF:
Reconhecida a incompetência do JEF é cabível a extinção do processo, sem julga-
mento de mérito, nos termos do art. 1º da Lei n. 10.259/2001 e do art. 51, III, da
Lei n. 9.099/95.
p. 240 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
Enunciados nº 25 e 26 do FONAJEF:
No ato do cadastramento eletrônico, as partes se comprometem, mediante adesão,
a cumprir as normas referentes ao acesso.
Nos Juizados Virtuais, considera-se efetivada a comunicação eletrônica do ato pro-
cessual, inclusive citação, pelo decurso do prazo fixado, ainda que o acesso não seja
realizado pela parte interessada.
Enunciado nº 27 do FONAJEF:
Não deve ser exigido o protocolo físico da petição encaminhada via internet ou correio
eletrônico ao Juizado Virtual, não se aplicando as disposições da Lei n. 9.800/99.
Enunciado nº 28 do FONAJEF:
É inadmissível a avocação, por Tribunal Regional Federal, de processos ou matéria de com-
petência de Turma Recursal, por flagrante violação ao art. 98 da Constituição Federal.
Enunciado nº 29 do FONAJEF:
Cabe ao Relator, monocraticamente, atribuir efeito suspensivo a recurso, bem assim
lhe negar seguimento ou dar provimento nas hipóteses tratadas no art. 557, caput e
§ 1-A, do CPC, e quando a matéria estiver pacificada em súmula da Turma Nacional de
Uniformização, enunciado de Turma Regional ou da própria Turma Recursal.
Enunciado nº 30 do FONAJEF:
A decisão monocrática referendada pela Turma Recursal, por se tratar de manifestação
do colegiado, não é passível de impugnação por intermédio de agravo regimental.
Enunciado nº 31 do FONAJEF:
O recurso de agravo interposto contra decisão que nega seguimento a recurso extraor-
dinário pode ser processado nos próprios autos principais, dispensando-se a formação
de instrumento no âmbito das Turmas Recursais.
Enunciado nº 32 do FONAJEF:
A decisão que contenha os parâmetros de liquidação atende ao disposto no art. 38,
parágrafo único, da Lei n. 9.099/95.
p. 241 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
Enunciado nº 33 do FONAJEF:
Qualquer membro da Turma Recursal pode propor a edição de enunciado o qual terá
por pressuposto demanda excessiva no JEF acerca de determinada matéria ou quando
verificada, em julgamento de casos concretos, a necessidade de uniformização de
questão processual. A aprovação, alteração e cancelamento do enunciado sujeitam-se
a quorum qualificado estabelecido pela Turma Recursal.
Enunciado nº 34 do FONAJEF:
O exame de admissibilidade do recurso poderá ser feito apenas pelo relator, dispen-
sado o prévio exame no primeiro grau.
Enunciado nº 35 do FONAJEF.
A execução provisória para pagar quantia certa é inviável em sede de juizado, consi-
derando outros meios jurídicos para assegurar o direito da parte.
Enunciado nº 36 do FONAJEF.
O momento para oferecimento de contra-razões de recurso é anterior ao seu exame
de admissibilidade.
Enunciado nº 37 do FONAJEF.
Excepcionalmente, na ausência de Defensoria Púbica, pode ser nomeado advogado
dativo ou voluntário, ou ser facultado à parte o preenchimento de termo de recurso,
por analogia ao disposto no Código de Processo Penal.
Enunciado nº 38 do FONAJEF.
A qualquer momento poderá ser feito o exame de pedido de gratuidade com os cri-
térios da Lei 1.060/50.
Enunciado nº 39 do FONAJEF.
Não sendo caso de justiça gratuita, o recolhimento das custas para recorrer deverá
ser feito de forma integral nos termos da Resolução do Conselho da Justiça Federal,
no prazo da Lei n. 9.099/95.
Enunciado nº 40 do FONAJEF.
Havendo sucumbência recíproca, independentemente da proporção, não haverá
condenação em honorários advocatícios.
p. 242 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 235-242, 2006.
Enunciado nº 41 do FONAJEF:
Em caso de embargos de declaração protelatórios, cabe a condenação em litigância
de má-fé (princípio da lealdade processual).
Enunciado nº 42 do FONAJEF:
Devido ao principio da celeridade processual, não é recomendada a suspensão dos
processos idênticos em primeiro grau, quando houver incidente de uniformização de
jurisprudência no STJ ou recurso extraordinário pendente de julgamento.
Enunciados nº 43 e 44 do FONAJEF:
É adequada a limitação dos incidentes de uniformização às questões de direito material.
Não cabe ação rescisória no JEF. O artigo 59 da Lei n. 9.099/95 está em consonância
com os princípios do sistema processual dos Juizados Especiais, aplicando-se também
aos Juizados Especiais Federais.
Enunciado nº 45 do FONAJEF:
Havendo contínua e permanente fiscalização do juiz togado, conciliadores criteriosa-
mente escolhidos pelo Juiz, poderão para certas matérias, realizar atos instrutórios
previamente determinados, como redução a termo de depoimentos, não se admitindo
contudo, prolação de sentença a ser homologada.
I - Órgãos JurisdicionaisII - Autores
III - Assuntos
Índices
p. 245 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 245-245, 2006.
2ª Vara Federal.......................................................................................133
17ª Vara Federal...................................................................................61, 195
5ª Vara Federal de Execução Fiscal................................................................69
5ª Vara Federal de Niterói.........................................................................235
Vara Federal Única de Macaé.....................................................................157
Vara Federal Única de Teresópolis.................................................................153
2º Juizado Especial Federal.........................................................................178
6º Juizado Especial Federal.........................................................................81
1º Juizado Especial Federal de Niterói.................................................................19
2º Juizado Especial Federal de Vitória/ES..........................................................43
1ª Turma Recursal......................................................................................181
2ª Turma Recursal......................................................................................183
I - Órgãos Jurisdicionais
p. 247 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 247-247, 2006.
1 - Juízes
André de Magalhães Lenart Zilberkrein..............................................................153
Angelina de Siqueira Costa....................................................................157
Caio Márcio Guterres Taranto.............................................................19
Cristiane Conde Chmatalik......................................................................43, 175
Eugênio Rosa de Araújo............................................................................61, 195
Geraldine Pinto Vital de Castro.....................................................................181
José Carlos Garcia..............................................................................235
Luiz Norton Baptista de Mattos....................................................................81
Paulo André Rodrigues de Lima Espirito Santo....................................................183
2 - Servidores
Josélia Ferreira dos Reis...............................................................................77
Rafael da Silva Rocha.................................................................................133
3 - Colaboradores
José Antônio Seixas da Silva...........................................................................69
Maria Stella de Amorim............................................................................107
II - Autores
p. 249 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
III - Assuntos
AADCT
- Vide: Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)
ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA- Juizados Especiais Federais – Defensoria Pública – União Federal – Assistência Judiciária –
Aspectos constitucionais – Prestação jurisdicional – Defensor público......................43
ADMINISTRAÇÃO DIRETA- Responsabilidade Civil do Estado – Inexistência – Dano moral – Ato ilícito – Poder discricionário –
Princípio da razoabilidade – Risco administrativo............................................175
ADVOGADO- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Prática forense – Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de Conciliação – Audi-
ência de Instrução e Julgamento – Poder Judiciário.............................................69
APELAÇÃO CÍVEL- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Improce-
dência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional – Código de Pro-
cesso Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição Federal –
Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) –
Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação processual – Tribunal de Justiça –
Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito material – Princípio da segu-
rança jurídica..................................................................................81
APOSENTADORIA- Tempo de serviço – Tempo de contribuição – Insalubridade – Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) – Legislação previdenciária – Direito Previdenciário.................................183
ASPECTOS CONSTITUCIONAIS
- Juizados Especiais Federais – Defensoria Pública – União Federal – Assistência Judiciária –
Administração da Justiça – Prestação jurisdicional – Defensor público.......................43
p. 250 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS (ADCT)
- Execução – Débito – Precatório – Fazenda pública estadual – Fazenda pública municipal –
Constituição Federal – Causa de pequeno valor – Emenda Constitucional – Obrigação.........61
ATO ILÍCITO
- Responsabilidade Civil do Estado – Inexistência – Dano moral – Administração Direta – Poder
discricionário – Princípio da razoabilidade – Risco administrativo............................175
ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
- Juizados Especiais Federais – Defensoria Pública – União Federal – Administração da Justiça –
Aspectos constitucionais – Prestação jurisdicional – Defensor público......................43
ASSISTENTE SOCIAL
- Serviço social – Juizados Especiais Federais – Recursos humanos..........................77
AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Cons-
tituição Federal – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) –
Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade –
União Federal – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça
Federal (CJF) – Ministério Público (MP)..............................................107
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Prática forense – Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de Ins-
trução e Julgamento – Poder Judiciário........................................................69
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Prática forense – Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de
Conciliação – Poder Judiciário....................................................................69
AUTARQUIA
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição Federal –
Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Juizados
Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade – União Federal –
Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) –
Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP)....................107
p. 251 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
BBENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
- Juizados Especiais Federais – Previdenciário – Pecúlio – Prescrição – Recurso judicial.....181
CCAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CEF)
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição Federal –
Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Juizados
Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade – União Federal – Autarquia –
Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) –
Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP)...............107
- Uniformização de jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma Recursal –
Juizados Especiais Federais – Súmula – Código de Processo Civil (CPC) – Recursos –
Efeito vinculante.............................................................................19
CAUSA DE PEQUENO VALOR
- Execução – Débito – Precatório – Fazenda pública estadual – Fazenda pública municipal –
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Constituição Federal – Emenda
Constitucional – Obrigação.................................................................61
CDC
- Vide: Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC)
CEF
- Vide: Caixa Econômica Federal (CEF)
CELERIDADE PROCESSUAL
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurisprudência –
Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência –
Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório –
Devido processo legal – Princípio da ampla defesa..........................................133
p. 252 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação
cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Consti-
tuição Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de
Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação processual –
Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Direito material – Princípio da
segurança jurídica..................................................................81
CIDADANIA
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Advogado – Prática forense – Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de Conciliação – Audi-
ência de Instrução e Julgamento – Poder Judiciário.............................................69
CITAÇÃO
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurisprudência –
Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência –
Celeridade processual – Prolação de sentença – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do con-
traditório – Devido processo legal – Princípio da ampla defesa............................133
CJF
- Vide: Conselho da Justiça Federal (CJF)
CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR (CDC)
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição Federal –
Audiência de Conciliação – Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio
da oralidade – União Federal – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) –
Ministério Público (MP).........................................................................107
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC)
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação
cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição Federal – Jurisprudência – Supremo
Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio
da economia processual – Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual
Civil – Celeridade processual – Direito material – Princípio da segurança jurídica.......81
p. 253 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
- Uniformização de jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma Recursal – Caixa
Econômica Federal (CEF) – Juizados Especiais Federais – Súmula – Recursos –
Efeito vinculante..............................................................................19
COISA JULGADA MATERIAL
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurisprudência –
Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência –
Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Prin-
cípio do contraditório – Devido processo legal – Princípio da ampla defesa.............133
CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL (CJF)
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição Federal –
Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Juizados
Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade – União Federal – Autar-
quia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal
(CEF) – Dano moral – Ministério Público (MP).............................................107
CONSTITUIÇÃO FEDERAL
- Execução – Débito – Precatório – Fazenda pública estadual – Fazenda pública municipal – Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Causa de pequeno valor – Emenda Cons-
titucional – Obrigação........................................................................61
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Audiência de Conci-
liação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Juizados Especiais Estaduais –
Devido processo legal – Princípio da oralidade – União Federal – Autarquia – Fundação –
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral –
Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP)...............................107
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais – União Federal –
Dano à imagem – Dano moral – Indenização – Direito eleitoral – Domicílio eleitoral.....153
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo –
Apelação cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência –
Tutela jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Prin-
cípio da isonomia – Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior
Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual –
Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade proces-
sual – Direito material – Princípio da segurança jurídica...............................81
p. 254 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Revisão – Remuneração – Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais Federais – Direito
Administrativo – Direito Constitucional – Indenização........................................157
CONTRADITÓRIO
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Constituição Federal –
Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor
(CDC) – Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da ora-
lidade – União Federal – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça
Federal (CJF) – Ministério Público (MP)..........................................................107
CPC
- Vide: Código de Processo Civil (CPC)
DDANO À IMAGEM
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais – União Federal – Dano
moral – Indenização – Direito eleitoral – Domicílio eleitoral – Constituição Federal........153
DANO MATERIAL
- Servidor público – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Remuneração – Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais Federais – Direito
Administrativo – Direito Constitucional – Indenização.........................................157
DANO MORAL
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Cons-
tituição Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção
do Consumidor (CDC) – Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal –
Princípio da oralidade – União Federal – Autarquia – Fundação – Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Conselho da
Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP)...........................................107
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais –
União Federal – Dano à imagem – Indenização – Direito eleitoral – Domicílio elei-
toral – Constituição Federal..............................................................153
p. 255 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
- Responsabilidade Civil do Estado – Inexistência – Ato ilícito – Administração Direta – Poder discricionário – Princípio da razoabilidade – Risco administrativo............................175
- Servidor público – Dano material – Constituição Federal – Revisão – Remuneração – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais Federais – Direito Administrativo – Direito Constitucional – Indenização............................157
DÉBITO- Execução – Precatório – Fazenda pública estadual – Fazenda pública municipal – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Constituição Federal – Causa de pequeno valor – Emenda Constitucional – Obrigação...........................61
DECADÊNCIA- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurisprudência – Prescrição – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal – Princípio da ampla defesa................................................................133
DEFENSOR PÚBLICO- Juizados Especiais Federais – Defensoria Pública – União Federal – Assistência Judiciária – Administração da Justiça – Aspectos constitucionais – Prestação jurisdicional............43
DEFENSORIA PÚBLICA- Juizados Especiais Federais – União Federal – Assistência Judiciária – Administração da Justiça – Aspectos constitucionais – Prestação jurisdicional – Defensor público.............43
DEVIDO PROCESSO LEGAL- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurisprudência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Princípio da ampla defesa.........................................................133
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Juizados Especiais Estaduais – Princípio da oralidade – União Federal – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP).....................................................................107
p. 256 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
DIREITO
- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito subjetivo – Direito objetivo – Interpretação da lei –
Poder discricionário – Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Lei..................................195
DIREITO ADMINISTRATIVO
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Remuneração –
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais
Federais – Direito Constitucional – Indenização..............................................157
DIREITO CONSTITUCIONAL
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Remuneração –
Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais
Federais – Direito Administrativo – Indenização..............................................157
DIREITO ELEITORAL
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais – União Federal – Dano à
imagem – Dano moral – Indenização – Domicílio eleitoral – Constituição Federal..............153
DIREITO MATERIAL
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação cível –
Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional – Código
de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição
Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de
Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação processu-
al – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Princípio da
segurança jurídica.............................................................................81
DIREITO OBJETIVO
- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito subjetivo – Interpretação da lei –
Poder discricionário – Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Lei – Direito....................195
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
- Tempo de serviço – Aposentadoria – Tempo de contribuição – Insalubridade – Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) – Legislação previdenciária...............................183
p. 257 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Ape-
lação cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela
jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio
da isonomia – Constituição Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal
(STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia
processual – Relação processual – Tribunal de Justiça – Celeridade processual –
Direito material – Princípio da segurança jurídica..........................................81
DIREITO SUBJETIVO
- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito objetivo – Interpretação da lei – Poder discricionário –
Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Lei – Direito.................................................195
DOMICÍLIO ELEITORAL
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais – União Federal – Dano
à imagem – Dano moral – Indenização – Direito eleitoral – Constituição Federal............153
EEFEITO JURÍDICO
- Relação jurídica – Direito subjetivo – Direito objetivo – Interpretação da lei – Poder
discricionário – Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Lei – Direito..............................195
EFEITO SUSPENSIVO
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Apelação cível – Impro-
cedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia –
Constituição Federal – Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior
Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual –
Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade proces-
sual – Direito material – Princípio da segurança jurídica....................................81
EFEITO VINCULANTE
- Uniformização de jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma
Recursal – Caixa Econômica Federal (CEF) – Juizados Especiais Federais – Súmula –
Código de Processo Civil (CPC) – Recursos.....................................................19
p. 258 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
EMENDA CONSTITUCIONAL- Execução – Débito – Precatório – Fazenda pública estadual – Fazenda pública municipal – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Constituição Federal – Causa de pequeno valor – Obrigação.............................61
ENUNCIADO- Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurisprudência –
Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal – Princípio da ampla defesa..................................................................133
EXECUÇÃO- Débito – Precatório – Fazenda pública estadual – Fazenda pública municipal –
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Constituição Federal – Causa de pequeno valor – Emenda Constitucional – Obrigação...........................61
FFAZENDA PÚBLICA ESTADUAL
- Execução – Débito – Precatório – Fazenda pública municipal – Ato das Disposições Consti-tucionais Transitórias (ADCT) – Constituição Federal – Causa de pequeno valor – Emenda Constitucional – Obrigação.................................................................61
FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL- Execução – Débito – Precatório – Fazenda pública estadual – Ato das Disposições Consti-tucionais Transitórias (ADCT) – Constituição Federal – Causa de pequeno valor – Emenda Constitucional – Obrigação......................................................................61
FILOSOFIA DO DIREITO- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito subjetivo – Direito objetivo – Interpretação da lei – Poder discricionário – Lacuna da lei – Lei – Direito.........................................195
FUNDAÇÃO- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição
Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade – União Federal – Autarquia – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP)...................107
p. 259 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
IIMPROCEDÊNCIA
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurispru-
dência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Celeridade
processual – Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contra-
ditório – Devido processo legal – Princípio da ampla defesa..................................133
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apela-
ção cível – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional – Código
de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição
Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de
Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação proces-
sual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito
material – Princípio da segurança jurídica..................................................81
ÍNDICE NACIONAL DE PREÇOS AO CONSUMIDOR (INPC)
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Remu-
neração – Poder Executivo – Juizados Especiais Federais – Direito Administrativo – Direito
Constitucional – Indenização...................................................................157
INDENIZAÇÃO
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais – União Federal – Dano
à imagem – Dano moral – Direito eleitoral – Domicílio eleitoral – Constituição Federal....153
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão –
Remuneração – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo –
Juizados Especiais Federais – Direito Administrativo – Direito Constitucional.....157
INEXISTÊNCIA
- Responsabilidade Civil do Estado – Dano moral – Ato ilícito – Administração Direta – Poder
discricionário – Princípio da razoabilidade – Risco administrativo.......................175
INPC
- Vide: Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC)
p. 260 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
INSALUBRIDADE- Tempo de serviço – Aposentadoria – Tempo de contribuição – Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) – Legislação previdenciária – Direito Previdenciário.........................183
INSS- Vide: Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS)- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição
Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Jui-
zados Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade – União Federal –
Autarquia – Fundação – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça
Federal (CJF) – Ministério Público (MP)........................................................107
- Tempo de serviço – Aposentadoria – Tempo de contribuição – Insalubridade – Legislação
previdenciária – Direito Previdenciário........................................................183
INTERPRETAÇÃO DA LEI- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito subjetivo – Direito objetivo – Poder discri-
cionário – Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Lei – Direito.....................................195
JJUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Cons-
tituição Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção
do Consumidor (CDC) – Devido processo legal – Princípio da oralidade – União
Federal – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) –
Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) –
Ministério Público (MP).....................................................................107
- Reforma – Poder Judiciário – Efeito suspensivo – Apelação cível – Improcedência – Liminar –
Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) –
Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição Federal – Jurisprudência –
Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal –
Princípio da economia processual – Relação processual – Tribunal de Justiça –
Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito material – Princípio da
segurança jurídica........................................................................81
p. 261 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
- Defensoria Pública – União Federal – Assistência Judiciária – Administração da Justiça – Aspec-
tos constitucionais – Prestação jurisdicional – Defensor público............................43
- Enunciado – Turma Recursal – Uniformização de jurisprudência – Prescrição –
Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência –
Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdi-
cional – Princípio do contraditório – Devido processo legal – Princípio da
ampla defesa............................................................................133
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – União Federal – Dano à imagem – Dano
moral – Indenização – Direito eleitoral – Domicílio eleitoral – Constituição Federal........153
- Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição Federal – Audiência
de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Jui-
zados Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade –
União Federal – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa
Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério
Público (MP)........................................................................................107
- Previdenciário – Benefício previdenciário – Pecúlio – Prescrição – Recurso judicial....181
- Rábula – Cidadania – Advogado – Prática forense – Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de Conciliação – Audiência de
Instrução e Julgamento – Poder Judiciário.......................................................69
- Serviço social – Recursos humanos – Assistente social........................................77
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Remunera-
ção – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Direito Adminis-
trativo – Direito Constitucional – Indenização............................................157
- Uniformização de jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma
Recursal – Caixa Econômica Federal (CEF) – Súmula – Código de Processo Civil (CPC) –
Recursos – Efeito vinculante....................................................................19
p. 262 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
JURISPRUDÊNCIA
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Ape-
lação cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela
jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da
isonomia – Constituição Federal – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de
Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação processual –
Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito material –
Princípio da segurança jurídica........................................................81
LLACUNA DA LEI
- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito subjetivo – Direito objetivo – Interpretação da
lei – Poder discricionário – Filosofia do Direito – Lei – Direito.............................195
LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
- Tempo de serviço – Aposentadoria – Tempo de contribuição – Insalubridade – Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) – Direito Previdenciário...............................183
LEI
- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito subjetivo – Direito objetivo – Interpretação
da lei – Poder discricionário – Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Direito......................195
LIMINAR
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo –
Apelação cível – Improcedência – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia –
Constituição Federal – Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior
Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual –
Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade
processual – Direito material – Princípio da segurança jurídica........................81
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
- Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais – União Federal – Dano à imagem – Dano
moral – Indenização – Direito eleitoral – Domicílio eleitoral – Constituição Federal.....153
p. 263 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
MMINISTÉRIO DA JUSTIÇA
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação
cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicio-
nal – Código de Processo Civil (CPC) – Princípio da isonomia – Constituição Federal –
Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) –
Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação processual – Tribunal
de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito material –
Princípio da segurança jurídica................................................................81
MINISTÉRIO PÚBLICO (MP)- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição
Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) –
Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal – Princípio da oralidade –
União Federal – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da Justiça
Federal (CJF)............................................................................107
MP- Vide: Ministério Público (MP)
NNULIDADE
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização
de jurisprudência – Prescrição – Decadência – Sentença – Coisa julgada
material – Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença –
Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo
legal – Princípio da ampla defesa.........................................................133
OOAB
- Vide: Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
p. 264 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
OBRIGAÇÃO
- Execução – Débito – Precatório – Fazenda pública estadual – Fazenda pública municipal – Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Constituição Federal – Causa de pequeno
valor – Emenda Constitucional..................................................................61
ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA
- Litigância de má-fé – Juizados Especiais Federais – União Federal – Dano à imagem – Dano
moral – Indenização – Direito eleitoral – Domicílio eleitoral – Constituição Federal.....153
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB)
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Prática forense – Prestação
jurisdicional – Relação processual – Audiência de Conciliação – Audiência de Instrução e Julga-
mento – Poder Judiciário..........................................................................69
PPECÚLIO
- Juizados Especiais Federais – Previdenciário – Benefício previdenciário – Prescrição –
Recurso judicial..............................................................................181
PODER DISCRICIONÁRIO
- Efeito jurídico – Relação jurídica – Direito subjetivo – Direito objetivo – Interpretação da
lei – Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Lei – Direito...........................................195
- Responsabilidade Civil do Estado – Inexistência – Dano moral – Ato ilícito – Administração
Direta – Princípio da razoabilidade – Risco administrativo...............................175
PODER EXECUTIVO
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Remune-
ração – Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – Juizados Especiais Federais –
Direito Administrativo – Direito Constitucional – Indenização..........................157
PODER JUDICIÁRIO
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Prática forense – Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de
Conciliação – Audiência de Instrução e Julgamento.......................................153
p. 265 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
- Reforma – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação cível – Impro-
cedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional – Código
de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição
Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de
Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação proces-
sual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito
material – Princípio da segurança jurídica...................................................81
PRÁTICA FORENSE
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de Conciliação – Audi-
ência de Instrução e Julgamento – Poder Judiciário............................................69
PRECATÓRIO
- Execução – Débito – Fazenda pública estadual – Fazenda pública muni-
cipal – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) – Constituição
Federal – Causa de pequeno valor – Emenda Constitucional – Obrigação.................61
PRESCRIÇÃO
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de
jurisprudência – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material –
Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação –
Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal – Princípio
da ampla defesa..............................................................................133
- Juizados Especiais Federais – Previdenciário – Benefício previdenciário – Pecúlio –
Recurso judicial...............................................................................181
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
- Juizados Especiais Federais – Contraditório – Constituição Federal – Audiência de Conci-
liação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) – Juizados Especiais Estaduais –
Devido processo legal – Princípio da oralidade – União Federal – Autarquia – Fundação –
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral –
Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP).................................107
- Juizados Especiais Federais – Defensoria Pública – União Federal – Assistência Judici-
ária – Administração da Justiça – Aspectos constitucionais – Defensor público............43
p. 266 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Prática forense – Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) – Relação processual – Audiência de Conciliação – Audiência de
Instrução e Julgamento – Poder Judiciário....................................................69
PREVIDENCIÁRIO
- Juizados Especiais Federais – Benefício previdenciário – Pecúlio – Prescrição –
Recurso judicial...............................................................................181
PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização
de jurisprudência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada
material – Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação –
Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal.......133
PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação
cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição
Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça
(STJ) – Turma Recursal – Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil –
Celeridade processual – Direito material – Princípio da segurança jurídica....................81
PRINCÍPIO DA ISONOMIA
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Ape-
lação cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela
jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Constituição
Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de
Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação proces-
sual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito
material – Princípio da segurança jurídica.................................................81
PRINCÍPIO DA ORALIDADE
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição
Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) –
Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal – União Federal – Autarquia –
Fundação – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) –
Dano moral – Conselho da Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP).................107
p. 267 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo –
Apelação cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência –
Tutela jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça –
Princípio da isonomia – Constituição Federal – Jurisprudência - Supremo Tribunal
Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio
da economia processual – Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual
Civil – Celeridade processual – Direito material................................................81
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
- Responsabilidade Civil do Estado – Inexistência – Dano moral – Ato ilícito – Administração
Direta – Poder discricionário – Risco administrativo..........................................175
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização
de jurisprudência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada
material – Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação –
Réu – Tutela jurisdicional – Devido processo legal – Princípio da ampla defesa......133
PROLAÇÃO DE SENTENÇA
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de
jurisprudência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada
material – Improcedência – Celeridade processual – Citação – Réu – Tutela
jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal – Princípio
da ampla defesa..............................................................................133
RRÁBULA
- Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Prática forense – Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Relação processual – Audiência de Conciliação –
Audiência de Instrução e Julgamento – Poder Judiciário..................................153
RECURSO JUDICIAL
- Juizados Especiais Federais – Previdenciário – Benefício previdenciário – Pecúlio –
Prescrição.....................................................................................181
p. 268 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
RECURSOS
- Uniformização de jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma Recursal – Caixa
Econômica Federal (CEF) – Juizados Especiais Federais – Súmula – Código de Processo Civil
(CPC) – Efeito vinculante.........................................................................19
RECURSOS HUMANOS
- Serviço social – Juizados Especiais Federais – Assistente social............................77
REFORMA
- Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação cível –
Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição
Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça
(STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação processual – Tribunal
de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito material – Princípio
da segurança jurídica.........................................................................81
RELAÇÃO JURÍDICA
- Efeito jurídico – Direito subjetivo – Direito objetivo – Interpretação da lei – Poder discricionário –
Lacuna da lei – Filosofia do Direito – Lei – Direito..............................................195
RELAÇÃO PROCESSUAL
- Rábula – Juizados Especiais Federais – Cidadania – Advogado – Prática forense – Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) – Prestação jurisdicional – Audiência de Conciliação – Audiência
de Instrução e Julgamento – Poder Judiciário..................................................153
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo –
Apelação cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência –
Tutela jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princí-
pio da isonomia – Constituição Federal – Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal
(STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia
processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual –
Direito material – Princípio da segurança jurídica.........................................81
REMUNERAÇÃO
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais Federais – Direito
Administrativo – Direito Constitucional – Indenização.......................................157
p. 269 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
- Inexistência – Dano moral – Ato ilícito – Administração Direta – Poder discricionário –
Princípio da razoabilidade – Risco administrativo.........................................175
RÉU
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de jurispru-
dência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material –
Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação – Tutela
jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal – Princípio da
ampla defesa.................................................................................133
REVISÃO
- Servidor público – Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Remuneração – Índice
Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais Federais –
Direito Administrativo – Direito Constitucional – Indenização...............................157
RISCO ADMINISTRATIVO
- Responsabilidade Civil do Estado – Inexistência – Dano moral – Ato ilícito – Administração
Direta – Poder discricionário – Princípio da razoabilidade....................................175
SSENTENÇA
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização de
jurisprudência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Coisa julgada material –
Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação – Réu –
Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal –
Princípio da ampla defesa..................................................................133
SERVIÇO SOCIAL
- Juizados Especiais Federais – Recursos humanos – Assistente social......................77
SERVIDOR PÚBLICO
- Dano material – Dano moral – Constituição Federal – Revisão – Remuneração – Índice Nacional
de Preços ao Consumidor (INPC) – Poder Executivo – Juizados Especiais Federais – Direito
Administrativo – Direito Constitucional – Indenização......................................157
p. 270 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
STF
- Vide: Supremo Tribunal Federal (STF)
STJ
- Vide: Superior Tribunal de Justiça (STJ)
SÚMULA
- Uniformização de jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma Recursal – Caixa
Econômica Federal (CEF) – Juizados Especiais Federais – Código de Processo Civil (CPC) –
Recursos – Efeito vinculante..................................................................19
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação
cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição
Federal – Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma Recursal – Princípio da
economia processual – Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil –
Celeridade processual – Direito material – Princípio da segurança jurídica.............81
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo –
Apelação cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência –
Tutela jurisdicional – Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça –
Princípio da isonomia – Constituição Federal – Jurisprudência – Superior Tribunal
de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação
processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual –
Direito material – Princípio da segurança jurídica........................................81
- Uniformização de jurisprudência – Turma Recursal – Caixa Econômica Federal
(CEF) – Juizados Especiais Federais – Súmula – Código de Processo Civil (CPC) –
Recursos – Efeito vinculante....................................................................19
TTEMPO DE CONTRIBUIÇÃO
- Tempo de serviço – Aposentadoria – Insalubridade – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) –
Legislação previdenciária – Direito Previdenciário..........................................183
p. 271 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
TEMPO DE SERVIÇO
- Aposentadoria – Tempo de contribuição – Insalubridade – Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS) – Legislação previdenciária – Direito Previdenciário...............................183
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação
cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Tutela jurisdicional –
Código de Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia –
Constituição Federal – Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior
Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual –
Relação processual – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito material –
Princípio da segurança jurídica...............................................................81
TURMA RECURSAL
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Uniformização de jurisprudência –
Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coisa julgada material –
Improcedência – Celeridade processual – Prolação de sentença – Citação –
Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório – Devido processo legal –
Princípio da ampla defesa.................................................................133
- Uniformização de jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Caixa Econômica
Federal (CEF) – Juizados Especiais Federais – Súmula – Código de Processo Civil (CPC) – Recursos –
Efeito vinculante...............................................................................19
TUTELA JURISDICIONAL
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Uniformização
de jurisprudência – Prescrição – Decadência – Nulidade – Sentença – Coi-
sa julgada material – Improcedência – Celeridade processual – Prolação
de sentença – Citação – Réu – Princípio do contraditório – Devido proces-
so legal – Princípio da ampla defesa.............................................133
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo – Apelação
cível – Improcedência – Liminar – Uniformização de jurisprudência – Código de Processo
Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Constituição Federal –
Jurisprudência – Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior Tribunal de Justiça (STJ) –
Turma Recursal – Princípio da economia processual – Relação processual – Tribunal de
Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade processual – Direito material – Princípio da
segurança jurídica..............................................................................81
p. 272 R. SJRJ, Rio de Janeiro, n. 17, p. 249-272, 2006.
UUNIÃO FEDERAL
- Juizados Especiais Federais – Defensoria Pública – Assistência Judiciária –
Administração da Justiça – Aspectos constitucionais – Prestação jurisdicional –
Defensor público.........................................................................43
- Juizados Especiais Federais – Prestação jurisdicional – Contraditório – Constituição
Federal – Audiência de Conciliação – Código de Defesa e Proteção do
Consumidor (CDC) – Juizados Especiais Estaduais – Devido processo legal –
Princípio da oralidade – Autarquia – Fundação – Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS) – Caixa Econômica Federal (CEF) – Dano moral – Conselho da
Justiça Federal (CJF) – Ministério Público (MP).........................................107
- Litigância de má-fé – Ônus da sucumbência – Juizados Especiais Federais – Dano
à imagem – Dano moral – Indenização – Direito eleitoral – Domicílio eleitoral –
Constituição Federal........................................................................153
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
- Enunciado – Juizados Especiais Federais – Turma Recursal – Prescrição – Decadência –
Nulidade – Sentença – Coisa julgada material – Improcedência – Celeridade processual –
Prolação de sentença – Citação – Réu – Tutela jurisdicional – Princípio do contraditório –
Devido processo legal – Princípio da ampla defesa......................................133
- Reforma – Poder Judiciário – Juizados Especiais Estaduais – Efeito suspensivo –
Apelação cível – Improcedência – Liminar – Tutela jurisdicional – Código de
Processo Civil (CPC) – Ministério da Justiça – Princípio da isonomia – Consti-
tuição Federal – Jurisprudência - Supremo Tribunal Federal (STF) – Superior
Tribunal de Justiça (STJ) – Turma Recursal – Princípio da economia processual –
Relação processual – Tribunal de Justiça – Direito Processual Civil – Celeridade
processual – Direito material – Princípio da segurança jurídica.......................81
- Supremo Tribunal Federal (STF) – Turma Recursal – Caixa Econômica Federal
(CEF) – Juizados Especiais Federais – Súmula – Código de Processo Civil (CPC) –
Recursos – Efeito vinculante.................................................................19
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL – 2ª REGIÃO
Rua do Acre, 80 - Centro - Rio de Janeiro
JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA
Seção Judiciária do Rio de Janeiro
Av. Rio Branco, 243 - Centro - Rio de Janeiro