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José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

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JOSÉ MANUEL FERNANDES

ARQUITECTURA MODERNISTA EM PORTUGAL[1890-1940]

gradiva

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© José Manuel Fernandes Arquitecto/Gradiva

Revisão do texto: Manuel Joaquim Vieira

Design gráfico: André do Rosário

Fotocomposição e montagem: Multitipo-Artes Gráficas, Lda.

Impressão e acabamento: Printer Portuguesa

Direitos reservados a: Gradiva - Publicações, L*

Rua de Almeida e Sousa, 21, r/c, esq. - Telefs. 3974067/8

1300 Lisboa

1.ª edição: Dezembro de 1993

Depósito legal n.° 72 122/93

Noto do Editor: As imagens não referenciadas são do autor.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho alicerçou-se fundamentalmente numa bolsa de estudos concedida pela

Fundação Calouste Gulbenkian entre 1979 e 1981, através do seu Serviço de Belas-

Artes. O Dr. Artur Nobre de Gusmão, então director do Serviço, sempre

acompanhou atentamente o desenvolvimento da investigação. Agradeço pois este

apoio imprescindível.

Também as investigações que dirigi nos anos lectivos de 1977 a 1980, no então

Departamento de Arquitectura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, com

manifesto entusiasmo dos alunos participantes (cadeira de História da Arquitectura

Portuguesa, 3.° ano lectivo de 1977-78 e 4.os anos lectivos de 1977-78, 1978-79 e

1979-80), permitiram fundamentar mais solidamente a informação referente a

Lisboa. A todos eles agradeço a valiosa colaboração,

Também em muitos aspectos fui ajudado por colegas e amigos, cujos nomes aqui

refiro com o meu reconhecimento: arquitectos Júlio Teles Grilo (área de Chaves),

José Fernando Canas, António Brito, Carlos Marques, Helena Ribeiro Santos e Luísa

Góis (área nortenha), Adalberto Tenreiro (área do Alentejo), António Cristo (área

de Coimbra); ainda devo citar os arquitectos Júlio Ansião e Domingos Tavares, para

o Porto, e muito especialmente o arquitecto Vítor Mestre, para a zona de Lisboa.

Outros apoios deverão ser citados, pois directa ou indirectamente contribuíram para

o «corpo» do trabalho: os do Centro Nacional de Cultura, dos Profs. Doutores

Jorge Gaspar e Maria João Madeira Rodrigues, dos fotógrafos do Estúdio Mário

Novais e ainda dos fotógrafos Sr. Mendes e Alberto Picco. A documentação

gentilmente cedida pela família do Eng.º António de Vasconcelos, em Ponta Delgada,

foi também fundamental para o estudo daquela região. A documentação referente

aos trabalhos de Porfírio Pardal Monteiro e de Carlos Ramos, cuja consulta nos foi

facultada pelos arquitectos António Pardal Monteiro e Carlos Manuel Ramos, foi

igualmente imprescindível para este trabalho.

Mas a contribuição maior (e mais reconhecida) foi a da arquitecta Maria de Lurdes

Janeiro, que colaborou nos exaustivos trabalhos de pesquisa de campo e de

organização deste livro.

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É intenção desta publicação divulgar aspectos gerais da arquitectura chamada

«modernista» em Portugal1. Termo ambíguo ou, pelo menos, vago, vemo-lo aplicado,

por exemplo em Espanha, àquela produção arquitectónica dos inícios de Novecentos,

que entre nós se confundiria com a ligada à «arte nova» ou à de «princípio de século»;

vemo-lo também aplicado em Portugal, nos campos das outras artes visuais, às obras de

um Amadeo ou de um Almada (e mesmo, na literatura, às intervenções de Sá Carneiro

ou de Pessoa); porque, se houve um movimento cultural «modernista» nas nossas artes

e letras dos anos 10 e 20 do século actual, a arquitectura terá no essencial permanecido

arredada dessa gesta, um desfasamento então criado e só superado a partir dos anos 30...2

De facto, a vontade de mudar linguagens e expressões arquitectónicas com um sentido

social e vanguardista a um tempo, e que pode exprimir-se nesse termo, «modernista»

(primeiras tentativas de ser «moderno», sem o conseguir ainda cabalmente), por razões

de desfasamento técnico e sociopolítico em relação ao desenvolvimento geral do País,

implicava talvez começar por campos diversos dos da arquitectura, mais fáceis de

subverter e renovar a literatura e a pintura foram dois deles,

Deste modo, o ciclo do modernismo arquitectónico tardio coincidirá já, em Portugal,

com a divulgação sistemática do uso do betão armado e das formas «cubistas»,

enquanto vinte anos antes começara em Espanha um homónimo «modernismo» que

ainda podia dialogar com curvas modern-style e alvenarias tradicionais de tijolo e pedra.

Tal facto, como muitas outras coisas neste país lusitano, deu ao referido período,

entre nós, uma especificidade e até, se quisermos, uma originalidade, por comparação

com as experiências similares europeias — aspecto que agora se pode, a «histórica»

distância, melhor entender e valorizar.

Como definir com precisão, no tempo e no espaço, o decorrer desta tendência ou fase

arquitectónica em Portugal? O estudo efectuado incidiu entre duas «balizas», os anos de

1890 e de 1940; considerou-se que haveria que procurar as raízes do «aparecimento e

desenvolvimento da arquitectura moderna» (e assim se intitulava o estudo de investigação)

muito antes da década de 1930-40, que indiscutivelmente constituiu em Portugal a sua

definição e o seu primeiro apogeu (e a data de 1890, meio século recuada, surge marcando

uma geração e o início de uma crise nacional). Pensou-se também que a «viragem» histórica

de 1940, marcada pela ideologia arquitectural enunciada na Exposição do Mundo

Português, lhe definiria um limite preciso, a partir do qual demasiadas coisas mudaram,

talvez «para que tudo ficasse na mesma», pelo menos no campo da arquitectura...

Também os limites deste «movimento» no espaço português se afiguram difíceis de

demarcar; há prolongamentos adjacentes, integráveis (com algum esquematismo) numa

abordagem da produção na metrópole peninsular, que são a Madeira e os Açores — assim

foram entendidas e estudadas as arquitecturas destes arquipélagos na presente obra; mas

a investigação poderia certamente enriquecer-se e até «clarificar-se» melhor se estendida

a outros espaços de influência lusa; basta pensar nos trabalhos de arquitectos portugueses

1 Termo utilizado por José-Augusto França para designar a geração de arquitectos que nos anos 30 se foi afirmando

em Portugal dentro de uma perspectiva modernizante (A Arte em Portugal no Século XX, Lisboa, Bertrand, 1974).2 Assunto já focado pelo autor em «Para o estudo da arquitectura modernista em Portugal», in revista

Arquitectura, 4.ª série, n.° 132, Lisboa, 1979.

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para o Brasil, nas obras públicas oficiais para as colónias de África e da Ásia (as últimas, apesar

de tudo, em menor escala); no entanto, por razões de equilíbrio analítico e das evidentes

limitações práticas, ficou-se pelo que se espera seja uma «primeira fase», adstrita ao clássico

«continente e Ilhas», universo de algum modo com a sua coerência e sentido próprios.

Por último, seria interessante explicar um pouco do modelo teórico deste trabalho, para

além da sua apresentação em livro (o texto foi «fixado» em 1986)3. Entendeu-se que o

fenómeno da modernização em arquitectura aceitou como determinante primeira a

introdução de novos materiais e tecnologias, evidentemente ligados ao desenvolvimento

industrial no mundo «europeizado» de Oitocentos; num plano seguinte (e interactivo

com o primeiro) houve uma resposta estilística e formal, e depois espacial, que pouco a

pouco soube conformar e enquadrar os novos dados; por esta razão se abre o livro

com a descnção e exemplificação dessas inovações técnicas, passando em seguida para a

sua «tradução» artística.

Mas o desenvolvimento social acompanha naturalmente o processo da evolução técnico-

-artística e, sem querer forçar estas relações, entendeu-se importante estabelecer um

constante acompanhamento, ou, se se preferir, um enquadramento que reconhece no

corpo social duas fases bem marcadas na expressão da arquitectura desta época em

Portugal: uma época ligada à «velha» Monarquia e à nova República; outra claramente

identificada com o advento do Estado Corporativo, também ele se reclamando de

«Novo». Assim se vai falando de obras, autores, ideologias.

Finalmente, numa tradução mais directa da pesquisa levada a cabo pelo trabalho de

campo, mostra-se um «Portugal modernista», mas também regional, fora da(s) grande(s)

cidade(s), e tenta-se ver como a tradição local foi afectando a produção de obras

inovadoras, de Trás-os-Montes a Monte Gordo, do Faial a Castelo Branco.

As imagens tenderão, neste capítulo como nos outros, a valorizar a «pequena obra», os

edifícios menos conhecidos ou os aspectos mais originais, inovadores e criativos da

produção arquitectónica, «dispersa esta pelos pontos mais inesperados do território,

muitas vezes fruto de autores locais ou procurando uma adaptação às condições do sítio,

através, por exemplo, duma escala ou função apropriadas; aí, parece-nos, a tradução

cultural dos modelos eruditos, de origem europeia, adquire um sabor muito especial,

permitindo mais facilmente do que nas grandes cidades compreender como as novas

técnicas e formas foram por cá entendidas, interpretadas e nacionalizadas»4.

Outro aspecto importante diz respeito ao já assinalável número de obras que, neste

espaço de quinze anos desde o início da recolha de informação, têm sido destruídas,

desfiguradas ou simplesmente alteradas e cuja visão fotográfica é aqui possível na sua

forma primeira e já desaparecida.

Datas, autores, referências precisas ou petites histoires, sempre interessantes, mas

monótonas, reservam-se, sempre que possível, para as notas de rodapé, enquanto um

sentido mais geral e global será dado pelo «texto corrido». Termina-se avisando que as

imagens apresentadas são apenas uma «amostra» do material referido no texto: que o

«armazém» restante possa alguma vez ver a «luz do dia» é o nosso voto.

3 A toponímia, datação e localização dos edifícios foram recolhidas em 1979-80; o texto final foi revisto em 1993.4 Conforme adaptação do texto do relatório da referida bolsa de estudos, em 1979.

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Novos materiais e tecnologias o ferro

O betão armado — os primórdios

Os outros materiais — vidro, plástico, luz

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O ferro

Meio século antes da Exposição do Mundo Português, o nosso país atravessava uma crise de

facetas múltiplas: crise de crescimento industrial, que iniciava então o seu segundo fôlego5; crise

política e moral, que o cansaço do parlamentarismo e o choque do Ultimatum demarcavam;

crise financeira, articulada com uma relação diferente e imposta com as colónias africanas.

Um novo surto de construções metálicas de relativa importância ergueu-se à volta de 1890, com

relevo para Lisboa, entre edifícios industriais, pavilhões de exposições, mercados e gares ferroviárias6.

Data simbólica de uma mudança geral que começou a processar-se, demarcando gerações e

preparando revoluções, o arranque da última década do século XIX serviu também para pontuar

uma decisiva aceitação da nova tecnologia do ferro na construção de Lisboa, e portanto pelo

restante país que a capital comandava (poderia então falar-se de uma «vulgarização do ferro»).

Este, portanto, o ponto de partida temporal, simbólico e operativo para uma análise da

génese da arquitectura moderna em Portugal: procurar-se-á tomar clara a relação desta

com a importância crescente dos novos materiais na construção.

Mas voltemos atrás, a meados do século passado, quando os elementos metálicos fruto da

produção industrial começavam a ser utilizados para construir pontes e viadutos, armazéns

portuários ou simples fábricas, um pouco por toda a Europa (sem esquecer as estufas e outras

elaborações românticas, que os Ingleses, pioneiros na revolução industrial desde Setecentos,

iam traduzindo em ferro). Nesta época, o engenheiro ganhava papel crescente na execução

dos novos edifícios, pelas exigências de cálculo matemático que o emprego da tecnologia do

ferro implicava; também o crescimento acelerado das cidades, com uma população em aumento

permanente, gerava novas exigências funcionais, nomeadamente de vastos espaços públicos

onde comboios, mercadorias ou produtos fossem abrigados e pudessem receber a multidão

imensa que os utilizava — e que só o ferro permitia construir e cobrir de forma satisfatória

(em prazos curtos, com economia de meios, definindo amplas áreas entre pontos de apoio).

Deste modo, pouco a pouco, foi-se definindo um conflito entre duas profissões ligadas à

construção: arquitectos e engenheiros descobriam que o campo artístico e o campo técnico

deixavam de se identificar, como habitualmente, no mesmo autor e que, pelo contrario, esses

campos eram agora contraditórios, pois as necessidades de novas funções e espaços urbanos

eram cada vez mais da competência do «homem do cálculo», fugindo ao entendimento e ao

domínio do «arquitecto-artista»; mas, se àquele faltava naturalmente uma preparação estética,

para este essa preparação era agora manifestamente insuficiente, sendo o seu trabalho murtas

vezes relegado apenas para o tratamento das fachadas.

Os edifícios reflectiam então muitas vezes este isolamento mútuo das duas actividades,

exibindo uma área mais funcional e prática, aplicando as modernas possibilidades das

estruturas metálicas, mas com evidente falta de sentido estético, sendo este patente, pelo

contrário, nas partes mais representativas e simbólicas, construídas nos tradicionais

materiais nobres e quantas vezes exageradamente decorativas e densas...

5 Em termos socieconómicos, 1889 é a data-limite para uma primeira etapa do desenvolvimento do capitalismo

em Portugal, depois do «salto industrial» de 1870; assim, o considera Manuel Villaverde Cabral em

O Desenvolvimento do Capitalismo em Portugal no Século X/X, Lisboa, ed. A. Regra do Jogo, 1977.

Noutra perspectiva, mais «espiritual», 1888 é o ano de nascimento de Fernando Pessoa, «farol» de uma nova

geração, que irá relançar o mito sebastianista messiânico, com conotações nacionalistas.6 J. A Marques de Carvalho considera 1888 o «ano do ferro», sobretudo em Lisboa, pelo número de realizações construtivas

(Arquitectura de Engenheiros, catálogo da participação portuguesa, Lisboa, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1980).

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As primeiras obras

Em Portugal, esta situação reflectia-se, naturalmente, com o habitual desfasamento no

tempo em relação às experiências europeias congéneres que se iam fazendo com o ferro

— desfasamento ainda agravado, aliás, pela dependência em relação à importação do

próprio material, sobretudo de França e de Inglaterra e, em menor escala, da Alemanha.

Como nos outros países, também o ferro começou aqui a ser utilizado em situações

experimentais ou parciais, fora do contexto urbano, ou para resolver necessidades

reconhecidas como exclusivamente funcionais, pouco prestigiadas culturalmente, e

portanto sem grande preocupação estética.

E o caso da ponte pênsil sobre o Douro, que substituiu a das Barcas e antecedeu a

de D. Luís, no Porto, em 1843; ou do viaduto de Xabregas, em Lisboa, que, ainda

apoiado em pilares de pedra, serviu a linha de cintura ferroviária desde 1854,

durante cerca de um século.

Mas um exemplo mais «arquitectónico» desta fase inicial é, sem dúvida, o do edifício

da Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense (depois do Anuário Comercial),

projectado curiosamente por um arquitecto, João Pires da Fonte, e construído entre

1846 e 18497. Imensa estrutura com vários pisos, utilizava ainda enormes pilares de

ferro fundido, imitando as formas clássicas habituais na pedra e suportando pavimentos

de abobadilha de tijolo, com dimensões globais e uma expressão algo «primitiva», que

o uso posterior do ferro laminado, mais leve e resistente, modernizará.

Outras utilizações do ferro nesta fase correspondiam a partes de edifícios com maior

complexidade, como era o caso da cúpula do Observatório Astronómico da Ajuda, móvel

e cilíndrica, apoiada em estruturas de tipo mais convencional para os restantes espaços.

Foi a partir da década de 1860 que a implementação dada aos transportes pelos

sucessivos governos começou a exigir a construção de inúmeras obras de engenharia

ferroviária, com destaque para as pontes, e sobretudo para as que irão vencer a

tradicional barreira que o vale do Tejo sempre representou à ligação entre o Norte

e o Sul do País e que o progresso mecanizado tentará agora anular.

Um processo construtivo novo, o das vigas de sistema tubular8, fez surgir na nossa

paisagem as hoje tradicionais pontes metálicas de tramos rectos e perfis cruzados, de

que as da Praia do Ribatejo (1860-61), da Asseca-Carregado (1860-?) e do Rossio

de Abrantes (1868-70) serão os exemplos pioneiros.

Este tipo de pontes, adequado ao atravessamento de rios de caudal pequeno e médio,

continuou, de resto, a ser aplicado nas décadas seguintes, prolongando-se a sua

construção mesmo pelos primeiros anos do século XX e generalizando-se por todo o

país: na década de 1870, em Portela de Coimbra (1873), em Coimbra (1874-75), em

Benavente (1875), em Portimão (1875-76) (fig.1), na Guarda (1876), em Santarém

(1876-81) e sobretudo em Viana do Castelo (1877); depois, na década de 1880, em

Valença (1885) e em Fão (1888), e de novo pelo Tejo, em Pernes e Ródão.

7 Dados recolhidos em Dossier Encontros à Esquina, sobre Alcântara, por Jorge Custódio, Lisboa, edição

policopiada do Centro Nacional de Cultura, 1982.8 Dados sobre as pontes do Tejo obtidos em Roteiro das Pontes Metálicas do Vale do Tejo, edição da

Associação de Arqueologia Industrial da Região de Lisboa, 1981.

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Fig. 1

Portimão — pontes

sobre o Arade: edição

Pacheco, Seita & C.ª,

L.da — Portimão

(bilhete-postal)

Fig. 2

Figueira da Foz —

Saião de Inverno do

Grande Casino

Peninsular: edição da

Comissão Municipal de

Turismo da Figueira

da Foz (bilhete-postal)

A década de 1890 assistiu à construção de mais passagens metálicas sobre este rio

(em Abrantes e Constância), que continuaram a ser inauguradas depois de 1900:

Belver, ao Gavião (1903), Azambuja (1904), Porto de Muge (1904) e Chamusca

(1906-11); também no Pocinho, em 1909.

Muitas outras pontes haveria que referir, em Caminha, Penacova, Régua, Luso,

Ferreira do Zêzere, Coruche ou Ponte de Sor, exemplos entre outros, cujas datas se

não indicam; ou ainda casos mais tardios, como Alcácer do Sal e Odemira, em

curiosa variante basculante.

Não é objectivo destas referências serem exaustivas, mas sim acentuarem o vasto

espólio constituído pelas pontes metálicas portuguesas, que raras vezes foram

demolidas e vão atingindo hoje, na sua maioria, o «limite de idade» útil, sem por

isso merecerem o desaparecimento (o caso da Ponte de D. Maria, agora

monumento nacional, é ilustrativo). Também não interessa ao âmbito deste estudo

uma análise mais detalhada das tipologias de pontes, que as há muitas, quer em

relação às formas de apoios (metálicos, em arco, de pedra) e de tramos e tabuleiros

(rectos, curvos, de caixa aberta ou fechada, basculantes ou móveis). A arqueologia

industrial melhor se saberá ocupar deste campo. De notar, por último, a quase

infinita série de alpendres, postos e pequenas construções de apoio que povoaram

toda a rede ferro-rodoviária e que, de igual modo, utilizaram elementos metálicos

como suporte.

Voltemos à nossa cronologia: antes da época-chave de 1890, duas datas são

normalmente referidas, por coincidência relativas a factos marcantes na arquitectura

do ferro em Lisboa e no Porto: em 1865 inauguraram-se nessas cidades,

respectivamente, a gare de Santa Apolónia e o Pavilhão de Exposições (conhecido

como Palácio de Cristal). Note-se ainda, comum a ambos os exemplos, hoje

desaparecidos, a escassa articulação com a cidade: o primeiro caso, apenas parte

interna de um edifício periférico; o outro, dissimulado dentro de um parque. E em

1885 foi a vez do Mercado da Praça da Figueira, alfacinha, seguido pouco depois

pelo congénere tripeiro de Ferreira Borges (inaugurado em 1888). Note-se que os

dois edifícios já se «exibem» claramente dentro de contexto urbano, centrais na

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cidade histórica, e que, além disso, apresentam o seu exterior em ferro aparente,

sem preocupações de dissimular material tão pouco nobre! (Em todo o caso, essa

expressão só é justificável na época certamente por se tratar apenas de obras

utilitárias.)

Foi pois ao longo destes vinte anos (1870-90) que o ferro afirmou o seu «direito de

cidadania». Assim, em Lisboa, foram surgindo vários e significativos edifícios públicos,

destacando-se, entre outros: a galeria panóptica da Penitenciária (1874-78); os

mercados (pioneiros) de Santa Clara, de São Bento e da Ribeira, respectivamente

em 1877, 1881 e 1882 (que prenunciam o da Figueira); a Central Elevatória a Vapor

dos Barbadinhos (1880) (obra-prima de articulação entre estrutura edificada e

mecanismo), e finalmente, em 1884, o Pavilhão da Exposição Agrícola do Ultramar,

na Tapada da Ajuda. De destacar, na mesma época, a interessante cobertura do

Casino da Figueira da Foz (fig 2).

Nestas obras foi muito variável a participação do ferro, já que se atravessava uma fase

ainda experimental e diversificada: aquele ora surgia reservado para interiores (de gosto

«gótico» na Penitenciária, «clássico» na Central Elevatória), ora em mistura com

alvenarias de tijolo e peças de madeira (nos mercados ou no Casino); apenas no

Pavilhão Agrícola foi mais ousada a sua expressão como material (quase) global, mas

também aqui com a desculpa de se implantar em parque, fora do contexto da cidade.

Merecem ainda uma referência as famosas «pontes em arco» do Porto (de 1877, a

de D. Mana Pia, e de 1881, a de D. Luís), com lugar à parte como monumentos

urbanos, também desta fase.

À volta de 1890 — o ferro «urbaniza-se»

Estes anos assistiram, como se disse, a uma maturação e generalização das aplicações

do ferro na construção: são disso prova as duas novas gares de comboios em Lisboa

(Alcântara-Terra, em 1887, e Central do Rossio, em 1888), as cúpulas grandiosas do

Mercado Central de Gados, ao Campo Grande, e do Coliseu, a Santo Antão (em

1888 e 1890), a própria Exposição Nacional de Indústrias Fabris (prestigiosamente

realizada já na Avenida da Liberdade) e o edifício industrial do Gasómetro de Belém

(ambos de 1888). Em 1892 inauguraram-se o Tauródromo do Campo Pequeno e

um mercado regional na Figueira da Foz. Este último reflecte o que será a tipologia

de construção de muitos outros mercados, usando o ferro com maior ou menor

originalidade ou globalidade, em exemplos um pouco por toda a província

[destacam-se os edifícios de Torres Novas (fig. 3), Olhão e Aveiro, sem esquecer o

famoso Bolhão portuense].

Outra aplicação crescente do ferro verificou-se no domínio dos prédios habitacionais

de quarteirão, com as primeiras traseiras construídas com lajes de abobadilha

apoiadas em vigas em l formando marquise (espécie de «oficina» da casa portuguesa

urbana de andares, para apoio às actividades da cozinha e da criadagem). São

exemplos o prédio lisboeta da Avenida de D. Carlos (1891) (fig. 4), ou as esquinas

resolvidas em curva, onde o ferro melhorava as condições de iluminação interna (na

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Fig. 3

Torres Novas —

Mercado Municipal

Fig. 4

Lisboa — traseira de

edifício de habitação

na Avenida de Dom

Carlos, a São Bento

Rua Castilho, 1888); também operações de modernização de equipamentos

instalavam o ferro nos Armazéns Grandella (em 1891), ou na estrutura do Hotel

Avenida Palace (1892), em plena Baixa pombalina.

No Porto, menos prolífero nesta fase, há que destacar, contudo, a finalização do

grandioso Pátio das Nações, também em 1891, que em plena Bolsa consagra o

prestígio finalmente associado ao ferro (prestígio que, um pouco mais tardiamente,

chega também a Lisboa, exibido na Sala de Portugal da Sociedade de Geografia,

construída em 1897, sob projecto de José Luís Monteiro (arquitecto, autor também

do Avenida Palace) no que (não) deveria ser o grande foyer do Coliseu de Santo

Antão (fig. 7)...

O ferro em plena arquitectura da cidade

De 1900 aos anos 20 assistiu-se o apogeu da utilização do ferro na construção urbana:

conceberam-se as primeiras estruturas de prédios inteiramente executadas em peças

metálicas (e com fachadas mostrando «descaradas» esse material ao cidadão), das quais

o sonho maior foi o do falhado arranha-céus de mais de 10 pisos na lisboeta Avenida

de 24 de Julho9, reprovado pela Câmara e ainda hoje existente com os seus tímidos

três únicos pisos, imagem da «Chicago impossível» no porto alfacinha (projecto de 1904).

Outros prédios deste tipo, mais realistas nos propósitos, foram construídos: em

Lisboa, Alcântara-Terra, junto à actual rotunda (1904-07), um edifício com vigorosa

fachada metálica, contendo a planta livre que esse tipo de estrutura permite; e na

Rua do Século, um imóvel para o jornal do mesmo nome, com evidentes propósitos

industriais e de instalação de escritórios (1913-21); em Coimbra e Évora,

respectivamente, o edifício Chiado (antiga Santix) (fig. 5) e o da filial dos conhecidos

' Conforme A Arte em Portugal no Século XIX, vol. II, onde se reproduz o projecto original, de Artur Júlio

Machado (por José Augusto França, Lisboa, ed. Livraria Bertrand, 1967).

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armazéns lisboetas representaram a inserção da estrutura metálica, moderna e

«transparente» em pleno centro histórico dessas cidades (cerca de 1900).

Os transportes mecânicos, agora em plena cidade, permitiram também a criação de

novos espaços e formas: a rede de tracção eléctrica abrigou os veículos nas gares do

Arco do Cego e de Santo Amaro (1900) e levou à construção de uma central de

energia em Santos (onde tijolo e ferro seguem a tradição da arquitectura portuária),

As colinas de Lisboa exigiram os elevadores verticais e de rampa, de que o do

Carmo (1902) é o ex-líbris (com projecto de engenharia de Raul Mesnier de

Ponsard, «moderno» e com decorações — é a palavra usada no estudo — de Louis

Reynaud, arquitecto, de gosto exótico e finalmente «gótico»: eis a contradição em

que se debatia a expressão arquitectónica que tentava exibir o ferro). Mais estações

ferroviárias substituem agora velhos conventos em pleno coração da cidade: caso da

gare de São Bento, no Porto, em 1903. O automóvel exige também as suas

garagens (em locais «chiques» e com anúncios na revista Ilustração Portuguesa), com

os grandes envidraçados na fachada, como nos Restauradores (a Beauvallet, no sítio

do futuro Éden) ou na Rua de Alexandre Herculano (Auto-Palace, de 1906), ambos

em Lisboa.

A indústria pedia também volumosos edifícios, gares imensas onde o ferro se tornava

imprescindível: recordem-se, ainda que com data incerta, as instalações da Fábrica de

Pólvora, anexa ao antigo Convento de Cheias (com um dos mais extensos pavilhões

metálicos do País, já demolido); a chamada «Catedral do Vinho» em Fontebela,

Vaiada do Ribatejo, enorme adega de múltiplos andares sobrepostos; o vasto

complexo da Central Tejo, em Belém, para produção de energia eléctrica, com

edifícios levantados desde 1908 aos anos 30, sempre utilizando o ferro e o tijolo; ou

ainda uma fábrica de massas alimentícias em Alcântara, a da firma Gomes, Brito,

Conceição e Reis, também usando o tijolo para acompanhar o ferro, construída pela

firma Veillard & Touzet (empresa com intensa actividade no sector, construtora

igualmente da Auto-Palace), em típica arquitectura utilitária.

Os equipamentos urbanos continuaram a aplicação do ferro, quer em edifícios

autónomos (como o Mercado de Alcântara, de 1906, ou o novo Mercado da

Ribeira, em 1902), quer em partes de obras, como a da cúpula do Teatro-Circo de

Braga (1911), que repetia na província o modelo do Coliseu lisboeta. De destacar o

interesse gradual expresso pelo uso do novo material por parte dos arquitectos.

Estes foram gradualmente utilizando o ferro, em edifícios de prestígio com cuidada

inserção e desenho, ou em equipamentos de significativa responsabilidade social.

Assim sucedia com as obras de Ventura Terra, como na do Banco Lisboa & Açores,

onde a uma pesada frente em pedra de tratamento classizante se opunha a leveza

do pátio em andares, que organizava todo o espaço interior à sua volta, totalmente

construído em ferro (1908, alterado nos anos de 1940-50). Também foi usado o

ferro nos dois liceus de Lisboa, projectos de Terra, o de Camões (1908-09) e o de

Pedro Nunes, o primeiro com vastas galerias metálicas servindo os diversos corpos

de alvenaria, o segundo com um ginásio de inserção original, onde o ferro se aplicou

em varandins e coberturas.

Fig. 5Coimbra — edifício

Chiado, Rua de

Ferreira Borges, n.º 85

Fig. 6

Dafundo/Cruz

Quebrada — traseiras

de prédio de habitação

colectiva, Rua de

Clemente Vicente/Rua

de Pereira Palha

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Fig. 7

Lisboa — Salão

Portugal, na Sociedade

de Geografia, Rua das

Portas de Santo Antão,

n." 92-104

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Norte Júnior, outro autor famoso (e prolífero) da época, resolveu coberturas,

iluminação em panos de vidro e escadas de serviço exteriores recorrendo ao ferro

em dois importantes edifícios lisboetas: o da Sociedade de Instrução e Beneficência A

Voz do Operário, de grandioso salão de festas culminando todo o piso superior

(1912), e de que só a fachada neobarroca distancia da Maison du Peuple, de Horta;

e o da Associação dos Empregados do Comércio e Indústria, na Rua da Palma, que

em 1916 repetiu o modelo anterior de modo mais modesto.

Mas a habitação foi o campo onde o ferro se vulgarizou e implantou mais

profundamente em Portugal: nas «vilas» de Lisboa, diminutas habitações seriadas,

ocupadas pelas classes mais pobres, eram então correntes as galerias metálicas

exteriores, como forma de embaratecimento da obra, estreitos acessos colectivos,

que substituem as caixas de escada interiores. Assim sucede no Bairro Estrela d'Ouro

(1907), à Graça, ou em dispersas vilas da Graça/Penha de França, como a Vila

Celeste (1910), à Avenida do General Roçadas.

Também os «pátios», forma mais introvertida de vila, usavam por vezes as escadas e

as galerias de ferro, eventualmente sobrepostas em complexa e criativa rede de

planos oblíquos e paralelos (caso de uma vila do Dafundo, de rigorosa modulação)

(fig. 6). Antes, em 1902, o construtor Tojal tinha já utilizado, em generosas varandas

sobre a frente das casas, o mesmo material (na Vila Berta).

Nos prédios de habitação em clássico esquerdo-direito, o ferro ia desempenhando

cada vez mais o papel de suporte do espaço autónomo e complementar da casa que

era a marquise, como vimos experimentada já na década de 80. Assim se preencheram

os vastos quarteirões das Avenidas Novas, por vezes com originais escadas em caracol

ligando os habituais cinco ou seis pisos avarandados, envidraçados ou abertos, que, em

conjuntos orientados para um mesmo logradouro interior, devolviam às Avenidas,

súbita e secretamente, em cada miolo de quarteirão exteriormente mundano, uma

ruralidade feita de roupa estendida e de galinheiros, que nunca abandonou Lisboa.

Foi desta época e desta modalidade que resultou a fixação formal do prédio «para

rendimento» em fachada de alvenaria mais ou menos decorada, mais ou menos

perseguindo um «estilo», em contraste com o carácter «oficinal», prático e

geométrico (em suma, «moderno»), da traseira. Este sistema, tão forte e enraizado,

persistiu bem dentro do período seguinte, quando a estrutura dos prédios aplicava já

o betão armado, quando as fachadas eram já geométricas e modernisticamente

abstractas: apesar disso, a marquise de ferro lá continuava ainda pelo anos 30 fora...

(embora com expressão um pouco mais art déco nas caixilharias).

Na fachada, os afloramentos metálicos eram sempre mais tímidos, dada a implicação

estética do acto: era por vezes, em esquinas, solução para ganhar um pouco mais de

área para a casa formando uma bow-window saliente, como no caso de um prédio

da Avenida do Duque de Loulé, em 1919,

Há que fazer uma referência ainda aos inúmeros palacetes que foram usando o ferro

em varandas e galerias, desde o século XIX, nos arredores dos centros urbanos,

primeiro com gosto classizante, mais tarde associados ao modelo centro-europeu do

chalé, e, em muitos casos, ao veraneio e às áreas de praia: dos arredores de Espinho

Fig. 8

Lisboa — fachada

metálica na Baixa,

Rua do Ouro

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Fig. 9

Lisboa — projecto de

fachada metálica na

Baixa: Arquivo

Municipal

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à Foz portuense, de Viana do Castelo aos palacetes da costa do Minho, ou à volta

de Lisboa, em Colares, Estoris e Cascais.

As pequenas peças constituem uma das áreas onde o ferro pôde atingir maior

originalidade e enraizar-se também nos hábitos urbanos por mais tempo. Desde os

mobiliários de jardins e parques (os famosos coretos que já surgiam no Passeio

Público de Lisboa, para depois se difundirem por toda a vilazinha de província,

com destaque para as áreas de maior tradição de bandas musicais, como a

margem sul) aos mais ligados à rua, como os quiosques e urinóis (caso da «mesa

de refrescos» de 1916, no Príncipe Real, lisboeta, ou do já raro exemplar de

«verter águas» existente no Porto, linha da Foz), ou ainda aos relacionados com a

vivência do campo, mirantes e lavadouros (respectivamente com exemplos em

Coimbra e Setúbal).

As lojas representam outro campo ao qual o ferro ficou associado, ao permitir a

abertura de montras maiores e com melhores condições de iluminação interna: a

solução passava muitas vezes pelo rasgar dos panos de alvenaria existentes, depois

pelo colocar de vigas em l e pelo moldurar a frente nova com colunazinhas de ferro

de minicapitel metaloclássico. Assim sucedeu numa ourivesaria da Rua do Ouro,

lisboeta, em 1 9 1 1 (com curiosa ampliação já ao gosto arte nova em 1915 , na

sobreloja) (fig. 8), ou numa retrosaria da mesma rua nos anos 20 (fig. 9); as colunas,

normalmente adossadas ou embebidas na fachada, tinham por vezes variações

originais, como numa loja de Vila Real (Rua Direita, n.° 19), em que se apresentam

«soltas» do plano construído, ou pontuando o espaço interior das populares adegas

lisboetas de Alcântara (junto à actual rotunda).

Outras pequenas obras com estruturas ligeiras, relacionavam-se com equipamentos

de diferentes tipos. São exemplo as fontes e piscinas de estabelecimentos termais,

como na Cúria (1914) ou no Luso, onde graciosas peças de ferro molduram as

águas; ou as estufas, de elegantes volumes cilíndricos nos jardins Burnay, da

Junqueira, (Lisboa), ou com rectilíneas peças de ferro e vidro do jardim Colonial,

de Belém (1914).

A decadência

Com a entrada dos anos 20, a concorrência do betão armado foi abrindo uma nova

fase de obras, com utilização mista dos dois materiais, permanecendo normalmente

os pilares em ferro, mas suportando já lajes de betão; é o caso do antigo Cinema

Lys (depois Roxy, alterado), na Avenida do Almirante Reis, em Lisboa, de 1929.

Outras vezes, o ferro surgia como «apêndice» da obra «moderna» (esta em gosto

art déco e com uso de betão), secundarizado e marginal; retomava deste modo a

sua posição inicial, secundária na obra. Assim sucede na gare do Cais do Sodré, de

1928 (fig. 10), onde a novidade residia na decoração geométrica dos corpos de

entrada, e não na parte coberta com ferro; ou no Cinema Odeon, onde as

obrigatórias galerias de circulação periférica exibiam o metal e o vidro decorativo à

revelia dos ensaios estilísticos do interior da sala. O ferro nunca perdera, aliás, essa

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função pobre, mas necessária, de servir sem brilhar, sem ser mostrado; e, quando

Carlos Ramos projectou um «edifício de prestígio» para a Rua do Ouro, a Agência

Havas, em 1921, ocultou com a sua fachada estilizada e simplificada (que anunciava

já o estilo das artes decorativas) uma estrutura interna de esqueleto metálico

completamente camuflado com estuques que envolviam colunas e vigas...

Uma síntese

Viu-se como o ferro se foi introduzindo e enraizando nas actividades construtivas da

arquitectura portuguesa, desde os meados do século XIX até ao advento do betão

armado, já nos anos 20.

Esse enraizamento não se traduziu, no entanto, numa substituição normal,

«definitiva», dos materiais tradicionais — pedra, tijolo, madeira —, com os quais teve

de aprender a dialogar, quer no interior quer no exterior das obras; tal dificuldade

de afirmação deveu-se por certo a um permanente desfasamento, que a tecnologia

do ferro sempre acusou, entre a capacidade de solução das questões técnicas da

obra, realmente notável para as necessidades da época, e a sua expressão estilística,

para a qual se recorreu, por sistema, a formas do passado, quando muito

modernizadas, mas nunca «modernas» (nem as «artes novas» de um Horta ou de

um Gaudi resolveram o dilema).

Só o betão saberá (e não desde o início da sua aplicação) encaminhar-se para um

estilo moderno. Porquê esta incapacidade do ferro? Talvez pelo pioneirismo de que

se revestiu a entrada do novo material na arquitectura (em todo o mundo, o ferro

foi a primeira proposta moderna — logo, industrial — de construir, quando autores

e executantes não estariam ainda «preparados» para interpretar e assumir as

potencialidades da tecnologia oferecida); talvez também, por outro lado, pelas suas

incapacidades reais — os perigos do fogo e da ferrugem —, que no fundo limitaram

desde sempre o seu desejo de se impor como material de futuro.

Sacrificado depois a invenções mais sofisticadas, a especial importância do ferro na

construção residiu em ter servido de charneira para o advento da arquitectura

moderna, assinalando o papel determinante das novas técnicas e matérias industriais

na sua invenção.

Fig. 10Lisboa — interior da

estação ferroviária do

Cais do Sodré: foto

Horácio Novais

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Fig. 11

Almada/Cova da

Piedade — Fábrica de

Moagens Gomes

Caramujo (actual

Fábrica Aliança): s. ed.

(bilhete-postal)

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O betão armado — os primórdios

Desde meados do século XIX que surgiram experiências pontuais de aplicação do betão

armado na construção, no quadro europeu e em pleno processo de industrialização. Tal

como para o ferro, embora surgido mais tardiamente, as primeiras aplicações do betão

tiveram o álibi utilitário, ou limitaram-se a substituir — imitando com a perfeição possível

— matérias nobres como a pedra, tema a que a «pedra factícia» que o betão constitui

se prestava com grande vocação10. Só que, ao contrário do ferro, a tecnologia do betão

«cresceu» mais depressa e maturou em poucos decénios.

Em Portugal, e uma vez mais, só tardiamente foram surgindo as suas aplicações, mais

para os finais do século XIX, em inúmeras partes construtivas e em elementos

decorativos diversos, onde o betão fingia ser o que não era.

As duas referências pioneiras costumam ser a uma fábrica de moagens junto à Cova da

Piedade, no Caramujo (de A. J. Gomes & C.ª, sucessores da Viúva de Manuel José

Gomes & Filhos), que, depois de um incêndio, seria reconstruída em 1896 pelo sistema

Hennebique de betão armado (dentro de um modelo de desenho classizante, como se

de pedra se tratasse) (fig. 11); e à ponte em arco de Vale de Meões, nos arredores de

Mirandela, em Trás-os-Montes, que em 1906 adoptou idêntico sistema, através dos seus

«agentes gerais» em Portugal. Ambas existem ainda, se bem que alteradas.

O betão foi nesta altura aplicado por companhias que possuíam patentes (e com elas

o «segredo») dos diversos processos construtivos possíveis. No referido livro de João

Segurado (ver nota 10) indicam-se os diversos sistemas com origem em França que

O autor considera liderar a aplicação do betão no mundo: Monier, Coignet, Cottancin

e Hennebique são os principais. Este último sistema fora inventado pelo autor do

1.° Tratado Internacional de Betão, editado em 1893, e a sua empresa manteve

relações mais directas com Portugal, onde, aliás, no ano seguinte, a primeira fábrica de

cimento Portland iniciava a produção (Fábrica Tejo), ainda que muito limitada.

Correspondendo às múltiplas maneiras de produzir o betão armado, os primeiros

anos do século XX ensaiaram diversas designações para esse material, desde «betom

armado», «betom de cimento armado», «siderocimento», «concreto armado» ou

«formigão armado», expressões que João Segurado refere, até simplesmente «beton»

(ou «betom»), «cimento armado» e «beton moldado». Ainda hoje, apesar de serem

mais reduzidas as variantes de designação, se hesita na palavra a escolher.

Assim, embora no Anuário da Sociedade Portuguesa de Arquitectos se referissem, em

1905, as potencialidades do «cimento armado» e Ramalho Ortigão seguisse a mesma

designação ao elogiar as suas potencialidades decorativas (no n.° l da Arquitectura

Portuguesa de 1908), já a Construção Moderna, publicada de 1900 até 1919, prefere

«beton» e «formigão de cimento».

Como para o ferro, seriam as obras ferroviárias responsáveis pela aplicação de betão

em pontes, viadutos e equipamento de apoio. Só que, correspondendo a uma fase

10 Termo referido em Betão Aparente em Portugal, por Carlos Antero Ferreira, ed. ATIC, 1972; esta obra,

bem como Cimento Armado, de João Emílio dos Santos Segurado (ed. Aillaud e Bertrand, antes de 1929),

foram as que apoiaram mais directamente o presente capítulo no fornecimento da maioria dos dados; são

trabalhos fundamentais para uma compreensão do tema abordado.

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terminal da expansão da rede, foram em muito menor número e ao longo de vias e

linhas secundárias, como as do vale do Vouga e do Sado, e nos ramais para

Portimão e Lagos (ao longo dos anos de 1910-20).

As primeiras Tabelas Técnicas de Beton de Cimento deveram-se, aliás, ao Eng.º Vicente

Ferreira, funcionário da CP (a companhia ferroviária portuguesa); foram publicadas

em 1 9 1 1 , ano em que se construiu uma cocheira de carruagens de wagons-lits em

Campolide, Lisboa (ainda existente).

Em 1912 ergueram-se os dois depósitos de água do Entroncamento (fig. 12) (e talvez o

viaduto para peões sobre o complexo ferroviário local?) e em 1913 a ponte rodoviária

sobre o Alvor, entre Penacova e Porto da Raiva. Provavelmente da mesma fase foi a obra

da passagem superior sobre a ferrovia no Lavradio (Barreiro), ainda existente. Do mesmo

ano de 1913 data a aplicação de betão na estrutura da Fábrica de Cerveja Germânia (hoje

a Cervejaria Portugália, na Avenida do Almirante Reis, Lisboa), ainda existente parcialmente,

com ela surgindo assim, pouco a pouco, as obras de betão em contexto urbano...

Desta primeira fase, mais experimental, ficaram as galerias de finos pilares e delicada

trama de vigas, quase sempre com um capitel evocativo do modelo em pedra que

ainda se tinha como referência: são exemplos (a datar) a «arcada do balneário» das

Termas da Cúria (onde se distingue claramente a obra «técnica» de betão e a obra

«artística», deliberadamente mais visível, dos pilares compósitos, também construídos

em betão) (fig. 14); a terrasse na Foz do Porto, com ondulantes guardas e lances de

escadas de formas classizantes; bem como muitas outras esplanadas de jardins pela

província fora, como a de Penalva do Castelo (onde alguns balaústres mais

carcomidos ainda deixam ver o esqueleto de ferro).

Devem ainda referir-se a série de escadas, varandas, mirantes e ameias que em

palacetes dispersos pelo País foram «caricaturando» os antigos modelos de pedra e

ajudando a «inventar» o betão como novo tema expressivo. Encontram-se exemplos

em Vila da Feira (à entrada da povoação), em Vila Real (na estrada para Chaves),

em Castro Verde (fig. 13) e no Bom Jesus de Braga, datando este último de 1922-25).

A justaposição desta «arquitectura de betão», prática e simplificada, a contextos mais

elaborados prolongou-se aliás até aos anos 30, mesclada já com vocábulos

Fig. 12Entroncamento —

depósitos de água na

estação ferroviária

Fig. 13

Castro Verde —

palacete

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modernistas, como se vê nas varandas do palacete Sotomayor da Figueira da Foz, ou

em alguns alpendres de Ponte de Sor (Hospital de Vaz Monteiro), ou ainda em

marquises lisboetas na Ajuda e em bow-windows de Oeiras...

Os anos 20 — a «arquitectura do betão»

Fig. 14

Cúria — galeria, das

Termas

Data de 1 9 1 8 o primeiro Regulamento para o Emprego do Betom Armado. Na sua

sequência, uma série de obras destinadas à divulgação dos processos de cálculo

foram surgindo, entre 1924 e 1928", em livros e revistas da especialidade. Em 1927,

o Regulamento de Teatros e Outras Casas de Espectáculos obrigava pela primeira

vez à construção daquele tipo de edifícios com materiais incombustíveis (pensava-se

obviamente no uso do betão armado),

Entretanto, e paralelamente, o novo material foi-se insinuando em obras cada vez mais

urbanas e prestigiadas (já com a participação de arquitectos), no espaço interno dos

edifícios e em relação com a sua estrutura, embora de modo «discreto» . Foram, em

Lisboa, os casos do Cinema Tivoli, na Avenida da Liberdade, projecto de Raul Lino de

1924, com complexa rede de vigas no suporte dos balcões da sala; do Teatro Ginásio,

na Rua da Trindade, por João Antunes, de 1923-25, totalmente construído em betão,

embora de solução clássica na fachada (interior demolido)12; ou ainda da Casa da Carris,

em Santos, por Jorge Segurado, de 1926, onde uma utilização de betão na varanda lateral

surge escamoteada pelo tratamento «clássico», embora simplificado, que lhe é imposto.

O betão surgiu então, igualmente, em soluções mais arrojadas que transpareciam já

para o exterior, como sucedia nos Armazéns Nascimento, no Porto, obra precursora,

de Marques da Silva, de 1914, com expressão dinâmica dos lances de escadas na fachada,

ou, em Lisboa, no Salão do Capitólio, de Cristino da Silva, começado em 1925 no

Parque Mayer, com poderosa consciência «moderna» nos volumes e materiais utilizados...

Mas o que melhor iria caracterizar esta fase encontra-se representado nas vastas

galenas moduladas com «pilares de chanfro» (caracteristicamente biselados nas arestas)

que envolveram os inúmeros sanatórios construídos na época. Junto à praia de

Miramar, em Francelos (arredores do Porto), ergueu-se a esplêndida Clínica Heliântea

(hoje recuperada para outra instituição), por Oliveira Ferreira, de cerca de 1929-30 (já

com desenhos de inspiração art déco) (fig. 15), e a que a deve ter antecedido alguns

anos, com as mesmas galerias sobreelevadas do terreno, mas ainda com expressão

algo académica, e que se situa nas imediações. Outro exemplo foi o do Sanatório do

Outão, à Arrábida, que aproveitou uma velha fortificação, com galerias em betão de

gracioso ritmo e claro-escuro (fig. 16); há ainda que referir uma construção, mais

modesta, envolvida totalmente pelo mesmo tipo de galerias, na Parede, junto à estação

11 Destacam-se Betom Armado, Um Sistema de Cálculo de Construção de Vigas, de J. J. Jorge Coutinho, ed,

Ferin, f 924 (autor com obras construídas na época e colaborador da revista Arquitectura Portuguesa, cerca

de 1927, com artigos sobre o uso do betão); e Betão Armado, de Delfim de Oliveira Ferreira, 1928

(parente do arquitecto autor da Clínica Heliântea de Francelos).12 Edifício estudado em artigo publicado na revista Arquitectura, n.º 135, de Outubro de 1979, por Luísa

Góis, Carlos Morgues e Vítor Poço de Melo.

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ferroviária. Mais tardio, um alpendre em Amarante desenhou em granito um mesmo

formalismo construtivo (construção municipal, de 1939, perto da Casa das Lerias).

As grandes instalações portuárias e industriais começavam também a aplicação

sistemática das novas estruturas: de modo ainda mesclado com o uso do ferro, nas

séries de pavilhões do vasto complexo naval do Alfeite (Almada); dentro de um

«invólucro» de alvenaria tradicional, mas já com interessante pátio interior de vários

andares, nas instalações de Abel Pereira da Fonseca, a Marvila, em Lisboa.

No porto de Lisboa, os tradicionais armazéns de ferro e tijolo começavam a dar

lugar aos de betão, com destaque para dois espaços edificados, um entre as estações

fluviais de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos (demolido), outro em Santa

Apolónia (ao lado da estação, hoje em interessante relação com a Avenida do

Infante D. Henrique), entre 1927 e 1928; o edifício em Santa Apolónia foi da autoria

de João Jorge Coutinho, autor de alguns dos estudos teóricos já referidos (uma obra

que apresenta os característicos pilares de chanfro no interior e uma ousada consola

em betão na fachada). No final da década, a grande torre prismática da Companhia

Industrial Portuguesa, para produção do ácido sulfúrico na Póvoa de Santa Iria,

culminava com uma megastrutura em betão esta série de realizações (1929).

Ao mesmo tempo continuavam os ensaios experimentais de aplicações inovadoras,

como na construção da chaminé, utilizando o sistema Monnoyer, com 35 m de

altura (Fábrica de Cerveja Estrela, ao Campo Pequeno, demolida), ou na cobertura

cupulada do santuário do monte de Santa Luzia, em Viana do Castelo (do

conhecido João Jorge Coutinho, no prosseguimento da obra de Ventura Terra).

Fig. 15Francelos — antiga

Clinica Heliântea

Fig. 16

Outão — galenas do

Sanatório: s. ed.

(bilhete-postal)

A charneira de 1929-30

A acentuada crise económica e financeira do pós-guerra teve incidência directa na

indústria da construção, que praticamente suspendeu a sua actividade entre 1922 e 1926:

foi a época terrível dos prédios de «areia e cal», dos desmoronamentos, dos «gaioleiros»,

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Em 1928, finalmente, nova legislação de emergência (centrada no Decreto n.° 15 289)

protegia e isentava os construtores, e um novo «sopro» era assim insuflado na

construção. Vejamos o testemunho, sobre esta fase, de um construtor civil, designado

pelo vulgo como «pato-bravo», porta-voz de uma classe muito activa na época13:

«Correspondendo às vistas largas que o sábio legislador previu, os construtores

lançaram-se com denodo em novos empreendimentos, multiplicando-se as construções

de prédios. Em reforço desse afã, veio ao seu encontro uma falange de bons

engenheiros e arquitectos, de cujo conselho, orientado pelos conhecimentos adquiridos

em cursos superiores, muito lucraram todos, isto é, construtores, operários e construções.

Foi desta colaboração que se operou a mudança da antiga maneira de fazer, isto é,

do tosco de madeira e da pedra e cal, pela edificação em cimento armado.

Aquando da publicação do decreto já referido, surgiu, ocasionalmente, no mercado o

cimento nacional, que rivalizava, sem favor, com o importado do estrangeiro,

sensivelmente mais caro. Tal facto constituiu um grande passo para o progresso...»

Esta mudança de condições veio permitir a rápida vulgarização do uso do betão nos

prédios de habitação correntes (primeiro em Lisboa e depois, por cópia, na

província), passo final da adopção da nova tecnologia construtiva. Logo surgiria o

primeiro Regulamento Geral da Construção Urbana para a Cidade de Lisboa — não

por acaso em 1930 —, no qual se recomendava, consentido ainda, embora, o uso

da «gaiola» de madeira, «normalmente empregada nas construções de Lisboa»14, que

pavimentos de casas de banho, cozinhas e seus anexos, bem como varandas,

coberturas e escadas, fossem «sempre construídos com materiais imputrescíveis e

incombustíveis, de preferência o betão armado»15.

Assim, e ainda que sem uma preocupação explícita de resistência aos sismos, se foi

introduzindo o novo material no espaço de habitar e com ele, no quotidiano do País

(explícitas eram então as preocupações e as ideias higienistas e de segurança contra

fogos). Cinco anos depois (1935), a ultrapassada legislação de 1 9 1 8 seria substituída

por novo Regulamento do Betão Armado (que fixava aliás a designação hoje mais

corrente do material), só rectificado ou actualizado em 1943 — e entre as duas

datas passar-se-ia quase um decénio fundamental na produção da arquitectura

modernista em Portugal. Na obra referida sobre os construtores civis tomarenses, o

autor destacava aquela que, segundo ele, teria sido a primeira obra «em cimento

armado» de Lisboa: um prédio dentro da estilística das artes decorativas, na Avenida

de Barbosa du Bocage, 18 (em plenas Avenidas Novas, ainda hoje existente), com

projecto de Norte Júnior, arquitecto que já se consagrara na produção lisboeta

desde o princípio do século. Datado precisamente de 1930, se não constitui o

13 Citação da obra Os Construtores Civis Tomarenses e o Desenvolvimento da Construção Urbana em Lisboa,

de Filius Populi (pseudónimo do construtor Manuel Vicente?), Tomar, ed. de 1946.14 Citação extraída do Regulamento Geral da Construção Urbana para a Cidade de Lisboa, pela Câmara

Municipal de Lisboa, 3.ª ed., Tipografia Municipal, 1936.15 Citação extraída da obra citada na nota 13; este regulamento, continuamente actualizado ao longo dos anos,

só em 1951 foi ultrapassado pelo decreto que instituiu o primeiro RGEU (base do actual regulamento).

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Fig. 17

Lisboa — projecto

de edifício para a

Rua de Alexandre

Braga, n.os 4-6:

Arquivo Municipal

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primeiro exemplo de uso de betão no prédio de habitação corrente de «pato-

-bravo», é de qualquer modo bem emblemático, pela tipologia, pela estilística e até

pelo projectista, o qual o referido autor considera «grande amigo e proficiente

conselheiro» dos construtores (juntamente com autores tão díspares como Pardal

Monteiro, Edmundo Tavares, Raul Tojal, Vasco Regaleira e Jacinto Robalo).

Nas obras lisboetas do início da década também se toma possível ver como era

entendida a aplicação do novo material: com uso restrito em parte das lajes e por

vezes com cintas pontuais sobre os vãos ou para suporte das (tímidas) consolas; um

cálculo sumário, em muitos casos resumido a um único desenho técnico, apoiava

«cientificamente» o trabalho. Assim sucedia, por exemplo, no prédio da esquina da

Rua de António Granjo, n.º 7, com a Rua do Dr. António Martins, a Sete Rios, em

cujo projecto, de 1936, é também possível apreciar como uma fachada

aparentemente tão geométrica e abstracta (logo tão «moderna») se traduzia, afinal,

num retrógrado eclectismo de aplicação de materiais (na sua constituição entravam

alvenaria ordinária, madeira, betão, sem esquecer o obviamente tradicional ferro nas

traseiras). Mesmo nos casos onde participavam técnicos conceituados e

experimentalistas, como na sede da empresa de construções Amadeu Gaudêncio, na

Rua de Alexandre Braga (também em Lisboa), projecto de Cristino da Silva, de 1933

(fig. 17), se notava a mesma hesitação e idênticos conceitos de aplicação do betão

de modo fragmentado.

Ao longo do mesmo período de generalização da nova tecnologia iam-se ensaiando

inventivas soluções formais nos programas mais simples e domésticos, com a

liberdade de cálculo e de execução que o Regulamento de 1918 permitia (por

exemplo, admitia espessuras de laje mínimas até 8 cm, quando, hoje, o normalmente

admissível são 15 cm). A plasticidade extrema do betão a isso ajudava e tentava: o

material «colava-se» com uma enorme facilidade às sugestões geométricas que o art

déco propunha (denteados em vez da simples viga lisa em consola, para «decorara

melhor uma qualquer cobertura); imitava os estilos revivalistas que se quisessem -

caso dos arcos «góticos» em betão, como tantas vezes a arquitectura religiosa da

época vai exigir; finalmente, substituía as tecnologias mais elementares sem hesitar

em as seguir «à letra» (por exemplo, no suporte de uma simples varanda usava

pilares e vigas oblíquas com a expressão e as proporções que a madeira permitiria).

Por estes múltiplos caminhos, a tecnologia da «pedra factícia» instalava-se em

definitivo, caminhando para o domínio da totalidade dos diversos programas

construtivos ao longo do meio século seguinte...

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Os outros materiais — vidro, plástico, luz

Além dos novos materiais que estruturam os edifícios, este período seria fértil em

reinterpretações de outros, relacionados com o acabamento das construções e o

revestimento das superfícies não portantes; dentre eles, o vidro iria desempenhar

papel relevante, fabricado em lâminas de corte industrial.

O vidro surgia aplicado de modos diversos: era o material das grandes superfícies

transparentes, moduladas por finas retículas de perfis metálicos, como no átrio da

Escola Comercial e Industrial da Figueira da Foz (no Largo do Visconde da Marinha

Grande), ou nos antigos cinemas de Macedo de Cavaleiros e de Santarém (fig. 19),

permitindo desse modo generosas e inesperadas iluminações do espaço interior, que

a translucidez do vidro martelado modulava e amaciava; usava-se também o vidro

com inclusão de desenhos geométricos ou figurativos, ou com áreas coloridas [casos

dos panos de vidro no refeitório da Fábrica de Cimentos do Outão, na Arrábida, e

do Amor da Pátria, na Horta, Açores (fig. 18), ou de exemplos na arquitectura

doméstica, em simples guarda-ventos, em Oeiras, na Rua de José Joaquim de

Almeida, n.° 9]; ainda o podemos observar transformado em pequenos volumes (o

«tijolo de vidro» da luminosa e esguia torre do Cinearte, em Santos, Lisboa), em

espelho (em muitos interiores de lojas), cinzelado (em divisórias de cafés e em

livrarias, como na Livraria Lello & Irmão, Rua do Carmo, Lisboa). O vidro era ainda

utilizado seguindo a técnica do vitral, como nos esplêndidos painéis do Café Imperial,

à Avenida dos Aliados, na Praça da Liberdade, n.° 126 (arquitecto Marques de

Abreu?), no Porto.

As novas e sofisticadas maneiras de trabalhar o vidro davam forte sentido visual ao

letteríng de muitos estabelecimentos comerciais, espelhando pela primeira vez, em

dourado ou prateado, uma moderna atitude de consumo: desde a sofisticada loja

Nova York, em Ponta Delgada, à mais corrente e popular Drogaria Portugália

Perfumaria, na Rua de Capelo e Ivens, em Santarém.

Da conjugação do vidro «armado» em ferro com a aplicação da electricidade nascia

um novo «material», por assim dizer a luz. De facto, os coroamentos de edifícios

com torres ou «pilares de luz» serviam novas áreas de espectáculos (a entrada do

Parque Mayer, Lisboa), valorizavam edifícios industriais e comerciais (a sede do Diário

de Notícias, Avenida da Liberdade, Lisboa; os Armazéns Cunhas, Praça de Gomes

Teixeira, n.™ 4-22, Porto), átrios e mirantes até (Amor da Pátria, na Horta, e o

miradouro da serra de Portalegre), tomando a noite um verdadeiro espectáculo

arquitectónico.

No interior, a luz moldava tectos de escolas (átrio do Instituto Superior Técnico,

Lisboa), salas de cinema (Teatro de Rosa Damasceno, Santarém), frentes de lojas (a

Águeda, no Largo de 5 de Outubro, em Viana do Castelo; a Vitália, farmácia

portuense com uma simbólica cruz vermelha na fachada, na Rua dos Clérigos,

n.os 34-37), e inventava larga variedade de candeeiros de gosto geométrico...

A luz redescobria também o sentido gráfico da arquitectura, com o auxílio de gases

«prisioneiros» em invólucros de vidro tubulares: o flúor e o néon desenhavam

Fig. 18

Horta, Faial —

Sociedade Amor da

Pátria

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armaduras em tectos (Cinearte, Jardim Cinema, em Lisboa), pavões «animados» em

fachadas (Armazéns Cunhas, no Porto), mapas do Portugal rodoviário e arco-íris

(garagem Passos Manuel, frente ao Coliseu do Porto, Rua de Passos Manuel; Café Arco

Íris, em Vila Nova de Gaia, esquina das Ruas de José Falcão e do Barão do Corvo).

E surgiam mesmo materiais inteiramente novos: o plástico fazia a sua entrada no

mundo da construção, ainda sob um aspecto algo «primitivo», em placas rígidas, com

brilho, lisas e de cores fortes; aplicava-se em frentes de lojas, como na Instanta, da

Baixa lisboeta (Rua Nova do Almada, em tom negro, realçado pelos tubos

cromados), ou em estabelecimentos de pequenas cidades [na Póvoa de Varzim, em

vermelho-vivo (fig. 20), ou em Guimarães, em vermelho e negro, na Casa das

Gravatas, na esquina da Praça do Toural com a Rua de Santo António, demolida em

1979-80], Foi também a época dos termolaminados e dos folheados de madeira,

revestindo mobiliário e lambris; de igual modo, os aglomerados serviam no

revestimento de paredes, tornando-se muito popular a corticite, baseada na

abundante matéria-prima nacional.

O ferro revelava-se também muito versátil como material de acabamento ou

elemento decorativo. Para isso contribuía a aplicação dos perfis laminados e

encurvados em lettering, portas, puxadores, tapetes metálicos (estes na entrada da

Tobis, no Lumiar, Lisboa), muitas vezes em criativa composição com chapas pintadas,

como se vê ainda em muitas portas de prédios lisboetas. Outra aplicação muito

corrente era o tubo de ferro pintado ou cromado, de secção circular, o qual, em

portões (no Rádio Clube Português, da Parede, na Emissora Nacional, do Quelhas,

Lisboa), guardas de varandas e de escadas (Cinema de Oeiras, edifício do Turismo

de Braga, Hotel de Caldelas), ou em mobiliário [Sanatório de Celas, em Coimbra

(fig. 23)], ia definindo ambientes e confortos...

Sistemas mecânicos inovadores eram nesta época ensaiados: nos tapetes rolantes que

faziam sensação no Capitólio, salão de festas do Parque Mayer, em Lisboa; nos

ascensores verticais de estrutura generosamente decorativa [como na sede do Diário

Fig. 19

Santarém — interior

do Teatro Rosa

Damasceno

Fig. 20

Póvoa de Varzim —

loja Novo Mundo,

Avenida de Mouzinho

de Albuquerque, n.º 5

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Fig. 21

Francelos — ascensor

da antiga Clínica

Heliântea

Fig. 22

Carcavelos —

bilheteira do Vitória

Cine, demolida (actual

Ludance), Rua de João

da Silva, n.º 4

Fig. 23Celas/Coimbra —

interior do Sanatório:

foto Rasteiro, Coimbra

de Notícias ou na Clínica Heliântea de Francelos (fig. 21)]; ou na mais vulgarizada

porta giratória, que cafés e hotéis se apressavam a adoptar (exemplos em Évora, no

antigo Café Arcada, na Praça do Giraldo, e em Santarém, no Café Central, Rua de

Guilherme de Azevedo n.° 32).

Quanto aos materiais mais antigos e tradicionais, seriam nesta época objecto de uma

«revolução de gosto», seguindo novos modelos formais, mais geométricos e

simplificados, que uma estética em mutação ajudava a generalizar. Mosaicos, bolbosos

ou lisos, preenchiam fachadas de lojas, creches, foyers de equipamentos públicos

(respectivamente na loja do Diário de Notícias, no Rossio lisboeta; em jardins infantis

de Coimbra; e no Cinema de Oeiras). Os azulejos molduravam átrios de escada em

prédios de habitação (em Lamego, na Rua de Almacave; na Malveira, no edifício do

Talho e Salsicharia Moderna, na Avenida de José Baptista Antunes), preenchiam

corredores de sanatórios (na Quinta dos Vales), interiores de talhos (Matosinhos),

volumes de bilheteiras [no antigo Vitória Cine, de Carcavelos, demolido parcialmente

(fig. 22)] e até apeadeiros ferroviários (do Quevedo, em Setúbal), padronizando-se

quantas vezes em simples xadrez de preto e branco. Mesmo os humildes mosaicos

hidráulicos animavam com motivos neoplásticos e composições abstractas, simples

oficinas de sapateiro (na Baixa pombalina), reservando-se as pedrinhas de mosaico

cerâmico para tornar festivas as frentes de prédios e moradias (Póvoa de Varzim);

quanto à pedra, aplicava-se desde simples calçada «à portuguesa» (interior da

Estação de Alcântara-Mar, demolida) aos mármores luxuosos das fachadas comerciais

(Livraria Lello & Irmão, Rua do Carmo, em Lisboa; Drogaria Pedroso, na Covilhã),

sempre com a preocupação geometrista que a moda «moderna» impunha,

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O percurso estilístico A arte nova

Estilo «artes decorativas» — O «art déco»

Do primeiro «moderno» ao advento do nacionalismo

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A arte nova

Este é o nome português para a renovação que as artes plásticas procuraram no

início do século, sob influência directa de tentativas congéneres que pela Europa fora

se designaram por art nouveau, modern style, Jugendstil, ou estilo liberty, isto se nos

referirmos apenas às «correntes da linha curva»16.

Na arquitectura, essas tentativas procuraram recusar toda a referência historicista,

revolucionando a concepção do projecto, pela invenção de um novo desenho que,

«totalitário», tomasse de novo coerentes entre si novos materiais e velhas tradições

construtivas.

Processo divergente e original, em cada cultura arquitectónica autónoma, a «nova

arte» que se pretendia descobrir, se falhou o seu objectivo uniformizante (um Gaudi,

um Horta ou um Mackintosh produziram formas de facto renovadoras, mas

inconciliáveis com esse desejo), soube pelo menos, como fenómeno de transição para

o futuro movimento moderno dos anos 20, despertar a atenção para a necessidade

de mudança que a situação retrógrada do eclectismo oitocentista tomava essencial.

Mas, enquanto, na Europa, os diversos movimentos artísticos desempenharam um papel

de vanguarda, assegurando a transição para uma nova linguagem arquitectónica, em

Portugal, a arte nova iria remeter-se a um plano secundário, basicamente no quadro

decorativo; isto acontecia talvez pela preponderância entre nós da corrente do art nouveau

francês, já de si entendido mais como outro estilo a juntar ao «caldeirão» do eclectismo

do que como atitude de rotura; e certamente também devido à permanência no nosso

país de uma forte cultura académica e tradicional, facto que não facilitava a compreensão

ou aceitação das novas propostas (a não ser no plano menor das lojas populares ou da

decoração cerâmica), já que elas implicariam subversão de conceitos tão instituídos. Não

se pode esquecer também que fora a pressão industrial que ditara nos outros países

a necessidade de renovação artística e como essa pressão era tão diminuta por cá.

A arte nova portuguesa iria portanto afirmar-se mais no plano das superfícies e

menos no das estruturas; iria ser tardia (emergindo cerca de 1905, quando, pelos

outros países, as correntes análogas se iam extinguindo, e terminando já na década de

20), não deixando por isso de revelar originalidade; iria ter o seu ponto forte na

aplicação da azulejaria (ou não procurasse inserir-se num contexto tradicional dentro

da arte portuguesa), em esquemas fragmentados de preenchimento de fachadas, onde

tantas vezes sobressaiu um tema figurativo próprio, «a flor virada (girassol), cujo

elemento fulcral é a intersecção do caule e do cálice»17; e o seu «espírito» informaria

ainda certas pesquisas pontuais que arquitectos portugueses tentaram sobretudo no

domínio da habitação, independentemente de influências formais exógenas, na procura

do que poderia ter sido uma verdadeira «arte nova nacional», destinada a deixar

bons exemplos pontuais e a fracassar como proposta generalizável.

16 Conforme Manuel do Rio Carvalho, «Modern style, art noveau e arte nova — respectivas situações»

(artigo na revista Arquitectura, n.° 60, de 1957); a outra corrente, a da «linha recta», será abordada no

capítulo seguinte, já que se articula com o advento do art déco em Portugal.17 Ver nota 16.

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A moda e as lojas

Ligada na Europa a uma ideologia do progresso, operária e «de esquerda» (veja-se a

Maison du Peuple, na Bruxelas de Vítor Horta), esta corrente artística iria pelo

contrário, em Portugal, reflectir-se em estabelecimentos comerciais, que espelhavam a

participação e o interesse da classe média e mesmo da pequena burguesia num

novo quadro mundano, urbano e de cariz conservador,

A arte nova afirmou-se, deste modo, em diversas funções: umas, inovadoras, como a do

nascente animatógrafo, que teria, com a fachada da Rua do Arco de Bandeira, ao

Rossio, em Lisboa, o ex-líbris da nova corrente estética, em 1908 [talvez mais próxima,

excepcionalmente, da estética do Jugendstil, que do art nouveau, como sucedia também

com uma Joalharia da Batalha, no Porto (fig. 25)]; outras, com especial desenvolvimento

neste período por razões sociais, como as padarias (ligadas à «democratização do pão»

encetada pela República), com muitos exemplos em Lisboa (um deles com azulejos de

Rafael Bordalo Pinheiro na fachada na Rua da Graça, já demolido) e outros pela

província, caso da Mealhada (também com azulejos na fachada).

Com originalidade, a arte nova foi atitude estética dominante igualmente em lojas

«da moda» e de modas, em retrosarias (a Bijou, da Rua da Conceição lisboeta), em

alfaiatarias (a Paris, da Baixa), em lojas «de cintas e espartilhos» [a preciosa Madame

Garcia (fig. 24)]; e ainda em outros estabelecimentos, de novo pela província (a

Barateira de Ovar, na rua principal do povoado); finalmente, em restaurantes, cafés e

botequins, centros de convívio por excelência, como a desaparecida Cervejaria

Jansen, ou na série de estabelecimentos das ruas secundárias da Baixa alfacinha

(reforçando o sentido popular da utilização desta estética «ondulante"), ou ainda nas

Brasileiras do Porto e de Lisboa, também demolidas ou desfiguradas. Outras lojas,

ainda inseríveis neste tema, acusavam já uma transição para outro quadro estilístico,

relacionado com a maior geometrização das decorações e das formas, que anunciava

a aproximação do art déco (fachadas de um talho em Santo Amaro, na Rua dos

Lusíadas, n.os 37-39; e dos antigos Telefones do Rossio, na esquina com a Praça de

D. João da Câmara, ambas em Lisboa).

O azulejo, «alma» da arte nova portuguesa

Continuando a tradição oitocentista do revestimento de fachadas e de átrios no

prédio de andares urbano, a azulejaria deste período ocupou muitas paredes dos

acessos e das caixas de escada das habitações, com emprego de grande diversidade

de padrões e de técnicas (em relevo ou pintados — os mais frequentes —, ou de

tipo industrial e com estampilhados — os mais raros); mas, ao contrário do sucedido

no século XIX, o azulejo reservava-se normalmente, nas fachadas, para situações de

revestimento pontual ou parcial (sendo excepção o prédio de dois pisos na Avenida

do Almirante Reis, n.°74, aos Anjos, de 1908, notável porque completamente

revestido no 1.° andar com padrões pintados).

Fig. 25

Porto — Joalharia

Reis Filhos, Rua de

Santa Catarina/Rua

do 31 de Janeiro

Fig. 24

Lisboa — antiga loja

de cintas e espartilhos

Madame Garcia,

Avenida do Almirante

Reis, n.º 11

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Fig. 27

Aveiro — fachada de

azulejos peno do

antigo Rossio,

Rua de João

Mendonça, n.os 5-7

Fig. 26

Fachada do edifício na

Fuzeta, rua principal

De destacar aqui as principais fábricas ou oficinas de produção de azulejos, como as

da Viúva Lamego, Sacavém, Lusitânia e Constância (sem esquecer a portuense das

Devesas). De realçar foram sobretudo as intervenções de Rafael Bordalo Pinheiro e

da sua Fábrica das Caldas da Rainha, visíveis, por exemplo, em Lisboa, na discreta,

mas humorada, decoração da tabacaria Mónaco, no Rossio, ou nos padrões em

relevo de algumas fachadas: a da já referida padaria na Rua da Graça e de uma

garagem à Estefânia (Rua de Ponta Delgada),

Em geral, eram mais correntes as aplicações azulejadas restritas às cimalhas dos

prédios de habitação (com exemplos praticamente por todas as cidades, do Algarve

ao Minho), aos frisos e faixas (na Vivenda Adelaide, em Sacavém, e na Rua das

Janelas Verdes, n.os 70-78, Lisboa) e, mais raramente, aos painéis.

Destes últimos encontram-se vários casos, de que há exemplos: nos Estoris (no Alto

de S. João, o conjunto azul e branco assinado «Pinto», nas Rua das Rosas, Rua das

Flores e Rua do Maestro Lacerda, do arquitecto Álvaro Machado, e o frontão da Vila

Ramos Simões, ou Pensão Continental, na Rua de Joaquim dos Santos n.° 2; no Monte

Estoril, a Vila Ralph, na Avenida das Acácias, n.° 34, esquina para o jardim dos

Passarinhos, de Jorge Colaço); em Sintra, à Estefânia, um curioso frontão com motivos

«egípcios» na Rua de Adriano Júlio Coelho, n.° 11; em Tondela (num palacete do

centro); em Cantanhede (a fachada da Sapataria Edmundo, Rua do Dr. António José

de Almeida, n.° 23) ; na Póvoa de Varzim (num edifício de habitação no centro). Estes

azulejos eram quase sempre peças nacionais; houve, contudo, situações, periféricas, de

material importado, como na já mencionada loja Nova York, de Ponta Delgada.

Casas, ambientes e exotismos

O palacete burguês não deixou, naturalmente, de ser «contaminado» pela arte nova,

muitas vezes no contexto da província, aqui relacionado por vezes com iniciativas

dos emigrantes enriquecidos e regressados, os chamados «brasileiros». Existem

muitos exemplos, sobretudo ao longo do centro litoral, e, dentre eles, a Vila

Africana, em Ílhavo (na estrada de saída para Aveiro, n.° 155), é o mais

paradigmático. Em Leiria (palacete e garagem no Largo de 5 de Outubro, n.° 55), no

Cartaxo (Rua de Luís de Camões, n.°1), ou mesmo em Lisboa (a casa do visconde

de Sacavém, na Rua do Sacramento à Lapa, n.° 24, de 1897-1900), surgiram também

exemplos relacionados com esta atitude de «procura do exótico», mais ou menos

impregnados da temática decorativa ondulante.

Do mesmo modo, em fachadas de prédios com carácter urbano e em regiões

similares encontram-se também soluções originais, quase sempre utilizando a

cerâmica decorativa, combinada com encurvamentos das cantarias nas guarnições dos

vãos, com arcos envolvendo várias janelas, ou simplesmente com uma procura de

proporção «esguia» nas aberturas, característica desta estética, que tudo pretendia

recriar (ao nível das superfícies, entenda-se). São exemplos, entre outros: uma

fachada no Rossio de Aveiro [com revestimento integral de azulejo (fig. 27)], um

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prédio em Espinho (do Sporting Club, na Rua 8), outros no Cartaxo (na Rua

Batalhós, n.os 15, 17, 19, 41 e 54).

Mas os exemplos mais interessantes, do ponto de vista de uma originalidade de interpretação,

chegaram a criar verdadeiros «ambientes globais», como sucede no átrio de outro prédio

aveirense, onde mobiliário, caixilharias, vidros e estuques se interligaram por forma a

constituírem um conjunto impressivo e coeso [no Rossio, com azulejos Fonte Nova, assinados

por Luís Pinto, de 1907 (fig. 28)], lembrando, excepcionalmente e de modo algo provinciano,

os «espaços totais» da Casa Horta ou de obras de Gaudi... E ainda, em casos mais expressivos

de uma leitura local, roçando mesmo o kitsch e quase o surreal, se poderiam incluir duas

situações: a da casa dos viscondes de Sacavém, já referida, em Lisboa, espécie de «colagem»

de variadas cerâmicas das Caldas18, eclécticas, mas muito bem articuladas com o sóbrio

volume construído; e a da Casa das Varandas, em Estremoz (fig. 29), da qual se diz que

cada janela era diferente para simbolizar os amores tidos em diferentes varandas do mundo

pelo seu viajado autor. Esta casa vem referida no Guia de Portugal, que a entende como

«documento duma aberração do gosto, o Café Águia de Ouro, que o proprietário teve

a pretensão extravagante de fazer mostruário de janelas de todos os estilos»19.

E que, afinal, descontextualizada das razões da sua génese europeia, importada para

Portugal como fenómeno de moda, foi no plano de uma extravagância que a arte

nova, de modo mais vernáculo e sincero, foi aceite e portanto entendida entre nós.

Pormenores, materiais e interiores

Outros materiais sofreram a influência da «nova maneira», nomeadamente o ferro,

que surgiu, curvilíneo, sob diversas formas: como portões em frentes de habitações

(na Avenida da República, 87, em Lisboa, e no Porto, na Rua da Alegria), em

18 Conforme Guia de Portugal, vol. I, «Generalidades, Lisboa e arredores», cf. ed. Fundação Calouste

Gulbenkian, 1924.19 Em Guia de Portugal, vol. II, «Estremadura. Alentejo e Algarve»; cf ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1927.

Fig. 28

Aveiro — átrio de

habitação perto do

antigo Rossio, Rua de

João Mendonça

Fig. 29

Estremoz — edifício

conhecido como Casa

das Varandas, no

Rossio de Estremoz:

foto pertencente ao

proprietário do Café

Águia d'Ouro

Fig. 30

Lisboa — pátio da

Cooperativa Militar,

Rua de São José,

n.os 24-26

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Fig. 31Lisboa — Garage

Parisiense (demolida):

foto do Arquivo

Municipal

elementos em consola (sobre a porta do Clube Agrícola, no Largo da Misericórdia,

na Chamusca; e na entrada do antigo Hospital do Conde de Sucena, em Águeda),

em guardas de varanda (em Pombal, na Rua do Almirante Reis; em Devesas-Gaia, na

Rua de Soares dos Reis, n.° 245; nas Caldas da Rainha, na Rua dos Heróis da

Grande Guerra, n.° 90), ou ainda em outras formas (como numa mansarda em

Alcobaça, junto à Praça da República; no suporte do quiosque do Largo da Estrela

lisboeta; e no ascensor do Palace Hotel da Cúria). Mas um dos exemplos mais

completos da aplicação do ferro, já que ao nível da estrutura, encontra-se no pátio

da Cooperativa Militar [à Rua de São José, n.os 24-26 (fig. 30)], em Lisboa, onde

ondulantes vigas metálicas se conjugam equilibradamente com a forma oval do

espaço, relacionando os temas da arquitectura do ferro com os da arte nova.

A madeira apareceu em funções e formas idênticas às do ferro, no desenho

ondulante de caixilhos de janelas (Figueira da Foz, num prédio da Rua da Praia da

Fonte, n.° 12; e numa mansarda em Torre de Ucanha, junto à ponte), de portas (no

Alto de Santo Amaro, junto ao jardim, em Lisboa), no remate de coberturas

sanqueadas de chalé (em Sesimbra, Rua de Peixoto Correia, n.° 56). No Sul, os

estuques aplicam as curvas arte nova em frontões (em Setúbal, Rua de Garcia Peres)

e em cimalhas (em Évora, Largo da Misericórdia, n.° 7).

Nos espaços interiores foi surgindo um «novo ambiente», definido por figurações do

progresso (como os automóveis representados nos vitrais da Garagem Auto-Palace,

Rua de Alexandre Herculano, n.os 66-68, em Lisboa), ou através de elementos

animalistas ou vegetalistas (os gafanhotos como definição formal no candeeiro do átrio

de Aveiro antes referido; as texturas nos armários da casa Madame Garcia, em Lisboa).

Fábricas e garagens

Estas funções, simples e utilitárias, ajudaram a articular mais directa e

correntemente o uso do ferro com a definição dos espaços — não se deixando

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por isso de recorrer, como noutras tipologias, ao uso do azulejo. Tal sucedeu na

desaparecida Garage Parisiense (fig. 31), a Campo de Ourique, ou na referida

Auto-Palace; nelas, a fachada, mais tradicional no emprego dos materiais,

reservou-se para a cerâmica, enquanto toda a estrutura de suporte interna exibe o

ferro nas habituais soluções curvas.

Em fábricas ou armazéns surgiram também os elementos metálicos, em articulação

com as fachadas, na composição mais elaborada das caixilharias dos vãos (em Lisboa

podem referir-se: o edifício na Avenida de 24 de Julho, esquina com a Rua do

Tenente Valadim, de 1906; a antiga Companhia Nacional de Moagem, de 1910, na

Avenida de 24 de Julho, n.os 152-156; e a antiga Fábrica Vulcano, no Largo do

Conde Barão, n.os 13-19, de 1924). A escassez dos exemplos atesta, porém, as

limitações do desenvolvimento industrial do País na conjuntura da época, traduzidas

aqui na pouca arquitectura, construída.

Uma arte nova portuguesa?

Afastados deliberadamente desta produção mais acrítica e seguidora das modas,

epidérmica em duplo sentido (como linguagem «importada» e como linguagem «de

superfícies»), alguns autores procuraram outros caminhos. Raul Lino, dentro de uma

pesquisa de tipologias domésticas, estruturantes, aplicou o conceito de pátio e

utilizou os materiais do Sul, de tradição islâmica, tentando articular essa tradição,

modernizada, com implantações pré-organicistas, nos terrenos ideais dos Estoris e de

Sintra. Lino desenvolveu uma actividade por de mais breve no tempo — cerca de

quinze anos dos seus primeiros trabalhos «marroquinos» — e restritiva no programa,

aplicando-se quase apenas ao estudo de casas unifamiliares20; mas, apesar de tudo,

isso resultou no mais importante contributo para o que falhadamente poderia ter

sido o ponto de partida para a definição de uma arte nova de raiz lusa. A

colaboração na Casa Roque Gameiro, em 1898, a Casa Monsalvat, de 1901 (fig. 32),

e a construção da casa própria (Casa do Cipreste, 1912) parecem marcar os limites

temporais da sua pesquisa de sentido modernizante, que, sem deixar de ter como

objectivo primordial a criação de um ambiente global e único (um «espírito próprio»

em cada casa, pela articulação entre as suas partes e com o sítio), não evita também

as citações ao Jugendstil, ou a tentativa de prefabricar materiais (a telha mecânica do

Cipreste), características que o enquadram parcialmente na arte nova internacional.

Também Álvaro Machado, arquitecto praticante do modo neo-românico,

procurou, na Casa José de Lacerda, do Estoril, de 1910, uma «fuga para a frente»,

usando de maior liberdade na composição dos volumes (as massas «pesadas e

maciças», características do românico, concebidas com uma mais livre articulação

entre si) e a mesma referência aos padrões decorativos da arte nova europeia

que Raul Lino ensaiara.

20 Conforme análise de Nuno Portas em «Raul Lino — uma interpretação critica da sua obra de

arquitecto e de doutrinador», in revista Colóquio, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.

Fig. 32

Estoril — Casa

Monsalvat, pormenor

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fig. 33Lisboa — prédio na

Rua aos Navegantes,

n.º 21

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Korrodi, fixado em Portugal e praticante em Leiria, definiu em edifícios públicos e

em moradias uma «arquitectura da simplicidade», onde o ornamento moderno

se soube conjugar com uma grande pureza do desenho e uma compreensão

regional dos elementos vernaculares, entendidos como recuperáveis para as

novas construções.

Finalmente, e num contexto mais cosmopolita, Ventura Terra e o seu continuador

Miguel Nogueira, embora muito ligados à escola francesa, conseguiram também, pela

via da simplificação decorativa e volumétrica, uma forma de «arte nova lisboeta» que

se traduziu em construções despojadas, com partidos de composição originais. São

exemplos desta originalidade as assimetrias da fachada do edifício na Rua de Alexandre

Herculano, n.° 57, de 1903, de Terra; ou as volumetrias feitas de curvas suaves, mas

maciças, do prédio na Rua dos Navegantes n.° 21, já em 1921, por Miguel Nogueira

(fig. 33) — que recorda o seu edifício da Avenida da República n.° 23 (Prémio Valmor

de 1913) e tem o equivalente numa obra de Marques da Silva, no Porto, já referida a

propósito do uso do betão armado (os Armazéns Nascimento, de 1914).

Estas foram pois as tentativas marcantes, desgarradas embora, de procura de uma

nova arte (que não somente «arte nova») na arquitectura portuguesa do primeiro

quartel do século,

Vulgarização e rarefacção da arte nova — transição para o «art déco»

Enraizada cada vez mais como sistema decorativo e superficial, mesclada (e

recuperada) pelo eclectismo dominante desde Oitocentos, a arte nova lisboeta

foi-se vulgarizando no prédio corrente de habitação; e, se nos primeiros anos

desta «mistura» se exibia ainda com bons materiais e acabamentos, como no

prédio de esquina da Rua Augusta, n.os 284-286, para a Rua da Betesga (o Hotel

Internacional, do arquitecto J. C. Ferreira da Costa, 1909, ainda existente), ou no

Prémio Valmor de 1915, na Avenida da Liberdade, n.os 206-218 (arquitecto

Norte Júnior), já em plena crise da indústria da construção, no início dos anos

20, as decorações em massa iam pouco a pouco substituindo todos os materiais

mais nobres na fachada e acentuava-se a tendência para rarefazer todos os

temas e volumes decorativos, cada vez mais fragmentados e isolados na

empobrecida frente do edifício,

Como se os objectos construídos quisessem ser e aparentar aquilo que as limitações

económicas e a irreversível evolução do gosto já impediam.

Este tipo de fachada «decorativamente pobre» associou-se normalmente a uma

planta interior de excessiva profundidade, com quartos sem ventilação adequada

(recorria-se ao tradicional saguão, no «miolo» do edifício, ou entre cada dois imóveis

encostados empena a empena); desenhos sucintos e estereotipados dos pormenores

construtivos esclarecem bem a simplificação que predominava.

Comparando projectos de duas obras lisboetas, o alçado de um palacete da

Avenida dos Defensores de Chaves (n.° 26, de 1917, por Norte Júnior) (fig. 35)

Fig. 34

Lisboa — projecto de

palacete da Avenida de

5 de Outubro,

n.os 209-211:

Arquivo Municipal

Fig. 35

Lisboa — projecto de

palacete na Avenida

dos Defensores de

Chaves, n.o 26:

Arquivo Municipal

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e o de outro imóvel de 1929 (palacete na Avenida de Cinco de Outubro, n.os

209-211, por Pardal Monteiro) (fig. 34), pode avaliar-se bem a diferença e sentir

a evolução sofrida ao longo desta década na ideia de «estilo»: por um lado, o

abandono de muitos «exotismos» decorativos, com recorrência a um sentido

mais «clássico» da composição; paralelamente, a textura tendia a substituir as

volumetrias, a cor a sugerir o claro-escuro, a linha recta a anular as curvas — era

o chamado estilo art déco a entrar na arquitectura portuguesa, acompanhado

(e apoiado construtivamente) do betão armado. Por esta via, era também a

estilística a aliar-se à técnica para um mesmo fim: embaratecer, simplificar, numa

palavra, modernizar.

Na província e nos bairros periféricos das cidades maiores foi-se aplicando uma

mesma «arquitectura de estuques», aparentada com a arte nova, mas mais

rarefeita e pobre: a arquitectura dos equipamentos, dos anos de 1920 a 1930, é

bem exemplificativa do fenómeno: do Teatro Chaby, no Sítio da Nazaré (fig. 36),

à Garagem Avenida, em Coimbra (Avenida de Fernão de Magalhães), ou ao

cinema Salão Portugal, no bairro da Ajuda, em Lisboa (Travessa da Memória,

n.° 36, de 1928).

Fig. 36

Teatro Chaby, Sítio da

Nazaré

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Estilo «artes decorativas» — o «art déco»

Como se disse antes, opostas às correntes da «linha curva» desenvolveram-se,

sobretudo nos países germânicos, tendências artísticas «de linha recta»21.

Destacaram-se entre elas, sobretudo, a da secessão vienense e a Deutscher Werkbund.

Ao contrário das linguagens curvilíneas, que cedo chegaram a um «beco sem saída»

em termos de pesquisa para atingir uma nova e moderna linguagem arquitectónica, as

correntes germânicas iriam ser raiz para futuras experiências, pois «a estrutura formal

da sua linguagem vai impor-se além-fronteiras e, esgotadas as inovações do caminho

proposto por Horta, influenciar largamente as arquitecturas e artes decorativas da

Europa ocidental, nomeadamente da França; aqui provavelmente bebeu a arquitectura

das «artes decorativas» em Portugal as suas mais directas influências»22.

Porquê este diferente destino? E que Otto Wagner, Hoffmann, Behrens ou Olbrich,

os arquitectos germânicos protagonistas das tendências geometrizantes, «tinham

descoberto um novo interesse pelas formas elementares da construção e,

interessados no seu estudo e nos problemas assim colocados, não podendo, por

outro lado, abandonar o uso de elementos decorativos (herança da prática

arquitectónica do século anterior, a que só Adolf Loos, caso extremo desta escola,

vai escapar totalmente), vão dar um papel diferente a esse decorativo: o de

evidenciar as relações volumétricas, estruturais, através da simplificação e

geometrização desse decorativo, portanto, necessariamente, da sua planificação nas

superfícies construtivas. E aqui surge a preferência por materiais como o mosaico

cerâmico, o vitral ou o próprio estuque, que permitem mais facilmente transformar

os valores volumétricos em superfícies, em baixos-relevos, em cor ou em luz.

Um caminho importante é assim aberto: cada vez mais é possível pôr em causa os

elementos construtivos e as suas relações, evidenciar a modernidade das estruturas e

das formas, pois elas são cada vez mais visíveis e claras»23.

Este processo foi decisivo contra um eclectismo passadista, que encobria com

abundante decoração as estruturas e os volumes básicos da obra. E as artes

decorativas desempenharam um papel fulcral nesta nova atitude, básica também para

a evolução da arquitectura.

Todo o processo se desenvolveu em simultâneo com as outras «artes novas» e

durou até às vésperas da primeira guerra mundial. Depois foi «a explosão dos ismos»,

no dizer de Bruno Zevi24, ou seja, a súbita e múltipla ocorrência de manifestos e de

ideários ultravanguardistas no campo das artes plásticas, que pretendiam criar avant la

lettre uma arte totalmente desvinculada do passado, que se via condenado e

desprezado como fonte de todos os males sofridos pela arquitectura,

21 Conforme Manuel do Rio Carvalho, no artigo atrás citado (ver nota 16),22 No texto do autor publicado na revista Arquitectura, n.º 132. Lisboa, de Março de 1979: «Para o estudo

da arquitectura modernista em Portugal — I».23 No artigo citado na nota 22 e baseado nas análises de Leonardo Benévolo em Historia de Ia Arquitectura

Moderna, Barcelona, ed. Gustavo Gili, 1974.24 Em História da Arquitectura Moderna, por Bruno Zevi, com introdução portuguesa de Nuno Portas, vol. l,

Lisboa, ed. Arcádia, 1970.

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A génese

Foi o pós-primeira guerra mundial que finalmente inventou a chamada arquitectura

art déco (abreviatura da expressão francesa art décoratif, que comprova a importância

destas no campo da construção e o papel decisivo da intervenção francesa); tal

sucedeu pela hábil mistura que o art déco soube ensaiar das ansiedades vanguardistas

expressas durante a guerra (ainda só compreensíveis e praticáveis por uma elite

cultural) com as já então veteranas lições dadas pelas obras austríacas e alemãs dos

anos 10, A França, país por tradição geográfica e culturalmente congregador de

experiências alheias, seria o campo onde frutificariam caminhos tão dispersos, mas,

no fundo, tão convergentes na intenção: a de criar uma nova arquitectura para um

mundo que se queria, também ele, novo.

O art déco foi assim um processo artístico dos «anos loucos» de 1920-30, com

conotação simultaneamente algo conservadora e modernizante (apelando

sincreticamente a valores de composição ou de monumentalidade tradicionalista, mas,

ao mesmo tempo, recorrendo a um desenho e a uma temática renovadoras) e

através do qual se caldearam pouco a pouco os valores modernos que iam sendo

propostos por uma Bauhaus ou por um Le Corbusier. E não é por acaso que na

Exposition des Arts Décoratifs, parisiense, em 1925, uma série de pavilhões

comerciais vulgarizavam a mensagem secessionista de vinte anos antes, ainda

decorados e policromos — enquanto, a seu lado, um outro exibia intenções bem

mais ousadas, vindas dos pensamentos radicais dos anos da guerra e a que se

chamava esprit nouveau, criação de Le Corbusier, branca e purista.

Em Portugal já se referiu que o propriamente chamado «modernismo arquitectural»

se afirmou com o período de vulgarização do emprego do betão armado, que

ocorre pelos anos 1920 e 1930. Falta explicitar que esse modernismo se organizou

segundo duas tendências estilísticas, parcialmente sobrepostas no tempo, mas

também em parte sequenciais: uma, que se pode apelidar de «estilo artes

decorativas», aportuguesando a designação da correspondente corrente gerada na

Europa central (que transitou do campo germânico para o francófono), a qual deu

os primeiros sinais nos inícios da década de 1920 (quando no seu apogeu europeu)

e foi rareando por volta de 1935; e uma outra, que designaremos por «modernismo

radical»25 e que, afirmando-se pelos anos 25, se prolongou até mais tarde, ou seja,

até ao dealbar da década de 1940.

A primeira foi, como o nome indica, ainda essencialmente decorativa e

trandicionalizante na expressão construtiva; já a segunda foi crescentemente purista e,

perseguindo o «moderno», acentuadora das linhas horizontalizantes na obra,

E o que era ou se entendia por «moderno», nesta época, em Portugal? Nas

publicações especializadas, a palavra começou a aparecer por 1921 , adoptada pela

revista Arquitectura Portuguesa e contida na expressão «arquitectura portuguesa

moderna» que encabeçava a secção referente a um projecto de palacete com todos

os «tiques» da arte nova tardia. Mas logo num número seguinte, ainda em 1921, a

25 Ironizando a terminologia que Charles Jencks utiliza na sua análise ao post-modernismo (radical-eclecticism).

Fig. 38

Projecto para um

pequeno hotel-pensão

com o 2° andar

suspenso: ed, revista

A Arquitectura

Portuguesa, Lisboa,

Junho de 1929

Page 51: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

mesma secção resvalava para o título «arquitectura nacional modernizada»,

exprimindo a clara hesitação entre modelos internacionalistas e autóctones da época

(e referida aqui a uma moradia também com elementos arte nova, mas mais

«ruralizada», com beiral e floreiras). A ABC, revista de actualidades e novidades,

refere-se em números de 1925 e 1927, respectivamente, à «arquitectura moderna»

e à «arquitectura modernista», para falar já de projectos expressionistas alemães (de

Mendelsohn). Finalmente, a mesma Arquitectura Portuguesa, em 1929, refere-se,

inesperadamente, na mesma designação («arquitectura moderna»), a casas de

volumes puristas (com desenho algo tosco, projecto «de engenheiro») e a obras de

betão armado e superfícies art déco, como o «hotel-pensão com o segundo andar

suspenso», de Silva Júnior, de sentido ainda utópico (fig. 38), mudando para projectos

bem mais concretos, no mesmo estilo, por volta de 1933, em números onde a

palavra «moderno» se encontrava já vulgarizada.

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Assim se verifica como este conceito (o «moderno») transitou, ao longo da década

de 1920, pelas sucessivas correntes artísticas da arte nova e das artes decorativas, até

chegar ao purismo, no contexto nacional, reportando-se em simultâneo aos

movimentos mais vanguardistas europeus, aliás entendidos mais como exotismos de

que como vias de futuro,

Caracterização

Ao estilo artes decorativas assistia uma constante procura de geometrização e de

simultânea simplificação das formas construtivas em geral. A base desta estilística era

ainda, porém, o formulário clássico, que se «estilizava» e depurava. Assim o

podemos apreciar em típicos prédios de habitação lisboetas (na Rua Nova de São

Mamede) ou em equipamentos como a Igreja Evangélica Figueirense (fig. 39), onde o

ritmo da construção é dado pela interpretação modernizada da ordem jónica. Os

pormenores decorativos deste tipo de fachadas exibem também claramente o desejo

da obtenção de formas geométricas e lineares que se reflecte noutras estilizações

florais e abstractas (como nos portões da Estação do Sul e Sueste do Terreiro do

Paço); mais desvinculadas do referente clássico, estas formas exprimiam-se, de resto,

na continuidade do caminho subversor e irreverente que a arte nova tinha iniciado.

Como resultado natural desta tendência, assistiu-se a urna planificação dos elementos

decorativos nas superfícies da fachada, aspecto que ajudou a suavizar os volumes e o

claro-escuro e a realçar as linhas e as texturas, até só as cores [exemplos em Oeiras,

na Rua do Dr. José Joaquim de Almeida, n.o 9 (fig. 40), e em Alcobaça, na Praça da

República, n.os 15-17; exemplo também notável é o do conjunto do átrio da Estação

do Cais do Sodré (fig. 37)].

Finalmente, o verticalismo como expressão dominante das fachadas era também uma

característica do art déco, já que ainda se não abandonara de todo o modo convencional

Fig. 41Lisboa — projecto de

prédio para o Bairro

das Colónias: Arquivo

Municipal (Rua K,

Praça Novas Nações,

assinado por Jacinto

Robalo, 1932)

Fig. 39

Figueira da Foz —

Igreja Evangélica

Figueirense, Rua das

Lamas/Rua de 10 de

Agosto

Fig. 40

Moradia cm Oeiras,

Rua de José Joaquim

de Almeida, n.° 9

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Fig. 42

Lisboa — projecto de

prédio para o Bairro

das Colónias: Arquivo

Municipal (Rua E,

Praça Novas Nações,

assinado por Jacinto

Robalo, 1932)

de construção (paredes de alvenaria, portantes, com descarga vertical de esforços) .

A tradução desse verticalismo na frente construída era, por isso, dada sistematicamente

pelas grandes pilastras estilizadas (exemplos no Mercado de São João do Estoril, na

Rua de Santa Rita, ou no prédio do Largo de Santana n.os 8-13, em Leiria).

Estas dominantes evoluíram ao longo da década de 30, sendo possível uma leitura

das diversas tipologias estilísticas em relação ao prolífero prédio urbano alfacinha26

Desde os exemplos mais próximos de um modelo classizante, com as pilastras

respeitando a «ordem», de alto a baixo da construção (Avenida de Rovisco Pais,

números pares 8 a 26, Lisboa), a casos mais inovadores, onde as mesmas pilastras já

eram interrompidas a meio da fachada, ou mesmo autonomizadas do anteriormente

«obrigatório» remate superior no capitel [exemplos nos edifícios da Praça das Novas

Nações, no Bairro das Colónias (figs. 41-42)]; e, finalmente, até situações onde a

pilastra se «apagou», trocada por superfícies lisas, que começavam a predominar na

fachada, ainda que com expressão vertical, e a isolar os agora escassos temas

decorativos (Avenida de António Augusto de Aguiar, n.° 169 e n.os 133-137, no

Bairro Azul, ou prédio na Avenida do Almirante Reis, n.o 121, à Cervejaria

Portugália). As plantas interiores não acusam neste período significativa mudança em

relação aos anos 20, continuando os saguões e os quartos sem ventilação, já que as

inovações se passavam mais ao nível das tecnologias que dos programas.

Formas e materiais

As fachadas iriam usar predominantemente os materiais pobres, como o estafe27

(procurando uma «arquitectura da ilusão»), e afastar as matérias de conotação mais

nobre, como a pedra, para áreas marginais e reduzidas (os embasamentos). Assim se

inventavam formas novas no concheado da base das varandas e no remate das cimalhas

e platibandas (Alcobaça, no já referido prédio da Praça da República, n.os 15-17), nos

frontões rectos e painéis que encimavam portas e fachadas (Buarcos, Avenida Marginal,

n.° 104; Loures, Rua da República, n.os 60 e 98; diversos exemplos nas Avenidas Novas,

de Lisboa), nos «pastosos» tectos estucados de átrios de acesso em prédios de andares.

No conjunto criou-se deste modo um completo vocabulário de elementos

superficiais «clássico-geométricos», que, numa análise detalhada para um dado

«bairro», típico da produção lisboeta dos construtores civis tomarenses [o das

Colónias, hoje das Novas Nações (fig. 43)], se pode tipificar em desenhos-imagens28,

para coroamentos, bases de pilastras, capitéis e moldura.

Também a cerâmica participava nesta valorização das superfícies, cromática e gráfica, com

os tradicionais azulejos e os pequenos mosaicos vidrados. Os primeiros, em evocações

florais ou abstractas [de que são exemplo bons conjuntos em fachadas de Vila Franca de

Xira, na Rua de Almeida Garrett (fig. 45), no n.° 35 da mesma rua, e na Rua de Serpa

26 Ensaiada no artigo referido na nota 22.27 A análise de materiais foi desenvolvida na sequência dos artigos referidos na nota 22: revista Arquitectura

n,° 133, Lisboa, de Maio de 1979: «Para o estudo da arquitectura modernista em Portugal — II».28 Conforme trabalho realizado na ESBAL — Departamento de Arquitectura — para o 3.° ano lectivo de

1977-78, por Virgínia Graça, Carlos Câmara, José Silveira, Joaquim Candeias e José Seco.

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Pinto, n.° 108]; os segundos, do mesmo modo, exemplificados em Peniche [Rua da

Alegria, esquina com Travessa da Horta (fig. 44); Rua da Alegria, n.os 44-46] ou em Lisboa

[na emblemática moradia da Avenida de 5 de Outubro n.o 209-211, por Pardal Monteiro,

de 1926-29); curiosamente, há uma predominância destes materiais em zonas litorais e

piscatórias, certamente pelo apelo à cor que exibem.

Ligada a esta decoração estava naturalmente uma simbologia que privilegiava

conceitos como o do «progresso» [as rodas dentadas no frontão da garagem Auto-

Industrial, em Coimbra (fig. 46), ou as asas do «deus da velocidade» na frontaria da

Estação do Cais do Sodré, em Lisboa], frequentemente relacionado com o advento

dos transportes mecânicos. Doutro modo, herdando a tendência arte nova, a

simbologia decorativa abordava o universo dos motivos vegetalistas ou animalistas,

evocados de modo quase «panteísta» em capitéis das moradias (exemplo em Viseu,

na Rua de Cândido dos Reis, construída para o comerciante Nuno da Sola por

Rogério de Azevedo, cerca de 1930-32); ou, vista de modo mais ingénuo, nos

quadros coloridos alusivos às vindimas apostos na fachada de um prédio em Arruda

dos Vinhos (Rua de Luís de Camões, n.o 96); e ainda em inúmeras varandas de ferro

de prédios e em vigas de betão [estas com curioso exemplo «concheado» na

referida estação do Cais do Sodré (fig. 47)]. A inspiração naturalista marcou

igualmente a produção do mobiliário doméstico e público (patente respectivamente

numa casa de Marco de Canaveses, a Vila Amélia, no Largo do Mercado, de 1930-

32; e no Palace Hotel da Cúria, nas suas escadas metálicas).

Temas mais figurativos e tradicionais, roçando o pomposo, que a classe média em

ascensão «adorava», surgiam, por exemplo, numa «excessiva» coroa de louros

encimando um prédio de habitação na Figueira da Foz (Rua de Bernardo Lopes, do

construtor Bernardo dos Santos, de 1936-37), ou nos azulejos agrinaldados de inúmeras

caixas de escada lisboetas (Avenida de Barbosa du Bocage, n.º 18, por Norte Júnior, de

1930). Pouco depois difundia-se uma simbologia abstracta, em cerâmica de padrão

degradé, policromo e linear (nas populares tascas da capital, nos tectos das drogarias de

bairro, mas também no luxuoso Casino do Estoril dos anos 30). Difusão patente quer

na decoração de varandas, portas, portões e janelas do prédio urbano, quer, recorrendo

Page 57: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 43

Lisboa — pormenores

decorativos em edifícios

no Bairro das

Colónias: trabalho

realizado para u

cadeira de História da

Arquitectura

Portuguesa da ESBAL,

por Virgínia Goes da

Graça, Carlos Perry da

Câmara, José Ivo da

Silveira, Joaquim

Candeias e José de

Sousa Seco. Lisboa,

1977-78

Fig. 44

Peniche —

fachada de edifício

na Rua da

Alegria/Travessa da

Horta

Fig. 45

Vila Franca de

Xira — cimalha

de prédio com

azulejos, Rua de

Almeida Garrett

ao estuque ou trabalhando o granito, em fachadas regionais de norte a sul do País.

Os elementos construtivos, com forma piramidal ou em denteado escalonado, foram

outra «obsessão» deste estilo, em tudo ansioso por reduzir à lógica elementar e

purista das linhas horizontais e verticais o que antes se exprimia em oblíquas ou curvas.

A chamada «fachada-frontão», com uma forte cimalha «em escada», foi talvez a

consubstanciação mais total deste gosto: em equipamentos de pequena dimensão

(antigo Vitória-Cine de Carcavelos, na Rua de João da Silva, n.o 4; antiga sede das

CRGE em Oeiras, Rua do Conde de Ferreira, n.° 23), ou em armazéns e fábricas

(em Matosinhos, as frentes da antiga Algarve Exportador, por António Varela, Praça

de Passos Manuel, n.º 216). Onde a afirmação decorativa se resume, murtas vezes

por economia, aos contornos das fachadas, estas assumem aquele tipo de remate

(não deixando por vezes de abordar um exotismo «expressionista»,

contraditoriamente resolvido em ondulante perfil [exemplos na moradia de

Carcavelos (fig. 49) e nos armazéns Sapec, do Bombarral, estrada para Lisboa].

Outras formas muito usadas nesta época foram os pequenos volumes piramidais

que, em tijolo e reboco, encimando os edifícios, coroaram cada cunhal, pilastra ou

vão da construção — necessidade de afirmar estes elementos visualmente, além da

sua real importância, ou de inconscientemente evocar a perdida monumentalidade da

arquitectura (julgava-se que para sempre) ou, ainda, reflexo do novo-riquismo e

ostentação que uma classe média em ascensão queria traduzir «eternamente» na

obra? De não esquecer também a imagem das pirâmides astecas, que a arqueologia

meso-americana então colocava tão na moda, como provável inspiração internacional

destas formas! [exemplos em Oeiras (fig. 48) e em Zambujal-Loures, Largo de

António Sérgio, no prédio junto à cooperativa A Zambujalense].

Os denteados em muros (moradias de Santo Amaro de Oeiras), na moldura dos

vãos (habitações em São Luís, perto do Cercal, e em Vila Nova de Foz Côa), ou até

em simples remates de vigas (Sanatório de Celas, em Coimbra; interior do antigo

Vitória-Cine, de Carcavelos), ou mesmo nas discretas «artes da marcenaria», nos

Page 58: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 46

Coimbra — Garagem

Auto Industrial, na

Avenida de Fernão de

Magalhães, n.º 333

Fig. 47

Lisboa — estação

ferroviária do Cais do

Sodré, conjunto do

átrio: foto Estúdio

Mário Novais

Fig. 48

Oeiras — átrio de

moradia, Rua do

Dr. José Joaquim de

Almeida, n.o 9

Page 59: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 49

Carcavelos — fachada

de moradia (Vivenda

Sagres), Rua do

Dr. Marques da Mata

banquinhos de lojas (Farmácia Godinho, em Oeiras, Rua de Cândido dos Reis,

n.º 98), confirmam a difusão desta convicção decorativa.

Uma certa contradição entre a dominante vertical referida e as linhas mais modernas

de marcação horizontal acentuou-se entretanto, tanto mais quanto o betão era

gradualmente empregado em maior percentagem na obra, com as suas lajes a exigirem

e gerarem linhas dominantemente horizontais: foi o caso de instalações industriais e

garagens onde a transparência dos envidraçados ia traduzindo a carga cada vez mais

pontual exercida nos pilares (Central Estrela, projecto de Vasco Regaleira, de 1930;

Garagem Lys, na Rua da Palma, Lisboa, projecto de Hermínio Barros, de 1933); ou o

caso ainda de moradias diversas onde grossas pilastras «lutavam» contra longas

varandas alpendradas,.. (Carcavelos, Rua do Dr. Marques da Mata; Ponte de Sor, rua

principal). A fenestração contínua prenunciava-se também nas sequências de vãos

encostados ou justapostos, os quais, ainda não transformados num pano de vidro

contínuo, já o tentavam simular (Parede, habitações na Rua de José Carlos da Maia).

Page 60: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 50

Aveiro — quiosque no

Parque Municipal

Page 61: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Do primeiro «moderno» ao advento do nacionalismo

O chamado «movimento moderno» na arquitectura formou-se e consolidou-se,

finalmente, entre o pós-guerra e a data charneira de 192729. Os seus núcleos

polarizadores situavam-se no triângulo Alemanha-França-Holanda, confirmando a

capacidade de integração cultural e a dinâmica das vanguardas artísticas da Europa central.

Na Alemanha tinham sido assimiladas as propostas pré-modernas, provindas da

«secessão vienense», austríaca e do Jugendstil; e, pela via dialéctica das experiências

do expressionismo e do racionalismo, chegara-se à poderosa síntese metodológica e

colectiva que foi a Bauhaus.

Na França, as tentativas de uma síntese divulgadora, iniciadas pelo art déco, encontravam

o contraponto quase isolado do pintor-arquitecto Le Corbusier, ele próprio quase uma

«escola» de princípios formais e espaciais, tão precisos quanto abstractos.

A Holanda, a braços com uma reconstrução do parque habitacional envelhecido ou

afectado pela guerra, tinha bebido muito da lição americana de Frank Lloyd Wright,

a qual soubera também ligar às pesquisas anglo-belgas do habitat e ao purismo

volumétrico do movimento De Stijl.

Quase inesperadamente, todas estas tendências convergiam agora para pressupostos

comuns de construção, de valores estéticos, de articulação com a exigência prática

do processo social.

Génese em Portugal

Como sucedeu ao longo de todo o anterior processo de influências, o «descontexto»

nacional em relação à Europa industrializada ditou uma absorção tardia destas

descobertas, e sobretudo urna atitude algo superficial e ecléctica na sua aplicação e

compreensão. O fundo real das razões do «moderno» escapava-nos (a necessidade

de estandardização dos materiais para servir a premente reconstrução nas ruínas

europeias, ou a afinação das novas tecnologias de obra que a concorrência industrial

tornava inevitável); mas algum gosto atávico (e compensador) pela novidade, um

esforço geracional de actualização cultural e sobretudo uma situação política

novamente estável e apta para um arranque no campo da construção implicaram logo

em 1929-30 um surto de construção de edifícios, de novos projectos, exposições e

concursos públicos onde se aliavam construtores privados e obras públicas estatais.

É difícil discernir com rigor quais os principais modelos da nova arquitectura que mais

contribuíram para o seu lançamento entre nós30. Conhece-se a habitual ligação

portuguesa à França, que a influência da arquitectura de Mallet-Stevens31, mais do que

a de Le Corbusier, iria concretizar, por melhor inserção na produção corrente da

linguagem do primeiro daqueles autores. Esta era urna questão cara à idêntica

29 Aceitamos os limites, naturalmente esquemáticos, propostos por Leonardo Benévolo na obra já citada

(ver nota 23).30 Uma tentativa de classificação já foi esboçada pelo autor na série de artigos citados sobre a arquitectura

modernista em Portugal (na revista Arquitectura, n.° 137, Lisboa, Julho de 1980)31 Conforme José-Augusto França, em História da Arte em Portugal no Século XX. Lisboa, ed. Bertrand, 1974.

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produção nacional de prédios de habitação, onde Cassiano Branco recordava com

outra imaginação as composições dinâmicas e os volumes cilíndricos do mestre

francês. As revistas de novidades, tão frequentes na época, foram também certamente

contribuir para a divulgação das obras francesas, dentro de um gosto médio de

público; e bolseiros de Belas-Artes como Cristino da Silva iriam trabalhar em França,

trazendo ainda em meados dos anos 20 as inovadoras formas vistas em Paris.

Mas convém não descurar a importância da Alemanha concretamente neste período,

quer pela sua dinâmica real, quer pelas ligações com autores portugueses: Carlos Ramos,

saindo da aprendizagem com Ventura Terra e vindo a ser futuro mestre de Keil do

Amaral, possuiu importante e muito consultada biblioteca divulgadora da «arquitectura

moderna» com origem germânica. Por sua vez, Keil do Amaral ligar-se-ia pouco depois à

Holanda escrevendo aliás o único contributo teórico desse tempo sobre que modelos e

que «metodologias» de arquitectura entender e seguir, A Moderna Arquitectura Holandesa,

em 193632. A sua biblioteca profissional possuía também forte componente de títulos

desta nação e ele próprio me referiu muitas vezes admiração por obras de Dudok,

como a Câmara de Hilversum (1928-30). Um sentido de composição volumétrica (no

encastramento dos corpos), uma escala discreta e «humana», um entendimento dos

valores urbanísticos da cidade-jardim holandesa dos anos 20 reflectiram-se muito, aliás, na

produção de Keil do Amaral (nos pequenos equipamentos para os parques de Lisboa).

Influências alemãs e holandesas viam-se também em obras do Porto, onde as

composições à volta de torres prismáticas e abstractas, por vezes «moles» e de

contornos oblíquos, articulando esquinas e volumes, recordavam imagens do

expressionismo alemão; ou em situações de consolas horizontais de betão, cobrindo

o nível térreo, de remate curvo (no Porto, os armazéns frigoríficos de Massarelos; e

também em Aveiro, no edifício comercial da Avenida de Lourenço Peixinho, n.° 133),

mimetizavam sem dúvida temas de J. Pieter Oud em Hoek van Holland,

E não serão o Éden-projecto (por Cassiano Branco, sobretudo a sua empena lateral

construída), ou o Coliseu portuense (C Branco e outros) duas poderosas concretizações

dos anseios do futurismo italiano? Mais diluída, menos decifrável formalmente, a presença

da Bauhaus existe, no entanto, nas composições de equipamentos como o Liceu de Beja

(por Cristino da Silva) ou a Casa da Moeda, em Lisboa (por Jorge Segurado), na sua

articulação assimétrica de volumes, galerias e transparências..,

Nos finais da década de 30, a revista Arquitectura Portuguesa continuava, numa

perspectiva ecléctica, a referir como arquitectura de hoje obras italianas puristas ou

monumentalistas, além de obras belgas de prédios «à Cassiano» (entre 1937 e

1938), podendo no início de 1940 caracterizar uma «Lisboa moderna» com base em

prédios de rendimento e no conjunto Técnico-Estatística...

Fig. 51Lisboa — projecto de

moradia na Avenida

do México, n.° 11:

Arquivo Municipal

Linhas dominantes

Volumes puros e encastrados em criativa assimetria! Fim dos telhados, com

aproveitamento das coberturas para terraços ou jardins! Grandes espaços interiores

32 Edição «Cadernos Seara Nova», Lisboa, 1943.

Page 63: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

livres de pilares, com extensos envidraçados exibindo a liberdade de desenho de

fachadas, libertas, enfim, pelas vigas de descarga pontual, da sua velha função de

suportar a construção! Assim se queria manifestar a obra moderna33. Assim se

propunham as revolucionárias premissas em Portugal, já em 1925, num Capitólio-

Salão de Festas de enormes vitrais móveis e permutável espaço interior (por Cristino

da Silva); numa humilde moradia em Benfica, feita de cilindros e cubos, de 1936 (já

demolida); ou mesmo num simples quiosque aveirense quase «mondriânico» (fig. 50).

Deste modo, também, se inventava um novo dinamismo espacial, quer na

composição assimétrica das plantas (antigo Lactário Carmona, de 1935, em Chaves),

quer na estruturação axial daquelas, em volta de uma «rótula» [Correios do Estoril,

por Adelino Nunes; prédio na Avenida do México, n.° 11, Lisboa (fig. 51)].

Mas foi nos volumes torreados que encabeçam a composição de muitos edifícios

que se afirmou uma maior «vontade de moderno», talvez por em Portugal eles

33 Conforme os análogos princípios que Le Corbusier proclamava em 1926 e dos quais só os pilotis que

«soltavam» o edifício do solo tardavam a encontrar expressão entre nós.

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terem de exprimir muitas vezes o «resumo» das intenções da obra, ela própria

simples de mais, por restrição orçamental, para poder conter tudo o que

arquitectonicamente haveria a afirmar no conjunto...

Cilíndricas e opacas, cortadas por palas em betão, ou envidraçadas e translúcidas,

assim surgem as torres, numa moradia da Parede (Vivenda Amélia, estrada

Carcavelos-Parede, n.° 13), ou na Moagem de Carcavelos (Avenida do Loureiro,

n.° 32), num palacete portuense (Casa de Serralves, por Marques da Silva e Charles

Siclis, 1931-36), ou no Cine-Teatro Rosa Damasceno, de Santarém, e no Cinearte, do

Largo de Santos, n.° 2 [Lisboa, 1938, por Rodrigues Lima (fig. 52)]. Torres prismáticas,

angulosas, ainda decoradas (moradia em Algés, Avenida da República, n.° 52, por Jaime

José Gomes, 1939), ou de novo transparentes (fachada do Capitólio), encastradas e

densas [no antigo Cine Rossio, de Viseu, pelo Eng.º Mota Beirão, desenhado por

Eduardo Figueiredo, inicialmente para garagem; ou na Piscina Solário Atlântico, de

Espinho (fig. 53)], são sempre um sinal de modernidade para o edifício que culminam.

A habitação

Uma classificação tipológica dos principais tipos de fachada que o nosso «modernismo

radical» engendrou em prédios de habitação foi já tentada31; de realçar que esta

arquitectura merece aqui precisamente este epíteto porque se assumiu convencional, em

continuidade com a construção de fases anteriores: ou seja, foi modernista, mas não ainda

totalmente moderna, pois aceitou o lote urbano de planta corrente (profunda, mal

arejada), e aceitou a própria estrutura urbana tradicional de fachada-rua e de traseiras-

-logradouro, embora ensaiasse já parciais aplicações do betão (o que, de resto, acontecia

também nas fases anteriores). Onde o «modernismo radical» se distinguiu realmente do

estilo «artes decorativas» foi na abolição «fachadista» de decorações que não fossem

34 Nos artigos do autor já citados (na revista Arquitectura, n.º 138, Lisboa, Outubro de 1980).

Fig. 52

Lisboa — antigo

cinema Cinearte,

Jardim de Santos

Fig. 53

Espinho — Piscina

Solário Atlântico: ed.

Papelaria e Livraria

Sousa, Espinho

(bilhete-postal)

Page 66: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

abstractas (e mesmo estas eram raras), no realce novo que soube dar a elementos como

varandas, caixas de escada, bow-windows (afinal tratados como sucessores «decorativos»

das anteriores formas vegetalistas), em claro-escuro, que acentuou a movimentada

volumetria e as dominâncias verticais ou horizontais do desenho.

Sem dúvida, o tipo de fachada mais característico do prédio lisboeta desta época foi

o que soube «jogar» com elementos volumétricos contínuos, varandas salientes

encastrando em bow-windows, muitas vezes procurando um efeito de simetria (figs. 54

e 55) que Duarte Pacheco ironizava em 1938: «Há prédios em Lisboa em que se

repetem os motivos das construções com uma insistência que aflige. Apareceu, por

exemplo, há tempos, uma espécie de vassoura com o cabo para baixo, a dividir o

prédio ao meio; logo se generalizou a aplicação do mesmo estranho ornato a um

sem-número de edificações. Depois surgiram os balanços devidamente

proporcionados, seriamente projectados em alguns prédios; logo apareceram a esmo

maus imitadores a usar — e a abusar — dessa liberdade arquitectural, por tal forma

que se converteu em norma de obter uma ampliação de terreno da construção,

com gravíssimo prejuízo da estética dos arruamentos, da visibilidade dos prédios

vizinhos e das condições de habitabilidade dos edifícios. Há prédios construídos onde

tais balanços atingem cerca de 2 m, cobrindo inteiramente os passeios das ruas que

os marginam»35. Este texto é revelador sem dúvida das «modas tipológicas» que

nomeadamente Cassiano Branco despoletava na construção de Lisboa (é aos seus

projectos, ou a imitações deles, que Pacheco se deve referir), bem como do uso

oportunista que este modernismo consentia por via do betão e da fachada...

Outras tipologias privilegiavam a marcação da caixa de escada através de um ou

mais painéis de vidro na frente da construção, ou, mais pobres, apresentavam

elementos volumétricos descontínuos, normalmente varandas isoladas, ou mesmo

faixas salientes de cimento rebocado, acentuando linhas horizontais da construção, na

35 Na revista Arquitectos, n.° 2, Lisboa, ed. Sindicato Nacional dos Arquitectos, 1938-39.

Page 67: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

impossibilidade real de criarem esses volumes (como se de fenestrações contínuas se

tratasse). Na província, estes casos são naturalmente mais correntes, como nos

exemplos de Vila Real (volumes «soltos», no prédio comercial da Rua de Serpa

Pinto, n.os 3-5-7), de Bucelas (Rua do Marquês de Pombal, n.º 4, com faixas), ou de

Loures (Rua da República, n.º 98, com faixas em simetria), ou, mais rarefeitos ainda,

em Leiria (Praça de Rodrigues Lobo, n.º 56, edifício da Gordalina Cabeleireiro).

Na pormenorização abundavam, mais interessantes, as composições geométricas

decorativas, em portas de átrios (com formas sempre abstractas, combinando círculos

e rectângulos), em chapa e perfis metálicos; mais ricas nas avenidas de Lisboa

(fig. 57), mais elementares em vilas e subúrbios (parcialmente embutidas em peças de

madeira de desenho tradicional, como em Palmeia, na entrada de prédio no Largo

de São João Baptista, n.º 17). O reboco merecia também, por esta época, um uso

inventivo, saliente em faixas verticais, horizontais, ou na combinação de umas e

outras, como nos exemplos na Parede (a Vivenda Amélia, já referida) e em Lisboa

[Avenida dos Defensores de Chaves, por Cassiano Branco (figs. 54 e 55)], isto para

além das formas «soltas», livremente apostas nas fachadas, como sucedia no Coliseu

do Porto (as «bolachas» da torre). As formas mais «moles», curvas, aplicaram-se

também com fluência em interiores, amaciando remates e volumes (Cine Oeiras,

guardas e corrimão cromado do balcão),

Aproximação do nacionalismo — relações com a arquitectura

A passagem para a década de 40 assinalou contraditoriamente uma maior inovação

tecnológica. De facto, o prédio de habitação colectiva iria usar mais completamente

o betão armado na sua estrutura; a tradicional oposição formal entre traseira e

fachada foi diminuindo, aparecendo o alçado posterior gradualmente integrado,

estética e tecnicamente, no conjunto da construção (figs. 58 e 59); mas um

Fig. 56

Covilhã — Mercado

Municipal

Fig. 57

Lisboa — porta de

prédio no Bairro do

Liceu de Maria

Amália Vaz de

Carvalho

Page 68: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

retrocesso estilístico, fruto do conservadorismo cultural em que mergulha a Europa

nos fins da amedrontada década de 30, «mascarará» ironicamente essa inovação. Em

novo contexto cultural, uma reacção que também foi internacional ao purismo e

abstraccionismo, antes proclamados e seguidos pelo movimento moderno, fez

ressurgir em Portugal conceitos historicistas, classizantes e regionalistas, que

assinalarão a entrada da arquitectura portuguesa numa «nova era» que ultrapassa o

âmbito deste estudo e lhe define um limite preciso,

Interessa aqui referir a lenta «contaminação» que a tradição construtiva modernista

foi então sofrendo, visível nas fachadas dos prédios de rendimento (apesar de — ou

paralelamente a — uma planta mais salubre e arejada, foi frequente entre 1938 e

1940 a marcação por grossas colunas dos ritmos verticais nas fachadas — tendência

que ressurgiu, anacrónica). No tratamento dos corpos torreados, que tão bem

souberam exprimir a estética modernista em muitos edifícios, sentiu-se também a

mudança de gosto, com a aposição de materiais mais «pesados» ou texturados,

como o tijolo vidrado ou o beiral aplicado de novo (Instituto de Socorros a

Náufragos de Paço de Arcos, na Avenida Marginal).

Afirmou-se nesta fase uma procura de monumentalidade, ainda que dentro das

premissas formais modernistas (como na fachada da sede do Diário de Notícias,

Avenida da Liberdade, Lisboa), obtida por vezes pela aposição de simbologias

figurativas de conotação pomposa ou oficial, acentuando o «peso» da construção

[Mercado da Covilhã, pelo arquitecto Almeida Araújo, de cerca de 1942-43 (fig. 56)]36.

Fig. 58

Lisboa — projecto de

prédio na esquina da

Rua do Padre António

Vieira com a Rua

Castilho: Arquivo

Municipal

Fig. 59

Lisboa — projecto de

prédio na esquina da

Rua do Padre António

Vieira com a Rua

Castilho: Arquivo

Municipal

36 Na revista Arquitectura Portuguesa n.º 107. Lisboa, Fevereiro de 1944.

Page 69: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Da Monarquia à República Desenvolvimento urbano, instituições, utopias

H era dos equipamentos

Os autores

Page 70: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Desenvolv imento urbano, instituições, utopias

Todo o período que assistiu em Portugal à aplicação das novas técnicas construtivas, à

definição da arquitectura do ferro, seguida do advento do betão armado, e à sequência

estilística dos modernismos arquitecturais correspondeu, em termos sociais e políticos, a

uma fase conturbada por crises económicas e financeiras, reflexo das convulsões

europeias contemporâneas, mas também fruto de um dinamismo próprio.

Este período atravessou a segunda fase da Regeneração, os «saltos industriais» de 1870

e de l 890, a crise das gerações «vencidas da vida» e dos novos nacionalistas que se

lhes opuseram, as ditaduras do final da Monarquia, o rebentar da República, as suas

crises crónicas e a rotura final de 1926.

Toda a dificuldade de lançamento e implantação das novas ideias estéticas, no domínio da

arquitectura e da construção, deve portanto ser entendida à luz das descontinuidades na

acção prática que o contexto político e social sempre engendrou nesta fase. Timidez na

iniciativa e escassez de resultados concretos foram pois, de facto, as constantes,

Urna forte tendência para sonhar utopias foi logo uma resultante destas condições,

porque, nos espíritos mais conscientes, a noção da distância entre o real e o desejável,

no campo da intervenção na cidade, como no da arquitectura, para isso encaminhou

como exigência crítica, ou como reacção «desesperada» ao que o «progresso» deveria

tornar possível, mas a pobreza global do País impedia.

Se a cidade capital acusava por estes anos uma dinâmica de expansão enorme (em

1878 tinha 230000 habitantes, em 1 9 1 1 quase duplicava e nos anos 1920-30 rondava o

meio milhão), esse crescimento, que era urbanístico (para os novos planaltos das

avenidas) e industrial (com o moderno porto e os núcleos de Alcântara e Xabregas),

não tinha o correspondente reflexo numa qualificação em equipamentos e infra-

estruturas, e sobretudo num entendimento cultural de Lisboa como grande metrópole,

traduzindo-se mais em construção de prédios de renda, vilas operárias e fabriquetas

pobres, onde a arquitectura, se estava presente, não atingia ainda um nível que a poderia

aproximar dos desejados modelos europeus mais «avançados»,

Assim, e no ano «mágico» de 1906, Fialho de Almeida sonhava com uma «Lisboa

monumental» que realmente engrandecesse as Avenidas, símbolo desse progresso e

importadas de Paris — por um lado pomposas e à III Império, por outro «mecânicas»

e movimentadas, com gigantescos viadutos metálicos transcolinas37. Um engenheiro,

Mello de Matos, imaginava a «Lisboa no ano 2000» sofisticadamente portuária, de

comboios suspensos e torres esplêndidas (fig. 60)38.

Tudo se passava afinal como duas décadas atrás, quando outro engenheiro sustentara

apologeticamente que a Avenida da Liberdade poderia ser uma «grande artéria» até ao

alto da Penitenciária39 e como, até bem dentro dos anos 20, Cristino da Silva e outros

continuarão a idealizar e desenhar obsessivos e monumentais remates para o parque

Eduardo VII... Ainda em 1906, o arquitecto Álvaro Machado engalanava um viaduto

ferroviário da futura Avenida da República com decorações afrancesadas e «pesadas»

(vindo afinal a executar-se em «portuguesa» solução, funcional e austera)40.

37 Em Lisboa Monumental ed. da CML, Lisboa, 1957 (inicialmente publicado na revista Ilustração Portuguesa de 1906).38 Na revista Ilustração Portuguesa de Janeiro de 1906.39 Miguel Pais, em Melhoramentos de Lisboa — Engrandecimento do Avenida da Liberdade, segundo opúsculo,

Lisboa, Typographia Universal, 1886.40 Conforme José Augusto França, Me em Portugal no Século X/X vol. II. Lisboa, ed. Bertrand, 1967.

Page 71: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 60

Lisboa do Ano 2000:

in revista Ilustração

Portuguesa, Lisboa,

n.º 440, de Julho de

1914

Fig. 61

Lisboa — antevisão da

Rua do Arsenal: in

Augusto Vieira da

Silva, Dispersos,

vol. I, Lisboa, 1968,

p. 116a

Dois anos depois, de novo a Ilustração Portuguesa (revista que assumiu certa importância no

contexto da moda arquitectónica e da imagem urbana da época) iria sugerir um «alpendre

colossal», exibindo a tecnologia do ferro, que «bastaria para abrigar a cidade desde a Graça até

à Sé (como só na década de 1960 os movimentos tipo 'Archigram' poderiam tecnicamente

concretizar em real)»,

E Ventura Terra, mais comedido, mas igualmente utópico, desenhava então uma Rua do Arsenal

«furada» por uma galeria comercial e embelezada por decorações apostas a fachadas pombalinas

(fig. 61), que na época se desprezavam por demasiado austeras, em opção nítida por um

mundanismo «à francesa»41.

A monumentalidade procurada, e raras vezes atingida, iria sublimar-se ou transferir-se, com o

tempo e a prática, para situações mais simples e acessíveis, de que é exemplo a «muralha do

Carmo», baixo-relevo preenchendo «esteticamente», com enormes arcos emparedados, o que

antes fora uma natural e setecentista imitação da fachada pombalina (fig. 62). O tratamento

«gráfico» de urna empena era afinal a nossa hipótese real de «desenhar» a cidade monumental...42

E, afinal, como era a realidade construída pela(s) cidades)? Em 1902, o recomeço da expansão

para as Avenidas Novas ficara assinalado pela fundação duma primeira instituição de defesa dos

projectistas, a Sociedade dos Arquitectos Portugueses, precursora de todas as futuras

agremiações, e marcado igualmente pela instituição do Prémio Valmor de arquitectura,

galardoando proprietário e projectista «do mais belo prédio ou casa edificada em Lisboa, com a

condição, porém, de que essa casa nova, ou restauração de edifício velho, tenha um estilo

arquitectónico clássico, grego ou romano, românico-gótico ou Renascença, ou algum tipo artístico

português, enfim, um estilo digno de uma cidade civilizada» (fig. 63)43.

Assim se definiam, pelo verbo de um filantropo das artes, os limites programáticos e culturais

da construção de prédios, palacetes e moradias que iam preenchendo ruas e qualificando a

41 Em «A ligação costeira da Baixa com a parte ocidental da cidade», por Augusto Vieira da Silva, publicado em

Dispersos, vol. I, ed. CML, Lisboa, 1968.42 Na revista A Construção Moderna e as Artes do Metal, n.º 14, de Julho de 1912.43 Sobre o Prémio Valmor consultar, entre outros, os artigos:

«Prémios de arquitectura em Lisboa», por José Manuel Fernandes e Adalberto Tenreiro, na revista Arquitectura,

n.º 139. Lisboa. Dezembro de 1980;

Page 72: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 62

Lisboa — projecto

para a muralha da

Rua do Carmo: in

revista A Construção

Moderna e as Artes

do Metal, Lisboa,

n.º 14, de 20 de Julho

de 1912

Fig. 63

Lisboa — Palacete

Mayer, actual

consulado de Espanha,

Rua do Salitre, n." 5

(Prémio Valmor de

1902): Arquivo

Municipal cliché

n.º 8553

urbe capital. Note-se, aliás, que os arquitectos propriamente ditos constituíam uma

minoria e eram em número muito reduzido, participando apenas nos mais relevantes

ou prestigiosos edifícios públicos ou prédios de habitação, construídos para uma elite.

Toda a demais produção era-o num quadro de construtores, mestres-de-obras,

desenhadores e técnicos de qualificação média.

«Prémios Valmor — uma breve síntese», por José Manuel Fernandes, no jornal dos Arquitectos, n.os 35-36

Lisboa, 1985;

«Antecedentes da Academia Nacional de Belas-Artes no Prémio Valmor de arquitectura da cidade de

Lisboa. Académicos-arquitectos no seu júri (documentação inédita. 1902-1935)», por Eduardo Bairrada, na

Revista-Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, n.os 4-6, Lisboa, 1982-84.

Entretanto saído, o livro História do Prémio Valmor, por José Manuel Pedreirinho, Lisboa, ed. Publicações

Dom Quixote, 1988, é o trabalho mais desenvolvido.

Page 73: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 64

Lisboa — Liceu de

Pedro Nunes, Avenida

de Pedro Alvares

Cabral: foto Estúdio

Mário Novais

Page 74: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

A era dos equipamentos

A época de transição entre Monarquia e República foi fértil em edificações de cariz

social. As preocupações com a assistência e com o ensino reflectiram-se em inúmeras

obras de sanatórios, creches, escolas e liceus, que não se limitaram às cidades mais

importantes. O apogeu do termalismo desencadeou igualmente, nas áreas das nascentes

terapêuticas, obras de vulto para hospitais, hotéis e todas as pequenas construções de

apoio: buvettes, piscinas, casinos. A expansão urbana, sobretudo em Lisboa e Porto,

levou também à necessária construção de todo o tipo de edifícios públicos, de teatros a

bancos, sem esquecer os já referidos mercados e gares ferroviárias,

Rosendo Carvalheira, minhoto e «condutor» de obras públicas, distinguiu-se

precisamente numa série de obras assistenciais, de que a mais notável é o Sanatório

de Santana, à Parede, de 1901-03 (fig. 67), com boa organização funcional dos

espaços e belo efeito plástico na solução das coberturas, denteadas e ritmadas pelas

torres de ventilação. Esta obra utilizou também abundantemente o ferro na estrutura

dos espaços subsidiários e a azulejaria arte nova nas salas centrais,

Rosendo Carvalheira projectou também o Sanatório Dr. Sousa Martins, na Guarda, em

1907, com séries de galerias metálicas de bom efeito espacial, e o de Cabeço de

Montachique, em 1917, não construído, com solução panóptica para os corpos centrais44.

O Vidago Palace Hotel, projectado em 1908-10 pelo arquitecto Ferreira da Costa

(em substituição de outro, demasiado caro, de Ventura Terra), iria ser expoente da

arquitectura termal45, seguindo-se, entre outros, os hotéis da Cúria, em 1916 (projecto

de Deolindo Reis e Duarte Melo) (Termas, fig. 68), e o Palácio Hotel do Estoril, por

Silva Júnior, realizado em 1917 em conjunto com o edifício das respectivas termas.

Este último autor, também «condutor» de obras públicas (mediante curso médio que o

Instituto Industrial ministrava), trabalhando em Lisboa, fizera um projecto de fábrica, de

expressão protomoderna e sentido protofuncional, na Avenida do Almirante Reis

(Fábrica de Cervejas Germânia, depois chamada Portugália de 1912-13), com abundante

uso do ferro na estrutura (numa «casa das máquinas» e numa «casa de fabricação»

ainda hoje existentes); e projectara uma remodelação de solar ao gosto neo-árabe, em

transição modernista, o Clube Monumental, hoje a Casa do Alentejo (1908).

O ensino teve o seu ex-líbris nas inúmeras escolas primárias que o projecto

modulado de Adães Bermudes, arquitecto portuense, ia construindo pelas vilas do

País no início do século (cerca de 180, com a sua graciosa torre sineira tão

característica) (fig. 65), depois de ter ganho, em 1898, um concurso «por portaria do

Ministério do Reino para projectos-tipo»46. Este foi talvez, de resto, dos primeiros

projectos entendidos em sentido moderno, prevendo as variantes e combinações que

os tomavam adaptativos às várias situações de programa e de dimensão. Em Lisboa,

44 Conforme «Arquitecto Rosendo Carvalheira (1863-1919), um filho adoptivo de Alexandre Herculano na

arte de construir», por Eduardo Bairrada, em Belas Artes, revista e boletim da ANBA. Lisboa, n.º 3, 1981.45 Haverá algumas dúvidas sobre a sua autoria; ver a Ilustração Portuguesa, n.º 440, de Julho de 1914, e

As Estâncias Teimais Portuguesas, projecto de investigação por Mana Clara Mendes, Lisboa, ed. da autora, 1980.46 Conforme Escolas Primárias, dossier organizado por José Afonso, policopiado, Lisboa, ed. Centro Nacional

de Cultura, 1984.

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Fig. 65

Alter do Chão —

antiga escola primária

(alterada)

Fig. 66

Lisboa — projecto do

Banco Lisboa &

Açores, actual Totta &

Açores, Rua da Ouro,

n." 82-92: in revista

A Arquitectura

Portuguesa

Page 76: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 67

Parede — Sanatório

de Santana: ed. FAM,

Lisboa (bilhete-postal.

Carimbos: Lembrança

3/1/1906; Sanatório

Sant'Anna, Direcção

Técnica da

Construção,

Assinatura:

R. Carvalheira)

Fig. 68

Cúria — Termas,

Fonte Albano

Coutinho: ed. Bazar

Soares, Porto; foto

Soares Leitão, Cúria

(bilhete-postal)

Ventura Terra construiu creches em Santa Apolónia, usando o tijolo e a madeira em

sentido utilitário; projectou a Maternidade de Alfredo da Costa em 1908; e, pela

mesma altura, desenhou os famosos liceus para os «novos bairros», das Picoas

(Camões) e do Rato (Pedro Nunes) (fig. 64), de novo com expressão moderna,

funcional e técnica, traduzindo uma simplicidade formal e construtiva, também ela

factor modernizante. O mesmo fez Manques da Silva no Porto, com os Liceus de

Alexandre Herculano e de Rodrigues de Freitas, em 1915 e 191947 . Funções

simultaneamente assistenciais e educativas foram alvo de obras de vocação mista,

como a Voz do Operário, em 1914 (na rua do mesmo nome), e a sede da

Associação Comercial, em 1916 (Rua da Palma), ambas de Norte Júnior e em Lisboa.

Grandes salas para diversos tipos de «espectáculo» foram iniciadas com a reforma das

Cortes (hoje Assembleia da República, na Rua de São Bento), por Ventura Terra, em

1895, utilizando um rigoroso (e grandioso) classicismo na remodelação do antigo convento

beneditino — trabalho saudado na época por Ramalho Ortigão como «obra do século»

no País48. O programa de novas salas foi continuado com o novo Teatro de São João,

no Porto (por Marques da Silva, 1909), e, em Lisboa, pelo Politeama, de Terra, em 1 9 1 3

(Rua das Portas de Santo Antão), culminando com o «totalmente incombustível» (como

se anunciava) Teatro Gymnasio, ao Chiado, em 1923-25 (Rua Nova da Trindade), Todos

estes espaços se incluíam num esquema inovador mais ao nível espacial e técnico do que

no plano da representação formal das fachadas (o Gymnasio previa mesmo uma plateia

de pavimento amovível, que se podia transformar por rotação em salão de baile).

O «teatro» bancário encontrou também uma boa expressão no Lisboa & Açores, na

Rua do Ouro (fig. 66), centripetando os diversos espaços à volta de um pátio

desenvolvido em pisos (obra também de Ventura Terra, em 1908). De assinalar

ainda o primeiro edifício construído para cinema em Lisboa, o Chiado Terrasse, de

Tertuliano Lacerda Marques, em 1 9 1 1 (Rua de António Mana Cardoso).

47 Conforme José Augusto França, em História da Arte em Portugal no Século XIX, vol. II, Lisboa, 1967,48 Conforme artigo de Ramalho Ortigão, «A obra de Ventura Terra — a nova Câmara dos Deputados em

Lisboa», in Arte Portuguesa — II, Lisboa, ed. Livraria Clássica Editora, s. d.; primeiro publicado em A Arte e

Natureza em Portugal, vol. III, Porto, 1903

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Os autores

A Escola de Belas-Artes de Lisboa fundamentava o seu ensino em mestres com

formação ainda ligada aos valores oitocentistas, corno José Luís Monteiro (1849-1942),

autor de uma discreta e «achalezada» casa própria em Campo de Ourique, Rua de

Quatro de Infantaria / de Almeida e Sousa, de 1893 (demolida em 1990) — além de

projectos de equipamentos revivalistas ou classizantes; ou como José António Gaspar

(1842-1909), que projectou a Casa da Moeda (1889-91), a São Paulo, também de

expressão classizante. Ambos da geração nascida cerca de 1840, secundavam-nos José

Alexandre Soares (1873-1930), autor de obras menores, como o Mercado de

Alcântara ou a Capela do Cemitério de Benfica (esta com J. L Monteiro), ou «mestre

João Piloto» (1880-1956), decano da Geometria Descritiva, com obra totalmente

discreta fora do ensino (cerca de 1930 autorizou, no entanto, com arrojo, a obra do

Cinema Éden, em projecto de Cassiano Branco, como conta Nuno Portas49.

Formação limitativa, pois, para os seus alunos nascidos entre 1860 e 1880, à qual os

mais interessantes escaparam pela frequência dos meios europeus da especialidade,

Destes, alguns autores «menores» haveria a referir, como António Couto (1874-1946),

nas intervenções de restauro ou nos frequentes monumentos republicanos (Sé de

Lisboa, estátua do marquês de Pombal); mas a escolha que agora se apresenta

selecciona os nomes em função de uma modernidade dos trabalhos e de uma procura

de actualização e de inovação que é afinal o objectivo primeiro deste trabalho.

Assim se refere Norte Júnior (1878-1962), o mais prolífero, popular e «persistente»

autor da época (até pela longevidade), «campeão» dos Prémios Valmor (cinco, sem

contar as numerosas menções honrosas), especialista de palacetes e de equipamentos

de uma qualidade estética média (e, talvez por isso mesmo, autor tão procurado

pelos clientes) — depois inovador, no uso pioneiro do betão armado (já se referiu a

sua importância no período art déco, na sua colaboração com os construtores). Norte

Júnior chegou a criar um «estilo» tão próprio de desenho (ecléctico, entre urna

volumetria neo-românica e um «grafismo» arte nova, com frequentes excessos

decorativos), que fez escola entre outros autores mais apagados (leccionava, além

disso, um curso livre de Arquitectura), sendo frequente hoje identificar um qualquer

palacete da época como de sua autoria, mesmo que tal não seja verdade (desenhos

tipificados de sua autoria, com o característico carimbo «maçónico» de «compasso»,

vendem-se ainda hoje na Feira da Ladra). Em suma, o «gosto possível» do colectivo

lisboeta dos anos republicanos e «maçons» de 1910-20...

Sobretudo com obra lisboeta, os seus temas mais frequentes eram: nos palacetes,

sobre uma planta convencional, a composição assimétrica de volumes, com grandes

envidraçados (Casa Pró-Arte de Malhoa, Avenida de 5 de Outubro, 1905), em

diálogo com fenestrações de arcos redondos, geminados ou múltiplos (palacete na

Alameda das Linhas de Torres, n.° 22, Prémio Valmor de 1912; ou o prémio de

1914, na Avenida de Fontes Pereira de Melo, n.° 38, Picoas), tudo rematado pelas

49 Em «A evolução da arquitectura moderna em Portugal — uma interpretação», por Nuno Portas,

capítulo de Historio da Arquitectura Moderna, por Bruno Zevi, Lisboa, ed. Arcádia, 1973.

Fig. 69

Lisboa — edifício na

Avenida da Liberdade,

n.os206-218: foto do

trabalho realizado

para a cadeira de

História da

Arquitectura

Portuguesa da

ESBAL. s. d.

Page 79: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

torres telhadas ou pelo frontão quebrado. Nos seus prédios abundam os corpos

salientes e de densa plasticidade [Prémio Valmor de 1 9 1 5 (fig. 69)] e um gosto mais

«pesado» e barroquizante (antigo Casino de Sintra, Avenida de Heliodoro Salgado;

escola A Voz do Operário, Lisboa). Mas é realmente difícil resumir uma obra

espalhada por lojas, cafés, casas e tempos tão diferentes... Fique apenas uma última

referência ao atelier próprio, no Largo de Cesário Verde, em Lisboa, obra discreta,

de dois pisos, mas talvez muito significativa de um ideário, com a sua simbologia

«maçónica» feita de compassos esculpidos em capitéis e recortados na porta e

fachada encabeçada por friso cerâmico representando autores das outras artes

(demolido em 1979-80) (figs. 71 e 72).

De Ventura Terra (1866-1919) se falou já, como do seu continuador e genro,

Miguel Nogueira, a propósito da «arte nova» urbana, que ambos tentaram lançar em

Lisboa (sem esquecer os trabalhos de Terra no Minho, sobretudo em Esposende).

De Terra destacam-se o conjunto de prédios na Rua de Alexandre Herculano, n.° 57

(fig. 73) e n.º 25 (Prémio Valmor de 1903 e 1 9 1 1 , respectivamente), e na Avenida

do Visconde de Valmor, n.º 38 (Prémio Valmor de 1906), em que a composição

generosa e a simplicidade decorativa são os grandes trunfos, sempre aliados à

superior carga inventiva. Miguel Nogueira (1883-1953), com soluções de maior

plasticidade e liberdade de volumes (Prémio Valmor de 1 9 1 3 , Avenida da República

n.º 23; em mais pobre, o gaveto da Avenida de Luís Bívar, n.os 2-4-6, Prémio Valmor

de 1916), ambos nas Avenidas Novas; com projectos às vezes excessivamente

decorados (antigo Banco Angola e Metrópole, Rua da Conceição, n.os 134-136, de

1919) — a sua obra mais interessante parece ser todavia a do já referido edifício da

Rua dos Navegantes, n.° 21 , de 1921, com melhor depuração no desenho da

fachada (parece, aliás, que por intervenção do proprietário)50.

50 Dados como este, de tipo mais concreto, foram obtidos pelo autor em entrevistas, nomeadamente com

os arquitectos Luís Benavente, Jorge Segurado, Cristino da Silva e Keil do Amaral.

Fig. 70

Leiria, estrada para a

Figueira da Foz

Fig. 71

Lisboa — porta do

antigo atelier de Norte

Júnior, Largo de

Cesário Verde

(demolido)

Fig. 72

Lisboa — antigo

atelier de Norte

Júnior, Largo de

Cesário Verde

(demolido)

Page 80: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 73

Lisboa — prédio na

Rua de Alexandre

Herculano, n.º 57:

Arquivo Municipal

Fig. 74

Lisboa — prédio na

Avenida do Almirante

Reis, n.º 2 — Arquivo

Municipal

Adães Bermudes (1864-1947) foi um autor que interessa valorizar além dos

trabalhos públicos referidos (a que se poderia juntar um Instituto Superior de

Agronomia, na Tapada da Ajuda, de 1 9 1 1 , com interessantes espaços interiores),

este portuense estudante em Paris iria executar um dignificante prédio na lisboeta

Avenida do Almirante Reis (fig. 74), com dinâmicas e curvilíneas referências à arte

nova (Prémio Valmor de 1908), produzindo também mais convencionais, mas

elegantes, agências do Banco de Portugal pela província fora (Évora, Vila Real). Como

ele, Álvaro Machado (1874-1944) fez uma proposta «moderna» para a esquina da

Avenida do Duque de Ávila com a da República (1909) e outra para a sede da

Sociedade Nacional de Belas-Artes, na Rua de Barata Salgueiro, n.° 36 (1906), obras

modernizadoras em termos de uma simplicidade de elementos compositivos,

caminho útil, como se vê, no esforço pela modernização da arquitectura urbana que

então se praticava. A depuração do desenho confirmava-se aliás, mais tarde, em

Machado (com o Prémio Valmor de 1919, na Avenida do Duque de Loulé, n.° 47,

demolido em 1961), um autor que pensou a via do neo-românico, como outros

autores euro-americanos, como caminho para o moderno.

Em áreas mais regionalistas ou tradicionalistas surgiam as propostas de Ernesto

Korrodi (1870-1944) e de Raul Lino (1879-1974), já referidas também a propósito

da arte nova (curiosamente, ambos os autores eram provenientes da Europa central

e sensíveis às respectivas influências, respectivamente a Suíça e a Alemanha —

universos culturalmente mais ruralistas ou intimistas, se comparados com o dos

autores de «costela parisiense»), Korrodi, além de obras diversas em Leiria (fig. 70),

fez várias incursões em programas domésticos lisboetas, onde a calma proporção e

as delicadas decorações em baixo-relevo estavam, como sempre, presentes, aliadas a

elementos como o beiral «português», que não desvalorizavam nem exageravam o

conjunto (além do prédio de A Tentadora, em Campo de Ourique, na Rua de

Saraiva de Carvalho, n.° 242, há a salientar os Prémios Valmor de 1910 e de 1917,

respectivamente na Avenida de Fontes Pereira de Melo, n.º 30, e na Rua Viriato,

Page 81: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig, 75

Porto — casa de

Marquei da Silva, na

Avenida do Marechal

Gomes da Costa,

n.º 1363

Page 82: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 76

Cascais — Chalet

O'Neill: ed. E. Dias

Serras Rua Áurea, 26,

Lisboa (bilhete-postal:

data da missiva.

12/11/1920)

n.° 5 — o primeiro já demolido, em 1961). Mais produtiva, porque mais profunda,

foi a obra de Raul Lino, um «grande reformador», nas palavras da Ilustração

Portuguesa de 1908 (que chamara a Terra, dois anos antes, um «grande

arquitecto»)51.

Lino investigou e sensibilizou-se pelo Sul alentejano e pelo Norte marroquino,

descobrindo «caábicas proporções» que logo aplicou em casas de veraneio [na casa

Silva Gomes e na de O'Neill, em 1902 (fig. 76), respectivamente no Estoril e em

Cascais], afinando sistemas formais fruto da tradição enraizada (de que fez «colagem»

no projecto para a exposição de Paris de 1900), A sua maior contribuição esteve no

proto-organicismo e na adaptabilidade espacial patentes na Casa do Cipreste, de

1912, implantada sobre uma velha pedreira sintrense. A maior limitação de Lino, em

contrapartida, esteve numa dependência excessiva dos materiais e das soluções

formais antigas, entendidas exclusivamente no restrito campo doméstico.

Marques da Silva (1869-1947), autor quase «único» desta época no Porto, resumia

num só autor muitas destas tendências lisboetas, Refira-se, para sintetizar, a sua casa

própria na Boavista (fig. 75), espelho de um entendimento intimista e quase

wrightiano do ambiente doméstico.

Haveria ainda que fazer uma referência aos autores que, embora arredados da

produção real, não deixaram de projectar, como é o caso de José Pacheko,

«modernista» doutros sectores artísticos, que ensaiou desenhos de casinos (1907) e

de teatros modernos (já em 1925) nunca realizados, mas prometedores..."

51 Em Ilustração Portuguesa, de Janeiro de 1908,52 Conforme «José Pacheko», por Gustavo Nobre, artigo na revista Colóquio Artes, n.º 35, Lisboa, ed.

Fundação Calouste Gulbenkian, 1977.

Page 83: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

O Estado Novo — das obras públicasà vulgarização de uma nova estética A arquitectura e a ideologia — da propaganda às exposições

O urbanismo

As «obras» — das pontes e viadutos ao mobiliário urbano

A divulgação de um gosto — comércio, equipamento e habitação

Os autores

Page 84: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

A arquitectura e a ideologia — da propaganda às exposições

Com o advento dos anos 30 e o enraizamento do regime social e político

salazarista, a simbologia arquitectónica do «moderno» invadiu pouco a pouco todas

as actividades ligadas à construção, como moda gráfica e estética: logo no Prémio

Valmor de 1931 , era o seu próprio «cartão de apresentação» uma perspectiva do

edifício que, com o característico lettering art déco e com o tratamento formal da

fachada, anunciava a mudança dos gostos neste sector (fig. 77), À apresentação dos

projectos nesta forma mais irreverente seguir-se-ia em breve a imagem renovada das

revistas e livros de arquitectura (acompanhando, de resto, uma tendência mais geral

de renovação gráfica noutras actividades), com desenhos abstractos de edifícios que

se adivinhavam puristas (como na folha de sumário da Arquitectura Portuguesa -

Cerâmica e Edificação Reunidas de Maio de 1939) (fig. 78), ou com «capas-

-manifesto» dos conteúdos (corno no livro A Estético de Lisboa, do arquitecto

Paulino Montez, de 1935), em jogos abstractos de superfícies, cores e palavras...

A renovação estendeu-se às montras e mesmo aos tapumes de obras, em

aproveitamentos publicitários cuja qualidade pode hoje espantar, por comparação

com a degradação gradual que alguns destes sistemas de exibição de produtos vem

atingindo: desde um «Projecto de Montra da Casa Borges & Irmão», exibido na

exposição das Belas-Artes de 1929, da autoria de Cristino da Silva, com sábia

utilização do lettering53, até aos painéis que escondiam a esquina da Rua do Carmo

com a do Primeiro de Dezembro, na Baixa lisboeta, cuidadosamente ritmados de

anúncios pintados com formas e volumes abstractos bem ao gosto da época (da

autoria do ETP, Estúdio Técnico de Publicidade, tão famoso na altura),

As empresas de «transacção de propriedades» ou de construções renovavam também

o seu símbolo ou logotipo, como A Confidente (fig. 79) e a Cooperativa Promotora

Previdente (escolhendo ambas uma representação da «moradia ideal» com volumes

claramente modernistas), ou como a empresa Amadeu Gaudêncio, que preferia aliar a

uma escrita de estilo art déco urna «fábrica abstracta» com roda dentada por fundo,

Idêntica transformação sofriam os símbolos de empresas de materiais de construção:

as «ferrarias» e serralharias, que anunciavam nos seus papéis timbrados ou em

páginas das revistas especializadas, recorrendo a imagens mecanicamente apelativas

do progresso ou representando obras dentro do formulário modernista (a Sociedade

Industrial Metalúrgica exibia fotograficamente a sua participação em cromados e

tubos de ferro no grande hall do Instituto Superior Técnico, por exemplo); as

fábricas de revestimentos e impermeabilizações, acompanhando a divulgação do

betão, apoiavam-se em sugestões gráficas de prédios de linhas puristas, que melhor

evidenciavam as suas qualidades («não racha», diz o Cimento Lafarge, em 1929-31,

nas páginas da Arquitectura, ou «contra a humidade e salitre nas casas», reclamava a

Ceresit na Arquitectura Portuguesa de 1939); mármores, cantarias e cerâmicas

seguiam-lhes o exemplo (até nos edifícios-sede, onde as fachadas se tomavam

verdadeiros mostruários dos padrões e efeitos decorativos do material produzido —

53 Na revista Arquitectura, n.° 16, Lisboa, Maio de 1929.

Page 85: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 77

Lisboa — habitação

em Campo de

Ourique, Rua de

Infantaria 16,

n." 92-94 (alterada

e ampliada): foto

Estúdio Mário Novais,

sobre desenho de casa

para o Sr. Manuel

Gameiro por Veloso

Reis Camelo,

arquitecto

Page 86: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

veja-se o exemplo da Fábrica de Cerâmica Lusitânia, ao Arco do Cego, com azulejos

de desenho geométrico a decorar a fachada da secção de escritórios, já demolida).

Esta moda de exibir formas arquitectónicas ou gráficas com espírito modernista na

«propaganda» (ou publicidade) iria estender-se mesmo a outras actividades e formas

de «exposição» de produtos a colocar no mercado: a Fábrica de Conservas Activa,

de Matosinhos, fazia-se representar pela abstracção desenhada das suas instalações

(naturalmente com expressão purista); outra fábrica, do mesmo ramo, construía um

pavilhão provisório, no mesmo estilo, para se representar nas Festas da Cidade (e já

falaremos do tipo novo de construção que se desenvolveu à volta destas

necessidades novas de propaganda); as empresas de produtos eléctricos inventavam

depurados interiores provisórios para promoverem as suas telefonias (numa

exposição de rádio e electricidade da Philips) (fig. 81), ou cuidados pavilhões

modernistas e simbólicos (de Adelino Nunes, para a Empresa Electro-Cerâmica de

Vila Nova de Gaia, na Exposição Industrial do Parque Eduardo VII) (fig. 80); mesmo

as fábricas de automóveis, outro símbolo do progresso na época, procuravam na luz

da Electro-Reclamo, e num lettering depurado, a divulgação em «escultura» da sua

«semana»,

Fig. 81

Lisboa (?) — expositor

da Philips, anos 30:

foto Estúdio Mário

Novais

Fig. 80

Lisboa — pavilhão de

exposição. Parque

Eduardo VII: foto

Estúdio Mário Novais

Fig. 78

Cabeçalho da revista

A Arquitectura

Portuguesa c

Cerâmica e Edificação

Reunidas, Lisboa,

Maio de 1939

Fig. 79

Porto — anúncio de

rua de A Confidente

(em vidro pintado)

Page 87: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt
Page 88: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 83

Olhão — edifício do

Sindicato da Indústria

Conserveira de Olhão

Fig. 82

Lisboa — edifício da

sede do Diário cie

Notícias, Avenida da

Liberdade, n.° 266:

foto Estúdio Mário

Novais

Fig. 84

Maqueta do

Monumento de Sagres

de Pardal Monteiro,

sobreposta ao Terreiro

do Paço para

visualização de escala:

foto Estúdio Mário

Novais

54 Sobre os Prémios Valmor de Arquitectura e a bibliografia indicada ver nota 43.

Símbolos e concursos

O Estado Novo, em consolidação crescente, não descurava o uso de uma

simbologia antiga, mas com tratamento renovado; assim, de um simples letreiro da

Escola de Instrução Primária em Fenais de São Miguel, de recorte art déco, até à

Cruz de Cristo no Sindicato da Indústria Conserveira de Olhão, estilizada em portão

de formas geométricas e no frontão adjacente em baixo-relevo escudado (fig. 83), foi

todo um aproveitamento das novas possibilidades expressivas e estéticas que o

primeiro decénio de vigência do «regime» ensaiou, em estádio ainda aberto aos

conceitos de modernização e de progresso.

O «regime» iria de resto incentivar, e em muitos aspectos liderar, essa exploração

de meios propagandísticos novos, que o secretário da Propaganda Nacional, o

modernista dos anos 20 António Ferro, estava mais do que muitos apto a entender

nas suas potencialidades culturais e, por via destas, políticas. Concursos de montras

ou de cartazes, prémios nos sectores das artes, revistas de divulgação, até «lojas de

propaganda de Portugal», como a de Paris, iniciaram uma autêntica «fase estética

experimental» do Estado Novo, situável entre 1929-30 e 1940-44.

Os concursos públicos nacionais de arquitectura ou escultura foram talvez das

iniciativas de maior êxito e efeito, centrados à volta do de Sagres, repetido em 1938,

depois de uma primeira tentativa em 1933-34. Foi ele um banco de ensaio e de teste

para a prática arquitectural da primeira geração modernista, já que os objectivos

simbólico-históricos do projecto tenderiam a «corromper» o desenho purista e

abstracto que então se praticava na procura de uma nova estética de conotação

nacionalista. Um «superfarol» de Pardal Monteiro (fig. 84) recordava na segunda

tentativa de concurso a solução da torre luminosa da sede do Diário de Notícias (peça

fundamental na transição para a arquitectura dos anos 40); o barroquismo latente de

Cassiano Branco despoletava na densidade de volumes da sua proposta, enquanto os

premiados, irmãos Rebelo de Andrade (em 1933) e Carlos Ramos (em 1938),

optavam por formas mais plásticas ou mais convencionais, respectivamente.

O Prémio Valmor de Arquitectura, depois de uma fase hesitante e de transição de

linguagens, situada entre 1928 e 1931 (durante a qual foram premiados edifícios

eclécticos ou dentro do modelo art déco), iria auto-suspender-se por iniciativa de um

membro do júri, Raul Lino, descontente com o caminho predominantemente

modernista da arquitectura corrente da cidade54. Quando, em 1938, se renovaram as

suas atribuições, destinadas a uma Igreja de Fátima, a consagrar quase

obrigatoriamente pelo regime, e ao edifício do Diário de Notícias (já em 1940)

(fig. 82), isso passava-se numa fase terminal do primeiro «moderno» em Portugal, de

que o Prémio de 1939 era indício (foi dado a uma moradia «neo-setecentesca» dos

irmãos Rebelo de Andrade).

Page 89: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 85

Pavilhão da Exposição

Universal de Paris de

1937: desenho de Keil

do Amaral (estudo),

arquivo Keil do

Amaral

Page 90: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

A «arquitectura efémera»

Esta associação entre os signos «modernos» da arquitectura e a política de cariz totalitário

não era de resto originalidade do País, já que a Itália mussolínica dos anos 20 a vinha

usando, sendo a partir daí modelo para nós (via Cottinelli Telmo ou António Ferro)55. A

abstracção radical e desumanizante que certas vertentes do movimento moderno exigiam

para chegar a um «futuro rápido» (vejam-se as visões do futurismo) não era, de resto,

oposta, na essência, ao ideário social dos regimes corporativistas, pelo menos numa fase

inicial de entusiasmos e de fé. O salazarismo iria passar sucessivamente, no decorrer dos

anos 30, por uma fase de indiferença estética (que tanto acertava obras do eclectismo

como do art déco), por um uso sistemático do modernismo radical (quase sempre, apesar

de tudo, caldeado pela aposição de simbologia nacionalista) e pelo desembocar nas

variantes historicistas e monumentalistas, mesmo sobre a transição dos anos de 1939-4056.

É na arquitectura das exposições internacionais que, pela responsabilidade sentida de

constituir representação oficial portuguesa, melhor se podem detectar as mudanças de

gosto sucessivas. De facto, se, em 1929 (Exposição Ibero-Americana de Sevilha), em

1930 (Exposição Internacional de Paris) e em 1931 (Exposição do Rio de Janeiro), os

pavilhões portugueses eram de gosto neobarroco (dos irmãos Rebelo de Andrade) ou,

no caso isolado de Paris, consistiam numa proposta tradicionalista de Raul Lino, já

mesmo em 1930 (Exposição Colonial e Marítima de Antuérpia) se experimentava uma

«fachada-frontão» estilo artes decorativas, e, pouco depois, em 1936, se confirmava, de

novo para Paris (Exposição Internacional de 1937), um inovador e preponderante

modelo modernista de pavilhão (fig. 85). Para este, Keil do Amaral foi o escolhido, em

detrimento da costumeira proposta de Lino57, seguindo-se, igualmente de expressão

modernista escultórica, pelo arquitecto Jorge Segurado, os pavilhões das Exposições de

Nova Iorque e de São Francisco (em 1939),

55 Conforme artigos diversos da revista Colóquio-Artes, Lisboa, ed. Fundação Calouste Gulbenkian,n.o 45, de Junho de 1980, e n.o 48, de Março de 1981, bem como os textos do vol. l do catálogo ArtePortuguesa — Anos Quarenta da exposição realizada pela mesma Fundação, Lisboa, 1982.56 Conforme artigo «A arquitectura do fascismo em Portugal», por Nuno Teotónio Peneira e José ManuelFernandes, na revista Arquitectura, n.º 142, Lisboa, Junho de 1981, dedicada ao tema «Portugal —arquitectura e fascismo».57 De assinalar uma «corrupção» do modelo inicial de Keil para o pavilhão, mais «holandês» e depuradodo que o finalmente executado, conforme os primeiros esquissos, e já com arcos e emblemas «nacionais»nas perspectivas finais.

Fig. 86

Porto — Palácio de

Cristal: ed. Foto

Beleza — Porto

(bilhete-postal)

Fig. 87

Porto — Palácio de

Cristal/Palácio das

Colónias da Exposição

Colonial Portuguesa de

1934: ed. Lito.

Invicta — Porto

(bilhete-postal;

Page 91: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 88

Lisboa — a tribuna

de honra, com Duarte

Pacheco: foto Estúdio

Mário Novais

Fig. 89

Lisboa — anúncio

representando uma

construção efémera da

tribuna de honra: in

revista Arquitectos,

Lisboa

No âmbito nacional, era a Exposição Colonial do Porto que, «mascarando»

exemplarmente o velho Palácio de Cristal com estafes de fachada (figs. 86 e 87),

denotava já a alteração de gostos que ia começando, ao nível oficial, em 1934.

A Exposição Industrial no Parque Eduardo VII e os pórticos triunfais do Ano X da

Revolução Nacional (em 1936), em conjunto com o pavilhão de estrutura metálica e

revestimento de estafe que serviu como «tribuna de honra» da CML para comemorar

em parada o 28 de Maio na Avenida da Liberdade (projecto de Miguel Jacobetty, de

1938) (figs. 88 e 89), confirmavam a voga de um tipo de arquitectura a que a revista

oficiosa Arquitectura chamava então efémera e que exprimia claramente as vocações e

necessidades propagandísticas dos regimes autoritários dos anos 30 — sempre mais ou

menos impregnadas plasticamente de temas modernistas ou abstractos...

Conclui-se esta sequência crescente de exposições ou exibições públicas com a

famosa Exposição do Mundo Português, realizada em Belém no ano-charneira de

1940, onde toda a geração do primeiro modernismo arquitectural transformava (e se

autotransformava por via de) a linguagem utilizada, com mais ou menos consciência

estética ou precaução política, procurando exprimir significados emblemáticos em

formulários retrógrados, que iriam servir de base a uma «nova era» da arquitectura

portuguesa. A «classe» dos arquitectos tinha então um apogeu na aproximação e na

confiança oferecidos pelo regime político, que foram aliás reconhecidas na eleição de

Salazar, em Março de 1941, como sócio honorário do seu Sindicato, «pelos altos

serviços prestados por Sua Excelência à arquitectura nacional».

O urbanismo

A actividade urbanística dava os seus primeiros passos em Portugal nas décadas de

1920-30, sempre com urna forte componente ou entendimento académico da

disciplina, em limitados «planos de pormenor», ainda demasiado próximos da escala

arquitectural, e partindo muitas vezes de iniciativa privada ou local, quando não

arrastados pelo interesse de um arquitecto de nomeada ou recorrendo a serviços de

técnicos estrangeiros, tentando suprir a falta dos especialistas nacionais.

Page 92: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 90

Lisboa — desenho perspectivado com o estudo do

prolongamento da Avenida da Liberdade através da

Parque de Eduardo VII, assinado Luís Cristina da Silva,

11/5/1930: f o t o Estúdio Mário Novais

Page 93: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt
Page 94: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 91

Lisboa — desenho

perspectivado do

Centra de Aviação

Naval (do Montijo)

MOPC/COBNL,

assinado Paulo Cunha:

foto Estúdio Mário

Novais

Fig. 92

Norte de Moçambique —

desenho do

Anteprojecto de

Urbanização da

Futura Cidade de

Nacala, assinado Luís

Cristino da Silva,

Abril de 1941: fo to

Estúdio Mário Novais

Assim surgiam, por exemplo, o «Plano Geral de Melhoramentos» para a praia do Moledo

do Minho, estudo cheio de simetrias que Carlos Ramos fez para uma «comissão de

iniciativa» em 1929; assim, também, urbanistas franceses como Forestier estudavam os dois

problemas principais que se colocavam à modernização e extensão da Lisboa da época, ou

seja, a ligação Cais do Sodré-Terreiro do Paço e o prolongamento da Avenida da Liberdade

para norte, sobre o Parque Eduardo VII (em 1927); este último tema seria abordado por

Cristino da Silva [em 1930 (fig. 90) e 1932] em promissores e irrealizados desenhos

monumentais; Cristino estudaria pouco depois a articulação do conjunto Instituto Superior

Técnico-Estatística com o Bairro do Arco do Cego, propondo as duas raquettes definidas

pelo esquema viário e que foram realizadas (prolongamento das Avenidas do Duque de

Ávila e de António José de Almeida, bem como das do México e Marconi), como uma

extensão monumentalizada da retícula das Avenidas Novas58. Mas este plano, que o autor

parece ter oferecido à própria Câmara59, inseria-se já num quadro mais esclarecido, no qual

eram as entidades oficiais ou municipais a pedir e a incentivar estudos de conjunto para

zonas urbanas, que a legislação de 1934 lançada por Duarte Pacheco iria exigir, pela

58 Informações obtidas em depoimento prestado pelo arquitecto Luís Benavente ao autor, onde se refere

também a critica feita então por Paulino Montez ao traçado em rampa das Avenidas do México e de António

José de Almeida, que «fere» a leitura da monumentalidade do edifício do Instituto Nacional de Estatística.59 Conforme fonte citada na nota 58.

Page 95: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

obrigatoriedade de levantamentos das principais dessas zonas e consequente realização de planos

municipais60. Também o decreto do ano anterior instituindo o regime de «casas económicas» iria

contribuir para dar uma dimensão urbana ao estudo dos «bairros» respectivos,

Foi nesse panorama que surgiram os estudos de Paulino Montez sobre planos de urbanização

para Mafra (1933) e para o Bairro Salazar, ao Alvito-Alcântara (1938) (fig. 93), finalizando este

período com o plano para as Caldas da Rainha (l941)61; ou que Cristino desenvolveu novos

estudos para localidades em expansão, como Monte Gordo (também de 1941, enquadrando o

seu Casino em faixa de equipamentos litoral). Também o Estado começava a ser cliente directo

de planos, sobretudo para as instalações militares, portuárias e fronteiriças, que o esforço de

modernização geral do seu aparelho exigia; desde a «urbanização da Praça do Alfeite»,

enquadrando a Escola Naval (dos irmãos Rebelo de Andrade, 1938), passando pelos trabalhos de

Paulo de Carvalho Cunha para Setúbal (remodelação da zona central do porto para a Junta

Autónoma) e para o Montijo (Centro de Aviação Naval — MOPC) (fig. 91) — onde grandiosas

perspectivas cavaleiras exibiam futuras edificações com claros jogos de volumes modernistas62 -

até aos «planos de melhoramentos» do porto de Lisboa (AGPL), onde novamente Paulo Cunha

e depois Pardal Monteiro e Jorge Segurado iriam trabalhar63, já bem entrada a década de 40, mas

prolongando num «modernismo técnico» a expressão dos anos 30. Uma referência, ainda que

pontual, deve ser feita aos estudos para as colónias africanas de alguns destes autores, desde o

trabalho «pioneiro» de Carlos Rebelo de Andrade para o «Alargamento e Embelezamento da

Cidade da Beira» (de 1929)64 até ao anteprojecto de «Urbanização da Futura Cidade de Nacala»,

por Cristino da Silva, para o potencial porto moçambicano, já de 1941 (fig. 92).

Planos à escala da região só começaram mesmo nos finais da década de 30, e com ajuda

de urbanistas convidados: depois do «Plano de Urbanização da Costa do Sol» (1933-34 e

1939-42) e do «Plano Director de Lisboa» (1938-48), onde Alfredo Agache ou de Groer

60 Fernando Gonçalves considera o decreto que estipula estas regras (n.º 24 802, de 21 de Dezembro de 1934) «oponto de partida da legislação urbanística portuguesa», conforme o seu livro Urbanizar e Construir para Quem?, Lisboa,ed. Afrontamento, 1972.61 Que Montez reúne, com outros trabalhos idênticos, na colecção «Estudos de Urbanismo em Portugal», ondeapresenta algumas preocupações e teorias urbanísticas algo incipientes.62 Trabalhos por datar (talvez da transição 1939-40), mas cuja linguagem os inscreve ainda na interpretação modernistados programas oficiais; Cunha dedicou-se ao estudo de planos portuários e fronteiriços, como para Quarteira (planogeral) e para Vila Real de Santo António, isto além de outros, como o «Plano de Extensão, Arranjo eEmbelezamento do Luso» e o de Sesimbra, com datas a averiguar.63 Respectivamente no estudo do nó de Alcântara, nas estações marítimas e nos armazéns, conforme depoimento aoautor, por Paulo Cunha.64 Na revista Arquitectura, n.° 24.

Fig. 93

Lisboa — desenho

perspectivado do Plano

do Bairro Económico

do Doutor Oliveira

Salazar, no Alvito: in

Paulino Montez,

Lisboa/Alcântara/

/Alvito. Estudos de

Urbanismo em

Portugal, 2.ª ed. do

autor, Lisboa, 1938,

p. 19.

Page 96: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 94

Viana do Castelo —

Avenida dos

Combatentes da

Grande Guerra: in

Portugal 1140-1940

Shell News

colaboraram65, iria ser já na óptica monumentalista dos «modernos» arquitectos ítalo-

-mussolínicos que o Porto receberia o seu estudo urbano de conjunto (com Piacentini e

Muzio, entre 1938 e 1940 e 1940-42, respectivamente), acompanhando, de resto, idêntica

evolução na arquitectura66

Até aqui convém realçar o sentido de «tradição» e de «arte de urbanizar> com que era

entendido o estudo urbano, muito mais como um «prolongamento» da arquitectura do que

como uma disciplina agregadora de complexas redes socieconómicas e político-culturais que

modernamente se lhe foi atribuindo; isto explica-se em parte pela formação de base dos seus

autores (eram arquitectos «metidos» a urbanistas), até aos trabalhos de Fana da Costa, que já

na década de 40 faz o primeiro plano «moderno», no sentido referido, para a Figueira da Foz;

sua terra natal, pioneiro de entendimento pluridisciplinar do planeamento. E essa formação

explica também em parte o fracasso, no plano da concretização, da grande maioria das

propostas, que sacrificavam por regra às leis académicas de simetria forçada (o que resultava

num edifício, mas não numa cidade), ou de desejada monumentalidade, as inultrapassáveis leis

da propriedade ou da especulação fundiária (sem falar no total alheamento, em vistas do

entendimento do «progresso» como valor totalitário, do valor cultural dos centros históricos).

Na prática, e porque os organismos urbanos não paravam obviamente à espera dos planos

que os «embelezariam», foi-se assistindo ao crescimento mais ou menos não planeado de

todas as cidades de província, sendo muito característico desta época o aparecimento da

«avenida modernista», larga, veloz, rectilínea e tão comprida quanto o necessário, com uma

predominância daquele tipo de arquitectura nas suas fachadas; assim foi a que em Braga se

iniciava com o edifício do Turismo e se dirigia para o Estádio Municipal; ou as que em Viana

do Castelo (fig, 94) ou Aveiro ligaram o centro tradicional à estação dos comboios. Em Lisboa

já se falou dos bairros dos construtores civis como processo de crescimento urbano mais ou

menos desenfreado; estas eram afinal as imagens reais, contemporâneas da execução dos

desejados levantamentos e plantas «das principais cidades, vilas e estâncias termais e de

veraneio» indicados pelo legislador urbanista poucos anos antes,

O ano de 1944 pode marcar o fim desta primeira e «modernista» fase do urbanismo, já que,

falecido no ano anterior o voluntarista e autoritário ministro Duarte Pacheco, se dava então

início à burocratização de todo o processo, com a criação da «temível» Direcção-Geral dos

Serviços de Urbanização67.

65 Conforme obra citada na nota 60 e o artigo «Urbanística à Duarte Pacheco», na revista Arquitectura,n.° 142, também da autoria de Fernando Gonçalves.66 Conforme obra citada na nota 6067 Id.

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As «obras» — das pontes e viadutos ao mobiliário urbano

Foi nas infra-estruturas que grande parte do investimento do Estado Novo apostou

ao longo dos anos 30; e foi nas «obras de arte» da engenharia que buscou a sua

«obra-símbolo»; um grande viaduto que quis competir com o grandioso Aqueduto

das Aguas Livres, seu vizinho, além de suportar e se prolongar pela primeira auto-

-estrada portuguesa, o Viaduto Duarte Pacheco (tinha de ser) e a auto-estrada de

Monsanto a Cascais (que levou meio século a ligar). A mão-de-obra abundante e

barata compensava então urna tecnologia ainda timidamente industrializada: a

construção do viaduto assistiu ainda à já anacrónica passagem da máquina de vapor,

apoiando-se em primitivas e densas estruturas de suporte de madeira (na imagem,

no alto do arco nascente, uma enigmática figura com chapéu de coco — pode ser

Duarte Pacheco — observa a cena) (fig. 95); e, já pronta, a obra serviria para passeio

domingueiro dos lisboetas seduzidos pela novidade, que a pé iam calmamente «ver a

vista» do outro lado do vale de Alcântara, por entre o raro trânsito automóvel,

atravessando de passeio a passeio como se rua fosse... (fig. 96).

Os «filhos» deste viaduto não tardaram — a imagem do arco único a ligar as duas

vertentes era demasiado forte: é disso exemplo a ponte sobre o Tua (estrada

Carrazeda-Alijó), versão reduzida deste modelo (concluído em 1940) que o leva a

Trás-os-Montes num processo de propaganda da capacidade realizadora do Estado,

feita de betão e novidade.

O lançamento de redes viárias modernas esteve intimamente ligado à crescente

utilização do automóvel como meio de transporte de produtos e de pessoas, que

em Portugal dava nesta fase um «salto em frente». Entre vias marginais e novas

estradas nacionais, com os correspondentes viadutos ou pontes a vencerem

obstáculos naturais (como a ponte em betão de Odeceixe, na estrada Lisboa-

Algarve, com os seus típicos arcos triangulados, obra de 1936), surgiram as pequenas

construções de apoio, onde se destacaram os postos da PVT (Polícia de Viação e

Trânsito) de contorno modernista (fig. 97): espalhados pelas estradas de todo o país,

aí atestam uma época e um «estilo».

Regionalmente, foram as pequenas obras de melhoramento público que os

municípios ou o próprio Estado incentivaram como «arma» fácil e barata de

propaganda das suas novas capacidades, no meio da província: foi a inauguração dos

célebres fontanários públicos [exemplos por todo o país, desde Sobral de Monte

Agraço, na saída para Arruda dos Vinhos, ou desde Porto Salvo, no Parque Manuel

Pereira Coentro, a Vila Nova de Paiva (fig. 98); ou de Vila Franca de Xira, no Largo

do Dr, Rodrigo dos Santos, a Rio Maior, na Praça do Comércio; ou até em

Bragança, em jardim público]. Na sua maioria em pedra, os fontanários utilizavam o

desenho art déco, em torres piramidais e com os efeitos de simetria habituais do

estilo (como também sucedeu nos lavadouros públicos, de que é exemplo o de

Condeixa-a-Velha). O desenho modernista foi também utilizado noutros

equipamentos «menos nobres», como os sanitários públicos (em Torres Novas, no

largo central; em Paço de Arcos, no jardim à Avenida do Marquês de Pombal; em

Fig. 95

Lisboa — Viaduto de

Duarte Pacheco em

construção, no vale de

Alcântara: foto Estúdio

Mário Novais

Page 99: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 96

Lisboa — Viaduto de

Duarte Pacheco, no

vale de Alcântara: ed.

Colecção «Dulia»

(bilhete-postal)

Fig. 97

Posto da Polícia de

Viação e Trânsito: in

l 5 Anos de Obras

Públicas

Fig. 98

Vila Nova de Paiva —

chafariz

Fig. 99

Vila Nova de Poiares —

bancos do Jardim

do Comandante

Bernardo Martins

Catarino

Page 100: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 100

Portalegre — o

Miradouro sobre a

Cidade. Projecto do

arquitecto Jacobetty.

Construção da

Comissão de Iniciativa

e Turismo (1938).

Foto de Carlos

Curveta: ed. da

Papelaria, Livraria e

Tipografia Silva,

Portalegre (bilhete-

postal)

Fig. 101

Portalegre — o

miradouro da serra,

pormenor

Oeiras, na rua frente à matriz), com decorativa caixilharia de efeito abstracto e

geométrico em portas e ventiladores; ou ainda como os cemitérios (nos arredores

de Viseu; em São Domingos de Rana), onde até os próprios jazigos participam nesta

euforia estilística do modernismo (como o que se encontra à entrada do Cemitério

de S. Domingos de Rana, do arquitecto Carlos Dias, que assinou o projecto do

Éden construído).

Finalmente, esta linguagem difundiu-se nos jardins públicos, com todo o seu

característico equipamento, sobretudo os coretos ou quiosques de betão nos jardins

municipais de murtas cidades (Figueira da Foz, Aveiro, Coimbra, aqui frente aos

Correios Centrais) e os bancos de costas com desenho em «sol nascente» (Vila

Nova de Poiares) (fig. 99) ou azulejados (Figueira da Foz, Avenida de Espanha,

demolidos em 1980), as fontes cobertas (com caramanchão superior, na curiosa

versão do Entroncamento, no Parque do Dr. José Pereira Caldas), os monumentos

(a Luísa Todi, na Alameda do mesmo nome, em Setúbal; em Vila Nova da

Barquinha e Sintra, estes em homenagem à «Grande Guerra») e os mirantes [com a

panóplia das torres luminosas incorporadas, como no do Estoril, por Jorge Segurado

— depois demolido pela construção da marginal —, ou no da serra de Portalegre,

de Jacobetty, com suave escadório de acesso (figs. 100 e 101)],

Page 101: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 102

Lisboa — antigo Café

Portugal, no Rossio

(actual loja Valentim

de Carvalho): foto

Estúdio Mário Novais

Page 102: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 103

Lisboa — Praça da

Figueira, Sapataria 28

(demolida)

Fig. 104

Figueira da Foz -

Rua de Cândido dos

Reis, n.os 79-81, loja

Novidades Perfumaria

Nally

A divulgação de um gosto — comércio, equipamento e habitação

Se há espaço arquitectónico que tenha sofrido incremento e transformação profunda

nesta época, foi o das lojas comerciais, ajudado pela vaga de novos materiais e pelo

furor de renovação, que implantou um lettering diferente, provocador e apelativo.

As primeiras experiências, ainda dentro do universo do art déco, como a

Sapataria 28, à Praça da Figueira, ou a Papelaria Fernandes, no Largo do Rato (ambas

em Lisboa), que recorriam ao brilho e à transparência dos vitrais e das cores,

sucederam-se obras plenas de exibição de formas abstractas e de tonalidades

berrantes, de impacte reforçado por nomes como A Inovadora, a Farmácia Moderna

(Régua, Rua dos Camilos), ou a Sapataria 28, já demolida, à Praça da Figueira, em

Lisboa (fig. 103), ou mesmo, em plano mais humilde, de simples pintura de fachada,

a Drogaria Progresso, de Sintra (Rua de Heliodoro Salgado).

Podem destacar-se, no plano regional, obras como A Primorosa, de Sines (Rua de

Teófilo Braga), com azulejos e baixos-relevos art déco na fachada, a Loja Rodrigues,

inscrita em prédio antigo do centro sadino, a Galo d'Ouro, brilhante e mundana no

seu mosaico dourado, abrigada nas arcadas dos Estoris, a Nally, perfumaria de sabor

algo «espanhol» na estância figueirense (Rua de Cândido dos Reis, n.os 79-81)

(fig. 104), ou ainda A Óptica, de Braga (Rua de S. Mamede, n.º 13), de divertida

solução gráfica, ou a Cova da Onça, micaelense e cerâmica (em Água de Pau).

E não referiremos as centenas de estabelecimentos mais vulgares que foram a pouco

e pouco definindo um estilo próprio de fazer e apresentar o comércio urbano,

mesmo que reduzidos aos essenciais perfis de ferro laminado e pintado, aos simples

e rectangulares vidros de cada lado da porta e ao soco de mármore escuro (de que

é exemplo uma anónima Drogaria e Perfumaria azul e vermelha na Rua do Vale de

Santo António, Lisboa) que foram conformando talhos e sapatarias, farmácias e

cafés...

Page 103: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 105

Lisboa — loja de

modas Sabóia, Rua

Garrett: foto do

arquivo do atelier de

Jorge Segurado, Lisboa

Page 104: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Há que destacar neste campo alguns autores lisboetas com obras isoladas, como Leo

Wage(?), com o Centro de Novidades, na Praça da Figueira, ou Raul Lino, com o

Stand Opel, na Avenida da Liberdade (sem esquecer a sua Loja das Meias, no

Rossio), ou ainda os irmãos Rebelo de Andrade, com a Casa Quintão, na Rua Ivens,

ao Chiado; e há que referir também verdadeiros «especialistas», como Jorge

Segurado e António Varela [a esplêndida Farmácia Azevedos ou a loja O Século,

ambas no Rossio, a galena UP e o interior da loja de modas Sabóia, ao Chiado

(fig. 105)]; como João Simões, com as suas Casa do Pão de Ló e Casa das Malhas,

também na Baixa alfacinha, e o inevitável Cristino da Silva, com as melhores soluções

[Café Portugal (fig. 102), loja do Diário de Notícias no Rossio). Autores anónimos e

projectistas encartados contribuíram assim, em larga medida e em paralelo, para a

divulgação das novas atitudes estéticas.

Os equipamentos

No domínio dos equipamentos, a situação era idêntica, havendo que destacar,

porém, as obras de iniciativa particular das que foi o próprio Estado a lançar. Um

pequeno equipamento, típico da província, foi o posto dos bombeiros voluntários,

quase invariavelmente constituído por uma simples garagem com fachada de remate

denteado (exemplos na Amadora, estrada de Benfica; Agualva, Rua de Raul de

Almeida, n.° 2; Bucelas, Largo dos Bombeiros Voluntários), e às vezes com uma

simbologia mais ingénua e figurativa anunciando a sua função (Cova da Piedade,

Avenida da Fundação; Ílhavo, Avenida de Manuel da Maia); tornou-se edificação

característica deste período em muitas vilas portuguesas. Garagens particulares

surgiram também, acompanhando as necessidades da expansão automobilística um

pouco por toda a parte: de Guimarães (Avenida do Conde de Margaride, Avenida

de Afonso Henriques) a Serpa (por José Pinto Parreira); do Porto (Passos Manuel,

frente ao Coliseu) a Beja (Bejense, no Largo dos Duques de Beja). Há que juntar os

exemplos lisboetas da Garagem Parisiense (Rua de Andrade Corvo), ou da

Monumental (esta integrada no complexo do Jardim Cinema) (fig, 107), Este último

tipo de equipamento, integrando várias actividades no mesmo edifício, embora não

exclusivo da época, vai ter ampla divulgação, já que as novas possibilidades espaciais

surgidas com o betão armado facilitam a justaposição de actividades. Além do salão

de jogos-cine-esplanada-garagem referido, na Avenida de Pedro Álvares Cabral, com

o interessante jogo de escadas e galerias suspensas ligando o salão ao interior do

próprio cinema (a obra mais interessante de Raul Martins, promissor autor falecido

prematuramente em 1934, autor também da piscina do Hotel Palace da Cúria), há

que referir o conjunto piscinas-sede-Cinema Stadium do clube Sport Algés e

Dafundo, inaugurado em 1930 (Avenida dos Combatentes da Grande Guerra), obra

maior de Raul Tojal, filho do construtor da Vila Berta e que deu nova dimensão

arquitectónica à tradição clubista nacional.

Quanto a cinemas, Raul Martins produzira já um edifício isolado em Lisboa (o

Europa, no local do actual, em Campo de Ourique), em 1930, num desenho artes

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Page 106: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 106

Luso — edifício das

Termas, fonte termal

Fig. 107

Lisboa —

Monumental-Salão de

jogos, Avenida de

Pedro Alvares Cabral

Page 107: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

decorativas «pobre», como em 1931 Vítor Piloto projectara o Paris, à Estrela (Rua

de Domingos Sequeira, n.os 28-30)68; mas só no final da década terá Lisboa o seu

primeiro cinema verdadeiramente «modernista», com o esplêndido projecto de

Rodrigues Lima em Santos: o Cinearte, de 1938.

Ainda outro projecto integrando diversas actividades culturais foi o do Clube Naval

Setubalense, de Paulo Cunha, não construído; as piscinas com formas modernistas

abundaram, de resto, nesta fase, como se patenteia nas obras balneares da Granja e

de Espinho (esta dos arquitectos Eduardo Martins e Manuel Passos)69, nos arredores

do Porto, ou ligadas a estâncias termais, como a do Luso [que Cassiano projectara(?)

«modernista» em 1938, simultaneamente e em anexo com o seu hotel, já de gosto

revivalista]. De referir ainda, no Luso, a interessante remodelação do edifício das

termas (de que autor?), com uma Fons Vitae de grande qualidade plástica (fig. 106).

A assistência contou com numerosas creches particulares, De realçar as de Rogério

de Azevedo, no Porto, como o Abrigo dos Pequeninos, a São Vítor, e o projecto de

Carlos Ramos, só parcialmente realizado, para o Bairro Lopes (Creche de Júlia

Moreira, Rua de Adolfo Coelho), em zona popular e oriental de Lisboa — ambos

edificados em espaços declivosos, de «bons ares» e ampla panorâmica). Este último

autor realizou também um primeiro hospital «modernista» para a Misericórdia de

Cascais (Rua de José M. Loureiro, esquina com a Rua de Francisco de Avilez, em

1933), ainda existente (muito desfigurado), e outras obras para institutos médicos, que

se referirão. Esta foi também a época dos sanatórios, «moda» terapêutica que

deixaria construções imensas em algumas áreas montanhosas, com relevo para a do

Caramulo (com uma densidade de galerias, modernistas e hospitalares como não há

no resto do País), na procura dos «ares limpos» e do isolamento... Perto do Porto,

na serra de Santiago, em Louredo da Serra, a Paredes, as ruínas de um romântico e

Fig. 108

Maceira — escola

primária ECL nas

instalações da antiga

Fábrica Maceira Lys:

in revista Panorama.

n.º 9, 1942

Fig. 109

Lisboa — edifícios da

farte desportiva do

futuro Liceu de D.

Filipa de Lencastre, no

Torel: foto Estúdio

Mário Novais

68 Datas referidas em Os Mais Antigos Cinemas de Lisboa — 1896/1939, por Félix Ribeiro, Lisboa, ed. do

Instituto Português do Cinema, 1978.69 Na revista Arquitectura Portuguesa. n.º 72, Lisboa, Março de 1941.

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mecenático gesto arquitectónico são vestígio de um outro sanatório nunca concluído70,

tal como o grande Hospital-Sanatório de Lisboa da ANT, que nunca chegou a ser

construído, em projecto grandioso de Vasco Regaleira71; a obra mais importante neste

domínio foi talvez a do grande Sanatório de D. Manuel II, do Porto, com os seus

diversos pavilhões de galenas cobertas. Obra conjunta e excepcional no quadro

assistencial é o da fábrica de cimentos de Maceira-Lys, a Leiria, com as suas casas «do

pessoal» e escolas primárias de cuidada execução (fig. 108).

No domínio oficial, o campo dos transportes e das comunicações recebeu o

incremento que a nova dimensão da «velocidade» introduziu: surgiram as torres de

controlo ferroviário da CP, de elegante corpo prismático ou cilíndrico

(Entroncamento, Rossio, Campolide, por Cottinelli Telmo), edificou-se a Estação do

Sul e Sueste, marítimo-ferroviária, ao Terreiro do Paço, ainda de «sabor» déco

(Cottinelli Telmo, 1928); outros exemplos foram a sede da Direcção de Faróis, de

Paço de Arcos, ou ainda as torres de vigilância do tráfego aéreo de Tancos. As

comunicações por rádio, novidade também em expansão na época, consolidaram-se

nos estúdios e nos postos emissores do Rádio Club Português, na Parede (Rua de

João Soares), em projecto de Tertuliano Lacerda Marques, 1936(?), incentivado por

Botelho Moniz e muito importante na propaganda nacionalista da Guerra Civil

Espanhola (fig. 110), e da Emissora Nacional de Radiodifusão, em Barcarena (projecto

de Adelino Nunes e outros, actual posto de serviços radioeléctricos dos CTT), com

seus volumes «secos» e puristas e as simbólicas antenas transmissoras. Pequenos

postos de transformação e da CRGE povoaram também discretamente a expansão

da rede eléctrica, com exemplos cubistas e industriais na Venda Nova (às Portas de

Benfica), em Oeiras (Rua do Conde de Ferreira, n.° 23), ou na Foz (Porto, Rua do

Funchal, esquina com Rua de Gondarém),

70 Projecto do arquitecto Fernando Ferreira, conforme revista Arquitectura Portuguesa e Cerâmica e

Edificação Reunidas, n.° 101, Lisboa, Agosto de 1943.71 Conforme revista Arquitectura Portuguesa, n.° 44, Lisboa, Novembro de 1938.

Fig. 110

Parede — antigo

Rádio Clube

Português: ed. Foto

Paço (bilhete-

-postal)

Fig. 111Vila Franca de Xira

— Avenida de Pedro

Vítor, com o edifício

dos Correios; ed.

Colecção Passaporte

«Loty» (bilhete-

-postal)

Page 109: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

A acção dos Correios e dos Telefones ficou ligada para sempre aos postos regionais

projectados por Adelino Nunes, arquitecto talentoso e inventivo que se dedicou

especialmente a este tema, criando um sem-número de situações arquitectónicas tão

despojadamente modernas como sabiamente integradas nas vilas e cidades onde foram

edificadas. Começou com os edifícios das cabinas telefónicas e dos Correios do Estoril — o

primeiro, ainda para a Anglo-Portuguese Telephone Company, espécie de «arquitectura-sinal»,

volume minúsculo, mas muito evidenciado por uma boa utilização do lettering e do

encastramento dos corpos; o segundo, denso e expressivo aproveitamento de urna esquina

viária em ângulo. Nunes iria em poucos anos construir obras ligeiras e simples [Vila Franca de

Xira, Largo do Dr. Rodrigues dos Santos (fig. 111): Santarém, Largo de Cândido dos Reis], ou

mais elaboradas e complexas (Figueira da Foz, Largo do Jardim Municipal; Leiria, Avenida dos

Combatentes da Grande Guerra, esquina com Rua de Duarte Pacheco; Setúbal, Avenida de

Mariano de Carvalho; Funchal, Avenida Zargo), sempre usando reduzido leque de materiais

(reboco, tijolo vidrado, pedra) e sabendo valorizar arquitectonicamente os acessos

(habitualmente colocados nas esquinas arredondadas) e os remates do edifício (transformados

em encontro de volumes, com torre suportando o pau de bandeira).

O ensino oficial iria receber também urna «nova imagem» arquitectónica, sendo os liceus então

considerados programas tipicamente «funcionais», muito cedo objecto de concursos públicos

para novas instalações (entre 1929 e 1930), nos quais participaram, aliás, muitos arquitectos da

nova geração, ansiosa por se afirmar. Surgiram assim os projectos de Carlos Ramos para o Liceu

de D. Filipa de Lencastre, no Quelhas, Lisboa (do qual só se construiu a parte desportiva,

entregue depois ao INEF), e para o Liceu de Júlio Henriques, de Coimbra (com Jorge Segurado

e Adelino Nunes), posteriormente ampliado; o trabalho de Cristino da Silva para Beja (um bom

projecto, mas que desempenharia papel de «bode expiatório» no final da década, na campanha

antimodernista e pró-portuguesa na arquitectura)72; e, finalmente, o (outro) Liceu de D. Filipa de

Lencastre, de Jorge Segurado e António Varela, já nos finais da década, para o Bairro do Arco

do Cego [aproveitando fundações doutra obra, a pedido de Duarte Pacheco (fig. 109)]73.

Também se pode referir a obra de Edmundo Tavares para o Funchal, mais convencional no

exterior, mas com bons espaços internos (salão e ginásio).

Outras escolas no domínio do ensino superior seriam lançadas nesta fase: o edifício da

Escola Naval do Alfeite, projecto dos irmãos Rebelo de Andrade, de 1938; a Escola

Superior de Farmácia, projecto de Carlos Ramos, não construído (1934); o anexo à

Faculdade de Ciências, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa (por Adelino Nunes), com o

interessante volume de caixa de escadas; e, primordial, o conjunto do Instituto Superior

Técnico, à Alameda de D. Afonso Henriques (Lisboa), obra de Pardal Monteiro, que nela

faz a passagem da linguagem ainda afecta ao art déco para uma «monumentalidade

moderna» que o havia de impor como o arquitecto das obras «arejadas» do regime.

O projecto do IST, complexo de edificações onde se equilibra a tensão entre as

dominantes verticais e espectaculares da composição e a concepção «horizontal» e purista

do espaço, recebeu entre 1927 e 1935 a colaboração de muitos futuros autores, como

Veloso Reis Camelo (nos pavilhões laterais), Rodrigues Lima ou Luís Benavente (escadório),

Fig. 112

Lisboa — Casa da

Moeda, Avenida do

Dr. António José de

Almeida

72 Conforme «A evolução da arquitectura moderna em Portugal — uma interpretação», por Nuno Portas, em

História da Arquitectura Moderna, de Bruno Zevi, Lisboa, Ed. Arcádia, 1973.73 Conforme depoimento de Jorge Segurado ao autor mas a sua obra, inicialmente pensada para escola primária,

teria resultado tão satisfatória para o ministro que este decidiu aproveitá-la antes como liceu, tomando este o

nome da obra de Carlos Ramos no Quelhas, nunca concluída.

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constituindo-se, na época, por assim dizer, em verdadeira escola de projectar o

edifício público (fig. 113)74.

Passando a obras para serviços oficiais, podem referir-se: o Instituto Nacional de Estatística,

do mesmo Pardal Monteiro, trabalho contemporâneo do IST e seguindo a mesma linha

estética; a primeira «geração» das numerosas agências da Caixa Geral de Depósitos,

onde colaboraram Reis Camelo (projecto para Viseu)75, Raul Martins [com a interessante

— e depois desfigurada — obra de Santarém76, no decurso da qual morreu (de 1934

a 1937), além das mais convencionais e certamente anteriores, de Viana do Castelo e

da Póvoa], e João Simões (com a agência construída em Portalegre77, procurando uma

simbologia mais académica); estas Caixas inseriam-se aliás na tradição anterior das filiais

do Banco de Portugal, ainda do tempo da República, mas que continuaram por este

período, usando normalmente uma expressão mais conservadora dentro do gosto art

déco (por exemplo, a da Horta, Açores). Finalmente, deve realçar-se o ex-líbris da

obra modernista oficial da época, a Casa da Moeda, ao Arco do Cego, em Lisboa,

conjunto de indústria e serviços ocupando com sábia diversidade plástica todo um

quarteirão [de Jorge Segurado - António Varela, 1938 (fig. 112)]78. Na área industrial,

João Simões assinaria também uns armazéns frigoríficos à Rocha do Conde de Óbidos,

com certa força plástica (em 1938), como os irmãos Godinho tinham construído anos

antes os de Massarelos, no Porto (mais «movimentados» e abstractos porém),

Outras funções deste tipo, menos habitualmente interpretadas dentro do quadro

modernista, teriam, apesar disso, as suas obras pontuais, provando assim a aptidão

desta arquitectura para servir as mais diversas necessidades espaciais: matadouros (Vila

Nova de Gaia) e mesmo edifícios para câmaras municipais (Barcelos, Alfândega da Fé).

Uma última referência aos abastecimentos, que com os mercados regionais tiveram

significativo incremento nesta fase: de norte a sul, em Valença, Guimarães, Covilhã,

Buarcos, Lourinhã79, Alpiarça (Rua de José Relvas), Coruche (Rua de 5 de Outubro),

Salvaterra de Magos, Portei ou Almodôvar (Rua do 1.° de Maio, de 1937), são disso

exemplos, entre obras mais elementares ou já projectadas por arquitectos.

R habitação

As formas modernas foram envolvendo também, e gradualmente, as arquitecturas de

habitação; já se referiu o papel de Cassiano Branco como propulsionador da

renovação plástica das fachadas do vulgar prédio de esquerdo-direito lisboeta; na sua

senda trabalhará em seguida João Simões, criando-se com o tempo um «estilo» de

prédio de dimensão média, com formas «modernistas» tipificadas, completamente

vulgarizado e logo transmitido ao meio suburbano e de província, adaptável às

situações mais particulares e insólitas, como a «solução ingrata» que a revista

74 Informação conforme o depoimento de Luís Benavente ao autor.75 Conforme revista Arquitectura, Lisboa, n.° 32.76 Conforme revista Arquitectura Portuguesa, n.° 30, Lisboa, Setembro de 1937.77 Conforme revista Arquitectura Portuguesa, n.° 28, Lisboa, Julho de 1937.78 Que Jorge Segurado modulou em planta e onde quis aplicar um revestimento em tijolo vidrado, que

aprendera como excelente para conservação de edifícios públicos na sua então recente viagem aos Estados

Unidos — aplicação que Pacheco reduziu a algumas superfícies por questão de orçamento. António Varela

teria colaborado nas «elevações» dos alçados (cf. depoimento de Jorge Segurado ao autor),79 Este último do arquitecto Pereira da Silva, conforme Arquitectura Portuguesa, n.° 42, Lisboa, 1938.

Também os de Guimarães, Covilhã e Alpiarça foram obras de arquitectos,

Fig. 113Lisboa — Instituto

Nacional de

Estatística, visto do

Instituto Superior

Técnico, Avenida do

Dr. António José de

Almeida: foto Estúdio

Mário Novais

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Arquitectura Portuguesa anunciará em 1937 para «resolver» um lote «impossível»80. As

obras públicas de alcance social, mais raras no uso desta linguagem em tipologia de

prédio colectivo, não deixaram de a experimentar pontualmente, em bairros como o

do alto da Alameda de D. Afonso Henriques (Lisboa), destinado a funcionários da

GNR (projecto de Carlos Ramos?) (fig. 114), ou no chamado Bloco Saldanha, do

Porto (Rua do Duque de Saldanha), de alcance mais operário e iniciativa camarária.

Mas foi no campo das moradias que as formas modernistas se puderam libertar de

constrangimentos e dar «asas» à imaginação criativa: assim o fez Cassiano Branco (na

série de projectos para a Avenida de António José de Almeida, n.os 10, 12, 14 e 24;

ou no caso isolado da Avenida de Columbano Bordalo Pinheiro, demolida), assim o

praticaram outros autores, em áreas socialmente privilegiadas, como o Estoril

(Cristino da Silva, casa própria na Avenida do General Carmona, n.° 4, a Vale

Florido, de 1937; Raul Tojal, a Casa dos Cedros, Rua de Egas Moniz, n.° 14), ou a

Avenida do Marechal Gomes da Costa, no Porto (fig. 115), ou ainda em estudos

para Coimbra (Adelino Nunes) e outras cidades (Viseu, com Rogério de Azevedo).

Mesmo as mais pequenas e anónimas obras exibiam na fachada o simulacro formal

do «moderno», em simples fachas decorativas de ferro losangonais, por todo o país

exibindo o que se julgava ser o sentido do «progresso»..,

Os autores

Habitualmente, as obras que referem os arquitectos mais importantes dos anos de

1920-30 insistem nos nomes dos chamados «cinco grandes», ou seja, Cassiano

Branco, Pardal Monteiro, Cristino da Silva, Carlos Ramos e Jorge Segurado. Seguir-se-á

aqui um método diferente, que, sem diminuir o entendimento da importância do «mestres»,

permita, por um lado, trazer para primeiro plano alguns autores mais esquecidos ou

menos conhecidos e, por outro, referir autores de geração um pouco mais recente e que,

por isso mesmo, permitem um melhor entendimento da nova transformação de valores

Fig. 114

Lisboa — antigo

Bairro GNR, Rua do

Barão de Sabrosa/Rua

de Veríssimo

Sarmento/Azinhaga das

Olaias/Rua de

Domingos Reis Quita,

no alto da Alameda de

D. Afonso Henriques:

foto Estúdio Mário

Navais

Fig. 115

Porto — Avenida

Marechal Gomes da

Costa, n,° 888,

moradia

80 Conforme o número da revista Arquitectura Portuguesa citado na nota 77

Page 114: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

da época (casos de Keil do Amaral ou de Arménio Losa); procurar-se-á ainda desenvolver

mais a referência à obra de autores menos monografados (como Cristino ou Monteiro)

do que o trabalho de arquitectos com obra mais estudada ou já referida amplamente ao

longo deste trabalho (Cassiano, Ramos). Claro que com a designação «autores» se

pretende dar relevo aos agentes de uma obra de primeira plana, seja pela sua coerência e

continuidade no tempo, seja pela realização de projectos de excepção.

Rogério de Azevedo (1898-1983) marcou sem dúvida lugar à parte no quadra das

obras portuenses, logo com uma obra de início (1929), a garagem do Comércio do Porto

(fig. 116), construída nas traseiras da sede deste jornal, igualmente obra sua. Ao

tratamento de gosto «artes decorativas», monumentalizado, da sede, de acordo com o

programa dominante na Avenida dos Aliados, Azevedo opôs na garagem uma

expressão purista tão forte e conseguida como só talvez o Capitólio, de Cristino da

Silva, atingiria em todo o tempo modernista. São de referir também as suas creches,

com destaque para a do jornal portuense referido, na Avenida de Fernão de Magalhães,

onde a escala infantil foi bem entendida, entre volumes e baixos-relevos simbolicamente

«infantis» (fig 118); e a casa própria (na Avenida do Marechal Gomes da Costa, n.° 1385),

muito sóbria. Para o final da década, Azevedo procurava já referências regionais que

tentava «casar» com os volumes e espaços dinâmicos do modernismo, como se vê no

Hotel da Póvoa, mais pesado e decorado, que anuncia as suas posteriores e famosas

pousadas (Marão) e escolas primárias dos Centenários, repetidas como modelo pelo

País fora. Nas primeiras obras, porém, foi continuador «natural» de Marques da Silva.

Manuel Marques (1890-1956) foi o autor de uma das melhores lojas desta época, a referida

Farmácia Vitália, na Avenida dos Aliados (figs. 117 e 119), com notável solução gráfica

de fachada e de interior; e também de uma interessante moradia na Avenida dos

Combatentes (cuja decomposição volumétrica em cilindros sucessivos inspirará Siza Vieira

na Casa Beires, na Póvoa de Varzim), em 1933, com Amoroso Lopes; Januário Godinho

(1910-198?) realizou com o irmão engenheiro os armazéns frigoríficos de Massarelos, com

movimentada solução de gaveto (Alameda de Basílio Teles/Rua de D, Pedro V, de 1932-

38), e um «decorativo» conjunto de habitações em banda (Rua de Marques da Silva,

n.° 131, esquina/Largo do Cruzinho), de 1933. Arménio Losa {1908-198?) realizou o edifício

Fig. 116

Parto — Praça de D.

Filipa de Lencastre,

garagem do Comércio

do Porto (arquitectos

Rogério de Azevedo e

Baltasar de Castra)

Fig. 117

Porto — Farmácia

Vitália, Rua dos

Clérigos, n.os 34-37,

pormenor da fachada

Fig. 118

Porto — creche do

Comércio do Porto,

Avenida de Fernão de

Magalhães, esquina com

Travessa de Carlos Passos

Fig. 119

Porto — Farmácia

Vitália, Rua dos

Clérigos, n." 34-37

Page 115: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

do chamado Pinheiro Manso, na Boavista (fig. 120), de 1936, e um vizinho prédio de

gaveto (com Rua de João de Deus). No primeiro desenhou uma dinâmica articulação entre

os três corpos horizontais, através dos dois volumes da caixa de escada, num conjunto

exemplar, discretamente decorado com baixos-relevos81; no segundo criou ambiguidades

nos planos da «pele» do edifício, através da discreta movimentação dos panos das varandas.

Poderiam ainda referir-se, sinteticamente, Oliveira Ferreira (1885-1957), o autor «primitivo»

da Clínica Heliântea de Francelos (1926-30), antes referida, com uma interessante moradia

geminada na Avenida dos Combatentes (n.os 418-442); ou José Porto, com a casa de

Manuel de Oliveira (Rua da Vilarinha, de 1933)82, já num plano complementar.

Em Lisboa, Pardal Monteiro (1897-1957) foi o arquitecto-engenheiro por excelência: o

autor das obras públicas mais preciosas do regime, o arquitecto que ensinou no Instituto

Superior Técnico, o autor que manejou com mais conhecimento a tecnologia da

construção, mas que as necessidades pragmáticas dessa mesma construção teve de

«sacrificar» algo da sua capacidade inventiva; as suas obras, sempre elegantes, mas nunca

muito arrojadas, puderam ter sempre forte participação de colaboradores, pois se

baseavam num léxico restrito, seguro e apreensível com facilidade — construir bem e

com segurança era certamente uma preocupação sua. Monteiro, de família ligada às

indústrias do mármore, começou bem, com um prédio de 1920 na Avenida da República,

n.° 49, depois Prémio Valmor (em 1923), prédio cuja fachada acusa a transição das

volumetrias «moles» da arte nova para um art déco mais planificado e geométrico; e, na

mesma avenida ou seus arredores, iria realizar nessa década três moradias, das quais a da

Fig. 120

Porto — edifício de

habitação e comércio

Pinheiro Manso,

Avenida da Boavista,

n.° 2460

Fig. 121

Estoril — palacete e

jardins, projecto do

arquitecto Pardal

Monteiro: foto Estúdio

Mário Novais

81 Acontece os autores desta época renegarem hoje as suas obras dos anos 30; em depoimento ao autor

(1976), Arménio Losa considerava o pinheiro manso ainda impregnado de soluções «impuras», projectado

que fora sem uma consciência teórica sólida, que já as suas posteriores obras dos anos 50 teriam sabidoresolver ou evitar — observação feita a partir de uma evidente óptica funcionalista.82 Conforme Nuno Portas, no artigo já citado e publicado na obra de Zevi História do Arquitectura

Moderna, as informações respeitantes aos arquitectos portuenses foram complementadas com duas obras

entretanto saídas: de Manuel Mendes, o artigo «Casa de Serralves — anos 30, o tempo: arquitecto,

construtor da modernidade», in Casa de Serralves, Retrato de Uma Época, Porto, ed. Casa de

Serralves/SEC, 1988; e o catálogo da exposição Arquitectura-Pintura-Escultura-Desenho — Património da

Escola Superior de Belas-Artes do Porto e da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, Porto, ed.

Universidade do Porto, Museu Nacional de Soares dos Reis, Janeiro-Fevereiro de 1987.

Page 116: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 122

Porto — Caixa Geral

de Depósitos, Avenida

dos Aliados

Fig. 123

Lisboa — antiga Ford

Lusitana (local do

actual Hotel Ritz),

Rua Castilho: foto

Estúdio Mário Novais

Avenida de 5 de Outubro, n.os 209-211, ganhará novo Prémio Valmor (1929), em rico

desenho art déco. No mesmo estilo, mas mais luxuoso ainda, é o palacete do Estoril, nas

imediações do Casino (fig. 121). Os seus edifícios públicos desta década exibem idêntica

linguagem, em volumetrias elementares, mas ricamente decoradas com toda a panóplia art

déco — da Estação do Cais do Sodré (1928), em Lisboa, à Caixa Geral dos Depósitos

do Porto (Avenida dos Aliados, com grandioso espaço coberto interior a lembrar a obra

de Terra na Rua do Ouro, ern Lisboa) (fig. 122), ou nos edifícios do Instituto Superior

Técnico e do Instituto Nacional de Estatística, já referidos (estes mais contidos e sóbrios

na decoração, a fazerem a passagem para o purismo mais próprio dos anos 30, apenas

com vagos ressaibos déco), Só na garagem da Ford Lusitana à Rua Castilho (1930)

(fig. 123) Monteiro entrou francamente (e excepcionalmente) em jogos de volumes mais

movimentados, valorizando o efeito de esquina, para logo em 1934-37, com a Igreja de

Fátima (Avenida de Berna/Avenida do Marquês de Tomar) e o projecto da nova sede do

Banco de Portugal na Baixa (que ocuparia o sítio da Igreja de São Julião, em vez da qual

se ergueria, em nova e populosa freguesia, o templo dedicado a Fátima) (fig. 124), retomar

desenho mais conservador e decorado. Este desenho poderia definir-se, aliás, como de

síntese entre as artes decorativas, o eclectismo e o «moderno» — fusão que naturalmente

devia servir bem a exigência do tipo de programa oficial ou oficioso a que se destinava.

Com a colaboração inestimável de Almada Negreiros, Monteiro soube renovar e qualificar

a nova sede do Diário de Notícias (1939, Prémio Valmor de 1940), na Avenida da

Liberdade, e as gares portuárias de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, entrando

já na década de 40 (com possível referência ao modelo da gare marítima francesa de La

Rochelle) defendido contra modelos anacrónicos ou revivalistas, então em começo de

voga, pela linguagem fundamentalmente «técnica» e «neutra» que soube usar.

Cristino da Silva (1896-1976) foi, em certa medida, o oposto de Monteiro: provindo

de família de artistas românticos, afirmados na pintura, talentoso mais do que

esclarecido, foi o autor inventivo e individualista de uma série de obras cuja qualidade

só será comparável à das obras de Cassiano. Bolseiro em Paris e Roma entre 1920-25

(com a pensão Valmor), iria, depois de ganhar a Carlos Ramos as provas de ingresso

em 1933, ser o professor de Arquitectura da ESBAL Entusiasmado com a nova

Page 117: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

«arquitectura moderna» nazi, que Speer trouxe a Portugal em 1941, não soube

garantir uma coerência de linguagem, ao contrário de Monteiro (mais defendido este

pela formação técnica e menor ousadia como projectista), tornando-se o principal

mentor estético da arquitectura oficial dos anos 40. Entre 1926 e 1931, Cristino

realizou o Capitólio, salão de festas com cinema ao ar livre sobre a cobertura (uma

das inovações típicas da época), com grandiosos painéis de vidro em desenho art déco

(fig. 126), cuja mobilidade abria a sala ao exterior. Com os seus «tapetes rolantes»,

constituía novidade mecânico-anquitectónica, que o evoluir da moda cedo sacrificou:

logo transformado em sala de cinema fechada (1933), com foyers laterais a diminuírem

os painéis (1935), em obras ainda controladas, foi no decorrer dos anos 50-60 alvo de

contínuas modificações clandestinas que o desfiguraram. Apesar disso, permanece obra

primeira, e talvez maior, do modernismo lisboeta («simétrica» da garagem de Azevedo

no Porto). Além dos liceus [primeiro prémio em Beja (fig. 125) e em Coimbra —

feminino —, segundo em Coimbra — masculino] do concurso nacional de 1930,

Cristino elaborou em poucos anos uma série de bons e inovadores projectos de

habitação e equipamentos: a casa para Bélard da Fonseca na Avenida de António José

de Almeida, n.° 20 (em 1931, Prémio Eva de 1933), estática, concebida quase como

uma villa romana purista; o prédio da Avenida de Bocage (que Frederico George

considerava o seu melhor projecto, já demolido); o da Rua de Alexandre Braga, n.os 4-6

(sede da empresa Amadeu Gaudêncio, em 1932-33); o da casa própria, no Estoril,

Vale Florido, de 1933-35 (fig. 127); e o do Casino de Monte Gordo, com a famosa

consola em betão virada a sul83. Cristino transbordou também a sua intensa actividade

para outros projectos, uns utópicos, outros nunca realizados, até cerca de 1936: além

dos contínuos estudos para o prolongamento da Avenida da Liberdade através do

Parque Eduardo VII, com grandiosos pavilhões-restaurantes e feéricos «castelos de

água» pelo parque fora, que culminam nesse ano84, executou um estudo para o

83 Era a mais profunda consola em betão até então construída — como Cristino da Silva referia ainda comentusiasmo em depoimento ao autor (em 1971),84 Conforme a revista Arquitectura, n.° 27, Lisboa, 1936; Cristino referia ainda no mesmo depoimento (nota 83)como Keil, ao realizar as obras do Parque Eduardo VII, teria «aproveitado» ou «desfigurado» as suas ideiaspara o mesmo local (Keil realizou de facto, de modo mais «intimista», um programa idêntico de equipamentos)

Fig. 124

Lisboa — desenho

para a nova sede do

Banco de Portugal, na

Rua do Comércio,

Baixa, assinado Pardal

Monteiro, 1937: foto

Estúdio Mário Novais

Fig. 125

Beja — Liceu

Nacional de Beja, Ru,

de Luís de Camões:

foto Estúdio Mário

Novais

Fig. 126

Lisboa — edifício da

Capitólio, no Parque

Mayer: foto do

trabalho realizado

para a cadeira de

História da

Arquitectura

Portuguesa da ESBAL

1981

Page 118: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 127

Estoril — Vivenda

Vale Florido, Avenida

do General Carmona,

n.° 4 [foto com o autor

e proprietário,

arquitecto Luís

Cristino da Silva (e

esposa?)]: foto Estúdio

Mário Novais

Fig. 128

Lisboa — interior do

antigo Café Portugal,

Rossio (actual loja

Valentim de

Carvalho): foto Estúdio

Mário Novais

conjunto desportivo do Jamor e uma espectacular Casa de Repouso para os Inválidos

do Comércio (com Tertuliano Lacerda Marques). Depois da série de lojas dos finais de

30 [o luxuosíssimo Café Portugal (fig. 128)], dedicou-se em pleno ao estudo da nova

Praça do Areeiro, durante o qual a sua linguagem se transformaria profundamente.

Jorge Segurado, que nesta fase trabalharia frequentemente em conjunto com António

Varela, foi revelando uma maior preocupação teórica e um interesse por estudos de

história da arquitectura que o distinguiram dos colegas. Depois da série de lojas já

referidas85, foi à volta da grandiosa Casa da Moeda (1934-48) que toda a sua obra

se articulou, complementada com a do Liceu de D. Filipa de Lencastre, no Arco

Cego (fig. 129)86, de referir ainda a clínica Indiveri Colucci, em Paço de Arcos, de

cuidadosos detalhes (fig. I30)87, ou os pavilhões das Exposições de Nova Iorque e

de São Francisco (1939), já caminhando para uma estética neodecorativa, ou ainda,

em obra seca e despojada, o Lar dos Pobres, das Caldas da Rainha, de 194088. De

António Varela apenas, podem referir-se a ampliação do Hotel das Termas de

Monte Real (fig. 131), bem articulada através do volume envidraçado e cilíndrico, e a

notável fábrica de conservas Algave Exportador, em Matosinhos, infelizmente

demolida, cuja rica diversidade de ângulos, em articulação com o quarteirão, que

preenchia totalmente, recorda a solução da Casa da Moeda (fig. 132) (1938)89,

De Cassiano Branco (1897-1970) já se referiu extensamente a obra principal, virada para

a habitação em Lisboa, bem como os «monumentos» que foram o Éden Cinema, dos

Restauradores (1929-31), e o Coliseu portuense (em 1939) (figs. 133 e 134); de referir

ainda o antigo Hotel Victória, na Avenida da Liberdade, n° 170 (de 1934) — variante,

com inventiva fachada de movimentados volumes, de outros projectos seus para prédios

alfacinhas, desta vez destinada a equipamento (tão convencional em planta como

85 Onde pôde «lançar» a novidade do novo revestimento de chapa metálica aparente nos exteriores, como

referia em depoimento ao autor (1980).86 Conforme a revista Arquitectura, n.° 27, Lisboa, 1936.87 Concebida, a pedido do muito viajado cliente, como um espaço «naval», com «galeria-deck» a toda a

volta da construção [segundo informação da esposa de Colucci ao autor (anos 80)].88 Conforme a revista Arquitectura Portuguesa, n.° 74, Lisboa, Maio de 1941.89 Conforme a revista Arquitectura Portuguesa, n.° 40, Lisboa, Julho de 1938.

Page 119: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 131

Monte Real —

ampliação do Hotel

das Termas de Monte

Real: na revista

Panorama, n.os 15-16,

1943, p. 45

Fig. 132

Matosinhos — desenho

perspectivado de uma

fábrica de conservas:

na revista A

Arquitectura

Portuguesa, n° 40, de

Julho de 1938

Fig. 129

Lisboa — Liceu de D.

Filipa de Lencastre,

Bairro Social ao Arco

do Cego: foto Estúdio

Mário Novais

Fig. 130

Paço de Arcos —

antigo Instituto

Indiveri Colucci, rua

marginal ao caminho-

-de-ferro

Page 120: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 133

Porto — Coliseu, Rua

de Passos Manuel: foto

Alvão, Porto

Fig. 134

Porto — Coliseu, Rua

de Passos Manuel: ed.

de C. Conseil de

Vasconcelos (Tabacaria

Africana), Porto

(bilhete-postal)

inspirada em alçado), bem como a dimensão utópica das propostas de urbanização para

a Costa da Caparica ou para a Cidade do Filme, em Cascais (ambas em 1930) — e a

criatividade transbordante e multiplicadora do Café Cristal, também na Avenida da

Liberdade (em 1942, última manifestação «modernista», demolido). Personalidade instável

e forte («cortou» com as obras e os clientes do Éden e do Coliseu), pouco dado a

compromissos ou delicadezas (de quem se contam histórias ligadas tanto às peripécias da

produção como às aventuras amorosas), sofreu desde os finais da década de 30 a

mutação da linguagem purista (da qual tinha, aliás, uma concepção muito pessoal e quase

«barroca») para a do Estado Novo historicista, de uma maneira quase cruel90.

Carlos Ramos (1897-1969) foi o «mestre» culto e sereno que poderíamos contrapor a

um Cassiano «genial». Todo dedicado ao ensino e ao projecto de equipamentos

assistenciais ou educativos, teve no projecto semiabortado do Liceu de D. Filipa de

Lencastre, ao Quelhas (1929-30), e no Pavilhão de Rádio de Palhavã (1928-33) os seus

expoentes modernistas. Sem esquecer creches, hospitais e escolas já antes referidos, há

que destacar também o conjunto de pavilhões muito «à Gropius» para o Instituto

Navarro de Paiva (de 1931), à Estrada de Benfica [parcialmente construídos (fig. 136)], e

o Bairro Municipal de Olhão/Fuseta (em 1925). Neles, a secura e a «planicidade» dos

volumes, além da subentendida «crença» funcionalista, são a prova clara da interpretação

contida e da procura de simplicidade no projecto (o contrário de Cassiano, se se

quiser). Não se quer dizer que, no campo privado, Ramos não tenha tido obras

notáveis, como a sua primeira, a sede da Agência Havas, na Rua do Ouro, n.os 234-242,

na Baixa (de 1921), com expressão entre um art déco (modernizante na época e no

contexto) e um classicismo referido à vizinha sede do Lisboa & Açores, do seu mestre

Terra (linguagem que, simplificada repetiu num delicado baixo-relevo para um prédio à

Rua de Alexandre Herculano, esquina com Rua de Rodrigo da Fonseca, n.° 101)

(fig. 137); ou como os mundanos Casino e Palácio Hotel de Espinho (ambos em 1929),

conjunto tão marcante naquela cidade [ambos já demolidos (fig. 135)]; ou ainda como

90 Ver catálogo Cassiano Branco, da exposição promovida pela Associação dos Arquitectos Portugueses.

1986, organizada pelos arquitectos Hestnes Ferreira e Gomes da Silva.

Page 121: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 135

Espinho — antigos

cinema e casino: ed.

Colecção Passaporte

(LOTY) (bilhete-

-postal)

Page 122: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 136

Lisboa — antigo Instituto

do Dr. Navarro de Paiva,

Rua de São Domingos de

Benfica, n.° 18 (construído

parcialmente)

Fig. 137

Lisboa — edifício de

esquina da Rua de

Rodrigo da Fonseca,

n.° 29, com Rua de

Alexandre Herculano

Fig. 138

Porto — Instituto

Pasteur do Porto,

Rua dos Clérigos: fotoo J

Estúdio Mário

Novais

Page 123: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

as obras para o Funchal, entre fontanários e o grande sanatório, com curiosas

habitações em banda adaptadas às declivosas artérias da capital madeirense (em optativa

versão «modernista» e «regionalista»). Mas, apesar dessas incursões na vida cosmopolita

[com as referências que são o Bristol Bar (de 1926) e o Café Colonial, das Arcadas do

Estoril (de 1936)], Ramos será lembrado sobretudo pelo sentido didáctico da sua

prática na Escola de Belas-Artes do Porto e pela sua respeitabilidade profissional91.

Keil do Amaral (1910-75), mais novo que os autores referidos, iria ter as suas

primeiras obras já em plena década de 30: celebrado sobretudo pelo Pavilhão de

Portugal na Exposição de Paris de 1937, ou pela primeira obra da gare do Aeroporto

da Portela, de Lisboa [já do início dos anos 40 (fig 139)], é de recordar também o

Instituto Pasteur do Porto, na Rua dos Clérigos, n.° 38 [de 1934, onde interpretou um

«lote gótico» ao modo moderno (fig. 138)]. A sua visão arquitectónica passou pelo

sentido de discrição volumétrica e de integração ambiental, que apreendeu na

arquitectura holandesa contemporânea (de Dudok sobretudo) e que divulgou, de

resto, em obra escrita, atitude rara entre nós. Mas a sua importância e o papel capital

como autor e como actor político verificar-se-iam depois, durante as décadas de 1940-50,

António Couto Martins, que trabalhou ligado ao Município lisboeta, foi também autor

que merece uma referência, quer pelos equipamentos (como o projecto do Mercado

de Eivas), quer, sobretudo, pelas elegantes moradias e prédios que soube construir na

cidade: de destacar as duas habitações no alto da Avenida de Pedro Alvares Cabral

(uma delas, embora desfigurada, existe ainda); a luxuosa Embaixada da Turquia (na

Rua Castilho, com interessante relação com o espaço urbano e impecáveis interiores);

o prédio na esquina da Rua de Alexandre Herculano com a Rua de Rodrigues

Sampaio, n.° 13892; e a casa ao Dafundo, fronteira à linha dos eléctricos marginal.

Utilizando um vocabulário restrito, com preferência pelos volumes salientes em prisma

(as bow-windows em betão), Couto Martins conseguiu obras simples e correctas.

91 Ver catálogo Carlos Ramos — Exposição Retrospectiva da Sua Obra, ed. da Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.92 Ver dados deste edifício na revista Arquitectura, n.° 137, Lisboa, Julho de 1980, no já citado artigo do autor.

Fig. 139

Lisboa — Aeroporto

da Portela de Sacavém:

foto Estúdio Mário

Novais ou Horácio

Novais(?)

Page 124: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Referindo basicamente exemplos dos anos 20-30, sugere-se aqui uma viagem por

um modernismo «português» feito de obras anónimas, de «sabor» ou sentido mais

articulado com as sucessivas tradições locais (nos materiais, nos costumes, nas cores).

De facto, estas tradições foram, de algum modo, «transportadas» para o inovador

desenho do art déco ou do funcionalismo, numa síntese de desenho e de formas

que pouco a pouco alastraram à província... Em paralelo, a inovação estilística foi

também, dialecticamente, modificada por essa mesma tradição.

Page 125: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

O ninho

Percorram-se as lojas: os doces de Amarante (a Lai-Lai, a Casa das Lerias); das

confeitarias às padarias (a Marcoense, plena de cerâmicas geométricas, em Marco de

Canavezes); dos cafés de Braga (o Astória, A Brasileira e a Nova Brasileira) aos de

Viana do Castelo (a Esplanada Girassol 1930); os mercados com pátio em

Guimarães [torreado e escultório (fig. 140)] e em Valença (triangular e boleado).

Observem-se os painéis com baixos-relevos, de granito e de pedra, ao gosto art déco

em prédios de habitação em Viana do Castelo (Rua de Olivença) e em Braga (Rua

de Eça de Queirós, Rua de Júlio Lima) e em lojas (Sapataria Paiva, de Famalicão) e

garagens (a Garagem Avenida, de Guimarães). Veja-se o chafariz de granito

«construído pela Ditadura Nacional, ano VII — 1934» em Carrazeda de Montenegro...

Abunda a cerâmica: na fábrica com pavilhões de frontão denteado Cerâmica Rosa

Alvarães, a Barcelos, em prédios com revestimento de azulejo ou mosaico, na Póvoa

de Varzim [Rua do Tenente Valadim e Rua de José Malgueira (fig. 142)], em painéis

figurados na escola de Lanheses, a Ponte de Lima.

E há as lojas atlânticas [o pavilhão Diana Bar, na praia poveira, a Barbearia Leão e a

Águeda Nocturna, de Viana do Castelo (fig. 141)] e as do interior (a Casa das

Gravatas, vimaranense, demolida cerca de 1979).

Porto e arredores

Na cidade: respire-se um ambiente estético entre os beaux arts e o art déco, na

Avenida dos Aliados (fig. 147), com cúpulas e torreões; vejam-se os grandes blocos

modernistas do Bolhão (Rua de Fernandes Tomás) ou da Cedofeita (Rua de Pedro

Nunes), cinzentos, pesados e de ondulantes pilastras; ou os pequenos edifícios de lote

estreito, com marmoreados (Rua de Mouzinho de Albuquerque), com cerâmicas [Largo

de Alberto Pimentel (fig. 143), Rua de Santa Catarina] e de volumes puristas (Rua de

Casais Monteiro, Rua de Augusto Rosa e Rua de Lima Júnior). Visitem-se os alegres e

«gráficos» equipamentos, luminosos e por vezes decorados em excesso: da Garagem

Passos Manuel (fig. 144) aos Armazéns Cunhas (fig. 145) (passando pelas setas do Ricon

Peres, da Rua de 31 de Janeiro), com «nos» de néon e sobre frágeis pilastras; avance-se

do edifício comercial Alfredo Moreira da Silva e Filhos (Rua de D. Manuel II) ao Teatro

Rivoli, na Praça de D. João l, com baixos-relevos populares e cénicos...

Os arredores: sintam-se fabris e atlânticos com a Fábrica Progresso, 1935, de Espinho,

a Central de Vilar do Paraíso, à Granja, e a Universal, conserveira de Matosinhos; ou

mais «pequeno-burgueses» com os castiços equipamentos e casas desta última cidade

(o talho O Vencedor, da Rua de Brito Capelo, ou uma moradia na Rua de Tomás

Ribeiro); sejam fluviais e populares com o Club Portuense, da doca de Gaia (fig. 146),

ou o Estrela-Cine, de Coimbrões; ou então «chiques» e saudosos com os abandonados

sanatórios de Montalto (a Valongo) e o demolido Hotel Cidnay, de Santo Tirso. Avancem

decididamente suburbanos com o Cine-Teatro Vitória, da Circunvalação, a Fábrica de

Tecidos da Carvalha, a Gondomar, e o delicado portão do palacete de Miramar...

Page 126: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 142

Póvoa de Varzim —

edifício na Rua de José

Malgueira, n.° 16

Fig. 140

Guimarães —

Mercado Municipal

Fig. 141

Viana do Castelo —

loja Águeda, Largo de

5 de Outubro

Page 127: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 143

Porto — edifício no

Largo de Alberto

Pimentel, n.° 23

Fig. 144

Porto — Garagem

Passos Manuel, na rua

do mesmo nome: na

revista Panorama,

n.os 5-6, 1942, página

sem número

Fig. 145

Porto — Armazéns

Cunhas, Praça de

Gomes Teixeira,

n.os 4-22

Fig. 146

Vila Nova de Gaia —

Club Fluvial

Portuense, rua

marginal ao rio,

n.° 108

Fig. 147

Porto — Avenida dos

Aliados: ed. Casa

Emege (bilhete-postal)

Page 128: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 150

Figueira da Foz —

edifício de habitação

na Rua de Bernardo

Lopes

Fig. 151

Coimbra — Fábricas

Triunfo, estrada para

o Porto

Page 129: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

A Beira Litoral

Cinco «núcleos» principais compõem esta densa área, que teve grande

desenvolvimento arquitectónico nos anos 30: um, mais meridional, à volta de Leiria;

outro, envolvendo Coimbra e arredores; outros dois ainda, costeiros, na Figueira da

Foz e à roda da na de Aveiro; e, finalmente, uma área setentrional e interior, da

Mealhada para Arouca, passando pelo Vouga.

As alegres varandas da praia da Vieira, ou as recatadas Termas de Monte Real, dão

o tom de veraneio à área de Leiria, enquanto as solenes fachadas art déco dos

Correios, do Teatro Stephens ou dos Bombeiros, na Marinha Grande, atestam a

importância recente desta cidade. Na região, o geométrico portão da Covina, a

Serração de Madeiras da Batalha, L.da, 1938, ou ainda o já referido conjunto dos

Cimentos Lys, em Maceira, confirmam a sua dimensão industrial. Entre prédios e

lojas, Leiria-cidade tem curiosidades interessantes, como um pórtico de entrada em

parque infantil [Largo de Camilo Castelo Branco (fig. 148)] ou uma fachada do

Laboratório da PSP (Rua do Conde de Ferreira). De referir ainda o cinema de

Pombal, ou as Vias Sacras de Fátima, em sóbrio art déco.

Arredores de Coimbra: vejam-se as Casas da Criança de Figueiró dos Vinhos ou de

Castanheira de Pêra e o antigo Preventório de Penacova (fig. 149), a lembrar Bissaya

Barreto e o Portugal dos Pequenitos (como o pavilhão da Obra Antituberculosa, de

pilares revestidos de «gomos» cerâmicos, tema decorativo sempre presente);

percorra-se Condeixa-a-Nova, com o Mercado Municipal, de 1935, o Cinema

Avenida e alguns prédios de habitação e comércio, a atestarem a única artéria

urbana que cresceu na época (a Rua do Visconde de Alverca).

Percorra-se a Coimbra-cidade, das fábricas [as bolachas Triunfo, do centro e da saída

para norte (fig. 151), as Fundições Gomes Porto], das garagens (Auto-Industrial, na

Rua de Fernão de Magalhães, e Pedros, na Rua da Sofia) e dos abastecimentos e

comércio (o mercado, a Padaria para Todos, na Rua do Brasil, a Casa das

Novidades, da Rua de Ferreira Borges). Veja-se a Coimbra da intromissão modernista

no centro histórico (os Correios e o quiosque fronteiro, o Salão-Restaurante Nicola)

e da desequilibrada expansão habitacional para as colinas (Rua dos Combatentes,

Rua de António José de Almeida, Rua de Guerra Junqueira, Rua de Dias Ferreira).

Visite-se a Figueira da Foz, «espanhola», balnear e festiva, com os equipamentos (o

Centro de Diversões, o Teatro-Parque Cine, a Pensão Café Europa, e a Demétrio),

complementando o Casino e com um sem-número de fachadas habitacionais «super-

art déco» [na Rua de Bernardo Lopes, com «coroa de louros» a encimá-la (fig. 150),

na Rua da Liberdade, com jarrões de cimento adossados (fig. 152)], e, em versão

ainda mais «louca», a Figueira popular e colorida nas casinhas dos arredores [Buarcos

(fig. 153), Lavos, Covas], Isto sem falar nos raros exemplos de «quartel» (Rua de

28 de Infantaria) ou de Igreja Evangélica (Rua das Lamas) ao gosto artes decorativas...

Vislumbre-se a ria: as excêntricas e inventivas moradias à beira da estrada (Vagos,

Ílhavo) atestando a continuidade de uma «casa de emigrante», agora em exibição

«modernista», ou as casas de veraneio da Costa Nova [onde surge uma ousada

Fig. 148

Leiria — Parque

Infantil Tenente-

Coronel Jaime Filipe

da Fonseca, Largo de

Camilo Castelo Branco

Fig. 149

Penacova —

Preventório: ed,

Neogravura, L.da,

Lisboa (bilhete-

-postal)

Fig. 152

Figueira da Foz —

edifício de habitação.

Rua da Liberdade,

n.° 122

Page 130: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

consola em betão no embarcamento da ria, agora abandonado (figs. 154, 155)] e de

Ovar-Furadouro, mais «serenas». Aveiro, cidade com a «avenida das garagens

modernistas» (a Lourenço Peixinho, com a Atlantic, a Central, a Trindade) e dos

curiosos prédios de suave consola encurvada e decorações ondulantes...

Para o interior passe-se pelo edifício dos bombeiros da Mealhada (com torre feita

de planos abstractos); por arquitecturas ligadas ao fenómeno termal [a notável piscina

do Hotel Palace da Cúria (por Raul Martins, 1934) (figs. 156, 157)] e ao da viação

rodoviária, tão importante nesta zona pelos anos 30: as estações de serviço da Cúria,

as oficinas automóveis de Sangalhos, a União Ciclista de Águeda — sem esquecer

curiosos edifícios de habitação igualmente em Águeda (Rua de 15 de Agosto) ou a

fachada torreada do Teatro de Anadia. Pelo Vouga, passem-se as zonas de indústria,

com a fábrica de trigo de Sever-Pessegueiro e a de latoaria em Vale de Cambra, ou

os Automóveis Ford e o Lar dos Pobrezinhos (Oliveira de Azeméis). Veja-se ainda a

sede dos bombeiros e o Ninho da Criança, que complementam as fábricas de

chapéus (Nicolau da Costa), de calçado (Ariosta) e de borrachas (Sanjo) de São

João da Madeira. A insólita escola de Arouca aproxima-nos de uma outra paisagem...

Trás-os-Montes e Beiras — o inter ior Norte

São naturalmente pontuais os exemplos de uma estética modernista, tão conotada

com a sofisticação urbana, nas «longínquas» e rurais paragens transmontanas,

Constituem raros e notáveis exemplos a creche Lactário Maria do Carmo Carmona,

de 1935, em Chaves, o Cinema de Macedo (fig. 159) e o Teatro Mirandelense

(fig. 158), pela adaptação das suas escalas ao pequeno meio de província. Outros

equipamentos, como a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, os Bombeiros de

Carrazeda de Ansiães, a Garagem Transmontana, de Bragança, A Gutenberg (estúdio

fotográfico) ou a Garage Avenida, em Chaves, resumem os signos modernistas a

uma caixilharia mais geométrica, a uma cimalha denteada ou a um lettering mais

Fig. 153

Buarcos — edifício de

habitação no Largo da

Lapa

Fig. 154

Costa Nova de

Aveiro — abrigo de

embarcadouro:

«Jubileu de Salazar»,

in Diário da Manhã,

1953

Fig. 155

Costa Nova de

Aveiro — abrigo de

embarcadouro

Fig. 156

Cúria — Piscina

Praia Paraíso, do

Palace Hotel da Curia

Page 131: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 157

Cúria — Piscina

Praia Paraíso, do

Palace Hotel da Curia:

ed. de Alexandre de

Almeida (bilhete-

-postal)

Fig. 159

Macedo de

Cavaleiros — antiga

Cinema de Macedo,

Rua do

Dr. Luís Olaio

Fig. 158

Mirandela — Teatro

Mirandelense, Avenida

da República: ed. Casa

Fernandes, Avenida da

República, 5,

Mirandela (bilhete-

-postal)

Fig. 160

Chaves — edifício de

habitação art déco

(junto à ponte

romana)

Page 132: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt
Page 133: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 162

Vouzela — Instituto

Marista, junto à

estação de caminho-de-

-ferro

Fig. 161

Castelo Branco —

edifício de habitação e

comércio na Rua de

Sidónio Pais

cuidado. O resto são prédios de severa e pesada fachada art déco, tão granítica

quanto possível [Chaves (fig. 160)], ou lojas timidamente modernas (Macedo de

Cavaleiros, Chaves), com a inesperada Casa Estoril, no Pinhão duriense...

As Beiras prolongam esta severidade, mas com um pouco mais de invenção; nos

equipamentos [há os que se alimentam da paisagem de montanha, como o Colégio

Marista de Vouzela (fig. 162), ou os sanatórios do Caramulo, e os que se instalam

no meio urbano, como o Cine-Teatro da Guarda e o prédio das telecomunicações

de Viseu]; e nos edifícios de habitação, como em Castelo Branco [Rua de Sidónio

Pais (fig. 161)], denteados e antropomórficos, em Viseu (de «aventais», no Largo de

Humberto Delgado), na Covilhã (em boa articulação de esquina, na Rua de Marques

d'Ávila) e sobretudo em Lamego (conjugando com originalidade azulejos e granito

(na Rua de Almacave e na Praça do Comércio). Vejam-se ainda algumas lojas mais

ousadas (Farmácias Félix, em Mangualde, e Higiene, em Castelo Branco; a Casa da

Moda, em Vilar Formoso, e A Moda na Covilhã), as raras indústrias que utilizam

simbólica de progresso (Automecânica da Beira, Castelo Branco) e os inevitáveis e

pétreos «chafarizes de inaugurar» (Vila Nova de Paiva).

Page 134: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 163

Lisboa — vista aérea

sobre o conjunto do

Instituto Nacional de

Estatística e área

envolvente, anos 30

Fig. 164

Lisboa — átrio ele

escada em edifício de

habitação na Rua de

Óscar Monteiro Torres,

n.º 40

Page 135: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 165

Lisboa — traseiras de

prédio de habitação

com marquise, na

zona da Junqueira

Fig. 166

Lisboa — fachada da

loja Ginjinha

Lusitânia, Rua do

Telhal

Lisboa cidade

A Lisboa modernista é a dos novos equipamentos que isoladamente transformaram

os seus espaços urbanos com símbolos discretos de progresso (o monumental

Terreiro do Paço, que recebeu a Estação do Sul e Sueste; a simples Rua da Palma,

quando integrou a Garagem Lys, no Desterro); é a cidade dos novos bairros, Azul,

das Colónias ou da Bélgica, que, mais populares ou mais «burgueses», foram

ocupando corno ilhas antigos lugares de quintas, hortas ou casas saloias — bairros

arrabaldinos primeiro, geradores de cidade depois (fig. 163).

É a Lisboa dos prédios de rendimento correntes, de quatro pisos, com claras e

geométricas pilastras na fachada (ou aventurosas e «gratuitas» varandas de betão e

abstractas «fachas» salientes), e das reflectoras e luminosas marquises (fig. 165) que

preenchem a traseira (convivendo umas com as outras em logradouros atafulhados

de gatos, estendais e couves); e é também a cidade das caixas de escada ornadas de

azulejos déco (fig. 164) (com tectos de estuque imitando o mármore e

«sofismáticos» candeeiros pendurados), encerradas por portas de chapa exibindo

complexo desenho de curvas e rectas...

É, finalmente, a cidade das «tascas» convidativas e frequentes, com balcão de

mármore e paredes de frisos cerâmicos e de degrades geométricos modulados em

painéis (fig. 166). Ou das padarias de caixilharia exterior losangonal e motivos

vegetais no azulejo interior, com encrespado tecto de estuque,

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Lisboa a sul do Tejo

Fig. 167

Setúbal — edifício de

sanitários no cais de

Percorra-se a veraneante e modernista Costa da Caparica, embora aquém da

grandiosa proposta de Cassiano Branco, com o núcleo central articulado à volta do

posto de turismo e do mercado e a feição pequeno-burguesa comprovada pelas

humildes Pensão Santo António (fig. 168) e Hotel Praia do Sol.

Apreenda-se a dimensão colectivista e operária de Almada e da Cova da Piedade,

dada pelos inúmeros equipamentos de utilidade pública (a Escola dos Bombeiros ou

o Teatro da Academia Almadense, as escolas primárias da Rua de Leonel Duarte

Ferreira, ou ainda a Cooperativa Piedense, sempre instalados em eloquentes edifícios

de frontão art déco e volumes puristas); e a ligação umbilical à capital, expressa no

denteado e apilastrado cais de embarque de Cacilhas...

Setúbal merece destaque, com importante faixa de equipamentos dispostos ao longo

dos novos aterros, desde o precursor Mercado de Luísa Todi aos armazéns e

capitanias portuárias, ou ao simples e torreado posto de sanitários (fig. 167) (sem

esquecer o apeadeiro ferroviário do Quebedo, em xadrez cerâmico, ou a Setubauto,

ambos situados nas ligações às estradas do interior). Uma referência ainda às fábricas

dos arredores sadinos (o edifício do refeitório do Outão ou os pavilhões da fábrica

da Sociedade Industrial de Lavradores do Sado); aos prédios de habitação com

alpendre (Morta, Avenida de Teófilo Braga), densos baixos-relevos (Montijo, A Flor

Algarvia), ou pesados efeitos de simetria (Barreiro, Rua do Marquês de Pombal, ou

Sesimbra, Rua de Cândido dos Reis).

Fig. 168

Costa da Caparica —

Pensão Santo António,

na Quinta de Santo

António (Rua de

Almada, n.º 39): ed.

Colecção Passaporte

«LOTY» (bilhete-

-postal)

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Fig. 169

Alhandra — conjunto

de habitações na Rua

de Sousa Martins,

n.os 25-43

Fig. 170

Estoril — Esplanada

do Tamariz: ed.

Colecção «DULIA»

(bilhete-postal)

Fig. 171

Paço de Arcos —

sanitários públicos,

jardim (Avenida do

Marquês de Pombal)

Fig. 172

Sacavém — Sport

Club Sacavenense,

junto ao largo do

coreto

Lisboa a norte do Tejo

São múltiplas as dimensões da península de Lisboa: mundana e balnear, com os

casinos (desde o do Estoril, «internacional» e luxuoso, até ao da Rinchoa, promovido

pelos discretos refugiados polacos do nazismo), com as esplanadas e piscinas de

praia [Tamariz, no Estoril (fig. 170)], com os Socorros a Náufragos (Paço de Arcos),

com as estações de eléctricos da turística linha «de Sintra às Azenhas do Mar»

(Colares) e ainda as rendilhadas casas de férias (Praia das Maçãs). Península também

clubista e operaria [o Desportivo de Paço de Arcos, o Sport Club Sacavenense

(fig. l 72)], com as respectivas fábricas, de Sacavém a Vila Franca (José Olaio, Copam,

Litografia Barrault, MEC de Santa Iria da Azoia) e as camionagens (A Barraqueira, de

Olival Basto). Finalmente, península rural e provinciana, com as decorações em

cachos de uva em fachadas de Arruda dos Vinhos, com a Drogaria de Carcavelos

(na Rua de 5 de Outubro, de 1945, demolida) e ainda os sanitários de Paço de

Arcos (fig. 171), os talhos da Malveira (o Central Número 1 e a Salsicharia Moderna)

e o Matadouro de Sobral de Monte Agraço.

A habitação reflecte este quadro, construindo requintadas e opulentas moradias no

Estoril, Sintra ou Caxias, mais suburbanas em Algés e Dafundo (Rua de Cândido dos

Reis, Avenida dos Combatentes), mais grosseiras e afirmativas no Algueirão e no

Cacem, ou ainda populares e poveiras em Alhandra (fig. 169), Santa Iria, Vila Franca

de Xira e Loures.

Completam este quadro os equipamentos, cuja diversidade vai dos cinemas com

«espírito de cidade» (o espaventoso Carlos Manuel, de Sintra, por Norte Júnior, ou

o simples Cine-Teatro, de Sobral) aos utilitários e «chãos» mercados (Amadora),

bombeiros (Canecas ou Sacavém) e «tasquinhas» (a Estrela do Minho, no Algueirão),

Page 140: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

A Estremadura

Primeiro veja-se a faixa de praias e falésias, com os agregados piscatórios [as

decorações prateadas e salitradas nas fachadas da Nazaré (fig. 175), viradas ao mar e

ocultando prédios que aproveitam os estreitos lotes da malha urbana para aluguer de

veraneio]; ou observem-se os baixos-relevos e cerâmicas dos policromos e humildes

prédios em Peniche. Visitem-se os núcleos de férias (Santa Cruz e as suas cilíndrico-

-prismáticas Vivendas Maria da Graça, ou a Areia Branca com o Bairro Santos,

núcleo de moradias modernistas à volta do pátio); e os núcleos de termalismo

(o Vimeiro, a Torres Vedras, com a curiosa piscina murada).

Depois penetrem-se as industriosas vilas e cidades, desde Torres Vedras, vinícola e

residencial (com o curioso conjunto da sede dos bombeiros e prédio «da cegonha»,

fronteiro; ou com outros e originais alçados de fachas curvas) (fig. 174), passando

pelo Bombarral, agrícola, das garagens e do intenso comércio (a adega Sadias, a

Garage Avenida ou os talhos, alfaiatarias e armazéns). Termine-se nas Caldas da

Rainha, cidade dos equipamentos e dos parques [uma torreada Garagem Capristanos

(fig. 173), um Museu Malhoa], ou em Alcobaça, com decorados prédios de habitação

e comércio e o Teatro de Korrodi...

Fig. 173

Caldas da Rainha —

antiga Garagem

Capristanos, esquina

da Rua elo Coronel

Soeiro de Brito com

Rua de Leão Azedo

Fig. 174

Torres Vedras —

edifício de habitação

na Rua de Carlos

França, n." 33

Fig. 175

Nazaré — edifício de

habitação, Praça do

Dr. Manuel de

Arriago, n.º 5

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Fig. 176

Cernache do

Bonjardim — antiga

garagem da Empresa

de Viação Cernache

(azulejos de Túlio

Vitorino)

Fig. 177

Santarém — Teatro

de Rosa Damasceno

Fig. 178

Almeirim — lagar de

azeite na Rua de

Coruche, n.º 23

O Ribate jo

O «núcleo» à volta de Santarém encerra equipamentos e lojas sofisticadas [na

cidade, o interessante Teatro Rosa Damasceno, às Portas do Sol (fig. 177), a

Peugeot Scalabis ou a Barbearia Elegante, na central Rua de Guilherme de Azevedo]

e também obras características de uma rica região agrícola [o Lagar de Azeite, de

Almeirim (fig. 178), o Mercado de Alpiarça]. Mais a norte, outra área, envolvendo

Tornar (que exibe equipamentos luxuosos, de pequena e próspera cidade de

província, como o Cine-Teatro, de bons interiores, e A Gráfica, com oficinas e

papelaria), inclui, em Torres Novas, uma escultórica central eléctrica (junto ao no

Almonda, no centro da vila); em Cernache do Bonjardim, espaços ligados à

camionagem [a antiga Empresa de Viação (fig. 176)]; e, no Entroncamento, uma

insólita torre (de 1935) com serpenteante escada exterior...

Região de terras «moles», o Ribatejo exibe frequentes revestimentos cerâmicos ou

estucados nas fachadas de habitação (Pontével, Coruche), mostra bairros ou fachadas

que recordam as dos «patos-bravos tomarenses» de Lisboa (Santarém, à Rua do

Prior do Crato, ou Tomar, na Avenida de António da Fonseca), e até inventivas

construções de modernismo quase «vernacular» (em Abrantes, na Rua de Santo

António),

Page 142: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

O Alentejo

No Sul parece haver um «casamento» entre a tradição antiga (dos baixos relevos e

motivos geométricos na decoração da arquitectura, de ascendência presumivelmente

árabe) e as interpretações art déco — modernistas que por aqui se vão encontrando

(mais garridas no Algarve, mais caiadas no Alentejo), Isto é visível sobretudo em

construções mais simples, que exibem algumas características vernaculares

interessantes, como a mutabilidade no tempo, a ingenuidade dos motivos ou a

precariedade das soluções, ajudado também pela «terra do barro» que o Alentejo

sobretudo é, permitindo a fácil modelação da forma e o desfrute do claro-escuro.

Vejam-se as cimalhas denteadas ou «em leque» das casas térreas de São Luís (e das

lojinhas do Cercal, com pavimento cerâmico e «abstracto»); mirem-se as imbrincadas

grelhas de cimento da Vivenda Mana Luísa, no Cercal (fig. 179); revisite-se a cimalha

da pequena habitação de Milfontes, que num ano mudou de cores e de expressão

(figs. 184, 185). São as caiações que dão de facto «sabor» alentejano a uma vulgar

frente de prédio (Castelo de Vide), a uma moradia cubista (Crato) ou a uma

garagem de Odemira. Até uma discreta decoração numa adega do Redondo, ou um

painel de azulejos num prédio de Beja (Rua de Mértola) ganham outra dimensão...

bem como os nomes das lojas, desde a luminosa Adega de Sines (fig. 181) à ocre

Sapataria Moderna, de Santiago do Cacem. O ponto culminante deste «casamento»

pode sentir-se na portentosa cimalha da Garagem Bejense, quase uma escultura

(fig. 180).

Prédios de habitação, num gosto art déco mais sóbrio, surgem em Moura (Rua de

Luís de Camões) ou no Redondo (Praça da República); por vezes apresentam

galenas ou «arcadas» (no Cercal, o edifício do Café Pancadinha, ou na estrada de

saída de Ponte de Sor), numa geometria mais invulgar em Montemor-o-Novo (Rua

de Aviz) e em Niza (ao lado do teatro). Mas é mais corrente as construções

surgirem faiscantes na sua caiação branca [o Centro Comercial de Milfontes; em Beja,

Fig. 179

Cercal — edifício de

habitação e comércio

Vivenda Maria Luísa

Fig. 180

Beja — Garagem

Bejense, Largo dos

Duques de Beja

Fig. 181

Sines — Adega de

Sines, Rua de Gago

Coutinho

Page 143: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 182

Serpa — garagem,

construída por José

Pinto Parreira

(inicialmente para

cinema)

Page 144: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 183

Estremoz — moradia

na Rua do Teatro

Fig. 184

Vila Nova de

Milfontes — edifício

de habitação popular

na Rua de Vicente

Ferreira, n.º 6 (antes

de 1981)

Fig. 185

Vila Nova de

Milfontes — edifício

de habitação popular

na Rua de Vicente

Ferreira, n.° 6 (pintura

em 1981)

na Rua do Forno; em Odemira e em Campo Maior, em casas frente aos jardins; e

em Estremoz, na Rua do Teatro (fig. 183)].

Moradias mais «abstractas» e «eruditas», com os típicos corpos cilíndricos, surgem

também pela região alentejana, embora de forma pontual: em volume destacado, na

Rua de Mértola (Beja), com esmerado átrio de entrada (e na série da Avenida de

Vasco da Gama); em conjunto muito «lisboeta», na Avenida da Estação, em Évora;

e, finalmente (único projecto de autor identificado), numa obra «paladiana» de

engenheiro algarvio, fronteira a Vila Nova de Milfontes, na foz do no Mira, com

pavimentos em «estrela de vidro» e falsos marmoreados nas paredes...

Os equipamentos distribuem-se de modo esparso por esta vasta província, quase

sempre confinados ao espaço urbano: um elegante hospital de desenho art déco, no

extenso terreiro de Ponte de Sor, um sóbrio Sport Nisa e Benfica e uma elegante e

metálica fachada da H. Vaultier em Beja são temas isolados. Mais correntes são os

mercados (em Almodôvar, compacto, ou em Portel, aberto e linear), os cinemas

(Cine Parque Esperança, em Serpa, ao ar livre; o Vasco da Gama, de Sines; ou ainda

em Ponte de Sor), e as garagens [a já referida de Serpa (fig. 182), ou a

Automecânica, de novo em Ponte de Sor].

Deve fazer-se ainda uma referência ao típico café meridional (em Portalegre, o

Alentejano; e em Évora, o Arcada, na Praça do Geraldo), bem corno às granjas e

fábricas isoladas (a herdade Euroflor de Pegões; a fábrica de Palma, na estrada para

Alcácer), pontuadas por cilindros brancos e extensos volumes caiados...

Page 145: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 186

São Bartolomeu de

Messines — edifício de

habitação na Rua de

João de Deus, n.º 115

Fig. 187

Praia da Rocha —

Grande Hotel da

Rocha: ed. de Jeremias

J. P. Bravo, Praia da

Rocha (bilhete-

-postal)

O Algarve

Aqui são mais eclécticas as cores e mais delicados os pormenores, por comparação

com o Alentejo: o desejo modernista vê-se de novo nas platibandas [São

Bartolomeu de Messines (fig. 186)], nas fachadas (em Olhão, Rua de João de Deus,

Rua de Cândido O Ventura; em Loulé, Rua de Portugal) e nas lojas (Casa Argentina,

Olhão).

O turismo, que já se foi desenvolvendo por esta época na faixa costeira, exprimiu-se

de forma ainda discreta e quase ingénua: no romântico Grande Hotel da Praia da

Rocha, casarão de subtis contornos art déco (fig. 187), ou nas inventivas e miniaturais

casinhas de férias, em Monte Gordo e na Praia da Rocha (fig. 188).

Nas cidades devem destacar-se: o núcleo de equipamentos em Portimão (o cinema

maior, Cine Parque, Café Cine, quiosque e Capitania, ao Largo do Dique); o

conjunto de habitações de Faro (Rua de João de Deus e Rua Justino Cumano); e as

fábricas e bairros operários de Olhão/Fuseta. Olhão regista nesta época o maior

incremento de edificações, em toda a província. Ainda de referir ocasionais edifícios

de habitação e comércio [Portimão, Praça da República (fig. 189)], ou de lojas (a

Casa Dias; em Tavira, de divertido lettering).

Page 146: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 188

Praia da Rocha —

moradia Mirante,

Avenida Marginal

Fig. 189

Portimão — edifício

de habitação e

comércio na Praça da

República, n.º 18

Page 147: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 190

Funchal — pátio do

Mercado dos

Lavradores, Rua de

Fernão Ornellas

Fig. 191

Funchal — edifício

dos Correias, Avenida

Zargo

As ilhas — a Madeira

Na ilha, as manifestações modernistas resumem-se praticamente ao Funchal e aos

arredores e são dominadas pela obra maior de Edmundo Tavares: o Mercado dos

Lavradores (fig. 193), que remata a Avenida Ornellas — expansão viária principal da

época — com uma inventiva diversidade de volumes torreados e de espaços

interiores [com destaque para o pátio e a lota (fig. 190)] e que ocupa todo um

quarteirão; é ainda de referir o Liceu Jaime Moniz, menos interessante, mas

igualmente concebido com largueza (sobretudo o salão de festas e os átrios), e o

grandioso sanatório dos arredores, a lembrar os melhores do Caramulo, e o falhado

projecto de Carlos Ramos para essa finalidade; os Correios, de Adelino Nunes, na

avenida modernista mais central, a Avenida Zargo [já referidos, com grande «força»,

no desenho sóbrio da fachada simétrica (fig. 191)] e a fábrica Casa Leacock, à

Avenida do Infante, vasto e convencional edifício, suporte da indústria dos bordados.

Além destes projectos maiores, devem assinalar-se os prédios dispersos, como os do

actual Turismo, o dos fotógrafos Perestrellos, ou o do Café Apoio, centro de

convívio ribeirinho por excelência. No resto da cidade encontram-se as lojas

sofisticadas, típicas do meio insular [exemplo, a Mimo, na Avenida Zargo (fig. 192)],

as moradias timidamente modernas da Avenida do Infante (sempre com um telhado,

a disfarçar os «excessos» modernos da cobertura em laje de betão), os chafarizes de

pedra vulcânica envolvendo azulejos...

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Fig. 193

Funchal — Mercado

dos Lavradores, Rua de

Fernão Ornellas

Fig. 192

Funchal — loja

Mimo, Avenida Zargo

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Fig. 195

Horta, Faial —

Sociedade Amor da

Pátria, interior

Fig. 194

Furnas de São

Miguel — Hotel Terra

N ostra, entrada

Outras ilhas — os Açores

Neste arquipélago, é a ilha de São Miguel a que mais evidencia o legado modernista,

e, se isso se deve, por um lado, à sua tradicional primazia, relaciona-se, por outro, e

sobretudo, com um «caso» muito especial, o da acção do Eng.º Manuel António de

Vasconcelos, técnico culto e viajado, aguarelista e músico, que, interessado na

arquitectura, construiu de tudo um pouco, centrando a sua actividade à volta da

Sociedade de Turismo Terra Nostra.

Em primeiro lugar deve citar-se o esplêndido Hotel das Fumas, caso único no País,

ainda hoje conservado quase impecavelmente, de interiores concebidos até ao

mínimo pormenor com as melhores madeiras e estuques (figs. 194, 197 e 198);

depois, a remodelação do fronteiro Casino (de 1937), a loja de Informações-

-Turismo, em Ponta Delgada (de 1934), e as decorações da Exposição Industrial das

Fumas. Assim terá o Eng.º Vasconcelos sonhado o modernismo açoriano na sua terra

mais «exótica» — as Furnas — e ligado ao tema adequado a alimentar o progresso

na região — o do turismo,

Além destes trabalhos há ainda a assinalar, de sua autoria, a casa própria, na Avenida

de Gaspar Frutuoso, e a inovadora Barbearia Gil — mármore rosa sobre uma

esquina de solar tradicional e basáltico (fig. 196), ambas em Ponta Delgada; e, em

Angra, na ilha Terceira, o banco do Montepio, onde soube valorizar uma esquina da

Rua da Sé (hoje o Banco Português do Atlântico). Além destas obras, em São

Miguel, o mais são os azulejados e sóbrios Balneários Municipais, o Jardim Antero de

Quental (ambos em Ponta Delgada), os Lacticínios do Loreto (na Povoação) e

esparsas lojas e moradias (Água de Pau, Furnas)...

No restante arquipélago, é o clube Amor da Pátria, da Horta (no Faial) (fig. 199),

que se segue em importância, com a sua generosa aplicação de mármores e

estuques em monumental art déco, a sua sala de sessões de esplêndidos vitrais e

lustres (fig. 195), com jardim de Inverno delicado e íntimo. Nas outras ilhas, as obras

modernistas são muito pontuais: o Café Atlântida, de Vila do Porto (Santa Maria),

uma moradia em Santa Cruz das Flores, uma fachada no Pico...

Page 152: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 196

Ponta Delgada —

Barbearia Gil

Fig. 197

Furnas de São

Miguel — Hotel Terra

Nostra: foto Nóbrega,

Ponta Delgada

Fig. 198

Fumas de São

Miguel — Hotel Terra

Nostra, desenho aguarelado

do Eng.º António de

Vasconcelos

Page 153: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Fig. 199

Horta, Faial —

Sociedade Amor da

Pátria

Page 154: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

Agradecimentos 5

Introdução 6

E V O L U Ç Ã O T É C N I C A E A R T Í S T I C A

NOVOS MATERIAIS E TECNOLOGIAS 10

O ferro 1 1

As primeiras obras 12

À volta de 1890 — o ferro «urbaniza-se» 14

O ferro em plena arquitectura da cidade 15

A decadência 21

Uma síntese 23

O betão armado — os primórdios 25

Os anos 20 — «a arquitectura de betão» 27

A charneira de 1929-30 28

Os outros materiais — vidro, plástico, luz 33

O PERCURSO ESTILÍSTICO 36

A arte nova 37

A moda e as lo|as 38

O azulejo, «alma» da arte nova portuguesa ., 38

Casas, ambientes e exotismos 41

Pormenores, materiais e interiores 42

Fábricas e garagens 43

Uma arte nova portuguesa? 44

Vulgarização e rarefacção da arte nova — transição para o art déco 46

Estilo «artes decorativas» — o art déco 51

A génese 52

Caracterização 54

Formas e matenais 57

Do primeiro «moderno» ao advento do nacionalismo 63

Génese em Portugal 63

Linhas dominantes 64

A habitação 67

Aproximação do nacionalismo relações com a arquitectura 69

ÍNDICE

Page 155: José Manuel Fernandes - Arquitectura Modernista Em Portugal 1890-1940 - Pt

A EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE E A A R Q U I T E C T U R A

DA MONARQUIA À REPÚBLICA 72

Desenvolvimento urbano, instituições, utopias 73A era dos equipamentos 77Os autores 81

O ESTADO NOVO — DAS OBRAS PÚBLICAS À VULGARIZAÇÃO DE UMA NOVA ESTÉTICA 86

A arquitectura e a ideologia — da propaganda às exposições 87

Símbolos e concursos 91

A «arquitectura efémera» 93

O urbanismo 94

As «obras» — das pontes e viadutos ao mobiliário urbano 101A divulgação de um gosto — comércio, equipamento e habitação 105

Os equipamentos 107

A habitação 115

Os autores 1 1 6

O M O D E R N I S M O E M P E R C U R S O R E G I O N A L

O Minho 129Porto e arredores 129A Beira Litoral 133Trás-os-Montes e Beiras — o interior Norte 134Lisboa cidade 139Lisboa a sul do Tejo 141Lisboa a norte do Tejo 143A Estremadura 144O Ribatejo 145O Alentejo 146O Algarve 149As ilhas — a Madeira 1 5 1Outras ilhas — os Açores 155