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IX Congresso Internacional Artefatos da Cultura Negra Universidade Regional do Cariri
ISBN: 978-85-65425-48-3 18 a 22 de setembro de 2018
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AÇÕES AFIRMATIVAS NO ENSINO SUPERIOR: O PROCESSO DE
IMPLEMENTAÇÃO DAS COTAS RACIAIS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
CARIRI
Jardel Pereira da Silva59
Zuleide Fernandes de Queiroz60
RESUMO
O presente estudo se concentra na análise das Ações Afirmativas no Brasil, em especial a Lei
de Cotas nas Universidades Públicas. A princípio se descreveu através de um breve esboço
histórico das políticas de ações afirmativas no Brasil, com relato dos antecedentes históricos
das ações, se tratou o início das lutas das cotas raciais na academia, bem como a conceituação
e objetivos das ações afirmativas. Como referencial teórico utilizou-se os estudos de:
Piovensan, Santos e Tavares dentre outros. O objetivo do estudo foi reconstituir a história da
implementação das cotas e explicitar o impacto da implementação das cotas na comunidade
acadêmica. Para tanto, foi realizada uma pesquisa do tipo exploratória, com base na coleta de
fontes bibliográficas e análises documentais, além de estudos de pesquisadores de referência.
Como resultado, observou-se que: através da Lei 12.711/2012 foi instituída na UFCA a política
de cotas; o processo de implantação possibilitou a discussão acerca das políticas de
permanência dos discentes cotistas, bem como as modalidades de cotas adotadas pela
instituição. É possível afirmar que a efetivação da política de cotas nas universidades, em
especial na UFCA, é fator sine qua non para criação e consolidação de uma política de inclusão
na educação superior.
Palavras-chaves: Ações afirmativas. Lei de Cotas na Universidade. Inclusão.
INTRODUÇÃO
As ações afirmativas foram instituídas no Brasil, a partir de um momento que a
sociedade reconheceu que no Brasil o racismo, o preconceito e a discriminação são situações
historicamente constituídas no espaço das relações sociais e nas instituições, até então natural
para a caricata visão sob o mito da democracia racial, representada por Gilberto Freyre na obra
“Casa Grande e Senzala”, de que todos convivem harmonicamente, possuem seu lugar e que as
“diferenças” são parte da nossa sociedade e que nos caracterizam e nos identificam.
Durante muito tempo os negros e seus descendentes foram excluídos de um projeto
educacional, mesmo com a instituição do estado republicano. A luta pela possibilidade de
estudar e participar das experiências em educação e poder atuar no mundo do trabalho como
cidadãos de direitos. A ação afirmativa que será discutida nesta pesquisa é definida na Lei Nº
12.711/2012, que diz respeito ao ingresso nas universidades federais e nas instituições federais
59Servidor Docente lotado na Secretaria de Educação do Ceará (SEDUC), Mestrando em Desenvolvimento
Regional Sustentável, PRODER/UFCA. E-mail:[email protected]. 60Professora. Integra o quadro docente dos Programas de Mestrado: PMPEDU/URCA, PROFHISTÓRIA/URCA
e PRODER/UFCA. E-mail: [email protected]
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de ensino técnico de nível médio.
Essa Lei, que ficou conhecida como “Lei das Cotas’’, faz referência ao percentual de
alunos que podem ingressar por este sistema, estabelecendo como critérios essenciais ser:
egresso do ensino médio público e gratuito, ser de família de baixa renda, ser autodeclarado
indígena, pardo ou preto. A partir da Lei, o termo Cotas, se fez presente no cotidiano da
população, especialmente na comunidade acadêmica, em um intenso debate sobre o “direito
de” existir uma política de reparação. Além da luta do movimento negro em todo o Brasil e da
juventude negra que almeja ingressar em um curso superior da rede pública de ensino.
Para Joaquim Barbosa Gomes (2001, p.40), as ações afirmativas são “Um conjunto de
políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas
com vistas ao combate da discriminação de raça, gênero etc., bem como para corrigir os efeitos
presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal
de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”. Foi com
esta compreensão que o governo brasileiro e as universidades federais do Brasil começaram a
realizar a implantação desta política.
Esta pesquisa visa demostrar, através do estudo da implementação da Lei, como se
permitiu o ingresso de alunos em vulnerabilidade social adentrar a Universidade Pública, em
especial a Universidade Federal do Cariri.
Este trabalho utilizou como método a pesquisa bibliográfica, cuja finalidade é produzir
conhecimento através do levantamento existente, tais como discussão das produções
bibliográficas existentes sobre o tema, seja em: livros, revistas específicas sobre o tema, sites
especializados, e a legislação vigente. Neste processo de pesquisa há a escolha do tema,
levantamento bibliográfico preliminar, formulação do problema, elaboração do plano
provisório de assunto, busca das fontes, leitura do material, fichamento, organização lógica do
assunto e redação do texto (GIL, 2007).
Caracteriza-se como descritiva, esta pesquisa visa descrever os fenômenos por meio dos
significados através de resultados transcritos, para isso é necessário delimitar o tema, Cervo e
Bervian (2009, p. 82) dizem que “delimitar o tema é selecionar um tópico ou parte a ser
focalizada”. Logo o objeto de estudos é conhecer a implementação das ações afirmativas na
Universidade Regional do Cariri.
EDUCAÇÃO SUPERIOR NO CARIRI: BREVE ESBOÇO
Esta pesquisa tem como lócus a região Cearense denominada Cariri, localizado
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geograficamente ao extremo Sul do Estado do Ceará. Sua extensão compõe a aglomeração de
diversos municípios cearenses, surgindo da ligação entre as cidades de Crato, Juazeiro e
Barbalha, que forma o conhecido triângulo CRAJUBAR. A região do Cariri é “comumente”
chamada de ‘’ Oásis do Sertão’’, por ser uma região conhecida pela sua diversidade de paisagem
e a longa extensão de terras abundantes e férteis em pleno Sertão, pela localização privilegiada
no entorno da chapada do Araripe, região rica em biodiversidade, e é nesta localidade que sob
um pujante setor de serviços, e sob a égide do ensino superior que conheceremos como as ações
afirmativas foram inseridas.
Antes de considerarmos, em âmbito local, o sistema educacional de “terceiro grau”
(como era outrora chamada a educação universitária) no âmbito local do Cariri cearense, é
necessário compor uma definição de ensino superior apta a satisfazer, com limites bem
definidos, o caráter didático do presente esboço investigativo. Pode-se dizer, em apertada
síntese, que a educação (ensino) superior consiste numa fase de estudos, pesquisas e
aprofundamento cognitivo que sucede, necessariamente ou não, o ensino médio regular. Possui
diferentes modalidades (por exemplo: licenciaturas, bacharelados, cursos de aperfeiçoamento,
pós-graduações, etc.). Nos diferentes países, a legislação trata com diferenças significativas tais
bases e estilos educacionais. No Brasil, tanto a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação)
quanto outros documentos (mormente portarias ministeriais) abordam, com profundidade o
tema que não receberá, aqui, minúcias.
Para falar falarmos da trajetória de implementação do ensino superior nesta região, faz-
se necessário situarmos o surgimento da Universidade Regional do Cariri, criada segundo o seu
estatuto através da Lei Estadual n.º 11.191/86 com autorização do Decreto Presidencial n.º
94.016, sendo instalada oficialmente em 7 de março de 1987. Integrando o Sistema de Ensino
Superior do Estado, vinculada à Secretaria da Ciência e Tecnologia, fruto da junção da
Faculdade de Filosofia do Crato e da Faculdade de Direito do Crato (LEITINHO, 2000).
Atualmente conta com cursos de graduação: licenciatura, bacharelado e tecnólogo; cursos de
pós-graduação lato sensu e stricto sensu.
Nas décadas de 1990 e 2000, surgem novos investimentos públicos e privados para o
incentivo a educação superior, coma aberturas de faculdades e cursos que pudessem oferecer a
modalidade, sendo criado assim o Instituto Federal do Ceará - IFCE, através da Lei. N º
11.892/2008, de 29 de dezembro de 2008, aglutinado através do Centro Federal de Educação
Tecnológica do Ceará com a Escola Agrotécnica Federal do Crato, vinculado ao Ministério da
Educação, é uma autarquia de natureza jurídica, detentora de autonomia, como qualquer outra
Instituição de Ensino Superior Federal, com reitoria em Fortaleza (CE). No Cariri é ofertado
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cursos de graduação: licenciatura, bacharelado e tecnólogo dentre outros cursos de pós-
graduação lato sensu.
Em 30 de dezembro de 1997, através da Lei Nº 12.781 é instituído o ‘’Programa
Estadual de Incentivo às Organizações Sociais’’, cuja proposta tinha com base a Lei federal n.
9.637, de 15 de maio de 1998, e através do Decreto N° 25.927, de 29 de junho de 2000 é
regulado e instituído no Ceará o Instituto Centro de Ensino Tecnológico (CENTEC), que é
regido sob uma sociedade civil de direito privado, como organização social, cuja função
fundamental é promover a educação técnica e tecnológica para áreas estratégias. Conta com a
oferta de cursos de técnico, graduação e especialização lato sensu para áreas prioritárias.
Em meio a demanda crescente por áreas ainda não exploradas com políticas públicas,
grandes grupos educacionais despertam para explorar esse nicho, o primeiro surgiu através da
Lei Municipal n° 2.315 de 12 de agosto de 1998, que regulamentou o surgimento e implantação
da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte – FMJ, naquele ano. No ano de 2008, a
instituição foi aglutinada ao grupo Estácio de Sá, que atualmente oferece graduação e
especialização lato sensu, nas modalidades presencial e a distância.
Em 2001, através da Portaria 1.149 do MEC, é instituída a Faculdade de Ciências
Aplicadas Doutor Leão Sampaio, atual Centro Universitário Leão Sampaio (UNILEÃO), pela
portaria 164 de 29 de março de 2001, e conta com a oferta de cursos de graduação: Tecnólogo,
Bacharelado e Licenciatura, e especializações lato sensu. Em 2003, sob a Portaria Ministerial
Nº 3.763/2003, é instituída a Faculdade de Juazeiro do Norte – FJN, instituição privada que
oferece cursos de graduação em: Bacharelado e Tecnólogo, além de cursos de especialização
lato sensu na modalidade presencial.
No ano de 2005, através da portaria ministerial de n° 1.288, é instituída a Faculdade
Paraíso do Ceará, com oferta de cursos graduação em: Bacharelado e Tecnólogo, além de cursos
de especialização lato sensu.
A região também recebeu investimento de grandes conglomerados com oferta de cursos
de graduação e especialização a distância tais como: Universidade Norte do Paraná (UNOPAR),
Universidade Paulista (UNIP), Universidade Anhanguera (Anhanguera), Damásio Educacional
e Centro Caririense de Pós-Graduação (CECAP), todos com oferta de ensino superior, sob a
tutela de um polo de apoio presencial.
A Universidade Federal do Ceará, instituída através do Decreto Presidencial n.º 6.096,
de 24 de abril de 2007, o Reuni, que foi um programa federal que incentivou a expansão e
estruturou a Universidades Públicas e permitiu o surgimento do campus Cariri. Assim surge a
Universidade Federal do Cariri (UFCA) instituída através da Lei 12.826, de 05 de junho de
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2013, a partir do desmembramento com a Universidade Federal do Ceará (UFC), ficando a
primeira subordinada à segunda através de termo de cooperação. Com a natureza jurídica de
uma autarquia, a UFCA é vinculada ao Ministério da Educação (MEC) com sede na cidade de
Juazeiro do Norte, e campis localizados nos seguintes municípios: Juazeiro do Norte, Barbalha,
Crato, Brejo Santo e Icó. Com o objetivo de promover o ensino, pesquisa, extensão cultura e a
inclusão social através do desenvolvimento regional. Atualmente a instituição possui os
seguintes cursos de graduação: Medicina, Interdisciplinar em Ciências Naturais e Matemática,
Agronomia, História, Administração, Administração Pública, Biblioteconomia, Jornalismo,
Design de Produto, Engenharia Civil, Engenharia de Materiais, Filosofia e Música.
A política de cotas no Brasil e no Cariri Cearense
Nesta seção abordaremos os antecedentes das ações afirmativas, delimitando o escopo
e foco do trabalho em como se implementou a Lei das Cotas nas Universidades Públicas do
Brasil.
Inicialmente esta política fora iniciada nos Estados Unidos da América (EUA), como
forma de reparação a exploração e discriminação sob a população negra, as mulheres, aos
deficiências e outros. Sob a questão racial, que é controversa ainda, que se permitiu que a
implementação em outras nações, tais como: Índia, Nigéria, Sri Lanka, Brasil e outros.
Para Santos (1998), no Brasil, as Ações Afirmativas nem tinham sido instituídas de fato,
apenas eram comentados atributos para a inserção dos negros e mulheres no mercado de
trabalho. O assunto já gerava muita controversa na época. Antes de se conhecer sobre a adoção
das ações afirmativas no Brasil, cumpre-se entender o como se conceitua para se ter o objetivo
de estudo, para André Ramos Tavares (2003) se considera Ações Afirmativas como medidas
privadas ou políticas públicas que visem beneficiar determinados segmentos da sociedade, sob
o fundamento de lhes falecerem as mesmas condições de competição em virtude de terem
sofrido discriminações ou injustiças históricas. Confirmando-se como ações afirmativas
legitimas até alcançarem o objetivo almejado e constituírem um patamar de neutralidade
relativamente a este grupo. Não se trata de mera ação compensatória (por perdas já ocorridas),
mas de verdadeira concessão de preferências, de benefícios atuais e com objetivo certo:
incremento das oportunidades.
Na perspectiva de reparação dos danos ocasionadas pela segregação social e racial,
que se permitiu incluir esta política buscando o desenvolvimento de uma sociedade plural e
livre de preconceitos faz com que a diversificação e qualificação com qualidade de castas
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inferiorizados sejam inseridas como iguais. Visando a construção de uma sociedade mais
justa e igualitária A ação afirmativa tem como principal foco a proteção e garantia da tutela de
direitos àqueles que historicamente foram excluídos.
Para Piovesan (2008), para ser considerado sujeito passivo detentor do direito as ações
afirmativas, o sujeito deve se encaixar e provar que possui as características necessárias para se
enquadrar nos programas afirmativos. Deve provar que há desvalorização de sua pessoa ou
grupo em virtude de discriminação. Atuando de forma precisa e decisiva na sua promoção e
integração nas esferas da sociedade, como por exemplo, mercado de trabalho ou no caso
presente a busca de uma melhor qualificação profissional por meio da educação.
É no ano de 2012, através da Lei Nº 12.711, conhecida como Lei das Cotas, que o estudo
se constitui. Demonstrando os reflexos gerados pela Lei das Cotas. Em síntese quando a lei foi
sancionada de forma nacional, a UFCA ainda não exista, fazia parte da Universidade Federal
do Ceará-UFC. Apenas em 2013, com o surgimento desta IES, especialmente em 05 de Junho,
pela Lei Nº 12.826, que esta instituição se desmembra da UFC, tornando-se assim uma
autarquia de natureza jurídica, vinculada ao Ministério da Educação, com sede em Juazeiro do
Norte.
É no ano de 2012, através da Lei Nº 12.711, conhecida como Lei das Cotas, que o estudo
se constitui. Demonstrando os reflexos gerados pela Lei das Cotas. Em síntese quando a lei foi
sancionada de forma nacional, a UFCA ainda não exista, fazia parte da Universidade Federal
do Ceará-UFC. Apenas em 2013, com o surgimento desta IES, especialmente em 05 de Junho,
pela Lei Nº 12.826, que esta instituição se desmembra da UFC, tornando-se assim uma
autarquia de natureza jurídica, vinculada ao Ministério da Educação, com sede em Juazeiro do
Norte.
Compreendendo na sua composição cinco campi; no de Juazeiro do Norte, nove cursos
de graduação (Administração, Administração Pública, Biblioteconomia, Engenharia Civil,
Engenharia de Materiais, Design de Produto, Filosofia, Música, Comunicação Social-
Jornalismo), e a Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável. Na cidade de
Barbalha funciona o curso de Medicina, no campus Crato o curso de Agronomia, no município
de Brejo Santo o curso de Licenciatura em Ciências Naturais, sediando também o Instituto de
Formação de Educadores. E por fim no campus de Icó, é oferecido o curso de bacharelado em
História, sendo sede do Instituto de Estudos do Semiárido (UFCA, 2015). As modalidades de
cotas que serão apresentadas foram retiradas do site do SISU.
Em construção a uma nova política de ação afirmativa, através da Lei Nº 12.711/2012,
a UFC assim como várias outras instituições federais, adotaram as novas políticas de cotas
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estabelecidas pela nova lei. A UFC aplicou as quatro modalidades de cotas determinadas pela
nova legislação, ficando subdividas em: L1, L2, L3 e L4. Essa denominação adotada pela
universidade está associada para discriminar cada tipo de cota, designando em: L1. Candidatos
com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo que tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas (Lei nº 12.711/2012). L2. Candidatos
autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior
a 1, salário-mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas
(Lei nº 12.711/2012). L3. Candidatos que, independentemente da renda (art. 1, II, Portaria
Normativa no 1 2012, tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas (Lei
nº 12.711/2012). L4. Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas que,
independentemente da renda (Art. 1, II, Portaria Normativa No. 1/2012, tenham cursado
integralmente o ensino médio em escolas públicas (SISU, 2016). De acordo com a legislação e
a denominação adotada pela UFC, percebe-se que o ponto em comum de todas as modalidades
de cotas é que ambas preconizam o ingresso de alunos advindos do ensino médio público, sendo
que a denominação L1, refere-se ao aluno com renda menor ou igual a 1,5 salário-mínimo. A
L2 preconiza além da renda mensal a autodeclaração de preto, pardo ou indígena. A L3
estabelece qualquer tipo de renda, e por fim a L4 refere-se somente a auto declaração
independente da renda.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
O trabalho buscou representar uma leitura sobre a entrada das ações afirmativas no
Brasil. A sua maior representação em como se deu com a Lei de Cotas nas Universidades e
Institutos Públicos. Chegando assim ao objetivo geral deste trabalho, que foi identificar os
reflexos que a Lei Nº 12.711/2012 sob a Universidade Federal do Cariri. Fato comprovado
através das pesquisas bibliográficas e documentais sobre a temática.
Considerando todo o aspecto de implementação da Lei das Cotas gerou no sistema
ensino público brasileiro, percebe-se que muito há de se fazer na educação, da promoção do
ensino básico até o superior de forma pública e de qualidade. A educação necessita ser colocada
como prioridade pela sociedade e principalmente pelo Estado. Pois ela não se faz isolada,
precisa-se da junção de forças do coletivo, para somente assim mudar a realidade e garantir um
futuro melhor para esta e futuras gerações. Com esta proposta podemos contribuir para a criação
das políticas para criação de ações que insiram as pessoas excluídas e direitos no meio
acadêmico, extinguindo toda forma de preconceito, discriminação e diferenças na academia,
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visando equilibrar e promover equiparação de igualdade para todos.
Até o momento da UFCA vem realizando a política, desde o ano de 2013. Até o
momento não apresentou resultados quantitativos sobre a entrada desses sujeitos para que
possamos conhecer a possibilidade do recorte etno/racial e social e seus impactos na vida destes
sujeitos e da instituição
REFERENCIAS
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Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia, e dá outras providências. Brasília, 2008.
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do Cariri - UFCA, por desmembramento da Universidade Federal do Ceará - UFC, e dá outras
providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2013/Lei/L12826.htm> Acesso em: 19 mai. 2017.
BRASIL. Lei Nº 12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012. Dispõe sobre o ingresso nas
universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras
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http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6F3299
1AEC8361D92A3DF973B592444C.proposicoesWeb2?codteor=1407759&filename=
LegislacaoCitada+-PL+3489/2015 Acesso em: 19 mai. 2017.
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ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: UM RECORTE ÉTNICO-
RACIAL
Julian Bruno Gonçalves Santos61
Antonio dos Santos Pinheiro62
Francisca Sabrina Morais Silva63
RESUMO
Estatísticas são quantificações de dados organizados para um determinado objeto social. Mas
não apenas isso. Estatísticas são mapas que oferecem coordenadas a seguir e estratégias para
intervir. Quando tratamos do tema Adolescentes em conflito com a lei cada dado
sociobiodemográfico é importante e deve ser devidamente computado. Os principais efeitos de
se conhecer esses adolescentes é a criação de políticas públicas, de redes de apoio, e de se fazer
investimentos que objetivem o reconhecimento e superação de suas vulnerabilidades sociais.
Idade, local de moradia e escolaridade são importantes elementos de identificação. No entanto,
um dos dados mais relevantes é o registro étnico-racial, ou seja, a cor, e também um dos mais
negligenciados. Enquanto estatísticas nacionais apontam a população negra como alvo
preferencial da violência, da marginalização e da penalização de condutas, as estatísticas locais
ignoram a cor da pele daqueles adolescentes em condição de infratores. Mas quais serão as
razões para a ausência do elemento “cor” do conjunto de dados? Quais as consequências? A
partir de um relato de pesquisa, este trabalho objetiva trazer discussões sobre adolescentes em
conflito com a lei, medidas socioeducativas e a importância do registro étnico-racial para se
compreender e proteger a juventude.
Palavras-chave: Adolescentes. Registro étnico-racial. Vulnerabilidades. Proteção.
INTRODUÇÃO
Compreender a realidade dos adolescentes em conflito com a lei não é apenas uma
questão de quantificar estatísticas de atos infracionais cometidos. É preciso, sim, conhecer os
tipos infracionais, saber a taxa de reincidência, quais as medidas socioeducativas adotadas e
demais dados que compõem o elemento material da conduta infracional. No entanto, se tais
dados forem computados e estudados isoladamente, o problema dos adolescentes em conflito
com a lei será meramente jurídico e passível de modelos políticos cada vez mais repressivos.
É preciso ir além da objetivação dos códigos e das condutas. Nenhum adolescente comete
uma infração em um vácuo social. Adolescentes em situação de infração têm saberes, local de
moradia, famílias, histórico escolar e vulnerabilidades. E adolescentes infratores também
61Aluno, graduando em Direito, Universidade Regional do Cariri, [email protected], Missão Velha,
CE, Brasil. PIBIC/URCA.
62Professor, Doutor, Universidade Regional do Cariri, [email protected], Juazeiro do Norte, CE,
Brasil.
63Aluna, graduanda em Pedagogia, Universidade Regional do Cariri, [email protected], Farias
Brito, CE.
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possuem uma cor. Mas qual a razão de uma característica tão importante em nossa sociedade e
elemento formador de nossa identidade ser negligenciado em registros públicos e não figurar
no conjunto de estatísticas locais sobre o adolescente em situação de infração? Será uma forma
de negar o racismo ou mesmo um reflexo de uma política de valorização da punição em
detrimento da proteção?
RECORTE ÉTNICO-RACIAL: UM DADO RELEVANTE
O elemento raça/cor é fundamental para se compreender a sociedade brasileira. Em uma
realidade em que sete em cada dez pessoas assassinadas são negras, em que negros recebem
salários inferiores e ocupam postos de trabalho informais e degradantes, assim como ocupam,
em maioria, as penitenciárias do país, esse recorte expõe as nefastas heranças da escravidão: o
racismo e a marginalização da população negra. É possível verificar sua incidência também
sobre a realidade da infância e da adolescência, evidenciando o impacto de ser uma criança e
adolescente negro Brasil, qual seja, o pouco acesso e garantia de direitos e, mais preocupante,
a negação do direito à própria vida. Nessa direção, os dados oficiais têm demonstrado como o
elemento raça/cor é um reforçador de vulnerabilidades juvenis, gerando condições de risco.
Segundo os dados do SINASE (2018), 59,08% compreende o total de adolescentes e
jovens em restrição e privação de liberdade que foram considerados de cor parda/preta.
De acordo com o Mapa da Violência (2015), em um total de 5.191 crianças e adolescentes
vítimas de homicídio, na faixa etária de 0 a 17 anos, 4.064 eram negros. Quando esse índice
caminha em direção à vida adulta, se concentrando na faixa etária de 16 e 17 anos, de um total
de 3.440, 2.737 foram de homicídio de adolescentes negros. Quando se foca nos adolescentes
de 16 e 17 anos, a taxa de homicídios de brancos foi de 24,2 por 100 mil. Já a taxa de
adolescentes negros foi de 66,3 em 100 mil, sendo a vitimização de 173,6% e isso quer dizer
que, proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros que brancos.
Em recente pesquisa que analisou a reincidência infracional, realizada pelo Instituto Sou
da Paz (2018), e presente no relatório Aí Eu Voltei Para o Corre - Estudo da Reincidência
Infracional do Adolescente no Estado de São Paulo, revelou-se que, dos 343 adolescentes
entrevistados, 261 se autodeclararam negros (sendo 196 pardos e 65 pretos) (NEXO, 2018).
Já na pesquisa sobre letalidade juvenil no Estado do Ceará, o relatório Cada Vida Importa
(2018), revelou um assustador índice de 981 mortes de adolescentes no ano de 2017, e 218
assassinatos entre janeiro e março de 2018, e que, segundo o relatório, têm endereço, classe
social, raça, gênero e local de moradia, seguindo o padrão de ter como sujeitos os jovens do
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sexo masculino, negros e moradores das áreas periféricas da cidade. Esses dados sobre a
letalidade juvenil no Ceará são reforçados por outros dados que mostram que de 2014 a 2017
foram mortas 1.967 crianças e adolescentes, de 10 a 19 anos, como apresenta o Atlas da
Violência de 2017, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Fórum
Brasileiro de Segurança Pública.
Como se percebe, esses dados, que apresentam índices sociais negativos para crianças e
adolescentes, e caminham lado a lado com o racismo e a marginalização da população negra.
Famílias negras enfrentam mais adversidades e carência de bens de subsistência básica, e os
adolescentes negros crescem com as dificuldades de sua família e tendem a permanecer na
mesma estrutura de desigualdade social e racial. Essas dificuldades se materializam também
nos índices de atos infracionais cometidos, uma vez que o conjunto de vulnerabilidades sociais
contribui para o afastamento institucional, evasão escolar, envolvimento dos adolescentes com
drogas e corrupção para o tráfico.
Diante do poder midiático que causam os atos infracionais, do uso destes para chocar a
sociedade e ser objeto de agendas políticas, são exatamente esses atos que são evidenciados
sobre os adolescentes e que, como acontece no sistema penal, passam a descrevê-los, ensejando
projetos de lei que objetivam endurecimento das penas e motivando à sociedade a ser contrária
a garantia de direito e reinserção social de adolescentes, contribuindo ainda mais para sua
invisibilidade e marginalidade. Já os demais dados, aqueles que descrevem quem são e quais as
circunstâncias os levaram ao caminho do desvio de conduta são obscurecidos ou mesmo
negligenciados pela mídia, pela academia e pelo poder público.
RECORTE ÉTNICO-RACIAL: UM DADO NEGLIGENCIADO
A criança e o adolescente estão em condição de desenvolvimento e, por essa razão,
merecem tratamento diferenciado no sistema jurídico brasileiro. De acordo com Nucci (2014,
p. 324):
Crianças e adolescentes estão em formação física e moral, desde o nascimento até a
fase adulta, em mutação dinâmica, diária e contínua. Erram como qualquer ser
humano, mas tendem a tropeçar mais que o adulto, pois não possuem o alterego
integralmente amadurecido. Quando as suas faltas atingem o campo do ilícito,
desperta-se a particular atenção do Estado – não somente dos pais.
Sendo assim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 228, é clara quanto à
inimputabilidade dos menores de dezoito anos, concedendo a essa norma natureza de Direito
fundamental e, portanto, cláusula pétrea.
Os adolescentes ficam sujeitos à legislação especial, o Estatuto da Criança e do
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Adolescente, que traz em seu corpo as normas para a aplicação das medidas socioeducativas
aos adolescentes infratores, estando regulamentado nos arts. 171 a 190, no Capítulo III – Dos
Procedimentos e na Seção V referente à Apuração de Ato Infracional Atribuído a Adolescente.
O Estatuto tem por base seguir regras e princípios de Direito Processual, do devido processo
legal, sendo corolários o contraditório e a ampla defesa, e tem como finalidade a proteção
integral, tendo na aplicação de medidas socioeducativas o tratamento jurídico e social desses
adolescentes, no sentido de considerá-los pessoas em desenvolvimento e, portanto, dignos de
atenção do Estado para satisfatória ressocialização como cidadãos e sujeitos de direito.
Fazendo uma síntese acerca do procedimento próprio para apuração de atos
infracionais de adolescentes, segundo o site do Ministério Público do Paraná (2018), é possível
resumir em três etapas, que culminam com o cumprimento ou não de uma medida
socioeducativa por parte dos adolescentes infratores.
Na primeira etapa, o adolescente apreendido em flagrante deverá ser cientificado de
seus direitos (art. 106, par. único do ECA) e encaminhado à autoridade policial competente ou
à Delegacia especializada (art. 172 do ECA), com comunicação INCONTINENTI ao Juiz da
Infância e da Juventude e sua família ou pessoa por ele indicada (art. 107 do ECA). Com o
comparecimento dos pais ou responsável e o caso não comporte internação provisória, deverá
ocorrer a liberação do adolescente, independentemente de ordem judicial. Se o caso reclama o
decreto da internação provisória do adolescente (cujos requisitos são: a) gravidade do ato, b)
repercussão social, c) necessidade de garantia da segurança pessoal do adolescente ou d)
manutenção da ordem pública - art. 174, do ECA) ou não comparecem os pais ou responsável,
deve ser aquele imediatamente encaminhado ao MP, com cópia de auto de apreensão. Quando
não há flagrante, autoridade policial deverá realizar as diligências necessárias à apuração do
fato, encaminhando ao MP, com a maior celeridade possível, o relatório das investigações e
outras peças informativas (art. 177 do ECA).
Na segunda etapa, o Ministério Público procede à oitiva informal do adolescente e, se
possível, dos pais, testemunhas e vítimas (art. 179 do ECA). O Ministério Público, quando da
oitiva informal, deve colher, tanto junto ao adolescente, quanto a seus pais ou responsável,
informes acerca da conduta pessoal, familiar e social daquele (se estuda, trabalha, é obediente,
respeitador etc.), elementos que irão influenciar tanto na tomada de decisão acerca de que
providência deverá adotar no caso. Após a oitiva informal, o Ministério Público poderá tomar
as providências de Arquivamento, quando o fato é inexistente, atípico, autoria não é do
adolescente ou a pessoa tem mais de 21 anos no momento da oitiva informal, de Representação,
quando deduz que á necessidade de uma medida socioeducativa, e de Remissão, que se constitui
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numa forma de exclusão do processo.
Na terceira fase, a providência tomada pelo Ministério Público será encaminhada para
a autoridade judiciária que a homologará, em caso de arquivamento ou remissão, ou uma vez
oferecida e formalmente recebida a representação, a autoridade judiciária designará audiência
de apresentação, com a notificação do adolescente. A autoridade judiciária realizará audiências
para apurar informações sobre o caso, ouvirá a defesa e decidirá por medidas protetivas ou
coercitivas, sempre buscando alcançar a proteção integral e o superior interesse do adolescente.
Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe regras procedimentais
na esfera cível, que se sobrepõem ao próprio Código de Processo Civil. Com a pretensão de
proteger a criança e o adolescente, passou a ditar procedimentos mais céleres e, portanto, mais
satisfatórios às necessidades destes sujeitos de direito. No entanto, a celeridade não pode
comprometer uma prestação estatal mais completa e que busque o mapeamento de informações
que possibilitem a fixação de medidas socioeducativas mais justas e adequadas à realidade dos
adolescentes, ou mesmo a desnecessidade de medidas, assim como ser útil à ressocialização
dos mesmos.
Foi nessa perspectiva procedimental que, objetivando identificar o recorte étnico-
racial presente nos procedimentos especiais contra crianças e adolescentes (PECAS), realizou-
se uma pesquisa junto à Delegacia Regional e à Vara da Infância e Adolescência, ambas
localizadas na cidade de Crato-CE. Foram analisados, na Delegacia Regional, 157 PECAS
instauradas no ano de 2016, e 62 PECAS no Juizado da Infância, também instaurados no ano
de 2016.
Como resultado, verificou-se que a variável raça/cor não se encontra presente nos
registros policiais e nos procedimentos instaurados, assim como nos que seguem para a análise
judicial na Vara da infância e da Juventude.
É possível contabilizar dados quantitativos referentes aos atos infracionais, material
ilícito apreendido, objetos recuperados e dados mais objetivos como a idade e o sexo das
crianças e adolescentes. No entanto, no que tange aos dados qualitativos, incluindo a raça/cor,
pode-se inferir que o procedimento contra crianças e adolescentes não atende de maneira
substancial à garantia da proteção integral e do superior interesse da criança e sim a um sistema
padronizado típico de um modelo formal de jurisdição, ou seja, garantem-se os ritos jurídicos,
a construção de um sistema de informações sobre a tipicidade da conduta, mas pouco ou nada
se oferece ao mesmo sobre condições não só de expressar-se como sujeito social, que tem local
de moradia, família, sonhos, habilidades e posicionamentos, como também de oferecer ao
mesmo um tratamento voltado a sua condição especial de desenvolvimento intelectual e social.
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Percebe-se a ênfase na tipificação penal, que consta já na primeira página do procedimento,
mas não sobre reincidência ou mesmo outras informações dos adolescentes como dados
escolares, situação familiar, participação em programas sociais, etc.
A ausência de dados sobre raça/cor é, em certa medida, corroborado pelo levantamento
feito pelo Observatório da Violência, vinculado à Universidade Regional do Cariri, numa
pesquisa que aborda as várias manifestações da violência nos diversos grupos sociais em acordo
com suas especificidades, dentre elas a raça, constatou-se, em levantamento de casos de
violência contra a mulher nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, que de um total
de 1.873 ocorrências, em 1.588 delas a variável Raça/cor encontra-se ignorada.
Ainda sobre a ausência da variável, de acordo com a pesquisa Análise epidemiológica e
espacial dos homicídios de crianças e adolescentes em Fortaleza, de 2000 a 2017 constatou-se
que o campo raça/cor foi pouco preenchido nas declarações de óbitos, o que impediu a
apreciação da variável.
Por fim, de acordo com o relatório do SINASE (2018), 16,54% dos adolescentes e
jovens não foram registrados quanto à sua cor ou raça, sendo classificados na categoria sem
informação. O mesmo relatório traz dados referentes ao Ceará contabilizando um total de 856
adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de internação ou semi-liberdade, sendo 237
negros e pardos e 531 sem registro de informação. De acordo com o coordenador da Comissão
da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos de São Paulo
(Condepe), Ariel Castro Alves, isso evidencia, por um lado, a seletividade das práticas, o
racismo dos policiais e do sistema judicial, e também indica que a violência e a criminalidade
atingem mais fortemente negros e pardos.
Essas pesquisam revelam a negligência ou o despreparo dos operadores policiais e
jurídicos em fazer um registro mais fidedigno das pessoas envolvidas em situação de violência
ou de adolescentes que estão em conflito com a lei, inclusive de valorizar características de sua
constituição pessoal, como a raça/cor, que podem ser relevantes no combate às desigualdades
sociais e raciais e na promoção de políticas públicas que valorizem a população negra, seja
através de projetos institucionais, ações afirmativas ou acesso profissionalizante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O racismo no Brasil encontra-se ainda presente e atuante não apenas no senso comum,
nas práticas sociais que discriminam a população negra e que a nega direitos, mas também nas
práticas institucionais e na abordagem e atuação dos agentes públicos. O sistema jurídico
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continua focalizando nos aspectos objetivos da conduta infracional, deixando em segundo plano
o cumprimento de medidas socioeducativas eficazes e relevantes para o contexto dos
adolescentes.
A principal medida contra a negligência do poder público e a favor da proteção de crianças
e adolescentes é o conhecimento. Ao conhecermos a realidade pessoal e social de quem comete
atos infracionais temos à disposição coordenadas para intervir. Intervenção, em matéria de
crianças e adolescentes em conflito com a lei, deve significar prevenção e proteção. Considera-
se de fundamental importância, dentro de um sistema de proteção, contar com tais informações,
pois assim é possível desvincular o adolescente do ato infracional cometido e pensá-lo como
cidadão, com vínculos sociais e afetivos e preferências pessoais e profissionais. Dessa forma,
pode-se refazer a construção da figura do adolescente infrator e contar com possibilidades de
reinserção social.
Em um país que se compromete em combater o racismo e a exclusão do povo negro,
propostas e projetos que visem à redução do racismo e da marginalização do negro estão
diretamente ligadas ao problema de adolescentes em conflito com a lei. Conhecê-los, tirá-los
do anonimato social, reconhecer a existência de um racismo que mata, vitimiza e dificulta a
permanência na escola, o ingresso na universidade e no mercado de trabalho formal, é contribuir
diretamente para a redução no número de adolescentes infratores, dando-lhes garantias de um
futuro mais digno e justo e assegurando-lhes o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.
Além disso, é fazer valer na prática o já disposto no Estatuto da criança e do adolescente,
quando dispõe que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. E que essa garantia de prioridade
compreende a preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e a
destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e
à juventude. Nesse sentido, conhece-los é dispor de meios para intervir e proteger.
REFERÊNCIAS
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Vida Importa. 2017 – Disponível em: <http://cadavidaimporta.com.br/>. Acesso em: 27 ago.
2018.
BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos (MDH). Levantamento Anual Sinase 2016.
Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018.
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IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Atlas da violência 2017.
2017. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/170609_atlas_da_violencia_
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MAPA DA VIOLÊNCIA 2015. Disponível em: <https://www.mapadaviolencia.org.br/pdf20
15/mapaViolencia2015.pdf >. Acesso em: 18 ago. 2018.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ – Procedimento para apuração de
Ato Infracional. Disponível em: < http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1661.html>. Acesso
em: 20 ago. 2018.
NEXO JORNAL LTDA (2018). Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2
018/08/21/Por-que-jovens-reincidem-em-infra%C3%A7%C3%B5es-segundo-este-est
udo?utm_campaign=Echobox&utm_medium=Social&utm_source=Facebook#Echobox=1534
870072>. Acesso em: 27 ago. 2018.
OBSERVATÓRIO DA VIOLÊNCIA . Monitoramento dos casos de violência contra a mulher
na região do Cariri, em 2016, realizado pelo Observatório da Violência e dos Direitos Humanos
da região do Cariri - Universidade Regional do Cariri (URCA). 2018. Escola de Saúde Pública
do Ceará. Série: Cadernos Diálogos sobre a Experiência no Enfrentamento à Violência.
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ENEGRECENDO O WHATSAPP: UMA ANÁLISE SOBRE A (RE)APROPRIAÇÃO
DA IDENTIDADE CULTURAL DO GRUPO JUVENTUDE NEGRA KALUNGA
PELO USO DO APLICATIVO
Luizete Vicente da Silva 64
INTRODUÇÃO
É razoável pensar que a ideia de cidadania vai percorrer toda essa produção. Desde o
primeiro capítulo, que abre com pontuações sobre a conceituação da cidadania, até como essa
cidadania será exercida pelo Negro. A construção da ideia de cidadania pode ser encontrada em
diversos documentos e marcos legais que servem para descrever o instrumento do exercício da
cidadania. Na Constituição Brasileira65 de 1988, que rege as Leis do Brasil na atualidade, a qual
explica sobre a cidadania e os direitos e garantias fundamentais, em seu art. 5º: 1. Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.
O tema cidadania sempre vem como instrumento que constitui um conjunto de
direitos e deveres civis e políticos de um sujeito social na sociedade aparece, a todo instante,
como uma estrutura que tenta organizar o modo de vida dos indivíduos. Para Carvalho (2002),
isso ocorre porque a cidadania, literalmente, caiu na boca do povo e um instrumento que a
população negra busca, incansavelmente, acessar. Mesmo que em um espaço conflitante de
poder em que essa classe subalterna (SPIVAK, 2010) está inserida. E isso se aplica aos espaços
comunicacionais como apresenta Cogo e Machado, quando falam sobre uma cidadania que
pode ser definida pela democratização do acesso à participação da população negra. Elas
acreditam que
Cidadania que, ao se definir pela democratização do acesso e participação da
sociedade na propriedade, geração e distribuição dos recursos comunicacionais, pode
produzir modalidades de participação das populações negras na gestão de políticas de
representação pública de sua diversidade cultural e de suas demandas históricas
específicas por inclusão e igualdade. (COGO, MACHADO, 2010, p. 04).
Sendo assim, elas nos proporcionam um pensamento sobre a participação dos
sujeitos sociais na construção de cidadania comunicativa (COGO; MACHADO, 2010). Esse
64 Professora substituta da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG (campus Cajazeiras), mestre em
comunicação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), email: [email protected], Fortaleza, Ceará
e Brasil. 65 Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte em 22 de setembro de 1988 e promulgada em 5 de outubro de
1988. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é a lei fundamental e suprema do Brasil, servindo
de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, situando-se no topo do ordenamento jurídico.
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pensamento também será compartilhado por Peruzzo (1998) quando diz que “uma das múltiplas
instâncias pelas quais o homem pode exercer esse direito e esse dever é a comunicação social
compreendendo-se nela todos os níveis e todos os meios criados para efetivá-la” (PERUZZO,
1998). Com isso, percebemos que o termo cidadania caminha, há bastante tempo, com a
comunicação, para falar sobre a participação de certos sujeitos que não são apresentados pela
mídia.
A CONSTRUÇÃO DE UMA CIDADANIA COMUNICATIVA DE (IN) VISÍVEIS
Essa comunicação que, por meio das mídias sociais, tem exercido uma grande tarefa
de mobilização nos espaços em redes sociais na Internet que têm ampliado a participação de
diferentes sujeitos. Peruzzo (1998) ainda fala que para a ampliação da participação popular na
comunicação não basta apenas incentivar o envolvimento. É necessário criar canais para mantê-
los desobstruídos (PERUZZO, 1998). Assim, é preciso contribuir para o maior envolvimento
da população que busca a democratização da informação, ou seja, a democratização do poder
da informação. Para Cogo e Machado (2010), essas “redes sociais constituem uma prática
humana muito antiga que, em termos genéricos, pode ser entendida como um conjunto de nós
interconectados que se caracterizam pela flexibilidade e adaptabilidade” (COGO; MACHADO,
2010, p. 01) e que podem ainda ser pensadas.
[..] como estratégias de interações sociocomunicacionais, espaços de intercâmbios
flexíveis, dinâmicos e em constante movimento, que não deixam de comportar
relações de poder expressas nas disputas, hierarquias e assimetrias que constituem a
esfera da comunicação e da cultura. (COGO; MACHADO, 2010, p. 02).
Com isso, os movimentos sociais iniciaram uma “correria virtual” para também
fazer parte desse espaço de intercâmbios, seja para pautarem suas especificidades, atestarem o
reconhecimento de suas demandas, denunciarem os casos de obstrução de seus direitos e
mobilizarem simpatizantes para as suas lutas. O desejo coletivo de pautar desses (in) visíveis
foi possível, sejam eles movimentos e/ou coletivos que estão interagindo nas redes.
Sem esquecer que as redes sociais na Internet serão ainda espaços de participação
política, um tema que entra em descontentamento e fica cada vez mais fragilizado, diante dos
diversos casos de falta de representação política, corrupção e modelo de globalização
hegemônico, aceleração do capitalismo desenfreado, que sentencia a vida social e econômica
de diversos grupos subalternos, acentuando as desigualdades.
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Percebe-se, então, uma insatisfação com o modelo político do país e do mundo.
Com isso, os movimentos sociais encontram uma ‘brecha’ para suas ações. Apontando para o
exercício político, por meio das redes sociais, alinhando assim a tela e a rua como possibilidade
de complemento, pois precisa da organização e mobilização para que atividades na Internet
comunguem na rua. As tecnologias terão um importante papel para o movimento negro que,
por sua vez, conseguirá apontar os problemas que vivenciam e denunciar as discriminações.
Os movimentos sociais encontraram uma forma diferente para organizar-se e
articular-se, seja como coletivos em uma rede de contato, ou como organizações que trabalham
em rede para realizar grandes mobilizações. A exemplo dessa mobilização, temos o caso do
ajudante de pedreiro, Amarildo de Souza. O episódio ganhou visibilidade nas redes sociais com
a campanha “Onde está o Amarildo?”. E a luta contra a violência policial, nas favelas do Rio
de Janeiro, tomou grandes proporções na época.
Ocorreram diversas manifestações de apoio, organizações de movimentos de
resistência e pedidos de ajuda em várias cidades do Brasil. Sites, blogs e redes sociais realizaram
uma grande quantidade de interações para disseminar as noticias. A concepção de “um mundo
sem fronteiras” transformou a conexão de pessoas, de línguas, culturas e países diferentes em
um aglomerado de apoiadores, simpatizantes e militantes das causas dos Direitos Humanos. O
processo de globalização da informação proporcionou a construção de uma rede de articulação
com a tarefa de unir atores sociais e grupos nas relações de interesse pelo tema. As mídias
sociais criaram condições para conectar um conjunto de ações que desencadearam a visibilidade
dos temas violência policial, desigualdade social e racismo. A cidadania comunicativa
proporcionou a participação popular na comunicação de diferentes setores da sociedade,
causando a expansão das mídias sociais nos movimentos sociais.
Figura 01 - Campanha da ONG Rio da Paz. #OndeEstaAmarildo
Fonte: ONDE (2013)
A campanha tornou-se mundial com a hashtag ‘#OndeEstáAmarildo?’ e se
transformou em um viral, gerando centenas de compartilhamentos, e que ainda foi traduzida
em diferentes línguas, como forma de buscar apoio e pressão internacionais. Sendo assim,
movimentos e coletivos que articulavam e mobilizavam suas pautas contra as injustiças sociais,
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exploração e discriminações viram a possibilidade de realizar campanhas constantes e terem
boa repercussão, ao divulgar fotos e mensagens diretamente nas redes sociais, como o
Facebook. Entendendo isso, Peruzzo, mesmo não compreendendo, em 1998, o que seria o
impacto das redes sociais para a efetivação da participação, ainda consegue trazer a reflexão
sobre o importante papel das organizações na ocupação dos meios de comunicação, quando diz
que
Há que se procurar ocupar os espaços abertos e propugnar pelo acesso a esses
veículos, por sua descentralização e por seu reordenamento ético-político. Eles são
bens públicos, no sentido de que pertencem à União e, portanto, à coletividade,
devendo, como tais, estar prioritariamente a serviço do bem-estar comum e não de
pessoas ou grupos que detêm o poder de controlá-los. (PERUZZO, 1998, pg.277)
Essas redes de conexão de interesses vão gerar um conceito da mobilização política
e social através da Internet, modificará a forma como a sociedade reage, pensa e questiona a
realidade, a partir dos problemas que lhes afetam cotidianamente. Percebe-se, assim, que criar
uma linha entre esses extremos é o desafio da atualidade com o advento das novas tecnologias.
Vale lembrar que Thompson (1998), quando discorre sobre a cibercultura, declara
que “vivenciamos, atualmente, uma sociedade informacional, onde a comunicação acontece em
escala cada vez mais global, reordenando as noções de espaço e de tempo, através de interações
entre indivíduos situados em diferentes locais.” (THOMPSON, 1998, p. 135).
Essa afirmação mostra como o ativismo digital vem para auxiliar os movimentos
sociais a promoverem a democratização das relações sociais, pois consegue realizar seu papel
na sociedade como espaço de mobilização e luta de diferentes motivações promovidas por
diversos agentes, a fim de compreender as identidades, sejam elas individuais e/ou coletivas, e
incluir indivíduos que se reconhecem como peças importantes nessa transformação.
MOBILIZAÇÃO SOCIAL NA RUA E NA REDE
A produção de conteúdos idealizados pela população negra tem ganhado espaço nas
redes sociais. Falar sobre a participação de grupos subalternos nas redes sociais na Internet é
algo recente. Até pouco tempo, o acesso da população negra à comunicação era restrita, isso
porque os meios de comunicação eram espaços privilegiados em que poucas pessoas podiam
conhecer. O movimento negro teve que disputar e se inserir nos meios para produzir suas
pautas. Assim, mostram Cogo e Machado (2010), ao falar da participação da população negra
nos meios de comunicação:
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No decorrer dos anos, novos ativistas sociais passam a incluir o ambiente midiático
em suas estratégias de reconhecimento, seja ocupando espaços em mídias vinculadas
a grandes grupos de comunicação privados e públicos, seja gestando espaços
alternativos de comunicação. Valem-se de jornais, televisões, rádios comunitárias,
revistas, vídeos, cinema, Internet, etc. para dar visibilidade a vários aspectos da vida
e das lutas dos afro-brasileiros. (COGO; MACHADO, 2010, p. 09).
Elas apontam para uma cidadania comunicativa que será realizada pelos atores
sociais negros e que ajudará na construção de fundamentação de visibilidade na Internet. Vale
lembrar que organização das minorias nas mídias sociais só foi possível com a rápida transição
da Internet. Sendo assim, a possibilidade de divulgar as pautas, denúncias e ações, em tempo
real, dos movimentos sociais tornou-se possível, como elas justificam:
A popularização dos preços dos computadores, a expansão da telefonia e o incremento
das políticas públicas de inclusão digital abriram caminho para o crescimento do
acesso, ainda que parcial, à Internet. O fenômeno de expansão da rede no país resulta
de esforços públicos e privados que vão conformando possibilidades de acesso à
Internet a partir de residências, telecentros públicos, lan houses, computadores de
amigos, locais de trabalho, instituições de ensino, etc. É resultado, nesse sentido, do
próprio engajamento individual e coletivo da sociedade e dos movimentos sociais em
pautas e lutas específicas voltados à ampliação e democratização do acesso e
capacitação para o uso da Internet. (COGO; MACHADO, 2010, pg. 10).
Além do fácil acesso à informação, outro fator importante é a necessidade dos
grupos sociais organizarem uma estrutura comunitária de fortalecimento, uma extensão da ideia
de comunidade tradicional, transportada para a web, um ambiente de celebração de
identificações entre seus usuários ou o sentimento de pertencer a uma comunidade (PAIVA,
2012). O entrelaçamento dos indivíduos na comunidade possibilitou a criação de uma rede de
relações que mesmo ‘em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca da
identidade, coletiva ou individual, atribuída ou construída, torna-se a fonte básica de significado
social’ (CASTELLS, 1990, p 41). De acordo com Castells (1990), essa identidade que será
buscada no espaço virtual na tentativa de responder pelo inevitável dilema de ‘fazer parte’ de
um coletivo e encontrar laços e marcas de afetividade entre seus pares.
Assim foi a motivação do Grupo Juventude Negra Kalungam ao adentrar o espaço
virtual e produzir debate nas redes. Como aponta Peruzzo (1998), ‘existem centenas de
coletivos e iniciativas correlatas organizados em cada estado do Brasil, que priorizam meios de
comunicação popular, comunitária e alternativa tradicionais’. O grupo também percebeu isso e
iniciou sua jornada pela visibilidade midiática, experimentando os primeiros passos com a
criação da página no Facebook, em 01 de janeiro de 2007, para suprir a necessidade de
promover o debate da igualdade racial por meio das mídias digitais.
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Figura 02 – Página do Grupo Juventude Negra Kalunga no Facebook
Fonte – MARCHA (2007)
Percebemos, assim, o pontapé da organização na caminhada pela participação, por
meio do ativismo digital. Um tema que começa a surgir nos movimentos sociais, de acordo com
Moraes (2012), são vozes que se somam no ciberespaço e representam grupos identificados
com causas e comprometimentos comuns.
Através de usos combinados e complementares dessas tecnologias, setores e ativistas
do movimento negro orientam-se à gestão e produção comunicacionais que colaboram
na geração e distribuição de conteúdos visando à denúncia das situações de
discriminação e desigualdade raciais e à constituição pública de representações plurais
dos afro-brasileiros. (COGO; MACHADO, 2010, p 13).
A partir dessa motivação, a Juventude Negra Kalunga resolve iniciar sua jornada
pelo aplicativo Whatsapp e desbravar mais um espaço virtual de diálogo e articulação virtual.
E isso faz chegar ao cerne da questão sobre o processo de produção sociopolítico do Grupo
Juventude Negra Kalunga por meio do aplicativo móvel. Com a observação das conversas no
grupo, é possível perceber que alguns temas se repetem tais como: visibilidade da população
LGBT, mulheres negras, religiosidade, política, direitos dos trabalhadores e entretenimento. A
análise do conteúdo no grupo foi realizada junto à aplicação do questionário, que ajudou na
percepção dos temas e na reflexão sobre temas que se repetem, como a temática das mulheres
negras. Também foi observada a interação e a participação dos membros nas conversas no
aplicativo. A criadora e administradora do grupo, Rebeca Bezerra66, diz:
O grupo foi criado para facilitar as nossas conversas de forma mais espontânea e
rápida. Discutir sem marcar uma reunião onde os membros podem faltar, ou ir apenas
dois. Mesmo que tivesse pessoa no grupo contrárias aos equipamentos virtuais, porque
acreditam na participação presencial e, que concordo a, importância de encontros
66 Entrevista concedida por Rebeca Bezerra criadora e administradora do grupo Juventude Negra Kalunga, em
20/02/2017.
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presenciais. Então, veio o Whatsapp crescendo que ajudou a substituir a presença, de
certo modo. (BEZERRA, 2017).
Rebeca Bezerra67 fala o que Canclini (2003) classifica de interações globais que
unem pessoas com o mesmo objetivo, seja para consumo, atividades culturais, entre outros.
Canclini (2003, pg. 160) ressalta que “a dispersão geográfica das interações globais se combina
com locais estratégicos, em muitos pontos do planeta, que especializam as comunicações”.
Sendo assim, é possível que as redes sociais possam auxiliar na interação, na aproximação e no
diálogo de pessoas com pautas em comum.
Figura 03 - Imagem da criadora e administradora do grupo no WhastApp
Fonte: KALUNGA (2014)
Outro ponto importante que a administradora Labelle ForRainbow68 apresenta é
sobre como o aplicativo facilitou a articulação e o diálogo entre os membros; mas também
ressaltou que as conversas também seguiram outras áreas como questões pessoais e debates
mais tensos.
O objetivo de criar o grupo é porque a maioria já estava no Whatsapp, já usava para
se comunicar, para resolver a vida, as militâncias e as lutas. E como tínhamos
objetivos em comum que é o combate ao racismo e, principalmente com o foco na
juventude, acabamos indo para essa ferramenta. No sentido de facilitar nossa
comunicação para tentar construir os objetivos comuns, ou pelo menos identificar
quais eram esses objetivos e estar mais próximos, mas acho que acabou indo para
outros rumos69. (FORRAINBOW, 2017).
67 Idem. 68 Entrevista realizada com Labelle ForRainbow, administradora do Grupo Kalunga, em 21/02/2017. 69 Idem.
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É comum, em espaços virtuais, a criação de normas e regras para o convívio entre
os usuários como informações que podem ser compartilhadas ou não no aplicativo. No entanto,
foi percebido que o grupo não segue esse modelo sendo possível a divulgação e/ou
compartilhamento de qualquer tema.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, fica a reflexão sobre a importância do ativismo digital e como esse
instrumento de compartilhamento de ideias e ações reais de mobilização dos sujeitos sociais
pode auxiliar o movimento negro. Em campo, que se abre em caráter global para acesso de
todos, mesmo que ainda de forma desigual, como apontam os dados do Mapa da Desigualdade
Digital, em 2007, o qual afirma que “a discriminação por cor ou raça dos indivíduos também
atua como fator incidente nas condições de acesso à Internet”.
Logo, o percurso é longo, mas a jornada apenas começou para tentar compreender o
papel dos estudos sobre o ativismo digital para os movimentos sociais, e em especial, para o
movimento negro. O ponto de partida sobre o estudo foi iniciado e o devir social é possibilitar
a indicação de caminhos possíveis sobre esse ativismo digital como ferramenta de participação
para o exercício da cidadania.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa. Brasília: Senado,
1988.
CANCLINI, Néstor García. A globalização Imaginada, São Paulo, Ed Iluminuras LTDA,
2003.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
CASTELLS, Manoel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
COGO, Denise; MACHADO, Sátira. Redes de negritude: usos das tecnologias e cidadania
comunicativa de afro-brasileiros. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO. XXXIII, 2010, Caxias do Sul. Anais... Caxias do Sul, 2010.
KALUNGA (Imagem). In: Programação do evento do I Seminário Estadual de Juventudes
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Negras: na luta por igualdade, pelo fim do extermínio. Juventude Negra Kalunga [Blog]. 01
jun. 2008. Disponível em:< http://juventudenegrakalunga.blogspot.com.br/>. Acesso em: fev.
2017.
MORAES, Dênis de. O ativismo digital Moraes. Revista da Universidade Federal
Fluminense, Rio de Janeiro, v. XXIII, n 2, julho/dezembro de 2000. Disponível em:
www.bocc.ubi.pt/pag/moraes-denis-ativismo-digital.html. Acesso em: 04 de dez de 2017.
ONDE está Amarildo (Imagem).In: AMARILDO: a força do meme e as novas alianças
políticas. Pimentalab Laboratório de Tecnologia, Política e Conhecimento [blog]. 25 jul.
2013. Disponível em:< https://pimentalab.milharal.org/2013/07/25/amarildo/>. Acesso em: fev.
2017.
PAIVA, Raquel. Novas formas de comunitarismo no cenário da visibilidade total: a
comunidade do afeto. Revista Matrizes, São Paulo, Ano 6, n. 1, jul./dez., 2012.
PERUZZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação nos movimentos populares: a participação
na construção da cidadania. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1998.
SIMPLES (Imagem). In: Simples. Seguro. Troque mensagens com confiança. WhastApp.
[WhastApp]. 27 dez. 2017. Disponível em:< https://www.whatsapp.com/ >. Acesso em 27 dez.
2017.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG,
2010.
THOMPSON, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes,
1998.
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IGUALDADE RACIAL E DIREITO: RELEVÂNCIA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
NA UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI
Julian Bruno Gonçalves Santos70
Antonio dos Santos Pinheiro71
Jefferson Jhonatan Martins dos Santos72
RESUMO
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça 15,6% dos magistrados do Brasil se declaram
negros. Esses dados revelam o que, cotidianamente, é perceptível: o judiciário brasileiro é
majoritariamente branco. A gênese desse processo encontra-se na formação dos juristas e no
acesso às universidades. E é flagrante a diferença nas condições de entrada entre brancos e
negros. Considerado tradicional e elitizado, o curso de Direito é um dos mais disputados. O
bacharelado possibilita exercer as carreiras jurídicas, a advocacia, além de ser base para
concursos diversos, oferecendo, assim, mobilidade social e qualificação para o mercado de
trabalho. No entanto, tantas possibilidades ainda seguem distantes da realidade e dos sonhos da
população negra. Em um cenário marcado pela marginalização do negro e negação de seus
direitos fundamentais, a Universidade Regional do Cariri cria, no ano de 2018, ações
afirmativas, abrindo espaço para a superação das desigualdades raciais através do acesso à
universidade, assim como visibilidade e protagonismo negro no campo das ciências jurídicas.
O presente trabalho discute aspectos constitucionais, legais e socio-históricos que fundamentam
as ações afirmativas e aponta sua relevância para o curso de Direito.
Palavras-chave: Ações afirmativas, Direito, Universidade Regional do Cariri.
INTRODUÇÃO
Em toda a sua história, a corte suprema na estrutura judiciária brasileira contou com
apenas três juízes negros. O Supremo Tribunal Federal, que além de ser a última palavra na
resolução de conflitos em sede jurídica, é o guardião da Constituição Federal, teve seu primeiro
juiz negro o mineiro Pedro Lessa, de 1907 a 1921. O segundo juiz foi Hermenegildo de Barros,
de 1917, e o terceiro, Joaquim Barbosa, de 2003 a 2014, chegando este à presidência do STF
de 2012 a 2014. A realidade do STF quanto à quantidade de negros em sua composição ilustra
o questionamento que setores da sociedade fazem sobre a existência de pessoas negras
ocupando os mais altos postos na estrutura da política, da economia, da mídia e também do
judiciário. Enquanto a população negra representa mais da metade da população geral e ocupa
as estatísticas policiais de assassinatos e também a maioria nos presídios brasileiros, de acordo
com o Conselho Nacional de Justiça, o Censo do Poder Judiciário feito em 2013 mostrou que a
70Aluno, graduando em Direito, Universidade Regional do Cariri, [email protected], Missão Velha,
CE, Brasil.
71Professor, Doutor, Universidade Regional do Cariri, [email protected], Juazeiro do Norte, CE,
Brasil.
72Aluno, graduando em Direito, Universidade Regional do Cariri, [email protected], Crato, CE, Brasil.
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participação das raças na magistratura brasileira conta com 15,6% dos magistrados brasileiros
sendo negros, onde deste conjunto 14,2% se declaram pardos e 1,4%, preto.
É flagrante como os negros continuam à margem da história. Mesmo após a celebração
da Constituição Federal de 1988, que traz em suas normas dispositivos de proteção da
população negra, mandado de criminalização do racismo e a premissa de se efetivar a igualdade
substancial, ainda se percebe como os costumes brasileiros, fundados na herança da escravidão,
e como o legislador infraconstitucional tem dificuldade em efetivar políticas públicas e criar
leis que assegurem uma promoção social do negro na sociedade, o que dificulta ainda mais a
ascensão social do negro e sua ocupação em posições de prestígio, seja na vida pública ou na
vida privada.
Diante dessa negação de direitos, o Estado brasileiro vem firmando ao longo dos últimos
anos o compromisso político com a promoção do negro na sociedade através de leis e políticas
que viabilizam ações afirmativas, entre elas a política de cotas para o ingresso em cargos
públicos e também nas universidades públicas e privadas, nestas através de políticas de
financiamento estudantil. Esse é um reflexo do processo de responsabilização pelas mazelas
causadas ao povo negro após a escravidão e a busca de se efetivar o princípio constitucional da
igualdade, trazendo para a realidade a materialização da reparação, oferecendo condições de
igualdade acadêmica, corrigindo as falhas do acesso ao ensino superior, qualificação
profissional e ingresso no mercado de trabalho, além da mudança quanto a existência de negros
em profissões outrora consideradas tradicionais e elitistas.
AS AÇÕES AFIRMATIVAS E A EXISTÊNCIA DE UMA DÍVIDA HISTÓRICA
Nas últimas duas décadas, acalorou-se o debate acerca das políticas raciais no Brasil
realizadas por meio das Ações Afirmativas e se elas de fato prestariam um bem à sociedade.
Neste debate buscou-se atacar a existência de fato de uma “Dívida Histórica”, conceito que
sedimenta a tese da necessidade das políticas raciais, em especial da negra. Os grupos
ideológicos contrários às ações afirmativas justificam seus argumentos utilizando-se da visão
liberal de que direitos e obrigações são atribuídos a pessoas e não a grupos (LUGOV, 2015),
dessa forma não se pode atribuir os males causados pelos brancos do passado aos da atualidade,
assim como cobrar destes as devidas reparações aos povos ancestralmente subjugados seria um
abuso. Ainda nessa visão de pensamento, consideram que as ações afirmativas como o uso de
Cotas Raciais ferem o princípio da Isonomia presente no Art. 5 º da Constituição Federal, que
ao postular em seu caput “todos são iguais perante a lei (...)” igualou o ponto de partida para
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todos sem distinção de raça.
Entretanto, esse entendimento, na busca de se auto justificar, subverteu as partes desta
dívida. Não são os brancos que devem aos negros a quem deve se incumbir a obrigação de
reparar os danos às populações negras, é o Estado Nacional Brasileiro. É devido à ação e
posteriormente à omissão do Estado que a população negra hoje sofre violada e marginalizada
na sociedade brasileira. Os maiores ataques aos nacionais negros eram legitimados e legalizados
pelo Estado, que propiciou direitos fundamentais aos povos brancos em sobressalto à mitigação
dos povos negros. Ao momento em que, um Estado propicia condições desiguais para a
estruturação e estabelecimento de povos em seu território, repercute no futuro a grande
desigualdade vivida pelos povos negros.
Três séculos de escravidão do negro, a vedação de sua constituição patrimonial e a
proibição de seu acesso à educação, enquanto os brancos usufruíam dos ganhos gerados pela
força negra, criaram no Brasil a atual situação, onde em 2015 apenas 12,8 % das cadeiras do
ensino superior são ocupadas por negros, número este que dobrou nos últimos 10 anos com as
ações afirmativas (IBGE, 2015), pois em 2005 era de 5,5% de estudantes negros, enquanto nos
presídios o mesmo grupo representa 67% (INFOPEN, 2014, p.50).
Esse processo é muito duro e acaba criando uma crise de representatividade no povo
brasileiro, mesmo sendo a maioria da população negra, segundo levantamentos da União de
Negros pela Igualdade menos de 10% dos deputados federais (UNEGRO, 2010), os
representantes diretos do povo, são negros. E a taxa fica mais aterradora quando utilizado o
critério da autodeclaração, pois apenas 3% de todos os políticos eleitos de 2014 se
autodeclararam negros. A mesma discrepância é analisada na porcentagem de cargos de chefia
na iniciativa privada, apenas 10% de seus diretores e executivos se autodeclaram negros.
Dessa forma, a Isonomia formal declarada no Art. 5º não supera os efeitos danosos de
séculos de legislações exploradoras e violadoras dos direitos dos negros, no próximo tópico,
serão apresentadas algumas das diversas legislações que causaram o dano material à toda
população negra, e que hoje são cobrados na afirmativa da Dívida Histórica. Para iniciar o
processo de reparação dessa dívida histórica foram pensadas e propostas ações afirmativas.
A expressão “ações afirmativas” tem origem nos Estados Unidos e surge no contexto da
luta pelos direitos civis, principalmente com a luta da população negra. Surge pela primeira vez,
como relata Oliven (2007, p.34), “a partir de uma iniciativa do governo federal, que instituiu
um comitê para estudar a questão das oportunidades iguais no mercado de trabalho. É a primeira
tentativa, em solo norte-americano, de se usar o poder público em benefício de vítimas de
discriminação social”. O mesmo autor ainda argumenta que:
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Ação Afirmativa refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger minorias
e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado.
A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso
de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Em
termos práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir positivamente
a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a terem oportunidade
de ascender a postos de comando (OLIVEN, 2007, p.30).
Mas as ações afirmativas foram ganhando novos contornos e se materializando em
diversas práticas. Como relata Moheleck (2002, p.199), “o modo mais comum de se visualizar
as ações afirmativas é o sistema de cotas, que consiste em estabelecer um determinado número
ou percentual a ser ocupado em área específica por grupo(s) definido(s), o que pode ocorrer de
maneira proporcional ou não, e de forma mais ou menos flexível”. Existem ainda as taxas e
metas, que seriam basicamente um parâmetro estabelecido para a mensuração de progressos
obtidos em relação aos objetivos propostos, e os cronogramas, como etapas a serem observadas
em um planejamento a médio prazo.
AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI
A Universidade Regional do Cariri (URCA) é a instituição de ensino superior mais
tradicional e importante da região do cariri cearense e uma das mais importantes do Estado do
Ceará. É sediada na cidade de Crato, mas possui campi nas cidades de Juazeiro do Norte, Iguatu,
Campos Sales e Missão Velha, atendendo a uma população de milhares de pessoas, de cidades
e Estados próximos oferecendo um total de 12 cursos de licenciatura e 5 de bacharelado, além
de cursos de especialização e de extensão. Em seus mais de trinta anos de história a URCA vem
sendo fundamental para o acesso universitário e formação profissional, desenvolvendo
atividade de ensino, pesquisa e extensão, promovendo cursos abertos à comunidade e sendo
referência em educação e cultura, através de suas políticas acadêmicas e de seus corpos docente,
discente e de servidores.
De acordo com a proposta de criação da política de cotas da universidade, existe uma
pressão por parte das organizações do movimento negro local e nacional para que as instituições
de ensino superior debatam políticas de ações afirmativas como um caminho possível na
promoção da inclusão social e na superação do racismo, a partir da constatação de notória sub-
representação de negros e indígenas estudantes de escolas públicas entre os cursos. A
universidade firmou, assim, no ano de 2018, o compromisso de ouvir as demandas desses
grupos e implantar uma política de cotas que viabilizasse o acesso universitário para alunos da
rede pública e para aqueles autodeclarados negros, pardos, indígenas ou pertencentes a
comunidades quilombolas.
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Nesse sentido, a política de cotas da Universidade Regional do Cariri está situada dentro
de um conjunto de ações que visam corrigir as desigualdades sociais e étnico-raciais. Dentre
essas ações estão a Criação, em 2003, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR) no âmbito federal, da Coordenadoria da Igualdade Racial, a aprovação do
Estatuto da Igualdade Racial (2010) e a criação da política de cotas para acesso ao ensino
superior e concursos públicos na rede federal. Essas ações consolidaram a agenda positiva das
políticas públicas de ações afirmativas, e materializam o que está disposto no artigo 4º, inciso
VII do Estatuto da Igualdade Racial, que dispõe que: IV - a adoção de ações afirmativas voltadas
para o enfrentamento da desigualdade étnica e demais práticas discriminatórias adota das
durante o processo de formação social do país.
Além dessas ações, cabe ressaltar que em 2001, com a III Conferência Mundial contra
o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas, em Durban, na África do
Sul, o governo brasileiro assumiu o compromisso com a adoção de ações afirmativas na
superação das desigualdades estruturais reconhecendo que o acesso à universidade pública é
um elemento importante nesse processo. Além disso, em 2012, foi criada no âmbito do governo
federal a Lei Nº. 12.711, que garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59
universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos
oriundos integralmente do ensino médio público, em cursos regulares ou da educação de jovens
e adultos, ficando os demais 50% das vagas permanecem para ampla concorrência.
Quanto ao sistema de cotas da URCA, a universidade organiza o preenchimento de suas
vagas de acordo com dois sistemas. No primeiro, metade da quantidade geral das vagas são
destinadas às Cotas Sociais, sendo 32% dessas vagas, destinadas aos candidatos que cursaram
integralmente o Ensino Médio em Escolas Públicas federais, estaduais ou municipais com
funcionamento no Estado do Ceará e com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-
mínimo per capita. Já os outros 68% são destinadas aos estudantes que cursaram integralmente
o Ensino Médio em Escolas Públicas federais, estaduais ou municipais com funcionamento no
Estado do Ceará e com renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita,
que se autodeclararem pretos, pardos ou indígenas.
No segundo sistema, a outra metade da quantidade geral das vagas são destinadas aos
que estão fora das Cotas Sociais, sendo 70% desse total destinados para a Livre Concorrência,
ou seja, para os candidatos que não apresentam os requisitos legais específicos e/ou que não
desejam participar da reserva legal de vagas, e 30% desse total são destinados para os
candidatos autodeclarados negros, pardos, indígenas ou pertencentes à comunidades
quilombolas, ou seja, que não apresentam os requisitos legais específicos e/ou que não desejam
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participar da reserva legal de vagas.
Assim, a Universidade Regional do Cariri segue o acertado modelo que vem sendo
implantado em diversas universidades brasileiras, seja através do que dispõe a lei federal
12.711/2012, mas ampliando seu alcance e servindo de inspiração para outras instituições de
ensino superior estaduais que, por simetria, também podem buscar os elementos nas ações e
leis federais para implantar ações afirmativas.
DIREITO E IGUALDADE RACIAL: PROTAGONISMO E REPRESENTAÇÃO
O curso de Direito está entre os cursos mais tradicionais do Brasil. Os primeiros cursos
foram criados em 1827, em Olinda e São Paulo, e hoje o país já conta com mais de 1.240,
segundo dados do Conselho Nacional de Justiça. Ser bacharel em Direito possibilita o ingresso
em mais de 50 carreiras que, além de oferecer salários quase sempre acima da média do
trabalhador nacional, conferem status a quem possui tal título. Por essas razões, somadas a
vocações pessoais, o curso de Direito sempre é um dos mais procurados pelos estudantes que
estão no ensino médio, e até mesmo por quem já possui uma graduação.
Por ser um dos cursos mais requisitados da Universidade Regional do Cariri, o curso de
Direito apresenta um alto índice de concorrência, o que deixa a competitividade bastante
acirrada entre os candidatos. Obterá êxito, assim, aqueles que tiveram uma melhor preparação,
tendo passado por bons colégios ou cursos preparatórios, ou mesmo que tiveram tempo para,
sozinhos, prepararem-se para o vestibular. E aqui reside o primeiro obstáculo àqueles que,
oriundos de escolas públicas onde o ensino é mais deficiente, ou que necessitam dividir a rotina
de estudos com a do trabalho tem de enfrentar. As vagas tendem a ficar com os alunos que
dispõem de mais recursos e tempo de preparação, permanecendo o curso de Direito e a
formação de bacharéis restritos a uma determinada classe social,
Quando é feito um recorte étnico-racial se agrava ainda mais o ingresso no curso de
Direito, uma vez que jovens negros tendem a ocupar menos cursos de prestígio e, em função de
um sistema excludente e que oferece pouca preparação, só conseguem ocupar os cursos de
menor concorrência, como as licenciaturas.
A principal contribuição do sistema de cotas da Universidade Regional do Cariri para a
promoção e igualdade racial da população negra do cariri cearense e demais cidades
circunvizinhas, pode ser dividida em dois aspectos: um objetivo e outro subjetivo.
No aspecto objetivo o principal efeito positivo da política de cotas é o fazer jurídico, ou
seja, a materialização de direitos e garantia de uma isonomia substancial que terá o jovem negro
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como protagonista, como autor de um Direito que tenha sua marca e sua identidade étnico-
racial. Muitas vezes a formação jurídica carece de exemplos práticos de como o Direito pode
ser visualizado no cotidiano. Isso significa, na prática, o uso das ações afirmativas para oferecer
à população negra acesso ao saber-fazer jurídico e a possibilidade de participar de sua
construção. Quando uma pessoa negra ingressa no curso de Direito ela leva consigo sua história,
seu lugar de moradia, sua identidade, suas dificuldades e isso pode repercutir no seu pensar e
no seu fazer jurídico. O estudante questionará um judiciário feito majoritariamente por brancos,
que muitas vezes se apresenta pouco comprometido com as causas das pessoas menos
afortunadas, pensará no Direito como instrumento de reparação social e ampliará o alcance do
princípio da inafastabilidade da jurisdição, promovendo uma justiça mais célere em virtude dos
mais necessitados.
No que se refere ao aspecto subjetivo, este traduz-se na visibilidade que o negro ocupará
mais e mais na estrutura do judiciário, sendo servidor público das diversas carreiras jurídicas
do Estado, ou estando diariamente lidando com a resolução ou judicialização dos conflitos
através da prática da advocacia. Essa visibilidade gera representação. É a força motriz que induz
outros jovens e negros a sonharem também com a possibilidade de ingressar no curso de Direito
e serem advogados, promotores e juízes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Promover uma maior integração do jovem negro nas universidades e, mais
especificamente, no curso de Direito, não é apenas uma questão de representação.
Evidentemente existe o elemento subjetivo que permite ao jovem negro da periferia, da escola
pública e da zona rural a projetar seu futuro profissional a partir do momento em que enxerga
sua cor nas matérias jornalísticas que trazem o negro como advogado, promotor ou juiz. Este
elemento psicológico, de dimensão mais individual é fundamental para manter o jovem focado
e disciplinado nos estudos. Mas também há um elemento mais objetivo, que possibilita ao
jovem negro um lugar de protagonista na história do Direito deste país. Numa sociedade que
ostenta veladamente um nocivo racismo, que possui estatísticas de crimes, encarceramento com
negros em sua maioria, a ocupação de jovens juristas negros na universidade é um dos pontos
de mudança de tal realidade. É um lugar de visibilidade e de protagonismo da população negra.
Um início de empoderamento social e político.
Dessa forma, as ações afirmativas e, mais especificamente, a política de cotas para a
população negra, é uma ferramenta social de efetivação da justiça individual e também coletiva,
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concede aos indivíduos e também aos grupos a materialização de seus direitos e possibilita a
superação de atrasos sociais que forçam o negro a ser sub-representado e a se conformar com
posições profissionais de menor destaque. Oferecer condições de negros serem juristas e
ocuparem cargos de prestígio é pensar numa justiça mais próxima dos que ainda herdam os
males da escravidão e sofrem o cotidiano do racismo, e alça-los a um patamar de efetiva
igualdade racial.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 12.288. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, DF: Senado, 2010.
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ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2015/estimativa_TCU_2015_201
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n. 117, p. 197-217, novembro. 2002.
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URCA. 2017. Disponível em:
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http://www.dedihc.pr.gov.br/arquivos/File/TEXTOBASEweb.pdf. Acesso em: 30 ago. 2018.
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TRILHAS DE UMA EDUCAÇÃO DESCOLONIZADORA: A Luta pela EJA Em
Escolas de Caucaia e Fortaleza.
“Ninguém liberta ninguém. As pessoas se libertam em
comunhão” Paulo Freire
Raquel Di Paula Mesquita Lima de Oliveira73
Maria Eliene Magalhães da Silva74
Ricardo Magno Mesquita Lima75
RESUMO
O artigo trata de experiências realizadas em Escolas de Caucaia e Fortaleza, que faz parte de
temas de pesquisas realizadas no Mestrado na Universidade Federal do Ceará e Universidade
Interamericana em Asunción Paraguay, que discorremos no campo pedagógico de resistência e
luta por uma EJA- Educação de Jovens e Adultos com mais oportunidades para a comunidade
em que está inserido o trabalho, pontuando nossas diversidades e afinidades com as culturas
africanas e indígenas que pertencemos. Sabemos do racismo e da falta de oportunidades,
desconsiderando a formação étnica africana e indígena. Com isso, vimos a necessidade de
trabalhar na escola a partir de nossas ancestralidades embebidas em nossas práticas que nem
percebemos, quão grande é o preconceito que foi implantado no país. Sendo assim
possibilitamos construirmos nossa identidade étnico-racial nos projetos trabalhados. Para isso
apontaremos neste trabalho algumas reflexões fundamentadas na abordagem da afro-indígena,
inspiração nos projetos das escolas: Francisca Alves do Amaral na cidade de Caucaia e
Deputado Manoel Rodrigues no Município de Fortaleza, refletirmos nossa identidade.
Trabalharemos a Pretagogia que é o referencial teórico para negros, índios e brancos e com os
marcadores das Africanidades, que embasa metodologicamente o trabalho, também a
Pedagogia da Esperança e do Oprimido. Para isso, usaremos o estudo bibliográfico para
responder algumas indagações, tais como: O que possibilitará a metodologia-teórica da
Pretagogia? Como esperançar através de Paulo Freire? Fundamentamos em SILVA (2012)
(2015), PETIT (2015); BÂ (1982), CUNHA (2013) FREIRE (1996) (1998) dentre outros. O
objetivo deste artigo será mostrar a importância de conhecermos essa nossa herança social e
cultural e olharmos com profundidade às nossas origens ancestrais.
Palavras chaves: Educação. Descolonizadora. Luta. EJA. Pretagogia
INTRODUÇÃO
O presente artigo trará trocas e experiências vividas em duas escolas do estado do Ceará,
situadas nos munícios de Fortaleza e Caucaia e que atende público da periferia e classe média
73 Raquel Di Paula Mesquita Lima de Oliveira. Professora efetiva do município de Caucaia desde outubro de 2010
e Diretora da E.E.I.E.F Francisca Alves do Amaral desde de março de 2018. Mestranda em Ciências da Educação
na Universidade Interamericana em Asunción/Paraguay desde julho de 2017; [email protected].
Caucaia-CE-Brasil 74 Maria Eliene Magalhães da Silva. Professora da Educação Básica da Prefeitura de Caucaia desde 2002 e hoje
lotada na Escola Fca Alves do Amaral e do ensino superior. Mestra em Educação Brasileira pela Universidade.
Federal do Ceará (UFC); [email protected] Caucaia-CE-Brasil 75 Ricardo Magno Mesquita Lima. Professor efetivo do município de Fortaleza desde 2002 e Diretor da Escola
Deputado Manoel Rodrigues desde 2013. Mestrando em Ciências da Educação na Universidade Interamericana
em Assución/Paraguay desde julho de 2017; [email protected]
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baixa. A intensão será mostrar nossa cultura multirracial construída dos povos indígenas e
pretos e tem muito a nos ensinar. Hoje sendo que o fascismo crescente cada vez mais em nossa
sociedade, se faz necessário interagir e ensinar práticas de tolerâncias e amor entre nossos
alunos.
Historiacamente houve um apagamento criminoso cultural sofrido por nossos
ancestrais. E hoje toda construção positiva faz parte da reparação a cultura negra e indígena.
Ao fazermos uma viagem ao tempo, logo percebemos que nossas negritudes e herança indígena
circulam em nós como o ar que respiramos. Tratar de forma positiva os continentes africanos
nos remete a nos reconhecer e a evitar o apagamento de nossas origens.
Necessitamos entender nossa diversidade, entre povos, de línguas e de crenças que
construiu o Brasil. Com isso, não podemos negar nossas raízes marcadas por essa diversidade
cultural, fortalecendo na escola o que somos. Segundo SILVA (2011) “O respeito deve ser
iniciado ainda por nossos ancestrais que tem sangue negro, que apresenta traços indígenas e
que tem firmeza dos quilombos. Para isto, é necessário que as relações entre as pessoa aconteça
no uso do corpo, da dança, da fala através de roda de conversas, vivências oraturas e acima de
tudo da alma.
A modalidade EJA- Educação de Jovens e Adultos é em sua maioria alunos pobres e de
origem negra. Infelizmente as turmas do Programa de Alfabetização do Governo e os
profissionais que nela estão inseridos, lutam pela valorização, sendo que esta nasceu dos
sonhos inspiradores de docência de Paulo Freire. (Acho que cabia uma citação de Paulo Freire
sobre a criação da modalidade)
Se faz notório a existência africana em nosso país se faz presente desde o período da
colonização quando aconteceu o tráfico de sua população, que foi escravizada, comprada e
vendida como mercadoria, sob o comando das nações europeias para servirem de mão de obra
escrava nos engenhos de cana-de-açúcar, café e demais agriculturas. E hoje marcante entre nós,
em cada lugar onde andamos. Este artigo tem a pretensão de mostrar a trilha transformadora de
trabalhar de forma lúdica na escola, como implementação da Lei 10.639/03 nas turmas da EJA.
Caminhos trilhados na Escola Francisca Alves do Amaral entre 2010 à 2018
Raquel Di Paula - Participante do Fórum da Ereja Nordeste, ( Encontro Regional de Educação
de Jovens e Adultos por uma Educação Crítica e Libertária) a diretora da escola onde procura
estreitar os vínculos não diferenciar as atividades e projetos apresentados aos níveis de
atendimento ofertados pela escola das modalidade atendida como a EJA e Ed. Especial.
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Eliene Magalhães – Participante do Fórum da Ereja Nordeste, professora das turma de EJA IV
B e C. Viveu momento de encantos e aprendizados na Escola Francisca Alves do Amaral de
2006-2012 quando saiu da escola para ficar a disposição do sindicato, hoje retornou à escola
com turmas do fundamental II e EJAs.
A seguir abordaremos algumas atividades implementadas a luz da Lei 10.639/03 na
escola e que renderam bons frutos. Como a maioria dos estudantes são pais ou familiares dos
alunos dos demais turnos da escola conseguimos trabalhar de forma continuada os projetos
tornando toda a escola uma só unidade. A Pretagogia rendeu muitos trabalhos, entre eles uma
feira Africana belíssima, com desfiles de afrodescendentes representando países africanos e
destes trabalhos, um artigo no livro Africanidades Caucaienses escrito pela professora de
História Eliene Magalhães, que conta como aconteceu além de seus trabalhos, atividades dos
professores com alunos.
Sobre o que é a Pretagogia:
A Pretagogia, referencial teórico-metodológico em construção há alguns anos,
pretende se constituir numa abordagem afrocentrada para formação de
professores/as e educadores/as de modo geral. Parte dos elementos da
cosmovisão africana, porque considera que as particularidades das expressões
afrodescendentes devem ser tratadas com bases conceituais e filosóficas de
origem materna, ou seja, da Mãe África. Dessa forma, a Pretagogia se alimenta
dos saberes, conceitos e conhecimentos de matriz africana, o que significa
dizer que se ampara em um modo particular de ser e de estar no mundo.
(PETIT, 2015, 119-120)
Sobre a Feira das Nações Africana e Cultura Afrodescendentes:
(...) quero trazer aqui um breve relato da Feira Cultural que realizamos em
2011 na semana da Consciência Negra, pois a mesma envolveu a escola como
um todo, exigindo um trabalho coletivo que obrigou a superar muitas
oposições dentro da instituição, em que ouvi frases como: “Tomara que acabe
logo com esse projeto, não aguento mais os alunos só falarem em negros”” ou
“Você só fala em África”!”. Depois de muitos choros, discurssões e também
risos, conseguir organizar a Feira das Nações Africanas e Afrodescendentes,
tornando-me durante dois meses intensos, multiplicadora entre meus colegas
dos conhecimentos que havia adquirido então. (SILVA, 2013, P. 150-151)
Procuramos trabalhar os conhecimentos vivenciados pelos alunos, junto ao uso de
materiais concretos e comestíveis onde trabalhávamos os resgates culturais e as ancestralidades
de seus familiares através da degustação de tapiocas, bolos de milho, fubá, batata doce,
macaxeira, pipocas entre outras.
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Alunos do Fundamental II fazendo mancala - 2010
Assim também explanávamos os custumes herdados pelos índios não só eram sobre o
hábito alimentar mas o rico artesanato no qual o Município de Caucaia, a capital Fortaleza e
todo o Estado do Ceará ficou conhecido por sua agregação de valores. Dentre eles” destacamos
o acalmar de uma criança quando a mãe a envolve em seus braços para embalar ao som de
cantigas de ninar em uma rede” (OLIVEIRA, 2018). Porém vale ressaltar que não existe idade
propícia para se balançar e curtir o encanto herdado pelos sábios indigenas.
A Escola Francisca Alves do Amaral com o intuito de fomentar a educação
socioiteracionista dos seus alunos, em março de 2018, propomos aos alunos e professores da
modalidade EJA a organização de uma Feira científica a qual trabalhamos a criação de uma
horta sustentável e o empreendedorismo com as turmas da EJA. Assim podemos trabalhar com
o que nossos ancestrais nos ensinaram, assim como as senhoras rezadeiras.
A fim de organizar junto a Universidade Federal do Ceará- UFC o programa de
Farmácia Viva, aberta a comunidade. O trabalho rendeu à escola a chancela junto ao PEA-
Programa de Escolas associadas à rede UNESCO- Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciências e Cultura. Que teve como objetivo trabalhar as seguintes temáticas: Água
fonte de vida, cuidados, escassez e risco de contaminação. Foi trabalhado com turmas do
fundamental e EJAs que trabalhou a reciclagem e a conscientização do reaproveitamento e
transformação do” Lixo em Luxo” e Nível III como temos duas turmas correspondente ao
referido nível a segunda pesquisou sobre as doenças e profilaxias acometidas no ano de 2017,
no bairro Nova Metrópole em Caucaia onde a escola encontra-se situada e os alunos residem.
Tivemos duas mil quatrocentas e trintae quatro respostas. Gerando gráficos e pesquisas. Com
isso, trabalhou as inovações tecnológicas e o reaproveitamento da água da escola para irrigar a
horta existente na escola e por fim, foram construídos a horta.
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Diante da organização dos espaços para a horta através de sorteios pela organização das
turmas, a mesma foi composta de plantas medicinais onde através do resgate entre as vivências
empíricas do turno da noite organizamos receitas de chás, lambedores e cosméticos naturais
com base na planta babosa, tomates e chás que ajudem pessoas que sofrem com problemas de
varizes, assim foram às produções da turma C, que também organizou canteiros com hortaliças
que ajudará na composição e fabricação do lanche. Plantas ornamentais que também foram
distribuídas nos corredores, espaços e jardim de entrada na escola, tornando-a mais bonita e
favorecendo o gás carbônico natural produzido por estes seres vivos. O Professor Mirom
Menezes inovou com as propriedades do Coco, planta tão eficiente para o solo do nosso Estado
e que muitos desconhecem a sua importância e que do coqueiro pode ser utilizado todas as suas
propriedades (tudo).
A fabricação de Leites de coco, castanha e arroz mostraram os cuidados para quem tem
problemas com lactose foi um marco na Feira Científica que ganhou espaço no Jornal “O
Povo” meio de comunicação expressivo no Estado do Ceará e na TV SOURE. Contando coma
participação do Presidente da IMAC – Instituto do meio Ambiente de Caucaia o Sr. Francisco
Hugo Pontes, vice presidente e membros do Centro Botânico da mesma cidade, qual
agradecemos na pessoa de Marcia Beatriz pela oportunidade lançada a escola para sediar um
dos dias da Programação da Semana do Meio Ambiente de Caucaia 2018.
Fotos da atividade da hosta escolar
Maquetes, paródias de conscientização e apresentação das turmas foi realmente
surpreendente Os filhos podendo ver as apresentações dos pais nos permite perceber que não
existe idade para aprender E que a inversão de papeis também tem seus caráter positivos..
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Conscientizar a população dos benefícios frente aos medicamentos naturais ao invésdos
farmacêuticos e um objetivo a ser trabalhado, os saberes de nossos antepassados, foram
contemplados.
[...] ancião, no sentido africano da palavra, isto é, aquele que sabe [...] poderia ter
conhecimentos profundos sobre religião ou história, como também ciências naturais
ou humanas detodo tipo.[...] uma espécie de ciência da vida. (BÂ, 2003, p. 174).
E foi nessa experiência que os alunos deram uma volta ao passado no que se refere a
saberes ancestrais, relembramos de nossas avós, dos chás e dos ensinamentos das rezadeiras da
comunidade.
Lembro-me da minha infância, com minha mãe Iolanda e minha avó Dona Otília,
rezadeira que usava plantas medicinais em alimentação e remédios. Minha avó já tinha
recebido essas orientações de sua mãe Dona Maroca que também era rezadeira da
Serra da Pacatuba no Ceará. Pelo privilégio de ser neta de uma rezadeira de mão cheia
aprendi e observei muitas coisas. Na minha infância, todos as ervas tradicionais que
uma rezadeira indica, eu e meus irmãos usamos, pois minha avó tinha sua horta
tradicional no quintal e outra parte no jardim. Além disso meus pais não tinham
condições de comprar remédios caros, nessa época éramos três filhos, num total de
seis filhos nascidos. Lembro-me do cheiro das folhas verdes para lambedores e outras.
Em casa, minha avó sempre tinha pé de corama, malva, mastruz, hortelã, alecrim,
capim santo, erva cidreira, colônia, essas para doenças do corpo. Para
enfraquecimento do corpo usava-se mastruz com leite, que era benéfico para quem
vive acometido de fraqueza. (SILVA, 2018, P. 140)
O trabalho pedagógico preparado e inserido dentro das estruturações de planos de aulas
e projetos educacionais tinha como intuito convidar a comunidade escolar a se fazer presente.
Através de entrevista com as famílias, exposições de objetos e danças vistos como, capoeira,
trabalhos de pesquisa entre outras danças típicas e com apresentações na EJA e participação
efetiva. Hoje com a dobradinha Raquel e eliene junto com todo corpo docente e funcionários
iremos implementar com mias teor a Lei 10.639/03 com o olhar da Pretagogia.
A Pretagogia é um novo referencial teórico-metodológico para a formação em
africanidades tanto de professoras e professores, como de alunas/alunos. É uma
pedagogia de pretos, índios e brancos na construção de uma educação sem racismo e
preconceito em cumprimento com a lei 10.639/, nas escolas e fora delas. (SILVA,
2015, p. 44)
A arte, o amor e a cultura, unem todas as raças, com este pensamento, trabalhamos
coletivamente na E.E.I.E.F Francisca Alves do Amaral, e assim pudemos continuar o trabalho
iniciado pelas professoras Aldenice Gonçalves da Silva ( neta de descendentes Quilombolas e
indígenas), Débora de Cássia Peixoto da Silva que se encanta com a música e se envolve pelos
movimentos, pela luta e o reconhecimento da militante Maria Eliene Magalhães da Silva (Afro-
Cearense e que também tem origem indígena). Após seis anos retorna suas ações práticas no
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chão da sala de aula, com suas práticas pretagogicas e de ubuntu em suas vivências, nessa
trajetória envolvemos o turno da noite com as EJAS.
Organizando e inserindo a Modalidade EJA- Educação de Jovens e Adultos em todos
os projetos desenvolvidos nas atividades regulares dos turnos matutinos e vespertinos. Fazer a
EJA presente! Dentro das ações da escola nos faz reconhecer a preservação a cultura e o resgate
dos laços ancestrais. A resistência por parte de alguns ainda propõe perspectiva de modificar as
metodologias e torna-las mais ativas, atendendo as diferentes idades e anseios dentro de uma
mesma sala de aula. Compreender que os níveis de educação contemplados na EJA, buscam
promover os desafios e conquista para com os alunos que não tiveram a oportunidade de estudar
na idade certa.
Segundo a LDB- Leis de Diretrizes e bases para educação Nacional Nº 9394/96 a partir
dos 15 anos de idade os jovens já podem adentrar ao turno da noite. A modalidade vem cada
vez mais sendo frequentada por jovens dessas idades. Percebemos assim, a necessidade de
mudanças efetivas e rápidas para atender a diversidade que compõe a escola compreendendo
as características do público da Educação de Jovens e adultos em suas classes heterogêneas
contemplando a flexibilidade aos ritmos próprios que visamos trabalhar os projetos envolvendo
o desafio e os conhecimentos dos regates culturais ligados à arte, a dança e as religiões.
É sabido que trabalhar em sala de aula as questões relacionadas à cor, raça e etnia no
Ceará é complicado, uma vez que aqui ainda impera a ideia de que não há negros,
apesar da maioria da população se declarar preta e parda (64%) e de existirem mais
de 80 quilombos registrados pelo INCA em decorrência dessa negação, nem toda
comunidade de profissionais da educação está preparada a contemplar a Lei
10.639/03, que torna obrigatório o ensino sobre a História e Cultura africana a afro-
brasileira nas escolas públicas e privadas de todo o ensino básico, garantindo um
direito negado há quase cinco séculos. (SILVA, 2013 p.138).
Caminhos trilhados na Escola Manuel Rodrigues
Ricardo Magno - Em 1993 inicie minha trajetória com a Educação de Jovens e Adultos quando
ainda cursava o pedagógico na minha cidade natal Boa Viagem. Na época chamada de Sistema
Integrado. Para mim trabalhar com Jovens e Adultos me concedeu suporte e crescimento
pessoal para juntos vivenciarmos experiências importantes do desempenhar das práticas
educativas.
Em 2015, na Escola Manuel Rodrigues pela proximidade de alguns pais e pela
frequência entre os grupos de maracatus a instituição apresenta a seus alunos o histórico grupo
que participa do Carnaval em Fortaleza e discorre sobre os costumes e tradições evidenciados
pela Feira das Nações realizadas pelos membros da escola. As ações foram repedidas também
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nos anos de 2016 e 2017 com aumento da participação da comunidade em assistir as
apresentações por curiosidade em conhecer mais sobre os grupos e seus aspectos culturais e
artísticos No mesmo ano na escola Francisca Alves do Amaral, era trabalhado em sala durante
o ano com parceria da interdisciplinaridades atividades que se fizesse repensar sobre os crimes
de racismos, a violação dos direitos e deveres de uma população segregadas injustamente.
No ano de 2017 além dos trabalhos desempenhados, tivemos também apresentação do
hino da Negritude, desfile entre os alunos negros da escola mostrando suas belezas e que tem
voz e vez. Projeto desenvolvido pelas duas escolas para 2018. Os municípios Cearenses e suas
formações históricas na luta pelo respeito aos negros e índios.
A Escola Deputado Manuel Rodrigues por não trabalhar com a modalidade EJA
pretende alavancar a luta pela decência e igualdade de direitos unindo a comunidade escolar
como um todo neste projeto de Parceria. Já a Escola Francisca Alves do Amaral pretende inovar
seus projetos envolvendo como já foi citado anteriormente a EJA em todas as atividades
existentes na escola.
Semelhanças na prática docente da Escola Deputado Manoel Rodrigues no Município de
Fortaleza e da Escola Francisca Alves do Amaral em Caucaia - Ceará
A E.M.E.F Deputado Manoel Rodrigues vem desde 2013 intensificando a cada ano o
estudo e o resgate das etnias e da cultura afro brasileira. Os professores de história, Geografia
Religião coordenam junto a gestão o projeto, mas todos os professores das diversas áreas se
mobilizam e desenvolvem ações que vão desde a conscientização e da importância das três
raças e suas contribuições positivas acerca do desenvolvimento do país, o preconceito e como
combate-lo.
As escolas veem a necessidade de propagar o respeito às etnias durante o ano todo em
todas as ações realizadas. Assim como o respeito à diversidade, as necessidades de
aprendizagens especiais e todos que encontram -se excluídos no sistema educacional do país,
conforme LDB- 93.94/96 “A Educação é um direito de todos e dever do Estado”.
COMENTÁRIOS FINAIS
O trabalho procurou abordar alguns momentos da escola em brabalhos com abordagens
da implementação da Lei 10.639/03, sendo que a tarefa não foi fácil e continua difícil frente há
tantos demandos que o fascimo vem se articulando no país de uma forma preconceituosa e
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malvada. Não é hora de retroceder e por isso resistiremos em nossos locais de trabalho militando
contra o preconceito e ensinando o amor às pessoas.
REFERENCIAS
BÂ, HAMPATÈ AMADOU: A Tradição Viva. IN: KI Zerbo Joseph (org), História Geral da
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PETIT, Sandra Haydée, Pretagogia: Pertencimento, Corpo-Dança, afroamcestral e Tradição
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________, Maria Eliene Magalhães. Marcadores das Africanidades no Ofício das
Rezadeiras Em Quilombos de Caucaia-CE: Uma Abordagem Pretagógica. 2015. 207f.
Dissertação. (Mestrado em Educação Brasileira) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza,
2015.