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29 QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 21, MAIO 2005 Recebido em 12/9/03; aceito em 27/4/05 E xiste uma limitação objetiva na capacidade dos alunos que iniciam o estudo de Química nos ensinos Fundamental e Médio em reconhecer, em nível microscópico, o caráter descontínuo da matéria e de suas entidades constituintes. Neste sentido, a expressão entidade constituinte abrange tanto as molé- culas, ou seja, agregados de átomos que têm existência independente, quanto as entidades que, na subs- tância, são indistinguíveis e são defi- nidas por uma relação mínima entre átomos e/ou grupos de átomos (Rocha-Filho et al., 1988). Esse problema de aprendizado se deve à dificuldade, por parte dos es- tudantes, de visualizar corretamente o mundo microscópico e à ausência de referenciais que os ajudem nesse esforço de abstração. As conseqüên- cias, que incluem problemas em en- tender os conceitos de átomo e ele- mento químico e em distinguir corre- tamente entre substâncias simples e compostas, se arrastam durante as séries seguintes do Ensino Médio. O uso de estruturas simples e de baixo custo feitas de miçangas de cores e tamanhos diferentes pode represen- tar um recurso valioso para superar esse impasse. José Roberto Caetano da Rocha e Andrea Cavicchioli Este trabalho apresenta uma alternativa de procedimento pedagógico para trabalhar os conceitos: átomo, molécula, elemento químico, substância simples e substância composta. Esse procedimento foi realizado para turmas da primeira série do Ensino Médio de uma escola pública paulistana. Também são comentados os resultados das avaliações realizadas para quantificar o grau de conhecimento que os alunos conseguiram reter após a utilização do referido procedimento pedagógico. ensino de Química, procedimento pedagógico, motivação do aprendizado no Ensino Médio Via de regra, a constituição da matéria é abordada no final do Ensino Fundamental e no começo do Ensino Médio, a partir da observação e da descrição de fenômenos associados à ocorrência de reações químicas. Inevitavelmente, po- rém, o enfoque aca- ba por ser transferi- do, mais ou menos rapidamente, para o nível microscópico, e o aprendizado é logo construído em cima de um forma- lismo e de uma lin- guagem simbólica e matemática, com amplo uso de fórmu- las, estruturas, nú- meros e equações. Essa prática constitui um proble- ma sério na possibilidade efetiva dos discentes de acompanhar esta disci- plina, devido às seguintes razões (Bem-Zvi et al., 1987): a natureza abs- trata e não intuitiva dos conceitos envolvidos, incompatível com o cará- ter eminentemente sensorial do aprendizado dos estudantes nessa faixa etária; a necessidade de inter- ligar os diferentes níveis de visão da realidade examinada, a saber, mi- croscópico e macroscópico; e, por fim, a linguagem e a simbologia utilizadas que, desenvolvidas por (e para) profissionais já familiarizados com tais conceitos, demandam muitas vezes um esforço comple- mentar na aquisição de códigos de leitura cuja ignorância blo- queia o fluxo de comunicação entre o discente e suas fon- tes (livros, professo- res). Foi observado (Gabel et al., 1987) que a fraca percep- ção da natureza cor- puscular e descontí- nua da matéria se arrasta ao longo do percurso educa- cional, prejudicando a compreensão de noções subseqüentes (reações químicas, mudanças de estado e leis dos gases, relações estequiomé- tricas e as propriedades das solu- ções). Por essa razão, a pretensão de aproximar os alunos dos conceitos relacionados às entidades constituin- tes da matéria, através das definições encontradas nos livros didáticos do Ensino Médio, esbarra com a dificul- Abordagem alternativa no aprendizado de conceitos químicos Os alunos que se iniciam no estudo da Química têm dificuldade em reconhecer, em nível microscópico, o caráter discontínuo da matéria. Isso se deve à dificuldade deles de visualizar corretamente o mundo microscópico e à ausência de referenciais que os ajudem nesse esforço de abstração

José Roberto Caetano da Rocha e Andrea Cavicchioli

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 21, MAIO 2005

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Recebido em 12/9/03; aceito em 27/4/05

Existe uma limitação objetiva nacapacidade dos alunos queiniciam o estudo de Química nos

ensinos Fundamental e Médio emreconhecer, em nível microscópico,o caráter descontínuo da matéria ede suas entidades constituintes.Neste sentido, a expressão entidadeconstituinte abrange tanto as molé-culas, ou seja, agregados de átomosque têm existência independente,quanto as entidades que, na subs-tância, são indistinguíveis e são defi-nidas por uma relação mínima entreátomos e/ou grupos de átomos(Rocha-Filho et al., 1988).

Esse problema de aprendizado sedeve à dificuldade, por parte dos es-tudantes, de visualizar corretamenteo mundo microscópico e à ausênciade referenciais que os ajudem nesseesforço de abstração. As conseqüên-cias, que incluem problemas em en-tender os conceitos de átomo e ele-mento químico e em distinguir corre-tamente entre substâncias simples ecompostas, se arrastam durante asséries seguintes do Ensino Médio. Ouso de estruturas simples e de baixocusto feitas de miçangas de cores etamanhos diferentes pode represen-tar um recurso valioso para superaresse impasse.

José Roberto Caetano da Rocha e Andrea Cavicchioli

Este trabalho apresenta uma alternativa de procedimento pedagógico para trabalhar os conceitos: átomo,molécula, elemento químico, substância simples e substância composta. Esse procedimento foi realizado paraturmas da primeira série do Ensino Médio de uma escola pública paulistana. Também são comentados osresultados das avaliações realizadas para quantificar o grau de conhecimento que os alunos conseguiram reterapós a utilização do referido procedimento pedagógico.

ensino de Química, procedimento pedagógico, motivação do aprendizado no Ensino Médio

Via de regra, a constituição damatéria é abordada no final do EnsinoFundamental e no começo do EnsinoMédio, a partir da observação e dadescrição de fenômenos associadosà ocorrência de reações químicas.Inevitavelmente, po-rém, o enfoque aca-ba por ser transferi-do, mais ou menosrapidamente, para onível microscópico,e o aprendizado élogo construído emcima de um forma-lismo e de uma lin-guagem simbólica ematemática, comamplo uso de fórmu-las, estruturas, nú-meros e equações.

Essa prática constitui um proble-ma sério na possibilidade efetiva dosdiscentes de acompanhar esta disci-plina, devido às seguintes razões(Bem-Zvi et al., 1987): a natureza abs-trata e não intuitiva dos conceitosenvolvidos, incompatível com o cará-ter eminentemente sensorial doaprendizado dos estudantes nessafaixa etária; a necessidade de inter-ligar os diferentes níveis de visão darealidade examinada, a saber, mi-

croscópico e macroscópico; e, porfim, a linguagem e a simbologiautilizadas que, desenvolvidas por (epara) profissionais já familiarizadoscom tais conceitos, demandammuitas vezes um esforço comple-

mentar na aquisiçãode códigos de leituracuja ignorância blo-queia o fluxo decomunicação entre odiscente e suas fon-tes (livros, professo-res).

Foi observado(Gabel et al., 1987)que a fraca percep-ção da natureza cor-puscular e descontí-nua da matéria se

arrasta ao longo do percurso educa-cional, prejudicando a compreensãode noções subseqüentes (reaçõesquímicas, mudanças de estado e leisdos gases, relações estequiomé-tricas e as propriedades das solu-ções).

Por essa razão, a pretensão deaproximar os alunos dos conceitosrelacionados às entidades constituin-tes da matéria, através das definiçõesencontradas nos livros didáticos doEnsino Médio, esbarra com a dificul-

Abordagem alternativa no aprendizado de conceitos químicos

Os alunos que se iniciam noestudo da Química têm

dificuldade em reconhecer,em nível microscópico, o

caráter discontínuo damatéria. Isso se deve àdificuldade deles de

visualizar corretamente omundo microscópico e àausência de referenciais

que os ajudem nesseesforço de abstração

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 21, MAIO 2005

dade de realizar a transição entre osníveis macro e microscópicos no pri-meiro contato com a disciplina. Afir-mações como as de que molécula é“[...] a menor partícula que mantémas propriedades características dasubstância química [...]” ou “a uni-dade fundamental das substâncias”,independentemente do fato de seremou não conceitos corretos, podem in-duzir a visualizar a molécula comouma amostra em miniatura do mate-rial eventualmente usado comoexemplo (uma microgota de mercúrioou um microgrão de metal – Bem-Zviet al., 1986). Além disso, deixam dedestacar a efetiva estrutura das molé-culas que, como foi visto, é impres-cindível para promover, numa fasesucessiva do curso, o entendimentodas transformações físicas e quími-cas da matéria. Pior ainda é o casodas definições de átomo, que deveriaser figurado como um “tijolo” da es-trutura molecular e é, em vez disso,definido ambiguamente como “amenor partícula que caracteriza umelemento químico” (mesmos auto-res), sendo que depois o elementoquímico é definido como “conjuntode todos os átomos que possuem omesmo número atômico” ou “conjun-to de átomos quimicamente iguais”.

Com o intuito de buscar soluçõesque facilitassem a compreensão inte-grada dos conceitos químicos nostrês níveis (macroscópico, microscó-pico e simbólico), várias pesquisasforam realizadas, como sumarizadopor Wu et al. (2001), e diversasabordagens propostas, inclusive ouso de meios informáticos e demodelos concretos, ambos comresultados muito satisfatórios.

De maneira análoga, no trabalhoaqui apresentado, propôs-se o usode miçangas de cores e tamanhosdiferentes montadas em estruturaspara representar as entidadesconstituintes das substâncias. Trata-se de um recurso de baixo custo efacilmente acessível que foi utilizadoem um programa-piloto para prepa-rar os alunos do primeiro ano do Ensi-no Médio para os conceitos básicosdo estudo da matéria. Essa aborda-gem, que também parece apropriadapara os estudantes do último ano do

Ensino Fundamental, tem, além domais, a vantagem de trazer para asala de aula o elemento lúdico – cujovalor está bem destacado, porexemplo, em trabalhos de Dewey(1952), Claparède (1973), Piaget(1973) e Leif e Brunelle (1978) –, alémde ser uma oportunidade para diver-sificar a atividade didática, o que, nanossa experiência, é fundamentalpara um maior envolvimento dos alu-nos no processo de aprendizagem.

MetodologiaUtilizando miçangas de cores e

tamanhos diferentes (na faixa de 1 a12 mm de diâmetro), forammontados os arranjos atômicos deN2O5, N2H4, H2SO4, N2, O3, HNO3, S8,NaOH, Na2CrO4 e Na2Cr2O7 (Figura1), escolhidos porserem normalmenteencontrados du-rante o curso inicialde Química. Nestaetapa, olhou-separa o conceito deentidade constitui-nte da matéria,como definido noinício deste texto,independentemente do fato de setratar de entidades moleculares (ossete primeiros arranjos) ou não (ostrês últimos). De qualquer forma, ze-lou-se por diferenciar entre ligaçõescovalentes simples, duplas (p. ex.,em O2) e triplas (N2) e ligações decaráter iônico (p. ex., em NaOH) oucoordenada (H2SO4).

As miçangas foram unidas porum fio de nylon do mesmo tipousado em equipamentos de pescae, para impedir que escorressem

livremente pelo comprimento dalinha (10 mm), cada uma delas eraamarrada ao fio por uma voltaexterna que terminava com um nó.Em particular para os três tipos deligações covalentes, um fio incolorfoi feito passar uma, duas ou trêsvezes, ao passo que as ligaçõesiônica e coordenada foram sinali-zadas mediante fio colorido ouentrelaçado, respectivamente. Nopresente trabalho, a seleção dodiâmetro das miçangas foi feitacom base na ordem relativa denúmero atômico dos elementos porelas representados, isto é,H < N < O < Na < S < Cr. Essaescolha, que evidentemente nãoreflete o efetivo tamanho dos áto-mos, qualquer que seja o critério

para definir este ta-manho, foi pensadapara fornecer, comoparâmetro de orde-nação, a posiçãodos elementos naTabela Periódica, ouseja, uma caracte-rística (o número deprótons) que logo osalunos iriam apren-

der e utilizar com certa freqüência.A oportunidade dessa opção podeser questionada em virtude daobservação de que os estudantesseriam assim levados a entenderque o número atômico se refletesempre no tamanho. De qualquerforma, nada impediria que a atribui-ção das miçangas fosse feita emfunção do tamanho relativo dosraios covalentes dos elementos porelas representados, isto é,H < N < O < S < Cr < Na.

Abordagem alternativa no aprendizado de conceitos químicos

Figura 1: Entidades constituintes utilizadas na atividade.

Miçangas de cores etamanhos diferentes

montadas em estruturasforam usadas para

representar as entidadesconstituintes das

substâncias. Trata-se de umrecurso de baixo custo e

facilmente acessível

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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 21, MAIO 2005

Evidentemente, as peças monta-das da maneira descrita eram flexí-veis e sua estrutura somente podiaser evidenciada depois que fossemesticadas, o que envolvia a partici-pação ativa dos alunos e um certograu de manuseio.

As atividades foram realizadas se-qüencialmente segundo o esquemaque segue.

Passo 1Os alunos de uma mesma sala fo-

ram divididos em grupos de três ouquatro componentes e, em seguida,cada grupo recebeu um kit com as10 estruturas de miçangas (nesta fa-se, designadas simplesmente de“peças”).

Passo 2Escreveu-se no quadro-negro es-

tas questões:1. Quantas peças vocês rece-

beram?2. Indique quantas miçangas exis-

tem em cada peça.3. Indique, por cor, a quantidade

de miçangas existente em cadapeça.

4. Faça um esquema, utilizandocores, para mostrar cada peça.

A seguir, os alunos foram informa-dos de que dispunham de cinco mi-nutos para propor uma resposta paraesses quesitos.

Passo 3Com base nas respostas ao ques-

tionário, estimulou-se uma discussãoespecificamente sobre os tamanhose as cores das miçangas. As infor-mações que os grupos levantaramforam cruzadas e finalmente ano-tadas na lousa. Mediante giz colorido,reproduziu-se as mesmas cores dasmiçangas, sendo que em nenhummomento foram utilizados os termosmolécula, entidade constituinte, áto-mo, elemento químico, substânciasimples ou substância composta.

Passo 4Na fase sucessiva, os grupos fo-

ram informados que cada miçangateria um símbolo e que eles deveriamsubstituir a cor das miçangas pelo

símbolo nas representações dessaspeças. Concedeu-se cinco minutospara realizar esta tarefa e, em se-guida, a mesma transposição foi feitanas estruturas desenhadas na lousa.

Passo 5

A esta altura, as miçangas come-çaram a ser denominadas de átomose as peças de entidades consti-tuintes, indicando que em algunscasos esses constituintes são deno-minados de moléculas. Em uma eta-pa posterior, poderá se apontar paraa diferença entre unidades que te-nham existência independente eaquelas que na estrutura da substân-cia são indistinguíveis (eventualmentepedindo para os alunos montarem ar-ranjos reproduzindo retículos crista-linos). Pediu-se para os alunos verifi-carem a quantidade de átomosexistentes em cada um desses cons-tituintes (oito átomos no caso da enti-dade n. 1; três átomos no caso daentidade n. 2 etc.). Chamou-se agoraa atenção para o fato de que todasas entidades constituintes eram for-madas por átomos (miçangas) e que,como se podia observar, havia tiposdiferentes de átomos. Assim, pediu-se para que os alunos calculassemquantos átomos existiam em cadaum dos constituintes, evidenciandoque uma determinada entidadeconstituinte contém certa quantidadede átomos, podendo não ser igual aonúmero de tipos de átomos. Destaforma, foi apresentado o conceito deelemento químico como tipo deátomo caracterizado por um númeroatômico específico (cor e tamanho nocaso das miçangas) (Tunes et al.,1989). Contudo, apontou-se que osátomos, apesar de apresentaremefetivamente tamanhos diferentes,não têm cor. A assimilação dessasidéias foi reforçada repetindo as duasperguntas anteriores de uma só vez:“Quantos átomos e quantos elemen-tos tem cada entidade constituinte?”,o que fazia os alunos perceberem adiferença entre esses dois conceitos.Esta etapa conclui-se com a intro-dução das fórmulas sintéticas NaOH,O3 etc. em lugar das fórmulas estru-

turais. No futuro, poderia se buscarum meio para mostrar que, até den-tro de uma tipologia de átomos, exis-tem diferenças entre nuclídeos, atra-vés de miçangas da mesma cor, masdiferentes, por exemplo, na textura(peças lisas e rugosas), ou ainda notamanho, apontando para a diferençaem massa atômica.

Passo 6Com a ajuda de diagramas dese-

nhados em cartolinas e de substân-cias puras sólidas disponíveis no la-boratório de Química (como enxofre,K2Cr2O7 e K2CrO4), estimulou-se apassagem do nível macroscópicopara o nível microscópico, induzindoos alunos a imaginar a miniaturizaçãoe a multiplicação das moléculas as-sim representadas, frisando que suasdimensões infinitesimais (tais a im-possibilitar sua visão mesmo com osmais poderosos microscópios) e ofato de que conjuntos enormes des-sas minúsculas partículas dão origemàs substâncias como as que conhe-cemos, como por exemplo enxofre,K2Cr2O7 e K2CrO4. A este respeito,seria útil fornecer já alguma indicaçãonumérica da ordem de grandeza, porexemplo o conjunto de bilhões de tri-lhões de partículas. Esse processopoderia ser efetuado com a confiançade que os estudantes já conheciam,por assim dizer, a “cara” dessesconstituintes.

Passo 7Por último, mostrou-se a diferen-

ça existente entre substância simplese substância composta:

– Quando os átomos de umaentidade constituinte são domesmo elemento químico, porex. S8, N2 e O3, se diz que asubstância é simples, ao passoque se a entidade constituintecontiver átomos de elementosquímicos diferentes, a substân-cia se denomina composta, porex. NaOH, H2SO4 etc.

DiscussãoPode-se ver que a atividade de-

senrolou-se em três momentos

Abordagem alternativa no aprendizado de conceitos químicos

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distintos:• descrição das estruturas das

miçangas e familiarização com suascaracterísticas (passos 1 a 3);

• representação, inicialmente es-quemática e depois formal, passan-do das fórmulas de estrutura às sinté-ticas (passo 4);

• associação com os conceitosde átomo, elemento químico, enti-dade constituinte, substância simplese composta (passos 5 a 7).

Esta proposta visava fornecer re-cursos de referência para alunos queiniciam o curso de Química no EnsinoMédio com nenhuma ou pouquís-sima familiaridade com os conceitosfundamentais da disciplina, introdu-zindo-os à estrutura descontínua des-ses constituintes. Achamos estaabordagem mais vantajosa que oponto de partida convencional doslivros didáticos de Ensino Médio, queprincipiam pela idéia das moléculascomo unidades fundamentais da ma-téria. Isto porque o problema doaprendizado dos alunos, nesta fasede seu curso de estudos, nos parecianão ser o de reconhecer de formacorreta a teoria atomista, isto é, anatureza intimamente corpuscular damatéria, mas sim o de aceitar seucaráter descontínuo. Perceber que,para além da descontinuidade entreas entidades constituintes, existeuma descontinuidade dentro de taisentidades, em suas estruturas, entreátomo e átomo. De fato, a respeitodas concepções atomistas dosestudantes, Mortimer (1995) confirmaa tendência a assumir uma visãobaseada no “atomismo substancia-lista” em que “propriedades macros-cópicas das substâncias [...] sãoatribuídas aos átomos e às molécu-las”. O autor comenta sobre a “dificul-dade em aceitar [por parte da maioriados estudantes de 14 a 15 anos] queentre essas partículas possam existirespaços vazios”. No entanto, aonosso ver, eles têm uma dificuldadeainda maior em reconhecer o vaziodentro dessas mesmas entidades.

Percebeu-se o primeiro resultadopositivo da abordagem logo após odesenvolvimento da atividade, quan-do se aplicou uma avaliação disserta-

tiva (apresentada no Qua-dro 1) para sondar se ecomo efetivamente os alu-nos tinham compreendidoas idéias que se tentoucomunicar através do tra-balho com as miçangas. Aquase totalidade dos alunos(95%) atingiu conceito A,nenhum conceito B e 5%conceito C. Os testes, por-tanto, mostraram que osobjetivos foram alcançadosno mínimo satisfatoriamentepela totalidade dos alunos,ao contrário do que acon-tece normalmente em quesomente 75% dos alunosdemonstram desempenhosatisfatório (A, B e C) nestafase do curso. Como sepode ver, na avaliação dis-sertativa fez-se amplo uso,para representar as entida-des constituintes, de fórmu-las sintéticas que os estu-dantes conseguiram utilizarcom naturalidade, sendoque o acerto às perguntas1, 3 e 5 foi praticamente to-tal. Isto faz pensar tambémque conceitos um tantoquanto capciosos para eles,como os de elemento quí-mico, substância simples e subs-tância composta, foram compre-endidos, ao menos intuitivamente.Evidentemente, as questões discur-sivas (2 e 4) resultaram um poucomais árduas, mas isto está ligado –ao que parece – mais a uma dificul-dade de síntese e verbalização,capacidades que somente podemser esperadas num estágio maisavançado do curso.

Uma nova avaliação sobre osmesmos tópicos foi aplicada, semaviso prévio, cerca de três mesesdepois. Desta vez mais ampla ebaseada em questões de múltiplaescolha, mostrou um desempenhopart icularmente elevado (91%,destes 77% dos estudantes obtive-ram A, 9% B e 5% C), demonstran-do a boa assimilação dos conceitostrabalhados nesta aula (e, eviden-temente, desenvolvidos ao longo

Abordagem alternativa no aprendizado de conceitos químicos

Quadro 1: Avaliação aplicada após a atividade.

do curso).

ConclusõesDurante o período de aplicação da

atividade descrita, os grupos de-monstraram interesse em realizá-la ea aula ocorreu num clima prazerosoe descontraído. O primeiro objetivo,que foi de despertar atenção e esti-mular envolvimento, foi alcançado, oque fez com que alguns alunos con-seguissem estabelecer uma associa-ção com os conceitos químicosaprendidos na oitava série do EnsinoFundamental, indicando que agorasim estavam entendendo o que ten-taram lhes transmitir na série anterior.

Os conceitos trabalhados foramadquiridos e assimilados de maneiramuito satisfatória e, de qualquermodo, bem mais do que se esperano primeiro ano do Ensino Médio.

A abordagem está evidentemente

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Abstract: An Alternative Approach for the Learning of the Concepts of Atom, Molecule, Chemical Element, Simple Substance and Compound, in Junior and High-School Education – This workpresents an alternative pedagogical procedure to work out the concepts: atom, molecule, chemical element, simple substance and compound. This procedure was carried out for first-yearclassrooms of a public high school in the city of São Paulo. The results of the evaluations done to quantify the degree of knowledge that the students managed to retain after the referred pedagogicalprocedure are also commented.Keywords: chemistry teaching, pedagogical procedure, motivation for learning in high school

Abordagem alternativa no aprendizado de conceitos químicos

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Assessores QNEsc - 2004Gostaríamos de agradecer aos

assessores que colaboraram, ao lon-go de 2004, emitindo pareceres sobreos artigos submetidos para publi-cação em Química Nova na Escola:

Aécio P. Chagas – UNICAMPAlice Casimiro Lopes – UERJ / UFRJAndréa H. Machado – UFMGAntonio Carlos Amorim – UNICAMPArnaldo A. Cardoso – UNESPAttico Chassot – UNISINOSCarlos Alberto Filgueiras – UFRJCarol H. Collins – UNICAMPCharbel El-Hani – UFBA

Claudio José de A. Mota – UFRJClélia M. de P. Marques – UFSCarEdgar D. Zanotto – UFSCarEduardo B. Azevedo – UERJEduardo F. Mortimer – UFMGElizabeth Tunes – UnBFátima K. D. de Lacerda – UERJGerson de S. Mol – UnBGlaura G. Silva – UFMGHeloisa Beraldo – UFMGHilary C. de Menezes – UNICAMPIsabel Martins – UFRJJoana Mara Santos – UERJJosé Claudio Del Pino – UFRGSJulio C. F. Lisboa – FSALenir B. Zanon – UnijuíLuiz Henrique Ferreira – UFSCar

Marcelo Giordan – USPMarco T. Grassi – UFPRMaria do Socorro A.N. Macedo – UFSJMaria Inês P. Rosa – UNICAMPMauro M. Braga – UFMGOrlando Fatibello Filho – UFSCarOtavio A. Maldaner – UNIJUÍPaulo A. Porto – USPPer Christian Braathen – UFVRenato J. de Oliveira – UFRJRoberto Ribeiro da Silva – UnBRochel M. Lago – UFMGRosária Justi – UFMGRomeu C. Rocha-Filho – UFSCarSandra Selles – UFFWildson L. P. Santos – UnB

Nota

restrita aos objetivos apontados, nãoparecendo útil para tratar adequada-mente de aspectos relacionados àgeometria tridimensional das molécu-las e às ligações químicas, mas detoda maneira servindo indiretamentede suporte para o professor quandoesses conceitos forem discutidosdurante o curso.

AgradecimentosÀ Profa. Emilia Ribas Plaza Lisboa,

ex-diretora da E.E. Fernão Dias Paes,pela confiança demonstrada emtodos os trabalhos realizados.

José Roberto Caetano da Rocha ([email protected]), bacharel e licenciado em Ciências comhabilitação em Química pelas Faculdades Os-

waldo Cruz, mestre em Ciências (Química Ana-lítica) e atualmente cursando doutorado emQuímica (Química Analítica) no Instituto de Quí-mica da USP (IQ-USP), é professor da E.E. Fer-não Dias Paes, em São Paulo - SP. AndreaCavicchioli, bacharel pela Univ. de Milão, mestrepela Universidade de Londres e doutor pela USP,trabalhou como professor de Química de EnsinoMédio na Itália e atualmente é pesquisador pós-doutorando no IQ-USP.