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QUATRO Universidade Federal de Santa Catarina Curso de Jornalismo Jornal Laboratório da disciplina Redação IV Distribuição gratuita Florianópolis, dezembro de 2011 Ano IV - Edição VII A noite é uma criança Enquanto é cada vez mais comum a presença de crianças e adolescentes em casas noturnas — e a consequente exposição ao álcool, às drogas e à violência — tramitam na Justiça de Santa Catarina três projetos de lei que pretendem criminalizar a venda de bebidas à menores de 18 anos de idade. RELIGIÃO / TRABALHO / NOITE SUBTERRÂNEA / HORÁRIO COMERCIAL / TRANSPORTE PÚBLICO / B.U. DIA E NOITE / INTERRUPTOR / JUSTIÇA / CAUSA MORTIS / WHISKEY 16 ANOS / BOATE / PARA NÃO DORMIR / SEM DORMIR / INCONSCIENTE / SONO ASSISTIDO / PELOS ARES / BOM HUMOR / ECLIPSES / FULLHOUSE / PAIXÕES NACIONAIS / PICHAÇÃO BOA NOITE!

Jornal QUATRO

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Jornal produzido para a disciplina de Redação IV por alunos do curso de Jornalismo da UFSC

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Page 1: Jornal QUATRO

QUATRO Universidade Federal de Santa CatarinaCurso de Jornalismo

Jornal Laboratório da disciplina Redação IVDistribuição gratuita

Florianópolis, dezembro de 2011Ano IV - Edição VII

A noite éuma criança

Enquanto é cada vez mais comum a presença de crianças e adolescentes em casas noturnas — e a consequente exposição ao álcool, às drogas e à violência — tramitam na Justiça de Santa Catarina três projetos de lei que pretendem criminalizar a venda de bebidas à menores de 18 anos de idade.

RELIGIÃO / TRABALHO / NOITE SUBTERRÂNEA / HORÁRIO COMERCIAL / TRANSPORTE PÚBLICO / B.U. DIA E NOITE / INTERRUPTOR / JUSTIÇA /CAUSA MORTIS / WHISKEY 16 ANOS / BOATE / PARA NÃO DORMIR / SEM DORMIR / INCONSCIENTE / SONO ASSISTIDO / PELOS ARES / BOM HUMOR / ECLIPSES / FULLHOUSE / PAIXÕES NACIONAIS / PICHAÇÃO

BOA NOITE!

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4importância de um jornal laboratório

aNo momento do fechamento desta edição, jornalistas e acadêmicos comemoravam a aprovação no Senado da PEC 39/2009, em primeiro turno, que restabelece a obri-gatoriedade do diploma para o exercício da profissão. A emenda constitucional pro-posta pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) confronta o entendimento do STF, pelo qual seria exigido diploma universitário apenas de profissões ligadas à vida. A justificativa do ministro Gilmar Mendes era embasada na analogia de que a profissão do jornalista seria uma função técnica, como a do cozinheiro.É interessante constatar que a maioria das matérias sobre o assunto na grande imprensa destacou as argumentações dos senadores contrários à proposta, numa votação acachapante de 65 a 7. Em raras reportagens enfatizam-se as justificativas dos parlamentares favoráveis à emenda. Entre esses sete senadores repetem-se os discursos já lugar-comum: a medida “fere a liberdade de imprensa e contraria o direito à livre manifestação do pensamento”. Ou que esta emenda “é o embrião para o controle social dos meios de comunica-ção”. Mas a jóia rara veio na manifestação inflamada de Collor de Melo, ao alegar que “os cursos de jornalismo, nos últimos anos, nada mais têm feito do que formar jornalistas analfabetos funcionais”.Por que, eu, jornalista-professor, insisto em defender o diploma e em praticar com meus alunos um jornalismo experimental? Nesses anos de estrada aprendi que ao jornalista cabem três desafios: técnico, ético e estético. Fazer o Quatro é um processo que não acontece numa cozinha – não estamos aqui para treinar receitas. Estamos num laboratório de linguagens em que nos capacitamos para as técnicas, sim, mas procuramos repensar, recriar o fazer jornalístico. Por isso, vale o que está consagrado, mas também e o que não é convencional (até o que não existe?). Aqui há liberdade para experimentar enfoques, abordagens, temas, estratégias...Para tanto, exige-se uma perspectiva, um olhar mais aberto para o mundo e para a vida. Trata-se de posicionar-se politicamente de modo a alargar a visão de mundo. Esta é a postura ética que oportuniza estar solidários às dores universais. Pautar e pautar a si pelo que aflige a sociedade. Esta sintonia com a vida advém da sensibi-lidade para reconhecer e respeitar a vida coletiva. É a dimensão estética que nos torna intelectuais comprometidos com a sociedade.Fazer um jornal como o Quatro é um bom projeto pedagógico? Minha primeira avaliação em experiência como esta é ver o brilho nos olhos dos participantes. Acompanhar o dia a dia da turma me faz ver o entusiasmo da aprendizagem. Também não creio que tenhamos aqui qualquer reportagem de algum analfabeto funcional. Por isso, não tenho dúvida, é um bom caminho.Mas o jornal é para o leitor. E é você, leitor, quem deve avaliar com mais proprieda-de o nosso Quatro. Aguardamos seu comentário.

Jorge Kanehide Ijuim

cartaaoleitor

O jornal mais aguardado que natal e férias chegou e vem trazendo a NOITE como temática central. A escolha não veio sem discussão, acreditem. Mas a noite seduz e, por isso, acabou viran-do a vedete do Quatro deste semestre.

Falando em se-dução, aqui você vai encontrar nossas repórteres Kaune Moreira e Jéssica Melo mostrando tudo numa reportagem sobre as casas de show erótico, só para maiores de 18 anos. O que, aliás, é tratado em outra matéria, a respeito da presença de menores nas baladas. Se isso lhe faz se perguntar a possibilidade de existir uma relação entre noite e felicidade, o Quatro responde essa para você também, na página 20. Aproveite e leia sobre as pessoas que abandonaram o dia, em busca dessa felicidade [ou por falta de escolha]. E se você, leitor, é uma dessas pessoas que trocam o dia pela noite, já deve ter percebido a falta de serviços 24h em Florianópolis, tema tratado por Victor Hugo Bittencourt e Rafael Canoba.

As reportagens anunciadas e esta excelente carta ao

leitor ainda não te conquistaram? Então talvez lhe chame mais a atenção o texto que fala dos júris popula-res até altas horas, ou a história do blecaute de 2003.

Ainda há matérias sobre pichação, apnéia sonambulismo, insônia e qualidade do sono em vôos noturnos. Até sobre futebol e pôquer essa edição fala. Para quem gosta de rela-tos, tem uma noite no Instituto Médico Legal (IML), da Géssica Silva, e o dia na na escuridão dos mineiros, narrado por Thaine Machado e Merlim Malacoski.

Por isso, caro leitor, dê um tempo na sua correria de fim de ano. Pare, respire, relaxe e leia este jornal labo-ratório, que é único. Afinal, a cada edição que passa, a única coisa que fica igual no Quatro é seu nome. O impresso adquire a cara da turma que o faz e aqui estamos mostrando a nossa. Depois de um longo semestre, duras discus-sões, algumas crises e menos risadas do que antes, ainda estamos juntos e este é o resul-tado do nosso trabalho em grupo. Esperamos que aprecie a leitura, feliz natal e um ótimo ano novo, de toda a redação Quatro.

Quatro Jornal laboratório desenvolvido pelos alunos da 4ª fase de Jornalismo da UFSC como atividade da disciplina Redação IV REPORTAGEM, EDIÇÃO E DIAGRAMAÇÃO Ana Luisa Funchal, Carolina Franco, Daniel Lemes, Derlis Dario Cristaldo, Gabriele Duarte, Géssica da Silva, Giovanna Chinellato, Helena Stürmer, Jennifer Hartmann, Jessica Melo, Jéssica Trombini, Joana Zanotto,

Joao Gabriel Nogueira, Karine Lucinda, Kauane Moreira, Ketryn Alves, Laura, Vaz, Lucas Inácio, Luciana Paula Bonetti, Luiza Lobo Tarrago, Marianne Oliveira Ternes, Marília Conill Marasciulo, Merlim Miriane Malacoski, Natália Pilati Emer, Patrícia Cibele Cim, Patricia Dal Bó Pamplona, Patricia Krieger, Rafael Canoba, Rafaela Blacutt, Sâmia Fiates, Stefany Alves, Thaine Machado, Thomé Granemann, Victor Hugo Bittencourt PROJETO GRÁFICO Gabriele Duarte e Rafael Canoba MONITOR Nathan Schafer PROFESSOR ORIENTADOR Jorge Kanehide Ijuim (MTb 14.543/SP) IMPRESSÃO Diário Catarinense TIRAGEM 3.000 exemplares. Universidade Federal de Santa Catarina – Centro de Comunicação e Expressão – Curso de Jornalismo. Campus Universitário Trindade, S/Nº - 88040-970 – Flo-rianópolis – SC – Fones: (48) 3721-9490 – 3721-9215 - [email protected] 2

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Prática noturna em ritos religiosos

Simpatias, promessas e rituais são práticas costumeiramente rela-cionadas à noite e evo-cadas como sinônimo

de festa, arte, liberdade. Mas per-siste ainda a marca do noturno como perigoso e mau. A noite, para além dos relatos de violên-cia nos noticiários, aparece em contos famosos, como um risco para a Cinderela, que perde seu encanto depois da meia noite, hora em que as boas moças de-veriam estar em casa. Este signo está presente também, com dife-rentes signi�icados e rituais, em várias tradições religiosas.

Comumente é atribuída a cerimônias pagãs ou neopa-gãs. Segundo o sacerdote Lugus Heraios, da União Wicca do Brasil, ainda que muitos rituais da religião sejam à noite, é um equívoco pensar que se restrin-gem a este turno.

Se historicamente as práti-cas foram escondidas por conta da Inquisição, hoje, cada ritual é feito de acordo com a hora as-trológica mais apropriada. “Por exemplo, um Esbá de Lua Cheia será realizado à noite, um rito de conexão com uma divindade de atributos sola-res provavelmen-te será feito de dia”, diz Heraios. Para a tradição Astrológica, cada dia da semana tem um planeta regente, o mesmo acontece com cada hora de acordo com o dia. A noite, ou o dia, seria um terceiro fator para a de�inição do regente de uma hora qualquer.

A Wicca, que como seita sur-giu na década de 1950, abrange práticas milenares de paganis-mo. In�luenciada por religiões míticas, é politeísta, dualista, ma-triarcal e os adeptos passam por um ritual de iniciação.

Um de seus principais mitos conta que, após a morte, nós vol-taríamos para o útero da deusa, entidade feminina que é relacio-nada com a natureza. Por isso, a harmonia com o meio ambiente é uma questão chave para os seus praticantes. Não possui um livro sagrado, apenas advertências como o “Rede Wiccan” (Conselho

Wicano) que diz: “Faça o que qui-seres, sem a ninguém prejudicar” e a Lei Tríplice: “Tudo o que �ize-res, a ti retornará multiplicado por três”.

O que também liga a noite ao paganismo é o culto a uma deu-sa. Em muitas destas tradições, a noite é relacionada ao feminino e o dia ao masculino. Para a mística Ane Metallica, outra questão que marcava a prática dos rituais no-turnos era a crença cristã de que Deus nos observaria durante o dia e, à noite, estaríamos além do alcance de seus olhos.

Existe ainda uma mística que envolve o horário da meia noite, a “maldita hora”. Segundo São Cipriano, bruxo que teria se tor-nado santo ao se arrepender das práticas de magia, os feitiços mais fortes e poderosos deveriam ser praticados neste horário. Outra hora maldita para o santo é às três da madrugada, hora contrá-ria a da morte de Jesus Cristo, que teria acontecido às três da tarde.

Umbanda - No Brasil, costuma ser relacionada às religiões de matriz africana. Marcada pela mistura religiosa e cultural afro--brasileira, teve ainda in�luên-cia indo-européia, ameríndia e africana. Umbanda de Omoloko, Umbanda de Almas e Angola e Umbanda de Caboclo são algu-mas das rami�icações que torna os cultos diversi�icados entre os terreiros.

Embora existam alguns ritu-ais que são realizados à tarde, a

grande e mas-siva maioria se realizam à noite. Para o professor João Luiz Carneiro, da F a c u l d a d e de Teologia Umbandista

(FTU) de São Paulo, no ritual um-bandista, a noite representa uma tradição histórica. “Esse fato tem mais relação com uma questão social e cultural, já que os prati-cantes eram das camadas mais baixas da sociedade e sofriam perseguição”.

Outro motivo que explica os rituais noturnos, segundo a mãe de santo Kátia Luz, da Associação Bene�icente do Terreiro de Umbanda Reino de Iemanjá Casa Luz D’Omulu e João Luiz Carneiro, está relacionado aos frequentadores dos terreiros. “Normalmente, quem é do terrei-ro não vive da religião, a maioria trabalha durante o dia e só tem a noite para realizar o culto”, expli-ca Carneiro. Kátia ainda aponta a duração das sessões como um

fator para o horário em que são realizadas. “O atendimento é in-dividualizado, as pessoas que-rem se curar de alguma coisa que faz mal a elas, por isso cada aten-dimento pode durar até três ou quatro horas”.

Apesar de possuir raízes tão antigas quanto a escravidão no Brasil, considera-se a fundação o�icial da Umbanda em 1908, quando Zélio Fernandino de Morais manifestou a entidade Caboclo das Sete Encruzilhadas durante uma sessão na Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro.

Kardecismo - A vinculação entre a noite e a sessão espírita acon-tece também de maneira equi-vocada. Segundo Itaeli Pereira da Silva, presidente do Centro Espírita Raul Machado, assim como na umbandista, os encon-tros são noturnos pela comodi-dade para os frequentadores dos centros espíritas. “Kardek [quem codi�icou esta doutrina] fazia sessões espíritas de tarde”, com-pleta Silva.

O Espiritismo e a Umbanda têm em comum ainda a mani-festação de espíritos e a cren-ça na reencarnação. Segundo o professor de História Fábio Feltrin, da Universidade Federal da Fronteira Sul, o espiritismo no Brasil foi in�luenciado pelas religiões de matriz africana, e se-ria o único no mundo em que os espíritos se manifestam através dos mediuns, o que, para Feltrin, remete à incorporação das en-tidades pelo Pai de Santo.

Perseguições a cren-ça espírita não justi�icam suas práticas noturnas, embora elas tenham sido fortes, principalmente no século XIX, quando o espiritismo se di-fundia pelo mundo, atra-vés dos livros de Allan Kardek, entre eles Livro dos Espíritos, Livro dos Médiuns, Evangelho se-gundo o Espiritismo, Céu e Inferno e A Gênese.

A Espanha, país tradicio-nalmente católico, foi palco de um das manifestações contra o crescimento de adep-tos ao espiritismo, conhecida como Auto de Fé de Barcelona, em 1861, quando cerca de 300 livros espíritas foram queimados em praça pública.

Catolicismo - No ca-tolicismo, tra-dição mais he-gemônica do Ocidente, a noi-te possui sim-bologias diver-

sas. Na Bíblia, ela aparece como sinônimo de trevas e do perigo.Segundo o padre Siro Manoel de Oliveira, mestre em Estudos Bíblicos pelo Ponti�ício Instituto Bíblico de Roma, cerimônias como as missas de Natal e Páscoa acontecem à noite para marcar a vitória da luz divina sobre a noite do perigo e da dor.

Assim, a missa de Páscoa é ce-lebrada obrigatoriamente à noi-te para simbolizar o martírio de Jesus e termina numa aurora com a ressurreição.

O Natal, que já era celebrado por povos pagãos, simboliza a vi-tória da luz, nascimento do �ilho de Deus, sobre a noite mais lon-ga do ano, já que no hemisfério Norte coincide com o solstício de inverno. Como no hemisfério Sul o solstício acontece em junho, a vitória é celebrada na festa de São João, sendo que a fogueira re-presenta a luz divina.

Olhar atento sobrepráticas religiosasdesmistifi ca lendase resgata a históriade rituais noturnos

No passado, a Inquisição restringia as práticas, hoje, os turnos de trabalhocontam mais

RELIGIÃO Quatro Florianópolis, dezembro de 2011

Ana Luísa [email protected]

ça na reencarnação. Segundo o professor de História Fábio Feltrin, da Universidade Federal da Fronteira Sul, o espiritismo no Brasil foi in�luenciado pelas religiões de matriz africana, e se-ria o único no mundo em que os espíritos se manifestam através dos mediuns, o que, para Feltrin, remete à incorporação das en-tidades pelo Pai de Santo.

Perseguições a cren-ça espírita não justi�icam suas práticas noturnas, embora elas tenham sido fortes, principalmente no século XIX, quando o espiritismo se di-fundia pelo mundo, atra-vés dos livros de Allan

Livro dos Espíritos, Livro dos Médiuns, Evangelho se-gundo o Espiritismo, Céu e Inferno

A Espanha, país tradicio-nalmente católico, foi palco de um das manifestações contra o crescimento de adep-tos ao espiritismo, conhecida como Auto de Fé de Barcelona, em 1861, quando cerca de 300 livros espíritas foram queimados

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Luciana [email protected]

carta leitor

Page 4: Jornal QUATRO

Quando você sai de seu trabalho, eles saem de casa. Quando você volta da balada cansado,

eles trabalham para levar você em segurança para casa. Se, no caminho, você estiver louco por um sanduíche, eles atendem nas lanchonetes e postos de gasolina. Há tantas profissões e trabalha-dores noturnos que seria possí-vel escrever um livro sobre cada uma delas e, nos últimos anos, com o aumento dos serviços 24h, mais funções foram incorporadas à lista.

Não existem dados oficiais so-bre o número de trabalhadores noturnos. No estudo “Trabalho em turnos e noturnos na socie-dade 24 horas”, três pesquisado-ras da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estimam que 10% da população brasileira trabalham nesse horário. O turno da noite em centros urbanos estabeleci-do pelas leis trabalhistas vai das 22h às 5h. Embora não seja con-siderada uma atividade insalu-bre, este tipo de jornada possui leis específicas: a hora noturna possui 7 minutos e meio a menos que a comum e é garantido um acréscimo salarial de 20% ao tra-balhador. Até pouco tempo atrás, mulheres não podiam exercer funções neste turno.

Foi o salário maior que atraiu o bioquími-co Carlos Alberto Lima P a m p l o n a . Ele sempre trabalhou em turnos notur-nos ou alter-nativos: das 22h às 3h ou

das 19h às 7h. Atualmente, ele possui dois empregos. Um, tradi-cional, das 7h às 13h. Outro, num laboratório de análises clínicas, das 19h às 7h, no esquema “12 por 36”, ou seja, trabalha uma noite sim e outra não. Sabe aque-le exame urgente que você fez numa clínica que lhe prometeu o resultado para amanhã de ma-nhã cedinho? É ele quem analisa a amostra.

Quem pensa que ele não con-segue ter uma rotina normal, se engana. Na verdade, Carlos Alberto é bastante regrado. Volta

para casa, almoça e dorme. “Ele não tem dificuldade nenhuma para dormir, deita na cama e apaga”, entrega a esposa, Soraya Pamplona. Depois, sai para cami-nhar. O exercício ajuda a contro-lar o estresse e a manter o pique. “Quando eu não fazia nada, era bem mais difícil”. A rotina tam-bém ajuda: na época em que ele trabalhava das 22h às 3h era pior, já que ele só conseguia dormir das 4h às 6h e depois das 16h às 21h.

Pamplona gosta de trabalhar à noite. “Eu sou mais independen-te, o chefe não fica tão em cima. Acho que, atualmente, se tivesse que optar por um trabalho con-vencional e o noturno, mesmo que o salário fosse o mesmo, eu escolheria o noturno”, defende. Mas ele reconhece que para isso é necessária muita adaptabilida-de. No começo, brigar com o sono é um grande desafio.

Pamplona conseguiu se adap-tar, mas poucos trabalhadores conseguem. Isso preocupa os mé-dicos, já que a qualidade do sono influencia muito a saúde. O corpo humano foi habituado a traba-lhar durante o dia e descansar durante a noite. Na ausência de luz, é liberada a melatonina, hor-mônio que proporciona a sensa-ção de sonolência. Dormir bem é importante, pois é nesse período que grande parte das funções de nosso corpo é regulada e sofre manutenção.

Durante o sono, passamos por etapas que compõe um ciclo. As primeiras são responsáveis pelo descanso do corpo – os músculos relaxam, a pressão arterial baixa, a respiração se torna mais pro-funda – e o sono é considerado leve. As últimas são chamadas de Rapid Eyes Movement (REM) e é quando a respiração e a frequên-cia cardíaca aceleram, os olhos se movem rapidamente e sonha-mos. Durante o REM são libera-dos hormônios que equilibram o corpo, como o GH (responsável por manter o tônus muscular e evitar o acúmulo de gordura) e a leptina (controla a sensação de saciedade). Uma pessoa saudável deve completar de quatro a seis ciclos durante o sono.

O problema dos trabalha-dores noturnos é que eles po-dem ter estes ciclos alterados. Segundo a médica neurologista Dalva Poyares, pesquisadora do Instituto do Sono em São Paulo, é comum eles sofrerem por causa da privação de sono. “Ao mesmo tempo em que se queixam de in-sônia (apesar de não haver diag-nóstico de insônia), também se queixam de sonolência, uma vez que precisam estar despertos no

momento em que o organismo entende que deveriam estar dor-mindo”. Isso prejudica, principal-mente, o metabolismo, e a pessoa pode acabar com tendência a en-gordar, além de correr um risco maior de possuir doenças cardio-vasculares. “Quem dorme menos, vive menos”, revela Poyares.

O supervisor de produção Eliomar Antonio Favero é um dos trabalhadores que não se adaptou ao turno. Por quatro anos, trabalhou à noite na fábri-ca da Sadia, em Chapecó. Aquela comidinha deliciosa que você devorou no jantar? Era ele quem garantia que estivesse assim. Ele trabalhava das 2h30 às 13h, de segunda a sexta-feira. Às vezes, ficava até mais tarde, em reuni-ões. Em vez de chegar em casa e dormir, ele optava por ir para a cama cedo (pelas 18h no inverno, muito mais tarde no verão, consi-derada por ele a pior estação, por causa do horário legal). Com isso, conseguia realizar atividades físi-cas, ir ao médico, enfim, usufruir de serviços disponíveis somente em horários convencionais. “Mas o organismo não se adapta, eu sentia muito cansaço físico, ti-nha muito mau-humor”. Casado e com três filhos, ele afirma que a vida social ao lado da família era muito prejudicada. Atualmente, Favero trabalha em horário con-vencional em outra empresa, e faz observações sobre seus ex--colegas do turno da noite: o cansaço deles é visível, inclusive a cor da pele parece mais pálida, cinza. “Até substituo o supervisor noturno às vezes, mas se tivesse que voltar a trabalhar nesse ho-rário, acho que teria que mudar de emprego”. Segundo a médica Poyares, não há como diminuir os riscos relacionados à privação de sono em pessoas que, como Favero, não se adaptam à rotina.

O porteiro Rodrigo Ribeiro lembra outro problema: a falta de vida social. Ele trabalha todos os dias, das 20h às 5h no Edifício

Gênova, na Avenida Mauro Ramos, em Florianópolis. Ribeiro está lá há quatro anos, e aos 26 anos, sente falta de “ir para a ba-lada, fazer uma farrinha com os amigos”. Começou a namorar há três meses, e a namorada já re-clama da falta de atenção. “É mui-to difícil conciliar tudo”.

Além do emprego na porta-ria, ele entrega tintas automoti-vas das 14h às 18h. Dorme seis horas de manhã e “dá um jeito” de conciliar outros compromis-sos. Embora não tenha dificul-dade para dormir de dia, na sua folga ele não consegue ador-mecer direito à noite. “Quando cai numa segunda-feira, por exemplo, e não dá para sair com meus amigos ou fazer alguma outra coisa, antes das duas da manhã eu não pego no sono”. Apesar de conseguir dormir seis horas todos os dias, Mesmo com a falta de vida social e as altera-ções no sono, Ribeiro prefere o turno da noite. Para ele, durante o dia, o entra e sai é grande, o ní-vel de estresse é maior, “tem que engolir muito sapo”. “Quem vai para o noturno dificilmente vai querer voltar a trabalhar de dia”.

Vida e rotina numa sociedade 24h Turno alternativo exige adaptação para não colocar em risco a saúde do trabalhador

A tendência a engordar é maior,

assim como o risco de possuir doenças

cardiovasculares

TRABALHO

Marília Marasciú[email protected]

Florianópolis, dezembro de 2011 Quatro

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Pamplona: “Sou mais independente”

Ribeiro: “Quem vai para o noturno dificilmente quer voltar a trabalhar de dia”

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Quatro

Trabalhar à noite é uma coisa. Trabalhar no escuro é outra. Enquanto a luz do dia nasce para a maioria

das pessoas, para alguns homens a única luz é a de sua própria lanterna. Eles são mineiros. Os responsáveis pelo carvão que ali-menta até 35% da energia catari-nense trabalham na escuridão.

São oito e trinta da ma-nhã e começa mais um turno para cerca de cem funcionários da Carbonífera Criciúma. Na Unidade Mineira II, Verdinho, no município de Forquilhinha (SC), a extensão de 25 hectares de su-perfície da empresa esconde uma área ainda maior de subsolo. Uma cidade subterrânea onde circu-lam 447 mineiros, divididos em três turnos de sete horas. Duas e meia, oito e meia, três da tarde – não importa o horário de entra-da, o tempo passa rápido quando não se sabe se é dia ou noite.

O ritual é sempre o mesmo: 150 metros de descida e quatro quilômetros de galerias mina adentro. Neste labirinto, lâmpa-das iluminam o caminho princi-pal, mas os corredores transver-sais permanecem na escuridão. Jipes adaptados levam os funcio-nários até a frente de trabalho, vencendo o chão lodoso e ameni-zando a baixa altura do teto, que em alguns pontos tem apenas um metro e setenta.

Falhas geológicas no percurso formam descidas íngremes que obrigam o uso de guincho. Quem controla esse gargalo de veículos é Edir Dias, um tímido mineiro que aproveita os momentos de menor fluxo na companhia de um livro. Sua concentração contras-ta com o modo como é conheci-do entre os colegas, “Pitt”... “Pitt Bicha”. A origem do apelido Edir não revela, mas já vai avisando: “Todo mundo tem, isso é tradição de mineiro!”.

Os apelidos são a prova de que o bom humor é necessário para aliviar a tensão do trabalho. Quem espera encontrar homens de cara fechada, se surpreende com o ambiente descontraído do subsolo. Na galeria usada como refeitório, além do microondas para esquentar o almoço, piadas e histórias são compartilhadas. Os muitos “causos” de Luiz Carlos

Jorge, o extrovertido “Cachorrão”, dividem a mesa com as poucas palavras de Cristian Cardoso, o “Toni Ramos” da mina. Para Luiz Carlos, as diferenças se reduzem com o isolamento: “aqui somos todos iguais”.

As funções que cada um de-sempenha, porém, são bem di-ferentes. A extração de carvão mineral é feita através de três processos básicos: escoramento do teto, detonação das paredes e retirada da matéria prima, uma mistura de cascalhos de carvão e outros minerais. Luiz Carlos é operador de perfuratriz de teto. Sua função é fixar “parafusos” de até dois metros de comprimento que irão sustentar a galeria. O jei-to engraçado do mineiro disfarça a responsabilidade de quem ga-rante a passagem para o trabalho dos companheiros.

Fixar, armar e detonar trinta bananas de explosivos, essa é a tarefa de Cristian. O trabalhador, que entrou no emprego em busca de dinheiro para seu casamento, não imaginava que quatro anos depois estaria à frente do proces-so de maior risco da mineração. As explosões, em média 15 por dia, são controladas e necessá-rias para derrubar as paredes de onde o carvão é retirado. Uma área com raio de 40 metros é iso-lada por medida de segurança e o barulho agudo da sirene de alerta antecipa o momento exato da detonação. Nessa hora, mes-mo com o sistema de ventilação funcionando, a temperatura pode chegar a 42ºC.

O intenso calor aliado aos ga-ses liberados deste processo são os principais fatores que tornam a mina um ambiente insalubre. Segundos após derrubar as pa-redes, uma densa nuvem de po-eira invade as galerias e esconde os rostos suados dos operários. Apesar das dificuldades de tra-balhar na escuridão, para muitos mineiros o tremor sentido nas galerias durante a detonação é o que o mais assusta nos primeiros dias de trabalho.

Para Eliezer Borges, o susto foi outro. Com apenas três me-ses de profissão, uma parte do teto desmoronou e ele ficou pre-so dentro da mini-carregadeira que dirigia. Apesar do acidente, o operador, responsável por trans-portar o carvão até a esteira que o leva à superfície, não desistiu do emprego. Hoje, ainda brinca: “Quando entramos pedem o raio--X do tórax, a gente fala que tinha que fazer era o da cabeça, por-que aqui embaixo, é todo mundo louco”. Eliezer é evangélico e, por isso, foi apelidado pelos com-panheiros de “Irmão”. Nas cinco

horas que trabalha sozinho no veículo, conta que aproveita para conversar com Deus.

Em uma profissão conside-rada de risco, os trabalhado-res aprendem a conviver com os perigos apegando-se à reli-gião. A gruta de Nossa Senhora Aparecida é a primeira luz a re-ceber os operários na entrada da mina, mas cada um tem sua própria fé, mesmo que ela signi-fique carregar uma lanterna no bolso por precaução. Foi o que fez Ricardo Gonçalves, “Titão”, o operador de perfuratriz de teto que herdou do pai o apelido e a profissão. Para sua mãe, pouca coisa mudou. Agora ela tranqui-

liza a nora com a experiência de quem passou uma década e meia lavando roupa de mineiro.

Mas nada é tão traquilizador quanto a volta para a casa ao fi-nal de cada turno. Na saída do mesmo elevador que levou ao fundo da mina, o alívio por vol-tar à superfície. Rostos sujos são inundados pelo sol das três da tarde e saúdam os colegas que estão prestes a entrar para a es-curidão de um novo turno que se inicia. Nas semanas seguintes, os horários serão invertidos: tra-balhadores farão rodízio entre diferentes períodos. Mas o que importa para os que saem agora é aproveitar as últimas horas do dia para descansar. Luiz Carlos, “Cachorrão”, vai ganhar o abraço do filho, Cristian rever a esposa e Titão contar ao pai as novidades da mina. Um sentimento de con-forto que acompanhará os minei-ros a cada retorno até o dia em que não precisarão mais descer.

Quinze anos. Esse é o tempo que um trabalhador da frente de serviço, que recebe um sa-lário de, em média, 1200 reais, leva para se aposentar. O perío-do menor em relação às demais

profissões justifica-se pelo risco e pelas condições da categoria. Jairo Limas é o exemplo de quem passou por onze anos de subsolo e mantém a mesma precaução: “A gente tem medo, mas tem que matar um leão por dia. Se dei-xar de ter receio, é melhor nem baixar”. Mesmo a aposentadoria ainda sendo a grande conquista de quem arrisca a vida na mi-neração, o veterano Jairo insiste em recomendar aos colegas que estudem e busquem ascensão profissional. É o que o operador Eliezer pretende através do curso técnico em mineração seguido da faculdade de engenharia.

Assim como ele, grande parte

dos mineiros planeja crescer pro-fissionalmente sem deixar esta atividade. Habituados às parti-cularidades da mineração, mui-tos operários afirmam que não deixariam o emprego para traba-lhar na superfície. Sua profissão, e n t r e t a n t o , já não é tão valorizada no Brasil. Nos últimos oito anos só na Carbonífera Criciúma, o número de mineiros foi reduzido quase à metade. Os pró-prios trabalhadores admitem de-sejar um futuro melhor para seus filhos, um futuro diferente. Mas enquanto esse momento não che-ga, o filho de Luiz Carlos Jorge, de apenas três anos, continua cor-rendo pela casa com o capacete amarelo do pai, sonhando em ser mineiro.

Mineiros: os homens da escuridãoAs histórias de trabalhadores que ganham a vida a 150 metros abaixo da superfície

O tremor das detonações é o que mais assusta nos primeiros dias na mina

NOITE SUBTERRÂNEA

Merlim [email protected]

Quatro

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Florianópolis, dezembro de 2011

O companheirismo é essencial entre aqueles que passam mais de cinco horas isolados no subsolo

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Na opinião da técni-ca de assuntos es-tudantis Elizabeth Gomes, que veio de Porto Alegre para

Florianópolis em 2006, as carac-terísticas da capital catarinense são de uma cidade do interior. “Não tem as coisas atípicas de uma capital”, diz. Além de sediar o governo, a capital de um esta-do costuma centralizar serviços. Florianópolis oferece muitas op-ções, desde que durante o dia.Estabelecimentos como super-mercados, padarias e farmácias 24 horas são escassos para aten-der quem nasceu ou escolheu a cidade como endereço.

O ilustra-dor Cláudio Duarte se mu-dou do Rio de Janeiro para o bairro Estreito há quatro anos e sentiu a di-ferença entre as duas capi-tais. “Às 23h no Estreito já está tudo fechado. Nos sábados, às 11h, as coisas já começam a fechar”. Se acha que vai preci-sar de alguma coisa, Duarte se antecipa. “Se ti-ver de procurar, não sei onde vou encontrar”. Nos dois primei-ros meses em Florianópolis, a esposa do ilustrador precisava de uma farmácia à noite, mas

encontrou as ruas desertas. “As três que eu vi estavam fe-chadas, tive que esperar até o dia seguinte”, conta. A moradora do Itacorubi Eliana

Paz sofre de enxaqueca e teve o mesmo problema. Em uma crise da doença, precisou pegar um táxi até o Centro para comprar medi-camento em uma farmácia 24h. A rede Drogarias Catarinense tem duas lojas com funcionamento ininterrupto em Florianópolis, uma delas no Estreito, como es-tratégia de marca: “Se o cliente

nos procurar de noite, ele pode vir durante o dia também”, expli-ca o gerente da loja do continente Adenílson Martins. A principal mercadoria da noite são os pre-servativos, explica.

A Fármacia Normal, localizada na Trindade, ainda tem marcas de tiros de um dos três assaltos que levaram o dono a deixar de ofe-recer atendimento a noite toda. Assim como Martins, Rubens Fernando Duarte, proprietário da Normal, diz que o turno esten-dido não dá lucro e a falta de se-gurança assusta os funcionários. “Ter prejuízo tomando tiro não dá”, completa.

Toda jornada realizada após as dez da noite deve ser remu-nerada com o adicional noturno de 20% sobre o valor da hora trabalhada diurna. Para manter a farmácia aberta 24 horas, Duarte pagava adicional a um farmacêu-tico com salário aproximado de R$ 1800, além de um atendente e um motoboy. Apesar do acrés-cimo na remuneração, poucas

pessoas estão dispostas a trabalhar du-rante a ma-drugada. Mais que a segu-rança, este é o principal pro-blema para o restaurante da rede Bob’s, na Agronômica, único fast food em funciona-mento 24 ho-ras da cidade. O restaurante localizado na avenida Beira-Mar Norte trabalha inin-terruptamente desde junho

de 2004 e para Célio Sales, fran-queado do Bob’s, “o modelo já está consolidado”.

O único supermercado que funcionava sem fechar em Florianópolis era o Imperatriz do Beira Mar Shopping, mas desde a reabertura em outubro trabalha até às 23h. Na falta de restau-rantes abertos no horário, quem fica na rua até mais tarde acaba procurando os vendedores am-bulantes para matar a fome. Daya Idelfonso vende churrasquinho na Lagoa da Conceição das 19h à 1h desde que veio do Paraná, há três meses, mas o mais pedido são os endereços dos carrinhos de cachorro-quente. “A maioria das pessoas prefere cachorro--quente, vem aqui e pergunta onde tem”, explica a paranaense. Por conta da vida noturna agi-

tada, o Pastel & Dog, também na Lagoa, funciona a partir das 17h e tem seu pico de vendas entre 1h30 e 3h.

O período coincide com o fe-chamento dos bares e baladas de uma das principais aglomerações de entretenimento noturno da cidade. Mas Florianópolis dorme cedo. A Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram) impõe o horário de silêncio absoluto às 2 da manhã, para não atrapalhar os moradores da região. Rude Poli, estudante de geografia, mora na Lagoa e aprova o funcionamento regulamentado pela Floram. “Os bares fecham às 2h, mas a bebi-da vai até às 4h na rua”, explica. Elizabeth Gomes, que também mora no bairro, não vê problema com o som na madrugada. “O ba-rulho ser às 2h, às 3h, às 4h não faz diferença. E as pessoas têm que se diver-tir”, diz a téc-nica de assun-tos educacio-nais. Também m o r a d o r a , V a n e s s a Silveira res-salta o caráter turístico da região. “O pes-soal quer ficar e se divertir e não tem lu-gar”, reclama. A Secretaria do Turismo de Florianópolis não se articula com a Floram quanto ao ho-rário de silên-cio absoluto e o funciona-mento dos ba-res.

Darwin Sena e Paulo Luchesi, donos do Beltrano Bar, que fica na principal rua da Lagoa, afir-mam que os clientes já estão acostumados com o horário de funcionamento. “O pessoal já co-nhece, então é pouca gente que fica depois de o bar fechar”. Mas quem já morou ou conhece o rit-mo noturno de outras cidades, se frustra. O ilustrador Claudio

Duarte se assusta quando des-cobre que os bares fecham às 2h. Ele, que costuma fechar a edição de sexta-feira do jornal para o qual trabalha à 1h, conta que no Rio de Janeiro costumava ir de bar em bar até às 6 da manhã.

A partir de 00h30 as seis li-nhas de ônibus do Madrugadão começam a partir do Terminal de Integração do Centro (TICEN). A Transol, empresa responsá-vel pelos trajetos do norte e do centro da ilha, chega a ter 144 veículos funcionando entre 18h e 0h, mas na madrugada utiliza somente um para cada itinerário, transportando uma média de 120 pessoas. A linha madrugadão do continente tem extensão de 21,6 km, passando por cinco bairros. De acordo com Edgar Conrado, do setor de tráfego da Estrela, em algumas noites o ônibus não che-

ga a carregar 50 pessoas.

De acordo com o Sindicato dos Condutores A u t ô n o m o s de Veículos Rodoviários de Florianópolis o número de tá-xis circulando à noite é apro-ximadamente a metade do que opera durante o dia. A cidade tem uma frota de 498 veícu-los licenciados, uma média de 1,2 para cada mil habitan-tes. O número é o mesmo de Curitiba mas

representa menos da metade da de Porto Alegre - 2,8 por cada mil habitantes. Na temporada de ve-rão, esse número ainda é dividido por aproximadamente 1 milhão de turistas que chegam à ilha.

Rafael [email protected]

Muitos estabelecimentos deixaram de atender 24h. Violência é um dos motivos

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Victor Hugo [email protected]

Juliana Bertoloto e Marcia Rhino, moradoras do Rio Vermelho, estão paradas em frente ao Shopping Via Lagoa, ao lado de um totem do Banco 24hs, sinalizando a presença do caixa eletrônico que atende grande parte dos clientes dos bancos durante a noite. Porém, assim como em outros 17 dos 22 caixas da rede em Florianópolis, não é pos-sível utilizá-lo, uma vez que está trancado dentro de um estabelecimento que fecha durante a noite.

A que horas Florianópolis dorme?Falta comércio com horário estendido aos moradores e turistas na capital

Às 2h é imposto silêncio absoluto.

Quem continua acordado recorre à comércio informal

HORÁRIO COMERCIALFlorianópolis, dezembro de 2011 Quatro

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A maioria dos atendimen-tos médicos durante o dia são feitos nos Centros de Saúde, fechados à noite. Abertos 24hs, existem duas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) em Florianópolis, uma no norte (Vargem Grande) e outra no sul da ilha (Rio Tavares). As duas ficam a mais de 20km do centro da cidade. Apenas os ca-sos mais graves são envia-dos ao Hospital Universi-tário (HU).

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A plataforma A do Terminal de Integração do Centro (Ticen) estava deser-ta, com pouca ilumi-

nação e com os cafés já fechados. Haviam passado 35 minutos da meia noite, no início de uma sexta-feira. Os únicos passagei-ros éramos nós, que acabáva-mos de descer do último Volta ao Morro Carvoeira Norte. Ao procurar a linha do Madrugadão Centro, da empresa Transol, fo-mos barrados pelos vigilantes da Companhia Operadora de Terminais de Integração (Cotisa), que nos informam que devemos mudar de corredor. Os sites das empresas de transporte coletivo não dão essa informação, dife-rente da página web da prefeitu-ra. Migramos, pedimos a orienta-ção dos vigias, que nos indicaram o fim da plataforma B – de onde sairia o ônibus que procuráva-mos. As funções desses vigilan-tes são fazer a segurança do local para evitar atos de vandalismo e depredação nos terminais e auxi-liar passageiros

Aguardamos alguns minutos até que o primeiro Madrugadão Centro saísse, às 0h45, com o qual fizemos duas viagens. O pri-meiro percurso durou 29 minu-tos e subiram 16 passageiros du-rante o trajeto, 13 homens e três mulheres. Na segunda viagem, de 30 minutos, seis mulheres e 10 homens. Além da região do cen-tro, o ônibus percorre os bairros Agronômica, Trindade, Pantanal e Saco dos Limões, passando por 52 pontos ao sair do Ticen.

A maioria dos usuários dos ônibus noturnos são pessoas que precisam deles todas as noi-tes, como o sushiman Renato da Silva, que sai em horários varia-dos do restaurante onde traba-lha, na rua Bocaiúva, próxima da avenida Beira Mar Norte. Seu expediente varia de acordo com a quantidade de clientes e limpe-za do local, mas sabe que pode contar com a pontualidade dos ônibus a cada hora. Renato diz que, se não existisse a linha, teria de atravessar a avenida Mauro Ramos e passar pelos bairros Prainha e José Mendes, tudo a pé.

Outro passageiro assíduo é Edivaldo dos Santos, que traba-lha a partir das 3 da manhã numa

padaria do bairro Trindade. Ele mora no Saco dos Limões e ne-cessita do ônibus para se deslo-car até o trabalho. “Se não tivesse [essa linha] eu não trabalhava”, diz. Na opinião de Edivaldo, se-ria melhor se houvesse ônibus a cada meia hora, pois afirma ter de ficar esperando muito tempo até que ele passe. Naquela oca-sião, o passageiro pegou o segun-do ônibus da noite, o da 1h30. Chegou ao Ticen às 2h e teve de descer e esperar por meia hora a saída do próximo ônibus. Essa situação se repete a cada noite, segundo Edivaldo. Reclamações e solicitações de horário como essa podem ser feitas na ouvido-ria da Secretaria de Transportes, Mobilidade e Terminais de Florianópolis ou através de ofí-cios enviados pelos usuários. O secretário de Transportes e vice--prefeito da Capital, João Batista Nunes, afirma que+ quando é criado um pólo gerador de tráfe-go, como estabelecimentos que funcionam de madrugada, é feito um estudo técnico da demanda para implantação de mais horá-rios, mas na maioria das vezes é a própria comunidade da região quem faz o pedido.

As linhas também são monito-radas por um sistema eletrônico chamado Sigom, que permite o controle do número de passagei-ros. Mesmo itinerários com de-manda não considerada suficien-te para transporte coletivo são mantidos. O diretor de fiscaliza-ção da Secretaria de Transportes Dárcio Correia explica que eles não são retirados porque há pes-soas que têm o ônibus como úni-ca opção de deslocamento para hospitais, ou mesmo por causa de usuários como Edivaldo e Renato, que precisam deles todas as noi-tes. Além disso, os horários de saída do Ticen têm de ser sincro-nizados. O diretor exemplifica: um funcionário que trabalha no Hospital Universitário e mora no norte da ilha tem de se deslocar até o terminal do centro da cida-de e depois pegar o Madrugadão Norte, então os horários desses ônibus têm de ser próximos, atendendo a demanda e as regi-ões. Desde julho deste ano, Leste e Norte acessam os terminais da Trindade e de Santo Antônio de Lisboa, entrada que antes não faziam. A decisão se deu para facilitar o uso dessas linhas por pessoas que trabalham e moram próximo a esses terminais, apro-veitando também a presença dos vigilantes da Cotisa, que antes da determinação já permaneciam nesses locais a noite toda.

Por conta do pequeno núme-ro de usuários em alguns horá-

rios, o motorista Nilton Hercílio da Silva, que dirige o Madrugadão Centro há 22 anos, acha que à noite há ônibus em excesso, e completa: “Florianópolis não tem vida noturna”. Situação diferente ocorre no tre-cho do Madrugadão Leste, que trafega nas regiões da Lagoa da Conceição e da Barra da Lagoa. A linha é sempre bastante frequentada, com maior número de passageiros no primei-ro horário, da uma da manhã. Aqui também a maior parte dos usuá-rios são trabalhadores, que saem de restauran-tes e bares do trajeto. O cobrador João Batista conta que no verão os ônibus ficam mais cheios, principalmente na virada do ano. Nessa época, a prefeitura dis-ponibiliza mais horários de ônibus, inclusive do Madrugadão Leste, que saem dos terminais a cada meia hora para as regiões das praias. Além de mais horários já fixa-dos anualmente, existe a linha sazonal entre Sambaqui e Saco Grande via João Paulo, que é implantada em meados de de-zembro e funciona até o fim da temporada. Quando há eventos que já fazem parte do calendá-rio municipal, como o Carnaval, Planeta Atlântida e Folianópolis, as empresas recebem ordens de serviço da prefeitura para colo-carem carros extras para cada itinerário.

Em relação à segurança, o motorista Nilton conta que só se lembra de um único assalto a mão armada em todos seus anos de profissão, e diz não haver tre-chos perigosos em sua linha. Já no Madrugadão Continente, o gerente de tráfego Vilmar Isaías, da empresa Emflotur, conta que há casos de apedrejamentos dos ônibus no trecho entre Monte Cristo e Jardim Atlântico, mas diz que nunca houve feridos e nem nada considerado grave. Para Marciano da Silva, secretário do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Urbano (Sintraturb), essas linhas são pouco visadas por delinquentes porque não fa-turam muito dinheiro. Além de serem poucos os passageiros, muitos deles utilizam os cartões de transporte urbano.

Com exceção desses transtor-nos, as empresas em geral não têm reclamações sobre estres-

se de funcionários, já que quase todos escolhem trabalhar nesse turno. O motorista Elias da Silva, que trabalha à noite há dois anos, diz que “antes de trocar de horá-rio seria melhor pedir demissão”, pois já se acostumou com a ro-tina de trabalho e afirma que é mais tranqüilo dirigir no período noturno, por não haver trânsi-to. Florianópolis tem cinco em-presas de ônibus de transporte coletivo e cada uma oferece de uma a duas linhas de Madrugadão, totalizando seis: Centro, Leste, Sul, Sul via Tapera, Norte e Continente. A li-nha com menos horários é a do Madrugadão Norte da empresa Canasvieiras, que tem um percurso de aproxi-madamente 1h20 de duração en-tre esse bairro e o centro da cida-de. No continente, as empresas Estrela e Emflotur se revezam semanalmente para operar a li-nha, pois o trajeto inclui trechos sob jurisdição de ambas.

Viagem na madrugada da capitalÔnibus noturno é boa opção para quem trabalha ou se diverte nas noites de Floripa

Trânsito menos intenso faz com que motoristas e cobradores prefiram a noite

TRANSPORTE PÚBLICO

Jéssica [email protected]

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Florianópolis, dezembro de 2011

Itinerários são mantidos apesar do número menor de passageiros

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Derlis [email protected]

Page 8: Jornal QUATRO

Às 21h30, um sinal toca na Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é

hora de todo mundo ir para casa, a biblioteca vai fechar. “Dá até pena de mandar todo mundo em-bora”, confessa a coordenadora da BU (Biblioteca Universitária) Narcisa Amboni. Não são poucos os que gostariam de ficar mais um pouco, seja por ter muita coi-sa para estudar, se concentrar melhor à noite, trabalhar duran-te o dia ou ter insônia – uma bi-blioteca 24 horas é o sonho de ao menos 1194 pessoas que apoiam a causa no Facebook.

“Por uma biblioteca 24h na UFSC”, diz a campanha criada pelo doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política Daniel Lopes Bretas. “Uma vez que instituições como

o Restaurante Universitário da UFSC fun-cionam aos sábados, do-mingos e fe-riados, é difícil imaginar uma razão para que a Biblioteca

Universitária não possa ampliar seus horários”, justifica Bretas no documento enviado à Ouvidoria da UFSC em 19 de setembro des-te ano. “Embora beneficie a todos, um sistema 24 horas seria espe-cialmente útil a alunos de baixa renda ou que morem longe do campus”, acrescenta.

“Eu tenho aula e estágio du-rante todo o dia, então à noite é o único horário que sobra para estudar. Já me acostumei e me concentro mais à noite”, afirma a estudante de Ciências Biológicas da UFSC Cândice Maria Boff. Ela conta já ter ficado inúmeras vezes na biblioteca até a hora de fechar, e que sempre quis ficar um pouco mais. “Para mim seria suficiente que ficasse aberta pelo menos até a meia-noite. O ideal seria até as 2h”.

Este é um dos horários mais movimentados na biblioteca da Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que funciona no modelo 24 horas. “Normalmente os alunos do perí-

odo noturno saem da aula e ficam aqui até mais tarde, por volta das 2h, e os alunos do período diur-no vem às 4h e depois vão para a aula. Temos bastante movimento nos finais de semana e feriados também”, explica o coordenador da biblioteca Leonardo Renault.

Quando a FACE se mudou para o campus da Pampulha, em 2008, a estrutura do novo prédio da bi-blioteca já foi pensada para este atendimento. O projeto foi idea-lizado pelo atual reitor da UFMG Clélio Campolina, inspirado nas bibliotecas que conheceu em suas viagens ao exterior. A primeira biblioteca 24 horas do mundo foi a da Universidade de Bath, no sudoeste da Inglaterra, que fun-ciona assim desde 1996. Hoje, a Inglaterra se destaca pelo núme-ro de universidades que ofere-cem este serviço. De acordo com o Times Higher Education World University Ranking – projeto que todo ano escolhe as 200 melhores universidades do mundo, a partir de uma pré-lista de 400 institui-ções – 8,5% das universidades que estavam nessa lista prelimi-nar tinham bibliotecas 24 horas. Entre as bibliotecas inglesas, esse percentual subia para 24%.

No Brasil, a primeira bibliote-ca dia e noite começou a funcio-nar em 2005, no Instituto Porto Alegre (IPA), da Rede Metodista do Sul. Em 2008, o Instituto Metodista Isabela Hendrix, em Belo Horizonte, também adotou o modelo, mas ambas deixaram de oferecer o serviço. “No início tínhamos bastante movimento nos horários alternativos, depois foi diminuindo. Fizemos estudos e deixamos de funcionar 24h, mas nosso horário é estendido. Funciona das 6h às 23h, de se-gunda à sexta, e das 7h às 17h aos

sábados”, explica a bibliotecária Fabíola Gonçalves.

Um projeto para a implementa-ção do sistema 24h na Biblioteca Central da UFSC já foi elaborado e precisa ser aprovado pela ad-ministração central. “O objetivo principal é atender alunos caren-tes e a comunidade, nos sábados, domingos e feriados”, esclarece Narcisa Amboni. “Fico feliz com isso, acho que esse é o momento para oferecer acesso, vejo isso como inclusão”. Ela explica que a biblioteca tinha outras priorida-des antes de implantar o sistema – como aumento do acervo, me-sas, climatização, novas estantes –, mas que agora está pronta para funcionar 24h, faltando apenas contratar seguranças e servido-res para atender no período no-turno.

O idealizador da campanha pelo funcionamento 24 da BU da UFSC, Daniel Lopes Bretas, acre-dita que o principal argumento para a implantação de um sis-tema como esse é a necessidade dos usuários. “Se um aluno prefe-re passar a noite estudando antes de um exame, ou se um pesquisa-dor tem um período de atividade distinto (pesquisando melhor durante a madrugada), é de in-teresse da instituição fornecer a infraestrutura para que este pos-sa desenvolver suas atividades e complementar sua formação”, justifica.

Segundo Narcisa, este atendi-mento favorece também os alu-nos de outras universidades. “É só ver quem vem aqui aos sába-dos. Normalmente são pessoas que estudam em outras institui-ções. Acredito que os horários alternativos vão beneficiar mui-to essas pessoas que não podem vir durante a semana”, enfatiza. A

perspectiva de Narcisa se apro-xima muito do que já vem acon-tecendo na biblioteca da FACE. “Fizemos uma pesquisa recente e identificamos, dentro do público externo, uma grande quantidade de ‘concurseiros’. Dentro dos alu-nos de graduação a demanda é por um espaço de qualidade para estudo”, conta Leonardo Renault.

Mas o fato de ficar aberta 24 horas não é sinônimo de fun-cionar 24 horas. A biblioteca da Faculdade de Letras da UFMG funciona assim desde 2009, mas não faz empréstimos de livros durante o horário alternativo e não tem funcionários para aten-der quem quiser ajuda para achar um livro, por exemplo. Essa é a principal crítica da coordenado-ra da biblioteca Rosângela Costa. “Infelizmente, neste horário fi-cam somente porteiros sem mui-to preparo. Muitos usuários nun-ca frequentaram uma biblioteca e a maioria trabalha o dia todo e es-tuda à noite. Nos finais de sema-na, quando eles poderiam tomar conhecimento e utilizar todos os serviços que são oferecidos pela biblioteca, não tem ninguém ca-pacitado para instruí-los.”

O projeto de uma biblioteca 24h na UFSC prevê bibliotecários e bolsistas para auxiliar os usu-ários, além de investimentos em segurança. A pretensão é que o sistema comece a funcionar em março de 2012. “Não sabemos se vai dar certo, se vai ter públi-co para isso, mas vamos tentar”, conta Narcisa.

Acesso 24 horas ao conhecimentoExistem poucas

bibliotecas 24h no Brasil e a UFSC pode

ganhar uma em março de 2012

Horário alternativo na BU da UFSC

vai beneficiar alunos de outras

universidades

BU dia e noite

Ketryn [email protected] [email protected]

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Projeto para implementação do sistema 24h na Biblioeteca Central da UFSC foi elaborado e aguarda aprovação

Page 9: Jornal QUATRO

Semáforos desativados, trânsito parado, alunos dispensados das aulas, mercados lotados e fal-ta de informação. Sem

poder fazer nada em casa, traba-lhar ou estudar, a situação causa-da pelo apagão insinua as pesso-as que saiam às ruas, busquem saber o que está acontecendo e corram atrás de mantimentos. “O comportamento do grupo volta a se reequilibrar através de novos movimentos, como ir ao merca-do, sair às ruas, fazer e ouvir a mesmas perguntas, �icar surpre-so diante do novo, especular... quando todos �icam em casa, por exemplo, se sentem fazendo parte de um todo novamente, do grupo, do coletivo” explica a psicóloga Marcia Ferrao Inocencio. Se du-rante o dia as ruas �icam tomadas pela multidão, à noite a paisagem é outra. Na cidade deserta cir-culam apenas carros de polícia, o breu intimida até mesmo pos-síveis contraventores. Foi o que aconteceu em Florianópolis, em outubro de 2003, de acordo com jornais da época.

O blecaute daquele ano ini-ciou no dia 29 às 13h16. Com os telefones mudos, as pessoas fo-ram aos supermercados atrás de

velas e pilhas para rádio, o meio mais e�iciente para conseguir informações em um apagão. Das quatro lojas do Angeloni, apenas a da Beira-Mar Norte manteve-se aberta com a ajuda de geradores, mas duraram só até meia-noite. A realidade e o comportamento da população estavam diferentes. “A rotina mudou completamente. Pela falta de combustível não ha-via como sair, �icávamos grudados num velho rádio a pilha, torcendo para que tudo voltasse ao normal. Ficar sem televisão e sem inter-net causa também uma agonia, a vida da gente se torna limitada. O banho passou a ser de caneca, pois não havia fornecimento de água”, lembra a dona de casa Iraci Weber Eidt. Da mesma forma, os hospitais também tiveram de se adaptar. O Hospital Universitário, o Governador Celso Ramos, e Hospital de Caridade funciona-ram com geradores de energia a óleo diesel. Na época, o Caridade atendeu apenas os setores essen-ciais (farmácia, UTI e cirurgias) com dois geradores. Hoje já pos-sui quatro, que trabalhariam por até mil horas sem parar caso um novo blecaute ocorresse.

O apagão de 2003 aconteceu por causa da explosão da única li-nha de transmissão que existia na cidade- vinda do continente para a ilha- durante uma manutenção. Durante as 55 horas que a cidade �icou sem energia, foi construída uma linha provisória por baixo da ponte Colombo Salles, que abasteceu a população pelos 20 dias seguintes ao acontecimento, até a linha original voltar a fun-

cionar. Em 2008, a Eletrosul ins-talou mais uma linha- desta vez vinda do sul da ilha.

Embora recentemente tenha acontecido um blecaute – que atingiu dezoito estados em 2009 – as chances de se repetir são poucas, segundo o engenheiro Hans Helmut Zürn, doutor em Engenharia Elétrica da UFSC. Os fatores que levam a uma queda de energia normalmente são téc-nicos, como o curto circuito de uma linha de transmissão ou as descargas atmosféricas que po-dem interromper uma linha, uma vez que os cabos que conduzem a energia estão expostos a esses tipos de intempéries.

Diferente do apagão, mas que também causa transtornos, o ra-cionamento é quando se desliga energia por motivos de pouca produtividade em usinas hidrelé-tricas. Devido a períodos de seca, a solução é o corte da eletricida-de em alguns estados para que não haja sobrecarga do sistema com o risco de apagar todos os outros. Energia para todos- Uma das medidas que ajudam a evitar possíveis racionamentos é o não desperdício. Estima-se que 5% de energia consumida não é uti-lizada resultando em prejuízo de R$ 10 bilhões por ano. O horário de maior consumo é entre 17h e 22h, que é também o período de maior custo. Em novembro deste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apro-vou um novo regulamento que prevê a aplicação de tarifas dife-renciadas por horário de consu-mo – uma mais barata na maior parte do dia, outra mais cara no início da noite, e uma interme-diária, que será entre esses dois horários. A tarifa branca, como foi chamada, será aplicada entre 2012 e 2014 e tem por objetivo estimular o consumo de energia nos horários em que ela é mais barata, diminuindo o valor da fa-tura no �im do mês e a necessida-de de expansão da rede da distri-buidora para atendimen-to no horário de pico.

No entanto, 2,7 mi-lhões de pessoas ainda não têm acesso à energia elétrica no país, de acor-do com dados do Censo 2010. Isso representa 1,4 % da população que sobre-vive como se estivesse em tempos medievais, sem geladeira, televisão, eletrodomésticos em geral. O estado que menos forne-ce energia a sua população é o Piauí,

com mais de 100 mil domicí-lios sem luz.

Em Santa Catarina 4445 casas ainda não possuem ele-tricidade. São residências nor-malmente isoladas das cidades, na zona rural, que ainda têm es-perança de receber energia gra-ças ao programa Luz para todos do governo federal. O programa funciona desde 2003 e tem por objetivo acabar com a exclusão elétrica no país até 2015. Como a�irma o relatório ‘O Programa de Eletri�icação Rural Luz no Campo’ feito em conjunto por au-tores da CEPEL e Eletrobrás em 2002 , “A noção de estilo de vida moderno está intimamente vin-culado ao abastecimento energé-tico regular. Sem ele, a vida mo-derna torna-se impensável pois a sociedade de consumo está ali-cerçada em sistemas técnicos de máquinas movimentadas pelas formas modernas de energia.”

No apagar das luzes da cidade...O caos instaurado pelo blecaute é visível na atitude defensiva e no medo das pessoas

Mais de 2 milhões de pessoas ainda não têm acesso a energia no país, de acordo com IBGE

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Florianópolis, dezembro de 2011

Explosão causou blecaute, que durou mais de 50 horas

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Rede de distribuição elétricaA maior parte da energia pro-duzida no país vem de usinas hidrelétricas, que constituem o sistema de energia brasileiro junto com estações elevadoras de energia, linhas de transmis-são e subestações abaixadoras. A partir das estações elevado-ras, os elétrons são transporta-dos por linhas de transmissão, formando o Sistema Interliga-do Nacional. Quando chegam às subestações abaixadoras, a tensão é diminuída para que a energia, através das redes de distribuição, chegue até as casas de forma apropriada. Na opinião de Zürn, o sistema de distribuição nacional é e�icaz. “Falta é uma legisla-ção adequada para que cada residência também fosse auto

produtora, tendo um telhado fotovoltáico - sensores que produzem energia através da captação do calor solar -, que é muito caro, mas que em muitos países os governos investem nisso porque acham que vai ajudar a mediar a construção de novas linhas de transmissão.” Uma falha em uma linha trans-missora ou subestação pode causar um blecaute, mas como o sistema é todo interligado, cheio de chaves que podem ser abertas ou fechadas, permitin-do que uma linha pertença à outra, é muito improvável que um lugar �ique sem energia elétrica, de acordo com Rodri-go Ramos, técnico da central de distribuição da Celesc.

nos horários em que ela é mais barata, diminuindo o valor da fa-tura no �im do mês e a necessida-de de expansão da rede da distri-buidora para atendimen-to no horário de pico.

No entanto, 2,7 mi-lhões de pessoas ainda não têm acesso à energia elétrica no país, de acor-do com dados do Censo 2010. Isso representa 1,4 % da população que sobre-vive como se estivesse em tempos medievais, sem geladeira, televisão, eletrodomésticos em geral. O estado que menos forne-ce energia a sua população é o Piauí,

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Helena Stü[email protected]

Fonte: Celesc

Jennifer [email protected]

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T odos em pé para a leitura da sentença, orientou a juíza. As 60 pessoas que acompa-nhavam o julgamento

do caso de homicídio se levanta-ram, após 15 horas à espera do veredicto no Fórum de Palhoça. “Diante do exposto, esse júri con-denar o réu Mário Costa Nunes* à pena de oito anos de reclusão, em regime semiaberto, pela práti-ca do crime previsto no art. 121, caput, do Código Penal [matar alguém] e absolver o réu Pedro Alves de Souza* da imputação que lhe foi feita”, determinou a juíza Cintia Werlang, às 23h50 de uma sexta-feira de outubro. Audiências longas são exceção. Nas duas maiores cidades de Santa Catarina, Joinville e Florianópolis, foram realizados 99 júris popula-

res até outu-bro de 2011. Apenas sete destes se es-tenderam até, pelo menos, às 22h, com uma média de 12h cada.

9h00 - Conselho de Sentença - Os sete jurados se posicionaram no plenário após serem sorteados para compor o júri. Entre eles, o estudante de direito Fábio, que se inscreveu para ser jurado por vontade própria.

Todos a postos, entram os réus para a leitura da denúncia.

Mario Costa Nunes foi acusado de dirigir a moto durante a fuga e aco-bertar a morte da vítima, André Lemos*. Já Pedro Alves de Souza foi denunciado como mandan-te do assassinato, supostamente motivado por trá�ico de drogas. O crime ocorreu em Palhoça, no ano de 2006. De acordo com o proces-so, Mario foi até a lanchonete de André, em uma moto empresta-da por Pedro, acompanhado por Eduardo José Soares* [autor dos disparos e que está respondendo pelo delito]. 10h15 - Testemunhas - A pro-motora Andréa Speck pediu a en-trada das três informantes da acu-sação: a companheira da vítima, uma mulher que conhecia os réus e o policial civil que investigou o crime. O relógio marcava quase 13h quando a última foi interro-

gada. A juíza anunciou, então, a pausa para o almoço, suspenden-do a sessão até 14h30. Os jurados e os o�iciais de justiça foram almo-çar em um restaurante local.Com o reinício da sessão, foi cha-mado Rodrigo Salgado*, a única testemunha de defesa. No início da sessão, o advogado de Pedro, Cláudio Gastão Filho, avisou à juí-za que Rodrigo estava visivelmen-te alcoolizado. Ainda um pouco al-terada, a testemunha apresentou respostas confusas. 14h55 – Réus - Pedro foi o pri-meiro acusado a ser interrogado. “Você tem o direito de �icar cala-do”, alertou a meritíssima. Depois, foi a vez de Mario ser sabatina-do. Neste momento, Fábio lhe fez uma pergunta, a primeira das duas feitas pelos membros do júri em toda a sessão. “A falta de per-guntas pode ser por desinteresse ou por medo da família dos acusa-dos”, justi�ica o jurado. “A maioria dos convocados não escolheram estar ali”, completa. Neste ano, entre as 2,1 mil pessoas inclusas na lista de jurados, apenas 300 se inscreveram voluntariamente, se-gundo dados da Vara do Tribunal do Júri de Florianópolis. 16h25 - Debates - A promotora Andréa Speck se dirigiu ai júri. Após relatar outros processos criminais movidos contra os réus, Andrea apresentou as provas, durante 2h30. Era seu primei-ro Tribunal de Júri em Palhoça. Promotora desde 1995, partici-pou de 16 júris populares. Os funcionários do Fórum tam-bém se envolvem com o Tribunal do Júri. Eles entram e saem do salão durante o expediente e co-mentam sobre a duração das ses-sões. Zelador do Fórum há dez anos, João Porto calcula o tempo a partir da gravidade da denún-cia e do número de réus e teste-munhas. “Acho que agora vai até umas 21h”, arriscou, no intervalo entre os debates.

Por quase uma hora, o advo-

gado Jorge Alencar Paixão fez sua argumentação em defesa de Mário. Seu primeiro Tribunal do Júri foi em 1996, advogou em mais de 100 sessões, e acredita ter vencido 50% delas. Assumiu o processo de Mário como advoga-do dativo, pago pelo Estado.

Encerrado o debate de Alencar, os familiares do réu Pedro saíram das poltronas da esquerda para sentarem mais próximos aos jura-dos. A defesa do advogado Cláudio Gastão Filho em favor de Pedro durou cerca de 1h30. Gastão co-meçou a atuar no júri ainda na fa-culdade e, segundo estatísticas de seu escritório, ganhou 90% dos casos .

Houve um intervalo de 20 mi-nutos, momento em que Fábio diz ter formulado a linha de raciocí-nio para sua decisão.21h30 - Réplica e Tréplica - O salão enchia na medida em que a sentença se aproximava. Os jura-dos não disfarçavam o cansaço, apoiando a cabeça sobre as mãos. Fábio recorda que um deles dese-nhava durante a sessão.O advogado Jorge avalia que a fal-ta de atenção não é o problema. “Eles têm direito de ignorar o que eu digo. O problema é se cochila-rem”. O cansaço é algo comum nos sessões de júri popular, a�irma João. “Qual é o júri que �ica atento até o �im? Só em casos que duram

pouco tempo”.A promotora prosseguiu com a

réplica por mais 45 minutos. Para manter a concentração

dos jurados, Andréa usa como estratégia a alteração do tom de voz e a ironia. “Costumo citar o nome dos mais sonolentos nos meus exemplos”. A tréplica esten-deu a sessão por mais meia hora. Alencar costuma pedir interva-los quando nota o cansaço do Conselho de Sentença. Já Gastão explica que “é preciso ser objeti-vo, do contrário os jurados podem se aborrecer e descon�iar dos ar-gumentos”. 23h30 - Votação - “Vocês estão preparados para votar?”, pergun-tou a juíza aos membros do júri, que responderam positivamente. A meritíssima pediu que a plateia deixasse o salão. Ficaram apenas um grupo de oito estudantes de direito, que tem permissão para assistir esta parte da sessão, e Camilo Pagani, advogado que acompanhou o caso de Pedro an-tes da sessão. Segundo Gastão, o cansaço de audiências muito lon-gas pode fazer com que os jurados errem ao votar. Fábio, no entanto, garante que “o cansaço acumula-do durante a sessão não in�luen-cia na votação”.

Ao responder as cinco per-guntas sobre Mário, os jurados o condenaram por homicídio sim-ples. Já Pedro foi absolvido. De acordo com Fábio, o réu Pedro foi absolvido por coação, pois havia muitos familiares, o que pode in-timidar os jurados. “Condenei os dois. Tentei não transparecer mi-nha reação, �iz cara de paisagem”. Sabendo que Pedro estava livre, Pagani saiu da sala e contou à fa-mília. Isadora comemorou o re-sultado do último processo contra seu marido Pedro “O dia começou como inferno, mas a partir de hoje é vida nova”.

Quinze horas à espera da sentençaSessões longas do tribunal do Júri são exceção no estado e cansam os envolvidos

Em Joinville e Florianópolis foram

realizados 99 júris populares até

outubro deste ano

JUSTIÇA

Karine [email protected]

Florianópolis, dezembro de 2011 Quatro

10Patricia [email protected]

Juiz - Presidente do JúriPromotor

AdvogadoJurados

Conselho de sentençaO jurado é alguém leigo, encar-regado de julgar réus acusados de ter ou tentado:-Matar alguém;-Encorajar alguém a sesuicidar; -Cometer aborto ou matar seus filho logo após o parto;-Aquele que pratica o aborto com ou sem o consentimento da gestante;

Seleção: Os jurados são escolhidos no ano anterior a sua convocação. De dez a quinze dias antes da sessão, o juiz faz o sorteio dos 21 jurados que devem estar presentes no dia do Júri. A audiência só será aberta caso 15 desses estejam presentes no dia. Se este número for menor, a sessão é adiada para o próximo dia útil.

Quesitos: Os jurados são escolhidos por sua reconhecida capacidade de julgar e boa integridade moral. Aqueles que participam têm garantidas algumas vantagens: -Prisão especial, em caso de crime comum (roubo, furto), até o julgamento; -Preferência em concursos públicos e licitações, em casos de empate.

Page 11: Jornal QUATRO

Se o autor catarinense Franklin Cascaes conhe-cesse os integrantes do Instituto Médico Legal (IML) de Florianópolis,

certamente os colocaria em suas narrativas, junto às traquinagens das bruxas da ilha. Cercados de superstições, não fazem magias, mas tratam de corpos. Recebem os resultados do que a sociedade produz – suicídios, homicídios e acidentes de trânsito. Das situa-ções que presenciam, aprendem a lidar com a morte, entender a vida e contornar a dor de familia-res que por ali passam. Trabalhar com a morte não os torna “dife-rentes”, mas humanos.

O IML está localizado no bairro Itacorubi. Um prédio verde se im-põe na escuridão noturna de uma rua mal iluminada próxima ao Cemitério São Francisco. Às dez da noite de uma sexta-feira, ape-nas três ou quatro lâmpadas es-tão acesas lá dentro. Quem tiver coragem e curiosidade suficien-te para entrar, conhecerá Nilton Mattos, o vigia.

O homem de olhos castanho claros e uma quase careca salpi-cada de cabelos brancos está há um ano trabalhando no Instituto. A primeira noite de plantão foi arrepiante, mas os 17 anos no ramo e a crença em Deus o fize-ram acreditar que “a vida leva a gente para essas situações”.

Com o movimento fraco, o ze-lador faz uma cama com três ca-deiras, um travesseiro colado à parede e um cobertor fino, qua-driculado e vermelho. O sapato é colocado de tal forma que possa ser tirado e calçado com rapidez se a campainha tocar na madru-gada. Na solidão das doze horas atrás do balcão, Mattos gosta do que faz e está convicto de que trabalha no lugar certo. “Cada um tem seu destino e foi isso que Deus preparou pra mim”.Melhor do que parece - Os 700 corpos que anualmente vão para o IML de Florianópolis vêm de vários municípios da região. Para atender a média diária de dois corpos é necessário que dois au-xiliares médicos legais estejam de plantão por 24 horas. Eduardo Missao, 25 anos, e Tatiane Gomes, 24 anos, fazem parte da equipe de cinco auxiliares que trabalha na capital. Missao explica que os antigos funcionários foram subs-

tituídos porque “tinham muitos problemas com alcoolismo, dro-gas e depressão. Não que a gente não tenha problemas, mas o pro-blema não é com o morto, é com a nossa rotina”.

Estes jovens praticamente vi-vem em companhia de cadáveres. Da jornada de 24 horas, passam noites entre o dormitório e a sala de necropsia e identificação. A cada toque do telefone as duas, quatro da manhã, sabem que é hora de levantar e partir para uma nova jornada de quatro ho-ras entre o local da morte (às ve-zes a 100 quilômetros de distân-cia) e o IML.

Já no Instituto, colocam o cor-po sobre uma mesa de aço e co-lhem as digitais. O exame que identifica a causa da morte co-meça depois de o funcionário co-locar a touca, as luvas vencidas e os óculos de proteção para que o sangue não respingue nos olhos. Com a presença do médico, são retiradas as roupas do cadáver e abertas as cavidades necessárias. O material de trabalho lembra ferramentas de uso doméstico, como martelo, chave de fenda e concha de cozinha.

Ao fim da necropsia, os auxilia-res conduzem os parentes à iden-tificação, procedimento obrigató-rio a todos os corpos que chegam ao IML. Após o reconhecimento e a digitação dos laudos, o cadáver é entregue à funerária e é feita a limpeza do local.

Sobre os principais casos aten-didos “fica bem disputado entre homicídio e acidente de trân-sito. Só a ilha tem metade das ocorrências que há em todas as outras regiões”, afirma Missao. Conforme dados preliminares divulgados em novembro pelo Ministério da Saúde, só em 2010 foram 1.862 mortes no trânsito de Santa Catarina, uma a menos que no ano anterior. Já os homi-cídios somaram 882, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP). O policial rodoviário fe-deral Leandro Andrade explica que, além de todos os feriados, o “carnaval é o mais sangrento. E não estão envolvidas apenas as pessoas que saem das baladas. Também há os que dirigem sem parar e acabam perdendo a aten-ção.”

O Núcleo de Geoprocessamento e Estatísticas da SSP elaborou um Mapa Informativo de Homicídios, divulgado em agosto deste ano, comparando a taxa de assas-sinatos no mesmo período de 2010/2011. O documento mostra que a maioria das mortes ocorre nos fins de semana, das seis da tarde à meia noite.Jovens e o IML - Antes de entrar

no Instituto, Missao trabalhava com massoterapia. “Prestei o concurso às cegas, passei e des-cobri que ia mexer com morto no primeiro dia de aula. Daí me per-guntei: ‘Vou mexer com morto. Como assim?’ Além disso, minha família é de tendência espírita, e eu achei que ia ter algum contato, falar com fantasma, e na verdade não aconteceu”. Apesar do susto inicial, o auxiliar está acostu-mado com a rotina do IML. “Eu dificilmente lembro do que acon-teceu ou de uma cena específica de algum morto. Pra mim mor-reu, morreu. Virou meu objeto de trabalho. Já peguei de tudo aqui, desde feto a senhor de idade, até irreconhecíveis, ou ossada.”

Apesar de jovens, Missao e Tatiane já sentem as consequên--cias das muitas noites sem dor-mir. “O pior horário é durante a madrugada, mas é porque a gen-te está em uma escala em que não temos período de descanso e, como estudamos, nossa rotina é de dormir pouco sempre”, afir-ma o massoterapeuta.

Tatiane é técnica em enferma-gem. Depois de formada não se identificou com o a profissão e resolveu prestar concurso para o IML. Apesar do cansaço e estres-se, com a nova atividade a enfer-meira aprendeu principalmente a entender o valor de sua própria família. Mas as preocupações da moça não impediram a aversão de alguns parentes.

Em uma sexta-feira, termi-nada a aula Direito – faculdade que Tatiane iniciou após sua en-trada no IML, a enfermeira sai de Palhoça às dez da noite para trocar de turno com Missao. Ela

chega, larga o livro de Direito Penal em cima da cama do dor-mitório e, com os olhos meio fe-chados de sono, vai finalizar uma necropsia. O corpo era de um ho-mem que havia levado dois tiros. Terminado o exame, a fome ganha do sono e a auxiliar vai fazer um lanche. O telefone toca. É Mattos avisando que na recepção tem gente a esperando. A expressão de seriedade que Tatiane apresen-ta ao perguntar ao senhor de uns 80 anos se ele é o pai da vítima é completamente diferente do sor-riso que carrega-va ao longo da re-feição. Trêmulo e como se não con-seguisse falar, ele afirma com a cabeça. – O se-nhor pode me acompanhar, por favor? - pergunta Tatiane.

Auxiliado por outro homem, o idoso caminha em direção ao corredor que o levará a seu filho. Para ele, a dor da perda. Para ela, mais uma etapa do trabalho, e da aprendizagem diária de como lidar com a morte e com a vida.

A vida e a morte convivem no IMLOnde a dor e o silêncio revelam a rotina de quem tem cadáveres como objetos de trabalho

CAUSA MORTIS

Géssica [email protected]

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Florianópolis, dezembro de 2011

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Tatiane e Missao trabalham há dois anos e oito meses no IML e se habituaram a lidar com a morte

Page 12: Jornal QUATRO

lojas de conveniência e bala-das, não poderão vender, ofe-recer ou permitir a presença de menores de idade consu-mindo bebidas alcoólicas no interior dos estabelecimen-tos. Cerca de 500 agentes da Vigilância Sanitária Estadual e do Procon iniciaram a fisca-lização em 19 de novembro, após intensa campanha de orientação por meio de blitz educativas. Em uma semana de inspeção, 65 estabeleci-mentos foram autuados.A lei paulista determina de-termina sanções administra-tivas, além das punições ci-vis e penais já previstas pela legislação brasileira, a quem vende bebidas alcoólicas a menores de idade. Prevê a aplicação de multas de até R$ 87,2 mil, além de interdição por 30 dias, ou até mesmo a perda da inscrição no cadas-tro de contribuintes do ICMS, de estabelecimentos que ven-dam, ofereçam, entreguem ou permitam o consumo, em suas dependências, de bebida com qualquer teor alcoólico entre menores de 18 anos de idade em todo o Estado.

Festas particulares como casamentos, formaturas e de-butantes, em que forem ser-vidas bebidas alcoólicas, tam-bém serão alvos da fiscaliza-ção.. Se adolescentes forem flagrados bebendo, a empresa ou entidade responsável pela organização do evento será punida. A população poderá denunciar locais que estive-rem infringindo a lei pelo nú-mero do Disk-Denúncia, 0800 771 3541 ou pelo site www.alcoolparamenoreseproibi-do.sp.gov.br/. No endereço oficial da campanha também é possível baixar avisos obri-gatórios que devem ser afi-xados nos estabelecimentos, que trazem informações so-bre a lei e as fiscalizações, so-bre os males que o álcool traz à saúde, além de respostas às perguntas mais frequentes.

Antes da aprovação da lei, já não era permitida a ven-da de álcool a menores. No entanto, se um adulto com-prasse a bebida e repassasse a um adolescente ou criança, os proprietários dos estabe-lecimentos não podiam ser responsabilizados. A rigidez adotada pelo governo de São Paulo é exemplo a todo o país. A prevenção do consumo de bebidas alcoólicas para crian-ças e adolescentes deve ser tratada como saúde pública.* A identidade foi preservada.

Gabriele [email protected]

Sâmia [email protected]

Quatro

“O quê? Não tem bebida?” P e r g u n t o u um jovem i n d i g n a d o ,

baixinho, indeciso entre os tênis e o paletó, que acabara de che-gar. “Tá muito fraco isso aqui!” Reclamou uma menina disfarça-da de mulher pela maquiagem, vestido curto e provocante bem de cima do seu sapato de salto. Eram 22h de uma sexta-feira de outubro. O diálogo aconteceu em um clube glamuroso em Jurerê Internacional, Florianópolis, no início de uma festa de 15 anos. Lá, os colegas da aniversariante esperavam encontrar drinks com álcool.

Para a surpresa de muitos de-les, que pareciam acostumados a beber, nessa ocasião os pais da garota não permitiram o consu-mo de bebidas alcoólicas para

menores de 18 anos. Mas isso não foi problema para os adoles-centes. Nitidamente mais “em-polgados” que os demais convi-dados, um grupo chega à festa carregando uma mochila. Eles se dirigem ao banheiro e demoram para voltar, ainda mais em êxta-se. O técnico de som e luz da festa Dieiver Sousa parece habituado com a situação. “Ah, com certeza tem bebida ali dentro”, conta, rin-

do da situação.Cenas como essas são cada vez

mais frequentes, segundo o bar-tender Heitor Silva, de 22 anos. “Quando a menina diz que não vai ter álcool eles fazem um “es-quenta”, bebem antes da festa, dão um jeito.” Silva trabalha há mais de dois anos em uma em-presa que oferece serviços de co-quetelaria e entretenimento. Em festas de 15 anos e formaturas, o bartender conta que “assim que o bar é aberto a galera enlouquece. Eles sempre pedem para colocar mais”, ainda que nesse tipo de evento a empresa costume pre-parar doses mais fracas.

Não é apenas em festas parti-culares que isso acontece. O con-sumo indiscriminado de bebidas alcoólicas por crianças e adoles-centes é também comum em ba-res e casas noturnas. Em muitos desses lugares a censura é de 16 anos, ou até mesmo 14, e não há o devido controle do que os jovens podem consumir. “As meninas entram com cartão que sinaliza a proibição da venda das bebi-das alcoólicas, mas não adianta. Elas compram com amigos mais velhos e saem bêbadas”, conta Fabiano de Paula, segurança de uma casa noturna no centro de

Florianópolis. Em restaurantes, os garçons são orientados quanto à venda de bebidas aos menores. Higor da Fonseca trabalha como atendente há apenas um mês e já teve que negar a venda de drinks a adolescentes.

Segundo pesquisa divulga-da em setembro deste ano pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abaed), pessoas com entre 14 e

17 anos consomem 6% do álcool vendido em todo o país. A situa-ção é facilitada quando os jovens tentam entrar em ambientes per-mitidos somente a maiores de 18 anos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não determi-na uma idade mínima comum a todo o país para a entrada de ado-lescentes em bares e ambientes noturnos. Os estabelecimentos solicitam o alvará de funciona-mento e cabe ao juizado da vara da Infância e Juventude determi-nar a censura.

Fabiano de Paula, que trabalha há 13 anos em baladas, reconhe-ce também ser comum a adulte-ração das identidades e que os próprios pais permitem, mesmo sabendo que o ato é crime de fal-sidade ideológica. “Já teve uma vez, inclusive, que a mãe de uma adolescente veio trazer a identi-dade falsa para a filha poder en-trar”, revela. O adoles-cente de 16 anos G.V.* garante que “é bem frequente o pessoal da minha idade entrar nessas festas com a faixa etária maior, principalmente as meni-nas. Elas entram até com carteira de 21, com elas os seguranças são bem menos rigorosos.” O jovem conta que já falsificou a própria carteira de identidade para en-trar em uma festa que tinha cen-sura e não foi pego.

O delegado da Polícia Civil Adalberto Safanelli, responsável pela fiscalização de jogos e diver-sões, afirma que quando um ado-lescente é flagrado, os pais são chamados para uma conversa. Porém, ele diz que essa é uma “in-fração leve, depois da conversa, a gente dá risada”. Segundo a pro-motora Priscila Albino, do Centro Operacional de Apoio à Infância e à Juventude do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), nesses casos são tomadas apenas medidas sócio-educativas de conscientização pelos atos infracionais cometidos. “Quem deve ser realmente punido são os estabelecimentos. A função do MP é a de conscientizar os jovens”, ressalta. Quanto aos es-tabelecimentos, alguns dispõem de uma luz especial que identifi-ca os documentos forjados, mas esse tipo de controle não é obri-gatório por lei. De acordo com o delegado Safanelli, a fiscalização desses casos interessa mais ao próprio estabelecimento e só são feitas investigações se houver de-

núncia.Outra situação de consenti-

mento indevido dos pais é quando os filhos começam a beber dentro de casa, ou nas festas de família. Isso acontece, principalmente, em cidades do interior. A profes-sora do curso de Direito Mariana Sant’Ana Miceli, da Universidade Federal de Santa Catarina, coor-denadora do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (NEJUSCA/UFSC), reforça que a lei e a fiscalização atuais são fracas e não abrangem o cotidiano das famílias do inte-rior. “Acontecem muitos bailes tí-picos regados a cerveja naquelas cidades, e sem nenhuma fiscali-zação. Muitos jovens começam a beber nessas festas”.

G.V. não tem dificuldade para conseguir entrar nos lugares que

quer e beber aquilo que deseja. Quando não é servido pelo próprio garçom, pessoas mais velhas compram por ele. A tática dos jovens é “não aparentar estar fazendo coisa errada. É um jogo de ima-

gem, aparência”, explica. Tão acostumados a frequentar

casas noturnas como adultos, os adolescentes confundem festas de 15 anos como a descrita no início do texto, com verdadeiras baladas. Lá pela metade da festa, uma fila de jovens que não foram convidados tentava burlar a se-gurança para entrar. Um grupo de meninas dançava de forma provocante em frente ao DJ. E al-guns meninos curtiam a ressaca deitados num sofá. Brincadeira perigosa - O al-coolismo é a segunda causa de morte evitável em todo o mun-do, atrás apenas do tabagismo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 4% das mortes ocorridas no mundo (cerca de 2,5 milhões de pessoas) são oca-sionadas pela bebida, sem contar crimes passionais e acidentes de trânsito potencializados por ela. Uma pesquisa do Instituto Ibope, feita a pedido do Governo Federal, apontou que 18% dos adolescentes entre 12 e 17 anos bebem regularmente, e que qua-tro a cada dez menores compram livremente bebidas alcoólicas no comércio.

Na tentativa de diminuir o consumo, o governo do Estado de São Paulo sancionou, em se-tembro deste ano, uma lei esta-dual que amplifica a prevenção do uso de do uso de bebidas alcoólicas por crianças e ado-lescentes. Bares, restaurantes,

Adolescentes burlam a lei e consomem cada vez mais bebidas alcoólicasFalhas na atual legislação e falta de controle permitem o vício entre os jovens

Quatro em cadadez menores de idade compram bebidas livremente no comércio

Florianópolis, dezembro de 2011 Quatro

Lei antiálcool tramita no estadoTrês projetos parecidos com o

recém aprovado em São Paulo es-tão sendo analisados em Santa Catarina. Dois deles foram criados por deputados estaduais – Jailson Lima (PT) e Dado Cherem (PSDB), e por apresentarem muitas seme-lhanças estão sendo apreciadas em conjunto. Antes que eles cheguem ao plenário, porém, é provável que o projeto proposto pelo promotor geral de Justiça de SC Lio Marcos Marin passe por votação. Isso por-que foi encaminhado ao governa-dor Raimundo Colombo, no dia 25 de outubro, e ele tem o poder de pedir urgência à Assembleia Legis-lativa (Alesc) para que seja votado.

“Nós recebemos o projeto e es-tamos estudando, e a princípio ve-mos com bons olhos essa iniciativa. O Governo do Estado tem que ser ativo nesta questão do consumo do álcool por parte dos jovens”, afirma o governador Colombo. Entre ou-tras modificações, o texto de Ma-rin é mais rigoroso porque, além de não admitir a venda de bebida alcoólica ao adolescente, o comer-ciante não poderá permitir que um adulto repasse a bebida ao me-nor e que ele a consuma no local.

A venda de bebida alcoólica para adolescentes já é proibida. O ato é citado em duas situações da legis-lação brasileira: no artigo 63 da Lei das Contravenções Penais, que pre-vê prisão simples de dois meses a um ano ao comerciante que vender a bebida ao jovem, e no artigo 243 do Estatuto da Criança e do Adoles-cente (ECA), que o classifica como crime passível de detenção de dois a quatro anos. A promotora Pris-cila Albino, do Centro Operacional de Apoio à Infância e à Juventude,

destaca que o Ministério Público de Santa Catatrina (MP-SC) sem-pre denuncia com base no Estatuto. Porém, a tendência nesses casos é o ato ser caracterizado como con-travenção penal pelo Tribunal de Justiça, já que quando a infração é citada em duas leis, vale a menos punitiva ao réu. “Devemos punir os estabelecimentos, mas a garan-tia de pena efetiva hoje é irrisória”, lamenta a promotora. Se aprovada, além de fazer valer o que diz o ECA, a nova lei estadual vai aplicar mul-tas e pode fechar os estabelecimen-tos que descumprirem as regras.

A criação da lei representaria um avanço, mas só ela não basta. O go-vernador alerta para a importância da conscientização entre os adoles-centes, através de campanhas de educação. “Em Santa Catarina, nós temos o trabalho do Proerd, que faz um trabalho fantástico afastando e ensinando a gurizada que “droga é uma droga” (lema da campanha) e o álcool é a pior droga, segundo especialistas. Em 2011, o Proerd vai chegar à marca de um milhão de crianças formadas e agora o tra-balho também está chamando os pais para debater essas questões”.

De fato, um estudo realizado pela Secretaria Nacional de Políticas so-bre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, revelou que o primeiro gole ocorre entre os 11 e 13 anos. O álcool está no Grupo 2 entre as drogas com maior perigo tóxico, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A classificação foi feita de acordo com a capacidade de provocar a dependência. Para o psi-quiatra Alexei Kachava, especialista em dependência química, as drogas lícitas, como o álcool e o cigarro, são

o primeiro passo para drogas mais pesadas. O tempo de uso e a pre-cocidade do consumo são os dois principais fatores de risco para se desenvolver o vício, conforme o psiquiatra. Ele conta que a maioria dos pacientes dependentes do ál-cool já bebia na adolescência e que “quem começa mais cedo tem um risco de desenvolver alcoolismo.”

A pouca fiscalização favorece tanto a entrada quanto o consumo de álcool entre os jovens. Quando um adolescente é pego consumin-do bebida alcoólica em uma casa noturna, chamam-se os pais, o gar-çom que o serviu e o dono do es-tabelecimento. A partir daí, cabe ao juiz decidir quem é o responsá-vel e qual será a pena. Hoje, quem vender bebida alcoóli-ca para um me-nor de 18 anos acaba sendo julgado como uma contra-venção penal. Mas, se aprovada, a nova lei promete aplicar multas de três a 100 salários mínimos e até interdição do estabelecimento se houver reincidência. A fiscalização também passa a ser mais forte com o trabalho da Vigilância Sanitária e do Procon, não só em estabele-cimentos fechados, mas também em festas privadas, caso haja sus-peita ou denúncia feita pelo 190.

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Pesquisa aponta que pessoas entre 14 e 17 anos consomem 6% de todo o álcool vendido no país

Quando sabem que o consumo não vai ser permitido, os jovens bebem antes da festa ou levam bebidas alcoólicas escondidas em mochilas

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A multa para quem vender bebida alcóolica a menores de 18 anos pode chegar a R$ 85 mil

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Florianópolis, dezembro de 2011

Page 13: Jornal QUATRO

Calça jeans, bota, ca-miseta, cachecol xa-drez e boné não é o traje padrão para entrar em uma boate

de luxo. Isso não impede o cha-mado “Caveira” de frequentar o Bokarra Show toda semana, sem-pre segurando uma garrafa de Red Label, em busca de uma nova companhia.

O resto da clientela é diferente. De camisa social e terno, os ho-mens pagam R$100 reais a entra-da, que inclui a consumação de 4 cervejas. Em uma noite, alguns clientes chegam a gastar mil reais somente com bebidas.

A casa recebe cerca de 100 clientes por noite, e a movimenta-ção varia de acordo com o dia da semana e da temporada do ano. “A maioria que frequenta tem cerca de 40 a 60 anos... e casado, né?”, conta o gerente do Bokarra Show, Edir Diesel. Apesar dos três seguranças na entrada e um na pista, o gerente alega não ter complicações entre os clientes, as acompanhantes e a casa. “Nunca houve briga, nunca houve nada. O problema mesmo é na hora de pagar”. Para evitar inciden-tes, o programa, que não inclui consumação de comidas e bebi-

das, deve ser acertado em dinheiro ou cartão de cré-dito com o es-tabelecimen-to. Cheques, só de co-n h e c i d o s . “Geralmente

piazinho nem compra bebida para menina, diz que só vai beber uma cervejinha, vem para ver o show”, reclama Fernanda, acom-panhante de 26 anos.

O cliente é quem escolhe a me-nina, que tem a liberdade de acei-tar ou não. Fernanda trabalha há 2 meses no Bokarra e diz que não faz programa com gordo, velho e feio - gosta dos novinhos. Ainda não está habituada ao trabalho e cogita atender ao convite de um cliente que lhe ofereceu um em-prego de secretária em uma das empresas de que é sócio.

Os gostos variam. Cristina brinca que prefere os “com uns 900 anos”. De acordo com ela, os

mais velhos terminam o serviço rápido e, assim, consegue reali-zar vários programas. A chape-coense largou o curso de Gestão Empresarial e agora chega a ga-nhar R$ 1.800 por noite. Com o dinheiro, conseguiu colocar sili-cone. Passa os finais de semana em baladas, apartamentos em Jurerê Internacional e dirigindo lanchas com os clientes. Ao ver o boleto do cartão de crédito de um deles, se assusta com o valor a ser pago, R$ 35mil.

A noite pode ser comparada com baladas de Florianópolis e, além do show de strip tease e dança, o DJ residente toca músi-ca eletrônica, funk, pop e serta-nejo. Nos dois andares, casais e grupos de amigos conversam em volta do pole dance, no bar e nas mesas. As profissionais alegam ser tratadas com respeito pelos funcionários, gerência e clientes. De acordo com Cristina, a abor-dagem é cheia de elogios.“Eles só ficam falando que a gente é linda, questionam nosso estilo de vida e querem tirar a gente desse mun-do. Vivem me perguntando por que eu não faço trabalhos como modelo”.

Nem todos os programas en-volvem sexo. “Às vezes eles pa-gam o programa, levam a gente para o quarto e só querem ficar conversando, viro psicóloga”, brinca Fernanda. Um dos clientes faz parte da rotina. Após vários encontros - com programa pago – sem sexo, os dois participaram de um evento com pagode e ber-bigão na presença de amigos do empresário. Era dia de folga dela e o casal só fez sexo porque foi ela quem quis, sem cobrar. Ele continua frequentando a casa,

mas agora vai três vezes por se-mana e fica com ciúmes quando Fernanda faz programa com ou-tros homens. Por causa do envol-vimento, algumas vezes ela troca de cliente para ficar com o fixo. “Ele é tão querido... e tem uma BM [BMW], né?”, brinca.

Umas são tratadas como na-moradas, mas outras se depa-ram com situações inusitadas. A dupla conta histórias de clientes com preferências por objetos. Alguns que pareciam convencio-nais pediam, em vez de sexo, que elas usassem saltos de sapato e tubos de desodorante.

Fernanda e Cristina fazem parte do grupo de 25 meninas que moram no próprio bar. Elas ganham alimentação, moradia, e não precisam pagar as despesas da casa. Mesmo que não sejam obrigadas a fazer programa dia-riamente, a cada dia útil que não trabalham, pagam uma multa de R$150 reais para a gerência. Aos sábados, domingos e feriados re-ligiosos, estão liberadas, já que a casa não abre. Os programas po-dem ser realizados dentro e fora do Bokarra. Há 10 quartos dispo-níveis para os encontros. Além

das moradoras, 40 meninas trabalham por conta própria. Durante o verão, no total, 120 profissionais atuam em shows e programas. De cada bebida vendida, 20% é da acompa-nhante do comprador. Os pre-ços variam. Cada cerveja custa R$25, o preço dos drinks é de R$90, do champagne é fixado em R$250, e a garrafa do uís-que Red Label, preferido do “Caveira”, custa R$ 400.

No mesmo estilo - O Sex Night Club, que fica na Avenida Mauro Ramos, tem um perfil de clientes parecido com o do Bokarra. O preço varia por noi-te, mas são cobrados em torno de R$70 para entrar, com di-reito a consumação. Na terça, a noite da fantasia alegra o sorte-ado que tem todos os serviços de uma das modelos bancados

pela casa. Cada cerveja custa R$ 15 e, na quinta-feira, é a “noite do sushi”, com consumo liberado das peças e de cerveja. “Achei bem criativa a ideia de servirem sushi nas meninas, era mais interes-sante que o show, já que foi servi-do a noite inteira”, acredita Rafael Benevenuto. Rafael tem 21 anos e já foi duas vezes ao Sex Night. “Nunca fui a nenhuma das mais fuleiras, acho que não vale a pena. Ainda não fui ao Bokarra por fal-ta de grana”, lamenta. O estudan-te de Agronomia da Universidade Federal de Santa Catarina com-pareceu à casa com amigos para se divertir. “Estávamos pensando em ir a uma balada normal e de-cidimos ver como era uma noite lá”.

Um dos amigos foi embora com uma das meninas e teve sorte. No dia seguinte, explicou que a acompanhante não cobrou pelo programa, pois o ex-modelo era muito bonito. Eles ainda se comunicam por mensagens e se encontram fora do horário de trabalho.

Bebidas caras e clientes dispostos a pagar garantem o lucro das boates de luxo da capital

O cliente é quem escolhe a garota, que tem

a liberdade de aceitar ou não

BOATE

Jessica Melo [email protected] Kauane [email protected]

Florianópolis, dezembro de 2011 Quatro

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Clientes chegam a pagar cem reais por noite em casa de show erótico da Capital

O preço para uma noite de prazer

Com o preço mais acessível, a Fênix Club cobra R$ 50 reais a entrada, com R$ 20 de con-sumação. A cerveja custa R$ 5, mas as bebidas compradas para as meninas custam mais caro, para que a boate tenha lucro. Os shows de strip são feitos das 18h até meia-noite em dias de semana e, aos sába-dos, das 15h às 20h.

A La Maison Vip cobra o mesmo preço e dá o mesmo di-reito a bebidas que a Fênix. A cerveja custa R$ 5, o energéti-co R$ 10. O número de meninas na casa varia e fica em torno dos 25. Os dois estabelecimen-tos não permitem a entrada de mulheres desacompanhadas e não quiseram informar o preço dos programas.

Casas alternativas são mais baratas

Page 14: Jornal QUATRO

Companheiro de bala-das ou de noites de es-tudos na madrugada, o uso de estimulantes inibidores de sono

está se tornando hábito na popu-lação, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. Pó de guaraná, ener-géticos e anfetaminas são os mais populares e entre um e outro gole de café os usuários não se dão con-ta do risco que estão correndo.

O elixir dos inibidores de sono é a cafeína, um composto químico bem conhecido pela ciência; a tri-metilxantina ou C8H10N4O2 que, no nosso corpo, tem efeito esti-mulante. Quando chega no córtex cerebral, a cafeína inibe a ação de um neurotransmissor adenosina, responsável por diminuir a ativida-de dos neurônios e dilatar os vasos sanguíneos.

Uma xícara média de café é ca-paz de deixar um adulto alerta de três a seis horas. A cafeína, porém, é capaz de causar sintomas de de-pendência, ainda que esse vício não seja considerado doença psi-quiátrica. Consumidores regulares de cafeína tendem a ficar irritadi-ços, ansiosos ou com dor de cabeça e o corpo começa a pedir quantida-des cada vez maiores para se sentir bem. Mais de 500 miligramas de cafeína – ou três xícaras de café ex-presso forte – podem desencadear um processo de intoxicação. O limi-te de ingestão é 150 mg por quilo de uma pessoa.

O uso frequente de alta concentração desta substân-cia pode trazer transtornos. A começar pelos efeitos do sono insuficiente. “A longo prazo, a privação de sono causa de for-ma crônica falta de memória, dores no corpo, baixa capaci-dade de realizar tarefa além de desânimo, ansiedade, cansaço e depressão”. Segundo Fernando Vieira, otorrinolaringologista e médico do sono no instituto do sono e medicina respiratória Somed.

As bebidas estimulantes, popularmente conhecidas como energéticos, reduzem a sensação de cansaço e sono-lência e ajudam o organismo na produção de energia. Além de cafeína, possuem elevado teor de carboidratos, o que forne-cem energia para o organismo.

O aminoácido natural taurina é outro componente encontrado na composição. Em alguns alimentos, este aminoácido é encontrado em pequenas quantidades. Nas bebi-das estimulantes, no entanto, sua concentração é semelhante a en-contrada em 500 taças de vinho. Em grandes quantidades a taurina potencializa o efeito dos demais estimulantes presentes na bebida. Seus efeitos em longo prazo ainda não foram suficientemente estuda-dos.

Segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas (Abir), entre 2006 e 2010, a venda desse produto teve crescimento de 325% - a venda de sucos, segundo colocado no ranking, teve acréscimo de 53%. Representam um total de 87 mi-lhões de litros por ano. No Brasil, há mais de 130 marcas sendo ven-didas em supermercados, casas noturnas, bares e academias de ginástica.

Para o pesquisador Sionaldo Eduardo Ferreira, pesquisador de psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, que estudou os efeitos dos energéticos, é preciso ficar atento para o abuso desse tipo de bebida. Depois de con-sumir uma latinha é possível sentir insônia, taquicardia e ansiedade, efeito da intoxicação por cafeína. A superdosagem pode causar rea-ções adversas como tremores, náu-seas e diarréia.

A combinação de energético e álcool é popular e está à venda em

bares e casas noturnas. “Quando não tomo energético sinto sono na balada”, diz Rodrigo Leal, 26 anos. O jovem chega a consumir um li-tro de uísque combinado com a bebida. O aviso para evitar essa mistura está impresso nas emba-lagens, mas é assim que 76% das pessoas os consomem, segundo a pesquisa de Sionaldo. Os energéti-cos aumentam o efeito euforizante proporcionada pelo álcool e dimi-

nuem a percepção do estado de embriaguez. Ainda mais preocupan-te é misturar os ener-géticos com vasodila-tadores como Viagra ou Cialis e com drogas como cocaína, ecstasy e anfetaminas – todas, assim como as bebidas,

estimulantes do sistema nervoso. “Os efeitos deles acabam somados. E o indivíduo pode ser acometido por síndromes cardíacas agudas”, explica Sionaldo.

Apesar das restrições em al-guns países, como Canadá, França e Dinamarca, as bebidas estimu-

lantes têm conseguido o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão respon-sável pelo controle do produto no Brasil. A única orientação das in-dústrias fabricantes é que os usu-ários se mantenham hidratados, já que a cafeína e o álcool são diuré-ticos, por isso sugerem alternar a ingestão do estimulante com gran-des quantidades de água para evi-tar desidratação.

O mais problemático dos es-timulantes são as anfetaminas. Embora muito associado a cami-nhoneiros, que consomem o cha-mado rebite, em razão da neces-sidade de dirigir bastante entre dias e noites sem descanso, são também muito usados por mulhe-res com intenção de emagrecer. “Os motoristas sob efeito do rebite aparentam sonolência, confusão mental e pode ter alucinações. Esse comportamento de risco aumen-ta as chances de acidentes graves nas rodovias” alerta o major Fábio Martins, da polícia rodoviária esta-dual de Santa Catarina.

Por serem estimulantes do cé-rebro, as anfetaminas diminuem o sono e deixam o indivíduo mais ligado. Contudo, a esses efeitos segue-se extrema fadiga, explica o farmacólogo Tadeu Lemos, da Universidade Federal de Santa Catarina. Várias dessas substâncias acabam de ser proibidas no Brasil. Em outubro, foram retirados do mercado os derivados de anfeta-mina femproporex, anfepramona e mazindol e aumentou-se o contro-le sobre a permissão de venda da sibutramina, geralmente usada no tratamento da obesidade. “Grande parte do consumo para estes fins é ilegal. Como qualquer outra dro-ga de abuso, há que se investir em campanhas informativas e dificul-tar o acesso a elas. essa é a base da prevenção”, diz Lemos sobre o con-trole dessas substâncias.

Estimulantes são moda na noitePara passar a noite em claro, jovens abusam de energéticos e o consumo triplica

Festas, trabalhos, até o emagrecimento é usado para justificar o uso

Patrícia [email protected]

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Pó de guaraná O guaraná em pó contém cafeína em concentração mais alta que o café. É utilizado para combater o cansaço físico e mental. Por ser mais fraco do que os demais inibidores de sono e ser associado a propriedades naturais da fruta, o risco de dependência é baixo. Energético Os energéticos são bebidas com composição de cafeína, carboidratos e taurina. Comercializados livremente, são muito associados ao álcool em festas.

Metilfenidato Droga estimulante geralmente prescrita por psiquiatras para o TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade). Mesmo com venda controlada, acabou se tornando popular sua utilização como simples inibidor de sono. Anfetaminas Substâncias estimulantes que atuam diretamente no sistema nervoso central, aumentando o estado de vigília. Com venda controlada mas podem ser encontrados no mercado ilegal com o nome de rebite ou bola.

Florianópolis, dezembro de 2011

Embalagem alerta sobre perigo da mistura com álcool, mas é assim que 76% consome

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PRA NÃO DORMIR

Inibidores de sono

Page 15: Jornal QUATRO

A cada noite parecia que estava ficando pior. A situação ia se acumulando e o fato de não dormir fazia

com que passasse o dia estres-sado, mal humorado. Até os 20 anos, dizia dormir bem, tinha um sono pesado, mas nos últimos sete anos começou a sofrer de in-sônia. Essa é a história de Remy Mendes Neto, paciente há três semanas do Instituto do Sono e Medicina Respiratória (Somed), de Florianópolis. “Eu já sabia da doença, já conhecia, mas fui dei-xando o tempo passar, até que chegou a uma situação crítica, muito ruim”, explica Remy. Ele também conta que antes de pro-curar a clínica sofreu incidentes por conta da insônia. “Eu levantei para ir no banheiro de madrugada

e, na hora que fui na torneira lavar minhas mãos, me deu um apagão e eu caí. Torci o meu pé e me machuquei no granito da pia. Uma vez tam-

bém quase bati o carro, ao cochi-lar na direção. Depois desses dois sustos, resolvi procurar tratamen-to.”

A insônia é a dificuldade de ini-ciar o sono, mantê-lo ou de dor-mir o número de horas que faz a pessoa se sentir reparada ao acor-dar. Ela acomete mais mulheres do que homens e também é fre-quente a partir da meia idade, aos 35/40 anos. Como a doença tem várias apresentações, é impor-tante separá-la em transitória, de curta duração e crônica. A transi-tória é a incapacidade de dormir por um período de poucas noites, com duração menor que quatro semanas. Já a de curta duração é ocasionada por períodos de es-tresse no trabalho ou em casa, trazendo em média quatro sema-nas a seis meses de dificuldades para dormir. No entanto, quando a situação se resolve, o sono tende a melhorar e retorna ao normal. A crônica, que geralmente faz o pa-ciente procurar um médico, ocor-re quando o transtorno realmente se instala e a dificuldade no sono se repete todas as noites ou na maioria delas, com duração maior

do que seis meses.A cronificação da insônia pode

envolver comportamentos perpe-tuantes. A pessoa que começa a ter a doença passa a adotar con-dutas que pioram o seu estado, como ficar assistindo televisão na hora de dormir, usando o compu-tador ou trabalhando. Dessa for-ma, ela coloca no horário correto de dormir ou quando deseja dor-mir, atividades estimulantes como se expor à luz da televisão ou do computador. Assim, mesmo que às vezes o fator de estresse que desencadeou a insônia já tenha ido embora, esses comportamen-tos fazem com que ela permaneça. Fernando Vieira, médico especia-lista em sono da Somed, explica que como a pessoa não consegue dormir, ela tenta preencher esse tempo com alguma atividade que geralmente piora ainda mais a situação. “A televisão e o compu-tador são sempre coisas que dificultam o sono por causa da luminosidade. A luz esti-mula a vigília e se você ainda assiste a um filme que é mui-to violento, emocionante, isso vai dificultar o seu sono”.

Outro fator prejudicial para o insone é o fato de ficar muito tempo na cama sem dormir. “Esse momento que a pessoa passa sem dormir na cama gera muita ansieda-de, muito desconforto men-tal, psíquico. Aquela dificul-dade de dormir é muito ruim para o paciente. Isso gera, em longo prazo, um medo de não dormir e a pessoa vai para a cama já com receio da sensação que vai experimen-tar durante a noite”, afirma Vieira. O que se recomenda para o insone quando acor-dar durante a noite ou quan-do não conseguir iniciar o sono é sair da cama e tentar fazer algo monótono em outro ambiente, com uma luz fraca, mas que não permaneça muito tempo sem dormir na própria cama.

Outra questão é que a insônia, com o tempo, gera vários distúr-bios ao longo do dia, como altera-ções no humor, depressão, ansie-dade e irritabilidade frequentes. Ela também pode provocar déficit de memória e de concentração e diminuir a capacidade de reali-zar tarefas. Vieira esclarece que raramente a pessoa com insônia tem sono durante o dia, mas ela se sente cansada, com uma sensação de fadiga ou um cansaço mental, já que não descansa durante a noite.

Para Remy, que dorme em mé-dia duas a três horas por noite, o seu rendimento caiu muito depois da doença. Ele afirma que antes

da insônia era ágil e dedicado em tudo que fazia. Hoje, acorda sem-pre cansado, estressado e qual-quer coisa que acontece vira moti-vo de briga. “Isso atrapalha muito. Ninguém está nem aí se eu passei a noite sem dormir. Se eu não tra-balhar bem, sou demitido. Se não pagar aluguel, sou despejado”. Remy também diz que a insônia prejudica o seu relacionamento com outras pessoas, uma vez que sente que o seu comportamento passou a incomodar. “Eu comecei a me isolar, me afastar, porque eu sabia que atrapalhava. Saí da casa da minha mãe porque sempre ti-nha gente. Relacionamento tão cedo não dá para mim”.

A principal modalidade para tratar a insônia é a psicoterapia. Medicações funcionam apenas como uma ajuda no início do tra-tamento, já que normalmente quando o insone busca assistên-

cia profissional, ele possui graves alterações no humor associadas. Mas o tratamento que realmente pode resolver o problema é um tipo específico de psicoterapia co-nhecida como Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), dirigida para a insônia. Essa modalida-de utiliza-se de estratégias que o psicólogo ensina para o paciente com o fim de quebrar o ciclo de associação psicológica entre a in-sônia e o quarto, ou entre a insô-nia e o momento de dormir, e que o ajudam a se livrar dos remédios e da própria doença. Na Terapia Cognitiva Comportamental há uma parte de entendimento em que o psicólogo tentará compre-ender os mecanismos que desen-cadearam a insônia e os compor-tamentos do paciente que a estão

perpetuando. “É através deste ‘mapa’ das causas da insônia que as intervenções e técnicas psico-terápicas são aplicadas. Por exem-plo, para um paciente a ansiedade relacionada a padrões de pensa-mento pode ser central na insô-nia, neste caso as técnicas para reduzir esses pensamentos e para canalizar preocupações em dire-ção a um planejamento construti-vo são as mais indicadas”, afirma Marco Callegaro, professor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC). Dessa forma, posteriormente, há a parte de in-tervenção, em que se aplicam as estratégias para tentar romper os ciclos psicológicos causados.

O insone Remy acredita que tudo vai mudar quando ficar me-lhor. Sem a insônia, terá o fim do seu cansaço e voltará a ficar bem disposto. “Eu era vaidoso, gostava de me cuidar, de sair. Hoje eu vivo

cansado, não tenho ânimo para nada. Estou envelhecendo, vendo minha vida passar, tudo isso, can-sado. Minha fé é o que me faz con-tinuar em pé todos os dias”.

Assim como Remy, estima-se que 40% da população brasileira sofra com algum tipo de insônia. Para pessoas como ele, a noite perdeu o sinônimo de sono. “Tu já sabe que noite é dormir. Então quando começa a anoitecer, deito na cama, fico rolando de um lado para o outro. E assim vai, dou uma cochilada, depois acordo, vejo te-levisão. Espero a noite passar e fico torcendo para que amanheça logo”.

Insônia gera depressão e ansiedadeAlém dos insones lidarem com a falta de sono à noite, há efeitos físicos e psicológicos ao dia

“Não tenho ânimo para nada. Estou

envelhecendo, vendo a minha vida

passar, cansado.”

SEM DORMIR

Carolina [email protected]

Florianópolis, dezembro de 2011 Quatro

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Remy conta que a falta de sono prejudica seu trabalho e relacionamentos pessoais

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Apesar de morar sozi-nho, Bruno Aparecido Gonçalves, 26 anos, consegue perceber que anda pela casa

durante a noite. Pois, ao amanhe-cer, ele nota que as coisas muda-ram de lugar sem explicação. O rapaz tem sonambulismo desde criança. Assim como Gonçalves, para muitas pessoas dormir não é hora de descansar, mas sim de falar, andar, comer e até sair de casa. Segundo matéria publicada pela rede britânica BBC, há esti-mativas de que o distúrbio atinge em média 10% das crianças e um em cada 50 adultos.

O sonambulismo é caracteriza-do por um comportamento motor anormal durante o sono. O termo origina-se do latim e é uma jun-ção das palavras somnus (sono) e ambulare (marchar, caminhar). A doença, que pode ser herdada ge-neticamente, é classificada como uma parassonia - fenômeno que envolve atividade muscular e mu-danças do sistema nervoso.

Podem ser vários os motivos que levam as pessoas a terem esse transtorno, entre eles estão a falta de uma rotina de horários para dormir, ausência de sono, estresse, ansiedade, uso de me-dicamentos que alteram o hábito noturno do paciente. Fernando Mirage Jardim Vieira, médico otorrinolaringologista especia-lista em Medicina do Sono, expli-ca que o paciente que apresenta sonambulismo tem um distúrbio dos mecanismos neurofisiológi-cos do despertar, produzindo um acordar parcial, o que faz com que a pessoa consiga se levan-tar, mas continue dormindo. Ela consegue enxergar, ouvir e sentir o ambiente a sua volta, por isso raramente se machuca. Como o estado de consciência não é to-talmente estabelecido, a doença pode causar comportamentos estranhos como derrubar coisas no chão, andar em lugares ina-propriados, comer alimentos que não gosta, entre outros.

As crises ocorrem principal-mente na infância, antes dos 12 anos. Os indivíduos afetados cos-tumam apresentar uma redução dos episódios de sonambulismo e eventual desaparecimento com o passar dos anos. A teoria mais

provável para este comporta-mento etário é o amadurecimen-to dos sistemas neurológicos do despertar, que se tornam mais estáveis nos indivíduos adultos. Porém, existem casos de pessoas que desenvolvem o sonambulis-mo somente na fase adulta.

Vieira ressalta a necessidade de esclarecer amigos e familiares sobre os procedimentos que de-vem ser tomados quando presen-ciarem uma crise. “Devem apenas observar o paciente para garantir que não se machuque. Não há ne-nhuma vantagem em acordá-lo, a não ser que ele esteja em situação de risco. Se o comportamento do sonâmbulo for inofensivo, o mais correto é deixá-lo voltar sozinho para a cama”. Quando acordada, a pessoa fica confusa quanto a sua localização, já que dificilmente se lembrará de como chegou ali.

O tratamento pode ser feito por remédios, mas na maioria dos casos os sintomas desaparecem com o controle da alimentação – não comer alimentos estimulan-tes como chocolate, tomar café, energéticos – e o estabelecimen-to de uma rotina regular de sono. Devem ser evitados medicamen-tos tranquilizantes ou estimu-lantes. “Manter uma boa higiene do sono (bons hábitos de sono) e evitar eventos estressores desne-cessários são fatores essenciais”, afirma Vieira.Sonâmbulos assumidos- No site de relacionamento Orkut é possível encontrar várias comu-nidades de pessoas que têm ou já tiveram crises de sonambulis-mo. Uma delas conta com 1042 participantes. Bruno Aparecido Gonçalves trabalha como ven-dedor de artigos eletrônicos em Nova Granada, no estado de São Paulo, e é um desses sonâmbu-los assumidos. Ele recorda que em uma de suas crises achou que

tinha um monstro dentro do seu compu-tador. Desesperado, se levantou da cama, atirou o monitor no chão, e foi para outro quarto longe da pos-sível ameaça. Outro exemplo aconteceu no dia em que acor-dou enquanto pro-curava sua bola de futebol pela casa. Em outra noite, o comer-ciante foi para a co-zinha, abriu todas as portas dos armários, fechou, depois voltou para a cama.

O episódio mais pe-rigoso ocorreu na noi-te em que Gonçalves se levantou para fazer café. Colocou um pote de plástico no fogão ao invés da chaleira. Mesmo dormindo, o rapaz sentiu o cheiro de queimado e trocou o pote pela chaleira, fez o café, e voltou para a cama.

O comerciante confessa que dificilmente recorda o que acon-tece durante as noites. Quando lembra, sua memória registra como um sonho. “É impossível saber ao certo o tempo que fico fora da cama, mas geralmente é coisa rápida.” Gonçalves nunca procurou tratamento, pois não se sente incomodado com as crises. Para ele, o sonambulismo não é um problema e, por isso, só irá procurar um médico quando re-almente se sentir preocupado. Casos Bizarros- Pelo site da emissora BBC, é possível conhe-cer a história do artista londrino Lee Hadwin. O pintor só conse-gue fazer seus quadros e dese-nhos quando está dormindo. Aos

37 anos, ele conta que sofre de sonambulismo desde os quatro. Lembra-se de que, quando crian-ça, acordava à noite para rabis-car as paredes de sua casa, para desespero da mãe. O artista não consegue lembrar de nada do que faz enquanto está dormindo e nem é capaz de reproduzir seus desenhos quando está acordado.

Em novembro de 2008, o programa Fantástico, exibido pela Rede Globo, relatou outro episódio inusitado. O lavrador Odair José Berti, morador de Rio Bananal, no Espírito Santo, acordou em cima de uma pedra em uma montanha de 80 metros de altura – tamanho aproxima-do ao de um prédio de 25 andares. D o r m i n d o , Berti pas-sou por uma mata fechada sem o auxílio de nenhum equipamento e vestindo apenas chinelo e bermuda. O Corpo de Bombeiros foi chamado pelo ir-mão, o agricultor Claudeci Berti, e o resgate foi feito após nove ho-ras. Algumas pessoas acreditam que Berti foi levado até o local por alienígenas, mas o que acon-teceu foi mais uma crise de so-nambulismo. O lavrador já havia sido achado dormindo no meio da rua.

Universo paralelo dos sonâmbulosO distúrbio causa comportamentos inesperados enquanto a pessoa dorme

A maioria dos sonâmbulos não lembram o que fazem enquanto estão dormindo

INCOSCIENTE

Stefany [email protected]

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Florianópolis, dezembro de 2011

Lee Hadwin só consegue pintar suas obras durante as crises de sonambulismo

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Gonçalves tentou ferver água em um pote plástico enquanto dormia

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Clínica vira hotel em exame noturnoRepórter do Quatrodorme plugadoem polissonografia,exame que analisanoite de paciente

SONO ASSISTIDOFlorianópolis, dezembro de 2011 Quatro

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O sono é o estado de repouso que sus-pende a atividade perceptiva, senso-rial e os movimentos

voluntários. Para o nosso corpo, dormir representa uma recupe-ração energética e também uma oportunidade de regular a tem-peratura, a quantidade de água e minerais nos músculos e o nível de glicose no sangue. Mas para muitos, dormir não é tarefa fácil. Os distúrbios ou doenças do sono afetam cada vez mais a população mundial.

De acordo com a Associação Brasileira do Sono, 24% dos ho-mens e 18% das mulheres de meia idade roncam, mas os problemas na hora de dormir não se limitam a isso. A apneia – sequencia de rá-pidas paradas respiratórias que ocorrem enquanto dormimos, a insônia, a síndrome das pernas inquietas e o bruxismo - hábito de ranger os dentes durante a noite, prejudicam o descanso. A maioria dos casos é causado pelo estresse e quanto menos dormimos com qualidade, mais chances temos de desenvolver problemas que não tem relação com o sono, como pressão alta, depressão, obesida-de e até mesmo impotência sexual.

Estes distúrbios podem ser identificados por um exame específico: a po-lissonografia ou estu-do do sono, que consis-te em filmar, monitorar e analisar o período em que o paciente dor-me. E se você precisa passar por isso ou tem curiosidade de saber como tudo funciona, este repórter submeteu-se a uma noite de estu-dos em uma clínica no Centro de Florianópolis e conta as sensações e curiosidades de ter seu sono es-tudado.Uma noite como experimen-to - O exame foi marcado para as 20h30, na mesma clínica onde os médicos realizam as consultas. As orientações, que não são poucas, foram entregues com 24h de an-tecedência. Quem vai fazer uma polissonografia não pode ingerir qualquer produto com cafeína, derivados de chocolate ou bebida alcoólica durante o dia anterior.

Pessoas com gripe ou resfria-dos não podem fazer o exame.

Homens devem estar barbeados. Todos devem trazer roupas para dormir feitas apenas de algodão e com camisa larga ou de botões. O paciente pode levar travessei-ro, roupa de cama, toalha e até xampu e sabonete, apesar de tudo ser fornecido. Como os exames só terminam às 6h do dia seguinte, a clínica disponibiliza um banheiro com chuveiro para se arrumar ao final do exame.

Ao chegar à clínica, depois de seguir as orientações à risca, per-cebi ser o paciente mais jovem en-tre outros seis senhores. Depois das apresentações, fomos levados

aos nossos quar-tos (individuais, claro), que são os mesmos con-sultórios onde os médicos tra-balham durante o dia. Quem se consulta nesta clínica jamais

deve ter pensado que existe uma cama e um complexo sistema de aparelhos guardados em um dos armários. Além disso, a acomo-dação possui televisão de plasma, ar condicionado e um telefone na beira da cama. E claro, uma câme-ra posicionada no teto, muito pa-recida com aquelas instaladas em postes na rua. A sensação de estar sendo observado, mesmo antes de começar, é intensa.

Conforme fui me acomodando, conversei com os funcionários. Quem havia feito as apresenta-ções e me conduzido até os quar-tos foi a técnica em enfermagem Lucie, seguida pelo também téc-nico Giovani. Eles, que perma-

necem acordados a cada duas noites, seriam os ob-servadores do meu sono. Depois de guardar minha mochila, me entregaram um questionário que con-tinha perguntas como “quanto tempo dormiu na noite anterior?” até “se você tem algum tipo de doença congênita?”.

Depois de trocar de roupa, liguei a televisão e aguardei mais orienta-ções. Entre uma olhada na tevê e outra, resolvi ver mais de perto os apa-relhos que utilizaria na-quele exame. Além de dois gabinetes de computador, existia uma espécie de placa eletrônica da qual partia vários fios bem fi-nos e, na ponta, eletrodos. Tudo isso colocado em cima de uma mesa, ao lado da cama.Por volta das 22h,

uma terceira funcionária, Adriana, veio até o quarto “mon-tar” os aparelhos. Ela era designa-da apenas para essa função e eu era o último paciente da fila. Foi

só nesse momento que entendi a demora: leva 20 minutos para colocar dois eletrodos em cada perna, um na ponta do dedo indi-cador esquerdo, três no peito, um no pescoço, seis no rosto, outros seis na cabeça, um atrás de cada orelha, além de dois respiradores no nariz e duas cintas em torno do peito e barriga. E tudo isso colado com fita.

Sentindo-me desconfortável com todo o equipamento, resol-vo começar tudo o quanto antes. Antes de dormir, temos que pas-sar por uma bateria de testes com os eletrodos. Após deitar, somos orientados pelo telefone a piscar várias vezes, olhar para um lado e outro, fingir ronco, mexer os pés, os braços e tentar girar na cama. Pelo que percebi, qualquer movimento muscular seria cap-tado pelos eletrodos e a câmera

tinha zoom suficiente para captar quando eu piscava ou se eu esta-ria acordado. Finalmente os téc-nicos retornam ao meu quarto e apagam a luz, me liberando para dormir.Dormindo ao estilo “Matrix” - Caso o paciente tenha costume de levantar à noite para ir ao banhei-ro ou tomar água, deve utilizar o telefone e chamar por ajuda para desplugar o fio principal da placa. Somente dessa forma é possível levantar da cama durante o exa-me. Se também está acostuma-do a se mexer na cama durante a madrugada, saiba que fazer isso é um tanto doloroso e difícil. Isso porque qualquer movimento puxa as fitas pelo seu corpo e os fios im-pedem os movimentos naturais, principalmente da cabeça. Virar de um lado para o outro signifi-cava ter todo o cuidado de trazer aquele emanharado de fios comi-go. E mais cuidado ainda para não deitar em cima de nenhum deles e não ficar preso, sem se mover.

Só por volta da meia noite con-sigo ficar sonolento. Como me sin-to desconfortável, muito por cau-sa dos respiradores que me deixa-ram meio sufocado, e pareço não achar uma posição tranquila e se-gura, o sono vem pelo cansaço. E apesar de eu geralmente dormir “como uma pedra”, acordei umas três vezes durante a noite, por-que arrancava os respiradores e os funcionários tinham de ir ar-rumar. Na terceira tentativa, eles colocaram tanta fita em meu ros-to que agradeci por terem orien-tado a fazer a barba.

Precisamente às 6h fui acor-dado. Levaram 20 minutos para desmontar os aparelhos, só que desta vez atrelado a uma sessão

de depilação para cada fita arran-cada. Antes de ser liberado para tomar o banho e ir embora, res-pondi ao outro lado do mesmo questionário entregue na noite anterior. Desta vez, às perguntas como “você dormiu bem à noite?” ou “dê uma nota de 0 a 10 para sua noite de sono”. Nada de mais para quem passou a noite inteira plugado e agora estava livre.

Levando em conta que durmo muito tarde e poucas horas por noite, o sono durante a polissono-grafia foi bom. Porém, se você, di-ferente deste repórter, não conse-gue dormir com facilidade quando há barulho, luz acesa ou quando está fora de sua própria cama e quarto, é melhor se cansar no dia anterior ao seu próprio exame. Ou tomara que você nunca precise passar por uma polissonografia.

Dois eletrodos nas pernas, três no peito, seis no rosto. Tudo colado com fita

Thomé [email protected]

Cama e quipamentos guardados no armárioTh

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“Difícil dormir com os fios grudados”

Page 18: Jornal QUATRO

Quem nunca teve uma noite mal dor-mida? Em uma via-gem então costu-mam ficar piores.

Doze horas dentro de um avião, sentado ou semi-deitado, não ajuda muito para descansar. Às vezes tem o passageiro vizinho que fica o percurso inteiro lendo, só porque não consegue pregar os olhos. Ou então outro que re-solve assistir a todos os filmes, e seriados disponíveis a bordo, não colaborando com a luminosidade necessária para tirar uma soneca.

A alteração no ambiente do sono é o principal motivo para a dificuldade em dormir. Mas ou-tros fatores também atrapalham os viajantes insones. Ficar senta-do causa dois desconfortos: dor na coluna – por ficar muito tem-po na mesma posição – e inchaço nos pés e pernas, chamado tam-bém de estase venosa – causado em decorrência de acúmulo de lí-quidos nesses membros. E se en-gana quem pensa que o descon-forto é encontrado apenas pelos passageiros. A comissária de bor-do da Lufthansa Ana Summer fala que os voos noturnos são muito cansativos para a equipe. Eles precisam ficar acordados a noite inteira, para ajudar os passagei-ros que não conseguem dormir.

Alguns desses problemas são resolvidos de uma maneira fácil: viajando na classe executiva. O preço que se paga, lógico, é mais alto. A diferença na tarifa de um voo de São Paulo para Londres em novembro é de aproximada-mente mil reais, viajando de TAM. Algumas pessoas acham que esse valor vale o conforto. A comissá-ria Ana evidencia essa diferença. “Na econômica, as pessoas dor-mem duas ou três horas seguidas, acordam com frequência, trocam de posição. Já na executiva, o sono é mais longo.”

A sorte ajudou um pouco a es-tudante de direito Luiza Dutra, 23, a experimentar a classe exe-cutiva. Ela estava voltando de Miami e o voo deu overbooking – quando há mais passageiros para embarcar do que a aeronave per-mite. Ganhou então o direito de viajar na classe executiva, tudo por conta da companhia aérea. Logo de início, já percebeu a dife-

rença. “Você é o primeiro a entrar, recebe jornais, revistas, champa-nhe e pode até escolher o menu da refeição.” Ela também diz que a qualidade de sono é muito me-lhor. As poltronas são mais lar-gas e distantes umas das outras. “Dormi ‘ferrada’ praticamente a viagem toda. Só acordei para jantar e tomar café da manhã. Não costumo usar medicamentos para dormir em viagens de avião. Na executiva, aí mesmo que não precisei.”Adaptação - Outro impasse em viagens de longa duração é a che-gada ao destino. Depois de mais de oito horas dentro de uma ae-ronave, com uma qualidade de sono inferior ao necessário, não é fácil manter o pique para pas-sear. Luiza conta que ao chegar a Miami, ainda viajando na clas-se econômica, estava mais can-sada, com dores no corpo, o que acabou afetando seu entusiasmo na viagem.

A razão de tanto cansaço é a falta de uma noite bem dor-mida. O otorrinolaringologista Fernando Vieira, do Instituto do Sono e Medicina Respiratória (Somed), explica que o sono é um elemento fisiológico, como urinar ou respirar, necessário para o ser humano viver. A falta dele pode deixar a pessoa cansada, ansio-sa, com falta de memória, dores no corpo e ainda atrapalhar na capacidade de realizar tarefas. E mesmo quem faz longas viagens frequentemente sofre com os es-ses problemas, só que de maneira crônica.

Além do pouco sono, o fuso ho-rário também pode deixar os via-jantes mais desanimados. E não é à toa, pois a diferença entre Brasil e Europa, por exemplo, é de no mínimo três horas, e pode chegar a sete. Acostumar-se com a hora local é igualmente difícil, inde-pendente se a viagem for noturna ou diurna. Vieira fala que, para alguns passageiros, fazer um voo

durante o dia e chegar à noite é mais fácil, pois, como está mais cansado, se habitua mais rápido.

O cansaço gerado pela dificul-dade de adaptação à hora local é chamado jet lag e sua causa é a falta de sintonia do ciclo do ser humano com o da natureza. O corpo tem um período de sono--vigília, chamado de circadiano, que está diretamente ligado com o de claro-escuro da natureza. O maior regulador desses ciclos é a luz. “Ao chegar ao destino, o corpo está desorganizado. O me-lhor a fazer é se adaptar imedia-tamente. Durante o dia, tem que ficar acordado, por mais que es-teja sonolento, para dormir à noi-te, sincronizando, assim, com o claro-escuro da natureza”, indica Fernando Vieira.

O médico tam-bém explica por-que é mais difícil se habituar quan-do a viagem é para a Europa, do que para a costa oeste dos Estados Unidos. “Ao ir em

direção ao leste, o passageiro chega em um horário mais tarde do que está acostumado, dificul-tando a adaptação. Já quando se viaja para o oeste, é mais fácil ajustar o organismo, pois a hora local da cidade de destino é mais cedo do que a da de origem.” Ele ainda alerta que, quanto mais fu-sos a viagem atravessar, mais di-fícil será de se adequar.(Pouco) Confortável - Mesmo com os empecilhos do avião que impedem a boa qualidade do sono, é possível adquirir alguns hábitos que ajudam a dormir, ou, pelo menos, a ficar mais confor-tável. Os preparativos de uma viagem começam meses antes, com a escolha do destino, a com-pra das passagens, organização dos roteiros, e seguem por algum tempo depois, readaptando-se a uma vida normal e, invariavel-mente, pagando as contas. Para longas viagens de avião, deve-se fazer o mesmo: cuidar antes, du-rante e depois.

Um dia antes de embarcar, deve-se estar atento aos hábitos. Fernando Vieira não recomen-da ficar acordado a noite inteira para sentir mais sono no avião. “Se a pessoa faz isso e, por al-gum incômodo, não consegue dormir na viagem, chega muito mais cansada.” Além disso, é pre-ciso atenção para não esquecer o passaporte ou o dinheiro na hora de sair de casa: dormir pouco, ou nada, pode dificultar a memória. O aconselhado é ter um dia nor-mal, com uma alimentação ade-quada no dia anterior. A bebida alcoólica deve ser evitada, pois seu efeito aumenta com a baixa pressão e isso pode atrapalhar na hora de dormir. Medicamentos para dormir são válidos, mas so-mente com indicação médica.

Às vezes, a temperatura e a lu-minosidade do avião são incômo-das. As companhias, normalmen-te, distribuem pequenos coberto-res para ajudar a se aquecer. Para os friorentos, recomenda-se levar um agasalho extra para prevenir. Na executiva, tapa-olhos também são distribuídos. Mas se o via-jante vai de econômica, é melhor garantir antes do embarque. Os travesseiros de pescoço também ajudam no conforto, evitando tor-cicolos.

As companhias não têm muita culpa pela falta de conforto dos aviões, pois não são elas que fa-bricam as aeronaves. No entanto, Vieira pensa que algumas medi-das poderiam ser tomadas para ajudar o passageiro. “O principal é o aumento da distância entre as cadeiras. A luz é bem regulada, mas sempre tem alguém que fica lendo ou vendo TV. A temperatu-ra deveria ser melhor controlada, porque às vezes fica muito frio. Outra medida legal seria distri-buir um material informativo so-bre jet lag, para as pessoas sabe-rem o porquê do cansaço e como prevenir ou atenuar os sintomas.”

Bem-vindos senhores passageirosInformamos quedesconforto naclasse econômicadurante voosprejudica sono

Medicamentospara dormir sãoválidos, massomente com indicação médica

PELOS ARES

Patricia [email protected]

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Florianópolis, dezembro de 2011

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Florianópolis, dezembro de 2011 Quatro

A estudante de física Franciele Brasil sem-pre atualiza o seu twitter pela manhã, antes de tomar café

da manhã ou trocar de roupa. Ela acorda todos os dias por volta das 7h, publica uma mensagem no seu microblog, “geralmente com entusiasmo”. Depois, Franciele passa boa parte do dia dividindo seu tempo entre a faculdade e o estágio. Em todos esses ambien-tes, ela tem acesso à internet e conta que suas mensagens pas-sam por modificações conforme o dia transcorre. “Às vezes elas são mais animadas, às vezes nem tanto”. Quando chega em casa, por volta das 20h, Franciele faz questão de acessar o twitter mais uma vez. “À noite, eu fico mais aliviada, sem pressão e com a chance de relaxar. E isso se reflete nos meus posts. Principalmente

se eu escrever algo na noite de sexta-feira.” O professor universitário Ricardo Lom-bardi, que é casado e tem três filhos,

passa por situação semelhante, embora não tenha tanto tempo para acessar o twitter. Durante a sua jornada diária, ele posta mensagens, conhecidas como tweets, quando pode e confessa que existe uma tendência de suas palavras serem mais positivas no início do dia. Por outro lado, à noite, o conteúdo dos posts “varia um pouquinho mais”. Lombardi chega em casa às 21h e só con-fere o microblog por volta da 1h. “Geralmente, eu estou com dispo-sição para dizer alguma coisa que expressa os momentos de paz e calmaria trazidos pela noite, mas, às vezes, o cansaço se reflete nas palavras”. As variações no conteúdo das mensagens de Franciele e Ricar-do não são um fato isolado. Se-gundo uma pesquisa divulgada este ano pela revista norte ameri-cana Science, que analisou o con-teúdo das postagens no twitter, as pessoas escrevem mensagens mais positivas durante o começo da manhã e por volta da meia noi-te. Os horários coincidem com os

períodos antes e depois do expe-diente. O estudo foi realizado por Scott Golder e Michael Macy, so-ciólogos da Universidade Cornell, localizada no norte do estado de Nova York. Eles utilizaram men-sagens de 2,4 milhões de pesso-as de diferentes países. Ao todo foram analisadas 509 milhões de tweets, postadas entre fevereiro de 2008 e janeiro de 2010. Os picos positivos no humor fo-ram detectados bem cedo, mas começaram a cair no meio da manhã. Outro aumento foi ob-servado por volta da meia-noite, sendo que houve uma acentuada queda para sentimentos negati-vos, como angústia, medo, raiva, culpa e desgosto. Para executar a pesquisa, os sociólogos recorreram a uma ferramenta que reconhece 64 expressões lexicais, relacionadas ao humor, e que faz uma espécie de filtragem do conteúdo dos re-cados. O inglês foi o único idioma usado, o que permitiu observar o comportamento de pessoas de diferentes nacionalidades. Com isso, fatores como influências geográficas e culturais não foram levados em consideração. O humor dos usuários tende a ser mais positivo durante a noi-te. Em relação a isso, são vários os fatores contribuintes. Para a antropóloga Paula Moritz, do Centro Latino-Americano de Es-tudos de Antropologia Social, a pesquisa traz um dado relevan-te. “Nós já sabemos que algumas pessoas costumam rendemr mais à noite, mas esse estudo vai além e mostra o grau de contentamen-to das pessoas, principalmente em relação à noite.” Mesmo que essa tendência seja momentânea, explica Paula, ela pode servir de base para novos estudos e pode

inclusive desmistificar algumas crenças relacionadas aos malefí-cios de se trocar o dia pela noite. Para a antropóloga, a pesquisa representa um grupo específico de pessoas. Isso porque a faixa etária dos usuários do twitter, que tiveram suas mensagens li-das, não foi definida. “Esse é um tipo de estudo pontual, que mos-tra o comportamento das pesso-as em um determinado período. Não demonstra a longo prazo as variações de humor, por exem-plo.” O sociólogo e professor da rede pública de ensino Eduardo Cas-tro destaca que o perfil de usu-ários do twitter é um fator que deve ser levado em consideração nesse tipo de pesquisa. De acor-do com um levantamento reali-zado pelo site pingdom.com, que faz levantamento de conteúdo online para empresas, as pesso-as que acessam o microblog têm uma média de idade entre 16 e 35 anos. “Dentro dessa média, te-mos diferentes grupos, com hábi-tos diferentes”, explica Castro. Para o sociólogo, os hábitos de cada indivíduo dentro dessas fai-xas etárias podem variar muito. Ele concorda com a antropólo-ga Paula Moritz quanto ao grau de efemeridade do estudo feito por Golder e Macy. “É claro que se pode dizer que esse trabalho traz um dado relevante, mas não efetivo. Se for feita uma nova pes-quisa, talvez os resultados sejam outros.” Castro diz que o próximo passo seria analisar postagens de maneira mais isolada, com deli-mitação geográfica e cultural. O diferencial do trabalho publi-cado na Science é a metodologia dos pesquisadores, que não sub-meteram sua pesquisa a análi-ses “ensaiadas” em laboratórios.

O registro foi feito sem nenhum tipo de interferência e as mensa-gens foram recolhidas da mesma maneira como foram expressas. As maiores variações de humor aconteceram de dia. No período noturno, explicam os pesquisa-dores Golder e Macy, as pessoas escreviam mensagens com pala-vras positivas. Nos fins de sema-na, a tendência não chegava a se repetir. Os picos de bom humor nos sábados e domingos foram maiores que em qualquer outro visto ao longo da semana.

O fato de o maior número de palavras que indicam bom-hu-mor, entusiasmo, alegria e esta-do de alerta serem observadas à noite e nos sábados e domingos “indica as possíveis consequên-cias do estresse relacionado com o trabalho, com a falta de sono e por começar cedo o dia”, expli-cam os autores da pesquisa.

As amostras de países de maioria muçulmana, onde os fins de semana são nas sextas-feiras e nos sábados, como nos Emirados Árabes Unidos, mostraram o mesmo padrão nestes dias em relação ao observado em outros países aos sábados e domingos.

Os usuários da rede de micro-blogs que fizeram parte do estu-do são provenientes de 84 países de todo o mundo. O emoticon usa-do para demonstrar expressões felizes ou tristes, e que permite descrever emoções de maneira resumida e direta, não teve rele-vância para o estudo, pois o uso dessa ferramenta foi limitado e não foram detectados padrões consistentes.

Felizes no começo do dia e à noitePesquisa mostra variação na atitude de usuários do twitter no decorrer do dia

Durante a noite foi registrada queda acentuada para

sentimentos como raiva e medo

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Os picos de bom-humor nos sábados e domingos da pesquisa foram maiores que em qualquer outro dia

Laura [email protected]

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Calendário de eclipses 2011Cerca de duas vezes por ano os planos Sol e Terra-Lua se alinham. Estas são as épocas quando os eclipses ocorrem intervaladas por até 173 dias. Em um ano surgem entre dois e sete eclipses. De acordo com o Anuário de Astronomia e As-tronáutica 2011, de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, neste ano já aconteceram cinco eclipses e ainda há um por vir.•4 de janeiro – eclipse parcial do Sol. Visível na Europa, África e Ásia;•1 de junho – eclipse parcial

do Sol. Visível na Ásia, Améri-ca do Norte e Islândia;•15 de junho – eclipse total da Lua. Visível na América do Sul, Europa, África, Ásia e Austrália;•1 de julho – eclipse parcial do Sol. Visível no Oceano Índico;•25 de novembro – eclipse parcial do Sol. Visível na África, Antártica, Tasmânia e Nova Zelândia;•10 de dezembro – eclipse total da Lua. Visível na Eu-ropa, África, Ásia, Austrália e Oceano Pací�ico.

ECLIPSESQuatro

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Eclipse não é só nome de �ilme. É um aconteci-mento astronômico que tem certa periodicidade e embeleza nosso céu.

Observado e registrado desde os antigos chineses, o fenômeno que envolve o planeta Terra, seu saté-lite natural, a Lua e o Sol constitui marcos que ajudaram a vincular a astronomia à história. A origem da palavra vem do grego ekleip-sis (desmaio) e o seu signi�icado mais essencial deriva do próprio nome: ocultamento, perda de luz. Astronomicamente, ocorre quan-do um corpo celeste é encoberto parcial ou totalmente por outro.

O eclipse lunar acontece quan-do a Terra �ica entre o Sol e a Lua e pode ser classi�icado de acordo por qual parte do planeta tampa seu satélite. São duas as sombras projetadas pelo planeta, a umbra, região em que não há iluminação direta do Sol, e a penumbra, na qual apenas uma parcela da luz é bloqueada. O eclipse penumbral (1) resulta numa variação do bri-lho da Lua e di�icilmente é nota-do, sendo que o total é mais raro. Quando o satélite entra na região da umbra e apenas uma parte é escondida, o eclipse é parcial (2), e total (3) quando ela “some.” Esse obscurecimento pode du-rar até 107 minutos, quase duas horas, e é mais longo quando ela está próxima de seu apogeu, ou seja, quando a sua distância do planeta é a maior possível.

A sombra da Lua atinge a Terra quando as duas estão alinhadas com o Sol, formando um eclipse solar, que é total quando o astro �ica completamente oculto (5) e parcial (4) quando está na região de menos sombra. Um fenômeno como esse começa quando o sa-télite parece encostar no Sol, ini-ciando o ocultamento, e cerca de uma hora depois ele �ica comple-tamente escondido. Segundos an-tes da totalidade, as únicas partes visíveis são aquelas que brilham através da borda da Lua, consti-tuindo um contorno chamado de “anel de diamante” ou “coroa cir-cular”. Enquanto acontece, o céu �ica escuro o su�iciente para que seja possível visualizar outros planetas e algumas estrelas mais brilhantes. Por conta do tamanho da sombra completa que surge, um eclipse solar total só é visível

se o clima permitir, em uma es-treita faixa sobre a Terra de, no máximo, 270 km de largura.Mitologia - Eclipses são inspira-dores fenômenos e não é à toa que em muitas culturas primitivas se acreditava ser o �im do mundo. Na antiga China, foram considera-dos como sinais que antecipavam o futuro do Imperador, portanto, sua previsão de era de grande importância para o Estado. Os chineses acreditavam que os so-lares ocorriam quando um dra-gão lendário devorava o Sol; os lunares quando atacava a Lua. Em mandarim, o termo utilizado para eclipse foi chih que também sig-ni�ica comer. A tradição era fazer barulho para assustar o dragão. Mais recentemente, no século XIX, a marinha chinesa disparou seus canhões durante um eclipse lunar para assustar o dragão que estava comendo a Lua.

Já os escandinavos acredita-vam que dois enormes lobos, Sköll e Hati, perseguiam o Sol e a Lua. O segundo lobo, também chamado Managarm, cão da Lua, acaba devorando o astro noturno

no �inal dos tempos. E na Roma antiga, os habitantes tinham o costume de gritar em voz alta, a �im de socorrer o Sol eclipsado, para chamar de volta o astro qua-se desaparecido. Contribuição - A Teoria Geral da Relatividade de Albert Einstein a�irmava, em 1915, sem grandes comprovações, que uma gran-de massa “distorce” o espaço e o tempo em suas proximidades.

Como consequ-ência disso, um feixe de luz, por exemplo, deveria ser desviado por uma quantida-de maior do que previa a Teoria da Gravitação for-mulada por Isaac Newton no século XVII e até então inquestionável.

Em 1919, um eclipse Solar to-tal poderia com-provar a teoria de Einstein. Após fotografar e regis-

trar o evento, que foi melhor visí-vel no Ceará e atraiu astrônomos para o Brasil, Arthur Eddington, estudioso de astronomia na Universidade de Cambridge, anunciou, em parceria com a Royal Astronomical Society, que os resultados obtidos con�irmavam a Teoria Geral da Relatividade: era a vitória de Einstein. Mas os eclipses também são objetos de estudopara outras pesquisas.

O tipo e grau de coloração da Lua durante um eclipse depen-dem das condições climáticas no planeta Terra e também da quantidade e do grau de pureza das partícu-las suspensas na atmosfera. A luminosi-dade tem re-lação ainda com nível de umidade e da cobertura de nuvens. Porém, a intervenção humana também pode alterar o resultado. A po-luição atmosférica ou extensos incêndios �lorestais afetam tanto a escuridão como a coloração da sombra da Lua enquanto aconte-ce o evento. O astrônomo André-Loius Danjon criou uma escala, que foi chamada Escala Danjon, para classi�icar as tonalidades da Lua durante um eclipse lunar. Esta escala vai de 0 a 4, sendo que quanto mais baixo o nível, mais poluída está a atmosfera terres-tre.

Para estudar esses fenômenos, é preciso estar no local ideal, de-pender de bons instrumentos e de clima propício. “Por mais sa-télites que existam, ainda é in-teressante que esses fenômenos sejam estudados do modo antigo, com lunetas e telescópios”, conta o presidente do Grupo de Estudos Astronômicos (GEA) Adolfo Stotz.

Quando os astros perdem as luzesPor ano podem acontecer até sete eclipses e ainda há um por vir até o fi m de dezembro

Por mais satélitesque existam, aindaé interessante quese estude eclipsescomo antigamente

Rafaela [email protected]

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Eclipse total do Sol ocorrido em 4 de novembro de 1994, visto de Lages em SC

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O silêncio tenso, a cara fechada e os olhos nas cartas. Uma seriedade si-lenciosa esconde a

ansiedade para que aquela próxi-ma carta forme um par ou, quem sabe, uma sequência. Ou então, com um jogo fraco na mão, a inex-pressividade é redobrada para o temeroso blefe. É assim que se imagina uma mesa de pôquer. É assim que é uma mesa de pôquer. Mas não em 27 de junho de 2008. Naquela noite, Alexandre Gomes, 29 anos, foi o primeiro brasileiro e o primeiro sul-americano a se tornar um campeão mundial des-te jogo. Tanto ele, como seu ad-versário, apostaram tudo. As car-tas estavam abertas e os gritos de uma torcida brasileira que cla-mava por um “cinco, cinco, cinco” foram atendidos. O advogado de Curitiba (PR) formou um flush e foi pra casa carregando não só o bracelete do principal torneio de pôquer do mundo, o World Series of Poker (WSOP), mas também a soma de US$ 770.540. Com o cál-culo baseado na cotação do dólar na época, esse valor seria de R$ 1.247.504,26.

Este ano o exemplo de Gomes foi seguido. No dia 25 de junho, o pau-listano André Akkari ganhou o prêmio de US$ 675.117, ou seja, R$ 1.071.410,68,

somando dois campeonatos para o Brasil em três anos. Ambos os jogadores faturaram o prêmio na categoria No limit Texas Hold’em.

O desempenho brasileiro no WSOP tem trazido grande popu-laridade para o pôquer no país, segundo Odilon Correa Machuca, vice-presidente da Federação Catarinense de Texas Hold’em e representante do site Poker Stars no Brasil. Ele conheceu o jogo há sete anos e hoje trabalha or-ganizando torneios do gênero no estado de Santa Catarina, in-clusive o Floripa Open de Poker, considerado por ele mesmo o maior evento de pôquer na re-gião. O torneio anual, em sua 15ª edição, conta com uma média de 250 participantes por evento e já movimentou uma soma de mais

de R$ 1.430.000 em prêmios. No Floripa Open também é jogado o Texas Hold’em e o evento princi-pal do campeonato costuma du-rar até as quatro horas da manhã, o que não é incomum para um jogo de tradição noturna como este.

Um fator que impulsiona mui-to a sua expansão pelo mundo é a internet. O site mais conheci-do para jogar pôquer online é o Poker Stars. Machuca conta que há mais de 100 mil jogadores as-síduos em território nacional e o Brasil já é considerado o terceiro país no pôquer online.

The cheating game (“jogo da trapaça”), nome atribuído por Jonathan Harrington Green ao pôquer, começou a se popularizar em 1834, dentro dos tradicionais barcos que navegam sobre o Rio Mississipi, nos Estados Unidos. Green era um famoso apostador, que mais tarde viria a se tornar um fervoroso agente na luta con-tra o jogo ilegal em seu país e foi um dos primeiros a fazer um re-gistro escrito do início do jogo de cartas mais popular do mundo.

Em 1920, porém, foi decretada a “Lei Seca”, que proibia o con-sumo de bebidas destiladas com forte teor alcóolico em todo o âmbito nacional. Essa nova reali-dade dos Estados Unidos tornou comum a existência de cassinos clandestinos operando, obvia-mente, à noite. Era o tempo de Al Capone e dos famosos gângsters. A penumbra, a iluminação fraca e a tensão natural trazida pelas sombras foram fatores que se tor-naram aliados do jogo. Quando o pôquer foi transportado para a noite, sentiu-se em casa. É por isso que os campeonatos mais tradicionais, como o WSOP, são sempre realizados em cassinos ou hotéis, onde se pode preser-

var o escuro, focar a iluminação na mesa e dar o tom de mistério que as cartas pedem.

No Brasil, como acontece com muitos aspectos culturais difun-didos pelos Estados Unidos, o pôquer começou a ser conhecido através das salas de cinema. Os filmes clássicos de “bangue-ban-gue” sempre mostrariam o jogo sendo praticado nas tavernas, os saloons. Passando daí aos filmes de gângster, toda essa cultura foi sendo naturalmente absorvida.

Para se jogar pôquer no país, fora da internet e das pequenas reuniões entre amigos, existem clubes especializados no jogo. Em SC, os maiores são o Clube 2A, em Chapecó e o BC Club, que fica em Balneário Camboriú. Além disso, tem sido transmitido na TV por assinatura, nos canais ESPN e FX.

O decreto de lei número 3.688, do ano de 1941, proíbe os cha-mados “jogos de azar” no Brasil. O texto da lei proíbe: “o jogo em que o ganho e a perda depende exclusiva ou principalmente de sorte; as apostas sobre corridas de cavalo fora do hipódromo ou local onde sejam autorizadas; as apostas sobre qualquer outra competição esportiva”.

O advogado Glauber M. Pinto, assessor do desembargador Altamiro de Oliveira, explica que a discussão da legalidade ou não do pôquer recai exatamente na interpretação do quanto o jogo depende da sorte. O delegado ca-tarinense Rodrigo Bortolini, por exemplo, considera o pôquer um jogo de azar. Ele estava à frente da delegacia de jogos e diversões

de Florianópolis até o ano passa-do, chegou a impedir a realização de um Floripa Open de Poker, em 2009 e, ironicamente, acabou sendo personagem de uma vitó-ria da legalidade do jogo no país. O caso foi julgado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) e os nove desembargado-res do julgamento consideraram que o pôquer era um jogo de ha-bilidade e não de azar.

Florianópolis não tem clubes de pôquer, devido à falta da emis-são do alvará necessário para abri-los. Adalberto Safanelli, de-legado que substituiu Bortolini com a troca de governos, também classifica o jogo como “de azar”.

O jogo que tem apostado no BrasilChegando no escuro, o pôquer ganha cada vez mais espaço no país

Há mais de 100 mil jogadores em

território nacional, e o Brasil é o terceiro em pôquer online

FULLHOUSE

João Gabriel [email protected]

Florianópolis, dezembro de 2011 Quatro

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Cartas na mão, regras na cabeçaO ás é o mais forte do jogo. Abaixo dele vem o rei, depois a dama, o valete e os números por ordem de tamanho, sendo a carta mais fraca, o dois. Como em muitos jogos de cartas, o pôquer trabalha com a formação de pares e sequ-ências. Também se podem somar cartas de mesmo naipe. As sequências e cartas de mesmo naipe só são aceitas em número de cinco, chamado flush. Uma sequência de cartas do mesmo naipe é o famoso royal flush, a melhor mão do pôquer.Existem diferentes mode-los de jogo e cada um com regras distintas. No mode-lo clássico, cada jogador recebe cinco cartas e pode trocar quantas quiser numa única vez, antes de mostrá-las. O estilo mais jogado, porém, tem sido o Texas Hold’em, em que cada jogador recebe duas cartas e forma seu jogo escolhendo três das cinco cartas “comunitárias” que são viradas na mesa.

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Jogadores na primeira noite do 15º Floripa Open de Poker, no Hotel Majestic

O blefe da proibição

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Após derrota para o Coritiba no domingo dia 13 de novembro, o elenco do Flamengo saiu da capital pa-

ranaense em direção ao Rio de Janeiro para mais uma semana de trabalho. Em má fase, a sema-na do clube seria movimentada com a comemoração de seus 116 anos na terça-feira e partida vá-lida pelo Campeonato Brasileiro na quinta-feira, mas o craque do time teria outro compromisso ainda naquele dia. Ronaldinho Gaúcho fez o caminho inverso de seus companheiros e veio apro-veitar a noite de Florianópolis, voltando à capital carioca apenas no dia seguinte.

Esta e outras aparições em ca-sas noturnas resultaram no mau desempenho técnico e �ísico do ex-melhor do mundo, despertan-do revolta nos rubro-negros. Com as derrotas, o “Disque-Dentuço”, linha telefônica criada no primei-ro semestre para denunciar as noitadas de Ronaldinho, foi reati-vado e estendido a todos os joga-dores da equipe.

O serviço, idea-lizado por uma tor-cida organizada do Flamengo, não é ex-clusividade do time e nem a única for-ma de vigiar os jo-gadores. Em agos-to, Fred, atacante do Fluminense e da seleção brasileira, foi per-seguido até a porta de sua casa e ameaçado por torcedores após sair de um bar no Rio de Janeiro. O caso virou boletim de ocorrên-cia e quase resultou no pedido de demissão do atacante.

Pelos lados de cá o panorama é diferente dos grandes centros segundo Gabriel Garcia, sócio da torcida organizada Mancha Azul, do Avaí. Jornalista recém formado, ele a�irma que em lu-gares como o eixo Rio-São Paulo existe perseguição a jogadores e os conhecidos “disque-balada”, mas que em Florianópolis há apenas cobranças ao encontrar atletas exagerando nas festas. Mesmo com a queda para a se-gunda divisão, o torcedor diz ter consciência de que as noitadas não foram o motivo para o rebai-xamento do time. “A gente cobra quando é preciso, mas a situação

atual aconteceu mais por con�li-tos de interesse entre diretoria e empresários do que por falta de compromisso dos jogadores”.

De forma violenta ou pací�ica, os protestos evidenciam a antiga questão sobre os limites da vida social dos boleiros que, cada vez mais expostos, sofrem com o con-trole não só dos torcedores, mas também da mídia, dos assessores e dos próprios clubes. Para o pro-fessor do Centro de Desportos da UFSC e coordenador do Grupo de Estudos em Cultura Popular e de Movimento (Gecupom), Paulo Capela, os atletas “vivem em uma gaiola” e “são observados por to-dos os lados”.

Ex-preparador �ísico do Sport Club Rio Grande, time da segunda divisão do Campeonato Gaúcho, Capela explica que as competi-ções entre pro�issionais são a pri-meira forma de controle. “Hoje o esporte de alto nível exige perfor-mance máxima da ferramenta de trabalho de um atleta, que é o seu corpo, e para atender essa expec-tativa, os momentos de lazer são voltados apenas ao descanso ”.

Se em outros países normal-mente treina-se muito, no Brasil treina-se ainda mais. Por aqui as práticas esportivas são base-adas em longos e intensos tra-balhos musculares, aplicados cada vez mais cedo como mos-tra um estudo desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ) em parceria com a Universidade de Leon, na Espanha. A pes-quisa compara jogadores destes países entre 14 e 20 anos e con-

clui que os brasileiros treinam de 14 a 15 horas por semana, en-quanto a média dos espanhóis é de 6,5 a 8 horas no mesmo perí-odo.

Ao saírem da categoria de base para os pro�issionais, os garotos daqui encontrarão uma realidade ainda mais desgastan-te. Com apenas um mês de férias, os jogadores brasileiros enfren-tam dois turnos de treino diário enquanto os europeus realizam trabalhos de recuperação pelo menos um período por dia e pos-suem um mês a mais de recesso durante o ano.

Além da alta carga de traba-lho, os grandes clubes brasileiros usam tecnologia de ponta para acompanhar o desempenho �ísico e �iscalizar os atletas. Há quatro anos chegou ao país o Re�lotron, aparelho que detecta o desgaste muscular por análise da enzima creatina quinase, contida no san-

gue. Além de detectar o famoso “corpo mole”, o teste acusa quem abusa do álcool e das noitadas, mantendo-o assim sob os olhos da comissão técnica.

Porém nem sempre a festas são vistas como problemas para os clubes, como ressalta o ex--jogador do Avaí e Figueirense Adílson Heleno, que também passou por Criciúma, Grêmio e Flamengo. Usando a vinda de Neymar à Florianópolis em no-vembro, ele conta que a boa fase dentro de campo muda as opiniões em relação às comemorações. “Quando a equipe está bem o joga-dor é convidado para ir às festas ou compromis-sos com patrocinadores e todo mundo acha o máximo”.

A promoção da ima-gem, como no caso do craque santista, é algo cada vez mais comum e explorado no futebol, principalmente pelos as-sessores, na tentativa de agregar valor ao “produ-to”, como analisa Capela. “O esporte vende uma ideia dos atletas e para isso é importante não vinculá-los às festas, ba-ladas e ao álcool, tentan-do preservar sempre a imagem do ‘bom moço’, fator que in�luencia di-retamente na negocia-ção de salários e pa-trocínios”.

Para manter de pé o castelo de cartas, os boleiros evitam as noi-tadas tradicionais e promovem festas internas, que vão de sim-ples confraternizações entre o elenco, com bebidas alcoólicas e cigarro, até casos mais extremos como detalhou uma reportagem do programa Fantástico em julho do ano passado. Segundo a maté-ria, orgias sexuais com prostitu-tas e consumo de drogas ilícitas (maconha, cocaína e ecstasy) são comuns nesses encontros que podem durar até dois dias, com participação, inclusive, de treina-dores e dirigentes.

Com exceção dos casos extre-mos como estes relatados pelo programa dominical, os pro�is-sionais da bola vêem com natu-ralidade as comemorações sem excessos como o meio-campo Batista, do Avaí, que evocou o antigo ditado “água demais mata a planta” para explicar que os exageros da vida noturna preju-dicam em qualquer ramo e não só no futebol. Por outro lado o presidente da torcida Resistência Alvinegra, Israel Silvy, pondera que “mesmo com direito de ter

uma vida social, eles têm que sa-ber que nessa pro�issão precisam de 100% do �ísico”.

De fato o formato atual do futebol torna inviável uma vida social comum dos atletas sem que seu desempenho dentro de campo seja afetado. Com tantas obrigações, os jogadores são talhados desde

cedo para driblar zagueiros, mí-dia, comissões técnicas, empre-sários e torcedores. Foi-se o tem-po em que grandes astros como Júnior e Zico tomavam seu chope em Copacabana após os jogos, como conta Adílson Heleno, que na época era jogador das catego-rias de base no Flamengo.

O cenário harmonioso e boê- mio da década de 80 contrasta com o alto grau de pro�issiona-lismo do esporte atualmente em que empresários, clubes, mídia, jogadores e torcida vivem em constante cobrança, conforme seus interesses. A má cultura esportiva se re�lete em todos estes meios evidenciando um problema que pode ser resolvi-do, segundo Capela, nas escolas. “Teorizar as aulas de educação-�ísica nos ensinos fundamental e médio é o primeiro passo para socializar e humanizar o espor-te como se faz em outros lugares como Europa e América Latina”.

O grande clássico: noite vs treinoEsporte de alto nível priva vida social de atletas e revela falta de cultura esportiva no país do futebol

Boleiros trocam a noite por festas internas para manter a imagem de “bons moços”

PAIXÕES NACIONAISQuatro

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Florianópolis, dezembro de 2011

-jogador do Avaí e Figueirense Adílson Heleno, que também passou por Criciúma, Grêmio e Flamengo. Usando a vinda de Neymar à Florianópolis em no-vembro, ele conta que a boa fase dentro de campo muda as opiniões em relação às comemorações. “Quando a equipe está bem o joga-dor é convidado para ir

gem, como no caso do craque santista, é algo cada vez mais comum e explorado no futebol, principalmente pelos as-sessores, na tentativa de agregar valor ao “produ-to”, como analisa Capela. “O esporte vende uma ideia dos atletas e para isso é importante não vinculá-los às festas, ba-ladas e ao álcool, tentan-do preservar sempre a

obrigações, os jogadores são talhados desde

Lucas Iná[email protected]

Page 23: Jornal QUATRO

Politica de Parede

l onge das batidas da balada, do cheiro de cerveja, do perfume do clube noturno, das luzes de festa. A rua

está escura, deserta. A figura na esquina é praticamente um vul-to fantasma, olhos espremidos percorrendo todos os cantos sombrios. A alguns passos dali, um som que parece alto demais quebra o silêncio da madru-gada. Um chiado, como que o vapor escapando da panela de pressão. Em poucos segundos um muro que era branco se tor-na aliado de revolução, palco público de uma luta social. O pichador corre para encontrar o vulto na esquina e, antes de desaparecerem na escuridão, ambos olham para trás, anali-sando a obra como um todo. “É a sensação de ter feito a coisa certa”.

L. tinha 16 anos quando pe-gou uma lata de spray pela primeira vez. Envolvido com movimentos sociais e de con-tracultura, relata que seu en-volvimento com intervenções urbanas começou pela neces-sidade de expressar um ponto de vista, de levar para a rua o que as pessoas não vêem, uma causa, um ideal, uma esperan-ça. “Não é por vandalismo, ou

rebeldia sem causa, pichamos porque acreditamos que o es-paço da cidade é de todos e para todos e é justamente pelo abuso de poluição visual que temos hoje com propagandas e mais propagandas que toma-mos o espaço público (e pri-vado) para também expormos nossas idéias.”

E essas idéias já foram de frases anarquistas, à libertação animal e ao famoso “Mais amor, por favor.”. Mesmo saindo sem-pre durante a madrugada e com roupas escuras, ele conta que sente medo toda vez, mas que vale a pena. “A paranóia é só na hora. Tu chega em casa e dá um certo orgulho. Orgulho revolu-cionário, porque o individual fica de fora nisso. Nunca assi-namos nem assumimos nossas intervenções, a idéia é real-mente de não ter autoridade, é algo de todos e para todos.”

A lei brasileira, entretanto, tem outra opinião. Pichação é crime (Art. 65 - Lei nº 9.605) e pode levar de três meses a um ano de prisão, com agravantes caso seja um monumento urba-no ou edifício tombado. L. con-ta que já foi pego pela polícia, em Florianópolis-SC, mas como estava sem o spray não tinham provas e tiveram de soltá-lo.

“O importante é não estar por-tando nada, se olheiro der si-nal, é jogar as coisas num lixo e correr.” Outro motivo para se livrar da lata (ou ao menos do bico) são os casos de policiais que esguicham a tinta no rosto do suspeito. O pichador paulis-ta N. teve amigos que sofreram a agressão: “eles foram pegos e os PM passaram a tinta na pele mesmo, no rosto, e na roupa. Foi mais de uma semana para tirar tudo – e dói para tirar.”

O pesquisador, professor e designer Gustavo Lassala, au-tor do livro Pichação não é Pixação, defende que a picha-ção é o reflexo de uma socie-dade em crise. “É um sinal de que o organismo cidade não está bem. O problema é que as pessoas sempre discutem o assunto baseado no senso co-mum dizendo que é sujeira e vandalismo. Mas o mesmo cara que diz que pichação é sujeira joga bituca de cigarro na rua. Percebe? Então qual o conceito dele de sujeira?”. Lassala expli-ca ainda que além da interven-ção ativista por motivos sociais ou protesto, existem outros tipos de pichadores, como os paulistas de Tag Reto (ou Xarpi, no Rio de Janeiro), que escre-vem os nomes de seus grupos como um desafio ou esporte. Porém, independente do moti-vo, Gustavo diz que a pichação reflete a estrutura social falida.

“É a cidade gritando, é um avi-so.”

O dia começa a clarear. O cheiro de café e pão enche as ruas. As garagens vão se abrin-do e as pessoas dirigem sono-lentas para recomeçar a rotina. Uma grande massa a pé segue o fluxo para chegar ao ponto de ônibus. Um ou outro corre, culpando o despertador. Ao lado deles, bem ao lado mesmo, às vezes até raspando de leve, está o grito ilegal de um anôni-mo. Eternizado em tinta para quem quiser enxergar.

PICHAÇÃOFlorianópolis, dezembro de 2011 Quatro

de muro, vidraca, poste, banco, ponto de onibus, lata de lixo. essa é a historia de quem luta no escuro... com uma

lata de spray.

Giovanna [email protected]

texto e fotos

no centro de Florianópolis. O dizer Passe Livre (direita) foi feito com stencil, um tipo de molde. L. explica que para essa intervenção “o ideal é estar em umas três pessoas, uma para segurar a matriz, outra aplica a tinta e o outra fica de olheiro. É sempre bom ter um olheiro”.

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pichacoes