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UNICAMP Universidade Estadual de Campinas Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Fax (019) 3521-5133. Site http://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes. Assessor Chefe Clayton Levy. Edito- res Álvaro Kassab e Luiz Sugimoto. Redatores Carmo Gallo Netto, Hélio Costa Júnior, Isabel Gardenal, Jeverson Barbieri, Manuel Alves Filho, Maria Alice da Cruz, Nadir Peinado, Raquel do Carmo Santos, Roberto Costa e Ronei Thezolin. Fotografia Antoninho Perri e Antônio Scarpinetti. Edição de Arte Oséas de Magalhães. Serviços Técnicos Dulcinéa Bordignon. Impressão SRG Gráfica e Editora: (011) 4223-5911. Publicidade JCPR Publicidade e Propaganda: (019) 3232-2210. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral Fernando Ferreira Costa Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da Silva Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Mohamed Ezz El Din Mostafa Habib Pró-reitor de Pesquisa Daniel Pereira Pró-reitor de Pós-Graduação Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Graduação Edgar Salvadori de Decca Chefe de Gabinete José Ranali 2 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 18 a 24 de agosto de 2008 Fernando de Tacca recente conflito na im- plantação da reserva in- dígena Raposa Serra do Sol colocou militares de alta patente como protagonistas de falas contrárias à demarcação de terras con- tínuas e com críticas à política in- digenista atual, principalmente em áre- as de fronteiras. Vale lembrar que, se existe política indigenista no Brasil, deve-se à ação inconteste de Cândido Mariano da Silva Rondon. Engenhei- ro formado pela Escola Militar da Praia Vermelha, de onde também saiu Euclides da Cunha, o Marechal Ron- don criou em 1910 o Serviço de Prote- ção ao Índio e Localização do Traba- lhador Nacional (SPILTN), a partir de 1918 chamado de SPI. Este órgão go- vernamental já trazia implícito no seu nome a idéia de integração das popu- lações indígenas ao processo produti- vo nacional. A integração dos povos indígenas via ação civilizatória do Es- tado, pelas ações do SPI, não implica- va na perda das identidades e das tra- dições com a incorporação de valores da nação. A chamada Comissão Rondon, responsável pela ocupação territorial através da expansão do telégrafo utili- zou mão-de-obra indígena para abrir suas picadas na mata, e também instru- mentalizou índios para ocupar os própri- os postos de telégrafos, como foi o caso dos nhambiquaras em Barão de Melgaço Entretanto, mesmo com a inserção do índio como um trabalhador integra- do nas ações civilizatórias de Estado, tais ações se contrapunham às posições religiosas dos missionários, pois per- mitia a absorção dos valores e símbo- los nacionais na construção paradig- mática de um índio brasileiro de fron- teira em plenitude étnica. Com forma- ção humanística marcada pelo posi- tivismo de Auguste Conte, Rondon implementou uma política de proteção às populações indígenas e propiciou a presença civilizatória do Estado brasi- leiro em terras longínquas e de difícil acesso na selva amazônica. Rondon, no comando da Inspeto- ria de Fronteiras, organizou uma lon- ga expedição rumo ao monte Roraima, nas fronteiras entre Brasil, Venezuela e Guianas. A expedição rumo ao len- dário complexo montanhoso foi orga- nizada com mais de 180 índios macu- xis, com suas mulheres e filhos da al- deia do Barro, que acompanharam Rondon até a tríplice fronteira. O fil- me “Viagem ao Monte Roraima” (1927), realizado pelo major Thomaz Reis, mostra as dificuldades que a ex- incorporá-los na idéia de nação tornou- os guardiões simbólicos de nossas fronteiras. Que a memória de Rondon e dos guardiões macuxis de nossa fron- teira seja relembrada pelos militares e pela sociedade brasileira, e lhes seja somente dado o que lhes é de direito, a terra; e aos militares somente sua fun- ção, a defesa da soberania nacional e incentivadores de suas próprias memó- rias em mais ações generosas, como as de Rondon e Nutels, e que não as con- fundam com a autonomia legal indí- gena em suas reservas. Renato Dagnino professor Nicolsky, um dos au- tores de Inovação tecnológica: realidade e miragem (FSP- 29.07.08), é um dos mais agu- dos analistas da Política de C&T (PCT). É, também, um dos pesquisadores das ciências duras que mais tem criticado a orientação que assumiu na úl- tima década. O artigo trata de nosso desempenho tecnoló- gico avaliado pelas patentes. Como se sabe, sofrível, quando comparado com o que temos tido em ciência. O qual, ressalto eu, é conseqü- ência de um enorme gasto público realizado des- de a década de 50 para formar pesquisadores. De forma competente, o artigo mostra que aquilo que é tomado como diretriz da PCT atu- al – “transformar em patentes a ciência produ- zida nas nossas universidades” – é uma “mira- gem que se desmancha no ar”. Existem, entretanto, outras “miragens”. A pedição teve na travessia de rios e montanhas. A cena final do filme, como apoteose e como ocupação simbólica da fronteira, nos apresenta aqueles que poderiam guardá-la, os próprios habi- tantes do lugar, os índios macuxis, re- conhecidos como brasileiros. Rondon aparece segurando a bandeira nacional ladeada pelas bandeiras da Venezuela e das Guianas, em meio um grupo nu- meroso de índios macuxis, no topo do monte Roraima. E é isso que Rondon anuncia para toda a nação naquele momento: a existência de uma popu- lação indígena brasileira naquele dis- tante lugar. O antropólogo Antonio Carlos de Souza Lima identifica o termo “guar- da de fronteira”, que aparece nos tex- tos oficiais do SPI, como um conceito estratégico e como marca simbólica da ocupação das nossas fronteiras por ín- dios brasileiros. As ações do médico e sanitarista Noel Nutels, quando criou o SUSA – Serviço de Unidades Sani- tárias Aéreas (1956-1973) – e que pro- porcionou trabalho de atendimento mé- dico às populações indígenas no Bra- sil, contaram com a colaboração de nossas Forças Armadas, principalmen- te da Aeronáutica, pois sem tal logística seriam impossíveis suas ações as- sistenciais. A presença indígena na ocupação de nossos limites territoriais como uma proposta estratégica de Rondon ao começar pelo fato de que essa diretriz é tão ve- lha quanto a própria PCT. E que sua reorientação neoliberal da última década, que tem custado também muito dinheiro público concedido a empresas (inclusive multinacionais!), não tem produzido o resultado alegado. A crítica que faz o artigo é correta. Mas por compartilhar a obsessão com as patentes, com a inovação nas empresas e com uma corrida in- ternacional para ver quais se tornarão mais lu- crativas através da tecnologia, ele permanece imerso na neblina ideológica que cerca a PCT. Mesmo porque a “miragem” apontada já está sendo desfeita. Claro que de forma artificial, irrealista e ineficaz como qualquer ação guiada por obsessões. Os responsáveis pela PCT, tendo finalmen- te compreendido que o conhecimento só chega às empresas embutido em pessoas, estão prati- camente pagando para que elas empreguem mestres e doutores para fazer P&D. Eles afir- mam, contrariando o que declaram os empre- sários, que é disso que estes precisam para au- mentar sua lucratividade. Contudo, o fato de que as empresas absorvem menos de 1% dos mes- tres e doutores que se formam por ano é um sintoma claro da disfuncionalidade da PCT. Mas há outros sintomas que indicam a ine- ficácia da PCT para elevar a propensão à reali- zação de P&D das empresas. Entre eles, o fato de que apenas 100 empre- sas das 30 mil que inovam introduziram no mercado (nos últimos três anos) alguma inova- ção de processo realmente nova; a importância que tem a P&D na estratégia de inovação das empresas inovadoras, que é quatro vezes me- nor do que a correspondente à aquisição de máquinas; o fato de que, das empresas inova- doras, só 7% mantém relação com universida- des e institutos de pesquisa e que, destas, 70% atribuem a ela baixa importância; o de que en- quanto o governo vem alocando recursos cres- centes para a P&D nas empresas o seu gasto vem diminuindo em termos relativos; o de que entre as que não inovam só 12% declaram como causa a escassez de fontes de financiamento, mas 70% as condições de mercado. Tudo isso reforça um quadro que há seis décadas se tenta reverter mediante políticas equivocadas. O comportamento dos empresá- rios não se deve à falta de recursos e instru- mentos governamentais. Ele é economicamen- te racional frente àquilo que percebem como “condições de mercado”; mas que deve ser atri- buído à nossa condição periférica. Os autores do artigo defendem mais favo- res para a empresa: o que chamam de “com- partilhamento universal do risco tecnológico entre Estado e empresa”. Mas ao manter a pro- posição, na teoria equivocada e na prática ca- tastrófica, de que o objetivo da PCT deve ser fazer com que o conhecimento produzido com recurso público beneficie a empresa (e, como candidamente se diz, leve ao bem-estar da so- ciedade), correm sério risco. O de reforçar o mito de que a PCT é apenas planejamento neu- tro (policy) desprovido de interesses e valores (politics), e de adensar a neblina que a envolve Para fugir da cruz da comunidade de pes- quisa a PCT está indo cair na caldeirinha dos empresários. Os que almejam um cenário me- lhor para todos devem lutar para colocá-la a ser- viço da sua construção. Concluindo: é improvável, ainda que se des- façam as “miragens” apontadas, as empresas utilizem adequadamente os recursos que o go- verno está disponibilizando, e se aproveitem do nosso potencial científico-tecnológico. Mas, se isso vier a ocorrer, e aí entraríamos num debate muito mais relevante, será que sub- sidiar a empresa para torná-la mais lucrativa aju- dará a resolver os desafios tecnológicos e cientí- ficos daquele cenário? Será que é na “com- petitividade empresarial” que devemos depo- sitar nossa esperança de desenvolvimento? “Miragens”e neblina da nossa política de C&T Guardiões de fronteira O O Fernando de Tacca é antropólogo e professor livre docente do Instituto de Artes da Unicamp Rondon no topo do monte Roraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana Inglesa, com as bandeiras dos três países, e acompanhado de índios macuxis, em 27 de outubro de 1927 Renato Dagnino é professor titular do Instituto de Geociências da Unicamp. Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo no último dia 8 Guardiões de fronteira Foto: Reprodução

JORNAL DA UNICAMP Guardiões de fronteira · dígena Raposa Serra do ... Vermelha, de onde também saiu ... ção, a defesa da soberania nacional e incentivadores de suas próprias

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UNICAMP – Universidade Estadual de CampinasElaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestõesCidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Fax (019) 3521-5133. Sitehttp://www.unicamp.br/ju. E-mail [email protected]. Coordenador de imprensa Eustáquio Gomes. Assessor Chefe Clayton Levy. Edito-res Álvaro Kassab e Luiz Sugimoto. Redatores Carmo Gallo Netto, Hélio Costa Júnior, Isabel Gardenal, Jeverson Barbieri, Manuel Alves Filho, MariaAlice da Cruz, Nadir Peinado, Raquel do Carmo Santos, Roberto Costa e Ronei Thezolin. Fotografia Antoninho Perri e Antônio Scarpinetti. Edição deArte Oséas de Magalhães. Serviços Técnicos Dulcinéa Bordignon. Impressão SRG Gráfica e Editora: (011) 4223-5911. Publicidade JCPRPublicidade e Propaganda: (019) 3232-2210. Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju

Reitor José Tadeu JorgeCoordenador Geral Fernando Ferreira CostaPró-reitor de Desenvolvimento Universitário Paulo Eduardo Moreira Rodrigues da SilvaPró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Mohamed Ezz El Din Mostafa HabibPró-reitor de Pesquisa Daniel PereiraPró-reitor de Pós-Graduação Teresa Dib Zambon AtvarsPró-reitor de Graduação Edgar Salvadori de DeccaChefe de Gabinete José Ranali

2 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 18 a 24 de agosto de 2008

Fernando de Tacca

recente conflito na im-plantação da reserva in-dígena Raposa Serra doSol colocou militaresde alta patente comoprotagonistas de falas

contrárias à demarcação de terras con-tínuas e com críticas à política in-digenista atual, principalmente em áre-as de fronteiras. Vale lembrar que, seexiste política indigenista no Brasil,deve-se à ação inconteste de CândidoMariano da Silva Rondon. Engenhei-ro formado pela Escola Militar da PraiaVermelha, de onde também saiuEuclides da Cunha, o Marechal Ron-don criou em 1910 o Serviço de Prote-ção ao Índio e Localização do Traba-lhador Nacional (SPILTN), a partir de1918 chamado de SPI. Este órgão go-vernamental já trazia implícito no seunome a idéia de integração das popu-lações indígenas ao processo produti-vo nacional. A integração dos povosindígenas via ação civilizatória do Es-tado, pelas ações do SPI, não implica-va na perda das identidades e das tra-dições com a incorporação de valoresda nação. A chamada Comissão Rondon,responsável pela ocupação territorialatravés da expansão do telégrafo utili-zou mão-de-obra indígena para abrir suaspicadas na mata, e também instru-mentalizou índios para ocupar os própri-os postos de telégrafos, como foi o casodos nhambiquaras em Barão de Melgaço

Entretanto, mesmo com a inserçãodo índio como um trabalhador integra-do nas ações civilizatórias de Estado,tais ações se contrapunham às posiçõesreligiosas dos missionários, pois per-mitia a absorção dos valores e símbo-los nacionais na construção paradig-mática de um índio brasileiro de fron-teira em plenitude étnica. Com forma-ção humanística marcada pelo posi-tivismo de Auguste Conte, Rondon

implementou uma política de proteçãoàs populações indígenas e propiciou apresença civilizatória do Estado brasi-leiro em terras longínquas e de difícilacesso na selva amazônica.

Rondon, no comando da Inspeto-ria de Fronteiras, organizou uma lon-ga expedição rumo ao monte Roraima,nas fronteiras entre Brasil, Venezuelae Guianas. A expedição rumo ao len-dário complexo montanhoso foi orga-nizada com mais de 180 índios macu-xis, com suas mulheres e filhos da al-deia do Barro, que acompanharamRondon até a tríplice fronteira. O fil-me “Viagem ao Monte Roraima”(1927), realizado pelo major ThomazReis, mostra as dificuldades que a ex-

incorporá-los na idéia de nação tornou-os guardiões simbólicos de nossasfronteiras. Que a memória de Rondone dos guardiões macuxis de nossa fron-teira seja relembrada pelos militares epela sociedade brasileira, e lhes sejasomente dado o que lhes é de direito, aterra; e aos militares somente sua fun-ção, a defesa da soberania nacional eincentivadores de suas próprias memó-rias em mais ações generosas, como asde Rondon e Nutels, e que não as con-fundam com a autonomia legal indí-gena em suas reservas.

Renato Dagnino

professor Nicolsky, um dos au-tores de Inovação tecnológica:realidade e miragem (FSP-29.07.08), é um dos mais agu-dos analistas da Política deC&T (PCT). É, também, um

dos pesquisadores das ciências duras que maistem criticado a orientação que assumiu na úl-tima década.

O artigo trata de nosso desempenho tecnoló-gico avaliado pelas patentes. Como se sabe,sofrível, quando comparado com o que temostido em ciência. O qual, ressalto eu, é conseqü-ência de um enorme gasto público realizado des-de a década de 50 para formar pesquisadores.

De forma competente, o artigo mostra queaquilo que é tomado como diretriz da PCT atu-al – “transformar em patentes a ciência produ-zida nas nossas universidades” – é uma “mira-gem que se desmancha no ar”.

Existem, entretanto, outras “miragens”. A

pedição teve na travessia de rios emontanhas. A cena final do filme, comoapoteose e como ocupação simbólicada fronteira, nos apresenta aqueles quepoderiam guardá-la, os próprios habi-tantes do lugar, os índios macuxis, re-conhecidos como brasileiros. Rondonaparece segurando a bandeira nacionalladeada pelas bandeiras da Venezuelae das Guianas, em meio um grupo nu-meroso de índios macuxis, no topo domonte Roraima. E é isso que Rondonanuncia para toda a nação naquelemomento: a existência de uma popu-lação indígena brasileira naquele dis-tante lugar.

O antropólogo Antonio Carlos deSouza Lima identifica o termo “guar-

da de fronteira”, que aparece nos tex-tos oficiais do SPI, como um conceitoestratégico e como marca simbólica daocupação das nossas fronteiras por ín-dios brasileiros. As ações do médico esanitarista Noel Nutels, quando criouo SUSA – Serviço de Unidades Sani-tárias Aéreas (1956-1973) – e que pro-porcionou trabalho de atendimento mé-dico às populações indígenas no Bra-sil, contaram com a colaboração denossas Forças Armadas, principalmen-te da Aeronáutica, pois sem tal logísticaseriam impossíveis suas ações as-sistenciais.

A presença indígena na ocupaçãode nossos limites territoriais como umaproposta estratégica de Rondon ao

começar pelo fato de que essa diretriz é tão ve-lha quanto a própria PCT. E que sua reorientaçãoneoliberal da última década, que tem custadotambém muito dinheiro público concedido aempresas (inclusive multinacionais!), não temproduzido o resultado alegado.

A crítica que faz o artigo é correta. Mas porcompartilhar a obsessão com as patentes, coma inovação nas empresas e com uma corrida in-ternacional para ver quais se tornarão mais lu-crativas através da tecnologia, ele permaneceimerso na neblina ideológica que cerca a PCT.

Mesmo porque a “miragem” apontada já estásendo desfeita. Claro que de forma artificial,irrealista e ineficaz como qualquer ação guiadapor obsessões.

Os responsáveis pela PCT, tendo finalmen-te compreendido que o conhecimento só chegaàs empresas embutido em pessoas, estão prati-camente pagando para que elas empreguemmestres e doutores para fazer P&D. Eles afir-mam, contrariando o que declaram os empre-sários, que é disso que estes precisam para au-mentar sua lucratividade. Contudo, o fato de queas empresas absorvem menos de 1% dos mes-tres e doutores que se formam por ano é umsintoma claro da disfuncionalidade da PCT.

Mas há outros sintomas que indicam a ine-ficácia da PCT para elevar a propensão à reali-zação de P&D das empresas.

Entre eles, o fato de que apenas 100 empre-sas das 30 mil que inovam introduziram nomercado (nos últimos três anos) alguma inova-ção de processo realmente nova; a importânciaque tem a P&D na estratégia de inovação dasempresas inovadoras, que é quatro vezes me-nor do que a correspondente à aquisição demáquinas; o fato de que, das empresas inova-doras, só 7% mantém relação com universida-des e institutos de pesquisa e que, destas, 70%atribuem a ela baixa importância; o de que en-quanto o governo vem alocando recursos cres-centes para a P&D nas empresas o seu gastovem diminuindo em termos relativos; o de queentre as que não inovam só 12% declaram comocausa a escassez de fontes de financiamento,mas 70% as condições de mercado.

Tudo isso reforça um quadro que há seisdécadas se tenta reverter mediante políticasequivocadas. O comportamento dos empresá-rios não se deve à falta de recursos e instru-mentos governamentais. Ele é economicamen-te racional frente àquilo que percebem como“condições de mercado”; mas que deve ser atri-buído à nossa condição periférica.

Os autores do artigo defendem mais favo-res para a empresa: o que chamam de “com-partilhamento universal do risco tecnológicoentre Estado e empresa”. Mas ao manter a pro-posição, na teoria equivocada e na prática ca-

tastrófica, de que o objetivo da PCT deve serfazer com que o conhecimento produzido comrecurso público beneficie a empresa (e, comocandidamente se diz, leve ao bem-estar da so-ciedade), correm sério risco. O de reforçar omito de que a PCT é apenas planejamento neu-tro (policy) desprovido de interesses e valores(politics), e de adensar a neblina que a envolve

Para fugir da cruz da comunidade de pes-quisa a PCT está indo cair na caldeirinha dosempresários. Os que almejam um cenário me-lhor para todos devem lutar para colocá-la a ser-viço da sua construção.

Concluindo: é improvável, ainda que se des-façam as “miragens” apontadas, as empresasutilizem adequadamente os recursos que o go-verno está disponibilizando, e se aproveitem donosso potencial científico-tecnológico.

Mas, se isso vier a ocorrer, e aí entraríamosnum debate muito mais relevante, será que sub-sidiar a empresa para torná-la mais lucrativa aju-dará a resolver os desafios tecnológicos e cientí-ficos daquele cenário? Será que é na “com-petitividade empresarial” que devemos depo-sitar nossa esperança de desenvolvimento?

“Miragens”e neblina da nossa política de C&T

Guardiões de fronteira

O

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Fernando de Tacca é antropólogo e professorlivre docente do Instituto de Artes da Unicamp

Rondon no topo do monteRoraima, na fronteira doBrasil com a Venezuela ea Guiana Inglesa, com as

bandeiras dos trêspaíses, e acompanhado

de índios macuxis, em 27de outubro de 1927

Renato Dagnino é professor titular do Instituto deGeociências da Unicamp. Este artigo foi publicado na

Folha de S. Paulo no último dia 8

Guardiões de fronteiraFoto: Reprodução