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Jornal Vaia edição 10

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Em 1965, Paulinho participa com Elton Medeiros, NelsonSargento, Nescarzinho do Salgueiro e Jair do Cavaquinho,além das presenças especiais de Clementina de Jesus(então revelada aos 63 anos) e Aracy Côrtes (estrela do teatro de revista) do musical Rosa de Ouro, idealizado e dirigido por Hermínio, que resultou em dois esplendorosdiscos. Ainda em 65, Zé Keti organiza o conjuntoA Voz do Morro, formado por ele mais Jair do Cavaquinho,Nelson Sargento, Elton Medeiros, Zé da Cruz, Nescarzinho,Oscar Bigode e Paulinho, que rendeu três discos. Com seuamigo e parceiro Elton Medeiros, Paulinho lança em 1966 o belo disco Samba na madrugada, que trazia músicas de Candeia, Cartola, Zé Keti, Hermínio, além de dois sambasseus que se tornariam célebres, 14 anos e Rosa de Ouro,esse em parceria com Elton e Hermínio. O final dos anos 60é a época dos Festivais da Canção, e Paulinho participa devários, sempre classificando-se entre os finalistas. A música Sinal Fechado, vencedora do Festival da TV Record, é emblemática desse período da história do país etambém expressa a busca de novas concepções em termosde harmonia e melodia que Paulinho vinha fazendo. Essa é outra canção que já nasceu clássica. Em seu primeiro discoindividual, de 1968, com arranjos do maestro Lindolfo Gaya, produção de Hermínio e do maestro e trombonista Nelsinho,já aparecem músicas que se tornariam clássicos de sua dis-cografia, como Coisas do mundo, minha nega, uma parce-ria com Casquinha, e reelaborações de sambas de NelsonCavaquinho, Cartola e Candeia. Em 1972, inicia parcerias com Capinam no disco Dança da Solidão, e grava mais sambas de Cartola, Nelson Cavaquinho e Nelson Sargento,e dá uma interpretação personalíssima para Meu mundo é O disco Nervos de Aço, de novo com as presenças do maestro Gaya e Nelsinho na orquestração e regência, traz opiano de Cristóvão Bastos e, de forma peculiar, introduz o baixo elétrico no samba. Num clima de desilusão amorosa, nesse disco, a começar pela Nervos de aço, de LupicínioRodrigues, Paulinho grava a excelente Sentimentos, deMiginha, Não quero mais amar a ninguém, de Zé da Zilda, Cartola e Carlos Cachaça, dá uma emociante interpretação para Sonho de um Carnaval, de Chico Buarque, e fecha o disco com a maravilhosa Choro Negro, que já antecipava o disco de choro Memórias, que viria em 1976. Nos anos 70, Paulinho realiza alguns espetáculos, como Vela no Breu(música feita em parceria com Sérgio Natureza), Sarau (que tinha a intenção de fazer relembrar os antigos saraus dechoro do início do século) e Zumbido (do disco homônimo, que tratava do folclore negro e misturava música e artes plásticas com elementos cênicos. E Sarau possibilitou a volta do Época de Ouro, conjunto de choro fundado por Jacob do Bandolim, que estava afastado dos palcos desde a morte do O disco duplo Memórias, cantando e chorando, é uma grande homenagem que Paulinho presta à música brasileiraem especial ao choro e ao samba. Nele, atacando de cavaqui-nho, Paulinho imprime sua marca pessoal em músicas de Pixinguinha, Benedito Lacerda, Ary Barroso, Noel e Vadico, acompanhado pela flauta e sax de Copinha, o piano de Cristó-vão Bastos, o baixo elétrico de Dininho, a bateria e percussãode Hércules Pereira e Chaplin, além de seu irmão Chiquinho, no bandolim, e de seu pai César Faria, no violão. Os discos Zumbido e Eu canto samba são os momentos mais altos da discografia de Paulinho nos anos 80. Após um longo tempo sem gravar, Paulinho apresenta em 1996 a obra-prima Beba-dosamba, com dez músicas suas, outras de Candeia e Cas-quinha, e parcerias com Paulo César Pinheiro, Ferrreira Gullare com Noca da Portela. Desse disco resultou o antológicoBebadachama, gravado ao vivo. Nele, como se fizesse umaantologia das duas principais vertentes formadoras da músi-ca brasileira, choro e samba, Paulinho faz o chamamento de

O mais recente disco de Paulinho é a trilha do imperdível documentário sobre sua música e vida, Meu tempo é hoje, emque participam Marisa Monte, Zeca Pagodinho, Marina Lima, seu pai César Faria e toda a Velha Guarda da Portela. E não faltam (ainda bem) discos com músicas suas. Só neste ano Teresa Cristina, Galo Preto e Nó em pingo d’água gravaram aobra de Paulinho. Jards Macalé, que está sempre atento atudo, gravou um belo disco, Amor, ordem & progresso, enão deixou de incluir uma de Paulinho, Roendo as unhas. Paulinho da Viola, ótimo poeta, excepcional harmonizador e grande melodista, canta e canta muito, sua música faz bem a alma da gente, é fonte de água pura, e quem beber dessa água não terá mais amargura. Saravá Paulo César Batista Faria.

AULINHO DA VIOLA é a memória viva da música popular brasileira. O coração mu- sical brasileiro se deixou levar pelo rio demurmúrios da memória dos olhos de Paulinho.Sem mania de passado (”meu tempo é hoje; eu não vivo no passado, o passado é que vive em mim”) e sem querer ficar do lado de quem não quer navegar (”quando eu penso no futuro nãoesqueço o meu passado”) Paulinho acende a vela no breu da memória de nossa música popular.Sim, porque a maioria da população brasileira ainda não teve contato com esse acervo musical fantástico (de samba e choro), nem oportunidadede beber disso que é o que forma a consciência(e a cultura) de um povo. E a música de Paulinho da Viola é a voz povo. Ele bebe do samba e do choro, que são chama, que fazem história, e nos convida a bebermos juntos nessa fonte musical. Não podemos recusar esse convite. Bebamos dosamba. Bebamos do choro também. E junto com Paulinho chamemos por Cartola, por Candeia, Paulo da Portela, por Ventura, João da Gente e Claudionor, por Mano Heitor, Ismael, Noel e Sinhô, por Pixinguinha, Donga e João da Baiana, por Nonô, Cyro Monteiro, Wilson e Geraldo Pereira, por Monsueto, Zé Com Fome e Padeirinho, porNelson Cavaquinho, por Ataulfo, por Bide e Marçal, Buci, Raul e Arnô Canegal, por Mestre Marçal, Silas, Osório e Aniceto, por Mano Décio, por Mauro Duarte,Jorge Mexeu e Geraldo Babão, por Alvaiade, Manacéa e Chico Santana, e por todos os irmãos

Convivendo desde garoto com Pixinguinha,Jacob do Bandolim e outros grandes sambistas echorões que frequentavam a casa de seu pai, oviolonista César Faria, Paulinho acabou vivendo no tempo da consolidação da tradição damúsica brasileira. Essa tradição perenizou-se navida e música de Paulinho. Em sua música a tradição do samba e do choro é revigorada.Paulinho é ao mesmo tempo a soma, a síntese e a reencarnação de vários compositores, geraçõespassadas (Paulo da Portela, João da Baiana, Sinhô,Noel Rosa e outros) voltam reinventadas na obra de Paulinho. Ouvindo uma música de Paulinho es-tamos ouvindo também todos esses compositores. Até os dezessete anos ele ouvia em solene atenção os grandes bambas que iam a sua casa,tocava violão em blocos carnavalescos e arriscava compor algum samba. Em 1959, um fato marcoua sua vida: conheceu o violonista Canhoto da Paraíba. Depois de ouvir fascinado o músico tocar daquele jeito invertido, Paulinho passou a estudarcom esmero, tocar sem parar e pensar em comporseriamente. Por essa época, levado pelo seu primoOscar Bigode, Paulinho é apresentado a ala de compositores da Portela. Nesse encontro ele mostrou a primeira parte dum samba que estava fazendo, e Casquinha que ouvia atento o jovemsambista gostou e acabou fazendo a outra parteda música Recado. Paulinho não tinha pretensãode seguir carreira musical até conhecer o poetaHermínio Bello de Carvalho. Na agência em quetrabalhava, o então bancário e estudante de con-tabilidade Paulo César Batista Faria reconheceu o poeta, tomou coragem, abordou-o e durante a conversa acabou revelando que estava traba-lhando na composição de alguns sambas. Her-mínio pediu pra ouvir suas músicas, gostou e aprovou de primeira. Inaugurava-se naquelemomento uma amizade e parceria muito profícuapara a música brasileira. Foi Hermínio quemlevou Paulinho pela primeira vez ao Zicartola, restaurante de Cartola e sua mulher Dona Zica,na Rua da Carioca, centro do Rio. Por lá circulavao primeiro time do samba carioca, a começar porZé Keti que, por sugestão de Sérgio Cabral, batizou Paulinho com o nome definitivo. Zé Keti foi tambémum dos maiores incentivadores de Paulinho, tinha omaior carinho pelo autor de Dança da Solidão e tra-tava-o de “meu pupilo”. Além de ser palco de antoló-gicas apresentações dos maiores sambistas da época, o Zicartola proporcionou o contato da juven-tude bossanovista com os sambistas do morro.

ABRE A CORTINA DO PASSADO

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hoje, de Wilson Batista.

mestre Jacob.

todos os seus ídolos do samba e choro.

de samba e choro.

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VAIA - A poesia pra ti é vício ou ofício?MAGALI - A poesia não é um vício porque vivo bem sem ela, mas fico melhor com ela. Entre as duasalternativas, prefiro chamá-la de ofício, embora ela tenha traços mais leves que um trabalho. Pode ser chamada de ofício porque é uma ocupação saudável, útil e edificante. Poesia deve ser alavancade mudança. Deve construir.

VAIA- O gosto pela leitura nasce com a alfabeti-zação ou surge como traço de personalidade,resultado da introspecção?MAGALI - O gosto pela leitura é tão interior, quaseíntimo, que passa a ser traço da personalidade. Fazer poemas é um jeito de ser. É uma forma de contemplar o mundo - lendo - e ter uma posturadiante dele, escrevendo.

VAIA - O poeta, assim como o escritor em geral, é um recluso, um solitário? MAGALI - Não. O poeta, de tanto ter convivido com os seres em geral, passa a reagir ante a estecontexto. De tanto viver em grupo ele acaba tendodois caminhos: ajustar-se, aceitando, ou questionar, escrevendo. Se o poeta for um solitário, será ainda menos compreendido, menos lido, menos admirado.

VAIA - Mário de Andrade, Bandeira, Gullar,Pessoa, Drummond e outros grandes poetasfizeram uma poesia politicamente engajada, sem perder o lirismo. A poesia deve ter utili-dade para a vida social? MAGALI - Sim. Deve esclarecer, sacudir as pessoas, tirando-as do sono da ignorância. Se isso for demais, que ao menos ela sensibilize,instigue! Ela deve mexer com a estabilidade de tudo o que está enrolado pra presente, balançaro que estiver na monotonia do equilíbrio constante.

VAIA - Tu dirias que a tua pessoa está de algumaforma sintetizada nos teus próprios versos?MAGALI - Exatamente. Os versos são reflexosde meus sentimentos e estados emocionais, àsvezes, até opostos e contraditórios, porque assimsão também as situações que a vida nos apresenta.Os versos espelham minha indignação com as injustiças sociais; análises um tanto agressivas das realidades antagônicas que devoram o ser humano. São faixas de protesto que gritam contrainúmeras desigualdades.

VAIA - Como despertar no aluno o gosto pelaleitura em tempos de internet?MAGALI - Desperta-se esse gosto no contatodireto com os livros. Só assim as pessoas vão descobrir se os apreciam ou não. Oferecendo variedades de assuntos aos adolescentes, levandoos temas mais surpreendentes...

VAIA - Qual a tua opinião a respeito dos estran-geirismos? Seriam uma poluição da língua?MAGALI - Eles são reflexos da dependência cultu-ral em que vivemos com relação a outros povos. Éa dominação que vem revestida com nomes suaves,mas que não passa de manipulação de um povoque é colônia por outro mais poderoso.

VAIA - O Brasil tem conserto com fome zero oucom analfabetismo zero?MAGALI - O país precisa ser remendado nos doisrasgões: fome e analfabetismo. Cérebro desnutrido não lê. Corpo enfraquecido não assimila informa-ções com a mesma agilidade, nem as utiliza.Ultrapassado o primeiro momento do “saber ler”,percebe-se que muitos leitores continuam cegosdiante do que lêem. É preciso polir cada leitorcomo se faz com diamantes, para que extrapolemo ato de decifrar frases, chegando ao dom de lercom senso crítico.

VAIA - Ainda existe no Brasil interesse pela poesia?MAGALI - Existem amantes da poesia, mas ela nãoconsegue marido. Há um gosto informal, distantee descomprometido pela poesia. Ninguém investenela, nem leitor, nem escritor. Não é vista com seriedade, e alguns a encaram como atividade dossonhadores e desligados da vida prática.

VAIA - Fala algo sobre poesia.MAGALI - Eu queria que o mundo merecesse poesia!

MULHER DOIS MIL

Os canos que conduzemas gordurasdas pias das cozinhasjá sugaramcentenas de mulheres.Roubaram de umasgrandes amores, de outras,o brilho dos olhos.Algumas resistem,agarradas aos livros,aos colares e hidratantes.Persistem penduradasàs cores da estação,quase arrastadaspelos tubos dos aspiradores.Muitas se entregamaos pesadelos,resvalando em detergentes,engasgadas pelos panose novela das oito.Outras escorregampela tentação da felicidadeque mora em lençóis de seda.Para sobreviver,é preciso se morder de raiva,beijar com sabedoria,escolher o melhor vestidoe a leitura mais forte.Dizer que vai dar tudo certo.Pular de fúria, trabalhar como um bicho,- nunca como um homem -Amar os filhos, ter certeza,contornar a boca com mele depois da lutainvestir tudona posição número dezessete.

Há uma placa de “PROCURA-SE” fincada em meu coração.

Há cartazes de “PRECISA-SE” espalhados pelo meu corpo.

Tudo que minha boca não anuncia, meu olhar denuncia. E o mundo está cheio de bons tradutores.

MAGALI VIDAL DOMINGUES, gaúcha de Cachoeira do Sul, poeta eprofessora de Língua Portuguesa, entrevistada por Alexandre Florez.

Poesia deve ser alavanca de mudanças. Deve construir.

O país precisa ser remendadonos dois rasgões: fome e analfabetismo.

Existem amantes da poesia, mas ela não consegue marido.

Sozinha

Como monossílaba tônica...Independente? Auto-suficiente?Tão só como farol em beira de marando no singularfeito palavra invariável.Não vejo por perto um “s”que faça meu plural.E as reticêncicas do meu olharprocuram nas entrelinhasum ponto de exclamação!

TatoNós, os amantes, enxergamos a olho nuqualquer chance de paixão.Eles, os desatentosusam lentes grossas,pesadas e embaçadase nada vêem.Gastam o tempo com discussões.Nós, de pele e tato,somos só percepção...Gatos alertas, canibais da malícia,carnívoros da sedução.

m famoso e erudito autor, cujo nome - e isso é tão freqüente - agora não me ocorre, disse: “Se o pão alimenta o corpo, os livros devem alimentar aalma”. Um tanto pedante, não é mesmo? Soa comoaquelas inefáveis filosofias de almanaque, en-tretanto está ao acordo d’uma idéia mui antigade um poeta patrício nosso que apregoava:“Livros à mão cheia”. Pois é, Castro Alvesconcordava com nosso obscuro autor. E sequerem saber, eu também. Haveria mesmoa possibilidade de uma Fome Zero das le-tras para as almas ignorantes deste país que almeja a grandeza, mas nunca se deuao trabalho de lutar por ela? Haveria chance para as minorias castiga-das por quinhentos e vergonhosos anos detirania burguesa advinda de uma elite socialselvagem ao extremo? Ah! Eu penso que étarde. Tarde para voltarem atrás e dizerem:Parem a violência, o tráfico, a rapinagem; porque agora nós, aminoria autocrática e safada deste feudo chamado Brasil, pro-mete se comportar. Evitando a usura. Evitando o conchavo.Prometemos não roubar. Prometemos, por nosso esforço emérito, manter na coleira banqueiros e cartéis que escorchamo povo. Ah, o povo!

Um país inventor de samba & carnaval, caipirinha, filosofia de botequim, feijoada e, principalmente, a mestiçagem; sem falar na reinvenção tupiniquim do futebol. Quem sabe não reinventemos um outro ti- po de cultura, onde os livros sejam mero elemento de decoração e, mesmo quando eletrônicos, nunca precisem ser abertos, acessados, lidos? No co- meço da história da impressão era assim. Ricas encadernações em couro, com detalhes em ouro e prata eram comprados pelos aristocratas só pela vai- dade de possuírem bibliotecas sortidas de volumescom aparência maravilhosa. Volumes que eles e seus herdeiros nunca se deram o trabalho de abrir. Quemsabe nossa sociedade capitalista emergente, como si-nal de progresso, não venha a fazer a mesma coisa? A seriedade e eficácia de todas as iniciativas, sejam na

cultura, educação, saúde, segurança ou desenvolvimentotecnológico, passam por um julgamento de valor chamado

caráter. Enquanto Lalaus e Vieirinhas (nome de molusco muitís-simo fértil e inoportuno) campearem nestas plagas debochandode um sistema que privilegia aqueles que roubam muito, não seremos felizes! Enquanto políticos corporativistas deixarem de lado o interesse público sem fazer caso das necessidades dapopulação deste país, preocupados como são com salários, verbas de representação e vantagens de uma ofensiva (para opovo) aposentadoria que se lhes concede ao final dos manda-tos, seremos vassalos temerosos no reino desses suseranos. E a fome de pão, a fome de justiça, a fome de ilustração, de cultura, educação, conforto, saúde, paz, todas as fomes ten-

Nenhuma fome será castigada

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Talvez seja muito tarde para a Fome Zero da “barriga” e mes- mo para a das letras. Quiçá tarde demais para qualquer remé- dio, já que os doentes moribundos andam feito zumbis e têm sede de vingança. Mas quem sabe? Um país que produziu Macunaíma - o estereótipo do brasileiro típico cujo bordão era: - Ai! Que preguiça...

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Quase todo o poetatem compulsão suicida...Abre uma janela na parede da escuridãocom a chave do poemae dá de face com a doré esganado pela angústiasofre trauma no ouvido do gritoo instante lhe fere a vistao ranger de dentes é uma tortura...Abre uma porta em si mesmoe lhe confrange a grande dúvidao porquê de uma estrada com o fim,o tenebroso fim de jornada,tão tenebroso e aziagomas com uma sedução de quase erotismouma mistuta de dor e erotismoum convite de não espera.O grande pavor de lá chegar

insinua e alicia o momento para agora. Luiz Nicanor

COMPULSÃO

Campesinos, jornaleros, trabajadores del campo, nada importa la región. Que tristes son vuestras voces aunque alegre el corazón. Aceituneros altivos los que se ciegan de sol de mirar la tierra ajena. Porque las penas son nuestras y las tierras son aquellas. Y de tanto desearlas. Se llena el alma de pena, de tanto pedir trabajo, de tanto pedir jornales para pagar unas deudas. Mírame las manos madre que vengo de la traición y traigo un peso en el alma, y traigo los desengaños y partido el corazón.Vuestro canto, es el canto de los hombres que saben labrar la tierra. Es el canto que en los yunques es el canto que en las fraguas desean romper cadenas. Me viene más el dolor porque me viene de cerca, de un cuchillo conocido, de una palabra de amigo, de una mochila de penas. Me duele más vuestro dolor porque el la plaza he mordido esperando al capataz, esperando desengaños de parte del señorito. Mírame las manos madre, mírame hermano las manos, y sabrás por qué me atrevo a juzgarte, y llorar tus mismas penas. - Son las penas del trabajo.

MANUEL GONZÁLEZ ÁLVAREZ Madrid - Espanha

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“Não matarás”: não basta.Teu mandamento será este: farás tudo para que o outro viva.É vero sim o que quero:não me importa o estoque de teu capital, Brasil,mas tua capacidade de: amar lavrar aspirar compreender.

Esse estatuto de miséria não é o nosso,e a tecnologia da última geração não me sacia:meu coração navegador quer mais.A Ética - cuspida, debochada, no reino do simulacro,Virou produto supérfluo porque não tem valor contábil.

Tempo dessacralizado e sem utopia:a esperança é um cavalo cansado?A aventura acabou no mundo?Seremos apenas meros grãos de areia na imensa praia global?Habitantes de um mundo virtual neste mercado sem cara?Soará pomposo, eu sei:não deixemos que nos amputem a alma(e que acolhamos o outro).Ser gente: não mera massa abúlica, informe, com os olhos coladosno retângulo luminoso de todas as noites.O tempo é apenas dos alpinistas sociais?Sou bom porque apareço, não apareço porque sou bom.

Na internet a solidão é planetária,mas do abismo - fragmento - irrompe um menino eterno,e sentes o cheiro de uma manhã fundadora.(A Morada do Ser é mais importante que o poder/glória.)

E o poema resiste,singra a eternidade,despista a morte,seu estatuto não é mercantil.

Já não esqueces o essencial:Na estrada de pó e de esperança, acolhes o outro.

EMANUEL MEDEIROS VIEIRA

*Vencedor do Concurso Nacional de Poemas promovido pela Associação de Cultura Luso-Brasileira - Juiz de Fora - MG.

Agregar

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Con un recuerdo a Miguel Hernández

Não acreditava em amor à primeira vista. Mas o chicote endurecido daquele olharfustigou suas coxas, surpreendente eimediatamente incendiadas. ANTONIO LUIZ TOUCHÊ

... finda a tarde. Fim da tarde e o arrebol traz presságiosincandescentes. Mas a fogueira é em mim. É em mim quequeimam os olhares enviesados, as dissimulações dealcova, os dedos apontados contra os meus pecados. O cenário é esta solidão em que a miséria humana tem seusoráculos, e nela vagueio como traste. É assim que pensamsobre mim: Madalena, aquela-uma que se perdeu com o doutor Carmeliano Sampaio e desgraçou uma família e foiviver em seu mundo de ferrugens, que deveria virar troféu

E eu acreditei nele. Que iria largar mulher e filhos e vivercomigo, desse o que desse, até debaixo da ponte, minhaflor. E eu acreditei feito uma tonta, correndo os olhos pelohorizonte e ouvindo, ouvindo aquela conversa pra boi dor-mir. E hoje? - Arde em mim a dor do malfeito: madalenar- Se alguém soubesse o que é essa agonia, o ter a ilusãode ganhar tudo, e nem bem o tendo, já perdê-lo de vez.Mãos e promessas todo mundo abre. E o meu rol já está cheio de histórias inacabadas, a terraplanagem de meus caminhos não se concluiu, os lençóis guardam segredosdaquelas tumultuárias tardes de abril, tempo que durou minha paixão, na confusão de pernas que se entranhavame tudo o mais não passava da infância de meus sonhos,tudo fluindo como num conto de fadas e eu nem sabia que nas roupas que mamãe cosia estavam meus remen-

Nau sem bússola, é o que sou na incerta geografia demeus cansaços, ave de arribação no céu das paixões inúteis, o meu véu são os lençóis dos leitos ilícitos, na conjunção clandestina, e durmo intranqüila no sono fla-tulento das lembranças podres, na picardia chocalhante

Olho e me vejo: campo minado, flanco aberto ao acinte.Acordo e vejo que lá fora uma procissão de peles viciadasentoa uma homilia estranha, coço as pálpebras para vero mundo que não quero ver, ouço um rumor de vozes da

Metralham-me cochichos novos, vejo a carranca de donaZulmira costureira, o língua-solta do Orestes farmacêutico,o fanho do Camafeu, o Nico verdureiro, a Sultana do Ada-mastor, o topeira do Casimiro bicheiro, o turco agiota, o Mundico da Coletoria, o Rodopiano da Estrada-de-ferro, oJoão Bíblia, a Mirinha-desquitada, o Telêmaco da maçona-ria, o Enoque das Casas Combate, a Leninha-pinta-brava,a Laura da charrete, o Anselmo cafetão, o Raulino cegueta,a Neneca-surda-e-muda, a Lucrécia cabeleireira, as irmãsLouzada indo pra missa, o caga-regras do doutor Lindolfo,a Judite fofoqueira, o besta-quadrada do Nettinho e suaarrogância recalcitrante, o Biluca do cartório, o porra-louca do Acrísio, o Luís mentiroso... todos referenciais e apalermados, umas crianças inocentes pelas calçadas, unsdesocupados que passam maquinalmente, a solidariedadeetílica de uns beberrões no Bar Sport, a Madame Conchita,os puxa-sacos municipais, os baratas-de-sacristia do pa-dre Lindoso, as virgens reprimidas, as carolas mal-amadascom suas roupinhas-de-ver-Deus, Lourdes e Corina, asirmãs cacarejantes com suas línguas quilométricas, Nelitoe seus dentes estragados, Anastácio dando milho aos pombos, João Taioba morrendo de câncer, o pobre-diabodo Adão Corcunda, o Constantino tintureiro palitando osdentes, os olhares compridos do Eusébio da funeráriamercantilizando a morte, a Tunica manicura, o GeraldinhoDicionário falando mil línguas, o Devair com saudades daditadura (só voto no PT no dia em que urubu cantar), oLadislau da Pensão, as beatas na janela do Colégio dasIrmãs: plataforma de onde catapultavam seu esquadrãode olhares frios e marciais, verdadeiros anátemas àquelavida alvejada pelo julgamento coletivo que lhe trespassavaas vísceras, um mundo estranho cruzando meu caminho...atravesso o resto da cidade sob essa conspícua serpenti-na de olhares, engrenagem de censuras fulminantes, tenho a sensação de estar num polígono lôbrego onde ouço sermões inúteis a conduzir cicatrizes ao altar. Um céu confuso e seu cardume de nuvens estranhíssi-mas fala mais do que tudo o que ouço e vejo. Aqui embai-xo é um rio que me leva...

RONALDO CAGIANOautor de “Dezembro Indigesto”

short storyE ruminava a sua dor, se repetia, o grande ressentimento que afundava dentro dela. Autran Dourado

rependida.

dos futuros.

das alcoviteiras.

em lupanar.

*

ladainha naquele mês de oferendas inúteis.

O caderno Das Artes/Das Letras, maior suplemento cultural e literá-rio da grande mídia de Portugal, do diário “O 1o de Janeiro”, da cidade do Porto, em sua ediçãode 3/11/03, dedicou duas páginas a uma carta aberta do ensaísta,articulista e historiador brasileiro José Luiz Dutra Toledo intitulada“Para um Brasil mais Brasil”, di-rigida ao poeta Aricy Curvello. Nela o ensaísta, além fazer umapanhado da vida e obra dopoeta mineiro, expõe as suasimpressões causadas pela leitu-ra da “ótima e séria entrevistaconcedida ao jornal Vaia, número8, de abril de 2003, editado emPorto Alegre, RS, na qual cum-priste muito bem o objetivo defazer circular boa quantidade deinformações sobre a sua vida e a sua criação”. É Vaia lá, ora pois!

De Porto a Porto

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irradia a sombrada tristeza finitacomo a morte eternaresplandecem as chamasda vela acratae dilui o beijo do corvona ignorância dos livros

Luiz Gustavo Vargas

leitura solitária

Vida, me arrasta pelo mar revoltoMe leva para onde está minha sorteSe está mais para leste ou mais para norteMe leva para longe, de onde eu não volto

A angústia é meu barco, meu mastro, meu lemeO vento e as velas da minha empreitadaNo céu não me querem, na terra o chão tremeDestino, é no mar que vai dar minha estrada

Tantas vezes naufrágio, outras tantas fome e frioSob sol implacável ou mais vil tormentaSem ilha nem bote, só o mar, o vazioE a desesperança que a morte fomenta.

Vida, me leva, me faz folha no ventoO lugar não importa, me leva pra longe

Quero ser só areia ou só pensamento

Nem que eu seja só o limo da água da fonte.

Laurene Veras

A glória que foi Grécia.A glória que foi Roma.

Sombras de Roma, sombras de Atenas,algo haverá de restar (e restará

a trajetória de uma pena.O significado de um nome.)

Tudo retorna, algo revive,sombras de Roma, sombra de Atenas,em um frêmito, em lágrima furtiva,em torso nu de mármore, em um poema.

ARICY CURVELLO Autor de “Vida Fu(n)dida”

O eterno retorno

poema da desesperança

As dores vão passageiraspassam as dores com a vidaA vida com dores vaido nada antes da vidaao nada que vem depoisVive a vida eternas doresem todo o palmilhar da vidaNa vida sem dores a anti-vidaque a vida é aura de doresSão dores passageiraspassageiras que são da vida

Caio Porfírio Carneiroautor de Perfis de MemoráveisAutores brasileiros que nãoalcançaram o terceiro milênio

Dores

05IV

V VIV

V V

surtos

POÉTICOS

ENCONTRO (Diamante)

Peço-te,tenhas cuidado ao me receberes.

Se o frio do teu corpo atingir o meuse teus braços, rígidos, deixarem-me à distância,

se teus olhos, opacos, me repeliremcomo a um cão cheio de sarnas,

me transformarei em um objeto transparenteque não tem alma, nem cor.

Serei tal como uma pedra:inerte, inânime, lodosa;

a semente que não germina;a árvore que não dá sombras, nem flor.

Ao contrário,se teus braços me enlaçarem,

para que eu sinta o calor do teu colo;para que eu possa embebedar-me

com o sumo da tua bocaquando teus lábios os meus tocarem;serei teu escravo pelo resto da noite.

Buscarei a imagem de nós dois no infinito,Para gravar, com ferro e fogo,

ad eternum,em nossos corpos,em nossas almas,

o sabor dessa doce agoniaque transformamos em sons

e murmúrios de amor.MUNDO MUNDO

Rios correm de mimNavega o universoà minha voltaembargo em minhas águase gozo junto com os que gozamda enxurrada

Nesse fluxoa doação nasce o movimentodoce nascente fluvialou mar salgadoOndas cardumestubarões de afagosvestem meu mundo vasto

ROSÁLIA MILSZTAJN “Aqui dentro de mim”,Aeroplano Editora, 2003

me faz bem ficar aqui sobretudo cinza encostadinho no batente da porta a observar a escultura que seu silêncio faz.o sarcasmo dos seus olhos( o marasmo dos meus.) o maldisfarçado acaso de certos gestos seu mínimo dedilhando o ar.

me faz bem a frieza das rugas de sua tez impassível. sua barriga frugosa virando ventre balofo. sua sombra sem textura flutuando nos raios que rasgam as frestas da janela.

me faz bem imaginar sua estada e partida; seu orgasmo e conhaque. me faz bem que você vai falar vai calar vai flanar ruminar; virar-se de costas, esboçar um sorriso.

me faz bem ser assim. Ser seu assim. ser nada: apenas aprisionamento de homem.

Escobar Franelas “hardrockcoreNroll”, Scortecci, 1998

carinhoso

Gui

gna

dn

r

RIO DO SONO a Whisner Fraga

Rio que lav(r)a-me:túmulo de anzóisno meio da correntecom suas placentas gigantesfazendo nascer em mimum mar de oferendas.

No ovário desse leitodorme entre areias exaustaso menino-náufragoque um dia foi devoradopor cardumes de sonhos.

O chão sob essas águasme afaga (ou me afoga)entre mercúrio, bauxita e miasmas,mas a superfície trêmulaapre(e)nde no meu silêncioas lições de se perder nos oceanos.

Os rios de mim me levammas não limpama rugosa poeira dos meus anos.

Ronaldo Cagianoautor de “Canção Dentro da Noite”(poesia) e “Dezembro Indigesto” (contos)

NUA

A máscara está depostadesconhece-meeu sei tudo sobre seu espanto

certamentenão será a última,

Já tendo me despidoesqueço-a,

máscaras morremquando postas sobre a mesa.

Cristina Bastos“Decerto o Deserto”, Ed. Iluminuras

DUPLA VISÃOOs teus ó(s)culospermitem-mever estrelas!

Silvério da Costa

Wellington Lavaredaautor de “Dívida de Honra”

Page 6: Jornal Vaia edição 10

Quando te deste conta que a tua escolha era a música e

A música começou na minha vida quando eu tinhaseis, sete anos de idade. Dos seis aos doze toquei bate-ria. Só que esse processo foi muito experimental porque eu não tinha bateria e na época, em Uruguaiana, meuspais compravam enormes latas de azeite, de feijão, e dearroz da Argentina... Eu pegava aquelas latas, asempilhava, pegava tampas de panelas, e as agulhas detricô da minha mãe e transformava aquilo tudo numabateria. Ficava tocando e cantando. O que aconteceu?M e u p a i a c h o u q u e e u e s t a v a “ l o u c o ” .Disse: “Esse guri é pirado da cabeça”. E a minha avó,que era uma pessoa bem mais perceptiva observou: “Não, esse guri tem talento, é preciso dar uma bateriapra ele”. Aí, muito a contragosto do meu pai, minha avócomprou uma bateria pra mim. Ela durou uns seis mesesna minha mão porque eu a demoli toda. Sabe como écriança, né? Então eles sentiram que o negócio era sériomesmo e meu pai me deu uma nova bateria. Assimcomecei a estudar. Mas estudava apenas ouvindo. Eesse foi meu contato percussivo com a música, porqueeu acompanhava choro, rock, baladas, o que viesse. A minha escola foi ali. A minha relação com o ritmo,

Mas nessa época tu não racionalizavas isso?Era tudo instintivo. Eu era muito fissurado pelo ne-gócio. Depois, com doze anos, eu parei e fui estudarflauta doce. Toquei até os quatorze anos de idade. Hoje eu entendo que a minha relação e a percepção melódica se deu pelo fato de eu ter tocado esse intrumento. Porque passei a enxergar o elemento melódico na música e também a perceber toda partepolifônica. Primeiro tive um contato terrestre, pois o ritmo é muito terra, depois um contato maisaéreo, que é a melodia. Quando se percebe a existênciade uma estrutura no meio disso, que é questão polifônica,a harmonia, se inicia a perceber isso com clareza. Virei

E como concluíste esse aprendizado? O caminho desde o início com as latinhas até o estudo acadêmico

Quando eu senti a necessidade de aprender, foi uma coisa muito boa e intensa. O início, mesmo, foi com as revistinhas de cifras. Pegava o violão e ficava horas com ele nas mãos, era algo masturbatório. Mas aí comecei a compor, com mais ou menos 15 anos.Logo em seguida, conheci um músico do exército queera maestro. O cara era arranjador e tinha o ouvido absoluto e foi, de fato, o meu primeiro professor de música. Ele chegou e me disse: “Tchê, tu precisas aprender a escrever as tuas músicas, ver o que estásfazendo. Eu vou te ajudar”. Aí começou a me ensinar. Fui tendo aulas com ele. Estudei teoria, aprendi muitacoisa com ele. Uma coisa que aprendi foi a questão do arranjo. Ele me pedia pra ouvir as músicas prestando atenção na linguagem e composição de cada instrumento, onde está a bateria, o baixo, o que cada um está fazendo. Aos dezoito anos, comprei um curso por correspodência pra aprender a ler partitura. Hoje, falo de todo esse processo com uma visão maisabrangente, na época isso era uma procura. Eu fazia de forma muito intuitiva. O estudo foi fundamental, porque passei a sistematizar o meu processo de criação

A minha vida é feita de cento e tantos por cento demúsica. Não consigo pensar em viver e estar vivo sema música. Isso pode ser uma coisa meio obsessiva. Existem duas formas de se lidar com a música, falando profissionalmente: uma é ter uma busca obsessiva doconhecimento e entrar numa neurose pelo resultado perfeccionista. Quando se chega nesse ponto há duas possibilidades: ou a pessoa fica altamente frustrada, achando sempre que tudo que está fazendo não está pronto (conheço vários músicos que são vítimas desse processo e são muito infelizes) ou a pessoa se aplasta, torna-se auto-complacente. Por outro lado, existeaquela relação com a música que é a do prazer. Eu nãoconsigo conceber música sem a relação séria que é a dapesquisa, e em determinados momentos me faço obsessi-vo, mas também tem de ter prazer. Como vais passar pra-zer para os outros se não achas prazer contigo mesmo?

Quais violonistas tu ouvias à época? Tinha alguém

Sim. Foram dois e fundamentais: Baden Powel e Paulinho Nogueira. Quando eu ouvia o Baden, ficava abismado. E o Paulinho, pela questão da harmonia, a delicadeza ao tocar. Isso pra mim foi muito impor-tante. Depois, conheci o rock progressivo. Eu era umgurizão na época, ouvia muito rock. Um grupo que curtia muito era o Yes, ouvi tudo deles. Foram marcan-tes porque tinha um violonista sensacional, o Steve Howe. Por causa dele, comecei a me interessar peloviolão erudito; o violão dele é muito erudito.

E os próprios CTGs não acabam colaborandocom uma certa exacerbação desse ufanismo?Acho que isso é muito internalizado, uma atitude errada. Por exemplo: vejo gaúchos se auto referen-ciarem em relação a outras manifestações regionaisdo Brasil num tom de supremacia, superioridade, quando na verdade o tom da troca é que deveria estar permeando estas relações. Somos brasileiros, temos que compartilhar as culturas. Tem um outro ponto que eu considero importante, e foi por issoque fiz a composição Anu pássaro preto. A temática é regionalista e inspirada no canto de um pássaro da região platina, o anu, que está em extinção e tem um canto triste. Também existea Dança do Anu no folclore gaúcho que é muitolenta. Peguei a temática da música, trabalhei a letrae botei um ritmo moçambique e afro-cubano. Achoque existe uma coisa assim, talvez pela proximida-de com a Argentina ou pela cultura açoriana, uma coisa meio de tristeza. Muito forte na cultura e nopensamento gaúcho. É legal a gente mexer com esses paradigmas. Gosto de tratar dessas coisas, deprovocar. O artista tem também essa função fomen-tadora. E quem ouvir o meu trabalho e gostar, ótimo,meu recado então estará dado. Uma outra coisa: percepção de brasilidade, dizer o que é ser brasileirohoje é muito complexo. Me considero compositor demúsica brasileira, vejo que cada região tem as suas singularidades, e que suas produções têm muito de ritmo, muito a ver com a mestiçagem brasileira. Fazer música brasileira hoje, para mim é trabalhar com as matrizes brasileiras. Em meu próximo disco,

Uma coisa que o Guinga falou no show que vocês fize-ram juntos no ano passado e que combinou com o climado palco foi: “Dá pra sentir aqui uma presença divina.Isso que nós estamos fazendo aqui reunidos, público emúsicos...o contato com o divino”. A música, quandoacontece mesmo, daquele jeito é divino. O que é música

Eu só fui ter um professor mesmo há pouco tempo,porque na faculdade cada professor tem uma formaçãodiferente. Pouco antes de entrar na faculdade, descobrium cara que repensou todo o estudo do violão, o AbelCarlevaro. A escola dele é a grande escola no mundo do violão, hoje. Mas alguns de meus professoresvinham da formação da escola tradicional e outros, afinados com Abel. Na faculdade o estudo do método do Carlevaro se deu de forma esfacelada. Apenas há um ano que realmente estudei e assimilei o seu pensa-mento passando a estudar com o Eduardo Castañera.

Que análise tu farias da evolução do teu trabalhode compositor e do teu estudo do violão?Eu não chamo de evolução, porque acho que aquilo que fiz antes não considero pior do que o que façoagora, o que houve foi uma metamorfose. Muita coi-sa que fiz há muitos anos, mantenho até hoje. Então, o que fiz foi sistematizar melhor as coisas que faço hoje, e também sistematizar o que penso que seja o caminho a seguir, saber onde estou hoje. Saber do meu potencial e do meu limite.

Os festivais da canção te deram muita experiência

Eu toquei três anos como músico acompanhanteem festivais, daí aprendi a tocar vários ritmos re-gionalistas e passei a vivenciar essa história. O queeu acho legal no RS são as coisas que existem por si só, sem precisar de ufanismo, acho que o folclore é isso aí. Não suporto ufanismo. Achar que a música e a cultura do estado têm que se colocar de uma forma distanciada do resto do Brasil é bobagem.E a relação da grossura, da caricatura do gaúchome faz achar isso ridículo, feio. Não me diz nada.O que me agrada na cultura regionalista é o ele-mento folclórico. Passo a ter contato com o ladobom disso a partir da Califórnia da Canção, ondeconheci a obra dos Tapes, um grupo que trabalhavaa questão da língua indígena, o guarani, e sua influência na formação do nosso vocabulário.E a importância do índio na história do RS. Isso meagrada. E tive também contato através da fronteiracom a obra do Piazzola, que me influenciou muiton o m o d o d e p e n s a r a f o r m a m u s i c a l .

E quem representa o folclore gaúcho hoje?O folclore está aí entranhado na cultura, em tudoque vivenciamos. Saber enxergar estas manifesta-ções sem ufanismo é o processo de cada um.

Como um natural da fronteira, cremos que teus primeiros contatos com música foram com as coisas regionais. O que representou ouvir os músicos e folcloristas Lúcio Yanel, Cenair Maicá, Noel Guarany, Pedro Ortaça e Jayme Caetano

Vamos por partes. A influência da fronteira no meutrabalho aparece principalmente quando tomo con-tato com elementos regionais do folclore do RioGrande do Sul. Estabeleço uma divisão muito clara,faço uma seleção. Uma coisa é o folclore, elementos do folclore, outra coisa são as ramificações destas manifestações.

pra ti?

Felipe AzevedoNuma tarde nublada de Domingo, o violonista, compositor e arranja- dor Felipe Azevedo, de maneira descontraída, empunhou o violão e, alternando-se entre a execução de músicas inéditas e um e ou- tro trago de mate, concedeu longa entrevista ao Vaia. Nela, Felipe fala de suas origens, do seu início na música, de en- contros musicais e define seu conceito de brasi- lidade.

não tinha mais jeito?

o processo começou aí.

Começou com as latinhas argentinas...

Sim. Exatamente.

da música, como foi?

e a registrar o meu trabalho.

que era referência pra ti?

Braun?

musical?

Percurssivè, estarei abordando isso.

entrevista

06 IV

V VIV

V V

violonista a partir daí e não parei mais.

por Fernando Ramos

Page 7: Jornal Vaia edição 10

IV

V VIV

V V

A bossa-nova bebeu na fonte do samba e a tropicália incorporou elementos da bossan o v a . O s a m b a s e e n c a i x a o n d e ? O samba, como tudo no Brasil, é um resultadohíbrido. Por que antes do samba, o que surgiu? O choro, oriundo da mescla de vários ritmos. Um estilo que se forma e que tem algumas peculiaridades: o virtuosismo e a capacidade de improvisação do músico calcados em váriosritmos como habanera, lundu, maxixe e polca.Depois, outros ritmos vieram se aglutinando, como o baião. Mas o samba é a mescla do maxixe, lundu, polca. Esses três ritmos influen-ciaram o surgimento da célula do samba. A questão mais importante a ser frisada é a da pureza. Não existe nada puro no Brasil. Nóssomos síntese de mestiçagem. A lição que podemos dar ao mundo é assumir a nossa

E o samba do RS? Por que ele não está nonível do samba carioca, baiano ou paulista?Eu discordo disso. Uma das melhores coisasdo país é a diversidade, a do samba também.Nós temos a nossa forma de tocar o samba. O Giba Giba tem uma batida estupenda, um jeito de tocar samba muito bonito. Acho que osamba gaúcho é menos explorado e cultuadoque o samba do resto do país. Não vejo o sambadaqui, o de SP ou da Bahia menos qualificadoque o carioca. Tem uma coisa mal resolvidanisso: o Brasil não precisa se relacionar com ocentro do Brasil de forma colonialista, tem sim

Felipe, explica melhor a questão das matrizes.O que eu critico é o purismo na música brasi-leira. Tem pessoas que acham que é possíveldeterminar o que é e o que não é MPB. Isso não dá. MPB é uma sigla que surgiu lá por 66/67, e que antes era música popular brasi-leira nova-MPBN. Elis Regina e Zimbo Triocomeçaram a designá-la assim, quase comouma tentativa de fazer algo diferente da Bos-sa Nova. Elis queria fazer algo novo, tem umdisco dela chamado Samba eu canto assim,em que aparece essa postura. Ela sempre se posicionou, assumindo claramente as suasidéias, sempre gostei disso nela. Tem que ter atitude, e não é só o rock que tem atitude! A MPBN era uma tentativa de aglutinar a idéiade uma nova música brasileira. Por outrolado, os defensores da MPB tentavam trans-fomá-la em estatuto. Após, vem o Tropicalis-mo, e faz uma virada na música brasileira,inserindo a guitarra elétrica e a coisa pop, algo que era inevitável, porque era um fenô-meno mundial. Aí surge o pensamento: o cara que faz determinada coisa é MPB, outroque não faz , não é. Outro dia, ouvi o Alceu Valença definindo o que é MPB, segundo ele:“é o cara que toca ritmos que se originaram no Brasil”. Acho que é isso. A diferença é o tratamento que se dá para as matrizes, porque tu podes usar um determinado instrumento musical que não é brasileiro ou linguagens estrangeiras aplicadas às matrizes e fazer mú-sica brasileira. Alguns críticos dizem que aMPB é uma escola, um estilo que tem suaslimitações e lacunas. E eu concordo. O meu trabalho é de música brasileira. A primeira gravação, O olhar mouro, tem alguma coisa de blues, disso e daquilo. Já no Cimbalê , háelementos da cultura africana e muitos ritmosdo mundo, e que tem hibridismo com coisas

é que compartilhar diferenças.

mestiçagem.

Violões famosos... Raphael Rabello, Turíbio Santos,o próprio João Bosco. Tu notaste o trabalho dessas

O meu contato com o violão brasileiro se deu a par-tir do Paulinho Nogueira e do Baden Powel, mas sobretudo, em termos de composição, de tocar obrasassim, eu fui ter contato com Toquinho e Vinícius, que pra mim foi um achado. Achava genial aquela dupla, acho até hoje. Conhecendo a obra do Chico Buarque, pensei a questão harmônica, a harmonia do Chico eu acho do caralho! Gosto muito do Ivan Lins, um cara que teve um peso muito forte em questão de harmonia. Comecei a pensar em termosde ritmo quando ouvi a obra do João Bosco. Eletem dois grandes momentos: antes do Cabeça de Nego, uma coisa mais de sambista, e a partir dessedisco, quando ele começa a trabalhar a percussivi-dade do violão de outra forma. Ele passa a ter con-tato com a cultura árabe-afro-cubana, e passa a cantar e tocar de outra forma, desenvolvendo no violão a percussividade, que até então eu nunca tinha ouvido. Cheguei a acreditar durante algum tempo que o João era o grande inventor disso no violão brasileiro. Foi quando ouvi ele mesmo dizer que tinha aprendido isso com o Caymmi. Então fui atrás da obra do Caymmi. E lá está a percussividade...(Executa como exemplo uma canção praieira do compositor baiano).

pessoas?

Então, comecei a fuçar esse negócio. Fui ouvir a obra do Garoto, que na década de trinta, quarenta, foi músico acompanhante da Carmem Miranda. OGaroto foi um grande achado, pois influenciou todaBossa Nova. Influenciou profundamente João Gil-berto. Também influenciou um cara que eu achoum gênio, o Radamés Gnatalli e, pelo convívio, eleinfluenciou o Villa Lobos. A partir daí, comecei a me dar conta que a percussividade expressa em Baden Powell também foi influenciada por Garoto.Também passei a ter contato com o trabalho dos chorões: cheguei no João Pernambuco, e num mon-te de caras. E vi que a percussividade do violão bra-sileiro é uma característica que começa quando se define a forma do choro brasileiro, quando se iniciaa tocar o Lundu no violão- o compasso das notinhasdos Lundus. Aí surge essa coisa de ritmar no violão.

O violão de sete cordas, da forma como ele é usado

Na verdade é um elemento contrapontístico no cho-ro. Ele passou a ser usado dessa forma a partir do Dino Sete Cordas, que foi um cara que tocou muitotempo com o Pixinguinha. Ele passou a tocar assim devido ao contato com a concepção harmônica do Pixinguinha, que era outro gênio, e a pensar o con-traponto polifônico, o uso do contraponto do violãode sete cordas como elemento contrapontístico.

no Brasil, é percussivo...

Suzano?

Quem é que dá o tom pra músicabrasileira hoje? É João Gilberto, ainda?Eu acho que o João Gilberto é um caraque representa a bossa nova, mas é maisdo que isso: representa um estilo de tocar.Ele foi o grande cara que sacou isso. Umaforma de pensar o samba, uma recriaçãodo samba. Quando ele inventa aquele jeito de tocar, uma outra batida, estabeleceuma ruptura com a forma do samba, uma coisa mais enxuta da célula do samba, semnegar o passado. O que quer dizer isso? Que a música continua a partir daquele processo, faz um corte, porém estabelece a sua maneira de pensar o samba, e aquilo se transforma em um novo estilo. O Tropi-calismo tinha esta mesma preocupação: estabelecer a ruptura, porém sem negar oque já existia, simplesmente entender sob um novo foco várias coisas que estavamacontencendo no Brasil. Eles criticavammuito a música de protesto, que nuncapropunha uma solução para os problemas. Mas, enfim, acho que ninguém dá o tom.Existem várias tendências na músicabrasileira hoje. Existe uma tendência maisvoltada para o trabalho de raiz, e existem coisas mais voltadas para a linguagem pop.

Como Guinga conheceu o teu trabalho?Foi num primeiro workshop que ele deu emPorto Alegre. Havia lá uns 80 músicos e ninguém se encorajou a tocar. Então eu fui o primeiro. Depois que toquei “Temapara um compasso de espera”, uma mo-dinha, ele ficou impressionado com a música e me perguntou quando a tinha composto. Falei que havia sido em 1989. “-Você tem outras assim?” -Tenho, disse.“Esse Brasil é uma caixa de surpresas”, respondeu. (Felipe executa “Tema ...”)

E teu encontro com o percussionista Marcos

Foi parecido como ocorreu com a Mônica Salmaso. Eu sempre imaginava ele tocando alguma música minha. Tenho uma grande admiração pelo seu trabalho desde o Olhode peixe. Quando ele veio a Porto Alegrepara dar um workshop, me inscrevi e levei omeu violão. Todos de pandeiro e só eu como violão. Mas fui mesmo para abordá-lo, aminha intenção era essa. Fiquei na primeirafila, com o violão colocado em pé à minhafrente. Durante um dos intervalos, ele falou:“Bem, tem outras pessoas que trouxeramoutros instrumentos e acho que tambémquerem mostrar seu trabalho.” Foi a deixa.Peguei o violão e toquei Balaio de cordas.Logo ele estava com o pandeiro tocando ao meu lado. Repetimos, a seu pedido.

A nova safra da música brasileira: Lenine, Zeca Baleiro, Pedro Luis e a Parede, Chico César, Simoninha, Rita Ribeiro... Esses nomes são o que há de melhor hoje?Acho que não. Eles conseguiram uma expo-sição. A característica comum a todos eles éa ênfase dada à linguagem pop nos seus tra-balhos. Num ou noutro estilo usado, apareceo lado pop misturado com algum elemento das matrizes brasileiras. Hoje, o que há demelhor na música brasileira é o Guinga. Ele

Guinga é conhecido há pouco, mas compõehá 30 anos. Seria um exemplo da exclusão do artista pela indústria musical do Brasil? Ele teve uma série de circunstâncias que o ajudaram. Ele é divulgado por seus méritos e esforços próprios, mas não toca em rádio,exce to nas cu l tu ra i s ou púb l icas .

é o novo e o gênio.

07

fotos Sete Peles

Page 8: Jornal Vaia edição 10

PRECE

Concede-me, Senhor, a graça de ser boa,De ser o coração singelo que perdoa,A solícita mão que espalha, sem medidas, Estrelas pela noite escura de outras vidasE tira d’alma alheia o espinho que magoa.

ARCO-ÍRIS

Arco-íris no céu. Está sorrindo o menino Que há pouco chorou.

IDENTIFICAÇÃO

Eu me diluí na alma imprecisa das coisas.Rolei com a Terra pela órbita do infinito,Jorrei das nuvens com a torrente das chuvasE percorri o espaço no sopro do vento;Marulhei na corrente inquietadora dos rios,Penetrei na mudez milenária das montanhas;Desci ao vácuo silencioso dos abismos;Circulei na seiva das plantas,Ardi no olhar das feras,Palpitei nas asas das pombas;Fui sublime n’alma do homem bomE desprezível no coração do mesquinho;Inebriei-me da alegria do venturoso;E deslizei dolorosamente na lágrima do infeliz.

Nada encontrei mais doloroso,Mais eloqüente,Mais grandiosoDo que a tragédia cotidianaEscrita em cada vida humana.

E

CD

AI

A

PO

SIA

D

E

A D

A

E TEMPLO D OURO

é o oO coração da gente com um templo de uro,c m aOnde arde a hama azul de u a eterna ansied de

em i nE sobe esp ral o ince so dos ideais.b nt ol oSober o, arde e e claro, o s da m cidade

I - d lnunda lhe e luz os pá idos vitrais.

g e s a çIn enuament , um deu l amos ao altar,u g ã r i sJ l ando-o t o pe fe to, assim, como o onhara,

o os sNum arrebatament , a n sa fanta ia:F r s e e aigu a ingular, duma b l za rar ,

e e e d o tAqu l s r i eal que o sonho pr me ia.

ã v a o s .N o tarda o venda al tr z do de engano ..m l de pNosso ídolo i orta , tão erfeitos traços,

V c m m s .a ila sobre o altar e to ba em il pedaço . .e s m oO qu julgamos ouro, é imples barro hu an !

e os dNa amarga d cepção n sa alma esespera,- aEmbriaga se de dor e clama e se ex spera...

i r o e , oVa -se o anc r, a dor s acalma cessa o prant .o õ do oA gente rec mp e o í l partido,

l c o lCo o a-o s bre o a tar do templo sem rival,e m oPara amá-lo, d pois, sem mágoa ou pessi ism ,

i f aNão ma s como se or um deus do paganismo,a c s pM s omo e ele fosse a enas um mortal.

PEREIRA EM FLOR

De grinalda branca, Toda vestida de luar, A pereira sonha.

Perspectiva

Olha pela janela azul do meu olharSereno e transparente, onde se esconde calmaA misteriosa esfinge eslava que é minh’alma.Mergulha os olhos teus no mundo em perspectivaQue se adivinha atrás de uma pupila esquiva.

Verás, por certo, desdobrar-se alma adentro,Na paisagem agreste, a estepe soberana.

E para que não pise a estepe imaculadaO duro sapatão de algum mugique alvar,Eu ando sempre alerta e trago bem guardadaA paisagem de neve oculta em meu olhar.

08 IV

V VIV

V V

A fragância do lirismo. Assim poderíamos

falar da poesia de Helena Kolody. Poéticamatizada de tons oníricos e telúricos,sensibilíssima na percepção do mundo,revela peculiar visão lírica do universo.Helena, evocando a infância transfiguradapela nostalgia e memória, não separa a vidada poesia. Católica de fazer sinal da cruzcom os três dedos, ela busca a ascensãoespiritual. De forte inspiração religiosa, seusversos simples e de alto rigor formal sintetizam os significados da passagem dotempo, da busca de um sentido elevado paraa vida, da compreensão do sofrimentohumano e da nostalgia do barro primevo. Suapoesia capta as coisas pequenas e delicadasdo cotidiano de um ângulo muito particularcapaz de nos mostrar novos sentimentos sobre a vida. Filha de imigrantes ucranianos,nasceu no Paraná em 1912, dedicou-seao magistério em escola primária durantequase toda a sua vida, publicou a maioriade seus llivros por conta própria (só veio aser editada profissionalmente nos anos80 pela Criar Edições, graças ao empenhodo escritor Roberto Gomes) e foi uma dasprimeiras a praticar o haicai no Brasil. Alheiaaos holofotes da celebridade e à autopromo-ção, ainda não é reconhecida como deveriae merece não se sabe porquê. Helena Kolodyacredita no ser humano e sobretudo no poderda palavra que para ela deve ser “uma luz nomundo, um instrumento de paz e fraternidade”.

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São duas linhas que representam a música brasileira aqui no RS. Uma é aquela em que aparecem Nelson Coelho de Castro, Kleitone Kledir, Vitor Ramil, Gelson Oliveira. Naoutra, tu estás incluído. Cita mais alguém.Cláudio dos Santos, Serrote Preto, Otávio Segala, Alexandre Florez, Camerata Bra-sileira, Marcelo Delacroix, Batuque de Cordas, todos daqui de Porto Alegre, e com certeza há outros tantos espalhados por esteestado. Têm trabalhos que vão além da cena pop, há uma diversidade cultural e produção muito grande. O que talvez falte é acesso do público, parece que há uma barreira separan-do esses compositores de seu público. Outra coisa que dificulta é que não temos aqui uma indústria cultural, no bom sentido, que estejaestabelecida. Por isso esta luta muito árdua do artista para conquistar o seu espaço.

O que deve ser feito para que a música bra-sileira seja reintroduzida nas rádios do país?A indústria tomou conta mesmo. O que valeé o jabá. Quem paga, toca, quem não paga, não toca. Então, tu tens que desenvolver osteus próprios mecanismos de divulgação e inserção do teu trabalho. São paliativos quetu tens que descobrir e construir para furareste cerco. Se não for assim, estás ralado.

Mas as idéias colocadas no disco já estavam

Sim. Esse processo eu já vinha fazendo desde o Cimbalê. Eu estava passando por um amadureci-mento em relação à brasilidade expressa no meu trabalho. Refletia sobre isso lendo muito autores antropólogos, sociólogos e etnomusicólogos bra-sileiros. E dois trabalhos foram cruciais nesse processo: o Identidades e a trilha do espetáculo Lixo, lixo Severino. Porque ali eu passei a enxer-gar a questão do enxugamento sonoro na minhamúsica, e a questão das matrizes brasileiras.

Fala do cd Identidades, gravado em parceria como acordeonista suíço Olivier Forel. Seria definidocomo world music? E o que é world music?O Identidades não estava planejado. Ele resultoudo encontro com o Olivier e fiquei muito feliz como resultado, da forma como foi produzido. Foramapenas quatro noites de gravação e não teve stress.A gente fez com o maior prazer. A faixa Vorotan,do compositor africano radicado na França SoloCoulibaly, que nem entraria no disco, foi a únicaque nós gravamos simultaneamente, no estúdio. E, sim, ele pode ser definido como world music. Para mim, world music é a música feita com as várias matrizes do mundo: o flamenco, o tango, o reggae, etc, misturadas com o elemento de cada país. A proposta do Identidades é isso daí.

Muito da cultura do país tem a ver com a mú-sica. Se não houver espaço para a música verdadeiramente brasileira, a nova geração irá crescer sem ouvir um Luiz Gonzaga, um Jackson do Pandeiro, um Cartola, um Pixin-guinha, um Ary Barroso ou um Tom Jobim. Tu pensas que esta geração estará fadada a

O que aconteceu na indústria cultural brasi-leira foi ruim. Surge a gravadora, a indústria musical, o produto, o mercado, e aí, todospensam: “o que é que vamos vender?” E amúsica no país tem muita importância, poisela tem a ver com a identidade cultural. Nomomento em que ela é sufocada e até mesmomassacrada em prol de outra cultura ou do

Tu te consideras um seguidor do estilo musi-cal do Baden Powel, do menestrel que é um cronista da sociedade em que vive?Eu me considero um observador, não sei se faço crônica, mas eu procuro me colocar como alguém que enxerga e reflete sobre o

E quanto à postura do músico em relação a usar a si próprio como instrumento divulgador e educador. Tu acreditas que omúsico cumpre um papel fundamental na educação das pessoas no Brasil?Isso é uma decisão muito pessoal. Tem mú-sico e compositor que se liga nisso, outros que não estão nem aí. Procuro não engajar minha produção num pensamento político, muito menos no político-partidário, porqueno momento em que tu fazes isso, estarás engessando o teu trabalho. A função princi-pal do artista é ter uma proposta estética, um propósito de fomentação, de questiona-mento.

definidas na tua cabeça?

seu país e sobre o mundo.

ser carente culturalmente?V

entrevista/conclusão

Demo Fita K-7 “Olhar Mouro”CD “Cimbalê”(1998)CD “Identidades”(2002), com Olivier Forel

CD “Percussivè” (inédito)Trilha do espetáculo “Lixo, lixo Severino” (2003)

entrevista - conclusão

mercado, quem perde é o país.

disco

grafia

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A prosa visceral de Cazarré

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CRUZADAS MANJADAS1 3 4 5 6 7 8 9 102

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Luiz Gustavo InsektoINSETICIDA COMICS

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V VIV

V V

CRUZADAS MANJADASHORIZONTAIS - 1- Que anuncia mau presságio (pl.) - Pron. Pes.1a. Pes. Sing. - 2- Bebida dos deuses - Raio(símb.) - Consoante-3- Dissidentes cristãos seguidores de Martinho Lutero- 4- Notamusical - Artigo Def. Fem. Sing. - Escola Superior de Ilusionismo Político(o Congresso Nacional) - 5- Fósforo(símbolo.) -Dedicado-6- Mulher acusada de crime - Planta da família das liliáceas -Élio Rodrigues, aposentado -7- Absorve pelas vias respiratórias -Pouco vulgar - 8- Dispositivo usado para localizar/ sondar alvos - Partia - 9- Busca, procura - (...) Calvino, escritor - 10- Plano desustentação de aeronaves - (...) Monteiro, general golpista doEstado Novo(30-45) - VERTICAIS - 1- Associação Nacional dosLarápios - 2- O deus maior do Olimpo - (...) Athanázio, escritorcatarinense - 3- Relativa a peixes - Mamífero ungulado da ordemdos Perissodátilos - 4- Ainda, também - Auxílio em dinheiro dadoa estudantes ou pesquisadores - 5- Indivíduo libidinoso, sensual-Ponto (...), local de grande sensibilidade erógena do corpo damulher - 6-Fala em público - “(...) Cid”, clássico do cinema épico-A cidade maravilhosa - 7- Indeferir - Forma oblíqua do pronome da 2a. Pes. Singular - 8- Guimarães (...), escritor - Criadas - 9-5a. letra do alfabeto - Relativo aos astros -10- Cardinal designati-vo da unidade - Cada orifício da pele - Marca de absorvente.

Sanderson

Serial Killer Tupiniquim

Andrade

reservamos a calma para momentos mais gravesolhem os monstros da espécie humanaeles não diferem fisicamente de nósalgo do inferno rompeu o insconsciente naturaltestículos com patas romanas é o exemplo que dou

manobro a atenção para o mal que ocorrerá amanhãsintonia que arranco da negação sobreposta da moralcom a vendedora de pipocasna praça de uma cidade de interiorseus artifícios no primeiro atodepois que levamos a sérioa falta de troco

Hitler repele o ser adulto que se repeteStanlin é uma espécie de sepulturas com curvasque só servem aos que foram mortos sem rostotodos estavam esticados de repentemas basta ficar em casacom o “alter ego” clandestinode uma população em baixaaté que surja um naturalistaque entenda da almaesquerda e direita são simplesmente datas

C. RONALD “A razão do Nada” Scortecci, 2001

esde pequena a Marcinha mostrava a sua falta de jeito com a vida. Ela morava no apartamento em frente ao meu e depois do almoço eu ouvia os passos apressados da Marcinha e uma batucada in-sistente na porta de casa. - Vamos descer? - mesmo sem vontade, eu descia. Lembro que nossa diferença de idade não passava de uns dois anos, ela havia nascido depois de mim. Não importava, já que ela lideravanossas brincadeiras. Na época eu tinha uma obsessão por sapata, inva-rialmente substituída pela brincadeira preferida de Marcinha: dar a volta

Nosso ponto de partida era em frente ao prédio onde moro, daqueleponto, dali cinco ou dez minutos, dependendo das aventuras e percalçosque encontrássemos em nossa incursão, voltaríamos ao ponto de partida/chegada. O que excitava a mente de Marcinha é o fato de que nas voltasnas quadras o ponto de partida é o mesmo da chegada e mesmo que inver-têssemos o sentido de nossas caminhadas o efeito seria o mesmo. A únicaregra da brincadeira era andarmos ombro a ombro, lado a lado, durante otrajeto. Havia outra regra não declarada que consistia em a Marcinha falarsem parar e eu escutar. Ela fantasiava as mais diversas situações, discur-sava seus projetos. Um dia ela gostaria de ser enfermeira, em outro “fabri-cante de filmes” e às vezes carregadora de circo, já que para Marcinha aimportância de uma profissão media-se pela quantidade de aventura e vida encerrada nela.

Na nossa quadra, lembro-me bem, havia uma casa assustadora ao nosso olhar infantil, e por extensão a sua moradora também o era. Tratava-se de uma senhora, que atura a nossa diversão diária de tocar a campanhia, esperar ela abrir, mirarmos aquela face enrrugada e sairmos correndo e gritando: - Velha bruxa! - até o nosso ponto de partida/chegada. Durante todos aqueles anos de volta na quadra, Marcinha me obrigava a colocar a mão no seu peito para sentir a disparada de seu coração. Eu adorava aquela encenação diária, a expressão esbaforida de Marcinha, aguardando minha sentença: - Marcinha, teu coração vai saltarpela boca! - depois de ouvir minha preocupação faz-de-conta, ela discursa-va superior: - Isto que eu não usei nem dez por cento da minha força! - outras vezes eram cinqüenta por cento. Nunca descobri como Marcinha estipulava suas percentagens. Depois de alguns anos, já na adolescência, Marcinha aflorou majestosamente para a vida e sua beleza e presença de espírito murchavam-me diariamen-te. Ela queria devorar tudo e o tudo tinha nome: Marcelo, que morava pouco antes do ponto partida/chegada. Apaixonaram-se, mas depois de algum tempo, Marcinha voou. O ciúme é inerente aos homens, e a me-mória é como uma esponja encharcada que por mais que se aperte não revela toda água de seu poroso interior. Não lembro quando separamos nossa amizade, talvez após a morte do pai de Marcinha, quando ela e a mãe mudaram-se para o subúrbio, onde o aluguel era mais barato. Um dia desses mirei Marcinha de soslaio, era madrugada, em umbairro mal afamado, ela não me viu. Eu estava em meu carro e a vi peloespelho retrovisor, ela andava apressada contornando a esquina. Retornei, dando a volta na quadra, estacionando o carro a uma distância segura.Marcinha caminhava de um lado para o outro. A danada inventou uma nova brincadeira, onde os pontos de partida/chegada estavam separados. Quando a saudade de Marcinha aperta, dou uma volta na quadra e nosso ponto de partida/chegada, peço ao Marcelo que encoste sua mão

- “Marcinha, teu coração vai saltar pela boca!”no meu peito e fale mesmo que de faz-de-conta:

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YUR FLORES MACHADOI

Planeta Inseck Thox

Como ser o negro mais esclarecidosem ressuscitar o ser Castro Alvesna negritude à sombra desiludidaa esperar nascer que a morte salve,

nesse retumbar letárgico de líriosa sepultar o negro X ativista,antípodas dos mais antigos martíriospresente em todo eu maniqueísta...

Emerge do sonho de claro segredover em negro eis a solução: mudara premissa, amar o sujeito do medo

Requer sangue na cor, até na discórdiaabre internos caminhos pra repararnesta vida ou na morte, negros acordem...

LUIZ CARLOS AMARO

ser+SERVolta na quadra

na quadra.

Page 11: Jornal Vaia edição 10

O garoto corre atrás do caminhão-pipaquando vai pendurar-se você o detém (cônscio das responsas):

A poesia morreno ato que você faz cessar

Eu passo lindo e você me olha e cabisbaixa-se:

A poesia morreno olhar que você cancela

Alçapão armado, alpiste adoça mascarando engodoa desgraça, o “click”:

A poesia morrena Liberdade do pássaro interrompidapelo teu Egoísmo

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Róseos mamilos espadadostorturantes pontos paralelos

avante, marchando empinadossoberbos, tentadores e belos.

Bússola que entesa e desnorteiamira, desalinha e aprumasufoca, levanta e tonteia

alonga, entorta e desarruma.

Sensíveis cones convexosmirante dos olhares ardentes

condutores óticos do sexotermômetro visual dos carentes.

Intocáveis volúpias sagradasimagináveis prazeres sentidos

masturbáveis pontiagudas espadasansiáveis desejos contidos.

Sensitíveis botões aureoladosdesabroches em estágio de oferta

reatores e compostos ionadossincronados no estado de alerta.

VILMAR DAUFENBACH

Laurene Veras

A s I n v a s õ e s B á r b a r a sP r o d u ç ã o : C a n a d á / F r a n ç a , 2 0 0 3D i r e ç ã o : D e n y s A r c a n d

Uns dizem que é um filme sobre a criseda pós-modernidade. Outros, que é sobrea morte, sobre a moralidade, etc. Todas as alternativas estão corretas, mas são insuficientes. O intelectual conversa coma freira, e depois de bombardeá-la com informações sobre as atrocidades cometi-das pela humanidade na tentativa de ilus-trar o “depoisnãomevenhafalaremdeus”, airmã aterrorizada e com os olhos aquosossentencia: -É por isso que creio que deve haver alguém para nos perdoar. E o ateu desabafa: -Você é uma afortunada. Mas no momento da maior solidão, o momentode entregar o óbulo ao barqueiro sombrio o descrente pode não ter deus, mas tem amigos fiéis e apaixonados por ele e pelavida. E é essa comunhão que ajuda ohomem a aceitar a morte como uma pos-sível amiga já que inadiável. As invasões bárbaras menciona os tabus, a mesqui-nhez, o amor, a história, a filosofia, a literatura, a política, a religião e o aban-dono. O abandono de deus, o abandonodas utopias, o abandono de nós mesmos. A nossa perplexidade diante do mistério de se estar vivo ou não. Todas as antí-teses somos nós. Somos o belo e o terrível numa mesma delicada lâmina. Sem dúvida é um filme sobre nós, escravos e senhores do mistério, perdidosno escuro de mãos dadas, cantando a can-ção do tempo.

Humm...INSS...ISSQN...CPMF...Humm...IPVA...IPTU...IR... 13º... Humm...

Estavam deitados lado a lado.Saciados, momentaneamente.Guerreiros desobrigados apósintensas batalhas. Ela lhe olhou diretamente nos olhose perguntou: “Você me ama?”.Ele, sem olhar para ela:“O queé o amor?”. Ela se crispou, sentindo o friozinho da madru-gada arrepiar sua súbita nudez.

Antonio Luiz Lopes (Touché)

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A Ronda

Co de o ri osasnsi r pe g

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W i ec pe , G ez.h t ha l om

Depois da morte do Estripa-

dor, o único perigo, Watson,

nas madrugadas de

Whitechapel...

...são os

pombos!

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Já sei. Foi a

mesma coisa comigo,

semana passada. A

danada acorda de

repente e devora

até as migalhas

caídas na mesa

da cozinha...

Komiquase

HIDRO, o cão hidrófobo

Rena é coisa de veado!*

*Aldir Blanc

NOTA DE AGRADECIMENTO:

Congratulamo-nos com aquelas que vieram prestigiar o maior evento etílico-litero-musical já visto nas cercanias do paralelo 30. Obrigado, meninas. Vocês estavam exuberantemente belas no convescote do VAIA. Em bre- ve, faremos outra festa para vocês e todas as que não pude-ram sentir o prazer desse primeiro encontro quese deu (vocês se deram?) no Bar Psicoarte.

Serpílio Atrabílis - redator

11IV

V VIV

V V

“A justiça brasileira não é lenta. O crime organizado é que é mais rápido. E paga bem.”

JOÃO CARLOS ROCHA MATTOS Juiz Federal preso por vender sentenças

ânsias

arte:

Daniela PayerasRoteiro:

Fernando Ramos e Alexandre Florez Sammis Reachers

Page 12: Jornal Vaia edição 10

ete horas da manhã de segunda-feira. Sonolento, levanta. Descortina-se mais um dia. Úmido, cinza, inverno: mais um dia de morrer. Mal abre os olhos,e as horas vindouras, uma a uma, abraçam-se aosafazeres. A oitava da manhã há anos marcou encon-tro. Só hoje decidiu cumprir o compromisso. A do almoço e as demais, disciplinadas e pontuais, são

No caminho para o casarão, vozes balbuciadassopram-lhe o ouvido. Não consegue identificá-las, mas, à medida em que se aproxima, tornam-se maisclaras. Avista a majestosa entrada. Penetra pelosumbrais. Já pode ouvir fragmentos de frases entre-cortando o hall de entrada. Aproxima o ouvido dos objetos da estante. Identifica histórias de família.Contam-se causos de diversas gerações de aristocra-tas que passaram pelo casarão. Os origamis, com umleve sotaque, trocando os erres pelos eles, dizem devisitas de embaixadores chineses, preocupados compolíticas de boa vizinhança, tamanho fôra o poderiodo reino. A vela rústica lembra os momentos de insô-nia dos reis e rainhas, perambulando pelos corredo-res em busca de soluções noturnas. A garrafa dewhisky: testemunho da decadência. O único legado

Costuma ir ao bar na hora do almoço, momento de maior rebuliço. Passa despercebido em meio àmultidão. Senta-se na mesa detrás do pilar de susten-tação do teto, espécie de arquitetura jônica corrompi-da pela utilidade. É invisível aos demais freqüentado-res, apenas o garçom o enxerga do balcão. Com umsimples aceno de cabeça, o pedido de sempre:

Delicia-se com o primeiro gole. Deixa o álcool a-mortecer a língua, como quem anestesia as angústiasda vida. Os outros goles são automáticos, sem sabor, com gosto de “vamos ver até onde agüento hoje”. Aos poucos aproximam-se o pai, o avô, o bisavô.Puxam as cadeiras preferidas, reservadas há anos.Esbaldam-se com lembranças. Riem das angústias edas alegrias do último descendente. Conhecem-nasuma a uma, inclusive aquelas vividas dentre quatroparedes. Não há quaisquer segredos entre eles. Sãocapazes de comentar os momentos mais íntimos, vi-vidos a sós pelo pesquisador. Conseguem ler pensa-mentos. Fazem cair os muros da censura. Gritam aosquatro ventos tudo o que, no dia-a-dia, ele não temcoragem de dizer ou recordar. Falam abertamente sobre sexo, intimidades de amantes, a primeira expe-riência com drogas, a luta perdida contra o álcool,

Permanecem até o momento da expulsão do pes-quisador, esta hora jamais decepciona, sempre dis-postos a voltar no dia seguinte, com a mesma elegân-cia de quem, embora morto, não perde a majestade. “Eu não estou bêbado, só mais um golinho”, bal-bucia com dificuldades. É carregado pelos braços atéem casa. Está quase na hora de dormir. Merecido descanso de quem amanhã morrerá mais um pouco.

Durante horas, o pesquisador percorre todos osrecantos do casarão. Envolto em papéis, imortaliza atradição oral. Anota histórias e conclusões. De repen-te, sôfrego, guarda a caneta. Recolhe o relatório desua pesquisa de campo. Não, não é simples pesquisade campo, é investigação da alma. Porque o corpocomeçou a tremer, corre em direção ao bar. Hora derender homenagens à tradição. Um gole para o santo

“aquele doze anos, por favor”.

tudo em alto e bom som.

deixado às descendências.

e uma garrafa de whisky só para ele.

SREMINISCÊNCIAS

sempre as mesmas, jamais decepcionam.

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