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UFPB · Centro de Ciências Jurídicas · Ano 1 · Nº 2 · Abril de 2010 · Venda Proibida MORREU A ÉTICA NA POLÍTICA? Os limites morais do exercício do poder político evidenciam um debate filosófico que, ao longo dos séculos, nunca foi paci- ficado. Ao mesmo tempo, a democracia brasileira tenta lidar com a corriqueira prática da corrupção no gerenciamento da coisa pública. Ética e política são consolidáveis? Qual o papel da cidadania ativa em tal contexto? No último dia 21, a capital federal co- memorou 50 anos de fundação. Num belo evento à base do “pão e circo”, com shows, pirotecnia e uma empreitada propagandística de divulgação nacional, a diversão popular e a admiração pelo arranjo arquitetônico da cidade serviram como pretextos de um gesto maior de esquecimento, ainda que eventual, da real conjuntura política pela qual vem passando o centro do poder decisional do país. O Congresso Nacional brilhava sob as luzes dos holofotes no encerra- mento daquele dia festivo, o mesmo Congresso que, nos demais dias do ano, é palco de escândalos e prevaricação e símbolo do desencanto pelas premissas do sistema democrático. Haveria boas razões para não comemorar a vida de uma Brasí- lia que ainda esconde muito do que mostra. As ideias da “política” e, mais, do “político” são costumeiramente encaradas com uma parcela latente de aversão. Há até uma certa contradição semântica quanto a esse tipo de posicionamento: o agir político, que nos legitima a cuidar de nós mesmos (e essa é a sua função democrática), se transmuta em algo que vem em nosso prejuízo. E o prejuízo maior é a lesão à res pública. O “político” é o indivíduo dissimulado e imoral que age em benefício próprio ou por questões corpo- rativas: é o antiético por excelência. Daí haver uma construção emblemática afirmando que “ética” e “política” são palavras que não podem ser usadas na mesma frase. O pressuposto fático desse tipo de afirmação é corriqueiro e objeto de um debate acirrado de filosofia política. Quem ouvisse uma versão moderna de um jingle que, em alguns de seus versos, diz “Varre, varre, varre, varre, vassourinha!/Varre, varre a bandalheira!/Que o povo já ta cansado/De sofrer dessa maneira” poderia associá-lo a alguma mobilização recente pela orientação ética na política nacional. Foi Jânio Quadros, na campa- nha presidencial de 1960, quem entoou esses versos, prometendo promover uma “limpeza na administração pública”. A vida pregressa de nos- sa política, portanto, nos dá ensejo para construir esse tipo de argumento pragmático. Assim, se evidencia a atualidade de debates seculares: a política tem uma orientação ética própria? As discussões acerca da ética considerada em si mesma já são controvertidas; quando se intenta analisá-la numa perspectiva da práxis política, corre-se o risco de levantar mais indagações do que efetivamente produzir respostas. Mas é uma tarefa extremamente funcionalista. Por ética, pelo menos numa perspectiva hori- zontal, entendem-se padrões mínimos de condu- ta necessários à garantia da harmonia social, além de uma visão axiológica sobre o que é bom ou ruim. Ética, portanto, não seria apenas a ob- servância de preceitos legais, mas, inclusive, a orientação do agir humano segundo critérios gerais de justiça, equidade e respeito, por exem- plo. Na conjuntura do regime democrático, as normas impostas pelo ordenamento jurídico ten- denciam a uma proximidade maior com as ques- tões morais: isso não implica em necessária convergência. O §1º do art. 121 do nosso Código Penal fala de “relevante valor moral” como mino- rante da pena de homicídio doloso: confrontam- se a ética que impede o resultado (não matar) e a ética que impele o resultado (valor moral). Exis- tem éticas paralelas? A política busca apoio nes- sa pretensão? Delimitadas (ou não) essas considerações propedêuticas, é interessante apresentar o argu- mento mais evidente para a justificativa de uma esfera ética (para nós, antiética) própria da políti- ca: o Estado estaria inserido numa problemática histórica concreta que não poderia (e não deveri- a) se submeter a categorias morais abstratas. Analogamente à chamada “teoria da guer- ra justa” (onde, na guerra, não vence quem tem razão, mas se dá razão a quem vence), mitiga-se a principiologia da ação em prol do êxito do resultado. É possível resgatar, portanto, a dimensão maquiaveli- ana da “razão de Estado” (na famosa metáfora do leão e da raposa) e a “ética da responsabilidade” (e, aqui, com mais cautela), de Max Weber, como conceitua- ções racionais cujo pano de fundo é o de circunstâncias fáticas que invocam uma orientação moral própria, pautada na per- secução do “fim bom”, para além de um mero regime de excepcionalidade. Os “mensalões” são escândalos políticos que se ligam, sobremaneira, a essa perspecti- va. A partir do momento em que represen- tantes políticos beneficiam financeiramente ou- tros representantes políticos para conseguir o apoio a projetos governamentais, invoca-se a idoneidade do fim (o cumprimento das funções do Estado) como atenuante da imoralidade dos meios. Mas não podemos indagar que a própria razão de Estado (os fins de bem social, da persecução das prerrogativas estatais, portanto) pode estar sujeita a critérios de valoração? “Se o fim justifica os meios, o que justifica o fim?”. E como justificar uma ética própria da política no Estado Democrá- tico de Direito? A tarefa chega a ser antitética. Primeiro, porque se esvazia o sentido do Estado de Direito, porquanto há o desrespeito às condi- ções de exercício do poder político. Segundo, ocorre o desvirtuamento do próprio pacto demo- crático, vez que a soberania é posta em patama- res e condições diferentes de exercício e a ideia de um fluxo de poder de baixo (povo) para cima (representantes) se vê esfacelada. Ainda, a pró- pria visibilidade do poder é posta à prova. Observa-se, contudo, que a problemática mai- or da realidade política brasileira não é orientar a observância das questões éticas respectivamente à razão de Estado, mas estabelecer um questio- namento moral em relação à racionalidade políti- ca democrática que, na práxis contemporânea, está atrelada à mácula da crise de representativi- dade na gestão do interesse público (não deixan- do de abarcar, com afinco, o agir corruptivo e corrompido): é a desrazão política. O poder aca- ba representando um fim em si mesmo. Diante desse cenário político obscuro, em abril de 2008, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), formado por 44 entidades, dentre elas a Associação dos Magistrados Brasi- leiros e a Ordem dos Advogados do Brasil, mobi- lizou a sociedade civil para que aderisse à cam- panha “Ficha Limpa”, que tem como objetivos a elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Com- plementar de Iniciativa Popular nº 518/09 que, em linhas gerais, pretende alterar a Lei Comple- mentar nº 64 de 1990, dando maior celeridade aos processos judiciais eleitorais e aumentando as hipóteses de inelegibilidade, assim como os seus prazos. Mas, caso o PLC 518/09 seja apro- vado, haverá mudanças palpáveis em nosso cenário político? Nesta edição 2 | Editorial | Direito e compromisso: a silhueta de um projeto intrínseco à norma 3 | Sociedade, conhecimento e práxis | Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandaca- ru: desafios e perspectivas de uma visão política e atuante do Direito. 4 | Espaço Discente | O princípio da precaução no Direito Ambiental: Brasil e Alemanha 5 | Espaço Discente | Aposentadoria compulsória de magistrados: corrupção premiada 6 | Espaço Discente | O Direito e os crimes na Internet 7 | Espaço Docente | “Sobre viagens, mapas e direito”, por Eduardo Rabenhorst 8 | Cinefilia! | “Muito além do jardim”, a subjetividade e a descoberta do novo, por Carlos Nazareno 8 | Por dentro da UFPB | A Clínica Escola de Psicologia da UFPB Continua na página 2 >>

Jornal CCJ em Ação nº 2

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Edição nº 2 do jornal CCJ em Ação.

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Page 1: Jornal CCJ em Ação nº 2

UFPB · Centro de Ciências Jurídicas · Ano 1 · Nº 2 · Abril de 2010 · Venda Proibida

MORREU A ÉTICA NA POLÍTICA? Os limites morais do exercício do poder político evidenciam um debate filosófico que, ao longo dos séculos, nunca foi paci-ficado. Ao mesmo tempo, a democracia brasileira tenta lidar com a corriqueira prática da corrupção no gerenciamento da

coisa pública. Ética e política são consolidáveis? Qual o papel da cidadania ativa em tal contexto? No último dia 21, a capital federal co-

memorou 50 anos de fundação. Num belo evento à base do “pão e circo”, com shows, pirotecnia e uma empreitada propagandística de divulgação nacional, a diversão popular e a admiração pelo arranjo arquitetônico da cidade serviram como pretextos de um gesto maior de esquecimento, ainda que eventual, da real conjuntura política pela qual vem passando o centro do poder decisional do país. O Congresso Nacional brilhava sob as luzes dos holofotes no encerra-mento daquele dia festivo, o mesmo Congresso que, nos demais dias do ano, é palco de escândalos e prevaricação e símbolo do desencanto pelas premissas do sistema democrático. Haveria boas razões para não comemorar a vida de uma Brasí-lia que ainda esconde muito do que mostra.

As ideias da “política” e, mais, do “político” são costumeiramente encaradas com uma parcela latente de aversão. Há até uma certa contradição semântica quanto a esse tipo de posicionamento: o agir político, que nos legitima a cuidar de nós mesmos (e essa é a sua função democrática), se transmuta em algo que vem em nosso prejuízo. E o prejuízo maior é a lesão à res pública. O “político” é o indivíduo dissimulado e imoral que age em benefício próprio ou por questões corpo-rativas: é o antiético por excelência. Daí haver uma construção emblemática afirmando que “ética” e “política” são palavras que não podem ser usadas na mesma frase. O pressuposto fático desse tipo de afirmação é corriqueiro e objeto de um debate acirrado de filosofia política.

Quem ouvisse uma versão moderna de um jingle que, em alguns de seus versos, diz “Varre, varre, varre, varre, vassourinha!/Varre, varre a bandalheira!/Que o povo já ta cansado/De sofrer dessa maneira” poderia associá-lo a alguma mobilização recente pela orientação ética na política nacional. Foi Jânio Quadros, na campa-nha presidencial de 1960, quem entoou esses versos, prometendo promover uma “limpeza na administração pública”. A vida pregressa de nos-sa política, portanto, nos dá ensejo para construir esse tipo de argumento pragmático. Assim, se evidencia a atualidade de debates seculares: a política tem uma orientação ética própria? As

discussões acerca da ética considerada em si mesma já são controvertidas; quando se intenta analisá-la numa perspectiva da práxis política, corre-se o risco de levantar mais indagações do que efetivamente produzir respostas. Mas é uma tarefa extremamente funcionalista.

Por ética, pelo menos numa perspectiva hori-zontal, entendem-se padrões mínimos de condu-ta necessários à garantia da harmonia social, além de uma visão axiológica sobre o que é bom ou ruim. Ética, portanto, não seria apenas a ob-servância de preceitos legais, mas, inclusive, a orientação do agir humano segundo critérios gerais de justiça, equidade e respeito, por exem-plo. Na conjuntura do regime democrático, as normas impostas pelo ordenamento jurídico ten-denciam a uma proximidade maior com as ques-tões morais: isso não implica em necessária convergência. O §1º do art. 121 do nosso Código Penal fala de “relevante valor moral” como mino-rante da pena de homicídio doloso: confrontam-se a ética que impede o resultado (não matar) e a ética que impele o resultado (valor moral). Exis-tem éticas paralelas? A política busca apoio nes-sa pretensão?

Delimitadas (ou não) essas considerações propedêuticas, é interessante apresentar o argu-mento mais evidente para a justificativa de uma esfera ética (para nós, antiética) própria da políti-ca: o Estado estaria inserido numa problemática histórica concreta que não poderia (e não deveri-a) se submeter a categorias morais abstratas.

Analogamente à chamada “teoria da guer-ra justa” (onde, na guerra, não vence quem tem razão, mas se dá razão a quem vence), mitiga-se a principiologia da ação em prol do êxito do resultado. É possível resgatar, portanto, a dimensão maquiaveli-ana da “razão de Estado” (na famosa metáfora do leão e da raposa) e a “ética da responsabilidade” (e, aqui, com mais cautela), de Max Weber, como conceitua-ções racionais cujo pano de fundo é o de circunstâncias fáticas que invocam uma orientação moral própria, pautada na per-secução do “fim bom”, para além de um mero regime de excepcionalidade. Os “mensalões” são escândalos políticos que se ligam, sobremaneira, a essa perspecti-va. A partir do momento em que represen-

tantes políticos beneficiam financeiramente ou-tros representantes políticos para conseguir o apoio a projetos governamentais, invoca-se a idoneidade do fim (o cumprimento das funções do Estado) como atenuante da imoralidade dos meios.

Mas não podemos indagar que a própria razão de Estado (os fins de bem social, da persecução das prerrogativas estatais, portanto) pode estar sujeita a critérios de valoração? “Se o fim justifica os meios, o que justifica o fim?”. E como justificar uma ética própria da política no Estado Democrá-tico de Direito? A tarefa chega a ser antitética. Primeiro, porque se esvazia o sentido do Estado de Direito, porquanto há o desrespeito às condi-ções de exercício do poder político. Segundo, ocorre o desvirtuamento do próprio pacto demo-crático, vez que a soberania é posta em patama-res e condições diferentes de exercício e a ideia de um fluxo de poder de baixo (povo) para cima (representantes) se vê esfacelada. Ainda, a pró-pria visibilidade do poder é posta à prova.

Observa-se, contudo, que a problemática mai-or da realidade política brasileira não é orientar a observância das questões éticas respectivamente à razão de Estado, mas estabelecer um questio-namento moral em relação à racionalidade políti-ca democrática que, na práxis contemporânea, está atrelada à mácula da crise de representativi-dade na gestão do interesse público (não deixan-do de abarcar, com afinco, o agir corruptivo e corrompido): é a desrazão política. O poder aca-ba representando um fim em si mesmo.

Diante desse cenário político obscuro, em abril de 2008, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), formado por 44 entidades, dentre elas a Associação dos Magistrados Brasi-leiros e a Ordem dos Advogados do Brasil, mobi-lizou a sociedade civil para que aderisse à cam-panha “Ficha Limpa”, que tem como objetivos a elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Com-plementar de Iniciativa Popular nº 518/09 que, em linhas gerais, pretende alterar a Lei Comple-mentar nº 64 de 1990, dando maior celeridade aos processos judiciais eleitorais e aumentando as hipóteses de inelegibilidade, assim como os seus prazos. Mas, caso o PLC 518/09 seja apro-vado, haverá mudanças palpáveis em nosso cenário político?

Nesta edição

2 | Editorial | Direito e compromisso: a silhueta de um projeto intrínseco à norma

3 | Sociedade, conhecimento e práxis | Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandaca-

ru: desafios e perspectivas de uma visão política e atuante do Direito.

4 | Espaço Discente | O princípio da precaução no Direito Ambiental: Brasil e Alemanha

5 | Espaço Discente | Aposentadoria compulsória de magistrados: corrupção premiada

6 | Espaço Discente | O Direito e os crimes na Internet

7 | Espaço Docente | “Sobre viagens, mapas e direito”, por Eduardo Rabenhorst

8 | Cinefilia! | “Muito além do jardim”, a subjetividade e a descoberta do novo, por Carlos

Nazareno

8 | Por dentro da UFPB | A Clínica Escola de Psicologia da UFPB Continua na página 2 >>

Page 2: Jornal CCJ em Ação nº 2

CCJ EM AÇÃO � ANO 1 � Nº 2 PÁGINA 2

Segundo informações do próprio MCCE, o projeto fundamenta-se no princípio constitucional da proteção, interpretado à luz do art. 14, § 9º, da CF. Tal artigo permite que, ponderada a vida pregressa dos candidatos, novos casos de inele-gibilidade, assim como seus prazos de cessação, possam ser estabelecidos por lei complementar. Seguindo essas determinações, o projeto preten-de tornar inelegíveis:

Ao ser indagado se a nova lei não pode sofrer

algum desvirtuamento nas suas finalidades, con-substanciando pretensões de injustiça, o MCCE argumenta que todos os crimes descritos no pro-jeto de lei são de natureza grave e de fácil com-provação, além de que as ações que dão base para a condenação são de iniciativa exclusiva do Ministério Público. Apesar de reconhecer as boas intenções da campanha, considerável parcela da classe política posiciona-se contra a aprovação do projeto. Todavia, outros parlamentares deixa-ram bem claras suas posições. No dia 7 deste mês, deputados da base aliada declararam-se, diante dos demais membros da Câmara, contrá-rios ao projeto. José Genoíno (PT-SP) foi enfáti-co: “quem faz a limpeza e quem faz a escolha são os eleitores. O povo não precisa de tutor". Para Silvio Costa (PTB-PE), "é muito bonito defender para a sociedade o ‘ficha limpa’; também o defen-do, mas não sou demagogo. O projeto ficha limpa virou uma espécie de brincadeira e balé parla-mentar. Esse projeto é tão inconsequente e mal redigido que dá poder a quem não tem poder".

Os opositores entendem que o projeto de lei é inconstitucional no sentido material, pois desres-peita o princípio da presunção de inocência, inter-pretado à luz do art. 5º, LVII, da CF: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julga-do de sentença penal condenatória". De fato, a redação do projeto pretende inviabilizar a candi-datura das pessoas condenadas apenas em pri-meira instância ou que tenham recebido denúncia criminal, ferindo assim o princípio supracitado. Em posição contrária, o MCCE defende a consti-tucionalidade do projeto: o princípio da presunção de inocência só deve ser aplicado no âmbito do direito penal; em matéria eleitoral prevalece o princípio da prevenção.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou em questão semelhante. No ano de 2008, o TRE da Paraíba, através de um processo administrati-vo (PA 19.919), provocou o TSE a modificar uma resolução referente ao registro de candidaturas, exigindo a inserção de algum mecanismo que pudesse impedir o registro de candidatos com a ficha suja. Destarte, o TSE indeferiu tal possibili-dade. Contrários à resolução do TSE foram os ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, tam-bém do STF, à época.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), excitada pelo apoio dos ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, ingressou com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Funda-mental (ADPF nº 144), exigindo que fossem cria-dos mecanismos a fim de vetar a candidatura daqueles que respondessem a processos crimi-nais ou de improbidade, mesmo que não transita-dos em julgado. Por nove votos a dois (estes, dos ministros supracitados), a ação foi julgada impro-cedente. É relevante ressaltar o posicionamento do ministro relator da ADPF, Celso de Mello, que pronunciou-se do seguinte modo: “O que se mos-tra importante assinalar, neste ponto, Senhor Presidente, é que, não obstante golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráti-cos, que preconizam o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário, a presunção de inocência, legitimada pela ideia democrática, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, no contexto das socie-dades civilizadas, como valor fundamental e exi-gência básica de respeito à dignidade da pessoa humana”.

É corrente questionar o regime democrático pela sua pouca eficiência em muitos sentidos. Um deles, justamente, é o do combate à política cor-ruptiva. A democracia não teria competência suficiente para fazê-lo. O devido processo legal, a garantia à ampla defesa e ao contraditório, enfim, o respeito às garantias fundamentais são, em contextos de efervecência política, vistas como óbices que deveriam ter pouca ou nenhuma im-portância. Se diz que em regimes autocráticos esse tipo de coisa não se vê, não existe, há efici-ência. Não se vê, porém, porque não se pode. A democracia deve se fazer ver, a autocracia es-conde e se esconde. Corrupção não é patologia de regime ou de modelo de Estado, é, precipua-mente, questionamento da figura ética do próprio indivíduo. A sociedade perde a fé no processo democrático, mas, embora não seja a democracia o melhor regime, é o único existente em que se reforma e se transforma sem a necessidade de violência. Diálogo, deliberações e ações tomadas com respeito aos indivíduos e sem apegos even-tuais ao energismo desmedido são alternativas saudáveis. A democracia é uma ideia a ser culti-vada, o povo é o seu idealizador, mas, às vezes, a própria ideia se vê protegida de quem a preten-deu. Indignação, olhar reprovador sobre certos sujeitos e o ensejo ao protesto são direitos irrefu-táveis mas cuja delimitação ainda é uma zona nebulosa.

Existe um fator fundamental (talvez o mais democrático possível) nessas pretensões de consolidação da moralidade no cenário político: o poder do voto como exercício das prerrogativas da soberania. Essa é a “peça-chave” que nos permite começar a entender a condição da cida-dania ativa como ideal de aprimoramento dialético do regime democrático. Não se espera que uma lei represente uma reviravolta substancial das relações entre ética e política, até porque, sabe-mos, existe uma diferença gritante entre o “ser” e o “dever ser”. A educação para a cidadania e a tomada de uma verdadeira consciência democrá-tica são ideais alcançáveis e muito mais desejá-veis.

Por Douglas Pinheiro

([email protected]) e Magno Duran ([email protected]) - 3º ano (tarde)

EDITORIAL

Direito e compromisso

O esforço argumentativo que será desenvol-vido para apresentação da relação direito-compromisso terá características muito since-ras e intuitivas. Bem localizado num editorial, podendo se aproximar de um ensaio. Enfim, a ligação que tento desenvolver ocorre no âmbi-to interpretativo, como um toque de compreen-são sobre as regras e sua relação com seu estudioso. Comecemos por um desenvolvi-mento reflexivo-estilístico-argumentativo (ou seja, “criar para convencer”) delas: as regras.

As normas podem aparecer para nós como fazendo sentido em três “sistemas” principais, são eles: 1) como algo decorrente da observa-ção de um conjunto de relações necessárias e empiricamente identificáveis (de forma heterô-noma); 2) como fruto de criação humana para a persecução de fins e valores e; 3) como ma-nifestação, com significado próprio, de forma dogmática (“jogos”). Destarte, em relação aos três pontos destacados acima (que tratam sobre a gênese das normas), seus significados tomam contornos próprios: a) as normas fa-zem sentido em um conjunto descritivo (leis

sobre o ser); b) fazem sentido em um conjunto de coerência interna, mas também como orde-namento sistematizado como realidade de um projeto, ou seja, só tem coerência como exteri-orização prescritiva do projeto ou do programa ordenado ou sistematizado por vá-rios topoi (lugares comuns) e/ou fins definidos (leis sobre um dever-ser especial); c) as regras dos jogos guardam um significado especial que tenciona entre o significado dado pelo jogador, de modo livre, e o significado da dinâ-mica do próprio jogo, que lhe dá coerência e o caracteriza como um sistema (leis de um de-ver-ser que se constrói enquanto estrutura normativa que se auto-define enquanto se constrói).

Dessa construção teórica, as novas tendên-cias de pensamento situariam o mundo jurídico no segundo grupo, do uso do ordenamento como jangada para o alcance emancipatório das sociedades. Tal conclusão levará neces-sariamente a uma afiguração de que os textos são apenas “pontas de um iceberg” embebidas num ambiente que, em última análise, significa a atmosfera em que elas fazem sentido, po-dendo ter um aparato submerso discutível ou

um ponto pacífico sobre diversos critérios de sua natureza, mas, de qualquer modo, ela demanda o compromisso com o sentido maior que traz cada regra. O compromisso seria o termo-chave para a diferenciação da “hermenêutica dos jogos” para a “hermenêutica dos sistemas” como “programas” que também incluem os valores e finalidades no âmbito cognitivo de construção hermenêutico. Com o elemento “compromisso” existe sentido na expressão “vontade de cons-tituição”, de Konrad Hess, pois tem o mesmo sentido de lançar o intérprete para além do que lhe é imediato, para mostrá-lo que existe um fim comum no qual todos devemos nos engajar no intuito de sua realização. O que caracteriza o direito como unidade também o caracteriza como ponto de inflexão de compro-misso com seu projeto maior - que diferencia o direito de meras regras do jogo e seus aplica-dores de meros jogadores.

Por Yure Tenno - 3º ano (tarde) Em nome do grupo OBSERVATÓRIO DO

CCJ

Jornal CCJ em Ação: uma iniciativa do grupo Observatório do CCJ · Editores: Alysson Guerra, Andrezza Melo, Ariadne Costa, Daniella Duarte, Douglas Pinheiro, Magno Duran, Manuela Braga e Yure Tenno · Apoio Editorial: Carlos Nazareno · Revisão textual: Andrezza Melo · Diagramação: Douglas Pinheiro · Contato: [email protected] · Este jornal é uma produção independente. Todo o seu conteúdo é de responsabilidade dos seus idealizadores.

· Quem tenha sido condenado em qualquer instância, mesmo sem transitado em julgado, pelos crimes de homicídio, estupro, racismo, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas; · Quem tenha direito a foro privilegiado e foi denunciado pelos mesmos crimes menciona-dos acima; · Quem tenha sido condenado pela compra de votos ou por uso eleitoral da máquina adminis-trativa; · Quem renunciou ao cargo para se esquivar da abertura de um processo por quebra de decoro parlamentar ou por desrespeito à Constituição Federal.

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CCJ EM AÇÃO � ANO 1 � Nº 2 PÁGINA 3

SOCIEDADE, CONHECIMENTO E PRÁXIS - ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NO CCJ

Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru: desafios e perspectivas de uma visão política e atuante do Direito Mística, abraços, vídeos, cartazes, discus-

sões políticas e compromisso social. Estas são apenas algumas das palavras que po-dem resumir os encontros do NEP - Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandacaru, um dos projetos de extensão do CCJ, desenvol-vido nas áreas de Sociologia Jurídica e Direi-tos Especiais.

O NEP – Flor de Mandacaru surgiu da uni-ão de pessoas já envolvidas em ações de cunho político: militantes do movimento estu-dantil, mestrandos, extensionistas. O grupo se institucionalizou à UFPB em 2008, dando continuidade às suas atividades e desenvol-vendo outros projetos: participação no Con-gresso de Pluralismo Jurídico, atuação no Grito dos Excluídos, militância junto ao Qui-lombola de Paratibe, organização da Sema-na da Consciência Negra, dentre outros. Em 2010, sua primeira atividade consistiu em um Seminário de Formação Política, realizado nos dias 9 e 10 de abril, no qual também ocorreu a seleção de novos participantes. Integrado atualmente por alunos do curso de Direito e de Serviço Social, bem como por professores, o grupo conta com o apoio de líderes de comunidades e de representantes de movimentos sociais. No ano em curso, três projetos já estão em andamento, ligados, respectivamente, à questão da terra, da me-diação de conflitos e dos quilombolas.

Sob coordenação do Professor Roberto

Efrem Filho, desenvolve-se a “Assessoria a Casos de Violação do Direito à Terra”. Tal projeto visa assessorar jurídica e politicamen-te os movimentos sociais do campo, especifi-camente os casos de violações de direitos humanos das Fazendas de Quirino e de Po-cinhos. O estudo coletivo, o conhecimento das áreas ocupadas, o acompanhamento processual, a pesquisa científica e a elabora-ção de dossiês a serem remetidos a entida-des nacionais e internacionais consistem nos principais pontos desta extensão.

O segundo projeto, “Justiça Comunitária e Mediação de Conflitos”, que tem por coorde-nadora a Professora Ana Lia Almeida, pre-tende difundir debates e práticas relaciona-das à justiça comunitária e mediação de con-flitos numa perspectiva crítica e popular da

democratização do acesso à justiça. Contará com intervenção em comunidades, realiza-ção de oficinas de sensibilização, formação em mediação, mapeamento de conflitos com lideranças locais, dentre outras realizações.

Por fim e não menos importante, desenvol-ve-se o projeto “Assessoria Jurídico-política da Comunidade Quilombola de Paratibe”. Tal extensão, que possui a peculiaridade de ser um grupo auto-gestionado, conta com o apoi-o do Professor Enoque Feitosa. Sendo uma das mais antigas atuações do NEP, este projeto realiza atividades junto com a comu-nidade em questão, que resiste em meio da invasão da cidade e da especulação imobiliá-ria. O fortalecimento da identidade local, o acompanhamento jurídico, o estudo da área para a demarcação de terras e feitura de laudos antropológicos, a realização de conta-tos com instituições oficiais e o resgate cultu-ral integram a pauta do Projeto Paratibe para este ano.

De uma forma geral, como um grupo orgâ-nico, o NEP exterioriza uma ideia essencial: o aprendizado não deve se limitar à sala de aula ou à leitura de livros. Toda teoria deve estar relacionada com a realidade – a ação-reflexão é corolário de nossa consciência como seres históricos e partícipes da socie-dade. Desta maneira, intervir no mundo – ensinando, indagando e aprendendo – é a melhor forma de conhecê-lo de verdade.

Por Daniella Memória - 3º ano (manhã) [email protected]

ESPAÇO DATAB (Diretório Acadêmico Tarcísio Burity)

Olimpíadas Jurídicas DATAB

O DATAB realizará nos dias 15, 16, 22 e 23 de maio do corrente ano mais uma Olimpíada Jurídica, competição com as modalidades de Futsal, Vôlei de Casal, Dominó, Winning Eleven e Tênis de Mesa. As inscrições realizar-se-ão a partir do dia 26 de abril com os membros do Diretório Acadêmico.

As Olimpíadas Jurídicas se configuram como uma forma de integração dos diversos alunos que formam o Centro de Ciências Jurídicas, inclusive os calouros. Para isso, são promovidos campeonatos de diversos esportes, tanto para o público masculino como para o público feminino. Assim, há o objetivo de proporcio-nar momentos de lazer para os discentes, aliando o trabalho da mente, conseguida na vida acadêmica, com o trabalho do corpo, propiciado por oportunida-des como essa, no projeto de construção de uma vida sempre saudável, com a mente e o corpo sãos.

Histórico do CCJ e do DATAB

O Curso de Direito fazia parte do CCSA (Centro de Ciências Sociais Aplicadas), assim como os de Admi-nistração, Ciências Contábeis e Economia, e, juntos, compunham o D.A. Posteriormente, percebeu-se a necessidade de um espaço onde os estudantes do curso pudessem debater o Direito especificamente,

mas, logicamente, sem romper o diálogo com os outros cursos, apenas desvinculando-se do ponto de vista institucional. Criou-se então o CALM (Centro Acadêmico Lyda Monteiro) em homenagem à secre-tária do então presidente da OAB, morta por uma carta bomba destinada a este, durante a ditadura militar. De lá para cá muita coisa aconteceu. O que foi C.A. virou D.A., pela criação de um centro próprio. O local do curso mudou. O nome foi alterado. O já então D.A. Fechou por falta de pessoas que o condu-zissem.

O D.A. reabriu em 2002, sob a gestão (2002/2003) “Um D.A. Presente”, vindo, em 2003/2005, a “Renovação e Atuação”. Depois, 2005/2006, “Radicalizando a Democracia”; 2006/2007, “(Re)Pensando Paradigmas”; 2007/2008, “Pegue o Bon-de”; e, finalmente, 2008/2009, “Sala de Justiça”.

Relação dos integrantes do DATAB - Gestão

“Sala de Justiça”

TURNO DA MANHÃ:

* AIMÊ Alves Moreira – 1ª Secretária – 4º ANO MANHÃ * IVANA Rafaela Torres de Sousa – 1ª Coordena-dora de Comunicação Social – 4º ANO MANHÃ * JOSÉ VENILTON de Almeida Holanda Filho – 2º Secretário – 3º ANO MANHÃ * RAFAEL Alcoforado Domingues – 1º Tesoureiro – 3º ANO MANHÃ

* RÔMULO Pinto de Lacerda Santana – Presiden-te – 3º ANO MANHÃ * VINICIUS SALOMÃO de Aquino – 3º Coordena-dor de Eventos Acadêmicos – 2º Ano Manhã

TURNO DA TARDE: * ALYSSON Soares Guerra – 2º Coordenador de Eventos Acadêmicos – 3º ANO TARDE * BRUNO VALONES Calzavara de Araújo – 2º Coordenador de Esportes – 3º ANO TARDE * CLEDISIO Ferreira de Farias Lima – Vice-Presidente – 4º ANO TARDE * IRONALDO Leal de Oliveira Júnior – 2º Tesou-reiro – 4º ANO TARDE

TURNO DA NOITE: * BRUNO CARVALHO Guedes Pereira – 1º Coor-denador Eventos Acadêmicos – 2ºANO NOITE * ERICK Martins Norat Filho – 3º Coordenador de Esportes – 1º ANO NOITE * MIGUEL Felipe Almeida da Câmara - 2º Coorde-nador Comunicação Social - 2º ANO NOITE * VANESSA Limeira de Azevêdo – 3ª Coordena-dora de Comunicação Social – 2º ANO NOITE * VICTOR Luiz de Freitas Souza Barreto – 1º Co-ordenador de Esportes – 2º ANO NOITE

Momento final de confraternização no Seminário do NEP - Flor de Mandacaru, realizado nos dias 9 e 10

deste mês

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ESPAÇO DISCENTE

O princípio da precaução no Direito Ambiental: Brasil e Alemanha Nos últimos tempos, a preocupação com o

equilíbrio ambiental tem sido debatida em conferências e encontros mundiais sobre o meio ambiente. No entanto, a temática ecoló-gica somente começou a fazer parte das a-gendas internacionais há cerca de quarenta anos, pelos anos setenta do século XX, com a Conferência de Estocolmo, em 1972. Por essa época, o Brasil, em plena ditadura mili-tar, declarava abertamente não se importar com a situação ambiental, sob o argumento de que a poluição preocupante era de fato a pobreza, sendo que esta não poderia ser sanada com restrições econômicas que im-portassem em maior proteção ao meio ambi-ente.

A falsa dicotomia estabelecida entre as necessidades humanas e a preservação dos recursos naturais esteve, por muitos anos, no centro da questão ambiental, como pólos excludentes. Se por um lado, é dever do Esta-do agir no sentido de elaborar políticas volta-das para a satisfação das necessidades vitais das pessoas e das coletividades, é igualmen-te correto admitir, por outro lado, que essas ações não implicam em relegar a preservação dos recursos naturais a segundo plano, tam-pouco a desconsiderá-la ou excluí-la das pre-ocupações de empresas e de governos. O fato é que, pelo ritmo com que o ser humano explora os bens naturais não-renováveis, torna-se impossível prever com exatidão quantas gerações ainda terão a sorte de po-der usufruir da plenitude das potencialidades do planeta. Dificilmente pode-se falar em compensação ao planeta pelos danos causa-dos, sequer em retorno ao estado originário da qualidade atmosférica ideal, por exemplo.

Longe de representar romantismo e desco-nhecimento da realidade, o discurso dos am-bientalistas admite a inevitabilidade de degra-dação ambiental em face das ações huma-nas. No entanto, alerta para a necessidade de sua mitigação, apontando uma diferença fun-damental entre degradação mitigada e explo-ração descontrolada, sendo a primeira tolera-da pelos ordenamentos jurídicos ambientais, e a segunda, ou o descontrole irresponsável, considerado como infração, entrando para o elenco de atividades ilícitas.

Em razão da irreversibilidade dos males ou danos perpetrados contra “Gaia”, desponta o princípio da precaução como o mais importan-te dispositivo inspirador de políticas de sus-tentabilidade ambiental. Aperfeiçoado na Con-ferência Mundial do Clima no Rio de Janeiro em 1992, esse postulado passou a ensejar, desde então, diversas interpretações, embora possa significar, em suas linhas mestras, a decisão dos Estados e organismos internacio-nais em “agir com cuidado e com previsão ao tomarem decisões que concernem a ativida-des que podem ter impacto adverso no meio ambiente” (SANDS, Philipe. O princípio da precaução. p. 36).

O princípio inovou ao determinar a adoção de medidas preventivas, ainda que diante da falta de certeza científica absoluta acerca dos potenciais danos ecológicos. Trata-se, portan-to, de dispositivo vinculado ao fenômeno da incerteza, resultando na expressão jurídica da obrigação ético-política de se agir prudente-mente. Hipóteses como “quando há razão

para supor” (Convenção do Mar Báltico, 1992) ou “sem esperar provas científicas a respeito de tal dano” (Convenção de Bakamo, 1991) permeiam as convenções internacionais há décadas, numa confirmação irrefutável da expansão do princípio da precaução.

Em decorrência da tomada de posição em favor da precaução, os Estados viram-se na situação de pensar (e adotar) instrumentos capazes de efetivá-lo. Desse modo, surgiram técnicas aplicadas mundialmente, tais como o Estudo de Impacto Ambiental, o Licenciamen-to e o Zoneamento.

Nos países industrializados, consolida-se a obrigação de uso da melhor tecnologia dispo-nível como poderosa ferramenta de imple-mentação do referido princípio (Convenção para a Proteção do Ambiente Marinho do Nordeste Atlântico, 1992).

A Lei Federal alemã de proteção contra emissões (Bundesimmissionsschutzgesetz), datada de 1974, prevê o “uso da melhor tec-nologia disponível no mercado como condição sine qua non para concessão de autorização às instalações que possam produzir danos consideráveis ao meio ambiente”. Impõe ao empreendedor interessado a adoção de medi-das em consonância com o que há de tecno-logicamente mais moderno, ou o melhor do estado da arte, com o fito de se precaver da degradação passível de existir. Trata-se da aplicação do que se poderia compreender como o autêntico princípio da precaução, em termos de Direito Ambiental.

Para Hans-Joachim Koch, o “Stand der Technik” consiste no mais importante, senão único instrumento de efetiva aplicação do princípio da precaução. Segundo o professor, a implantação do comando de uso da tecnolo-gia em seu estado de arte significa optar por uma política ambiental responsável e compro-metida, que não se condiciona a atuar no limite do razoável, quando os danos já são iminentes e dificilmente evitáveis. Interessa notar que usar a tecnologia mais moderna disponível no mercado não se resume à mera faculdade de operacionalização de instala-ções fabris. Pelo contrário, assume tal exigên-cia o caráter de dever legal, comando devida-mente positivado na lei mencionada.

No caso do Brasil, em atenção ao princípio da precaução, a orientação seguida pelo sis-tema jurídico brasileiro confere destacada preferência à realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA). Esse instrumento

gera outro documento conhecido por RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) e sua previ-são legal emana do artigo 9º, VIII, da Resolu-ção 1/86 do CONAMA. No entanto, em ne-nhuma lei nacional, resolução do CONAMA ou qualquer outro diploma regulamentador, está prevista a adoção obrigatória de tecnolo-gia de ponta no desempenho de atividades consideradas nocivas ou potencialmente cau-sadoras de graves danos ambientais. A única previsão legal nesse sentido confere aos ór-gãos nacionais de proteção do meio-ambiente a capacidade de recomendar aos empreende-dores o emprego de tecnologia disponível no mercado brasileiro. Após verificar a eficácia dos meios de controle da poluição propostos, cabe ao órgão responsável oferecer contra-proposta com alternativas ambiental e econo-micamente viáveis.

Do regulamento em análise sobressaem dois importantes fatores. Primeiro, que se trata de mera recomendação, ou seja, despro-vida de qualquer força coercitiva e, conse-quentemente, inexigível perante o Direito. Depois, que basta ao interessado adotar tec-nologia disponível no mercado nacional, haja vista os elevados valores envolvidos em ope-rações de transferência de tecnologia.

Enquanto órgão responsável por delinear os critérios e normas para concessão de auto-rização ambiental, caberia ao CONAMA esti-pular a previsão de uso da melhor tecnologia no mercado. Contudo, é alegado por muitos que, em respeito ao princípio constitucional da livre iniciativa de mercado, não é possível ao Poder Público especificar o equipamento antipoluidor e determinar sua aquisição e utilização por parte do empreendedor. Igno-ram, entretanto, que o princípio de proteção à ordem econômica não é absoluto e está longe de prevalecer sobre a vida.

A imposição de uso da melhor tecnologia, contudo, não é tema pacífico. No caso dos Estados periféricos, o discurso surpreende pela clareza, mas não pelas soluções aponta-das. Embora cientes das limitações financei-ras, não há como negar que a tradição imedi-atista leva-nos a ignorar completamente as vantagens das chamadas tecnologias limpas, que num primeiro momento revelam-se custo-sas e inviáveis, mas com o passar do tempo demonstram alta rentabilidade, maiores taxas de aproveitamento e redução nos índices de rejeitos. Não esqueçamos, porém, o papel inerente aos países industrializados, de pro-porcionar a transferência de tecnologias ver-des às nações em desenvolvimento. A prote-ção ambiental, enquanto meta global, importa em ações e estratégias igualmente globais, ao contrário dos discursos evasivos e ideias imobilizantes. Trata-se, em última instância, de optar por uma política responsável, que não atua apenas no limite do razoável, à imi-nência do risco, mas que privilegie os progra-mas de desenvolvimento sustentável.

Por Victor Alencar Ventura - concluinte do curso de Direito (UFPB)

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ESPAÇO DISCENTE

Aposentadoria compulsória de magistrados: corrupção premiada Vencido o momento da vingança privada,

o Estado tomou para si o monopólio do Jus Puniendi. Apesar das peculiaridades do conceito de justiça, há, entre os países que buscam se firmar internacionalmente como sendo democráticos, a determinação legal de prerrogativas ao poder judiciário para solução de conflitos. Contudo, até a superi-oridade do Estado para com os seus súdi-tos, conforme o principio da supremacia do interesse público sobre o privado, teve que se adaptar aos novos tempos. A soberania das decisões não significa mais irresponsa-bilidades e axiomas como The King Can Do No Wrong, ou na expressão francesa Le Roi Ne Peut Mal Faire: não combinam com a ideia de Estado democrático de direito. No direito pátrio, principalmente com o advento da Constituição Cidadã, a sociedade civil organizada e o próprio Estado, sobretudo através dos Magistrados e do Ministério Público, têm punido aqueles que acreditam que a coisa pública é um complemento do seu patrimônio privado.

Mas o que fazer quando os próprios juízes são os responsáveis pelos crimes que deveriam com-bater? O artigo 22 da lei 8112/90 afirma que o servidor estável poderá perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar no qual lhe seja assegurada ampla defesa. Além disto, há a hipótese de perda do cargo por procedimento de avaliação periódica de desempenho (art.41, § 1º, da Lei Maior). Com relação aos magistrados, eles seguem um regramento próprio. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), Lei Comple-mentar nº 35/79, no seu artigo 28, nos diz que o magistrado vitalício poderá ser compulsoriamente aposentado ou posto em disponibilidade, nos termos da Constituição e da citada lei. Apesar de a LOMAN estabelecer a possibilidade de demis-são de um magistrado após o estagio probatório (artigos 26, I e II, e 42, VI), a regra tem sido a aposentadoria compulsória com proventos pro-porcionais.

Para o Professor Maurício Gentil, além de não poder ser identificada como pena, a aposentado-ria compulsória seria uma afronta a Constituição de 1988 e ao próprio conceito de cidadania, por ferir os mais elementares preceitos da moralidade pública e administrativa que a Carta Magna de 1988 expressamente impõe (art. 14, § 9º, art. 15, V, art. 37, caput e § 4º, art. 85, V). O dicionário Aurélio conceitua a palavra “pena” como punição imposta pelo Estado ao delinquente ou contra-ventor. O sentido da existência de uma pena é a perda ou restrição de direitos do infrator para que ele responda pelos seus atos e sirva de exemplo para a sociedade. Deste modo, a aposentadoria compulsória remunerada e vitalícia não é pena, na essência do termo, mas sim, um prêmio ao crime. O magistrado honesto, nos moldes da aposentadoria voluntaria, com proventos propor-cionais ou integrais, talvez não tivesse os requisi-tos legais necessários para realizar o pedido de aposentadoria. Ou seja, se não conseguir se aposentar, roube descaradamente! Certamente este não é o objetivo da norma, mas, sim, possi-bilitar que o magistrado possa exercer com inde-pendência as suas funções.

O Ministério Público tem competência para pedir a instauração de inquérito judicial quando há indicio de prática criminosa nos processos administrativos abertos contra juízes nas correge-dorias internas dos tribunais. Se houver condena-ção, o juiz não terá direito a nenhum privilégio. Contudo, na prática, se trata de fato raro. A de-mora na conclusão do processo administrativo, principalmente pelos excessivos de pedidos de vistas, geralmente causa a prescrição do crime. Enquanto que o servidor público poderá ter como

penalidade disciplinar a cassação da aposentado-ria (art. 127, IV, da lei 8112/90), o magistrado, bem como os Conselheiros dos Tribunais de Contas, poderão ser “punidos” com uma aposen-tadoria proporcional que vai de encontro ao cará-ter contributivo e solidário do regime previdenciá-rio atual (art. 40, EC 41/03). Tal emenda contem-pla a aposentadoria por invalidez permanente; aposentadoria compulsória pelo implemento da idade de setenta anos e a aposentadoria voluntá-ria, desde que cumpridos, ao menos, dez anos no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria. Logo, se o magis-trado não estivesse entre as hipóteses acima citadas, a aposentadoria compulsória não seria uma pena em absoluto.

Desde que foi criado, em 2005, o CNJ conde-nou 16 magistrados e afastou oito preventivamen-te - a maioria por corrupção. Treze deles recebe-ram a pena máxima: aposentadoria compulsória, com vencimentos mensais que podem chegar a R$ 24 mil. Além disto, não há impedimento legal

para o exercício da advocacia. Atualmente, a Proposta de Emenda à Constituição nº 89/2003 busca impedir a utilização da aposentadoria dos magistra-dos como medida disciplinar e permitir a perda de cargo, nos casos que estabelece. De iniciativa da senadora Ideli Salvatti (PT-SC), a PEC foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Sena-do Federal, tendo como relator o senador Demóstenes Torres. A PEC modifica os arts. 93 e 95 da Consti-tuição Federal, para eliminar a figura da aposentadoria, por interesse público, de membros da magistratura, bem como para prever a hipótese de perda do cargo de juiz por decisão de dois terços dos membros do tribunal ao qual estiver vinculado, nos ca-

sos de procedimento incompatível com o decoro de suas funções, de recebimento de auxílio ou contribuições de pessoas ou entidades, ressalva-das as exceções previstas em lei, e de inobser-vância das proibições constantes do atual pará-grafo único do art. 95 da Lei Maior.

Houve modificação da PEC para tornar aplicá-vel a nova disciplina aos membros do Ministério Público, por se sujeitarem a um regime jurídico análogo ao da magistratura, por expressa deter-minação constitucional (art. 129, § 4º, da Carta Política).

Para o Senador Demóstenes Torres, a PEC não fere o princípio da separação dos Poderes. Apenas possibilita ao Poder Judiciário um proces-so administrativo mais célere que o judicial, pu-nindo de modo mais justo, magistrados que co-metem faltas graves.

Por Alysson Guerra - 3º ano (tarde) [email protected]

O que nos impede de aceitar as diferenças? A ignorância. Durante séculos, as disparidades de cor e condição social conduziram para o desenvolvimento do preconceito. Desde a Roma antiga, o título de cidadão era concedido apenas aos aristocratas patrícios (que eram os grandes proprietários de terras), excluindo, assim, os escravos e plebeus da pretensão de qualquer direito. A dominação dos mais fortes acabou propagando a ideia falsa de que uns nasceram para mandar, outros para obedecer. Segundo acreditava Aristóteles, "a pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais". Esse entedimento nos mostra que tal realidade é muito antiga e, há tempos, discutida.

Levar em consideração a cor, a religião ou até mesmo a condição social como fatores de separação dos indivíduos de uma sociedade é crer na demência e na insensatez. Fichte, filósofo alemão, já afirmava que os grupos "formam uma coletividade identificável, estruturada, contínua, de pessoas sociais que desempenham papéis recíprocos, segundo determinadas normas, interesses e valores sociais, para a consecução de objetivos comuns".

A diversidade é um fator de complementariedade para uma sociedade tão plural como a nossa. Negar essa condição é negar a nós mesmos, a nossa própria identidade. A Constituição Brasileira de 1988, no art. 3º, IV, garante que se deve "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação". Isso nos garante legalmente a legitimidade da igualdade e do respeito às

diferenças, também exemplificado no art. 5º da Constituição.

O que a Constituição nos garante é a igualdade formal perante a lei, ao passo que consagra o direito de invocar a atividade jurisdicional, garantindo o direito de ação, e tendo o Poder Judiciário, como princípio básico, a obrigação de efetivar o pedido de prestação judicial, sendo o mesmo requerido de forma regular. Mas o que queremos elucidar aqui são as enormes disparidades no que concerne aos recursos disponíveis aos litigantes, que levam a decisões contraditórias onde a condição social é tida como um fator de diferenciação (ou determinante).

Todavia, desejamos esclarecer que a intolerância, no tocante às diferenças, se manifesta na discriminação, ferindo um princípio básico moral, o respeito ao outro. John Locke já dizia: "(...)A verdade não precisa da violência para ser ouvida pelo espírito dos homens, e não se pode ensiná-la pela boca da lei". Não queremos, assim, desconsiderar o direito de liberdade de manifestação de cada indivíduo , mas apenas pregar o respeito mútuo como um fator de convivência social.

Apenas no dia em que houver respeito, não existirá mais cor, religião, sexo, idade, orientação sexual, ideologia, posicionamento político discriminatório; no dia em que a tolerância fizer parte da consciência de cada um, aí sim, não haverá limites para as diferenças.

Por Caroline Carvalho - 1º período 2010.1 (manhã)

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O que nos torna diferentes?

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CCJ EM AÇÃO � ANO 1 � Nº 2 PÁGINA 6

ESPAÇO DISCENTE

Recentemente, em 2009, na Inglaterra, foi admiti-da uma experiência jurídica interessante: ao menos 85 cortes islâmicas foram abertas naquele país. Esses “tribunais”, segundo o MailOnline News, resol-vem querelas sobre finanças e família. No entanto, eles não aplicam, primariamente, as normas do orde-namento inglês, mas, sim, a Sharia, que é um corpo de leis baseadas no Corão e na religião maometana. Embora entre tal sistema e o common law haja se-melhança no que tange à formação histórica (ambos os sistemas tiveram influência religiosa, ambos os sistemas são costumeiros), quanto ao direito material não poderia haver maior divergência. A Sharia, como legislação pretensamente divina, não admite mudan-ça.

Um problema especialmente sério é o das sanções penais admissíveis pela Sharia, o chamado hudud, que inclui esquartejamento, crucifixão, apedrejamen-to e amputação. Embora na Inglaterra não se vá admitir tais práticas extremistas, ainda assim há sérios problemas no que diz respeito a direitos da mulher, custódia dos filhos, herança, testemunho, liberdade de crença e expressão. O testemunho de um homem é mais convincente que o da mulher. Ao homem é dado o direito de divorciar-se à sua própria

discrição. Além disso, aqueles que desejarem aban-donar o islamismo e abraçar uma nova crença prati-cam o crime de apostasia, punível com morte.

Paul Marshall, escrevendo para a revista The Weekly Standard (10/04/2006, vol. 11. nº 28), mostra que, nos anos 90, a República do Irã usou esqua-drões de morte contra os que deixavam o islamismo e abraçavam uma fé diversa, incluindo líderes protes-tantes. Afirma que o regime está atualmente empre-gando uma campanha sistemática de rastreamento e reconversão ou morte daqueles que abandonaram a fé islâmica.

No endereço virtual da Assyrian International News Agency (http://www.aina.org/news/20090226172430. htm), é relatado o caso de Maher Ahmad El-Mo’otahssem Bellah, um ex-muçulmano que, em 2009, desejou ter reconhecida sua conversão pelo Estado do Egito, país constitucionalmente islâmico e que reconhece a jurisprudência islâmica como fonte do direito. “Nossos direitos no Egito, como cristãos ou convertidos, são menores que os direitos dos animais”, afirma El Gohary. “Somos privados de nossos direitos sociais e civis, privados de nossa herança e deixados para ser mortos pelos fundamen-talistas. Ninguém se importa em investigar ou cuidar

de nós”. Também a prática homossexual é punível com

morte. Em 2003, a Corte Europeia de Direitos declarou que "sharia is incompatible with the fundamental principles of democracy" (Refah Partisi - The Welfare Party - and Others v Turkey).

Os Direitos Humanos não andam de mãos dadas com crenças fechadas. A aplicação da Sharia traz grande discrepância para com os Direitos Humanos internacionalmente reconhecidos. Ao menos no âm-bito europeu. Países de oficial religião islâmica ado-tam a Declaração do Cairo de Direitos Humanos no Islã (1990). Embora essa Declaração admita, por exemplo, à mulher a mesma dignidade do homem e as mesmas obrigações básicas, não concede a ela os mesmos direitos, mas seus próprios direitos (art. 6). Os muçulmanos criticam a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), sob o pretexto de que tal declaração tem raízes em crenças judeu-cristãs. Embora para os secularistas ocidentais isso não seja tão evidente, para os muçulmanos o é.

Por Gyordano Montenegro - 3º ano (tarde) [email protected]

Os Direitos Humanos e o mundo islâmico

O Direito e os crimes na Internet

Uma das principais criações desenvolvidas, no século XX, pelo homem, foi a Internet. Extremamente arraigada ao cotidiano, difícil seria imaginarmos as nossas atividades sem o auxílio da mesma. No en-tanto, essa não foi a sua finalidade inicial, e sim, o uso no meio militar e, depois, no científico.

A Internet surgiu no auge da Guerra Fria. Posteri-ormente, ela foi disponibilizada para as universidades norte-americanas, em um primeiro momento, onde foi aperfeiçoada, e tinha como primeiros usuários os pesquisadores. Após um determinado período, ela foi, enfim, estendida para o domínio do público em geral. Só chegou ao Brasil no fim dos anos 80 e dentro do meio acadêmico. Ao longo da década de 90, principalmente, nota-se que a sua utilização foi ampliada, disseminada e incorporada pela socieda-de, pois ela acarreta diversas facilidades que culmi-naram em uma forte dependência do mundo digital. Podem-se destacar como alguns desses fatores, por exemplo, o maior acesso aos computadores e a facilidade da transmissão de informações e da comu-nicação, além da amplitude mundial que elas alcan-çam.

Sob o aspecto técnico, a Internet é uma grande rede de redes. Para o autor Tanenbaum, a expressão rede de computadores é utilizada para expressar uma intercomunicação, ou seja, uma troca de infor-mações, entre computadores autônomos. Assim, observa-se a amplitude da Internet já que ela conecta milhões de pessoas em todo o mundo. Também, se destaca que ela propicia a imersão no ciberespaço, onde não há o reconhecimento de fronteiras físicas.

Quando houve a propagação inicial da Internet, muitos acreditavam que ela seria um meio que iria se auto-regular, já que a ampla liberdade era uma de suas principais características. Ainda, houve até um manifesto feito John P. Barlow, em 1996, que alega-va que a falta de regulamentação seria essencial para a construção de um espaço livre e que, caso a normatização ocorresse, essa não poderia ser eficaz devido à volatilidade do ciberespaço. Assim, esse limite mínimo das ações dos usuários, aliado à sen-sação de anonimato, que seria facilmente mantido,

contribuíram para que pessoas passassem a utilizá-la de modo indevido, por exemplo, ao obter dados pessoais de terceiros sem autorização dos mesmos ou, ainda, ao simples prazer em “atacar o sistema”, efetivados pelos crackers (erroneamente confundidos com hackers, são pessoas que têm o intuito de reali-zar atos “criminosos” - como danos). Deste modo, ficou cada vez mais evidente a concepção de que seria necessária a intervenção do ordenamento para reger as relações internas, e seus conflitos proveni-entes, no ciberespaço.

Os crimes na Internet podem ser concebidos como uma espécie de crime, cometido no ciberespaço, que pode ser praticado com o auxílio do computador ou contra ele (atingindo dados, programas e informa-ções neles contidos). Eles possuem uma amplitude preocupante, devido à disseminação da Web em diversos países, em diferentes setores e segmentos econômico-sociais.

É importante lembrar que o Estado só pode punir o indivíduo, principalmente sob a ótica penal, naquilo que for previsto como ilícito pela lei, em virtude do princípio da legalidade. Por isso, os autores Furlane-to e Guimarães compreendem que o crime da infor-mática é toda ação típica, antijurídica e culpável, cometida contra ou pela utilização de processamento automático de dados ou sua transmissão.

Destarte, os casos de prática da pornografia infan-til, na Internet, vêm sendo combatidos e punidos porque são previstos como ilícitos penais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) condena à pena de 3 a 6 anos e à multa, no artigo 241-A, alterado pela lei 11.829/08, quem “Oferecer, trocar, disponibili-zar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”. Ele também pune, no §1°, com a mesma pena quem “assegura os meios ou serviços para o armazena-mento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo”. Ressalta-se que existem sites que possuem parceria com os Ministérios Públi-cos de diversos estados e possibilitam a realização de denúncias sobre a prática de cibercrimes. Desta maneira, a Rede Mundial também pode ser tida como um meio de combate e repressão. Além desse crime, entre outros, são puníveis os atos que causem danos à honra por meio da prática de calúnia, injúria ou difamação.

Muitos desses atos que deturpam o uso da Rede Mundial são abarcados, como foi explanado, pela legislação existente, pois podem estar correlaciona-dos com crimes praticados no âmbito real, ou seja, são crimes de meio no qual a Web é utilizada como

instrumento para realização da prática. Entretanto, seria uma utopia afirmar que a proteção legal exis-tente é suficiente diante das problemáticas do cibe-respaço. Para ratificar, existem diversas ações espe-cíficas e que não possuem nenhuma previsão, diante de suas peculiaridades, como o spamming (a disseminação do spam – envio de mensagens indesejadas por correio eletrônico e sem consentimento – que veicula mensagens publicitárias, apesar de ter sido elaborado um código de ética para o marketing no email) ou o trojan horse (cavalo de tróia) que rouba senhas, arquivos, dados, entre outros, para outro computador, sem que a vítima perceba.

Inúmeras pessoas crêem que a Internet ocasionou uma revolução por basear-se na interatividade e na democracia, na qual todos podem ser produtores e consumidores de informações. Assim, elas temem que a elaboração de leis regulamentadoras modifique essa realidade. Desta maneira, diversas ações que venham a prejudicar podem não ser puníveis por não terem previsão legal. Defensores acreditam que isso é conseqüência da liberdade propagada na Rede, como foi mencionado, e que qualquer tentativa de controle ficará defasada pela rápida transformação de costumes na Web, além da dificuldade de identifi-cação do usuário que realiza a ação. Porém, é incon-cebível a idealização de que as “vítimas” não podem recorrer à justiça pela falta de tipificação para que a Internet possa ser um ambiente livre de qualquer norma. Isso faz com que se desconsiderem os danos causados aos prejudicados.

No entanto, existem esforços internacionais para tentar regular de modo uniforme tais condutas espe-cíficas e reconhecer esses delitos para coibi-los, tais como a Convenção de Budapeste, realizada em 2001. Ainda, no Brasil, diversos projetos de lei estão sendo elaborados com vistas à regular a Web, mas eles sofrem diversas críticas e revisões e não estão próximos de entrarem em vigor.

É notório que a formação da normatização de crimes específicos não irá ser imediata, se ela vier a ocorrer. Por isso, mesmo que o Estado não puna, é primordial que os usuários tenham a consciência do alcance de suas ações na Web. Assim, eles deveri-am: ter mais receio em disseminar dados pessoais, pensamentos e informações; possuir mecanismos de segurança atualizados (como firewalls, antivírus, políticas de seguranças nos servidores e sigilo em informações cadastrais de usuários etc); ou seja, é necessária uma maior precaução para evitar que ocorra a manifestação dos crimes na Internet.

Por Sarah Marques de Morais - 3º ano (tarde) [email protected]

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CCJ EM AÇÃO � ANO 1 � Nº 2 PÁGINA 7

ESPAÇO DOCENTE - Prof. Eduardo Ramalho Rabenhorst*

SOBRE VIAGENS, MAPAS E DIREITO Por ser professor de filosofia do direito, habituei-me a ouvir dos alunos que minhas aulas são verdadeiras “viagens”.

Não tomo a observação como ofensa, pois, de fato, não fiz outra coisa na vida senão viajar, real ou metaforicamente. Aliás, o tema da viagem é o mote do meu curso de pós-graduação neste ano, inteiramente dedicado aos Cultural Studi-

es. Daí que ao ser convidado (muito em cima da hora) para escrever aqui, não consegui me eximir da tentação de reto-mar algumas reflexões sobre o assunto.

Em um mundo de intensa mobilidade, no qual tudo parece estar em movimento, não é de causar estranheza que o próprio ato de viajar tenha se convertido em objeto de investigação teórica realizada por diversas disciplinas. De fato, o que é viajar? Por que as pessoas viajam? Podemos realmente diferenciar as viagens das outras formas de desloca-mento?

Viajar não é apenas ir de um lugar a outro. Enquanto forma de expressão de um aspecto da liberdade humana, a via-gem contém a possibilidade de deriva que faz com que ela se converta em uma aventura. Contudo, o ato de viajar não ganha sentido sem a intenção de um regresso ao ponto de partida. E é em razão deste “círculo” que a viagem se distin-gue do simples deslocamento. Viagem exige volta, ainda que isso nem sempre possa acontecer (por isso mesmo a via-gem não é boa alegoria para a morte...).

A viagem, logo, requer a existência de um ponto fixo de onde partimos e para onde retornamos. Por conseguinte, nô-mades não viajam, já que estão sempre em trânsito. O mesmo acontece com aqueles que vivem as experiências dos deslocamentos forçados (êxodo, emigração, banimento, deportação etc.). Por não serem resultantes de escolhas livres, tais deslocamentos não são propriamente viagens. São formas de exílio ou de expatriação. Vagabundos também não viajam. Daí que, ao contrário dos turistas, eles não costumam angariar muita simpatia...

Viajar é percorrer um caminho já trilhado por outros. Através da viagem, então, chegamos a um lugar conhecido de antemão. Donde que as viagens demandam um conhecimento prévio do percurso geralmente expresso em mapas. Quando ao contrário, nos deslocamos rumo ao incógnito, não estamos mais a viajar. Estamos a explorar o desconheci-do. Não somos viajantes, somos aventureiros.

Mais afeita às ciências exatas, a cartografia também deveria interessar aos estudiosos do direito. Afinal, entre os ma-pas e as leis existem grandes semelhanças, concernentes tanto às características culturais quanto aos modos de utili-zação. Mapas e leis se assemelham porque os dois instrumentos, ao mesmo tempo em que representam a realidade, também estabelecem limites e divisas. O direito igualmente organiza paisagens, colocando marcos, definindo espaços e margens. Não causa surpresa então saber que os mapas foram considerados, a partir do século XV, instrumentos de registro das descobertas européias, e transformados assim em prova do direito à posse das novas terras encontradas.

Os mapas, tal como as leis, estão situados na interface entre conhecimento científico, arte e a manipulação política. Daí que as suas representações estão longe de ser objetivas ou neutras. A despeito de todos os instrumentos utiliza-dos em sua confecção (ou talvez em razão deles) mapas e leis sempre distorcem a realidade. Mapas e leis são instru-mentos mediante os quais uma sociedade se define no mundo e se apropria dele (lembremos aqui a célebre observa-ção de Rousseau sobre o surgimento da propriedade privada).

Através dos mapas, fronteiras são traçadas, separando os que estão dentro daqueles que estão fora, o que nos per-tence e o que pertence aos outros, e assim por diante (o que Boaventura de Sousa Santos chamou de perspectiva a-bissal). Mapas e leis possuem autor e autoria, estão ligados a um lugar e a um momento, apresentam pontos de vista e ângulos de visão. Mapas e leis, por fim, são modelos ou esquemas de representação que exigem intérpretes capazes de traduzi-los.

Espero ter mostrado rapidamente como a geografia importa ao direito. Exercitando a imaginação, podemos sem gran-des dificuldades entender que o jurídico também se apresenta numa dimensão topográfica. O direito tem uma história, é verdade, mas ele também possui uma geografia. Por isso, tão importante quanto compreender quando um instituto jurídico foi construído, é saber de onde ele surgiu, e eventualmente entender como ele transitou por diferentes contex-tos geográficos. Há muito os juristas se interessam pela história do direito. Quem sabe algum dia eles possam ter al-gum interesse pela cartografia, pois não são apenas as pessoas que viajam...

*Eduardo Rabenhorst é mestre e doutor em Filosofia, professor e diretor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB

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POR DENTRO DA UFPB

Por Carlos Nazareno*

“Muito Além do Jar-dim” (Being There - 1979) dirigido pelo norte-americano Hal Ashby (indicado ao Globo de Ouro), responsável, de igual sorte, pelo antológi-co “Ensina-me a Vi-ver” (Harold And Maude - 1971), ganhou 01 Os-car em 1980 pela atua-ção coadjuvante de Melvyn Douglas. Conta com uma memorável interpretação de Peter Sellers (indicado ao Oscar e ganhador do Globo de Ouro) e, ainda, com a presença de uma

das maiores atrizes, em meu sentir, da história do cine-ma, Shirlei McLaine (indicada ao Globo de Ouro).

Trata-se de um filme simples com abordagens subjeti-vamente profundas.

Peter Sellers é Chance, um jardineiro empregado que vivia confinado em uma residência. Conheceu o mundo apenas através da televisão (sua única janela para a civilização e os acontecimentos da humanidade) e o seu trabalho diário no jardim, única tarefa desempenhada desde a infância. Não existia qualquer registro da exis-tência do mesmo, o qual já apresentava idade avançada e revelava, em sua personalidade, de forma explícita, uma inocência infantil.

Com a morte de seu patrão, Chance, analfabeto, preci-sa abandonar o único espaço físico que conhecera em toda sua existência. Desta feita, munido de uma peque-na mala, um guarda-chuva e um controle-remoto de televisão, Chance passa a ter contato pessoal com o mundo externo, mostrando o exato momento transitório da evolução do personagem, ao som oportuno e ade-quado de uma versão setentista do tema do filme “2001: Uma Odisséia no Espaço” do Kubrick. Intento: a busca por um jardim para trabalhar.

De uma forma peculiar, Chance acaba conhecendo um casal de milionários – Ben e Eve (personagens dos atores Melvyn Douglas e Shirlei McLaine), os quais, subitamente, se envolvem sobremaneira com a presen-ça do mesmo. A vida daqueles que o cercam com maior proximidade volta a ter o brilho necessário. O externo percebe, nesse homem misterioso, inúmeras qualida-des: bom humor, razoabilidade, intensidade, sensibilida-de, sensatez, bondade e equilíbrio.

Em verdade, a excessiva simplicidade do personagem principal é uma de suas principais características, aliada a uma sabedoria sobrenatural. Chance encanta a todos com suas feições apático-cômicas, notadamente quan-do revela, através de poucas e raras palavras – ou, até mesmo, mediante o seu silêncio, na medida do transcor-rer da obra, o seu conhecimento da jardinagem (leia-se: vida). Dentro de todo subjetivismo de “Muito Além do Jardim”, conseguimos enxergar que o ser o humano, em sua essência, prescinde de um excesso de conhecimento para alavancar, de forma positiva, a sua vida. Chance mostra que a simplicidade, empregada com sabedoria, é a chave para atingir aquilo que desejamos. E não importa o quanto dure para que os nossos anseios se-jam alcançados, caso ajamos nesse diapasão, saiba-mos que serão. Evidencia, de igual sorte, como deve-mos encarar as mudanças hodiernas com naturalidade. Com efeito, como se percebe na frase final do filme: “A vida é um estado de espírito”.

E falando no final... Sem dúvida, uma verdadeira obra-prima.

*Estudante de Licenciatura em Artes Visuais (UFPB)

CHARGE

Clínica de Psicologia Inaugurada em 1979, a Clínica Es-

cola de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba vem, ao longo de 30 anos, desempenhando suas ações pautada pelo princípio da indissociabili-dade do ensino, pesquisa e extensão, com o objetivo primordial de atender às comunidades de baixa renda. A Clínica do Departamento de Psicologia possibi-lita aos alunos e professores suprirem as necessidades didático-científicas do curso, oferecendo campo fértil para estágio, pesquisa e extensão, funda-mentando, assim, a teoria aprendida em sala de aula.

Seu quadro funcional é composto por professores que supervisionam os esta-giários em diversas abordagens teóricas oferecidas pelo Curso de Psicologia (Psicanalítica, Abordagem Centrada na Pessoa, Existencial Humanista, Gestalt e Terapia Cognitiva Comportamental), por técnicos de nível superior (psicólogos), pelo apoio administrativo, bem como por colaboradores externos. Além de outros pré-requisitos, é neces-sário que o aluno de Psicologia esteja iniciando o 9º período do curso e que tenha um supervisor clínico que o su-pervisione durante todo o período do estágio.

A Clínica oferece os seguintes servi-ços para a comunidade em geral e para a comunidade acadêmica:

· A tendimento Ps icoteráp ico (individual e em grupo): crianças, ado-lescentes e adultos nas diversas abor-dagens (Psicanálise, Abordagem Cen-t rada na Pessoa) ; Cogn i t ivo -Comportamental, Gestalt e Existencial-Humanista, funcionando diariamente, das 7h30 às 17h00;

· Serviço de Escuta Psicológica: adolescentes e adultos, funcionando às terças-feiras, das 08h00 às 17h00;

· Avaliação Psicodiagnóstica: crian-ças, adolescentes e adultos, funcionan-do diariamente;

· Serviço de Escuta em Orientação Profissional e Projeto de Vida: adoles-centes e adultos, funcionando às quar-tas-feiras, das 08h30 às 17h00;

· Serviço de Escuta Institucional:

instituições públicas, privadas, mistas, e ONGs, funcionando às quartas-feiras, 08h00 às 17h00;

· Projeto de Extensão Atendimento a crianças hospitalizadas (funciona no Hospital Universitário/vinculado à Clíni-ca de Psicologia);

· Psicanálise e Saúde Mental (funciona no Centro de Atenção Psicos-social - CAPS I – Cabedelo/PB/vinculado à Clínica de Psicologia);

· Para Além da Psicologia Clínica Clássica: Atenção à Saúde na Comuni-dade Maria de Nazaré (vinculado à clínica de Psicologia);

A Clínica Escola de Psicologia vem

iniciando um diálogo com o Setor Jurídi-co através do trabalho de Avaliação Psicodiagnóstica nos seguintes setores: 5ª Vara Criminal, 1ª Vara da Infância e da Juventude, 7ª Vara da Família bem como com o Tribunal Regional Eleitoral.

Núcleos de Pesquisa vinculados à Clínica Escola: - Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Saúde Mental (parceria da Clínica de Psicologia/UFPB com a Es-cola Brasi le ira de Psicanálise/Delegação Paraíba); - Núcleo de Estudos e Pesquisa em Avaliação Psicológica – NEPAP; - Núcleo de Estudos e Pesquisa em Psicanálise e Arte.

A Clínica-escola em sua atuação tem

se v o l t ado pa ra os espaços “extramuros”. Atua nos espaços da comunidade externa à academia, busca parcerias com instituições, apresenta suas produções científicas em eventos internos e externos à UFPB, tudo isto com o objetivo de formar profissionais integrados às reais necessidades da Sociedade.

HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO: de 2ª a 6ª-feira das 7h30 às 17h00. Contato para informações: 3216.7338

Por Alysson Guerra - 3º ano (tarde) [email protected]

CCJ EM AÇÃO � ANO 1 � Nº 2 PÁGINA 8