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Revista SÍNTESE Direito Desportivo ANO III – Nº 18 – ABR-MAIO 2014 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Alberto dos Santos Puga Barbosa Carlos Miguel C. Aidar Cristiano Augusto Rodrigues Possídio Domingos Sávio Zainaghi Fábio Lira da Silva Fernando Tasso de Souza Neto Gustavo Lopes Pires de Souza Marcelo Jucá Barros Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks Rafael Teixeira Ramos Roberto Soares de Vasconcellos Paes Sandro Mauricio de Abreu Trindade COMITÊ TÉCNICO Alexandre Ramalho Miranda Caroline Nogueira Accioly COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alessandro Soares da Silva, Artur Flamínio da Silva, Bráulio Henrique Silva de Assis, Cassio M. C. Penteado Jr., Felipe Heck Soares, Gustavo Lopes Pires de Souza, Luis Guilherme Krenek Zainaghi, Marco Antonio Bettine de Almeida, Milene Ana dos Santos Pozzer, Roberto Soares de Vasconcellos Paes ISSN 2236-9414

ISSN 2236-9414 Revista SÍNTESE 18_miolo.pdfAlessandro Soares da Silva, Artur Flamínio da Silva, Bráulio Henrique Silva de Assis, Cassio M. C. Penteado Jr., Felipe Heck Soares, Gustavo

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Revista SÍNTESEDireito Desportivo

Ano III – nº 18 – Abr-MAIo 2014

DIretor executIvoElton José Donato

Gerente eDItorIAl e De consultorIAEliane Beltramini

coorDenADor eDItorIAlCristiano Basaglia

eDItorAValdinéia de Cássia Tessaro de Souza

conselho eDItorIAlAlberto dos Santos Puga Barbosa

Carlos Miguel C. AidarCristiano Augusto Rodrigues Possídio

Domingos Sávio ZainaghiFábio Lira da Silva

Fernando Tasso de Souza NetoGustavo Lopes Pires de Souza

Marcelo Jucá BarrosMartinho Neves Miranda

Milton JordãoPaulo Bracks

Rafael Teixeira RamosRoberto Soares de Vasconcellos PaesSandro Mauricio de Abreu Trindade

coMItê técnIcoAlexandre Ramalho Miranda

Caroline Nogueira Accioly

colAborADores DestA eDIçãoAlessandro Soares da Silva, Artur Flamínio da Silva, Bráulio Henrique Silva de Assis, Cassio M. C. Penteado Jr.,

Felipe Heck Soares, Gustavo Lopes Pires de Souza, Luis Guilherme Krenek Zainaghi, Marco Antonio Bettine de Almeida, Milene Ana dos Santos Pozzer, Roberto Soares de Vasconcellos Paes

ISSN 2236-9414

2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 3, n. 18 (abr./maio 2014)- . – São Paulo: IOB, 2011- .

v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9414

1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação – Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.

CDU: 34:796 CDD: 344.81099

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Carta do Editor

Sabe-se que à entidade desportiva é dever submeter os atletas aos exa-mes médicos e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo de cobrir os riscos a que estão sujeitos. À não observação da regra aplica-se a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002.

Para o Mestre Gustavo Lopes Pires de Souza

A discussão acerca do tema tem ganhado cada vez mais espaço nos debates jurídicos, notadamente à luz do Novo Código Civil, que inovou a questão ao instituir, no parágrafo único de seu art. 927, a responsabilidade civil objetiva com base na teoria do risco da atividade desempenhada.

Assim, para elucidar alguns pontos controvertidos acerca do debate tra-vado, o tema do assunto especial desta edição da Revista SÍNTESE Direito Des-portivo é “Responsabilidade Civil do Clube na Lesão de Atleta”.

Já na Parte Geral, levamos a você, leitor, o que há de mais atual e rele-vante na seara desportiva, com a publicação de importantes artigos de auto-ria dos Mestres Roberto Soares de Vasconcellos Paes, Artur Flamínio da Silva, Marco Antonio Bettine de Almeida, Alessandro Soares da Silva, Cassio M. C. Penteado Jr., Felipe Heck Soares e Milene Ana dos Santos Pozzer.

Além disso, para fomentar ainda mais o Direito Desportivo, duas Seções Especiais compõem esta edição.

Na Seção especial denominada “De Frente para o Gol”, a Íntegra do STJDF aborda uma polêmica discussão entre Clube Atlético Paranaense (PR) x Clube de Regatas Vasco da Gama (RJ). Já na Seção especial denominada “Com a Palavra, o Procurador”, o Procurador Geral da APF, Luis Guilherme Krenek Zainaghi, analisa e interpreta o art. 258 do CBJD nos Tribunais Desportivos.

Por fim, é oportuno destacar que há um vasto conteúdo a ser explorado como Acórdãos na Íntegra, Ementário de Jurisprudência, Clipping Jurídico e Resenha Legislativa.

Desejamos a você uma excelente leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Responsabilidade Civil do Clube na lesão de atleta

doutRina

1. A Responsabilidade Civil dos Clubes de Futebol nas Lesões de Atletas ProfissionaisBráulio Henrique Silva de Assis .................................................................9

JuRispRudênCia

1. Acórdão na Íntegra (TST) .........................................................................16

JuRispRudênCia Comentada

1. Responsabilidade do Clube de Futebol por Lesão de AtletaGustavo Lopes Pires de Souza .................................................................37

Parte Geral

doutRinas

1. Os Mercenários do Desporto e a Dupla NacionalidadeRoberto Soares de Vasconcellos Paes ......................................................45

2. A Norma Desportiva e o Constitucionalismo Social: Traços de um Fenómeno Constitucional sem EstadoArtur Flamínio da Silva ............................................................................49

3. O Futebol no Banco dos Réus: Caso da HomofobiaMarco Antonio Bettine de Almeida e Alessandro Soares da Silva ............68

4. A Reparação de Dano ao Direito de Imagem. Precedentes JurisprudenciaisCassio M. C. Penteado Jr. .......................................................................83

5. Análise dos Institutos Despenalizadores da Lei nº 9.099/1995 à Luz da Teoria dos Jogos, em Especial da Transação PenalFelipe Heck Soares e Milene Ana dos Santos Pozzer ...............................88

JuRispRudênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol ...............................105

2. Superior Tribunal de Justiça ..................................................................120

3. Tribunal Superior do Trabalho ..............................................................130

4. Tribunal Superior do Trabalho ..............................................................141

5. Tribunal Superior do Trabalho ..............................................................1546. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ......................................1647. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais ......................................1708. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região .........................................182

ementáRio

1. Administrativo e Constitucional ............................................................1882. Civil ......................................................................................................1983. Penal .....................................................................................................2054. Trabalhista ............................................................................................2065. Tributário ..............................................................................................211

Seção Especialde FRente paRa o Gol

1. Perda do Mando de Campo, Artigo 213, I, do CBJD, Caracterizado – STJDF .................................................................................................214

Com a palavRa, o pRoCuRadoR

1. O Artigo 258 do CBJD, Sua Análise e Interpretação nos Tribunais DesportivosLuis Guilherme Krenek Zainaghi ...........................................................232

Clipping Jurídico ..............................................................................................240

Resenha Legislativa ...........................................................................................245

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................246

Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técni-co-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho rece-bido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter, além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO

AUTOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisa-mente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-bico”. À Editora reserva-se o direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A primeira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comen-tários à jurisprudência, o número de páginas será de, no máximo, 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços ele-trônicos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/ca-dastrodeautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Assunto Especial – Doutrina

Responsabilidade Civil do Clube na Lesão de Atleta

A Responsabilidade Civil dos Clubes de Futebol nas Lesões de Atletas Profissionais

BRÁULIO HENRIQUE SILVA DE ASSISAdvogado, Pós-Graduado em Direito Desportivo pelo Centro Universitário – Unifia, Federal Concursos em parceria com o Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo e com o Instituto Mineiro de Direito Desportivo, Pós-Graduado em Ciências Penais pela Faculdade de Direito Milton Campos, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos, Advogado.

RESUMO: A presente pesquisa tem por objetivo analisar a responsabilidade civil aplicada nas rela-ções desportivo-trabalhistas, em especial no que diz respeito aos acidentes do trabalho e à possibi-lidade de responsabilização objetiva nas entidades de prática desportiva. Para isso, será abordada a responsabilidade civil objetiva e subjetiva do empregador e o atual posicionamento da jurisprudência, efetuando, ainda, uma análise crítica.

PALAVRAS-CHAVES: Responsabilidade civil objetiva; responsabilidade civil subjetiva; acidente do trabalho; indenização.

ABSTRACT: This research analyses civil liability in sports-labor cases, especially related to occupa-tional accidents and the possibility of an objective civil liability in sports entities. Therefore will be analyzed objective and subjective civil liability of the employer and current jurisprudence positions, also making a critical analysis.

KEYWORDS: Civil objective liability; civil subjective liability; work accident; compensation.

Ao abordar o tema proposto, é importante, inicialmente, conceituar a responsabilidade civil.

Trata-se da responsabilização pela prática de atos praticados por deter-minados sujeitos que gera a obrigação de reparar um dano civil a outrem.

Nesse sentido, Fiuza:

Juridicamente, o termo responsabilidade normalmente está ligado ao fato de res-pondermos pelos atos que praticamos. Revela, então, um dever, um compromis-so, uma sanção, uma imposição decorrente de algum ato ou fato.1

Já Maria Helena Diniz conceitua da seguinte forma:

1 FIUZA, César. Direito civil. 16. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013. p. 360.

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Poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato próprio ou imputado, de pessoa por quem responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal.2

Todavia, a culpa será ou não imprescindível de acordo com o fundamen-to dado à responsabilidade. Diante disso, caso haja necessidade de culpa para existência do dever de indenizar um dano causado, a responsabilidade será subjetiva. Entretanto, se a culpa do agente for desnecessária para imputar-lhe a reparação cível, a responsabilidade será objetiva, exigindo, apenas, o nexo causal e o dano.

Assim explica Carlos Roberto Gonçalves:

Diz-se, pois, ser subjetiva a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indeni-zável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.

A lei impõe, entretanto, a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano independentemente de culpa. Quando isso acontece, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade. Essa teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.3

Logo, a culpa é imprescindível para caracterização da responsabilidade civil subjetiva. Já na responsabilidade objetiva, a culpa pode ou não aparecer, mas é irrelevante.

O Código Civil brasileiro – CCB adotou, como regra, a responsabilidade civil subjetiva, que consagra em seu art. 186 que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Todavia, a responsabilidade civil objetiva, que é a exceção, é encontrada não só em leis esparsas, como também no próprio Código Civil.

O art. 927, parágrafo único, do CCB prevê a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a ati-vidade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

2 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2010. p. 34.

3 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2012. p. 48.

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Diante disso, em que pesem tais responsabilidades se tratarem de um instituto do direito civil, são amplamente aplicadas em outros ramos do Direito e, em especial, no direito do trabalho.

Atualmente não há dispositivo legal, nem mesmo súmulas do Tribunal Superior do Trabalho que tratem da responsabilidade objetiva, mas a jurispru-dência vem aplicando reiteradamente esse instituto nos casos de danos à saúde e à integridade física dos empregados, quando o trabalho exercido é potencial-mente lesivo, ou seja, quando gera um risco considerável ao trabalhador.

Diante desse quadro, a justiça trabalhista tem invocado o art. 927 do CCB e, ignorando a existência de culpa ou dolo, desde que a atividade seja de risco, responsabiliza o empregador pelas lesões causadas ao empregado em decorrência dos acidentes do trabalho.

Todavia, não há entendimento pacificado pela jurisprudência, muito me-nos pela doutrina, que diverge acerca do tema.

Aos que defendem a inaplicabilidade da responsabilidade objetiva nos casos de acidente do trabalho, o argumento utilizado é de que o art. 7º da Cons-tituição da República de 1988, que trata dos direitos dos trabalhadores, em seu inciso XXVIII, determina que as indenizações em caso de acidente do trabalho dependem de culpa ou dolo. Vejamos a redação do artigo supracitado:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

[...] (CR/1988)

Já os que defendem a aplicabilidade da responsabilidade independen-temente de culpa ou dolo argumentam que o caput do art. 7º da Constituição da República autoriza a majoração dos direitos para melhoria da condição so-cial do trabalhador e, por isso, constitui uma determinação mínima e um tipo aberto. Diante disso, seria plenamente possível a aplicação da responsabilidade objetiva em casos de acidente do trabalho, pois estaria assegurando os valores sociais do trabalho, a vida, a saúde e a dignidade da pessoa humana.

Apresentada a divergência, a tendência é que o Tribunal Superior do Trabalho pacifique o entendimento e opte pela possibilidade da aplicação da responsabilidade objetiva nos acidentes do trabalho decorrentes de atividades de risco.

Nesse sentido, destacamos a jurisprudência do egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

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Acidente de trabalho. Motorista. Atividade de risco. Responsabilidade objetiva. O acentuado risco de acidente envolvido no desempenho da atividade de mo-torista de caminhão, no transporte de combustíveis, exercida pelo obreiro, atrai a responsabilidade objetiva do empregador, nos moldes do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. A previsão de responsabilidade subjetiva, constante do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, não constitui óbice à aplicação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. A jurisprudência do colendo TST tem se posicionado no sentido de admitir a responsabilidade objetiva do empregador, quando demonstrado que a atividade desempenhada implique risco à integrida-de física e psíquica do trabalhador.4

Labor em alturas elevadas. Acidente de trabalho. Responsabilidade objetiva. A previsão de responsabilidade subjetiva do empregador, constante do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, não constitui óbice à aplicação do art. 927, pa-rágrafo único, do Código Civil. A jurisprudência do colendo TST tem se posicio-nado no sentido de admitir a responsabilidade objetiva do empregador, quando demonstrado que a atividade desempenhada implique risco à integridade física e psíquica do trabalhador. No caso dos autos, a atividade de carpinteiro exercida em elevadas alturas é de risco e que atrai a responsabilidade objetiva do empre-gador, nos moldes do indigitado artigo do Código Civil.5

Acidente do trabalho. Indenização. Ausência de responsabilidade objetiva do empregador. Se a atividade desenvolvida pela empresa não pode ser considerada de risco, não há como se imputar a responsabilidade objetiva ao empregador, a teor do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Assim, em se tratando de responsabilidade subjetiva, com fundamento no art. 186 do Código Civil, é ne-cessária, além da existência do dano a ser reparado, a demonstração de culpa do pretenso ofensor e do nexo causal entre a conduta deste e o prejuízo sofrido. No caso, não configurada a conduta culposa da empresa que teria acarretado o aci-dente de percurso que vitimou o trabalhador, não há campo para o deferimento das indenizações pleiteadas.6

Atualmente, no âmbito desportivo, tem-se discutido bastante acerca da possibilidade da aplicação da teoria da responsabilidade objetiva no caso de lesão de atleta profissional de futebol.

Todavia, para determinar a possibilidade de aplicação deste instituto, é necessário esclarecer se a atividade prestada pelo atleta do futebol é ou não uma atividade de risco.

Recentemente, a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho reformou a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, na ação trabalhista

4 TRT 3ª R., Proc. 01267-2012-044-03-00-4/RO, 6ª T., Relª Conv. Rosemary de O. Pires, Revisor Fernando Antonio Viegas Peixoto, publ. 31.03.2014, divulg. 28.03.2014, DEJT/TRT3/Cad.Jud., p. 238.

5 TRT 3ª R., Proc. 02239-2012-004-03-00-5/RO, 6ª T., Relª Conv. Rosemary de O. Pires, Revisor Rogerio Valle Ferreira, publ. 24.02.2014, divulg. 21.02.2014. DEJT, p. 263.

6 TRT 3ª R., Proc. 00392-2013-148-03-00-1/RO, 4ª T., Rel. Conv. Oswaldo Tadeu B. Guedes, Revisor Paulo Chaves Correa Filho, publ. 31.03.2014, divulg. 28.03.2014, DEJT/TRT3/Cad.Jud, p. 106.

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movida pelo atleta Thiago Dutra Regis em face do Joinville Esporte Clube, o que gerou muita polêmica.

O jogador do clube catarinense ajuizou uma ação trabalhista requerendo indenização por danos morais e materiais, pois lesionou seu tornozelo em uma partida e, por isso, ficou sem condições de jogar futebol e foi obrigado a largar a carreira de atleta profissional.

O egrégio Regional de Santa Catarina entendeu que se tratava de respon-sabilidade subjetiva do clube, invocando o art. 7º, XXVIII, da CR/1988 e, com isso, entendeu que não houve culpa da agremiação, citando, inclusive, que a entidade de prática desportiva adotou todas as medidas possíveis e existentes para tentar devolver ao atleta as condições de labor, o que, infelizmente, não foi possível, pois estava aquém do alcance da medicina e da fisioterapia.

Em uma parte importante, o acórdão cita que, diante das peculiaridades da profissão, todos atletas estão sujeitos a lesões, motivo pelo qual a Lei Pelé obriga a contratação de seguros.

Com esses argumentos, o Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catari-na negou provimento ao recurso do jogador, mantendo a sentença de primeiro grau, que também havia julgado improcedente o pedido de indenização.

Todavia, em sede de recurso de revista, a Corte Superior Trabalhista en-tendeu que se tratava de uma atividade de risco e que isso fica comprovado quando, ao observar os arts. 34, III, e 45 da Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé –, percebe-se a obrigatoriedade da contratação, pelo empregador, do seguro de vida e de acidentes pessoais.

Logo, por considerarem uma atividade de risco, entenderam que se tra-tava de responsabilidade objetiva, nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. O Ministro Relator, Walmir Oliveira da Costa, ainda aduziu que é um fato público e notório que a prática do futebol profissional em alto nível e o desgaste físico podem gerar lesões durante a prestação do serviço, motivo pelo qual há o dever do clube de indenizar os danos morais e materiais sofridos pelo atleta.

Por isso, deu provimento ao recurso do atleta e condenou o Joinville Es-porte Clube a pagar uma indenização, a título de danos morais, ao jogador, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), bem como uma indenização a títu-lo de danos materiais, também no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Verifica-se, pois, que, tanto na primeira instância como em sede recursal, o entendimento dos Magistrados era de que havia responsabilidade subjetiva e que, como o clube não teve culpa, seria incabível qualquer indenização. Porém, o colendo Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a prática profis-sional do futebol é uma atividade de risco e que, por isso, aplicaria a responsa-bilidade objetiva resultando na condenação do clube ao pagamento de danos morais e materiais, independentemente de culpa deste.

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Por outro lado, em um caso semelhante, o zagueiro Marcos Joaquim dos Santos ajuizou, em 2010, uma ação trabalhista em face do Clube Atlético Mi-neiro. Entre outros pedidos, alegou ter sofrido acidente do trabalho no qual lesionou sua coluna e, diante disso, requereu indenização por danos morais e materiais.

O clube alegou que se tratava de uma doença degenerativa, pré-exis-tente, e que havia fornecido todo o tratamento e condições de recuperação do atleta.

Todavia, a MM. Juíza da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG entendeu que se tratava de atividade de risco, que exigia esforço do atleta – logo, tratava-se de responsabilidade objetiva. Mesmo com esse entendimento, fundamentou que existia culpa do time mineiro, pois, mesmo que a doença fos-se pré-existente, o clube continuou exigindo o esforço do jogador contribuindo para o agravamento.

Entendendo que estavam presentes o nexo de causalidade e o dano, a Magistrada a quo julgou procedente o pedido e condenou o clube ao pagamen-to de indenização a título de danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) e outra, a título de danos matérias, no importe de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais).

Inconformado com a decisão, o Clube Atlético Mineiro recorreu, reque-rendo ao Tribunal Regional do trabalho da 3ª Região a reforma da sentença para, principalmente, julgar improcedente o pedido de indenização por danos morais e materiais.

O Regional mineiro deu provimento ao recurso da entidade de prática desportiva para excluir a condenação por danos morais e materiais. O acórdão foi fundamentado no sentido de que, por se tratar de um doença degenerativa, aplicaria a responsabilidade subjetiva. Isso porque, mesmo com toda a estrutura médica de ponta que o clube dispunha e ofereceu ao atleta, não haveria nada que pudessem fazer para evitar a doença em questão, pois o desgaste físico é inerente à condição do atleta.

Para fortalecer a aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva, os desembargadores do tribunal mineiro destacaram que o fato de o time ter con-tribuído, ou não, como concausa para a doença do atleta, por si só, não geraria o direito à indenização, pois seria necessária a existência de elementos que evidenciassem que o clube agiu com culpa para o dano que sofreu o atleta.

Mesmo com a decisão desfavorável e absolutamente controversa na ju-risprudência, o jogador não recorreu ao colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Verifica-se, pois, que a matéria causa muitas divergências. Todavia, ob-servamos que a tendência é que a Corte máxima trabalhista pacifique a questão entendendo que o futebol é uma atividade de risco e, por isso, deve ser aplicada a teoria da responsabilidade civil objetiva, não importando, pois, se o clube agiu com culpa ou dolo em caso de acidente do trabalho de atleta profissional.

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A nosso ver, a questão não é tão simples ao ponto de determinar que a prática profissional de futebol seja uma atividade de risco. Deve-se, sim, obser-var o caso concreto e, principalmente, as condições que o clube dá ao atleta para prestar os serviços, visando sempre a minimizar o risco de lesões, pois estas são inevitáveis nessa profissão tão peculiar.

Diante disso, observando, claro, o caso concreto, entendemos que se o clube bem estruturado, com médicos, fisioterapeutas, preparadores físicos, que contrata o seguro contra acidente do trabalho e trata com zelo seus atletas, não pode ser punido com a aplicação da responsabilidade objetiva. Deve-se, pois, observar se esse clube agiu com culpa para ocorrência da lesão.

Por outro lado, o clube omisso que não dá assistência adequada e não cumpre as obrigações legais de proteção à saúde, à vida, à integridade física e à dignidade da pessoa humana age, claramente, com, no mínimo, culpa. Logo, pela teoria da responsabilidade civil subjetiva, ficaria sujeito à condenação ao pagamento de danos morais e materiais ao atleta lesionado.

Diante do exposto, em que pese a tendência na uniformização da juris-prudência do Tribunal Superior do Trabalho, achamos temerário que o tema se esgote em um só posicionamento. Ao contrário, entendemos que cada decisão deve ser dada em conformidade com o caso concreto.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT). Referências bibliográficas: NBr 6023. São Paulo: ABNT, 2003.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Recurso Ordinário nº 01267-2012-044-03-00-4, Relatora Juíza Convocada Rosemary de O. Pires, publicação: 28.03.2014.

______. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, Recurso Ordinário nº 02239-2012-004-03-00-5, Relatora: Juíza Convocada Rosemary de O. Pires, publi-cação 21.02.2014.

______. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região. Recurso Ordinário nº 00392-2013-148-03-00-1, Relator Juiz Convocado Oswaldo Tadeu B. Guedes, publicação: 28.03.2014.

______. Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, Recurso Ordinário nº 01875-2010-112-03-00-0, Relator Juiz Convocado Márcio José Zebende, publica-ção: 10.10.2011.

______. Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de Revista nº 393600-47.2007.5.12.0050, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, publicação: 07.03.2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2010.

FIUZA, César. Direito civil. 16. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2012.

Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Responsabilidade Civil do Clube na Lesão de Atleta

1008

Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑393600‑47.2007.5.12.0050 Acórdão1ª Turma

RECURSO DE REVISTA – ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – ACIDENTE DE TRABALHO – INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL

1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído a ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais a Corte a quo rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral.

2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III, e 45, da Lei nº 9.615/1998, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �������������������������������������������������������������������������������������� 17

4. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido.

Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST--RR-393600-47.2007.5.12.0050, em que é Recorrente Thiago Dutra Regis e Recorrido Joinville Esporte Clube.

Inconformado com o acórdão proferido pelo TRT da 12ª Região no jul-gamento do recurso ordinário, o reclamante interpõe recurso de revista, arguin-do nulidade por cerceamento do direito de defesa e insurgindo-se quanto aos temas relativos ao reconhecimento da natureza salarial do direito de imagem e respectivos reflexos nas demais parcelas; à indenização decorrente do seguro de acidente; à caracterização de acidente de trabalho, além de postular as respec-tivas indenizações por danos materiais e morais e os honorários advocatícios.

Admitido o recurso, mediante decisão às fls. 1090-1092, o reclamado apresentou contrarrazões, às fls. 1096-1146.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, II, do Regimento Interno do TST.

É o relatório.

VOTO

1 CONHECIMENTO

Satisfeitos os requisitos extrínsecos de admissibilidade, pertinentes à tem-pestividade (fls. 936 e 938), à regularidade de representação (fl. 60), e sendo dispensado o preparo.

Atendidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade, passa-se ao exa-me dos intrínsecos do recurso de revista.

1.1 Nulidade processual. Cerceamento do direito de defesa. Indeferimento de prova pericial

O TRT da 12ª Região rejeitou a preliminar de nulidade do processo argui-da pelo reclamante, nos seguintes termos, verbis:

[...] Nas ações indenizatórias decorrentes de acidente de trabalho a produção de prova pericial, em regra, visa comprovar dois dos elementos configuradores da responsabilidade civil, quais sejam, o dano e o nexo de causalidade entre o evento danoso e o labor desenvolvido, o que, no presente caso, seria inócuo, já que tanto um quanto outro são incontroversos.

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In casu, a controvérsia concernente à responsabilidade civil postulada paira so-bre a existência ou não de culpa do réu pelo evento danoso, ou seja, trata de constatar se ele tomou todas as providências possíveis e razoavelmente exigíveis para a recuperação do atleta após o acidente de trabalho em comento (lesão no calcanhar esquerdo quando da prática desportiva), considerando que, ante as peculiaridades do labor exercido, os atletas profissionais de futebol estão diu-turnamente sujeitos a lesões, tanto é que os clubes desportivos, como é o caso do réu, são obrigados a contratar seguro contra acidente de trabalho previsto em legislação específica (Lei nº 9.615/1998).

Diante do caso concreto, consoante ressaltou o Juízo a quo e conforme será ex-posto quando da análise do mérito, os elementos de prova constantes dos autos, em especial a prova testemunhal, são suficientes para esclarecer o ponto sobre o qual paira a controvérsia – ou seja, a existência ou não de culpa do réu pelo dano sofrido – sendo, portanto, dispensável a produção de prova complementar.

Ademais, na análise específica da prova oral deve ser considerado o princípio da imediatidade para buscar a justiça na avaliação das provas, pois é o Juiz de primeiro grau, coletor dos depoimentos, que tem o contato direto com as fontes (partes e testemunhas), numa relação pessoal imediata. É sensato, portanto, dian-te do caso posto para acertamento, convalidar a valoração feita pelo Juízo a quo no que diz respeito à desnecessidade de produção de prova pericial tendo em vista o conjunto probatório existente nos autos.

Rejeito a prefacial.

No julgamento dos embargos de declaração interpostos pelo reclamante, o Colegiado Regional decidiu nos seguintes termos, verbis:

Conforme constou do acórdão embargado, o indeferimento do pedido de pro-dução de prova complementar foi mantido porque, conforme o entendimento exposto na sentença revisanda, os elementos de prova constantes dos autos são suficientes para esclarecer o ponto sobre o qual paira a controvérsia, qual seja, a existência ou não de culpa do réu pelo dano sofrido pelo autor.

Inexiste a contradição apontada pelo embargante. Se por um lado o autor não produziu prova substancial capaz de demonstrar a culpa do réu pelo infortúnio noticiado na exordial, por outro lado a prova testemunhal produzida pela ré so-mada à prova documental é suficiente para comprovar a inexistência da referida culpa.

Logo, não há contradição entre a conclusão de que a prova constante dos autos é bastante para formar o convencimento do Juízo e a constatação de que não restou demonstrada a culpa do demandado, pois esta constatação se fundamenta justamente na análise das provas produzidas.

Assim, o acórdão embargado expôs de modo claro e detalhado as razões pelas quais negou provimento ao recurso do autor, consoante determinado no art. 131 do CPC. Não há, portanto, vício a ser sanado.

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Nas razões do recurso de revista, o reclamante argui a nulidade do pro-cesso por cerceamento do direito de defesa, sob a tese de que a Corte Regional manteve a decisão que indeferiu a produção da prova pericial e, no entanto, concluiu que o autor não se desincumbira do seu ônus de comprovar a culpa do reclamado nas consequências do acidente de trabalho, com as progressões da lesão sofrida em razão do tratamento de saúde ofertado pelo reclamado. De-monstra a importância da prova pericial e postula a decretação de nulidade do processo em razão do prejuízo sofrido, que culminou no indeferimento das in-denizações postuladas. Aponta violação dos arts. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal e 794 da CLT, além de transcrever arestos para cotejo de teses.

Razão não lhe assiste, contudo.

Como visto, o Tribunal Regional assinalou não ser necessária a produção de prova pericial, em face de ter firmado seu convencimento a partir das demais provas produzidas pelas partes, para concluir no sentido da ausência de culpa do clube reclamado pelas lesões sofridas pelo autor.

Assim, não se visualiza cerceamento do direito de defesa e consequente violação inequívoca dos arts. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal e 794 da CLT, por inserir-se no poder de comando do magistrado, ao firmar sua convic-ção nas demais provas, indeferir as diligências que entende serem inúteis ou desnecessárias ao desate da lide (CPC, arts. 130 e 420, II).

No mesmo diapasão a jurisprudência desta egrégia 1ª Turma:

RECURSO DE REVISTA – CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA – PERÍCIA CONTÁBIL – NOVA PROVA PERICIAL – INDEFERIMENTO – Formada a con-vicção do julgador com base em elementos de prova já existentes nos autos e a observância do princípio do livre convencimento motivado, tem-se que o indefe-rimento de prova pericial desnecessária não cerceia o direito de defesa. Incólume o art. 5º, LV, da Constituição da República. Recurso de revista não conheci-do. Processo: RR 165840-76.2005.5.04.0252, 1ª T., Rel. Des. Conv. José Maria Quadros de Alencar, J. 27.11.2013, DEJT 29.11.2013.

NULIDADE – CERCEAMENTO DE DEFESA – INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA – DOENÇA OCUPACIONAL NÃO CONS-TATADA – O sistema processual pátrio consagra o princípio do livre convenci-mento motivado, sendo facultado ao magistrado firmar sua convicção a partir de qualquer elemento de prova legalmente produzido, desde que fundamente sua decisão. Não se vislumbra assim, cerceamento de defesa em decisão que, devi-damente fundamentada, indefere pedido de produção de nova prova pericial, por reputá-la desnecessária, eis que considerou suficiente a prova já carreada aos autos, além de não vislumbrar contradição entre os laudos produzidos. Inteligên-cia do art. 130 do Código de Processo Civil. Agravo de instrumento não provido. Processo: AIRR 9700-23.2011.5.13.0003, 1ª T., Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, J. 11.09.2013, DEJT 13.09.2013.

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NULIDADE PROCESSUAL – PEDIDO DE COMPLEMENTAÇÃO DA PERÍCIA – INDEFERIMENTO – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – Cabe ao juiz a condução do processo e o indeferimento das provas que reputar inúteis e protelatórias, diante dos limites da lide e do conjunto probatório, consoante as balizas dos arts. 130 do CPC e 765 da CLT. O indeferimento do pedido de complementação da prova pericial, em vista de a matéria já estar suficientemente esclarecida pelo laudo elaborado, não vulnera os referido preceitos, tampouco o art. 435 do CPC, mormente quando registrado, pelo TRT, que as manifestações anteriores da reclamada, que culminaram com o protesto antipreclusivo –, não diziam respeito à ausência de resposta ou resposta incompleta de quesitos, mas à inconformidade com as respostas da expert – a denotar que, a par de inócua, a complementação da perícia não foi postulada no momento oportuno. Proces-so: AIRR 1340-08.2008.5.04.0601, 1ª T., Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, J. 21.08.2013, DEJT 30.08.2013.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA – INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL MÉDICA – Não se dá provimento ao agravo de instrumento que visa destrancar recurso de revis-ta que não observa pressuposto intrínseco estabelecido no art. 896 da CLT. Na hipótese, o Tribunal Regional indeferiu o pedido da reclamada de realização de perícia médica, por entender que a prova requerida em nada elucidava a existên-cia ou não de estabilidade provisória do reclamante, por acidente de trabalho, e concluiu que as provas já produzidas foram suficientes para demonstrar a exis-tência de doença do trabalho, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.213/1991, sendo o autor detentor de estabilidade provisória. Assim, não há falar em violação do art. 5º, LV, da Constituição Federal, na medida em que o procedimento adotado nas Instâncias ordinárias não afrontou o direito de defesa da agravante. A teor dos arts. 125, II, 131 e 420, parágrafo único, II, do CPC, o juiz indeferirá a perícia quando for desnecessária, velando pela rápida solução do litígio. Agravo de ins-trumento a que se nega provimento. Processo: AIRR 142640-90.2006.5.04.0030, 1ª T., Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, J. 12.12.2012, DEJT 14.12.2012.

Por derradeiro, tem-se que o paradigma indicado para cotejo de te-ses resulta inservível porque oriundo de Turma do TST, em desacordo com o art. 896, a, da CLT.

Não conheço do recurso de revista, no tema.

1.2 Atleta profissional de futebol. Direito de imagem. Natureza jurídica

No tema, o Tribunal Regional de origem deu provimento ao recurso ordi-nário interposto pelo clube reclamado, nos seguintes termos, verbis:

Primeiramente, cumpre destacar que o direito de imagem aqui tratado não se confunde com o direito de arena, previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (mais conhecida como Lei Pelé). Nesse sentido, me reporto, com a devida vênia, aos fundamentos constantes do acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Re-gião, da lavra do Exmo. Juiz Hugo Carlos Scheuermann, nos autos do processo, in verbis:

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Este Relator filia-se à corrente jurisprudencial que distingue o direito de imagem do direito de arena do atleta profissional. [...] Para tanto, impende esclarecer, de início, que o direito de imagem assegurado pelo art. 5º, XXVIII, a, da Cons-tituição Federal (a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas) não se confunde com o chamado direito de arena, disciplinado pelo art. 42 da Lei nº 9.615/1998 [...] O direito de arena, previsto no art. 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998, integra o próprio contrato de trabalho do atleta profissional porque constitui a re-tribuição pela sua participação nos eventos desportivos, ou seja, o direito à par-ticipação do atleta nos lucros obtidos pela entidade de prática desportiva com a fixação, transmissão ou retransmissão de espetáculo esportivo público, tem forma de remuneração fixada na lei e, a rigor, prescinde de contratação específica, por-que a própria lei já confere ao clube o direito de dispor da imagem dos atletas por ele contratados. É, pois, parcela de nítido caráter salarial porquanto remunera a atividade do atleta profissional propriamente dita, ou seja, a prestação de seu tra-balho, e sendo paga por terceiros, assume a natureza de gorjeta, fazendo incidir a norma do art. 457, § 1º, da CLT. O direito de imagem, de outro lado, é inerente ao indivíduo, personalíssimo e indisponível, sendo indispensável, para a sua ces-são, que seja pactuado em contrato particular de natureza civil, indivi dualmente ou por pessoa jurídica por ele constituída, envolvendo sempre situação diversa daquela prevista no art. 42 da Lei nº 9.615/1998 [...] (grifo acrescido)

Isto posto, passo à análise do caso concreto.

Ao autor incumbia comprovar a veracidade das suas alegações, nos ter-mos dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC, ou seja, a ele competia comprovar a natureza salarial dos valores pagos em razão dos contratos de “licença para uso da imagem, voz, nome e/ou apelido, marketing esportivo e outras avenças” firmados com o réu (fls. 159-164) – ônus do qual não se desincumbiu.

A contratação em comento não pode ser presumida fraudulenta simples-mente em razão das alegações fáticas constantes da exordial, que, pelo consta dos autos, não restaram comprovadas, na medida em que não há elemento capaz de demonstrar a efetiva existência de pagamento de salário extrafolha.

Tais contratos de licença para uso da imagem firmados entre o autor e o clube demandado, Joinville Esporte Clube (durante os períodos de 02.01.2006 a 15.04.2006 e de 16.12.2006 a 10.05.2007), pelo que consta dos autos, ti-nham efetivamente natureza civil e vigiam de forma paralela aos contratos de trabalho firmados entre o autor e a Confederação Brasileira de Futebol (pelos períodos de 01.05.2005 a 31.12.2005; 01.02.2006 a 15.12.2006; e 16.12.2006 a 10.05.2007), de maneira que os valores percebidos em razão da licença con-cedida ao réu não integravam o salário do autor, na qualidade de jogador de futebol.

Prova disso é a cláusula contratual nº 4 (constante de ambos os contratos de licença para uso da imagem) que prevê expressamente na sua parte final que os valores pactuados seriam pagos pelo contratante ao contratado “inde-

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pendentemente da existência ou não de vínculo empregatício entre as partes” (fls. 159 e 162).

Ora, se o contrato de licença para uso da imagem realmente tivesse o in-tuito de camuflar o pagamento de parcela de natureza salarial, não seria razoá-vel que o réu se comprometesse a pagar o valor contratado independentemente da existência ou não do liame empregatício.

Os contratos de trabalho (fls. 149-151) remuneravam o labor prestado pelo autor ao réu, ou seja, o exercício da atividade de jogador de futebol, ao passo que os contratos de natureza civil em comento (juntados às fls. 159-164) indenizavam o uso da imagem, voz, nome e/ou apelido e marketing esporti-vo “independentemente da existência ou não de vínculo empregatício entre as partes”.

Assim, denota-se que os contratos de trabalho e os contratos de permis-são de uso de imagem tinham objetos distintos e efetivamente vigiam de forma paralela, de modo a não se confundirem um com o outro.

Ademais, não se sustenta a argumentação do autor de que o contrato de licença de uso de imagem se justifica apenas no caso de jogadores de futebol já renomados (como é o caso dos jogadores da seleção brasileira), na medida em que há a possibilidade de qualquer atleta profissional, mesmo aquele ainda desconhecido, ser abordado e ter a sua imagem e/ou voz veiculada nos meios de comunicação, em razão da atividade por ele desenvolvida ou simplesmente por ter sido recém contratado por determinado clube ou, ainda, em virtude de uma eventual atuação de destaque ocorrida em alguma partida que o torne repentinamente famoso.

Logo, é impossível o clube empregador antever quando especificamente este ou aquele jogador por ele contratado, por menos conhecido que seja, pode vir a se tornar famoso, passando a ser entrevistado, fotografado ou filmado, tan-to para fins jornalísticos quanto para fins de propaganda e marketing esportivo, em especial durante os períodos em que ocorrem os campeonatos de futebol, nos quais os jogadores estão mais expostos ao público. Registre-se, outrossim, que até mesmo os atletas contundidos e afastados das partidas de futebol, não raras vezes, são abordados por jornalistas e vistos na mídia.

No caso concreto, os documentos das fls. 165-167 comprovam a exposi-ção de fotografias do autor na imprensa local, jornal “A Notícia”, na qualidade de atleta profissional de futebol, vestindo a camiseta do clube demandado, com o logotipo dos seus patrocinadores.

Além disso, os documentos das fls. 168-172 demonstram a existência de contrato firmado entre Wilson Martins Modas ME. (contratante) – detentora dos direitos de exploração da marca Spieler –, e Joinville Esporte Clube (con-tratado), por meio do qual a contratante obteve o direito de “usufruir e explorar comercialmente, individualmente, a imagem, nome/apelido e marketing espor-

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tivo de atletas e membros das comissões técnicas integrantes das equipes da contratada, que tenham licenciado formalmente o direito ao uso dos direitos personalíssimos em questão em favor da contratada” (sic) – como é o caso do autor, conforme comprovam os contratos de licença para uso da imagem das fls. 159-164.

Dessa forma, não prospera a argumentação do demandante de que os contratos de natureza civil in studio são fraudulentos, pois há prova robusta da exposição da imagem do autor na imprensa local como atleta profissional do clube demandado, bem como prova de contrato de promoção publicitária para divulgação da marca de patrocinador, através dos uniformes utilizados pelos jogadores do time, o que justifica a cessão de imagem como fato de natureza civil, como sustentado pela defesa.

Os contratos de natureza civil em comento, cujos períodos de vigência, ressalte-se, coincidem com os meses durante os quais ocorre o campeonato catarinense de futebol, são justamente a maneira pela qual o clube demanda-do tem de se precaver de eventual condenação pelo uso da imagem do atleta profissional.

Portanto, inexistindo prova em contrário, há de prevalecer a contratação de natureza civil havida entre as partes, comprovada por meio dos documentos juntados com a defesa.

Corroborando o posicionamento aqui exposto, colho jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

[...]

Diante de todo o exposto, por não comprovada a existência de salário extrafolha, dou provimento ao recurso para excluir a condenação do réu ao pagamento de “diferenças de 13º salários, férias + 1/3 e FGTS (8%)” constante do item a da parte dispositiva da sentença (fl. 286).

Nas razões do recurso de revista, o reclamante requer o reconhecimento da natureza salarial da parcela relativa ao direito de imagem, com a repercussão no cálculo das demais verbas. Sustenta que, embora tenha celebrado contrato de natureza civil, em verdade, houve fraude à legislação trabalhista, uma vez que os valores ajustados a título de direito de imagem são, em muito, superiores ao salário anotado na Carteira de Trabalho, requerendo a aplicação do princí-pio da primazia da realidade. Aponta violação dos arts. 5º, V, X e XXVIII, da Constituição Federal, e 9º da CLT e transcreve arestos para cotejo de teses.

O segundo paradigma transcrito à fl. 958, oriundo do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, demonstra a divergência jurisprudencial necessária, ao reconhecer a natureza remuneratória do direito de imagem pago por meio de empresa interposta, assinalando que essa prática constitui desvirtuamento dos preceitos tuitivos do Direito do Trabalho.

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Assim, configurada a hipótese prevista no art. 896, a, da CLT, conheço do recurso de revista.

1.3 Atleta profissional. Seguro de acidente de trabalho. Indenização

No julgamento do recurso ordinário interposto pelo reclamado, a Corte de origem deu-lhe provimento, concluindo ser indevida a indenização decor-rente do seguro de acidente de trabalho, sob a seguinte fundamentação, verbis:

O autor, sob a alegação de que o réu não contratou o seguro de acidente de trabalho previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998, postulou o pagamento de inde-nização equivalente ao valor do referido seguro (“13 meses + 1/3”).

O Juízo a quo, com fundamento no art. 45 da Lei nº 9.615/1998, deferiu o pa-gamento de R$ 41.142,84, a título de indenização do seguro de acidente de trabalho, nos seguintes termos:

O reclamado juntou documentos relativos à apólice de seguro de vida em grupo (fls. 180/186). No entanto, não há comprovação de que tenha realizado qualquer ato para ver garantido o direito do reclamante.

Neste passo, deverá o réu suportar com o montante mínimo devido – R$ 41.142,84 – a título de indenização, ou seja, doze meses da remuneração/mês reconhecida em Juízo (oficial e extra-oficial).

A reclamada poderá se ressarcir do valor a que foi condenada quando da co-bertura do prêmio da apólice que ajustou com a seguradora Metropolitan Life Seguros e Previdência Privada S. A.

Irresignado o réu pretende ser absolvido da condenação, sob a assertiva de que cumpriu a determinação legal de contratar o seguro de acidente de trabalho re-clamado pelo autor. Aduz que o seguro não foi acionado apenas em razão de o demandante não ter manifestado interesse em fazê-lo.

Cabe a reforma do julgado.

O referido dispositivo legal assim determina:

Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de acidentes de trabalho para atletas profissionais a ela vinculados, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

Parágrafo único. A importância segurada deve garantir direito a uma indeni-zação mínima correspondente ao valor total anual da remuneração ajustada no caso dos atletas profissionais. (grifos acrescidos)

Os documentos juntados com a defesa (fls. 180-186) infirmam a alegação do autor com base na qual ele postulou a indenização em tela – ou seja, a alegação de que o réu não contratou o seguro de acidente de trabalho previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998. Tais documentos comprovam que o réu firmou, em bene-fício do demandante, seguro contra “Invalidez Permanente Total ou Parcial por

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Acidente” (doc. da fl.180 – campo “garantias e capitais segurados individuais – titular”).

Desse modo, pelo que consta dos autos, o réu cumpriu a obrigação legal de “con-tratar seguro de acidentes de trabalho para atletas profissionais a ele vinculados, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos”, conforme exige a regra prevista no caput do art. 45 da Lei nº da Lei nº 9.615/1998.

No que se refere à importância segurada (R$ 50.000,00 – fl.180) também está de acordo com o valor mínimo previsto no parágrafo único do art. 45 acima trans-crito – “valor total anual da remuneração ajustada”.

A questão relativa à não comprovação do salário extrafolha reconhecido pelo Juízo a quo já restou superada pela fundamentação exposta no item nº 1 do pre-sente recurso.

Assim, considerado o salário contratado e percebido pelo autor de R$ 1.000,00 (mil reais) – conforme consta dos contratos de trabalho e dos recibos de paga-mento de salário (fls. 149-154) –, denota-se que a importância segurada pelo réu (R$ 50.000,00 – fl.180) supera em muito o valor mínimo estipulado em lei para a indenização do seguro “valor total anual da remuneração ajustada”, pois, ainda que considerada as “13 remunerações + 1/3” referidas pelo autor, tal montante não ultrapassaria o valor do seguro contratado em seu benefício.

Por todo o exposto, dou provimento para absolver o réu da condenação ao paga-mento de “R$ 41.142,84 a título de indenização pelo valor mínimo do seguro de acidentes de trabalho previsto no art. 45 da Lei nº 9.615/1998” constante do item b da parte dispositiva da sentença (fls. 286-287).

Nas razões do recurso de revista, o reclamante sustenta que, tendo se verificado o acidente de trabalho, o clube reclamado tinha o dever de acionar o seguro, pagando a indenização equivalente a, no mínimo, o valor total da remuneração anual ajustada.

Aduz, ainda, que não bastava ser firmado o contrato de seguro, sendo necessário o repasse dos valores devidos, o que sustenta ser obrigação do re-clamado. Aponta violação do art. 45, parágrafo único, da Lei nº 9.615/1998. O recurso não alcança conhecimento.

O Tribunal Regional registra que o clube reclamado cumpriu o dever legal de contratar, em benefício do autor, seguro contra “Invalidez Permanen-te Total ou Parcial por Acidente”. Assinalou, ainda, que o valor segurado, de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), estava além do montante mínimo estipula-do em lei para esse fim.

Assim, não se divisa a violação inequívoca do art. 45, parágrafo único, da Lei nº 9.615/1998, porquanto o pagamento da indenização é da seguradora, e não da entidade desportiva, nos moldes do § 2º do citado dispositivo, verbis:

A entidade de prática desportiva é responsável pelas despesas médico-hospita-lares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a

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seguradora não fizer o pagamento da indenização a que se refere o § 1º deste artigo.

Não conheço do recurso de revista, no tema.

1.4 Acidente de trabalho. Indenização por dano material e moral

No julgamento do recurso ordinário interposto pelo reclamante, o Cole-giado de origem adotou as seguintes razões de decidir:

2. Indenização por danos materiais e morais. Acidente de trabalho

Pretende o autor a reforma do julgado para que lhe seja deferido o pagamento de indenização por danos morais e materiais, em decorrência de uma lesão sofrida no calcanhar esquerdo, quando da prática desportiva desenvolvida como atleta profissional de futebol contratado pelo réu, o que acabou por incapacitá-lo para o exercício do seu labor.

Sustenta que o tratamento médico não foi corretamente aplicado e que isso se deu em virtude da intervenção do empregador.

Razão não lhe assiste.

À luz do art. 7º, XXVIII, da Carta Magna, a responsabilidade do empregador em caso de acidente do trabalho ou doença a ele equiparada está assentada nos seguintes termos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

O dispositivo constitucional consubstancia, pois, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, cujos pressupostos são: ação ou omissão, culpa ou dolo, dano e nexo de causalidade.

Logo, em se tratando de pleito indenizatório fundado na existência de acidente de trabalho, mister se faz a inconcussa demonstração de todos os pressupostos antes mencionados para a caracterização da responsabilidade civil do empre-gador.

No caso sub judice, é incontroverso que o acidente ocorreu enquanto o autor de-senvolvia sua atividade profissional em benefício do réu (em 06.07.2005, fl. 42), bem como que, em virtude do infortúnio, o demandante não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente.

Entretanto, as provas existentes nos autos infirmam as alegações do autor no que se refere à existência de culpa do empregador – ônus probatório que incumbia ao demandante, por se tratar de fato constitutivo do direito postulado (arts. 333, I, do CPC e 818 da CLT).

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Conforme ressaltado alhures, diante das peculiaridades do labor exercido, os atletas profissionais de futebol estão diuturnamente sujeitos a lesões, tanto é que os clubes desportivos são obrigados a contratar seguro contra acidente de traba-lho previsto em legislação específica (Lei nº 9.615/1998), o que se verificou na presente hipótese, consoante exposto no item nº 2 do recurso do réu.

Quando da ocorrência do infortúnio o demandado tomou as devidas providên-cias, tendo preenchido a Comunicação de Acidente de Trabalho, o que possibi-litou ao autor exercer o direito à percepção do benefício previdenciário auxílio--doença, conforme comprovam os documentos das fls. 208-217.

In casu, não ficou demonstrado nenhum comportamento desidioso por parte do réu, tampouco que ele tenha agido de modo descuidado em relação ao cumpri-mento das normas de segurança, higiene ou saúde do trabalhador, de maneira a possibilitar, em razão de suposta incúria, desídia ou negligência, a ocorrência do acidente de trabalho sofrido pelo autor.

Do mesmo modo, não restou comprovada a alegação de que o tratamento mé-dico foi aplicado de modo incorreto e que isto se deu em virtude da intervenção do clube demandado.

Muito pelo contrário, conforme ressaltou o Juízo de primeiro grau, a prova exis-tente nos autos, em especial a prova testemunhal, demonstra que o réu adotou todas as medidas possíveis e existentes para tentar devolver ao autor a capacida-de para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, contudo, lamentavelmente, os procedimentos que estavam ao alcance da medicina e da fisioterapia se mostraram insuficientes.

A prova testemunhal produzida pelo autor não traz elementos substanciais com base nos quais se possa concluir pela veracidade das alegações fáticas constantes da exordial, relativas à existência de culpa do empregador.

Por outro lado, a primeira testemunha trazida a Juízo pelo réu, Sr. André Barros Vilela de Farias, médico que atuou e acompanhou o tratamento do autor, foi claro ao relatar os fatos que se sucederam o acidente, tendo exposto de maneira detalhada o modo como o réu se preocupou em viabilizar todos os meios exis-tentes para a recuperação do autor, afirmando, inclusive, que, a pedido do pre-sidente do clube demandado, acompanhou a cirurgia que foi feita em São Paulo por médico especialista.

Foram realizados tratamentos fisioterápicos, com o acompanhamento do referi-do médico, além de duas intervenções cirúrgicas, que foram procedidas com o consentimento e a ciência do autor quanto aos possíveis riscos, o qual, inclusive, antes de decidir pela realização das cirurgias, colheu a opinião de diversos médi-cos consultados em São Paulo e em Curitiba.

Todavia, a recuperação não foi possível, não em razão de suposta conduta desi-diosa do demandado, mas, sim, porque a medicina ainda não tinha evoluído a tal ponto de permitir a cura total da lesão no nível necessário para a prática do esporte profissional, conforme esclareceu o médico ouvido pelo Juízo de primei-ro grau.

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Para melhor elucidação do ocorrido, cabe transcrever o depoimento da referida testemunha (fls. 271-272):

01 – o depoente não era funcionário mas chegou a prestar serviços para JEC de 2004 até 2007 aproximadamente através do Instituto Niso Balsini; 02 – que o instituto foi contratado para prestação de serviço na área de orto-pedia; 03 – que as lesões apresentadas pelo autor lhe permite apenas levar uma vida normal mas não à prática de esportes a nível profissional; 04 – o autor sofreu uma lesão rara a nível de futebol considerada grave e de prog-nóstico reservada para um atleta profissional; 05 – que o autor foi alertado na ocasião que a única forma de tratamento seria cirúrgica e mesmo assim sem promessa de que fosse 100% de bons resultados; 06 – lhe foi explicado que a cirurgia implicaria em enxerto de cartilagem pelo que haveria necessidade de aceitação do organismo para este enxerto para o sucesso da recuperação; 07 – o reclamante como é obvio para quem exerce a sua profissão se mos-trou bastante ansioso quando soube da notícia, tendo dito inclusive que iria buscar outras soluções para sua recuperação; 08 – como conduta de praxe do depoente, foi dito que não haveria nenhum problema dele consultar outros profissionais pois apesar do instituto ter sido contratado pelo clube ninguém é obrigado a se submeter ao tratamento que a clínica submete; 09 – antes de fa-zer a cirurgia inclusive o autor fez consulta em São Paulo e Curitiba/PR, tendo retornado com diversas opiniões; 10 – ciente de todos os riscos e condições do tratamento o autor resolveu fazer a cirurgia e o tratamento sugerido pelo Instituto Balsini; 11 – durante a fisioterapia o reclamante já passou a acusar dor não tendo evolução esperada pelos médicos; 12 – posteriormente foi feita uma ressonância magnética em data que o depoente não se recorda quando se chegou à conclusão da inviabilidade do enxerto; 13 – em decorrência da lesão de cartilagem o autor também passou a apresentar uma fragilidade na zona próxima ao enxerto, sendo também recomendado ao autor que se sub-metesse à nova cirurgia para tentar novo enxerto; 14 – como consequência de uma primeira tentativa sem êxito é normal que possa haver entre o paciente e o médico um certo grau de desconfiança para realização de uma nova ci-rurgia razão porque o próprio depoente indicou ao autor médico especialista em lesões semelhantes que atua em São Paulo para que ele tivesse uma outra opinião; 15 – o médico indicado, Dr. Caio Neri, confirmou o mesmo diag-nóstico do depoente quanto à necessidade de uma nova cirurgia; 16 – que o Presidente do clube na época pediu ao depoente que acompanhasse a cirur-gia que foi feita em São Paulo com aquele especialista, não sabendo contudo se o clube suportou com os custos daquela cirurgia; 17 – que o reclamante então retornou para fazer o tratamento fisioterápico com o clube, parte na clínica, parte nas dependências do próprio JEC, com o acompanhamento do depoente, que periodicamente informava a evolução mas ao final do período previsto para a recuperação o reclamante continuou a acusar dores que o impediam do exercício de sua profissão; 18 – posteriormente o depoente con-versou com o autor demonstrando que a medicina ainda não tinha evoluído a tal ponto de permitir a cura total de sua lesão no nível necessário à prática do esporte profissional, dizendo-lhe contudo que teria condições de levar uma vida normal, razão porque teria que comunicar ao clube sua conclusão clíni-ca de incapacidade para continuar a exercer a profissão de atleta profissional,

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devendo em conseqüência o autor se dirigir ao clube para saber dos direitos que teria em razão desta situação.

Reitero, por oportuno, que na análise da prova oral deve ser considerado o prin-cípio da imediatidade para buscar a justiça na avaliação das provas, pois é o Juiz de primeiro grau, coletor das provas, que tem o contato direto com as fontes (par-tes e testemunhas), numa relação pessoal imediata. Assim, é prudente convalidar a valoração feita pelo Juízo a quo, pois inexistem elementos nos autos capazes de infirmarem as declarações prestadas pela referida testemunha.

Assim, diante da prova oral produzida, corroborada pelos documentos juntados com a defesa (fls. 188-199), que comprovam que o demandado arcou com todas as despesas decorrentes do tratamento do autor, conclui-se que, ao contrário do que afirma o demandante, o réu agiu com zelo, buscando viabilizar todos os meios para a sua recuperação, o que, aliás, é razoável que ocorra, já que não é interessante para um clube desportivo ter um atleta que, embora remunerado, não possa jogar.

Logo, não restando comprovada a culpa do empregador pelo evento danoso, incabível o deferimento dos pleitos indenizatórios. Mantenho a sentença, neste particular, por seus próprios e jurídicos fundamentos, acrescidos das presentes razões de decidir.

Interpostos embargos de declaração pelo reclamante, a Corte de origem negou--lhes provimento, sob a seguinte fundamentação, verbis:

Conforme constou do acórdão embargado, o indeferimento do pedido de pro-dução de prova complementar foi mantido porque, conforme o entendimento exposto na sentença revisanda, os elementos de prova constantes dos autos são suficientes para esclarecer o ponto sobre o qual paira a controvérsia, qual seja, a existência ou não de culpa do réu pelo dano sofrido pelo autor.

Inexiste a contradição apontada pelo embargante. Se por um lado o autor não produziu prova substancial capaz de demonstrar a culpa do réu pelo infortúnio noticiado na exordial, por outro lado a prova testemunhal produzida pela ré so-mada à prova documental é suficiente para comprovar a inexistência da referida culpa.

Logo, não há contradição entre a conclusão de que a prova constante dos autos é bastante para formar o convencimento do Juízo e a constatação de que não restou demonstrada a culpa do demandado, pois esta constatação se fundamenta justamente na análise das provas produzidas.

Assim, o acórdão embargado expôs de modo claro e detalhado as razões pelas quais negou provimento ao recurso do autor, consoante determinado no art. 131 do CPC. Não há, portanto, vício a ser sanado.

O recorrente afirma ser incontroverso que, no exercício do seu trabalho sofreu um acidente de trabalho consistente em uma lesão no calcanhar esquer-do; que o reclamado o encaminhou a tratamento médico, tendo sido submetido

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a três procedimentos cirúrgicos, sem que fossem obtidos os resultados espera-dos, culminado na incapacidade para retornar às atividades esportivas profissio-nais, antes desempenhadas.

Assevera, ainda, que independentemente da comprovação de culpa do reclamado, tem direito às indenizações por dano material e moral, sob a alega-ção de que se trata de obrigação do empregador a manutenção de condições adequadas de segurança e medicina do trabalho, bem como o zelo pela inte-gridade física e psíquica do empregado. Requer, ainda, caso seja reformado o acórdão recorrido, e invertido o ônus da sucumbência, sejam deferidos os honorários advocatícios. Indica a violação dos arts. 186, 187, 927, caput e pa-rágrafo único, do Código Civil.

Ao exame.

Como se observa, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmen-te, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissio-nal, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais rejeitou o pedido de indenização por danos moral e material.

Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III, e 45, da Lei nº 9.615/1998, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clínicos neces-sários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual, haverá obriga-ção de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nem poderia ser de outro modo, dado que, na prática desportiva, o risco de lesões a que submetido o atleta profissional é tão expressivo que o legislador ordinário passou a exigir que o respectivo clube empregador contrate seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo, expresso, de “cobrir os riscos a que eles estão sujeitos”.

Nesse sentido o magistério de Cavalieri Filho, na obra Programa de Res-ponsabilidade Civil, Malheiros Editores, 2006, verbis:

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O dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado. Foi ela desenvolvida especificamente para justificar a reparação dos acidentes ocorridos com os empregados no trabalho ou por ocasião dele, independentemente de culpa do empregador.

Por conseguinte, não há campo propício para incidência do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal, como entendeu a Corte de origem, mas, sim, o disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que afasta o elemento da culpa do ofensor, na medida em que a própria legislação especial estabeleceu que a atividade do atleta profissional, por sua natureza, implica riscos à sua integridade física e gera danos psicológicos.

A propósito, é fato público e notório que a competitividade e o desgaste físico, inerentes à prática desportiva, constituem fatores que podem desvalorizar o atleta que sofrer lesões nos treinos ou nas partidas de futebol, decorrendo, daí, o correspondente dever de o clube empregador indenizar os danos morais e materiais sofridos pelo atleta.

De sorte que, fixadas no acórdão recorrido as premissas quanto à con-figuração dos elementos da responsabilidade civil objetiva, não há falar em falta de prova do dano moral. A dor, o sofrimento e consequente ofensa aos atributos da personalidade do empregado são consequências da doença profis-sional, e não causa. Em outras palavras, o dano moral, de acordo com a teoria do dannum in re ipsa, é consequência do próprio fato ofensivo, de modo que, comprovado o evento lesivo, como no caso em exame foram demonstradas as lesões sofridas em face do acidente de trabalho, tem-se, como consequência lógica, a configuração de dano moral ensejando o cabimento de indenização.

Acerca da desnecessidade de prova do dano moral, já decidiu esta eg. 1ª Turma nos seguintes precedentes:

DANOS MORAIS – CONFIGURAÇÃO – DOENÇA PROFISSIONAL – COMPRO-VAÇÃO OBJETIVA DA LESÃO OU DOR – DESNECESSIDADE – 1. A responsa-bilidade civil está regulada nos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, sendo que, para sua configuração, devem se fazer presentes os seguintes requisitos: prova efetiva do dano, nexo causal, prática do ato ilícito, necessidade de reparação e culpa – exceto na hipótese de atividade de risco, em que a responsabilidade do empregador é objetiva, independente da caracterização de culpa. 2. Nos termos do entendimento reiterado da Subseção I Especializada em Dissídios Individu-ais desta Corte uniformizadora, a caracterização do dano moral prescinde da comprovação objetiva de dor, sofrimento ou abalo psicológico, especialmente diante da impossibilidade de sua comprovação material. 3. Recurso de revista conhecido e provido. Processo: RR 64000-64.2006.5.05.0024, 1ª T., Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, J. 22.05.2013, DEJT 31.05.2013.

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – DESNECESSIDADE DE PROVA DO DANO – 1. O Tribunal Regional deu provimento ao recurso ordinário do em-pregado, para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos

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morais, ao fundamento de que restou evidenciada a conduta culposa da empresa, ao exigir que o autor carregasse peso em quantidade que ocasionou a lombalgia constatada, é forçoso o dever de indenizar os danos de ordem extrapatrimonial oriundos de sua conduta. 2. Diante das premissas fáticas retratadas no acórdão regional, no sentido de que comprovado o ato lesivo praticado contra o empre-gado, é devido o pagamento de indenização por dano moral, sendo desneces-sária, para tal fim, a prova de dano efetivo, já que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência desta Corte, o dano moral é um dano in re ipsa, ou seja, é dano que prescinde de comprovação. 3. Ilesos, assim, sob o viés trazido no recurso de revista, de que não há prova contumaz da existência de dano moral, os arts. 7º, XXVIII, da Carta Magna e 333, I, do CPC. Agravo de instrumento conhecido e não provido. Processo: AIRR 616-96.2011.5.09.0653, 1ª T., Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, J. 06.11.2013, DEJT 14.11.2013.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – EMPREGADO CONS-TRANGIDO A ACEITAR ACORDO NA COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA – CCP – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – Fixadas no acórdão recorrido as premissas quanto à configuração dos elementos da responsabilidade civil, não há falar em falta de prova do dano moral. A dor, o sofrimento e consequente ofensa aos atributos da personalidade do empregado são consequências da do-ença profissional, e não causa. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrada a lesão moral à guia de presunção normal que de-corre das regras de experiência. Nesse contexto, constata-se que a agravante não pretende obter nova qualificação jurídica dos fatos da causa, mas sim reabrir o debate em torno da valoração das provas pela Instância ordinária, procedimento que sofre o óbice da Súmula nº 126 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. Processo: AIRR 252640-09.2002.5.02.0078, 1ª T., Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, J. 27.11.2013, DEJT 06.12.2013.

DANO MORAL – INDENIZAÇÃO – [...] 2. Em matéria de prova, o dano moral, em si, não é suscetível de comprovação, em face da impossibilidade de se fazer demonstração, em processo judicial, da dor, do sofrimento e da angústia da víti-ma ou seus familiares. 3. Evidenciados o fato ofensivo e o nexo causal, como no caso vertente, o dano moral ocorre in re ipsa, ou seja, é consequência da conduta antijurídica da empresa, do que decorre a sua responsabilidade em pagar com-pensação pelo prejuízo de cunho imaterial causado, o que não viola o art. 186 do Código Civil, mas sim o prestigia. Recurso de revista de que não se conhece. Processo: RR 188900-81.2006.5.15.0076, 1ª T., Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, J. 03.04.2013, DEJT 05.04.2013.

Com apoio em tais fundamentos, conheço do recurso de revista por violação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

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2. MÉRITO

2.1 Direito de imagem. Natureza jurídica

O Tribunal Regional deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamado, por concluir que a natureza jurídica do direito de imagem não seria salarial.

No entanto, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de reconhecer que a natureza jurídica salarial da verba intitulada direito de imagem, sendo uma das formas de remunerar as atividades do atleta profissio-nal, uma vez que decorre do próprio contrato de trabalho, razão pela qual, o pagamento dos serviços por terceiros, que exploram a imagem do jogador, à semelhança do que ocorre com as gorjetas, deve ser integrada à remuneração para todos os efeitos.

Nesse sentido, indicam-se os seguintes precedentes, verbis:

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – IN-TEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – A renda auferida pelo atleta profissional de fu-tebol pelo uso de sua imagem por parte do clube que o emprega possui natureza salarial e deve ser integrada à sua remuneração para todos os fins. Isso porque constitui uma das formas de remunerar o jogador pela participação nos eventos desportivos disputados pela referida entidade, decorrendo, pois, do trabalho de-senvolvido pelo empregado. Precedentes deste Tribunal. Recurso de revista co-nhecido e provido. (RR 60800-81.2007.5.04.0011, 1ª T., Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 13.05.2011)

DIREITO DE IMAGEM E ARENA – NATUREZA JURÍDICA – Registrado no acór-dão regional que “[O]s autos evidenciaram tratar-se de verbas pagas ao trabalha-dor em decorrência do contrato de trabalho em foco, com o fito de remunerar as atividades laborais do atleta, inclusive sua atuação em eventos esportivos”, a decisão recorrida segundo a qual “acertada a decisão de origem ao proclamar a natureza salarial das referidas parcelas”, encontra-se em consonância com a jurisprudência prevalente nesta Corte Superior. Precedentes. Recurso de revis-ta, integralmente, não conhecido. (ARR 175-13.2010.5.05.0023, 1ª T., Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 08.11.2013)

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE – DIREITO DE IMA-GEM – NATUREZA SALARIAL – INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – Nos termos do atual entendimento jurisprudencial desta Corte superior, é salarial a renda auferida pelo atleta profissional de futebol a título de direito de imagem, por tratar-se de verba paga por força do contrato de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (RR 8800-58.2004.5.04.0028, 1ª T., Rel. Des. Conv. José Maria Quadros de Alencar, J. 06.11.2013, DEJT 08.11.2013)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE IMAGEM – INTEGRAÇÃO – DIFERENÇAS SALARIAIS – É de se consignar, inicialmente, incontroverso nos autos que o con-trato de trabalho de atleta profissional do reclamante com Sertãozinho Futebol Clube foi firmado em 11.03.2003 com data de término em 31.12.2008; e, o de

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cessão temporária de direitos sobre o vínculo desportivo com o Coritiba Foot Ball Club foi firmado com período de vigência de 02.01.2007 a 10.05.2007, ou seja, antes das alterações promovidas pela Lei nº 12.395/2011 na Lei Pelé (Lei nº 9.615/1998). Neste contexto, a presente controvérsia será analisada em face da antiga redação da Lei nº 9.615/1998, vigente à época em que firmado os con-tratos de trabalho de atleta profissional do autor. O direito à imagem, consagrado pelo art. 5º, inciso XXVIII da Constituição Federal, é a garantia, ao seu titular, de não tê-la exposta em público, ou comercializada, sem seu consenso e ainda, de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano à sua reputação. A doutrina, entendimento o qual comungo, tem atribuído a natureza jurídica de remuneração ao direito de imagem, de forma semelhante às gorjetas nas demais relações empregatícias, que também são pagas por terceiro. É considerado como sendo componente da remuneração – art. 457 da CLT. Nesta hipótese, é de se considerar a incidência, de forma analógica, da Súmula nº 354 do TST. A jurisprudência desta Corte, de igual sorte, vem se formando no senti-do de que o – direito de imagem – reveste-se, nitidamente, de natureza salarial, reconhecendo, ainda, a fraude perpetrada pelos clubes. Neste sentido, preceden-tes desta Colenda Corte Superior. Recurso de revista conhecido e provido. [...] (RR 1377400-92.2007.5.09.0029, 2ª T., Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 11.10.2013)

DIREITO DE IMAGEM – DIREITO DE ARENA – NATUREZA – Divergência ju-risprudencial ocorrente. O direito de arena e o de imagem possuem natureza remuneratória, pois não têm por finalidade indenizar o atleta profissional pelo uso de sua imagem, mas remunerá-lo por sua participação nos espetáculos es-portivos, cujos direitos de transmissão são negociados pelo clube a que pertence com terceiros. Precedentes desta Corte. Recurso de revista a que se dá provimen-to. (RR 88240-93.2005.5.04.0020, 4ª T., Rel. Min. Fernando Eizo Ono, DEJT 26.06.2009)

ATLETA PROFISSIONAL – FUTEBOL – LEI PELÉ – DIREITO DE ARENA – DIREI-TO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – A jurisprudência desta Corte tem se inclinado no sentido de atribuir natureza de remuneração às parcelas em dis-cussão qual seja direito de imagem e direito de arena, de forma semelhante às gorjetas, que também são pagas por terceiros. Nos termos do art. 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), pertence à entidade desportiva empregadora, o direito de autorizar a transmissão de imagem de eventos desportivos, de cuja arreca-dação é destinada 20% a ser distribuído entre os atletas que participarem dos eventos. Por essas razões a parcela recebida pelo atleta e esse título tem natureza salarial. Todavia, adotando-se por analogia a diretriz da Súmula nº 354 deste Tri-bunal, os valores correspondentes aos direitos de imagem e de arena compõem o salário apenas para fins de cálculo do FGTS, do 13º salário e das férias. BICHOS – NATUREZA JURÍDICA – Não demonstrada divergência jurisprudencial. Recur-so de Revista de que não se conhece. (RR 16300-65.2004.5.03.0106, 5ª T., Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 25.09.2009)

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – NATUREZA JURÍDICA SALARIAL DO CONTRATO DE IMAGEM – A jurisprudência não tem acatado o pagamento de remuneração ao atleta profissional sob a denominação de exploração do di-reito à imagem , quando evidenciado que o pagamento tem como objetivo, na

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realidade, desvirtuar a aplicação da legislação trabalhista. Isso porque ocorria como praxe o pagamento do valor por meio de constituição de pessoa jurídica. A parcela tem natureza jurídica idêntica à gorjeta, na medida em que retrata paga-mento dos serviços por terceiros que exploram a imagem do jogador. Recurso de revista não conhecido. (ARR 76700-19.2007.5.01.0034, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 18.11.2011)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – ATLETA PROFISSIONAL – FRAUDE – Este Tribunal tem adotado o entendimento de que a verba paga ao atleta profissional a título de cessão do uso do direito de imagem possui natureza remuneratória, porque decorre diretamente do desem-penho de suas atividades na entidade desportiva. Precedentes. Recurso de revista conhecido e não provido. (RR 290-37.2012.5.09.0028, 8ª T., Relª Min. Dora Maria da Costa, Data de Publicação: 09.08.2013)

Como se observa, o acórdão recorrido divergiu da jurisprudência pacífica desta Corte, razão pela qual, dou provimento ao recurso de revista para restabelecer a sentença, em que se reconheceu a natureza salarial do direito de imagem, deter-minando a incidência dos reflexos nas demais parcelas postuladas.

2.2 Acidente de trabalho. Indenização por dano material e moral

No mérito, conhecido o recurso de revista, por violação do art. 927, pa-rágrafo único, do Código Civil, dou-lhe provimento para, reformando o acórdão recorrido, condenar o reclamado a pagar ao reclamante a indenização pelos danos material e moral sofridos em decorrência da lesão que o incapacitou para o exercício de sua profissão.

Considerando que a indenização mede-se pela extensão do dano, a teor do art. 944 do Código Civil, e tendo em conta que o valor atribuído à causa na petição inicial foi meramente estimativo e apenas para efeitos fiscais, requeren-do o arbitramento judicial, passo a fixar o quantum da condenação a esse título.

Na linha dos precedentes desta Corte Superior em que houve arbitramen-to do valor da compensação por dano moral decorrente de acidente de trabalho sem vítima fatal, em situações análogas às do caso concreto (perda de membro ou da visão, lesão da coluna cervical com redução permanente da capacidade laboral, acidente em maquinário, tendinite, deformidade no pé esquerdo, perda auditiva total), os valores indenizatórios têm variado entre R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) e R$ 100.000,00 (cem mil reais), tendo em conta as singulari-dades da espécie, como também a extensão, a gravidade e a potencialidade da lesão, a situação econômica do ofensor e, finalmente, os princípios da razoabi-lidade e da proporcionalidade, a fim de evitar que a indenização, de um lado, seja arbitrada em valor irrisório, perdendo sua função punitivo-pedagógica, ou em valor exorbitante, que cause enriquecimento indevido da vítima e insolvên-cia do devedor.

Diante de tais premissas, entendo ser justo e razoável arbitrar o valor da indenização por dano moral no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)

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e a indenização por dano material no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), levando em conta que o pedido foi formulado de forma englobada.

Sinalo que a sentença, nessa parte imutável, já deferiu “indenização cor-respondente às diferenças entre os valores que seriam devidos a título de be-nefício previdenciário e aqueles que foram pagos, considerando como parte integrante da remuneração do autor a média mensal de salário extrafolha que foi reconhecida (R$ 2.428,57/mês), cujo montante deverá ser apurado em liqui-dação de sentença”, nada mais devendo a esse título.

Os juros de mora serão apurados a contar da data do ajuizamento da re-clamação (CLT, art. 883) e a correção monetária a partir da data da publicação deste acórdão.

Em face de o reclamante não estar assistido por sindicato da categoria profissional, não são devidos os honorários advocatícios, com base na Súmula nº 219, I, do TST.

Custas pelo reclamado, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), cal-culadas sobre o montante da condenação, provisoriamente arbitrado em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Isto posto

Acordam os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Traba-lho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, apenas em relação aos temas “Natureza jurídica do direito de imagem”, por divergência jurispruden-cial, e “Indenização por dano material e moral decorrente de acidente de traba-lho”, por violação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença que reconheceu a natureza salarial do direito de imagem e determinou a incidência dos reflexos nas demais parcelas; bem como, para condenar o reclamado ao pagamento da indenização por dano moral no montante de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e indeni-zação por dano material no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Os juros de mora serão apurados a contar da data do ajuizamento da reclamação e a correção monetária a partir da data da publicação do acórdão.

Descontos legais autorizados, na forma da lei. Custas pelo reclamado, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), calculadas sobre o montante da condena-ção, provisoriamente arbitrado em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).

Brasília, 26 de fevereiro de 2014.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006) Walmir Oliveira da Costa Ministro Relator

Assunto Especial – Jurisprudência Comentada

Responsabilidade Civil do Clube na Lesão de Atleta

Responsabilidade do Clube de Futebol por Lesão de Atleta

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GUSTAVO LOPES PIRES DE SOUZADoutorando em Activitat Física i Esport pela Universitat de Lleida, Mestre em Direito Des-portivo pelo INEFC – Institut Nacional d’Educación Fisica de Catalunya/Universitat de Lleida (Espanha), Pós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Auditor do STJD da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAT), Procurador do TJD da FF7MG, Associado e Membro do Conselho Consultivo do Instituto Mineiro de Direito Desportivo (IMDD), Associado e Diretor Regional (MG) do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Coordenador Re-gional (MG) do Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo da Unifia, Membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Desportivo, Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da Revista Brasileira de Direito Desportivo (IBDD/RT), Professor de Direito Desportivo, Professor de Curso Preparatório para Concursos Públicos (Mega Concursos), Professor da Faculdade de Direito de Contagem, Colunista dos Sites Universidade do Futebol e Última Instância (UOL). Autor dos Livros Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte e Comentários ao Estatuto do Torcedor, além de capítulos e artigos.

RESUMO: Com a edição do Código Civil de 2002, aumentou-se o debate sobre a responsabilidade dos empregadores nos acidentes de trabalho, especialmente quando se trata de atividade de risco. No caso em comento, trata-se de decisão do TST que condenou clube empregador de forma objetiva utilizando como argumentos, além do Código Civil, a Lei Pelé.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade civil; acidente de trabalho; lesão; jogador de futebol; respon-sabilidade objetiva; clube empregador.

ABSTRACT: With the enactment of the Civil Code of 2002 has increased the debate about the res-ponsibility of employers in workplace accidents, especially when it is risky activity. In the case under discussion, it is the TRT´s decision that condemned employing club objectively using as arguments, beyond the Civil Code, the Pelé Law.

KEYWORDS: Civil responsibility; workplace accident; injury; soccer player; responsibility objective; club employer.

SUMÁRIO: I – Jurisprudência; II – Introdução; III – Da decisão recorrida; IV – Da responsabilidade objetiva e subjetiva; V – Da responsabilidade do empregador por acidente de trabalho; VI – Conclu-são; Referências.

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I – JURISPRUDÊNCIAProcesso nº TST‑RR‑393600‑47.2007.5.12.0050Firmado por assinatura digital em 27.02.2014 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, nos termos da Lei nº 11.419/2006, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira. Recorrente Thiago Dutra Regis e recorrido Joinville Esporte Clube. Acórdão(1ª Turma)

Recurso de revista. Atleta profissional de futebol. Acidente de traba-lho. Indenização por dano material e moral. 1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para ten-tar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recupe-ração porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de per-mitir a cura total. Razões pelas quais a Corte a quo rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral. 2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III, e 45, da Lei nº 9.615/1998, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em es-pecial, submeter os atletas profissionais aos exames médicos e clíni-cos necessários à prática desportiva, e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujei-tos. 3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano.

II – INTRODUÇÃO

Trata-se de ação movida por atleta contra o clube de futebol empregador pleiteando indenização, eis que se lesionou no exercício da profissão.

A discussão acerca do tema tem ganhando cada vez mais espaço nos de-bates jurídicos, notadamente à luz do novo Código Civil, que inovou a questão ao instituir, no parágrafo único de seu art. 927, a responsabilidade civil objetiva com base na teoria do risco da atividade desempenhada.

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III – DA DECISÃO RECORRIDA

O Tribunal Regional entendeu pela responsabilidade subjetiva do clube empregador acerca das lesões sofridas pelo seu empregado com os seguintes fundamentos:

No julgamento do recurso ordinário interposto pelo reclamante, o Cole-giado de origem adotou as seguintes razões de decidir:

2. Indenização por danos materiais e morais. Acidente de trabalho. Pretende o autor a reforma do julgado para que lhe seja deferido o pagamento de indeni-zação por danos morais e materiais, em decorrência de uma lesão sofrida no calcanhar esquerdo, quando da prática desportiva desenvolvida como atleta pro-fissional de futebol contratado pelo réu, o que acabou por incapacitá-lo para o exercício do seu labor. Sustenta que o tratamento médico não foi corretamente aplicado e que isso se deu em virtude da intervenção do empregador.

Razão não lhe assiste. À luz do art. 7º, XXVIII, da Carta Magna, a responsabilida-de do empregador em caso de acidente do trabalho ou doença a ele equiparada está assentada nos seguintes termos:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[...]

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”

O dispositivo constitucional consubstancia, pois, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, cujos pressupostos são: ação ou omissão, culpa ou dolo, dano e nexo de causalidade. Logo, em se tratando de pleito indenizatório fundado na existência de acidente de trabalho, mister se faz a inconcussa demonstração de todos os pressupostos antes mencionados para a caracterização da responsabili-dade civil do empregador.

No caso sub judice, é incontroverso que o acidente ocorreu enquanto o autor de-senvolvia sua atividade profissional em benefício do réu (em 06.07.2005, fl.42), bem como que, em virtude do infortúnio, o demandante não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente. Entretanto, as provas existentes nos autos infirmam as alegações do autor no que se refere à existência de culpa do empregador – ônus probatório que incumbia ao demandante, por se tratar de fato constitutivo do direito postulado (arts. 333, I, do CPC, e 818 da CLT). Conforme ressaltado alhures, diante das peculiaridades do labor exercido, os atletas pro-fissionais de futebol estão diuturnamente sujeitos a lesões, tanto é que os clubes desportivos são obrigados a contratar seguro contra acidente de trabalho previsto em legislação específica (Lei nº 9.615/1998), o que se verificou na presente hipó-tese, consoante exposto no item nº 2 do recurso do réu. Quando da ocorrência do infortúnio, o demandado tomou as devidas providências, tendo preenchido a Comunicação de Acidente de Trabalho, o que possibilitou ao autor exercer o direito à percepção do benefício previdenciário auxílio-doença, conforme com-

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provam os documentos das fls. 208-217. In casu, não ficou demonstrado nenhum comportamento desidioso por parte do réu, tampouco que ele tenha agido de modo descuidado em relação ao cumprimento das normas de segurança, higiene ou saúde do trabalhador, de maneira a possibilitar, em razão de suposta incúria, desídia ou negligência, a ocorrência do acidente de trabalho sofrido pelo autor. Do mesmo modo, não restou comprovada a alegação de que o tratamento médi-co foi aplicado de modo incorreto e que isto se deu em virtude da intervenção do clube demandado. Muito pelo contrário, conforme ressaltou o Juízo de primeiro grau, a prova existente nos autos, em especial a prova testemunhal, demonstra que o réu adotou todas as medidas possíveis e existentes para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profis-sional, contudo, lamentavelmente, os procedimentos que estavam ao alcance da medicina e da fisioterapia se mostraram insuficientes. A prova testemunhal pro-duzida pelo autor não traz elementos substanciais com base nos quais se possa concluir pela veracidade das alegações fáticas constantes da exordial, relativas à existência de culpa do empregador. [...] Reitero, por oportuno, que na análise da prova oral deve ser considerado o princípio da imediatidade para buscar a justiça na avaliação das provas, pois é o Juiz de primeiro grau, coletor das provas, que tem o contato direto com as fontes (partes e testemunhas), numa relação pessoal imediata. Assim, é prudente convalidar a valoração feita pelo Juízo a quo, pois inexistem elementos nos autos capazes de infirmarem as declarações prestadas pela referida testemunha. Assim, diante da prova oral produzida, corroborada pelos documentos juntados com a defesa (fls. 188-199), que comprovam que o demandado arcou com todas as despesas decorrentes do tratamento do autor, conclui-se que, ao contrário do que afirma o demandante, o réu agiu com zelo, buscando viabilizar todos os meios para a sua recuperação, o que, aliás, é razo-ável que ocorra, já que não é interessante para um clube desportivo ter um atleta que, embora remunerado, não possa jogar. Logo, não restando comprovada a culpa do empregador pelo evento danoso, incabível o deferimento dos pleitos in-denizatórios. Mantenho a sentença, neste particular, por seus próprios e jurídicos fundamentos, acrescidos das presentes razões de decidir.

IV – DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA

Responsabilidade civil corresponde à reparação de danos, resultantes de violação de um dever geral de cuidado, com a finalidade de reestabelecimento do equilíbrio violado.

Segundo o art. 186 do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Por seu turno, o art. 927, caput, do mesmo Código atribui ao causador de dano a outrem, em decorrência da prática de ato ilícito, a obrigação de repa-rá-lo.

Para a existência da responsabilidade civil, deve haver ato ilícito, culpa, dano e nexo causal.

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Ademais, a responsabilidade do agente pode ser subjetiva ou objetiva.

A “responsabilidade subjetiva” relaciona-se à existência de dolo ou culpa por parte do causador do dano. Neste caso, a vítima deve demonstrar a existên-cia de culpa do agente.

Doutro giro, a “responsabilidade objetiva” corresponde a determinadas situações em que, independentemente da existência de dolo ou culpa, o agente também possa ser impelido à reparação pelos danos causados.

Neste esteio, pode-se citar o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, e de natureza previdenciária, a que se reporta o inciso XXVIII do art. 7º da Constituição da República, eis que o pagamento do benefício é devido ao empregado acidentado independente de culpa do empregador, por se fundar também na teoria da responsabilidade objetiva.

V – DA RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR POR ACIDENTE DE TRABALHO

No caso em comento, o acidente ocorreu enquanto o atleta desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube réu e, em razão da lesão, não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente.

Deve-se destacar que o jogador de futebol profissional, em decorrência da alta competitividade, deve possuir condicionamento físico de alto nível, eis que está exposto a riscos de lesões ocasionadas por acidente de trabalho, o que, muitas vezes, impedem a continuidade do exercício da profissão.

Justamente em razão dessas particularidades, a profissão de atleta profis-sional possui legislação específica e normas que não contemplam outras cate-gorias: a Lei nº 9.615/1998, conhecida como Lei Pelé.

Segundo o disposto nos arts. 34, III, e 45, da Lei nº 9.615/1998, são deve-res da entidade de prática desportiva empregadora submeter os atletas profissio-nais aos exames médicos e clínicos necessários à prática desportiva, bem como contratar seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos da atividade.

Sobre a obrigatoriedade da celebração do contrato de seguro, assim dis-corre Alvaro Melo Filho:

O contrato de seguro desportivo é fundamental quando se trata de atletas profis-sionais cujas competições, não raro, se confundem numa verdadeira guerra [...].

Outrossim, não se pode olvidar o fato de que o desporto faz emergir momentos de violência em que a razão cede lugar à paixão e os atletas “projetam” as outras equipes e até companheiros como “inimigos”, fruto da hipercompetitividade e rivalidade massificadas pelos órgãos de comunicação transformando a arte do jogo na arte da guerra.

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A lembrança de lamentáveis acidentes ocorridos com atletas durante a prática desportiva demonstra a inclusão do seguro obrigatório para os praticantes profis-sionais, até porque a realidade desportiva concretiza-se sob permanente e cons-tante risco de acidentes, que tem carecido de eficiente resguardo.

Esse seguro desportivo cobrirá os praticantes profissionais, especialmente os de alto rendimento, contra os riscos do óbito ou incapacidade desportiva, parcial ou total, temporária ou permanente, resultante de um acidente, de uma enfermidade ou de uma agressão provocada pela rivalidade do jogo ocorrido numa competi-ção ou torneio, conquanto o comparecimento e participação neste último igual-mente exigem do atleta empenho e esforço, e , consequentemente, risco.

A inexistência do seguro desportivo, por outro lado, tem influído negativamente no ânimo do atleta, cuja condição contratual de cumprimento do dever laboral sofre compreensível inibição – entre o que pode render, e o que rende o atleta – em favor do clube, para o deleite do público, pois, afinal, medeia a distância que somente a garantia legal do seguro desportivo pode suprimir.

[...]

A “indenização mínima”, conforme especificação do parágrafo único do art. 45, há de corresponder à importância total anual da remuneração ajustada.

Os Tribunais do Trabalho também já se manifestaram sobre a matéria:

Atleta profissional. Jogador de futebol. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de acidentes de trabalho para atletas profissio-nais a elas vinculados, objetivando cobrir os riscos a que se encontram sujei-tos os atletas, conforme art. 45 da Lei Pelé, com a nova redação dada pela Lei nº 9.981/2000. De sorte que, ocorrido o dano e ausente o seguro, o reclama-do deve responder pela indenização correspondente, nos moldes dos arts. 8º e 45 da lei em comento, 159 do Código Penal brasileiro e art. 7º, XXII, da CR. (TRT 3ª R., Proc. 01320-2004-108-03-00-1/RO, 8ª T., Rel. Heriberto de Castro, publ. 19.11.2005)

Concluiu a eg. Turma não lhe assistir razão porque, tendo o reclamante sofrido três lesões no joelho enquanto laborava para o reclamado, e por não ter o recla-mado contratado seguro de acidentes pessoais e do trabalho para os atletas pro-fissionais a ele vinculados, cujo prêmio correspondente à importância total anual da remuneração ajustada, devido, na forma do art. 45 da Lei nº 9.615/1998, o pagamento de indenização que substitua o prêmio do seguro, no importe de 12 salários do autor, indenização esta, por óbvio, relativa a cada uma das lesões sofridas. (TRT 3ª R., Proc. 00283-2003-007-03-00-9/ED, 3ª T., Relª Juíza Maria Lúcia Cardoso Magalhães, publ. 19.01.2004)

Importante, neste momento, identificar se a responsabilidade do empre-gador é objetiva ou subjetiva.

No contexto jusdesportivo, trata-se de responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em

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lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano im-plicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Ora, o risco de lesões a que submetido o atleta profissional é tão expres-sivo que a Lei Pelé exige que clube empregador contrate seguro de vida e de acidentes pessoais, com o objetivo, expresso, de “cobrir os riscos a que eles estão sujeitos”.

José Acir Lessa Giordani, in A responsabilidade civil objetiva genérica no Código Civil de 2002 (Editora Lumen Juris, 2004, p. 36/37), tratou do tema:

De fato, a visão da reparação do dano pelo prisma da responsabilidade civil subjetiva é estabelecida a partir da preocupação em tutelar, proteger realmente, o autor do fato lesivo, evitando que ele possa ser compelido, injustamente, a re-parar um dano causado sem que tivesse contribuído culposamente para o evento. Mesmo na hipótese de inversão do onus probandi, verifica-se, nos autores de-fensores da responsabilidade subjetiva, a preocupação permanente em viabilizar uma forma de defesa do agente, com base na inexistência de culpa, o que se compreende em razão da dificuldade já mencionada, na verdade uma grande resistência natural, inerente ao ser humano, de se desprender dos valores morais que o conduzem a crer, quase intuitivamente, que a ninguém deve ser imposta sanção de qualquer natureza sem que a conduta causadora do dano tenha sido decorrente de culpa do seu autor. Este prisma, contudo, se mostra iníquo para o lesado, especialmente porque a questão não é apreciada sob a ótica de seus interesses. Realmente, o que fizeram os precursores da responsabilidade objetiva, criadores da teoria do risco, foi exatamente modificar o ponto de vista, alterar o ângulo de visão da questão, objetivando apreciar todo o contexto da responsabi-lidade civil pela ótica da vítima, verificando seus interesses, especialmente quan-to à relação de causalidade do evento lesivo. Observa-se, assim, que a atividade desenvolvida pelo agente, e que resulta no dano à vítima, praticamente só produz benefícios para ele.

Assim, quando o dano emerge do risco inerente à própria atividade de-sempenhada, não há como deixar de imputar-lhe a responsabilidade pela repa-ração, independente de culpa. Trata-se da responsabilidade civil objetiva pela teoria do risco.

O Código Civil estabelece, ao lado da responsabilidade civil subjetiva, que possui como pressuposto a noção da culpabilidade (culpa ou dolo), a res-ponsabilidade civil objetiva, com fundamento na ideia do risco criado.

No caso em comento, a lesão do atleta durante a prática esportiva consti-tui risco da atividade e cuja responsabilidade deverá recair sobre o empregador.

Esse entendimento é corroborado por José Acir Lessa Giordani, in verbis:

O dispositivo em apreço dispõe que a responsabilidade será objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natu-reza, risco para os direitos de outrem. Verificamos, como já foi dito, que o pre-ceito consagra a teoria do risco criado. Assim, toda atividade desenvolvida que,

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por sua natureza, produza um risco para terceiros ensejará o dever de reparar os danos causados sem que haja necessidade de comprovação de culpa do autor do fato. Esta atividade pode ser de cunho profissional, recreativa, de mero lazer, não havendo, assim, Necessidade de que resulte em lucro ou vantagem econômica para o agente para que haja caracterização de sua responsabilidade objetiva. Não se trata, desta forma, do risco proveito, mas sim do risco criado.

VI – CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que, em matéria de responsabilização do clube empregador por danos decorrentes de lesão do atleta, agiu corretamente o Tribunal Superior do Trabalho ao aplicar a teoria do risco e, por consequente, responsabilizar o empregador de forma objetiva pelos danos oriundos do aci-dente de trabalho sofrido pelo atleta.

REFERÊNCIAS

BREMER, Anderson Fiedler. O seguro desportivo previsto na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Jus Navigandi, Teresina, a. 15, n. 2712, 4 dez. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17881>. Acesso em: 31 mar. 2014.

DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 3. ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, v. 4, 1999.

GIORDANI, José Acir Lessa. A responsabilidade civil objetiva genérica no Código Civil de 2002. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

MELO FILHO. Alvaro de. Novo regime jurídico do desporto. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.

Parte Geral – Doutrina

Os Mercenários do Desporto e a Dupla Nacionalidade1

ROBERTO SOARES DE VASCONCELLOS PAESAdvogado, Auditor do STJD do Basquetebol (Tribunal Pleno), Auditor do STJD do Futebol (3ª CD), Professor de Direito Desportivo, Membro do Conselho Estadual de Desportos (CED), Vice-Presidente da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman, Seção de Minas Gerais – ABO/MG, Membro do Conselho Editorial da Revista SÍNTESE Direito Desportivo – IOB – Informações Objetivas Publicações Jurídicas, Agraciado pelo Estado de Minas Gerais com a Medalha de Honra ao Mérito Desportivo, Sócio-Fundador, Ex-Presidente e Presidente de Honra do Instituto Mineiro de Direito Desportivo – IMDD.

Consenso que se universaliza é a crescente influência que o desporto exerce sobre o comportamento dos homens, não mais se limitando a lhes apurar os limites e renovar os vínculos da convivência social.

Por exemplo, no Brasil, onde a organização desportiva integra o patri-mônio cultural e é considerada de elevado interesse social (Lei nº 9.615/1998), o saudoso Nelson Rodrigues filosofou que a seleção de futebol “é a pátria em calções e chuteiras, a dar rútilas botinadas, em todas as direções. O escrete re-presenta os nossos defeitos e as nossas virtudes”.

Nessa mesma direção, o Exmo. Ministro Gilmar Mendes, em palestra proferida na Escola Superior da Advocacia da OAB/São Paulo, asseverou que o futebol “é o elemento que mais acentuadamente promove a integração nacional e desperta o sentimento de nacionalidade. Não há como negar a empatia da nação com a seleção brasileira!”.

Comparativamente, em Portugal, a Lei de Bases do Sistema Desportivo dispõe que a participação nas seleções ou em outras representações nacionais é classificada como “missão de interesse público” e é reservada aos “cidadãos nacionais” (Lei nº 1/1990, de 13 de janeiro, e Decreto-Lei nº 144/1993, de 26 de abril).

Apesar das diferentes interpretações, a vida terrena também tem sido in-fluenciada pelas lutas em torno do princípio das nacionalidades, cujas corres-pondentes teorias surgiram em torno da ideia predominante de que pertencer a uma nação é vontade de viver em comum, ter consciência de sua pátria ou, como cita o Professor Antônio Carlos do Amaral Azevedo, “ter feito grandes coisas no passado e querer fazê-las ainda no futuro”.

1 O texto já foi anteriormente publicado. In: BARREIROS NETO, Jaime; JORDÃO, Milton (Coord.). Direito desportivo: temas selecionados. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 129/132.

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Ocorre que, desde a mais remota Antiguidade, governos e terceiros são defendidos por gentes antíteses dos nacionais, os mercenários, que disponibili-zam os seus serviços unicamente por dinheiro, sem quaisquer laços históricos, culturais, econômicos ou lingüísticos, sem nenhum sentimento da comunidade protegida.

Por isso, não causa espécie o expressivo número de atletas pertencentes às diversas modalidades que, de modo voluntário e, às vezes, sem nenhuma existência de laços consistentes com o Estado estrangeiro, têm assumido outras nacionalidades para com o único objetivo de representá-las em jogos ou com-petições internacionais.

Assim como os “soldados da fortuna”, esses desportistas da fortuna não têm o menor constrangimento patriótico em se debaterem contra oponentes que representam a sua nacionalidade de origem, e que, quase sempre com de-votamento, prestam serviços da mais alta relevância, em prol da organização, aperfeiçoamento e difusão da nação.

Por exemplo, na Copa do Mundo da FIFA, em 2010, 75% (setenta e cin-co por cento) das seleções convocaram pelo menos um estrangeiro naturaliza-do, ou seja, entre 736 atletas, 75 jogadores defenderam uma seleção diversa da do país de nascimento. Mais: das 32 equipes participantes, apenas 8 não con-taram com estrangeiros no plantel: África do Sul, Brasil, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Honduras, Inglaterra e Uruguai.

Geraldo Hoffmann (dw.world-de) noticiou que Tim Cahill, o número 10 da Austrália, na Copa das Confederações então disputada na Alemanha, só pôde se tornar campeão da Oceania e participar daquela competição “por cle-mência da FIFA. É que em 1994, de férias nas Ilhas Samoa (179ª no ranking da FIFA), ele atuou 11 minutos pela seleção Sub-17 local. Isso foi suficiente para que a entidade máxima do futebol o proibisse por dez anos de atuar pela sele-ção australiana”. Ainda segundo aquele articulista, “se essa regra fosse aplicada a todos jogadores que atuam em clubes fora de seus países de origem, alguns jogos no torneio intercontinental na Alemanha seriam reduzidos a ‘peladas’ en-tre gandulas” (In: <http://www.dw-world.de/dw/article/0,,1622733,00.html>).

Aliás, com base no art. 5º dos Estatutos da FIFA, de 19 de outubro de 2003, o Comitê Executivo promulgou em 2008 Regulamento que, em seu Ane-xo 2, cuida da habilitação de jogadores para atuarem por seleções nacionais quando a sua nacionalidade lhes permite representar mais de uma Federação:

Eligibility to play for association teams of players whose nationality entitles them to represent more than one association

Article 1 Conditions

1. A player who, under the terms of article 15 of the Regulations Governing the Application of the FIFA Statutes, is eligible to represent more than one association on account of his nationality, may play in an international match for one of these

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associations only if, in addition to having the relevant nationality, he fulfils at least one of the following conditions:

a) he was born on the territory of the relevant association;

b) his biological mother or biological father was born on the territory of the rele-vant association;

c) his grandmother or grandfather was born on the territory of the relevant asso-ciation;

d) he has lived on the territory of the relevant association for at least two years without interruption.

2. Notwithstanding paragraph 1 of this article, associations sharing a common nationality may make an agreement under which item d) of paragraph 1 of this article is deleted completely or amended to specify a longer time limit. Such agreements must be lodged with and approved by FIFA. (In: <http://pt.fifa.com/mm/document/affederation/administration/01/06/30/78/statusinhalt_en_122007.pdf>)

Atualmente, a FIFA debate junto ao Governo da União Europeia a medi-da que objetiva que um clube entre em campo com pelo menos seis jogadores do país, conhecida como “6+5”, mas que encontra restrição porque feriria a legislação trabalhista daquele continente, onde qualquer trabalhador europeu, inclusive atletas profissionais de qualquer esporte, pode livremente cruzar fron-teiras dentro da Europa e trabalhar em qualquer um dos 27 países do bloco, não obstante o respeitável Instituto para os Assuntos Europeus – INEA tenha opina-do junto ao Parlamento Europeu que a norma não viola o direito comunitário europeu, haja vista que “combate os obstáculos que impedem uma competi-ção desportiva equilibrada, fomenta as novas gerações e protege a identidade nacional do futebol e das selecções” (In: <http://desporto.publico.pt/noticia.aspx?id=1370435>).

Vale o registro de que, para a hipótese na qual a nacionalidade é deriva-da, esta que se obtém após o nascimento e, em regra, mediante naturalização, e que não se fundamenta nos fatos sociais, como alguns anos de residência no país, o domínio do idioma, e outros mais, Francisco Rezek – com toda a sua autoridade de doutor em direito internacional público e ex-membro da Corte Internacional de Justiça – ministra que “outros governos, e destacadamente os foros internacionais, tenderão a negar reconhecimento à nacionalidade consi-derada inefetiva”.

Mas a ineficácia perante outros Estados não é a única consequência da espécie de nacionalidade derivada em questão. Por aqui, a nossa Constituição Federal (art. 12, § 4º) determina que a naturalização voluntária, no exterior, acarreta a perda da nacionalidade brasileira, notadamente quando envolve uma conduta ativa e específica.

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É verdade que são constitucionalmente admitidas duas hipóteses excep-cionais de dupla nacionalidade: quando o brasileiro tiver reconhecida outra na-cionalidade em razão da origem sanguínea, ou por imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente no exterior, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Como se vê, apesar de ser universalmente declarado o direito de mudar de nacionalidade, o Estado tem competência exclusiva para legislar sobre sua nacionalidade, inclusive quanto à perda (princípio da atribuição estatal da na-cionalidade).

Portanto, se o desportista da fortuna adquiriu outra nacionalidade, apa-triota e deslealmente, com o fim exclusivo de participar de seleção estrangeira, sem quaisquer observâncias de princípios filosóficos ou jurídicos, ou de con-tingências demográficas, políticas ou históricas, bem como, segundo leciona Valério de Oliveira Mazzuoli, por mera vontade “de dar ensejo a que o Estado estrangeiro o considere nacional”, pensamos que ele está alcançado pela perda do direito de nacionalidade brasileira, que deverá ser declarada pelo Presidente da República.

Parte Geral – Doutrina

A Norma Desportiva e o Constitucionalismo Social: Traços de um Fenómeno Constitucional sem Estado

ARTUR FLAMÍNIO DA SILVALicenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa na Menção de Jurídico-Políticas, Mestre e Doutorando em Direito Público pela Faculdade de Direito da Uni-versidade Nova de Lisboa1.

SUMÁRIO: O presente artigo ocupa-se da possibilidade de sustentação da constitucionalização do corpo jurídico desportivo enquanto provável sistema autónomo normativo de cariz transnacional. To-mando como ponto de partida a teoria dos sistemas autopoiéticos, analisaremos criticamente os pro-blemas que possam existir rumo à sustentação de um fenómeno constitucional à margem do Estado.

SUMÁRIO: Introdução; I – A estrutura normativa do associativismo desportivo internacional: ex-curso; II – A aplicação da teoria do constitucionalismo social à teoria dos sistemas autopoiéticos; III – Elementos constitutivos do constitucionalismo social de Teubner; IV – As regras do fenómeno desportivo como exemplo de um constitucionalismo social transnacional, sob o prisma da teoria dos sistemas autopoiéticos e respectiva apreciação crítica; Conclusão.

INTRODUÇÃO

As normas desportivas provenientes de federações desportivas interna-cionais2 são a base indispensável de um qualquer edifício normativo desportivo. Este assenta, pois, naquelas, mas também nas normas estaduais que digam res-peito ao fenómeno desportivo. De todo modo, em termos históricos, as normas desportivas nasceram à margem do bloco de legalidade estadual. No entanto, ainda que digamos que estas surgiam afastadas, quanto à sua origem, da esfera estadual, devemos também mencionar que essa situação se perpetuou durante várias décadas devido à indiferença que o sistema de normas desportivas gerava relativamente às regras estaduais. Existia, assim, como que uma denominada “excepção desportiva”3.

1 Este texto corresponde, salvo alterações e desenvolvimentos pontuais, à comunicação apresentada no Congresso em Homenagem ao Professor Doutor António Manuel Hespanha com o título “Lexsportiva e teoria dos sistemas autopoiéticos”, no dia 28 de setembro de 2012.

2 Compreendidas como manifestações de um “comando jurídico com pretensões de obrigatoriedade de facto emanado por uma federação desportiva e que é reflexo de um poder normativo desportivo”. Cf., o nosso A norma desportiva: plural mas pouco?. In: Desporto e Direito, a. IX, n. 26, p. 257, jan./abr. 2012.

3 Sobre esta questão, v. PARRISH, Richard; MIETTINEN, Samulli. The Sporting Exception in European Union Law. 1. ed. The Hague, T.M.C. Asser Press, 2008.

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Nestes termos, as especificidades destas não permitiam, deste modo, um controlo jurisdicional pelos tribunais estaduais. Esse cenário sofreu, ao longo dos tempos mais recentes, importantes mutações, na medida em que as fede-rações desportivas vieram a alargar paulatinamente as suas competências nor-mativas, de modo a poderem regular um conjunto de fenómenos associados às modalidades desportivas, por vezes, até em “parceria” com os Estados (um desses exemplos que reúne esforços regulatórios do associativismo desportivo e do Estado é precisamente a dopagem). Nesses casos, a conflitualidade des-portiva acentua-se e os litígios desportivos acabam inevitavelmente por serem resolvidos num tribunal estadual.

Noutros casos, é reconhecida às federações desportivas uma “missão de serviço público”, pelo que para o exercício de tarefas públicas dispõem de um conjunto de prerrogativas às quais estão associadas um conjunto deveres. Este é o caso português4. Estando as federações desportivas expressamente sujeitas5 a um regime de direito administrativo, os tribunais administrativos são, deste modo, competentes para julgar os litígios desportivos administrativos onde este-jam em causa actos administrativos praticados por aquelas6.

Num plano internacional, as federações desportivas – muitas das quais com sede na Suíça e sendo, por isso, associações que se regem pelo direito pri-vado suíço –, optaram por resolver essa questão pelo reconhecimento do Tribu-nal Arbitral du Sport (TAS) sediadoem Lausanne, como tribunal arbitral compe-tente para dirimir litígios, directa ou indirectamente conexos com a modalidade desportiva que regulam. Assim sendo, evita-se, num primeiro momento, que os agentes desportivos e federações desportivas nacionais possam recorrer aos tribunais estaduais de questões jurídicas que envolvam a normatividade despor-tiva de uma determinada federação desportiva nacional7.

Permite-se também que as partes envolvidas no litígio possam assim de-signar, em sede de arbitragem internacional, qual o direito aplicável ao mérito da causa. Este será, quando as partes nada convencionem, o direito suíço. Assis-te-lhes, no entanto, a possibilidade de designar outro direito material e, inclusi-vamente, a resolução do litígio segundo a equidade8. Essa faculdade permite, de certo modo, que se possa falar num suposto processo de “desnacionalização”9

4 Cf., entre nós, paradigmaticamente sobre o assunto, GONÇALVES, Pedro. Entidades privadas com poderes públicos: o exercício de poderes públicos de autoridade por entidades privadas com funções administrativas. Coimbra: Almedina, 2005. p. 862 e ss. Para uma visão histórica desta temática, cf. MEIRIM, José Manuel. A federação desportiva como sujeito público do sistema desportivo. Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 215 e ss.

5 V. art. 19º, n. 1, da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.6 Cf. art. 18º da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto.7 V., por todos, sobre a estrutura, organização e sobre a importância do TAS para o ordenamento desportivo:

OSCHÜTZ, Frank. Sportgerichtsbarkeit. Berlim: Duncker & Humblot, 2005. p. 36 e ss.8 Cf. o art. R45 dos Estatutos do TAS.9 Para uma análise crítica deste conceito, cf. RENSMANN, Thilo. Anationale Schiedssprüche. Berlim: Duncker

& Humblot, 1996. p. 78.

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das sentenças arbitrais, pelo que as partes poderiam, em teoria, afastar-se da aplicação da aplicação de normas estaduais10.

Olhando para esta vertente transnacional das federações desportivas, coloca-se, assim, a hipótese de existirem novas formas de constitucionalização de regras jurídicas. O cenário acima apresentado reflecte-se numa verdadeira “erosão da estadualidade” do poder político e do próprio fenómeno constitu-cional11. No seguimento desta diluição das fronteiras entre o público e o pri-vado, vão surgindo, neste contexto, organizações parcialmente particulares ou supranacionais cuja actividade se desenvolve num espaço que, num momento anterior e tradicionalmente, pertencia única e exclusivamente ao domínio fron-teiriço de um único Estado.

Fala-se aqui de uma transmutação da noção de Estado assente numa perspectiva hierárquica12 para uma verdadeira “rede de actores público-priva-dos colectivos”13 (Netzwerk von Öffentlichen und privaten Kollektivakteuren), que, por sua vez, acaba por reconfigurar a noção de democracia a qual deve, neste contexto, reconduzir-se à ideia de “overlapping consensus”14.

Esta recentíssima realidade emerge apenas de fenómenos de interna-cionalização – podemos a título exemplificativo referir o Direito da União Europeia15 – ou de transnacionalização, onde se registram processos de criação

10 No entanto, como se verá adiante, a existência de uma possibilidade de cassar sentenças arbitrais do TAS perante o TFS acaba por tornar ilusório pensar-se que é possível precludir a aplicação de normas de origem estadual.

11 Sobre essa questão, veja-se a interessante desconstrução da clássica divisão jurídica entre o direito público e o direito privado em: TEUBNER, Gunther. After privatization? The many autonomies of law. In: Current legal problems, v. 51, n. 1, p. 394-402, jan. 1998.

12 Como nota Miguel Nogueira Brito, esta realidade “significa priviligiar a noção de uma ordem horizontal e bidirecional, caracterizada pela ausência de poder unilateral entre os diversos elementos que a compõem e a aceitação de uma influência mútua entre os mesmos”, pelo que se rejeita “uma ordem vertical de determinados elementos segundo o seu valor”. V. Sobre a distinção entre direito público e direito privado – II. In: Estudos de homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Coimbra: Coimbra Editora, v. VI, p. 396, 2012.

13 Expressão empregue, neste contexto, por TEUBNER, Gunther. Polykorporatismus: Der Staatals “Netzwerk” Öffentlicher und privater Kollektivakteure. In: Das Recht der Republik: Festschrift Ingeborg Maus. Peter Niesen e Hauke Brunkhorst (Ed.). Suhrkamp: Frankfurt, 1999. p. 346.

14 Cf. LADEUR, Karl-Heinz. Globalisation and the Conversion of Democracy to Polycentric Networks: Can Democracy Survive the End of the Nation State? EUI Working Paper n. 2003/4, p. 15. Disponível em: <http://cadmus.eui.eu/bitstream/handle/1814/199/law034.pdf;jsessionid=DC48BD3D33F0EA03CB2961F68054AC61?sequence=1>. Reconhecendo que este conceito deve ser definido como a “practical, heterarchical, distributed social network of networks among citizen producing ‘overlapping consensus’, in the sense that the citizens are in practice involved in differing networks in different roles, and a heterarchical organized stock of linkages and co-ordinations arises from their overlapping and permeability to each other, that enables a ‘polycontexturally’ distributed self-observation and observation of others by the patterns of actions produced, continually feeding the associated ‘pool of knowledge’ with novelty”.

15 Outro dos exemplos mais paradigmáticos é representado pelo actuar da Organização Mundial de Comércio (OMC). Para uma análise mais aprofundada sobre o processo de “constitucionalização” da OMC, cf. SKORDAS, Achilles. Self-determination of peoples and transnational regimes: a foundational principle of global governance. In: Transnational constitucionalism: international and European perspectives. Nicholas Tsagourias (Ed.). Cambridge: Cambridge University Press, 2007. p. 207 e ss. Sobre a natureza híbrida da constitucionalização da União Europeia, cf. KJAER, Poul. Three-dimensional conflict of laws in Europe. Working paper n. 2/2009. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1489939>.

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normativa de reconhecimento fáctico pelos envolvidos – é o caso, entre outros, da normatividade de uma federação internacional16 – à margem do Estado.

Deve-se, porém, advertir que não se pretende que o direito internacional ou os estatutos de organizações internacionais numa dimensão supraestadual se possam substituir às funções atribuídas à constituição estadual. No limite, o que se pretende é reconhecer que estas entidades cuja actividade opera num âmbito transnacional17 se podem “autoconstitucionalizar”. Ou seja, que a par de um direito nacional e internacional existe ainda uma ordem jurídica autónoma: um verdadeiro direito global18 e transnacional19.

Esta ordem jurídica – com génese em processos sociais (civis) – tem o potencial para se tornar numa nova forma de constitucionalismo pós-nacional, situado à margem da esfera estadual, pois, como enuncia Teubner, “os proble-mas constitucionais situam-se fora das fronteiras de um Estado individualmente considerado, ou seja, manifestam-se em processos políticos transnacionais”20.

O ponto de partida é a seguinte questão:

[P]oderão as constituições combater eficazmente a dinâmica centrífuga dos sis-temas parciais da sociedade mundial e, consequentemente, contribuir (de modo

16 Na sua tese de habilitação, Teubner já revelava interesse por temáticas relacionadas com a organização e o processo constitutivo de associações de direito privado já vem de longe, desde logo, pela sempre actual problematização em Organisations demokratie und Verbandsverfassung: Rechts modelle für politisch relevante Verbände, Tübinger Habilitationsschrift, Tubinga: MohrSiebeck, v. 47, 1978.

17 Conforme refere Philip Allott: “[t]ransnational transactions of every kind, including economic and cultural transactions, involve the interaction of national legal systems, including the rules of those systems determining the law applicable to transnational transactions. International society now contains an infinitely complex network of overlapping national-law legal relations, in which the internal and the external are inextricably confused”. V. The emerging universal legal system. In: International Law Forum du droit internacional, v. 3, 2001, p. 15 e 16.

18 O autor entende, para o efeito, que a “sociedade mundial” apresenta as seguintes características: (i) a sociedade apresenta, num âmbito mundial, uma fragmentação multidimensional. Todos estes fragmentos/unidades participam na criação do Direito; (ii) nestas unidades, incluem-se, a par dos Estados, tribunais internacionais, grupos privados e regimes jurídicos autónomos de privados; (iii) os interesses dos participantes são, recorrentemente, contraditórios; (iv) a inexistência de uma estrutura hierárquica é um obstáculo à constatação de uma unidade jurídica, tal como é compreendida de um ponto de vista puramente nacional; (v) a fragmentação jurídica não é, em si mesma, ultrapassável. O máximo que se pode atingir é uma fraca compatibilidade. Cf. TEUBNER, Gunther; FISCHER-LESCANO, Andreas. Fragmentierung des Weltrechts: Vernetzung globaler Regimes statte tatischer Rechtseinheit. In: Welt staat und Weltstaatlichkeit: Beobachtungen globaler politischer Strukturbildung. Wiesbaden, Verlag für Sozialwissenschaft, Ed. Mathias Albertund Rudolf Stichweh, 2007, 37-61, analisando precisamente, entre outros, o exemplo da Lexsportiva.

19 Deve fazer-se, no entanto, uma precisão terminológica entre “constitucionalismo social” e o conceito de “sociedade civil global”. Se, no primeiro caso, este se reporta aos efeitos “constitucionalizantes” das ordens sociais autónomas; o segundo, por sua vez, deve ser definido como “a dynamic non governmental system of interconnected socio-economic institutions that straddle the whole earth, and that have complex effects that are felt in its four corners. Global civil society is neither a static object nor a fait accompli. It is an unfinished project that consists of sometimes thick, sometimes thinly stretched networks, pyramids and hub-and-spoke clusters of socio-economic institutions and actors who organize themselves across borders, with the deliberate aim of drawing the world together in new ways” (V. KEANE, John. Global civil society? 3. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 8.

20 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 12.

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bem diferente dos cânones clássicos da integração através de uma Constituição) para uma integração social?21

Daqui retiram-se dois problemas essenciais: i) como controlar as conse-quências “destrutivas” destes fenómenos; ii) não havendo uma verdadeira al-ternativa constitucional em sentido clássico do termo, como ultrapassar a não existência de um sucedâneo de uma constituição num espaço transnacional? E como se ultrapassam os défices de legitimação destas formas de constitucio-nalização, como, por exemplo, a ausência de partidos políticos ou a falta de homogeneidade cultural?

Nestes termos, iremos ocupar-nos, no presente texto, do conceito de “constitucionalismo social”, tal como é desenvolvido na teoria dos sistemas autopoiéticos de Teubner. Esse fenómeno será analisado à luz das normas das federações desportivas que exercem a sua actividade num âmbito transnacio-nal, buscando, deste modo, a possibilidade da sua legitimidade, sob o ponto de vista da teoria do Direito22, num percurso que se justifica pelo impacto que a te-oria dos sistemas autopoiéticos de Luhmann, e em especial de Teubner, exerce na teoria da Constituição em Portugal23. O problema descrito tem permanecido num silêncio doutrinal, mas denota-se um crescente interesse que merece ser avaliado24.

I – A ESTRUTURA NORMATIVA DO ASSOCIATIVISMO DESPORTIVO INTERNACIONAL: EXCURSO

De forma a podermos compreender como se compõe a dinâmica norma-tiva das federações desportivas transnacionais25, devemos tecer algumas con-siderações sobre a estruturação dos elementos normativos que constituem o esteio jurídico da actividade destas entidades.

O complexo de normas fundantes das federações desportivas interna-cionais encontra-se nos estatutos destes entes que, ocasionalmente, utilizam

21 Cf. TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Suhrkamp: Berlim, 2012. p. 15.22 A ligação do desporto com a teoria dos sistemas autopoiéticos foi desenvolvida na tese de doutoramento

de Anselm Seven (Zwischen Funktion und Leistung – zur system theore tischen Kritikdes Sportbegriffs. Disponível em: <http://webdoc.sub.gwdg.de/diss/2007/seven/>), bem como na excelente obra de Karl- -Heinrich Bette (System theorie und Sport. 1. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999).

23 V., por todos, a posição de Gomes Canotilho relativamente à autopoiesis, cf. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 1367 e ss.

24 Cf., por exemplo, o texto de BRITO, Miguel Nogueira de. Sobre a distinção entre direito público e direito privado – II. In: Estudos de homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Coimbra: Coimbra Editora, v. VI, p. 375-402, 2012.

25 Deixaremos de parte uma análise que envolva o espaço normativo do olimpismo internacional pelo simples motivo de que apenas queremos apresentar um pequeno traço exemplificativo de como se apresenta a estruturação desportiva num âmbito transnacional. Sobre este aspecto do olimpismo, v. MESTRE, Alexandre Miguel. The Law of Olympic Games. The Hague, T.M.C. Asser Press, 2009. p. 35 e ss.

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mesmo a expressão “Constituição” para designar este documento26. Como bem demonstrou Franck Latty, a ordem jurídica das federações desportivas interna-cionais desenvolve-se a partir deste acto constitutivo, na medida em que é nele que se preveem os fins que irão guiar toda a actividade federativa, bem como a repartição de competências entre os órgãos destes entes, mas especialmente porque dele decorre a fixação dos termos em que irá ocorrer a filiação de fede-rações desportivas nacionais na federação desportiva internacional, bem como a natureza do vínculo entres ambas27.

Particularmente demonstrativo nesta ideia é o disposto no art. 3º, n. 1, primeiro parágrafo dos estatutos da Federação Internacional de Taekwondo, adiantando-se que estes constituem “documento fundamental e universal na qual se baseia a administração da prática do taekwondo”.

De um modo geral, podemos também enunciar que está, em regra, con-sagrada a existência de “órgãos deliberativos”, “órgãos executivos” e de “órgãos jurisdicionais”.

O órgão deliberativo por excelência das federações desportivas interna-cionais denomina-se tradicionalmente como Congresso28 ou Assembleia Ge-ral29. A essa entidade cabe, designadamente30, adoptar as normas que irão regu-lar os destinos dos seus membros31.

O órgão executivo geralmente conhecido como Conselho32, Comité Executivo33 ou Secretariado34 tem como função primordial assegurar o “bom funcionamento”35 da federação internacional, ou seja, este é responsável pela “execução global” da actividade da federação desportiva”36.

Os órgãos jurisdicionais das federações desportivas internacionais têm como objectivo punir disciplinarmente os atletas que incumpram as regras dis-

26 Cf., por exemplo, a designação dada pela Federação Internacional de Skate (FIS), pela Federação Internacional de Ténis de Mesa (FITM), pela Federação Internacional de Culturismo e Fitness (FICF), pela Federação Internacional de Vela (FIV), pela União Mundial de Bilhar (UMB), pela União Mundial de Triatlo (UMT) e pela Federação Mundial de Dardos (FMD).

27 V. LATTY, Franck. La lexsportiva – Recherche sur le droit transnational. Leiden: MartinusNijhoff, 2007. p. 68.28 Neste termos, os arts. 22º e ss. dos estatutos da FIFA.29 Cf., por exemplo, o art. 8º dos estatutos da Federação Internacional Automóvel.30 Fazemos esta ressalva, pois as matérias da competência deste órgão deliberativo variam de acordo com as

regras estatutárias. Cf., por exemplo, os estatutos da Federação Internacional de Ginástica que, no art. 11º, n. 4, consagram a competência para decidir sobre a admissão ou expulsão de uma determinada federação nacional.

31 Neste sentido, v. RIGOZZI, Antonio. L’arbitrage international en matière sportive. Basileia: Helbing & Lichtenhain, 2005. p. 36; SILANCE, Luc. Les sports et le droit. Bruxelas: De Boeck, 1998. p. 98.

32 Cf. art. 38º dos estatutos da Federação Internacional de Remo (FISA).33 Cf. o exemplo patente nos arts. 30º e 31º dos estatutos da FIFA.34 V., paradigmaticamente, o art. 17º-C dos estatutos da Federação Internacional da Natação.35 Cf. do art. 38º, alínea c, dos estatutos da Federação Internacional de Beisebol (FIB).36 Cf. o art. 21, n. 1, dos estatutos da Federação Internacional de Ski.

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ciplinares instituídas pelos regulamentos. A nomenclatura varia nas norma esta-tutárias de cada federação desportiva; contudo, a sua função é essencialmente a mesma37.

Outra característica que a merece nossa menção é a relação hierárquico--monopolística que uma determinada federação internacional assume no pla-no regulatório de cada modalidade. Essa relação é facilmente apreensível com recurso à norma constante no art. 31º da Constituição alemã, onde se dispõe que “[o] Direito federado cede perante o Direito federal”, isto é, as regras esta-tutárias de uma federação internacional (Estado federal) prevaleceriam sempre perante as regras estatutárias, bem como quaisquer outras de uma federação nacional (Estado federado). Trata-se aqui de um afloramento do “princípio do primado” das normas das federações internacionais sobre as regras das federa-ções nacionais38. Veja-se, a título de exemplo, o art. 13º, nº 1, alínea a) dos es-tatutos da FIFA, que ilustra especialmente esta ideia ao dispor que os membros da FIFA (federações nacionais) têm como obrigação “to comply fully with the Statutes, regulations, directives and decisions of FIFA bodies atany time as well as the decisions of the Court of Arbitration for Sport (CAS) passed on appeal on the basis of art. 66 par. 1 of the FIFA Statutes”.

Deve ser deixada uma nota também para o facto de, por vezes, os esta-tutos de federações internacionais consagrarem como que verdadeiros “direitos fundamentais” dos seus associados. Pela sua clareza, tomemos como exemplo o disposto no art. 17º dos estatutos da Federação Internacional de Taekwondo (WTF): “All WTF Members shall be equal before these Statutes. The WTF shall be free of any form of discrimination with regard to a country or person on the grounds of race, religion, politics, gender or otherwise”.

Por outro lado, para garantir que o TAS assuma a competência para a resolução dos litígios desportivos, estabelecem-se estatutariamente determina-das normas que “permitem” aos associados ou agentes desportivos recorrer a este tribunal arbitral, como, por exemplo, a existente no art. 64 dos estatutos da FISA, ao dispor que

[a]ny party that alleges that a decision made by a FISA judicial body that it has not supported violates fundamental legal principles or FISA statutory clause(s), or that has a dispute with FISA, may submit a claim to the Court of Arbitration for Sport (CAS) in Lausanne only, to the exclusion of any court of law of any country or any other arbitration body.

37 Sobre os vários tipos de “instâncias jurisdicionais” existentes nas federações internacionais, v. LATTY, Franck. La lexsportiva – Recherche sur le droit transnational. Leiden: Martinus Nijhoff, 2007. p. 65 e ss.

38 LATTY, Frank. La LexSportiva – Recherche sur le droit transnacional. Leiden: Martinus Nijhoff, 2007. p. 125 e ss.

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A maioria dos litígios desportivos acaba mesmo, na sua grande maioria, por não ser resolvidos nos tribunais estaduais, mas, sim, neste tribunal arbitral39.

Deste modo, deve encarar-se com relativa naturalidade que uma parte significativa das federações internacionais “entregue” a resolução de conflitos desportivos a este órgão jurisdicional de natureza privada40. Note-se, no entan-to, que, nos termos da Lei Federal Suíça sobre o Direito Internacional Privado, o Tribunal Federal Suíço (TFS) exerce uma “função de controlo”41 sobre essa normatividade por meio do mecanismo de anulação de sentenças arbitrais pre-visto nesta lei42, pelo que existe, neste caso, certo “reconhecimento”43 estadual no acto cassatório da sentença deste tribunal arbitral desportivo.

II – A APLICAÇÃO DA TEORIA DO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL À TEORIA DOS SISTEMAS AUTOPOIÉTICOS

O primeiro ensaio de um conceito de societal constitucionalism pertence a David Sciully. Este autor, curiosamente, nunca densifica a noção que apresen-ta e utiliza numa obra clássica sobre este tema com o título Theory of societal constitucionalism – Foundations of a non-Marxist critical theory.

A expressão “societal constitucionalism” serve ao propósito de descons-truir teoricamente o “edifício piramidal” de instituições e organizações priva-das, e, em simultâneo, de criticar a existência de fenómenos de exercício de poderes corporativos arbitrários e autoritários em organizações privadas.

Na verdade, embora não aprofunde o conceito, apresenta um exemplo que personifica este fenómeno:

A young chemist, William, is employed in one of a dozen orso large research divisions of a major pharmaceutical company. He presents his supervisor, Scott, with the most recent results of his laboratory analyses. Taking one look, Scott

39 Note-se, neste contexto, que os processos arbitrais têm subido, desde 1984, de uma forma vertiginosa, pelo que só em 2012 existiram 374 submissões de processos arbitrais. Cf. disponível em: <http://www.tas-cas.org/d2wfiles/document/437/5048/0/stat2012.pdf>.

40 Esta é a solução adoptada, por exemplo, nos estatutos da FIFA no art. 60º, bem como nos arts. 25º e ss. dos estatutos da FIS, no art. 83º dos estatutos da FIB e no art. 21º dos estatutos da Federação Internacional de Ginástica (FIG). No entanto, existem outras federações que optam por “entregar” a resolução de litígios a outro tribunal arbitral: este é o caso da Federação Internacional do Basquete que criou um tribunal arbitral distinto e que tem funcionado com uma crescente credibilidade. Cf. MARTENS, Dirk-Rainer. FIBA Arbitral Tribunal – Ein innovatives System zur Streitbeteiligung im Sport (nur im Sport?). In: Schieds VZ, n. 6, p. 317 e ss., 2010.

41 Para mais desenvolvimentos sobre esta questão, cf. RIGOZZI, Antonio. Challenging Awards of the Court of Arbitration for Sport. In: Journal of International Dispute Settlement, v. I, n. 1, p. 217 e ss.

42 É algo que o TFS não se tem eximido de fazer como o fez no caso Matuzalém, cf. a nossa anotação, a esta decisão do TFS: A norma desportiva: plural mas pouco? In: Desporto e Direito, a. IX, n. 26, jan./abr. 2012. Para mais exemplos jurisprudenciais na qual o TFS teve oportunidade de se pronunciar nesta sede, cf. o nosso O ordenamento jurídico desportivo da FIFA: um diálogo entre Kelsen e Santi Romano. Revista Síntese Direito Desportivo, a. II, n. 10, p. 79 e ss., 2013.

43 Como bem denunciado por MEIRIM, José Manuel. Suíça: uma real especificidade desportiva. In: Estudos em homenagem ao Professor Figueiredo Dias, Coimbra: Coimbra Editora, v. IV, 2010. p. 639-664.

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hands them back, saying: “Look, William, I gave you one set of compounds to test drawn from a much larger project already. Your results are not anywhere near the results that we need for you to set of compounds. This could delay the entire project. Worse, it could reduce next year’s budget for our division. Keep in mind that once this project comes on-line, no one is ever going to take it apart and retest its various sets of compounds in isolation. Not anyone in government, at the Federal Drug Administration. Not anyone in this firm. Not anyone in any competitor’s firm. And, certainly, not any of your professors in the Chemistry Department of your Ivy League college. So, be a professional, William. Be a team player and bring me the results we can use. There might even be a bonus in this for both of us”.44

Acrescenta que, colocado frente a essa situação, o jovem químico en-contra-se, neste exemplo, perante uma situação delicada, pelo que apenas terá as seguintes opções: i) dirigir-se ao investigador responsável pela divisão de investigação e expor o seu problema; ii) discutir a situação com os seus colegas; iii) informar anonimamente a Federal Drug Adminstration ou a American Chemical Society; iv) William obedece às ordens recebidas de Scott e obtém os resultados desejados para o projecto. De todas as opções mencionadas, a William apenas assiste, porém, à possibilidade de escolher “verdadeiramente” a quarta: obedecer às directrizes recebidas do seu superior hierárquico, não comprometendo, deste modo, o projecto ou a sua carreira45.

Sem acrescentar mais pistas, Sciully defende que

it is typically found not only within public and private research institutes, artistic and intellectual networks, and universities, but also within legislatures, courts and commissions, professional associations, and for that matter, the research divisions of private and public corporations, the rule-rulemaking bodies of nonprofit orga-nizations, and even the directorates of public and private corporations.46

Tomando como ponto de partida a problemática enunciada por Sciulli, Teubner formula uma noção de “constitucionalismo social”. Tomando como ponto de partida os parâmetros teóricos dos sistemas autopoiéticos, entenden-do que existe uma diferenciação funcional da sociedade, pelo que não existe um centro ou topo hierárquico, mas antes um conjunto de subsistemas autor-referenciais – todavia, isto não significa que sejam autossubsistentes – agindo segundo critérios de racionalidade próprios e incontroláveis externamente, vi-sando a demonstrar que existem sectores na sociedade em que não é possível

44 Theory of societal constitucionalism – Foundations of a non-Marxist critical theory. Cambridge University Press, 1992, p. 11. Uma primeira abordagem a esta problemática foi efectuada na obra de SCIULLY, David. Corporate power in civil society – An application of societal constitutionalism. New York: New York University Press, 2001.

45 Theory of societal constitucionalism – Foundations of a non-Marxist critical theory. Cambridge University Press, 1992, p. 11-12.

46 Theory of societal constitucionalism – Foundations of a non-Marxist critical theory. Cambridge University Press, 1992, p. 80.

58 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

reconduzir-se a uma autoridade estadual que, numa escala global, assuma a legitimidade de toda a normatividade.

Essas afirmações reclamam um breve enquadramento teórico47. A teoria dos sistemas autopoiéticos48 foi importada por Niklas Luhmann para o “mundo” das ciências sociais49.

O Direito passa a ser entendido, segundo Luhmann, como um sistema que constrói uma “ficção interior” do “universo” de factos jurídicos. A estrutu-ração desse sistema assenta em dois momentos fundamentais: i) por um lado, no momento no qual Direito começa a delimitar e a definir relativamente à realidade exterior os elementos importantes desta para o próprio sistema; por outro, quando realiza a operação de autodeterminação sobre o que deve ser considerado relevante do “exterior” para a linguagem interna do sistema. Em suma, cabe a este estabelecer os “valores jurídicos” internos, bem como os critérios de atribuição de um determinado valor aos factos jurídicos que sejam internamente processados pelas operações do sistema. Acrescente-se também que cabe a este definir os “processos de formulação” de novas regras internas, bem como a sua transformação50.

Pelo exposto, facilmente se pode extrair a consequência de que a teoria dos sistemas autopoiéticos se define, primordialmente, por um conceito chave: a autorreferencialidade. Por autorreferencialidade51 tem-se, de uma forma mui-

47 Para mais desenvolvimentos sobre esta teoria, v. o nosso A autorreferencialidade da teoria dos sistemas autopoiéticos de Teubner como a suposta superação do mito da neutralidade de Kelsen. Revista de Estudos Jurídicos da Unesp, São Paulo, a. 16, n. 24, ago./dez. 2012, que seguiremos de perto.

48 A teoria dos sistemas autopoiéticos tem a sua origem no trabalho dos biólogos Francisco Varela e Humberto Maturana intitulado De máquinas y seres vivos: una teoría sobre la organización biológica (Santiago do Chile: Editorial Universitaria, 1973). A teoria dos sistemas pode ser reduzida a quatro pontos essenciais: i) os sistemas autopoiéticos definem a sua identidade e as regras das transacções entre o sistema e o exterior por oposição ao exterior (meio ambiente); ii) produzem os seus próprios elementos; iii) criam uma linguagem própria do seu ciclo de funcionamento; iv) desenvolvem uma nova linguagem que comanda as transformações da primeira, de ciclo para ciclo, sendo aquela que permite definir o modo como o exterior é reflectido internamente, ou seja, qual o seu sentido dentro da lógica do sistema.

49 Luhmann realça que os sistemas sociais não são sistemas autopoiéticos de segundo grau desenvolvidos a partir dos indivíduos humanos (cuja base reprodutiva é a vida), mas antes sistemas noéticos cuja base reprodutiva é o sentido, ou seja, composta por comunicações. Sobre o significado do conceito de “sentido”, cf. LUHMANN, Niklas. Social systems. Standford: Standford University Press, 1995. p. 59 e ss. Neste contexto, acto comunicativo deve ser definido como toda a interacção simbolicamente cristalizada que, ainda que de forma não voluntária, sucede a gerar e desenvolver um determinado padrão intersubjectivo de conduta, cf. ANTUNES, José Engrácia. Prefácio a Gunther Teubner. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, XI e XII.

50 Em sentido idêntico, HESPANHA, António Manuel. O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 209 e ss.; HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica europeia. Mem Martins, Europa América, 1997. p. 259 e ss.

51 É precisamente o conceito de autopoiésis que permitiu Luhmann dar especial enfâse à função dos sistemas, ultrapassando, assim, as limitações da teoria de Talcott Parsons, cfr. GUIBENTIF, Pierre. Focault, Luhmann, Habermas, Bourdieu – Une génération repense le droit. Paris: L.G.D.J., p. 98. Teubner tem a virtualidade teórica de desenvolver este conceito e explicar a confusão terminológica em torno desta “galáxia auto”, cf. TEUBNER, Gunther. Hyperzyklus in Rechtund Organisation – zum Verhältnis von Selbstbeobachtung, Selbs Konstituition und Autopoiese. In: Inn, Kommunikation und soziale Diferrenzierung: Beiträge zu Luhmanns Theorie sozialer Systeme, Frankfurt: Suhrkamp, 1987. p. 94-96.

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to simplista, entendido todo o processo produtivo e reprodutivo de uma forma circular e sistematicamente fechada através do recurso a um código binário, por exemplo e no caso da linguagem jurídica: de acordo com o Direito/contrário ao Direito52.

No fundo, Luhmann entende que os sistemas agem segundo uma distin-ção básica (negativa/positiva) entre o modo como o sistema interpreta e assimila interiormente a realidade exterior53. É precisamente deste modo que o sistema pressupõe a sua própria existência, determinando por si próprio tudo aquilo que o integra, bem como o que exclui54.

Ora, isto se traduz em um exercício constante de redução de complexi-dade entre a sociedade e os vários sistemas independentes (autorreferenciais)55. A redução de complexidade56 define-se como a

manutenção de um domínio de alternativas baseadas nas estruturas. São, assim, as estruturas que determinam a quantidade de complexidade interior que o siste-ma pode gerar e tolerar. A manutenção e redução de complexidade dependem destas estruturas.57

Isto não significa, porém, que esses sistemas não comuniquem entre si, pelo menos indirectamente através de dois mecanismos: a observação sistémica e a articulação pela interferência.

A observação sistémica deve ser definida como o fluxo de informação continuada que se desenvolve a partir do interior do sistema autopoiético, de modo a gerar uma “realidade autónoma” que passa a ser o parâmetro de todas as operações futuras sem apresentar, na realidade, um contacto efectivo com o meio ambiente58.

52 Entendem os autores “autopoiéticos” que esta é a linguagem do subsistema social que é o Direito. Todavia, existem outros subsistemas que identificam como, por exemplo, a política, a moral, a religião, a arte etc. Ora, o código binário da arte é, por exemplo, o “conseguido”/”não conseguido”. Cf. GUIBENTIF, Pierre. O direito na obra de Niklas Luhmann. Etapas de uma evolução teórica. In: SANTOS, José Manuel (Org.). O pensamento de Niklas Luhmann. Covilhã, 2005, p. 228.

53 Precisamente porque “[t]he function of law deals with expectations that are directed at society and not at individuals. It deals with the possibility of communicating expectations and having them accepted in communication. ‘Expectation’, then, does not refer to an actual state of consciousness of a given individual human being but to the temporal aspect of the meaning of communications” (LUHMANN, Niklas. Law as a social system. Trad. ZIEGERT, Klaus A. Oxford University Press, 2004. p. 142 e 143.

54 “[…] context of factually enacted operations, whatever defines them – and in addition to that – have to be communicated as legal communication. This means, however, that the basic distinction in not to be found in a typology of norms and values but in distinction between system and environment.” (Cf. LUHMANN, Niklas. Law as a Social System. Trad. Klaus A. Ziegert. New York: Oxford University Press, 2004. p. 78).

55 Reconhecendo precisamente que a teoria assenta na redução de complexidade, cf. KING, Michael; THORNHILL, Chris. Niklas Luhmann’s theory of politics and law. Nova Iorque: Palrave, 2003. p. 1 e ss.

56 Um dos mais fortes mecanismos de redução da complexidade é a estabilidade sistemática oferecida pela confiança. Sobre este assunto, veja-se a obra de LUHMANN, Niklas. La confiance: unmécanisme de réduction de la complexité social. Paris: Economica, 2006.

57 BARALDI, Claudio; CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena. Glossar zu Niklas Luhmanns Theorie sozialer Systeme. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1997.

58 O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 130.

60 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Por outro lado, podemos verificar que o sistema jurídico apresenta pon-tos de contacto com o exterior “através de mecanismos de interferência inter-sistémica (designadamente, as recíprocas pressões de articulação do sistema jurídico com a sua envolvente, originadas na sequência de sobreposição de eventos, estruturas e processos dentro e fora daquele sistema)”59, apenas alcan-çado por via da auto-observação, pois os sistemas nunca se podem influenciar directamente.

Um sistema autopoiético apenas pode “irritar”, “comprimir” outro siste-ma de modo a desencadear reacções internas que seguem a lógica própria do sistema autopoiético “provocado”. Nessa teoria, acentua-se precisamente

a autonomia do sistema perante a complexidade dinâmica do meio, e que ele garantiria por um processo de autorreferência reconstitutiva, pela reconstrução dos elementos do sistema através de outros dos seus elementos (autopoiésis), e assim numa “clausura” de sentido (de comunicação referencial) e constitutiva, ainda que com “abertura” aos problemas e às informações provindos do meio e que o sistema consideraria como “ruídos”, mas de que tiraria também estímulos para a sua autorreferente autopoiésis”.60

Nestes termos, o Direito

constitui um sistema autopoiético de segundo grau, autonomizando-se em face da sociedade, enquanto sistema autopoiético de primeiro grau, graças à consti-tuição autorreferencial dos seus próprios componentes sistémicos e à articulação destes num hiperciclo.61

III – ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL DE TEUBNER

O “constitucionalismo social”, tal como configurado por Teubner, re-cusa, na verdade, a existência de um “legislador”, pelo que a validade destas não deriva de um qualquer acto de autoridade. Por outro lado, estas emergem de “processos evolucionários de longa duração”62. Esses fenómenos de juri-dificação social assentam, assim, segundo Teubner, em quatro características: (i) as constituições sociais encontram-se situadas no topo da hierarquia das re-gras que regulam o processo de criação das regras jurídicas hierarquicamente inferiores, de uma forma muito idêntica à existente no constitucionalismo de “origem estadual”; (ii) este Direito “hierarquicamente superior” tem como fun-ção a fixação de critérios de decisão sistemática, da mesma forma que a “Cons-

59 O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 130.60 NEVES, Castanheira. O funcionalismo jurídico – Caracterização fundamental e consideração crítica no contexto

actual do sentido da juridicidade. Revista de Legislação e Jurisprudência, a. 136, n. 3940, p. 14.61 O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p. 53.62 Assim, TEUBNER, Gunther. Globale Zivilverfassungen: Alternativen zur staatszentrierten Verfassungstheorie,

In: Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht, n. 63, p. 11, 2003.

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tituição estadual” o faz ao consagrar normas organizatórias e procedimentais; (iii) assume também a fixação de todas as fronteiras do sistema, ou seja, delineia uma esfera de competência de actuação e garante a existência de “direitos fun-damentais”; (iv) é indispensável a existência de um controlo “jurisdicional” que permita garantir o respeito pela normatividade privada de todos os intervenien-tes neste subsistema social63.

O autor entende, pois, que a “dinâmica da globalização” é uma excelen-te oportunidade para “libertar” muitos dos sectores da sociedade das limitações e das amarras da política centrada puramente na esfera de um Estado64.

Ora, trata-se de uma nova oportunidade para reformular a autonomia de sectores da sociedade como a arte, a saúde, o ensino e a investigação, bem como para os institucionalizar numa Constituição dual (espontânea/organizada)65. Re-cusa, contudo, que existam perigos para a Democracia e para o Estado de Di-reito. Afirma, assim, peremptoriamente, que, “[p]or mais que possa custar aos juristas, o Direito não assume o papel principal em qualquer Constituição, seja a Constituição provinda de um Estado ou a Constituição Social”66.

Alerta, todavia, que existe a necessidade de recorrer a um conceito ma-terial67 de Constituição, sendo esta para Teubner

[...] uma autoridade jurídica originária, ou seja, um sistema jurídico autónomo, posto, estruturado e legitimado por via de um processo social (e não apenas por um processo político como sucede no caso das constituições nacionais).68

Neste sentido, existem perguntas cujas respostas são a verdadeira “prova de fogo” para que possamos falar em constitucionalismo social:

1) “Função constitucional”: é possível identificar a existência de um conjunto de regras que assume um carácter constitutivo e não me-ramente regulativo e de resolução de conflitos?

2) “Espaços constitucionais”: é possível identificar um processo espon-tâneo de organização política e, paralelamente, de criação de um “espaço público” tipicamente existente no Estado democrático?

3) “Processos constitucionais”: conseguem estes regimes transnacio-nais criar um conjunto de regras limitativas suficientemente densas

63 Cf. TEUBNER, Gunther. Fragmented Foundations: Societal Constitucionalism beyond the Nation State. In: The Twilight of Constitucionalism. Ed. Petra Dobner e Martin Loughlin, p. 332.

64 Há quem veja neste fenómeno a possibilidade de instituir uma “nova ordem mundial”. V. ALLIOT, Phillip. Five steps to a new legal order. In: Valparaiso University Law Review, v. 42, n. 1, p. 116 e ss., 2007.

65 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 142.66 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 159.67 O autor afasta-se expressamente do conceito de Constituição assente num critério puramente formal como o

existente em KELSEN, Hans. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 119.68 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 119-120.

62 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

no que respeita ao seu contexto social e à semelhança do que fazem as regras constitucionais com a política?

4) “Estruturas constitucionais”: edificam os regimes transnacionais um conjunto hierarquizado de normas e garantias constitucionais?

Neste contexto, entende que a chave para o processo de constitucionali-zação é a autoconstituição do “meio comunicativo” dos sistemas sociais, seja a política, economia etc. Assim sendo, o Direito é um mero “servo” do processo de constitucionalização social. As constituições seriam processos primários e os processos jurídicos secundários uma mera consequência de processos de operações autoprodutivas69.

Teubner entende que não é sustentável que o constitucionalismo mun-dial70 continue a fixar-se na função constitucional neoliberal. Será, portanto, apenas uma questão de tempo até que exista um “desequilíbrio dinâmico”, isto é, chegará o momento em que a “energia sistémica” libertada por este fenóme-no desencadeará consequências desastrosas nos conflitos sociais que reclama-rão correcções pela política constitucional71.

Por conseguinte, o “momento constitucional” é a experiência directa do momento de crise, da situação de “quase catástrofe”, da experiência que nos traz a libertação da “energia social” e as respectivas consequências, apenas perceptível por meio da reflexão crítica individual e do reconhecimento da au-tolimitação72.

Realce-se, todavia, que se assume aqui como crucial que se desenvolva, deste modo, uma “metacodificação binária-híbrida”, operando entre os “va-lores” (de acordo com a Constituição/contrário à Constituição) que estão no topo da hierarquia estabelecida entre o código binário do Direito (conforme ao Direito/contrário ao Direito). Isto significa que a “metacodificação binária híbrida” é, por um lado, supralocalizada ao código do Direito, mas que, por outro lado, também o é relativamente ao próprio código do sistema funcional a que pertence.

69 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 160.70 O autor critica a vaga de constitucionalização neoliberal constituída de multinacionais e organizações

orientadas para o capital de mercado: Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 120. 71 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 124-125. 72 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 131. O autor explica que “[t]he

experience of near-catastrophe, as opposed to the experience of its contingency as such, may be regarded as the ‘constitutional moment’. This is not the moment when the self-destructive dynamics causes the abstract danger of a collapse to appear: that is the normal state of things. Rather, it is the moment when the collapse is directly imminent. The functionally differentiated society appears to ignore earlier opportunities for self-correction; to ignore the fact that sensitive observers draw attention to the impending danger with warnings and incantations. The endogenous self-energizing processes are so dominant that they allow self-correction only at the very last moment. The similarity with individual addiction phenomena is again obvious – ‘Hit the bottom!’ It must be one minute before midnight”. Cf. A Constitutional Moment – The Logics of ‘Hit the Bottom’, in After the Catastrophe: Economy, Law and Politics in Times of Crisis. Poul Kjaer e Gunther Teubner (Ed.). Oxford: Hart, 2010. p. 17.

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No entanto, acrescenta que a mera autonomia do processo de operações autoconstitutivas não chega para se falar numa constituição em sentido estrito, sendo também necessário que a reflexividade do sistema social tenha uma cor-respondente “reconhecimento” pelo Direito73.

Um requisito indispensável para se poder falar numa constituição social é “uma conexão estrutural de mecanismos reflexivos, ou seja, a juridificação secundária, na qual são aplicadas normas sobre normas, através de mecanis-mos reflexivos do sector social em causa”74. Além disso, é necessário que esta conexão estrutural entre o Direito e a política pressuponha uma determinada “densidade” e “duração” que a possa distinguir entre “conexões estruturais sol-tas e ocasionais do Direito com domínios sociais”75.

IV – AS REGRAS DO FENÓMENO DESPORTIVO COMO EXEMPLO DE UM CONSTITUCIONALISMO SOCIAL TRANSNACIONAL, SOB O PRISMA DA TEORIA DOS SISTEMAS AUTOPOIÉTICOS E RESPECTIVA APRECIAÇÃO CRÍTICA

Os requisitos enunciados por Teubner encontrar-se-iam, no caso das federações desportivas, em regra e ainda que de intensidade variável, todos preenchidos, pelo que por nós foi enunciado quando da estruturação das fede-rações desportivas internacionais. Isto levaria a que o sistema de regras despor-tivas pudesse ser um dos melhores exemplos de constitucionalismo social. Con-tudo, o problema que podemos identificar na análise desenvolvida diz respeito à questão da legitimidade da normatividade desportiva e que merece algumas observações76.

Em primeiro lugar, Teubner não toma em consideração que os tribunais do Estado suíço têm, mesmo em sede de arbitragem internacional, “uma última palavra” para conferir validade a uma determinada solução proferida por um tribunal arbitral desportivo.

Entendemos que constatar, deste modo, que uma associação desportiva internacional exerce a sua actividade de forma totalmente imune ao controlo do Estado se revela paradoxal se retivermos alguns exemplos da realidade. Denote--se também que várias são as federações desportivas que têm a sua sede no Esta-do suíço, sendo qualificadas como associações de direito privado, constituídas de acordo com as regras do supramencionado Estado, ganhando, assim, com

73 TEUBNER, Gunther. Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 161.74 Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 162.75 Verfassungsfragmente. Berlim: Suhrkamp, 2012. p. 163.76 Apontando para uma possível discussão sobre se a legitimidade de normas desportivas emanadas por

federações internacionais repousa numa verdadeira autonomia federativa ou num reconhecimento estadual da esfera de autonomia federativa, v. KADELBACH, Stefan; GÜNTHER, Klaus. RechtohneStaat. In: Rechtohne Staat? Zur Normativität nichtstaatlicher Rechtssetzung (Ed. Stefan Kadel bach e Klaus Günther). Frankfurt: Campus, 2011. p. 22.

64 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

esse estatuto normativo uma autonomia de regulamentação e de disciplina da prática desportiva.

No entanto, não se trata de uma autonomia ilimitada por princípio, assu-mindo, por exemplo, o Tribunal Federal suíço em vários acórdãos que a ordem pública serve de limite absoluto para o controlo de sentenças arbitrais. Esse paradoxo reside, especialmente, na tentativa de “forçar” o Estado a reconhecer uma autonomia federativa, sem poder aquele fixar os limites desta.

Ou seja, para Teubner, os limites da autonomia da actuação federativa seriam fixados pelas próprias entidades privadas. No entanto, quando conside-rada a actividade das federações desportivas, inexistem “espaços livres” de nor-mas de uma determinada ordem jurídica, pois a actividade federativa acaba por projectar-se com ligações a um sistema jurídico estadual77. O corpo normativo federativo só tem verdadeira efectividade no espaço físico e nas fronteiras de um Estado ou vários Estados individualmente ou conjuntamente considerados78.

Se esse paradoxo teubneriano poderia ter alguma razão de ser, no limite, quando falássemos de uma federação desportiva internacional sem sede – o que é impossível, em termos jurídicos –, essa argumentação cede completamente por se apoiar, a nosso ver, num preconceito ingénuo: considerar-se que estas entidades privadas se reinventam e se autolegitimam num quadro de pós-mo-dernidade, à margem do Estado, garantindo, assim, uma nova forma de Direito.

No fundo, uma melhor e mais adequada visão do “mundo jurídico, em-bora tolhida por aquilo que pode ser designado por um preconceito ultralibe-ral”. Ora, essa teoria parte do preconceito geral da pós-modernidade de que podem existir dentro dos quadros da esfera jurídica do Estado focos normativos que se autolegitimam.

Na verdade, são certeiras as palavras de Ulrich Beck acerca da visão cosmopolita do “mundo” da pós-modernidade, ao afirmar que “[n]a ordem de valores da ordem cosmopolita, que não conhece outro foco de legitimação se-não ela própria, a legitimação democrática é substituída pela autolegitimação”. Com efeito, o autor, reconhecendo este problema, remata: “[A] marcha triunfal do cosmopolitismo convoca o perigo de existirem regimes cosmopolitas sem democracia”79.

77 Neste sentido, MEIRIM, José Manuel. Suíça: uma real especificidade desportiva. In: Estudos em homenagem ao Professor Figueiredo Dias. Coimbra: Coimbra Editora, v. IV, 2010, passim.

78 Cf. Mathieu Deflem (Sociology of law – Visions of a scholarly tradition. New York: Cambridge University Press, 2008. p. 259), ao afirmar que “[g]lobal norms are meaningless if they do not instill themselves into concrete locales at the national and regional level. In this localization of global developments, nationally specific solutions are offered in terms of a negotiated process that is affected by structural and cultural conditions”.

79 BECK, Ulrich. Macht und Gegenmacht im globalen Zeitalter. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2009. p. 430-431.

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Não é, pois, possível raciocinar juridicamente no âmbito de um Estado de Direito e permitir-se que existam “formas de legitimação” que sejam contrá-rias ao sistema de valores constitucionalmente instituídos nas ordens constitu-cionais.

A concepção teórica teubneria veria essa possibilidade como positiva e válida. Intolerável, porém, perante o sistema de valores ocidental. Os processos constitucionais à margem do Estado ignoram um núcleo mínimo de “moralida-de política”, sendo que, por esse mesmo motivo, trata-se de um constituciona-lismo que assume uma forma “degenerada”80. Do mesmo modo, deve referir-se que o carácter fragmentário deste direito transnacional “constitucionalizado” permite uma crescente “fuga” às vinculações decorrentes dos princípios demo-cráticos e do Estado de Direito81.

Os problemas que se colocam, neste contexto, perante o constitucio-nalismo social estão relacionados com a questão do carácter eminente formal da teoria dos sistemas autopoiéticos. A teoria dos sistemas autopoiéticos ao conceber a justiça como uma fórmula de contigência82 aproxima-se do relati-vismo axiológico kelseniano83. Nesses termos, entende-se que o sistema pode adquirir um conteúdo indiferenciado desde que autolegitimado pela estabilida-de formal do sistema (autorreferencialidade). Como bem reconhece Luís Pereira Coutinho, o funcionalismo sistémico surge sempre ancorado num valor – diga-mos como que numa Grundnorm –, a que corresponderá a constante adequação funcional84. Trata-se, deste modo, de uma “constituição dessubstantivada”85.

Com efeito, esta teoria tem como grande ponto negativo a possibilidade de “na funcionalidade sistémica todos os gatos passa[rem] a ser pardos”86, pelo que o Direito passaria a ser “um sistema sem sujeitos”87 que se manifesta, pelo

80 Neste sentido, SOMEK, Alexander. Transnational constitucional law: the normative question. University of Iowa, Legal Studies Research Paper, n. 09-03, p. 5 e 6, jan. 2009.

81 Cf. BRUNKHORST, Hauke. Die Legitimationskrise der Weltgesellschaft Global Rule of Law, Global Constitutionalism und Weltstaatlichkeit, p. 18. Disponível em: <http://www.iim.uni-flensburg.de/eustudies/upload/pdf/Constitutional_Law/GlobalRuleOfLaw_Bru.pdf>.

82 Sobre a justiça como fórmula de contingência, cf. TEUBNER, Gunther. Selbstsubversive Gerechtigkeit: Kontingenz – oder transzendenzformel des Rechts?. In: Zeitschrift für Rechtssoziologie, n. 1, p. 13 e ss., 2003.

83 Note-se que, para Hans Kelsen, “uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela via de um raciocínio lógico de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é criada por uma norma fundamental pressuposta”. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Coimbra: Almedina, 2008. p. 1. Para mais desenvolvimentos sobre esta ideia, v. o nosso A autorreferencialidade da teoria dos sistemas autopoiéticos de Teubner como a suposta superação do mito da neutralidade de Kelsen. Revista de Estudos Jurídicos da Unesp, São Paulo, a. 16, n. 24, ago./dez. 2012.

84 Cf. A autoridade moral da Constituição – Da fundamentação da validade do direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 537.

85 Expressão de Gomes Canotilho, utilizada para caracterizar o fenómeno das “constituições sociais autopoiéticas”: Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 1372.

86 NEVES, Castanheira. O funcionalismo jurídico – Caracterização fundamental e consideração crítica no contexto actual do sentido da juridicidade. Revista de Legislação e Jurisprudência, a. 136, n. 3940, p. 127.

87 Idem, p. 132.

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menos, num “arbítrio semântico”88. Existe nestas formas de constitucionalismo o perigo real de permitir que determinados sectores da sociedade (“sistemas globais constitucionalizados socialmente”) possam actuar “segundo regras for-mais”, ainda que apresentem uma estrutura marcadamente totalitária.

Na verdade, a “análise do conteúdo é um risco a que não pode fugir a condição humana”89, pelo que a grande questão que, nesta medida, se coloca assenta na confusão entre dois conceitos fundamentais: validade e eficácia.

Para as concepções teóricas de matriz luhmanniana: “[V]alidity is only the form in which operations refer to their relationship with the system and re-late to the context of other operations in the same system while reproducing it. Validity is the form for participating in the unity of the system”90. Na visão de Luhmann, uma norma eficaz é uma norma válida. Ou seja, uma norma social-mente eficaz é para todos os efeitos uma norma válida: o ponto essencial está em que ela cause reacções comunicativas em determinados sistemas autopoié-ticos enquanto subsistemas da sociedade91.

Como refere Gomes Canotilho, “[a] constituição de um Estado de Direito Democrático terá de continuar a propor uma melhor organização da relação homem-mundo e das relações intersubjectivas (entre e com os homens) segun-do um projecto-quadro de ‘estruturas básicas da justiça’”92.

Na verdade e pegando na distinção entre o “observador” e o “partici-pante” de Alexy, devemos reconhecer que Teubner, ao tentar colocar-se na posição do “observador”, tenta também legitimar uma nova forma de agir dos “participantes”93. Deste modo, como bem escrutinado por Luís Pereira Coutinho, “o pensamento jurídico abandona o seu compromisso – ou o seu compromisso com algo que não a estrita funcionalidade – e passa a oferecer caução a todo e qualquer sistema, desde que funcional”, uma resposta a que todo o pensamento de Teubner acaba por permanecer “silencioso”94-95.

88 BRONZE, José Pinto. A metodonomologia entre a semelhança e a diferença (reflexão problematizante dos polos da radical matriz analógica do discurso jurídico). Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p. 426.

89 Palavras de ASCENSÃO, Oliveira. O direito – Introdução e teoria geral. 13. ed. Coimbra: Almedina, 2005. p. 220.

90 LUHMANN, Niklas. Law as a social system. Translated by Klaus A. Ziegert. Oxford University Press, 2004. p. 126.

91 A maior crítica que se pode fazer a esta concepção passa mesmo pela supressão que ela faz da problemática da legitimidade das normas. O facto de uma norma se apresentar com socialmente eficaz, mesmo quase tão eficaz como a normatividade emanada pelo Estado, não afasta o problema de se aferir da legitimidade dela. Relativamente a esse ponto, v. o nosso A norma desportiva: plural mas pouco? In: Desporto & Direito. Revista Jurídica do Desporto, a. IX, n. 26, p. 259 e ss.

92 CANOTILHO, Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 1373 e ss.

93 ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho. Barcelona: Gedisa Editorial, 1994. p. 31.94 COUTINHO, Luís Pereira. A autoridade moral da Constituição – Da fundamentação da validade do direito

constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 2009. p. 537.95 Uma solução poderá passar pelo entendimento de que esta “global governance só poderá ser considerada

legítima se se puder basear, por sua vez, num acordo entre as diferentes ordens jurídicas, que gozam

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CONCLUSÃO

O papel do Estado na sociedade globalizada vem sofrendo profundas transformações, desafiando os limites à normatividade das fronteiras físicas de um Estado individualmente considerado, surgindo novas realidades que colo-cam em causa a estadualidade enquanto característica do Direito.

O “constitucionalismo social” de Teubner revela-nos que existe um pro-blema interessante no que toca à emancipação de “subsistemas jurídicos” em relação do Estado diz respeito. O ponto essencial do processo de constitucio-nalização social reside, portanto, na adopção e assunção de um conceito (apa-rentemente) material de constituição, legitimada por via de um processo social: a autoconstituição de uma ordem social originária e transnacionalmente eficaz.

Ora, conceber este processo de “constitucionalização social” alicerçado nos pressupostos da teoria dos sistemas autopoiéticos parece-nos, a nosso ver, um exercício difícil e de tal modo liberal que poderá conduzir a resultados intoleráveis e indesejados perante o sistema de valores constitucionalmente ins-tituídos nas Constituições ocidentais.

De facto, não é possível admitir uma teoria do Direito eminentemen-te formal nos quadros de um Estado de Direito Democrático: a substância do Direito assume relevo e não deve nem pode ser ignorado. A aceitação de uma teoria de cariz meramente formal poderá, in extremis, conduzir a formas de re-gulação privadas e sociais de cariz totalitário, ainda que formalmente legítimas. O “constitucionalismo social” carece, a nosso ver, de uma base legitimadora, bem como da definição de limites que protejam e garantam a existência de um mínimo ético.

elas próprias de uma legitimidade política mais ampla” (Cf. QUEIROZ, Cristina. Direito constitucional internacional. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 48).

Parte Geral – Doutrina

O Futebol no Banco dos Réus: Caso da Homofobia1

Football on Trial: the Case of Homophobia

MARCO ANTONIO BETTINE DE ALMEIDAProfessor Livre Docente da Universidade de São Paulo, Professor do Programa de Pós-Gra-duação em Mudança Social e Participação Política da EACH-USP, Pós-Doutor em Sociologia do Esporte – Universidade do Porto – FADEUP, Graduado em Educação Física – Unicamp, Graduado em Direito PUC-Campinas, Mestrado em Sociologia do Lazer – Unicamp, Doutorado em Socio-logia do Lazer – Unicamp. Tem estudos na área Interdisciplinar em Humanidades, ênfase em Sociologia do Esporte e do Lazer, Coordenador do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares em So-ciologia do Esporte – PISE, Vice-Coordenador do Ludens – Núcleo de Apoio à Pesquisa USP-SP.

ALESSANDRO SOARES DA SILVALicenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1998), Mestrado (2002) e Doutorado (2006) em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Livre Docente pela Universidade de São Paulo (2012), Professor da Escola de Artes Ciências e Humanidades – EACH da Universidade de São Paulo no Curso de Gestão de Políticas Públicas, Cofundador e Ex-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política (2011-2012), Atuante na Área de Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo, Cofundadores da Associação Brasileira de Psicologia Política e da Asociaci-ón Ibero-Latinoamericana de Psicología Política (AILPP), Coeditor da Revista Psicologia Política mantida pela ABPP (2008-2015), Pesquisador do Grupo de Políticas Públicas, Territorialidades e Sociedade do Instituto de Estudos Avançados da USP. Fez Estágio Internacional na Universidad Complutense de Madrid junto ao Departamento de Sociologia das Estruturas Sociais. Tem expe-riência na Área de Psicologia, com ênfase em Relações Interpessoais, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia Política, Psicologia Social, Consciência Política, Psicologia dos Movimentos Sociais, Políticas Públicas e Minorias e Multuculturalimo.

RESUMO: Este ensaio procura discutir algumas questões relacionadas à homofobia no futebol. Para isso, analisaram-se, por meio de documentos oficiais e pesquisa bibliográfica, as dificuldades e os desafios para a luta contra a homofobia no Brasil. A partir destas discussões iniciais, buscou-se rela-cionar o mundo do “macho” e a reprodução da discriminação no futebol. Como forma de análise, par-tiu-se de dois autores das ciências sociais, Durkheim, com o conceito de anomia, que oferece uma explicação do motivo da repressão ao diferente (ideia da dicotomia sagrado e profano), e Habermas, com a ideia de sociedade civil organizada como forma de construção de mecanismos de luta para transformação de uma realidade concreta e possibilidade de diálogo.

PALAVRAS-CHAVE: Homofobia; sociedade civil; futebol.

ABSTRACT: This essay discusses some issues related to homophobia in football. To this were analyzed by means of official documents and literature, the difficulties and challenges in the fight against homophobia in Brazil. From these initial discussions sought to relate the world of “male” and

1 Artigo originalmente publicado na Revista Movimento, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 301-321, 2012.

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the reproduction of discrimination in football. As a form of analysis was from two authors of the social sciences, Durkheim with the concept of anomie, which offers an explanation of why the repression of different (idea of the sacred and profane dichotomy), Habermas and the idea of civil society as how to build coping mechanisms for processing a reality and possibility of dialogue.

KEYWORDS: Homophobia; civil society; football; Fútbol en el Juicio: el Caso de la Homofobia.

RESUMEN: Este ensayo trata sobre algunos aspectos relacionados con la homofobia en el fútbol. Para ello se analizaron por medio de documentos oficiales y la literatura, las dificultades y desafíos en la lucha contra la homofobia en Brasil. A partir de estas discusiones iniciales trató de relacionar el mundo de “macho” y la reproducción de la discriminación en el fútbol. Como una forma de análisis fue de dos autores de las ciencias sociales, Durkheim con el concepto de anomia, que ofrece una ex-plicación de por qué la represión de las diferentes (idea de la dicotomía entre lo sagrado y lo profano), Habermas y la idea de la sociedad civil como cómo construir los mecanismos de adaptación para el procesamiento de una realidad y posibilidad de diálogo.

PALABRAS CLAVE: La homofobia; de la sociedad civil; fútbol.

SUMÁRIO: Cena 1: Futebol e sociedade: espaço de construção histórica do universo masculino; Cena 2: Homofobia e sociedade; Cena 3: Sociedade civil organizada e a luta pela igualdade; Cena final: Futebol, refúgio do “macho”; Referências.

CENA 1: FUTEBOL E SOCIEDADE: ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO UNIVERSO MASCULINO

Desde o seu nascimento, o futebol, mesmo com as regras de proibição e de permissão, é “denominado” viril. Segundo Franzini (2005, p. 2):

A virilidade virtuosa do esporte é frequentemente ressaltada pela sentença “fu-tebol é coisa para macho” (ou, em uma versão pouco menos rude, “coisa para homem”), bem como em tiradas jocosas reveladoras de vivo preconceito.

Em tempos de discussões frequentes no mundo esportivo, em que joga-dores de futebol são hostilizados publicamente por serem homossexuais, este ensaio busca pensar a problemática futebol-homofobia. O ensaio é erigido num campo de forças, em que se situam o futebol como campo de expressão de uma cultural homofóbica, em que predomina o culto à masculinidade.

“Assumir a homossexualidade é sempre uma escolha, uma decisão. E essa decisão compromete toda a existência de um indivíduo: sua relação com a família, com os amigos, com o meio profissional” (Eribon, 2000). Há de se considerar que, sob a perspectiva heteronormativa da sociedade, os comporta-mentos homossexuais são vistos sistematicamente como desviantes do padrão, do comum, do esperado. As orientações sexuais não heterossexuais podem ser encaradas como distantes do “natural” (Welzer-Lang, 2004), e, portanto, ele-mentos que põem em xeque as estruturas supostamente harmônicas que dão

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sustentabilidade a uma lógica social estável. Em outras palavras, tais diferenças são formas pouco sutis de controle social a serviço de uma lógica dominante.

Destacamos artigos que tratam de temas relativos à homossexualidade, abordando a homofobia. “Cidadania sexual na democracia portuguesa”, de Ana Cristina Santos; “Economia política del armário: políticas del silencio, políticas de la autenticidad”, de Fernando Villaamil-Perez; “Le gueuloir bi ou comment la bifobie vient aux gais”, de Daniel Welzer-Lang; “Homossexualidade e psico-terapia infantil – Possibilidades e desafios para a construção dos direitos sexuais na clínica psicológica”, de Luis Felipe Rios e Ítala Fabiana Nascimento; “Ho-mofobia, silêncio e naturalização: uma narrativa da diversidade sexual”, de Ta-tiana Lionço e Débora Diniz; “Diversidade sexual, educação e sociedade: refle-xões a partir do Programa Nacional do Livro Didático”, de Roger Raupp Rios e Wenderson Rufino dos Santos; “A eloquência do silêncio: gênero e diversidade sexual nos conceitos de família veiculados por livros didáticos”, de Claudia Vianna e Lula Ramires; “Ilustrações do silêncio e da negação: a ausência de imagens da diversidade sexual em livros didáticos”, de Malu Fontes; “Análise psicossocial das visões de ativistas LGBTs sobre família e conjugabilidade”, de Raimundo Gouveia e Leoncio Camino; “Banheiros, travestis, relações de gêne-ro e diferenças no cotidiano da escola”, de Elizabete Franco Cruz.

O debate da homofobia tem como cerne um elemento higienizador de uma sociedade na qual a heteronormatividade é condição obrigatória de nor-malidade, sobretudo quando a diferença é princípio produtor da identidade e não o contrário; a identidade não é aquilo que somos, mas somos em função das multiplicidades do ser.

As posições sobre a diversidade sexual, bem como o respeito e a tolerân-cia, muitas vezes são discursivamente generalizadas de maneira estática, cris-talizada, no cotidiano e têm implicações políticas no campo da produção das identidades coletivas. É dizer: eliminam-se elementos plurais e performativos da identidade e se estabelecem hierarquias que tipificam aquilo que as pessoas podem ser excluindo aquilo que cada uma está sendo.

A homofobia é compreendida como um instrumental de dominação por meio do qual sujeitos e grupos sociais disputam espaços de legitimidade e de reconhecimento e, portanto, de poder. É nesse quadro que, na sequência, tra-taremos a questão da violência e da dominação como elementos constitutivos da homofobia.

A homofobia é um produto social derivado de uma construção mítica da sexualidade humana a partir de justificativas médico-legalistas, dentro de uma cultura assentada em princípios religiosos (Guasch, 2000; Silva, A. S., 2008). Isso implica assumir que a violência homofóbica é um produto do modelo he-teronormativo surgido apenas no século XIX e que vive em crise relativa à sua hegemonia e estrutura na sociedade (Guasch, 2000). Nesse quadro de crise, surgido de processos de abertura de determinados setores da sociedade com re-

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lação ao tema, assim como de fortalecimento de ações políticas de resistência e cidadania no campo dos movimentos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transe-xuais), propicia-se contemporaneamente a emergência de expressões do desejo consideradas desviantes do padrão heteronormativo e de modo afirmativo. Elas ganham visibilidade no espaço público e resistem a submeterem-se, mais uma vez, à sistemática perversa das políticas de silenciamento, ocultamento e esque-cimento (Silva, A. S., 2008). Em certa medida, essa emergência fala do direito a ter direito, da necessidade de se garantir processos de subjetivação política que potencializem a ação de sujeitos que ocupam lugares minoritários e que desejam sair do subterrâneo do esquecimento (Silva, A. S., 2007).

Assim, poderíamos nos perguntar: o que é homofobia?

Homofobia ainda se desenha como sendo um conceito polissêmico e multifacetado quando visto em suas peculiaridades. Isso faz dele algo inaca-bado e em processo de produção contínua. Borges e Meyer (2008, p. 61), por exemplo, entendem que “comportamentos homofóbicos variam desde a violên-cia física da agressão e do assassinato até a violência simbólica, em que alguém considera lícito afirmar que não gostaria de ter um colega [...] homossexual”. Mas é em Borrillo (2001) e em Silva (2008) que nos amparamos para realizar mais profundamente essa discussão. A esse respeito, Borrillo (2001, p. 36) es-creve que a homofobia pode ser encarada como

hostilidade geral, psicológica e social, com respeito àqueles e àquelas de quem se supõem que deseja a indivíduos de seu próprio sexo ou tenham práticas se-xuais com eles. Forma específica do sexismo, a homofobia rechaça também a todos que não se conformam com o papel determinado pelo seu sexo biológico. Construção ideológica consistente na promoção da forma de sexualidade (hetero) em detrimento de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e extrai delas consequências políticas.

Como se percebe, a homofobia é um instrumento de dominação (Silva, A. S., 2008) e encontra sua fonte na heteronormatização dos comportamentos sociais. Qualquer comportamento que não se enquadre no padrão heteronor-mativo (relação binária homem/mulher), e que fuja ao padrão machista e até mesmo misógino (entendendo que, numa hierarquia orientada pelo patriarca-lismo, não há espaço para uma mulher emancipada e crítica), é tido como fora do padrão. Estar fora do padrão é descumprir, transgredir os papéis sociais que lhe são atribuídos socialmente e que, supostamente, deveriam ser entendidos como biologicamente determinados.

Importante é considerar que a homofobia deriva de uma construção so-cial e um fenômeno que é constantemente atravessado por outras dimensões da vida humana, como classe, raça/etnia, gênero, posição social, cultura etc. De fato, essa impressão impera muitas vezes, visto que a condição de virilidade está associada a essa orientação e é negada as orientações heterodiscordantes. Neste sentido, o futebol, que é considerado uma modalidade viril, não poderia

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ser praticado por aqueles que não possuam este sentido de virilidade típico do jogo, ficando negado à prática, apenas podendo jogar aqueles jogos que não tenham contato, ou não necessitam deste atributo do “macho”.

Essa consideração contém a ideia de que a homofobia não se dá so-mente pela agressão física diretamente direcionada contra o homossexual, mas pode se firmar de maneira sutil e até imperceptível. Essa expressão da violência chamada simbólica compreende a agressão verbal, moral e toda forma velada e não física produtora de lugares minoritários e reprodutores da lógica domi-nação-exploração materializada em discursividades homófobas. Tal forma de manifestação da violência homofóbica deriva de um arranjo social ordenador das relações em sociedade e serve a demarcação e legitimação de lugares so-cialmente construídos. Um destes locais socialmente construídos é a arena do jogo. Tanto na prática de lazer, quanto nos estádios, a verbalização da nega-ção do diferente se faz com frequência. Portanto, o território da prática, tanto como jogador como espectador, está permeado de preconceito e de violência simbólica.

Importante destacar, como assinala Eribon (2000), que a violência homo-fóbica é injúria, insulto; define a relação e posição social do indivíduo como inferior aos demais. Para ele, o que a injúria me diz é que sou alguém anormal ou inferior, alguém sobre o qual o outro tem o poder, e, em princípio, o poder de injuriar. A injúria é, pois, a expressão da assimetria entre os indivíduos, entre os que são legítimos e os que não o são, e, pela mesma razão, vulneráveis.

Essa primeira cena teve como fundamento demonstrar que há uma razão histórica para o futebol ser considerado espaço da construção do macho na sociedade. Toda a sua estrutura foi constituída para representar os valores da masculinidade. Pensando no tema desse ensaio, que é a questão da homofobia, percebe-se que o futebol é um reduto importante ao preconceito aos homos-sexuais. O avanço na sociedade de respeito às diferenças demonstra o caráter masculinizado dessa modalidade; quanto mais a sociedade se constrói no res-peito ao diferente, mais nítida fica a discrepância do aceite ao homossexual no futebol.

Na cena seguinte, articularemos os conceitos homossexualidade, homo-fobia e preconceito, apontando como a sociedade funciona como reforçador da discriminação. Para olhar esses fatos sociais, utilizaremos a leitura habermasia-na, na “teoria da ação comunicativa”, que aponta como a sociedade constrói os símbolos anômicos e que, muitas vezes, a lógica binária pode facilitar o olhar de como os sujeitos não convivem com o diferente.

Na cena 3, trataremos de apresentar os espaços de lutas sociais e movi-mentos políticos para a igualdade. Particularmente, os grupos organizados con-tra a homofobia e as lutas simbólicas para reverter um quadro de hostilidade.

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Na cena 4, final, a partir do conceito de esfera civil e sociabilidade es-pontânea habermasiana, traçaremos as possibilidades de transformação da realidade.

CENA 2: HOMOFOBIA E SOCIEDADE

A homossexualidade surge, fundamentalmente, como uma temática emi-nentemente moral. Segundo Guacira Lopes Louro (2001), “enquanto alguns assinalam o caráter desviante, a anormalidade ou a inferioridade do homos-sexual, outros proclamam sua normalidade e naturalidade”. De acordo com o sociólogo espanhol Oscar Guasch (2000), tanto a heterossexualidade quanto a homossexualidade são mitos, invenções, uma produção histórico cultural.

No caso do preconceito ao homossexual, há muitas palavras e frases que fazem parte do jogo simbólico de fala, principalmente para destruir o argumen-to do outro estrategicamente, como definiria Habermas (1990). O paradigma naturalista da dominação masculina valoriza os homens frente a todos os outros grupos sociais. Dá privilégios aos homens brancos. Na construção dos precon-ceitos, a primeira forma de ataque é expressar verbalmente uma condição de superioridade frente à pessoa diferente. Antes de qualquer culto mágico de pu-rificação do diferente, os homens constroem as falas e expressão de ataque a estes grupos (Habermas, 1990).

A fala é tão potente que eterniza uma situação de preconceito, como a condição de submissão, indolência, afetação e promiscuidade dos homos-sexuais, como apontando na cena 1 deste ensaio.

Os teóricos que escrevem sobre as masculinidades, entre eles Connel (1998) e Kimmel (1998), são enfáticos ao afirmarem que a busca de afirma-ção de uma sexualidade que se distancie de elementos ditos não masculinos é marcadamente central na constituição das masculinidades. Assim, a homofobia aparece como elemento que rege as inter-relações dos homens em seus diversos contextos, de forma tal que busca afastar e rechaçar aproximações em torno de tudo que lembre o não masculino, o que inclui os modelos homossexuais.

Kimmel (1998) afirma que os homens gays vêm a se converter em outros contra os quais os homens heterossexuais projetam suas identidades, de tal modo que eles devam afirmar sua virilidade colocando-se em posição de des-taque em relação a esses outros, suprimindo-os e proclamando, assim, sua pró-pria virilidade. Kimmel (1998) afirma que se forma um simulacro, um repúdio que busca dar conta da maneira como a identificação do eu se volta e se fixa em cada sujeito.

Há um discurso contra o homossexual. Reproduzindo nos centros edu-cacionais, na Internet, nos locais públicos, no Legislativo, no Judiciário e Exe-

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cutivo. Essas falas reforçam a tese habermasiana (1987) de que o preconceito é construído. Eis alguns exemplos:

(1) O arcebispo de Fortaleza, Dom José Antônio Aparecido Tosi, ao ser indagado sobre a campanha deflagrada pelo Grupo Gay de Alagoas, que suge-ria à Igreja Católica a inclusão dos homossexuais na lista do pedido de perdão do Vaticano pela opressão contra as minorias sociais, declarou: “O homosse-xualismo é um defeito da natureza humana, como é o orgulho, a tendência ao roubo, a cleptomania, o homicídio, ou qualquer coisa assim”. O Arcebispo de Florianópolis declarou que “gays são gente pela metade, se é que são gente!”.

(2) O líder evangélico J. Ibrahim, autor do livro O santo amigo da Bíblia, defendeu que

o homossexualismo não é apenas uma perversão diabólica. Pior do que isto: é uma peste imoral, contaminosa e destruidora, pela qual Deus destruiu duas cida-des: Sodoma e Gomorra. É importante deixar bem claro que quando se fala em discriminação social contra negros, etnia, etc., não inclui o homossexualismo. Negro é uma raça, mas o homossexualismo é sodomia, perversão e prostituição. Incluir os negros junto com estes pervertidos é a maior desonra que se pode fazer a este povo de Deus.

(3) Em entrevista à colunista do jornal O Estado de São Paulo Sonia Racy, o jogador do Santos, Ganso, disse que há gays no futebol, mas que, “graças a deus”, em seu time não há. “Em alguns clubes por aí tem, sim. Mas no Santos, graças a Deus, não”.

(4) Túlio Maravilha afirma que, no futebol, há vários casos, mas a maio-ria não assume por receio. “Ninguém é bobo, todo mundo sabe quem é quem, mas é opção de cada um, e a gente respeita” – atesta, em entrevista à Terra Magazine. Ele conta que o segredo se rompe porque as informações correm entre os colegas. Tanto no passado quanto no presente, tem “n” histórias de “ah, fulano é, sicrano é (gay)”. “Mas ninguém vem a público declarar, então a gente respeita a privacidade dos atletas. Pode ter uma certa resistência, mas acredito que declarar sua opção sexual é um direito de todo e qualquer cidadão, seja ele esportista, empresário, político, odontólogo”.

(5) Por último, fazemos menção à decisão judicial do caso do jogador do São Paulo Futebol Clube Richarlyson Barbosa Felisbino. Ele, supostamente homossexual, foi vítima de grave discriminação em programa televisivo de rede nacional. Moveu processo criminal contra o responsável e teve seu pedido ne-gado de pronto pelo Sr. Manoel Maximiano Junqueira Filho, Juiz de Direito ti-tular da Nona Vara Cível da Comarca de São Paulo. Entre algumas justificativas invocadas para negar o pleito, vale transcrever os seguintes trechos:

Quem se recorda da ‘Copa do Mundo de 1970’, quem viu o escrete de ouro jogando (Félix, Carlos Alberto, Brito, Everaldo e Piaza; Clodoaldo e Gérson; Jair-zinho, Pelé, Tostão e Rivelino), jamais conceberia um ídolo seu homossexual.

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[...] Quem vivenciou grandes orquestras futebolísticas [...] não poderia sonhar em vivenciar um homossexual jogando futebol. [...] Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue, querendo. Mas forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra si. [...] Ora, bolas, se a moda pega, logo teremos o ‘sistema de cotas’, forçando o acesso de tantos por agremiação [...] O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade do pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal [...].

Uma leitura habermasiana (1990) aproximaria a discriminação à homos-sexualidade como ação estratégica da abordagem moral dominante, ligando-a justamente a uma situação anômica em que determinado indivíduo ou grupo se encontra diante das regras sociais, por isso deve ser punido. O castigo, frente às regras sociais, é uma das múltiplas instituições que constrói e respalda o mundo social, produzindo os símbolos compartilhados e as classificações autoritárias, por meio das quais os indivíduos entendem entre si e a si mesmo. A penalidade atua como um mecanismo regulador social, na conduta direta por meio da coa-ção física ou por meio das formas de pensar a conduta social (Habermas, 1987).

Toda simbologia construída ao homossexual foi estruturada no proces-so do dominante (heterossexual) e dominado (homossexual). O controle aos desejos, ao querer foi fundamental para construir uma sociedade desoritizada, formando corpos dóceis, como analisaria Foucault (1987). Nesse caso, os ho-mossexuais e outros grupos que não controlavam seus desejos eram vistos como corpos não dóceis, selvagens e deveriam ser, como são, combatidos.

Não é por acaso que, historicamente, surgiram espaços de sociabilidade, de reconhecida aceitação mútua, ainda que oculta do mundo dos normais. Os chamados guetos foram estratégicos para garantir a sobrevivência em um mun-do que há muito medicalizou e judicializou a sexualidade. Guetos foram, em certa medida, mais que espaços de sociabilidade; foram espaços de proteção e organização política e tempos duros, uma vez que a marginalidade é o que se outorga aos homossexuais (Eribon, 2000).

Após anos de tentativas, o Conselho de Direitos Humanos da ONU deu, durante a sessão do dia 17 de junho de 2011, o primeiro passo real rumo à proteção dos direitos de homossexuais ao proclamar a “tolerância zero” contra qualquer tipo de discriminação ou violência por motivos de orientação sexual, e solicitou aos Países-membros que atuem para pôr fim aos abusos impingidos a esses sujeitos. Votaram a favor da moção 19 países, entre os quais o Brasil. Alguns países africanos e árabes votaram contra, sob a alegação de que antes era preciso definir o que é “orientação sexual”. Se Uganda analisa, mais uma vez, impor a pena de morte a seus/suas cidadãos/as homossexuais, sete outros países já o fazem. Castigam gays e lésbicas com pena de morte países como Mauritânia, Sudão, Arábia Saudita, Iran, Iêmen, 12 estados do norte da Nigéria e partes meridionais da Somália.

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CENA 3: SOCIEDADE CIVIL ORGANIZADA E A LUTA PELA IGUALDADE

É importante, neste momento, ter em mente que a incorporação de hábi-tos e da linguagem na sociedade, ou em qualquer agrupamento humano, tem como função principal a definição da comunidade enquanto grupo, isto é, a partir de uma linguagem e símbolos, os indivíduos dotados de razão se definem enquanto comunidade organizada, desempenhando seus papéis sociais e se caracterizando enquanto sujeitos. Desta forma, os agentes sociais constroem o mundo da vida por meio das regras sociais compartilhadas (mundo objetivo), da vivência com seus pares (mundo social) e com a experiência individual do seu entorno (mundo subjetivo) (Habermas, 1987).

Na visão habermasiana, a forma mais integrativa de ação política é a criação da sociedade civil organizada. No mundo contemporâneo, importa re-construir o sistema dos direitos que o cidadão tem que atribuir uns aos outros, caso queiram regular legitimamente sua convivência com meios do direito po-sitivo. A questão dos direitos humanos deve passar além da instituição absoluta da soberania do povo porque pode significar a tirania da maioria sobre os direi-tos do indivíduo, como, por exemplo, a reprodução da homofobia.

A importância da sociedade civil é justamente trazer à tona as transforma-ções sociais e dar voz aos grupos minoritários que sofrem repressão simbólica. O sistema administrativo (Estado) é assediado pela sociedade civil, que só deixa passar as fundamentações possíveis quando parecem aceitáveis à opinião das esferas públicas mobilizadas (Habermas, 2003). Ela consiste nas agremiações, associações, organizações e movimentos, os quais captam o eco dos problemas sociais que ressoam nas esferas públicas, condensando-se e os transmitem, a seguir, para a esfera política.

Como os movimentos e as paradas do orgulho LGBT, iniciativas cidadãs, fóruns cidadãos os grêmios e as associações políticas. Habermas (2003) clas-sifica as formas organizacionais da sociedade civil como periferia social, que possui uma sensibilidade maior para os novos problemas, conseguindo captá--los e identificá-los antes dos centros da política.

É fundamental a valorização desses grupos da sociedade civil para le-vantar a bandeira contra as discriminações. As peças de teatro, a discussão em livros, as palestras, os congressos são meios eficazes de estimulação do debate e da possibilidade de transformação.

No Brasil, são muitas as etapas para que se observe transformação na cultura política que ainda resiste a reconhecer a diferença como valor, reco-nhecer a dignidade humana de pessoas que não produzem sua subjetividade e nem manifestam seu desejo da mesma maneira que preconizam a cultura he-terossexual (Mott, 2006). Nesse contexto, ainda vemos o Judiciário atuar como legislador ao dar sentido à lei.

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Se em 1998 o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso Mello, apontava para o fato de que “não adianta comemorar o cinquente-nário da Declaração dos Direitos Humanos, se práticas injustas que excluem os homossexuais dos direitos básicos continuam ocorrendo. É preciso que o Exe-cutivo, o Legislativo e o Judiciário tomem consciência e tenham percepção de que é necessário enfrentar essa situação de grave adversidade pela qual passam os integrantes deste grupo extremamente vulnerável”. Somente 13 anos depois, parcialmente, alguns dos elementos que tornam esse coletivo vulnerável foram juridicamente superados mediante a ação efetiva do Poder Judiciário, que, ins-tado por uma parcela da sociedade, fez valer a isonomia e a equidade entre os/as cidadãos/as da República. Pode-se considerar histórica a decisão unânime da Suprema Corte brasileira ao garantir a equiparação de direitos em sessão realizada no dia 5 de maio de 2011.

Reflexo dessa cultura é o fato de o projeto de união homoafetiva, apre-sentado em 1995 pela então Deputada Marta Suplicy, ainda estar engavetado em Brasília, e o PL 122, que criminaliza a homofobia, sofrer resistência forte no Congresso Nacional. Efetivamente, as injustiças derivam de valores culturais e, para além de interpretações do Judiciário, ações do Executivo ou legislações apresentadas e aprovadas pelo Legislativo, é preciso pensar que elas são ins-trumentais importantes de regulação do Direito, mas certamente não possuem o poder de garantir a mudança social, a mudança da cultura política que diz respeito a esse grupo social.

Entretanto, a segurança física e emocional de quem vive a expectativa da violência necessita da segurança de garantia ao direito de reconhecimento. A esse respeito, já fez importante apontamento José Reinaldo de Lima Lopes (2000, p. 92-93):

A reivindicação do direito ao reconhecimento tem por finalidade garantir que certas identidades não sofram uma denegrição ou violência e que, simultanea-mente, possam se expressar livremente sem temores. Violências [...] costumam vitimar pessoas humanas que pertencem a grupos minoritários ou subalternos na sociedade [...]. Qual o remédio adequado para a denegrição de certos grupos que termina estimulando a violência contra eles. Em primeiro lugar, de caráter penal: seja civil, seja criminalmente, o problema é tornar certas atitudes passíveis de penas [...], como se tem feito com o racismo. Outro remédio é garantir aos grupos minoritários liberdade de expressão: que possam manifestar-se publica-mente sem que por isso sejam molestados pela polícia ou por outros grupos. Esta tem sido hoje a reivindicação dos grupos homossexuais, como foi outrora a de religiões minoritárias. [...] O direito ao reconhecimento [...] destaca o problema da liberdade da ação e da autonomia num sentido forte. Quero dizer que o reco-nhecimento integral da diferença do outro é forte na medida em que a tolerância que se exige é maior do que a simples indiferença das atitudes exclusivamente privadas. Pode-se dizer que uma coisa é tolerar que alguém tenha, no íntimo de sua casa, certo comportamento sexual. Outra coisa é admitir, publicamente, que qualquer um de qualquer orientação sexual possa expressar publicamente este

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aspecto integral de sua personalidade, de modo a não ser molestado, nem prete-rido no seu local de trabalho.

A luta contra a homofobia e a defesa da orientação sexual e da identida-de de gênero passam não só pela defesa da liberdade da vida privada constituí-da e vivida no âmbito do privado; ela alcança a possibilidade real, material, de viver a liberdade da vida privada no espaço público sem vê-la aviltada, sem que a expressão pública da liberdade denigra a imagem coletiva do grupo a que se pertence e a imagem de si. Viver livremente passa pela ruptura definitiva da ló-gica hierarquizante da dignidade humana e pela garantia da pluralidade como elemento ordenador da vida humana e como um valor universal constituinte da própria humanidade.

Essas ações são fundamentais para que se amadureçam as estruturas da sociedade para o reconhecimento da liberdade sexual e igualdade de direitos, fortalecendo o mundo das relações espontâneas e reprimindo ações homofóbi-cas, como é o caso do futebol, que será analisado na última cena deste ensaio.

CENA FINAL: FUTEBOL, REFÚGIO DO “MACHO”

O futebol carrega os atributos de uma sociedade masculinizada (confor-me discutido nas cenas 2 e 3); todas as formas de preconceito ao homossexual são expressas em um campo de futebol. A imagem do homossexual é incon-gruente aos olhos dos espectadores que entendem o futebol como reduto da força física, como se a liberdade sexual estivesse ligada a ter ou não força, ter ou não virilidade.

Parte-se do entendimento de que o futebol reproduz as regras rígidas da masculinidade (hegemônica). A questão das formas de masculinidade é tão for-te e disseminada no âmbito esportivo que, aparentemente, imagina-se anulada a possibilidade de coexistência de atletas gays nesse espaço. Anderson (2005, p. 14) aponta que a arena esportiva permanece como uma das “maiores institui-ções segregadoras de gênero das culturas ocidentais”.

Interessante constatar que a hegemonia masculina do esporte (como va-lor necessário para “homens”) é tão persuasiva que passa despercebida pelo exame crítico daqueles que são oprimidos por ela, entre os quais estão, curiosa-mente, os gays. Anderson (2005) constrói categorias para analisar a hegemonia masculina, qual seja: capital masculino hipertrofiado, além de ser branco, ho-mem, heterossexual, hábil, atlético, atrativo.

Anderson (2005) diz que a homofobia (velada ou explícita no discurso das instituições) é o “remédio” contra a existência dos homossexuais no esporte. A homofobia não só é uma forma de resistência contra a invasão da subcultura gay no esporte, como funciona como elemento mantenedor da masculinidade.

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Segundo Anderson (2005), os técnicos da NFL (National Football League) sustentam que o atleta se mantenha quieto se quiser continuar jogando e, ainda, a política da MBL (Major Baseball League), que proíbe os jogadores de falar so-bre homossexualidade, com o argumento de não prejudicarem suas respectivas equipes.

A violência homofóbica no futebol eclode como alternativa à possibi-lidade de negociação, como não resposta ao trato com a diferença, recusa à alteridade. Esse tipo de violência não é pontual, inesperada, nem casual. São violências tramadas sobre uma lógica, um pano de fundo em que ainda é forte a presença do patriarcado e em que a dominação masculina é a tônica.

Nesta cena final, mais do que relatar aquilo que nos é conhecido sobre o universo do futebol, cabe aqui levantar duas bandeiras: a primeira refere-se à articulação política da sociedade civil em discutir estes símbolos reproduzidos no mundo futebolístico, que pode afastar o sujeito da prática. Isto ocorre pela linguagem construída no futebol, que utiliza no vocabulário vasto xingamento acerca daquele que tem uma opção sexual diferente; essa ação deveria se arti-cular nas mídias e ser espaço para debate, diálogo e luta de resistência.

Dessa preocupação cabe a segunda bandeira: as lutas de resistência ou de enfrentamento, a questão é simples: como dar respaldo social para pessoas poderem expressar livremente, se esta for sua vontade, sua opção sexual (como na entrevista do jogador Túlio Maravilha)? Punição de fato aos times ou jogado-res que discriminem os gays seria uma ação ousada; não permitir nos espaços educativos que haja qualquer tipo de discriminação aos alunos que queiram participar do jogo; por último, reprimir por meio da estrutura jurídica qualquer tipo de fala preconceituosa contra atletas, dirigentes, praticantes e espectadores.

Os espaços públicos devem valorizar a igualdade e os direitos humanos, como o direito à liberdade sexual, os espaços de encontros entre as pessoas, ainda mais em grandes eventos, como os esportivos, e o futebol é emblemáti-co, e não deve reproduzir a discriminação. Todos os espaços de articulação e construção dos símbolos sociais deveriam reprimir ações homofóbicas e suas variantes, para não criar redutos de tipos sociais definidos. Deve prevalecer nesses espaços a convivência coletiva, na qual os grupos se encontrem para constituir uma sociabilidade espontânea, uma sociabilidade livre de coerção, como é o caso da utopia habermasiana (1989).

No espaço de futebol, o contato com o diferente poderia ser estimulado para as pessoas terem relações e com as relações sociais dirimir os preconcei-tos, que muitas vezes são reproduções sociais. Nesses casos, o contato já serve de estímulo para uma nova atitude individual que, por meio das teias sociais abrangentes, poderia ter uma influência social relevante para uma mudança de paradigma social, permitindo que a igualdade de direitos dos homossexuais e a liberdade sexual sejam de fato igualdade e liberdade.

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Esse breve ensaio visou a apontar alguns aspectos pertinentes à discussão sobre homofobia, tema vigente em sociedades plurais e abertas ao debate, que visem a refinar a concepção de direitos humanos em suas práticas cotidianas e políticas. Porém, esse é um tema urgente em sociedades em que não há o direi-to a ter direitos e, menos ainda, direito à livre expressão sexual.

Indubitavelmente, a homofobia compõe o emaranhado das violências que derivam do preconceito e de estereótipos vivenciados nas sociedades e a serviço da manutenção dos sistemas de dominação-exploração vigentes. Des-tarte, o racismo e a violência de gênero se encontram e atuam de maneira a potencializar as ações violentas que põem em risco tanto a saúde psíquica como a segurança da vida de pessoas que não estão assimiladas na conduta hegemônica de corte heteronormativo e obrigatório. Portanto, as temáticas do racismo e da violência de gênero ocupam lugar estratégico tanto no debate político-institucional brasileiro quanto no debate internacional, visto que eles são elementos significativos no processo de produção dos direitos humanos e da superação das desigualdades. Nesse cenário, é certo que essas correlações nos permitem entender melhor as dinâmicas que dão sustentação à homofobia e aos sujeitos e esferas institucionais que se utilizam dela como forma de manu-tenção de uma lógica de poder.

A homofobia é uma categoria polissêmica e que traz em si elementos que, por vezes, dificultam a compreensão e o debate. Por envolver lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, a homofobia produz subcategorias que guar-dam peculiaridades associadas a cada subgrupo da comunidade LGBT. Tais subcategorias específicas para cada ocorrência atendem por lesbofobia, gayfo-bia, a bifobia, a transfobia e a travestifobia. Ainda que muitos associem a ho-mofobia aos coletivos gay e lésbico, este é um termo genérico que abarca todos os anteriores ou, dito de outro modo, cada uma dessas variantes compõe, como um todo, a homofobia. Na verdade, cada uma dessas formas mais específicas da homofobia carece ser melhor estudada, assim como a própria homofobia, pois não se deve confundir a homofobia com o heterossexismo e o androcentrismo, nem reduzir o peso deste na produção da própria homofobia. O pensamento baseado sobre a heteronormatividade, o heterossexismo e o androcentrismo está vivo e dá sustentação e, ainda, justifica a homofobia e a ação concreta de sujeitos e instituições homófobas.

Esse é um debate enquadrado nas disputas de poder, que ganha sentido no processo de enfrentamento que busca manter ou subverter o equilíbrio de força entre pessoas de primeira e de segunda classe, segundo uma noção es-sencialista da dignidade humana. Nesse embate, está posta a necessidade de se adaptar às condutas consideradas boas e dignas ou subverter essa ordem aristocrática e assumir a liberdade como o exercício do respeito que reconhece a si e ao outro como iguais na diferença. Uma perspectiva acaba gerando a se-gregação social entre normais e quase-normais e a outra subverte as formas que determinam e dão sentido à realidade e abrem espaço para uma pluralidade

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de performatividades que rompem com o pensamento binário e hierarquizado. O estigma e a homofobia provocam violências no âmbito familiar, nas escolas e no emprego e em quaisquer espaços, como nas cenas sugeridas, no futebol.

Como nos recorda Lopes (2000, p. 97), “assim como o crime de genocí-dio difere do simples homicídio, ainda que este se faça com requintes de cruel-dade, o crime de ódio (hate crime) é também específico: há um dolo específico, uma vítima (ou grupo de vítimas) diferente, há um propósito distinto”. Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros são discriminados no trabalho, na religião, no espaço público. São múltiplas as situações nas quais essas pessoas se veem humilhadas. Humilhadas por não serem admitidas ou promovidas no traba-lho; por não serem admitidas nos seminários ou na comunidade religiosa, por-que estariam vivendo pecados que nem Deus nem o amor seriam capazes de perdoar.

Nesse quadro, as vitórias, no Brasil, de mulheres com a Lei Maria da Penha e a criação da Secretaria de Políticas para Mulheres e de mulheres e homens negros com a criminalização do racismo e a criação da Secretaria Es-pecial de Políticas para a Igualdade Racial ainda precisam ser alcançadas por mulheres e homens LGBTs. Certamente, as vitórias que se têm alcançado junto ao Poder Legislativo são motivos de celebração; todavia, ainda há muito para se transformar na República Federativa do Brasil.

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Parte Geral – Doutrina

A Reparação de Dano ao Direito de Imagem� Precedentes Jurisprudenciais

CASSIO M. C. PENTEADO JR. Advogado em Recife/PE.

Comum na esfera desportiva, objeto de remuneração específica, o direito de imagem constitui – no dizer da doutrina1 – direito de personalidade extrapa-trimonial, no que respeita à proteção de interesses morais, e, também, direito patrimonial, no relativo a interesses materiais. No que toca aos atletas profis-sionais do futebol, a Lei nº 12.935/2011 incluiu disposição, numerada como art. 87-A, à conhecida “Lei Pelé” (9.365/1998), explicitando que “o direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições in-confundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”.

Com efeito, o tema do direito de imagem suscitou e suscita, no âmbito jurídico, debates em torno de matérias diversas, tais como as de ordem traba-lhista, questionando o eventual caráter salarial da retribuição paga em relação à imagem do atleta profissional2, ou as de ordem conceitual, no sentido de dis-tinguir o direito de imagem do denominado direito de arena3.

Agregue-se, neste título introdutório, por muito relevante, que a Carta Política de 1988 elevou à proteção constitucional o direito de imagem, como se pode verificar do conteúdo do art. 5º, incisos V, X e XXVIII, como segue:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garan-tindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do

1 Nesse sentido, Silvia Mendes Berti (Direito à própria imagem. Del Rey, 1993) citada por Evandro C. de Anhaia Gaieski, Paula M. Sordi e Rogério M. L. Pastl em “Considerações sobre a licença de uso da imagem do atleta profissional e suas implicações na esfera cível e trabalhista”. Disponível em: www.universidadedofutebol.com.br.

2 Ver decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Porto Alegre/RS) assim ementada: “JOGADOR DE FUTEBOL – DIREITO DE IMAGEM – INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO – O direito tutelado pelo art. 5º, X, da CF/1988 diz respeito unicamente à imagem do indivíduo. O montante objeto de contrato que a vincula à prestação de serviços do trabalhador ao empregador, pago em quantias mensais fixas independentemente do efetivo uso da imagem, possui nítido caráter salarial, devendo integrar o cálculo das demais parcelas”.

3 No estudo citado na nota 2, os autores, quando se remetem aos conceitos de direito de imagem e direito de arena, buscam discerni-los, escrevendo a propósito: “Por direito de arena, deve-se entende-lo como o direito que um atleta profissional possui de dispor de sua imagem, quando estiver atuando em um espetáculo esportivo, quando há transmissão, reprodução e retransmissão de sua imagem, sempre e exclusivamente na forma coletiva, ou seja, em atuação conjunta com outros atletas profissionais. É exatamente nisso que difere do direito de imagem do atleta profissional, pois este é personalíssimo, refere-se ao atleta individualmente”. Cabe mencionar, neste passo, a previsão do art. 42 da chamada Lei Pelé (9.615/1998) com a redação que lhe deu a Lei nº 12.395/2011, cuidando – minudentemente – do denominado “direito de arena”.

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direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indeni-zação por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

[...]

XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

[...]

A garantia ao direito de imagem, reiteradamente consignado nos incisos, antes transcritos, do art. 5º da Carta de 1988, será também considerada nos termos da nova codificação civil, objeto da Lei nº 10.406/2002, inserindo-se o art. 20 com a seguinte redação:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da pa-lavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se des-tinarem a fins comerciais.

Portanto, procedidas as considerações de introdução ao tema do direito de imagem, nosso escopo central será o de perquirir questões afetas à reparação do dano que venha a ser causado a esse direito, no sentido da sua violação. Assim, examinamos – a seguir – importantes escólios da jurisprudência do Su-perior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), que cuidam – primeiramente – da conceituação do direito em causa e, depois, da prática de atos por terceiros que importem na caracterização de dano indenizável.

Assim, vem à tona o Recurso Especial nº 299.832/RJ, relatado pelo Mi-nistro Ricardo Villas Bôas Cueva, cuidando de demanda, perseguindo repara-ção, proposta por determinada atleta em face de confederação esportiva e de empresa de empreendimentos esportivos, sob argumento de violação do direito de imagem. O descritivo da ação judicial – em síntese – enunciava que a de-mandante havia autorizado, sem qualquer retribuição financeira, que o Comitê Olímpico Brasileiro – COB se utilizasse de sua imagem para a promoção de um evento que patrocinava na oportunidade. Em seguida, porém, a empresa

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que promovia o certame, contratada pelo COB, pactuou – mais tarde – com a confederação esportiva a divulgação de outro campeonato e, desta feita, sem autorização da autora da ação, também se valeu de sua imagem nas peças pu-blicitárias. O pedido reparatório se fundou – essencialmente – na premissa de que a simples utilização da imagem de alguém, sem a devida e expressa anu-ência, ensejaria a indenização por danos morais, independente de prova “do abalo à reputação ou da lucratividade do evento”.

A sentença de primeira instância – no entanto – rejeita o pleito de com-posição de danos materiais e morais, motivando a improcedência, como consta do relatório do acórdão do recurso especial sob exame:

Da prova acostada aos autos, não resta dúvida que a segunda ré, [...], ao ser contratada pela primeira ré, confederação [...], para promover a divulgação de evento: Campeonato [...], utilizou de artifício grafotécnico, através de compu-tação gráfica, onde tem por base uma foto da autora, em certa competição que participara, fez reprodução de desenho para compor o cartaz de propaganda do evento desenvolvido pela primeira ré. No caso sob exame, entendemos que a autora não comprovou a existência do alegado dano sofrido, sendo certo que este ônus lhe competia. [...] Uma vez que a utilização da imagem da autora não serviu para fim comercial, já que foi ela usada em evento esportista, sem qual-quer finalidade de lucro, qual o dano decorrente deste ato? Não vislumbramos. Ademais, não provou a autora ter sofrido qualquer dano moral.

Adiante, a demandante buscou a reforma da sentença monocrática, va-lendo-se de recurso de apelação interposto perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Entretanto, não colhe melhor sorte, restando improvido o apelo, resumindo-se a fundamentação da Corte:

Resta examinar se o uso da imagem da apelante tem como consequência o dano moral e o dano patrimonial reiterados em razões de recurso, já que o uso da imagem não foi autorizado. Mas após tramitação regular do processo e livre pro-dução de provas, findou a douta sentenciante por negar a existência de danos sofridos pelo uso indevido de imagem, [...]. A prova produzida não transparece a ocorrência de dano moral porque, em nenhum momento, a honra da apelante ficou maculada, como bem ressaltou a douta sentenciante. Restaria, para exa-me, o uso indevido de imagem porque, de fato, a apelante não concedeu sua autorização para tal fim. Mas caberia ser considerada a finalidade de tal uso, não sobressaindo dos autos o fim comercial e econômico alegado pela apelante. O pagamento de inscrição para participação no evento, no correspondente a R$ [...], o número de participantes e a sucessão de datas - quatro finais de se-mana – não são argumentos suficientes para levar ao entendimento de ocorrer finalidade de lucro [...].

A autora – inconformada – maneja, então, o recurso especial que foi recebido e conhecido pelo STJ, sendo de se acrescentar, desde logo, que res-tou provido, impondo-se a reparação por danos morais, ante a utilização, sem anuência prévia, da imagem.

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Salientando que a indenização, pleiteada na demanda em causa, foi de-negada por entender-se ausente a comprovação do dano moral e por ser o cer-tame, objeto de divulgação, evento com fins lucrativos, o Ministro Relator – de início – pontua que, ao direito de imagem, por exceção, está ligado ao atributo da disponibilidade, ainda que relativa, podendo sofrer limitação voluntária, o que permite a exploração da imagem desde que autorizada pelo titular do direi-to. Nesse sentido, por natural decorrência, inavendo a autorização da recorren-te, cabível será o direito à verba indenitária, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano, nem de perquirir-se acerca da consequência do uso, se ofensivo ou não.

Em apoio dessa tese que reforça – por si só – a relevância da prévia anuência na divulgação da imagem, o acórdão traz à colação, outras decisões do Colegiado Superior:

I – O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual a nin-guém é lícito locupletar-se à custa alheia.

II – Em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano, nem a consequência do uso, se ofensivo ou não.4

3. O acórdão recorrido, com base no substrato fático-probatório dos autos, con-cluiu que houve exposição da imagem da recorrente em âmbito nacional, sem prévia autorização desta, com fins exclusivamente econômicos e publicitários, em razão de campanha promovida pelo recorrido e veiculada em revista de gran-de tiragem e circulação e em outdoors espalhados pelo país.

4. Na hipótese, não é necessária a comprovação de prejuízo para configuração do dano moral, pois este decorre da própria violação do direito de imagem titu-lado pela recorrente – dano in re ipsa.5

Deve-se mencionar, ainda, o contido a teor da Súmula nº 403 do STJ, colacionada nos precedentes, como segue: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.

Com efeito, no caso que examinamos em detalhe, evidentemente ca-racterizou-se, como deveras mostrou o Ministro Relator, que o evento em cuja publicidade se mostrava a imagem da recorrente tinha natureza econômica ou comercial, pois havia a cobrança de valor para participação dos atletas, e – mais – a empresa promotora foi remunerada para o desempenho dessas atribuições. Poderia até inexistir, o que se admite para argumentar, intuito de lucro da con-

4 EREsp 230.268/SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Julgado em 11.12.2002, DJ 04.08.2003.5 REsp 1.102.756/SP, Relª Min. Nancy Andrighi, Julgado em 20.11.2012, DJe 03.12.2012.

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federação que patrocinou o evento, mas presente estava a finalidade econômica (ainda que, apenas, da reposição dos custos da competição).

Por derradeiro, cabe citar decisão paradigmática do STF na matéria alu-siva ao direito de imagem, assim ementada:

Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de al-guém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou cons-trangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5º, X.6

Logo, em conclusão, é de rigor a prévia autorização da pessoa retratada em imagem para que esta seja divulgada, excetuando-se, no dizer da Súmula nº 403 do STJ, hipóteses em que esteja totalmente descaracterizada a finalidade econômica ou comercial do evento.

6 RE 215.984/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, Julgado em 04.06.2002, DJ 28.06.2002.

Parte Geral – Doutrina

Análise dos Institutos Despenalizadores da Lei nº 9�099/1995 à Luz da Teoria dos Jogos, em Especial da Transação Penal

Análisis de los Institutos de Derecho Despenalizadores nº 9�099/1995 la Luz de la Teoría de Juegos con Especial Transacción Penal

FELIPE HECK SOARESAdvogado, Bacharel em Direito – Unipar/Toledo.

MILENE ANA DOS SANTOS POZZERAdvogada, Mestre em Direito Processual Civil e Cidadania – Unipar, Pós-Graduada em Po-líticas Públicas – Unioeste, Pós-Graduada em Segurança Pública – Unioeste, Bacharel em Direito – Unipar, Responsável Técnica do Serviço de Assistência Judiciária Gratuita da Unipar, Orientadora da Área Jurídica do Programa Patronato de Toledo.

RESUMO: A pesquisa tem como objetivo demonstrar a eficiência e a viabilidade dos institutos despenalizadores, em especial da transação penal (do art. 76 da Lei dos Juizados Especiais, Lei nº 9.099/1995), tendo como meio para isso uma análise destes pela teoria dos jogos, para, assim, mostrar que uma possível negociação e arbitragem é benéfica ao ordenamento jurídico brasileiro. Deste modo, com a ideia de que a teoria dos jogos tenta explicar e prever os comportamentos es-tratégicos que podem ser tomados por indivíduos em uma relação de que a estratégia de um pode e vai influenciar as tomadas de decisões e estratégias do outro e que na transação penal temos um jogo que é sequencial, dependendo do Ministério Público ofertar a transação. E do noticiado, autor do fato, aceitá-la, ocorrendo uma ordem previamente determinada para que se ocorra o procedimento. Assim, encontramos um ponto de equilíbrio na relação que beneficia ambas as partes, que pode ser considerado um equilíbrio de Nash, no qual a estratégia de todos acaba por gerar o melhor resultado para todos os interesses. Conclui o autor que o ponto de equilíbrio é o oferecimento da transação e sua aceitação, sendo este o resultando mais esperado e que reflete a melhor decisão racional para o caso concreto.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria dos jogos; juizado; transação penal.

RESUMEN: La investigación tiene como objetivo demostrar la eficacia y la viabilidad de los institutos despenalizadores, en particular, la transacción penal (el arte. 76 de la Ley sobre los tribunales espe-ciales, la Ley nº 9.099/1995), tomándolo como un medio para un análisis de las mismas por la teoría de juegos, por lo tanto, muestran que una posible negociación y el arbitraje es beneficioso para el sistema jurídico brasileño. Así, con la idea de que la teoría de juegos se intenta explicar y predecir el comportamiento estratégico que puede ser tomada por los individuos en una relación que la estra-tegia puede y va a influir en la toma de decisiones y las estrategias de la otra y que la transacción penal tiene un juego que es secuencial, los fiscales dependiendo ofrecer transacción. Y el comuni-cado, autor del hecho, lo aceptan , dándose un orden predeterminado de modo que se produce el

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procedimiento. Así nos encontramos con un equilibrio en la relación que beneficia a ambas partes, que se puede considerar un equilibrio de Nash, en el que la estrategia de todos en última instancia genera el mejor resultado para todos los intereses. El autor concluye que el punto de equilibrio es la oferta y la aceptación de la transacción, con esta resultante más esperado y refleja la mejor decisión racional para el caso.

PALABRAS CLAVE: Teoría de juegos; del Tribunal de Menores; de transacción penal.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Juizados Especiais Criminais; 2 Institutos despenalizadores da Lei dos Jui-zados; 2.1 Composição civil dos danos; 2.2 Transação penal; 2.3 Suspensão condicional do processo; 3 Teoria dos jogos; 3.1 Tipos e classificações de jogos; 4 Estratégia dominante e equilíbrio de Nash; 5 A transação penal e os custos para os jogadores; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca discutir sobre as medidas alternativas na Lei nº 9.099/1995, quais sejam, a composição civil dos danos, a transação penal e a suspensão condicional do processo, utilizando a teoria dos jogos e alguns de seus institutos e conceitos. Para tanto, o método utilizado foi o dedutivo, mediante pesquisa bibliográfica em doutrinas e jurisprudência.

O tema abordado desperta uma visão do Direito sob a perspectiva da economia, explicando, com base na teoria dos jogos, as possíveis formas das escolhas dos institutos despenalizadores pelo Estado e pelo autor do fato. Tal entendimento ajuda-nos a compreender os possíveis comportamentos tomados pelas partes nas relações e, com base nisso, criar meios de alcançar os objetivos pretendidos em lei, no caso estudado, a compreensão se dá quando do entendi-mento que a transação, no seu oferecimento e aceitação, é o melhor resultado para a resolução do caso concreto.

No primeiro capítulo, disporá rapidamente sobre a necessidade de cria-ção dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/1995), sua origem legislativa e como se entende a sua atuação, competência e função nos dias de hoje.

No segundo capítulo, explicitará o que são os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/1995 da composição civil dos danos, da transação penal e da suspensão condicional do processo, ressalvando a transação penal, que é o ins-tituto especialmente abordado para a aplicação da teoria dos jogos.

No terceiro e quarto capítulos, apresentará o que seria a teoria dos jogos, explicando suas definições e classificações, dando especial atenção ao jogo de estratégias dominantes e ao equilíbrio de Nash.

No quinto e último capítulo, abordará a análise da teoria dos jogos, com seus institutos e peculiaridades, à transação penal, buscando a comprovação

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da manutenção e o incentivo dos institutos despenalizadores no ordenamento jurídico brasileiro.

Por fim, conclui que, para a transação obter o seu equilíbrio de Nash com o oferecimento da transação e a aceitação desta, é importante que as partes tenham conhecimento de todas as informações do jogo e a possuam de maneira racional e sem considerar as suas vontades pessoais, levando apenas em jogo as técnicas e jurídicas.

1 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

A sociedade evolui e cresce constantemente gerando constante aumento na demanda de causas ao Poder Judiciário, e, desse modo, segundo Martins Filho (1999, p. 1), em vistas ao não comprometimento da prestação jurisdicional ao jurisdicionado, prestigiam-se formas alternativas de composição de conflitos.

Tendo isso em vista, o nosso legislador pátrio desenvolveu, segundo Miranda, Petrillo e Oliveira Filho (2003, p. 14-15), meios de responder a essas necessidades; em 1984, com a Lei nº 7.244, criaram-se os Juizados de Pequenas Causas com o intuito de garantir solução a conflitos menores, e, após mais ou menos dez anos, melhorando os institutos e as ideias já trazidas em 1984, foi editada a Lei nº 9.099/1995, a Lei dos Juizados Especiais Criminais.

No mesmo sentido, Greco Filho (2012, p. 272) nos traz que:

Há cerca de 20 anos ou até um pouco mais, desenvolveu-se no Brasil um mo-vimento em direção à ampliação do acesso à justiça, inspirado, entre outros, no monumental trabalho de Cappelletti e Garth, que identificaram três waves of reform no access-to-justice movement: a garantia de assistência jurídica para os pobres, a representação dos direitos difusos e a informalização do procedimento de resolução de conflitos.

Desse modo, a Lei dos Juizados Especiais Criminais tem, no seu art. 62, diversos dispositivos que versam sobre sua aplicação, em especial o da não aplicação de pena privativa de liberdade. Impossível aplicar pena ou reprimen-da sem o devido processo legal previsto no art. 5º, LIV, da Constituição Federal, às vistas do direito à liberdade. Entretanto, é possível o pagamento de multa ou a restrição de algum direito considerando evitar-se um processo e a solução de problema penal em detrimento do contraditório e da ampla defesa (Nucci, 2013, p. 435).

Segundo Masson (2010, p. 162-164), o crime é, quanto às teorias de análise, tripartido, sendo composto por fato típico, antijurídico e culpável, ou bipartido, sendo somente fato típico e antijurídico. Ainda, segundo ele, aqueles critérios de existência do crime são defendidos por doutrinadores como Cezar Roberto Bitencourt e Nélson Hungria. De outro ponto, esses critérios são defen-didos por Damásio E. de Jesus e Júlio Fabrini Mirabeti.

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Desse modo, em análise de nosso Código Penal, encontramos posiciona-mentos favoráveis para os dois pensamentos; entretanto, utilizaremos, para este trabalho, a visão dada por Bitencourt (2010, p. 717-718), da teoria tripartida do crime, sendo, portanto, composto por fato típico, antijurídico e culpável, não sendo correto acrescentar a punibilidade no conceito ou ainda retirar a culpa-bilidade dele.

Nesse mesmo diapasão, os Juizados Especiais Criminais são competen-tes para julgar infrações de menor potencial ofensivo, competência já previs-ta constitucionalmente no inciso I do art. 98 da Constituição Federal, e que, após longa discussão doutrinária, entendeu-se, como demonstra Nucci (2013, p. 433):

Segundo o disposto no art. 61, são as contravenções penais (qualquer que seja a pena prevista em abstrato), bem como os crimes a que a lei comine pena máxima de até dois anos. Supera-se, finalmente, a discussão absurda, que se havia criado, na doutrina e na jurisprudência, entre o disposto no antigo art. 61, considerando infração de menor potencial ofensivo a que tiver pena máxima de até um ano, e o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/2001 [...] tratando a infração de menor potencial ofensivo como aquela que possui pena máxima de até dois anos. Está unificado o entendimento. É infração de menor potencial ofensivo a que possuir pena máxima, em abstrato, não superior a dois anos.

Igual entendimento tem o Supremo Tribunal Federal, expresso, por exemplo, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 85.694 de Minas Gerais, no qual foi relatora a Ministra Ellen Gracie, e do Habeas Corpus nº 109.277 do Sergipe, no qual foi relator o Ministro Ayres Britto, no momento em que afir-mam, respectivamente, que o conceito de crime de menor potencial ofensivo é aquele previsto no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/2001, qual seja, os crimes com pena máxima não superior a dois anos e que a lesividade dada pelo art. 98, I, da Constituição Federal a crimes de menor potencial ofensivo, por mais brando que seja o dano para a vítima, não deve este ser retirado do alcance do poder punitivo do Estado. Ressalta-se que, por política criminal, a conduta é penalmente típica, porque, significante, assim dizendo, as infrações de menor potencial ofensivo, não há regra de lesividade a justificar uma respos-ta punitiva “rigorosa do Estado”. Vejamos, por exemplo, o caso da prática de crime ambiental previsto no art. 38 da Lei nº 9.605/1998:

Habeas corpus. Penal. Processual penal. Crime contra o meio ambiente. Ação penal. Competência da Justiça Federal comum. Pena máxima superior a dois anos. Ordem denegada. I – A lei prevê como infrações de menor potencial ofen-sivo as contravenções e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não com multa. II – O Ministério Público denunciou o paciente pela suposta prática do crime previsto no art. 38 da Lei nº 9.605/1998, que prevê a pena de detenção de um a três anos, ou multa, ou ambas as pe-nas cumulativamente, de modo que não há falar, in casu, de infração de menor potencial ofensivo. Afastada, pois, a competência do Juizado Especial Federal

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Criminal. III – Ordem denegada. (HC 112758, 2ª T, Rel. Min. Ricardo Lewan-dowski, J. 16.10.2012, processo eletrônico DJe-220 divulg. 07.11.2012, public. 08.11.2012)

Ainda, o art. 62 da Lei nº 9.099/1995 nos traz alguns princípios nortea-dores dos Juizados Especiais Criminais, que, segundo Nucci (2013, p. 430), são os da oralidade, que prevê a supremacia da palavra oral pela escrita, visando à possibilidade de concentração de todos os atos em uma única audiência e o contato direto do julgador com as provas, o da informalidade, sem burocracia inútil e sem cerimônias, o da economia processual e celeridade, que visam ao ganho de tempo e à agilidade processual.

A título de exemplo:

Habeas corpus. Crimes de menor potencial ofensivo. Suspensão condicional do processo. Art. 89, § 2º, da Lei nº 9.099/1995. Condições facultativas impostas pelo juiz. Doação de cestas básicas. Possibilidade. Precedentes. Ordem denega-da. Os crimes investigados são daqueles que admitem a suspensão condicional do processo mediante o cumprimento dos requisitos estabelecidos para a con-cessão do benefício. O § 2º do art. 89 da Lei nº 9.099/1995 faculta ao juiz da causa “especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado”. Nesse ponto, a do-ação de cestas básicas não caracteriza a espécie de pena restritiva de direito prevista no inciso I do art. 43 do Código Penal, atinge à finalidade da suspensão do processo e confere rápida solução ao litígio, atendendo melhor aos fins do procedimento criminal. Ordem denegada. (HC 108927, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 28.02.2012, processo eletrônico DJe-101 divulg. 23.05.2012, public. 24.05.2012.

Assim sendo, é necessário ressaltar que, nos casos englobados pela Lei dos Juizados Especiais Criminais, não há a figura do inquérito policial, mas sim de um termo circunstanciado, que tem preenchimento mais simples do que o inquérito policial, mas deve ser completo o suficiente para possibilitar a fundamentação da transação penal e de uma possível denúncia (Nucci, 2013, p. 443), no caso de não preenchimento dos requisitos da transação ou de sua não aceitação.

2 INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA LEI DOS JUIZADOS

A Lei dos Juizados Especiais Criminais trouxe ao nosso ordenamento jurídico institutos despenalizadores, que, segundo Machado (2006, p. 72), “a despenalização consiste em transferir as intervenções sobre alguns comporta-mentos para outras modalidades de controle social que não a justiça penal”.

Na mesma ideia, Bitencourt (2012, p. 1034) ensina que são institutos de “despenalização de fatos que, com a evolução ético-social, perderam seu

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caráter lesivo e a consequente reprovabilidade, possibilitando, igualmente, a exclusão do injusto das chamadas lesões insignificantes”.

Defende o Ministro Celso de Mello, relator no julgamento do Inquérito nº 1.055-3 do Amazonas, que:

A Lei nº 9.099/1995, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais Criminais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consen-so, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal. (grifos nossos)

Com efeito, segundo Capez (2012, p. 611), o procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais dá ao Ministério Público uma discricionariedade quan-to ao oferecimento da ação penal, sendo esta discricionariedade regrada pela conveniência e a oportunidade, desde que preenchidos os requisitos legais. Tal entendimento é reiterado por Jesus (2007, p. 58) quando este diz que a “tran-sação, prevista no dispositivo, com fundamento ao princípio da discricionarie-dade regulada, constitui exceção à regra, mitigada pelo controle jurisdicional”.

Assim, são eles, em espécie, a composição civil dos danos (art. 72), a transação penal (art. 76) e a suspensão condicional do processo (art. 89), que podem ser aplicados nos crimes abrangidos pelos Juizados Especiais Criminais e nos crimes por ela não abrangidos, sendo os critérios determinados por cada um deste.

2.1 COmpOsiçãO CiVil dOs danOs

A composição civil dos danos é instituto despenalizador presen-te na Lei nº 9.099/1995 e da simples leitura do art. 72 da Lei dos Juizados

e ocorre na audiência preliminar, no procedimento dos juizados.

A composição civil tem o objetivo de assegurar a reparação civil dos danos causados à vitima; dessa forma, estando presentes todas as partes em au-diência, Ministério Público, autor do fato, vítima e seus respectivos advogados, e realizado o acordo, cabe ao juiz homologá-lo (Nucci, 2013, p. 447).

Há de se ressaltar a decisão do Pleno, retirada a possibilidade aos crimes militares:

Habeas corpus. Processo penal militar. Lei nº 9.099/1995. Art. 74, parágrafo único. Há incompatibilidade de composição civil (Lei nº 9.099/1995, art. 74, parágrafo único) com o crime militar. Neste transitam outros valores-hierarquia, disciplina, segurança – que não são encontráveis nos crimes comuns. Há outros interesses protegidos além dos circunscritos à vítima. (HC 74581, Tribunal Ple-

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no, Rel. Min. Nelson Jobim, J. 01.04.1998, DJ 04.12.1998, p. 00011, Ement. v. 01934-02, p. 00197)

Do mesmo modo, Capez (2012, p. 515) leciona:

À vista disso, marcando o início da fase de redescobrimento, nosso ordenamento jurídico recebeu, em boa hora, a Lei nº 9.099/1995, possibilitando, em infrações consideradas de menor potencial ofensivo [...], a extinção da punibilidade me-diante a composição civil entre lesado e autor do fato, objetivando a total repara-ção dos prejuízos suportados pelo primeiro.

Segundo Nucci (2013, p. 447-448), na composição civil dos danos ho-mologada, ocorre a renúncia ao direito de queixa ou representação (art. 74, pa-rágrafo único, parte final). Desse modo, a composição prevê o anterior acordo civil, que pode ser executado na esfera cível, por ter força de título executivo judicial. Assim, ocorre, com a realização da composição civil, a renúncia ao direito de queixa ou representação por já ter aceitado a reparação do dano, já tendo sido satisfeita a lesão sofrida pelo dano gerado pelo autor do fato. Entre-tanto, pode ainda a vítima não realizar a composição, propondo a ação penal, e, ao final desta, exigir a devida indenização.

2.2 TransaçãO penal

A transação penal é outro instituto despenalizador que também se faz presente na Lei n 9.099/1995, em seu art. 76, é cabível no caso de ser a ação penal pública e não sendo o caso abarcado em nenhuma das hipóteses elen-cadas no art. 76, § 2º, I, II e III, da Lei dos Juizados, quais sejam: a) não ter sido o noticiado, por sentença transitada em julgado, condenado a pena privativa de liberdade, por outro crime; b) ter sido o noticiado alguma vez, nos últimos cinco anos, beneficiado com pena restritiva de direitos ou multa, nos termos da transação penal; c) e não indicarem os antecedentes, a conduta social, a perso-nalidade do agente, os motivos, as circunstâncias não ser esta a melhor medida a ser aplicada.

Na transação penal, para Capez (2012, p. 614), temos que “consiste ela em um acordo celebrado entre o representante do Ministério Público e o autor do fato, pelo qual o primeiro propõe ao segundo uma pena alternativa (não pri-vativa de liberdade), dispensando-se a instauração do processo”.

A transação penal é (Nucci, 2013, p. 449) um acordo entre o órgão acusatório, Ministério Público, e o acusado, autor do fato, visando a evitar os malefícios trazidos com a ação penal, por meio da aplicação de uma medida restritiva de direitos ou multa, sem a necessidade do devido processo legal. Tudo por já se encontrar previsto e autorizado no art. 98, I, da Constituição Fe-deral. É possível, também, a ocorrência de não aplicação de medida alternativa com a transação penal, haja vista que não teria sentido propor transação, com

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aplicação de qualquer espécie de punição, a quem realizou algo penalmente irrelevante.

Pode ocorrer, ainda, a discordância do juiz com o promotor, podendo este utilizar-se do art. 28 do CPP, encaminhando o termo circunstanciado ao Procurador Geral de Justiça, para que este ofereça ou determine a outro pro-motor oferecer a proposta ou ainda, que se proceda ao arquivamento do feito (Grinover et al., 2002, p. 145). Tal entendimento se coaduna com o enten-dimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 261.570, de São Paulo, no qual foi relator o Ministro Jorge Scartezzini, do qual se extrai trecho do voto:

Em inúmeros julgados, tanto nesta eg. Corte quanto no Supremo Tribunal Fede-ral, tem-se proclamado que, em tais casos – recusa do órgão ministerial em pro-por a transação penal, assim como a suspensão do processo –, a questão deve ser resolvida, em princípio, com a aplicação analógica do art. 28 do CPP, vale dizer, com o encaminhamento dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça.

Por fim, ainda segundo Nucci (2013, p. 457), entre as vantagens para o autor do fato, temos a invisibilidade da transação para os demais fins que não a reaplicação de transação pelo prazo de cinco anos da transação anterior – não podendo o noticiado sofrer mais nenhuma represália que não a execução dos termos feitos da transação.

2.3 suspensãO COndiCiOnal dO prOCessO

A suspensão condicional do processo é um instituto despenalizador que, como os outros dois anteriormente expostos, tem como finalidade a boa polí-tica criminal, e, segundo Greco Filho (2012, p. 1058), tem o objetivo fim de desafogar a máquina estatal, evitando, assim, os custos e ônus dos processos ao Estado.

Desse mesmo modo, ensina Nucci (2013, p. 475):

Trata-se de um instituto de política criminal, benéfico ao acusado, proporcionan-do a suspensão do curso do processo, após o recebimento da denúncia, desde que o crime imputado ao réu não tenha pena mínima superior a um ano, median-te o cumprimento de determinadas condições legais, como fito de atingir a extin-ção da punibilidade, sem a necessidade do julgamento do mérito propriamente dito, é denominado, também, sursis processual.

No mesmo sentido, segundo Nucci (2013, p. 476-478), o art. 89 da Lei nº 9.099/1995 elenca os casos de aplicação da suspensão condicional do pro-cesso como sendo os crimes com pena mínina, em abstrato, não superior a um ano e que não esteja o acusado sendo processado por outro crime. Da mesma maneira, ainda são requisitos os mesmos impostos a suspensão condicional da pena (sursis) do art. 77 do Código Penal, quais sejam, não ser o denuncia-do reincidente em crime doloso, a culpabilidade, os antecedentes, a conduta

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social, a personalidade do agente, motivos e circunstâncias que autorizem o benefício.

Ademais, defende Greco Filho (2012, p. 1064-1065) que, nos incisos I, II, III e IV do art. 89, temos os termos da suspensão, quais sejam: a reparação do dano, salvo a impossibilidade de fazê-lo; a proibição de freqüentar deter-minados lugares; a proibição de ausentar-se da comarca onde reside sem a autorização do juiz; o comparecimento mensal, pessoal e obrigatório em juízo para informar e justificar suas atividades. Ainda, pode o juiz, em análise porme-norizada do caso concreto, aplicar outra medida, diferente destas, que saciem as necessidades do fato e da situação pessoal do acusado. Da mesma forma, há os casos de revogação do sursis processual nos §§ 3º e 4º do art. 89, tanto como existe a extinção da punibilidade do acusado pelo cumprimento das medidas no lapso temporal determinado na suspensão no § 5º. E, como não poderia ser diferente, com a não aceitação da proposta de suspensão processual, o processo continuará até seus ulteriores termos (art. 89, § 7º, da Lei nº 9.099/1995), ou seja, prosseguirá até sentença terminativa do feito.

3 TEORIA DOS JOGOS

A economia, segundo Arenhart (2009, p. 9), analisa o direito, as leis e os procedimentos jurídicos por meio da aplicação de princípios econômicos. Essa análise é feita por meio de instrumentos como estatísticas, matemática, econo-metria e a teoria dos jogos.

Assim, temos alguns precursores da teoria dos jogos, como Antoine Cournot (1801-1877), Ernest Firedrich Ferdinand Zermelo (1871-1953) e Justin Emile Borel (1871-1956); entretanto, foi somente no início do século XX que houve real aprofundamento, mais especificamente em 1928, com o primeiro trabalho

de John Von Neumman (1903-1957) e depois em 1944, em coautoria com Oskar Morgenstern (1902-1977), com o título “A teoria dos jogos e o comporta-mento econômico” (Fiani, 2006, p. 34-37); a partir desse ponto, vários trabalhos se seguiram, em especial o de John Nash, como se expõe adiante.

Para Carvalho (2007, p. 215):

A teoria dos jogos é um método utilizado para representar e compreender as decisões tomadas por agentes que interagem entre si. Também é correto afirmar que, a partir dessa compreensão, constitui um meio para a adoção da melhor escolha nos casos de interação estratégica.

No mesmo pensamento, Fiani (2006, p. 9-10) argumenta que a teoria dos jogos nos ajuda, a partir do entendimento da situação concreta dos jogadores, a compreender teoricamente o processo de decisão dos envolvidos, possibilitan-do o desenvolvimento de raciocínio estratégico, que, por muitas vezes, difere da escolha intuitiva.

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Nesse sentido, Silveira (2008, p. 86) nos traz três elementos que devem ser destacados quando da utilização do jogo, por serem estes os pressupostos básicos da sua existência, quais sejam: o jogador, que é o indivíduo tomador de decisões; as estratégias, cursos de ações que podem ser adotados dependendo das informações que o jogador possua; payoff, retorno esperado ao final da par-tida, podendo ser mensurado em termos monetários ou de utilidade.

Ainda, a teoria dos jogos, segundo Vasconcellos e Oliveira (2000, p. 207), depende de um jogo em que os jogadores tenham um comportamento racional no qual todas as opções que eles possam vir a tomar sejam lógicas e baseadas em informações previamente recebidas pelo jogador do meio e dos outros joga-dores, isso considerando que, para que a teoria tenha efeito, não deve o jogador ter contato com os outros participantes do jogo, muito menos fazer qualquer espécie de acordo ou acerto para alteração dos resultados.

3.1 TipOs e ClassifiCações de jOgOs

Existem algumas classificações que separam os jogos para que estes se adaptem aos casos concretos estudados; a primeira dessas classificações se dá quanto ao momento da escolha das estratégias; neste temos os jogos simultâ-neos, nos quais os jogadores apresentam suas estratégias ao mesmo tempo, e, por outro lado, temos os jogos sequenciais, que são aqueles que realmente nos interessam no presente trabalho, haja vista serem os que se aplicam à transação penal, por se dar, segundo Vasconcellos e Oliveira (2000, p. 209-214).

Quanto aos jogos cooperativos e não cooperativos: estes, quando exis-tem interesses conflitantes entre si, não sendo possível um acordo prévio entre os jogadores; naqueles, é possível um acordo prévio entre os jogadores, per-mitindo, assim, que estes criem suas estratégias em conjunto (Silveira, 2008, p. 87).

Outra classificação que temos é a de jogos de informação perfeita e im-perfeita, conforme elucida Fiani (2006, p. 61):

Um jogo é dito de informação perfeita quando todos os jogadores conhecem toda a história do jogo antes de fazerem suas escolhas. Se algum jogador, em algum momento do jogo, tem de fazer suas escolhas sem conhecer exatamente a histó-ria do jogo até ali, o jogo é dito de informação imperfeita.

Por fim, temos os jogos de informações completas, nos quais se pressu-põe que os jogadores conhecem suas estratégias e payoffs e os de seus adver-sários, da mesma maneira que sabe que seus adversários têm o mesmo conhe-cimento; já nos jogos de informações incompletas, o jogador também sabe as regras do jogo de seus payoffs, mas não sabem os payoffs dos outros jogadores (Silveira, 2008, p. 87-88).

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4 ESTRATÉGIA DOMINANTE E EQUILÍBRIO DE NASH

Nos jogos, temos as estratégias dominantes que são aquelas, em breves linhas, segundo Vasconcellos e Oliveira (2000, p. 209), em que “[...] a melhor estratégia para um jogador, qualquer que seja a estratégia adotada pelo outro”. Portanto, em outras palavras, independente das ações e dos meios que os adver-sários tomarem para alcançar seus payoffs, o jogador sempre escolherá a jogada que melhor atenderá a seus interesses.

De outro lado, temos o equilíbrio de Nash, que se dá quando em um jogo ambos os jogadores fazem escolhas ótimas em relação às escolhas dos outros jogadores, sendo as estratégias por eles adotadas as melhores possíveis para alcançar os seus payoffs. Nesse sentido, Balbinotto (2006, p. 17):

Um equilíbrio de Nash consiste num equilíbrio no qual cada jogador faz a esco-lha ótima (aquela que maximiza seu payoff), dada a escolha do outro. Em outras palavras, dizemos que um par de estratégias constitui-se num equilíbrio de Nash se a escolha de A for ótima, dada a escolha de B, e a escolha de B for ótima dada a escolha de A e não houver incentivos para que ambos mudem de estratégia.

Nesse diapasão, Vasconcellos e Oliveira (2010, p. 212) esclarecem que nem sempre se alcançará uma estratégia dominante ou será difícil alcançá-la; deste modo, é necessário que se encontre, entre os jogadores e suas estratégias, uma delas, de cada jogador, que preencha as expectativas de payoffs de cada um deles, e a essa congruência de estratégias chamamos de equilíbrio de Nash. Pensamento contínuo, Fiani (2006, p. 92-93) leciona que o equilíbrio de Nash somente é possível quando o equilíbrio é verdade para ambos os jogadores.

Portanto, a diferença entre a estratégia dominante e equilíbrio de Nash é encontrada no momento em que os jogadores consideram, ou não, o payoff do adversário, sendo a não consideração elemento da estratégia dominante e a consideração elemento do equilíbrio de Nash.

5 A TRANSAÇÃO PENAL E OS CUSTOS PARA OS JOGADORES

Quanto aos custos para os jogadores, mais especificamente na ideia da onerosidade dos custos da continuidade do procedimento para o Estado, temos, segundo Arenhart (2009, p. 35), que o procedimento é oneroso para ambas as partes, Ministério Público (Estado) e noticiado, autor do fato, por conta dos gastos judiciais e das custas para a manutenção e busca de provas à causa, devendo as partes pensar cuidadosamente sobre as decisões que podem vir a tomar em cada etapa do processo.

Mostrado esse ponto da morosidade judicial, Campos (2011, p. 1) expõe que:

A morosidade dos processos judiciais, o não cumprimento e eficácia de suas decisões e os limites da transparência retardam o desenvolvimento nacional,

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desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e colocam em dúvida a crença dos cidadãos ao regime democrático de direito.

Assim, qualquer ato que não seja realmente necessário para o fiel anda-mento da máquina judicial acaba por gerar custos que em nada interessam a boa prestação jurisdicional.

Como exemplo, temos:Processo penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Estelionato. Transação pe-nal. Homologação. Descumprimento do acordo. Retomada da persecução penal. Possibilidade. Recurso não provido. 1. A Suprema Corte reconheceu a repercus-são geral do tema, por ocasião da análise do RE 602.072/RS (DJe 26.02.2010), tendo o Pleno decidido que “não fere os preceitos constitucionais a propositura de ação penal em decorrência do não cumprimento das condições estabelecidas em transação penal”. Tal julgamento ensejou a mudança de entendimento dessa Turma, a partir do desate do HC 217.659/MS. 2. Recurso ordinário em habe-as corpus improvido. (RHC 34.580/SP, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 12.03.2013, DJe 19.03.2013)

Ou vejamos:Processo penal. Habeas corpus. Impetração substitutiva de recurso ordinário em habeas corpus. Impropriedade da via eleita. Art. 121, c/c art. 14, II, do Códi-go Penal. Desclassificação para o art. 329 do Código Penal. Transação penal. Não oferecimento. Motivação válida. Ausência. Ordem concedida de ofício. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à ló-gica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário em habeas corpus. 2. Segundo a orientação fir-mada pelo Superior Tribunal de Justiça, desclassificado o crime para outro que se amolde aos requisitos previstos nos arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/1995, é cabível a formulação de proposta de transação penal e suspensão condicional do processo (Precedentes). Na espécie, tem-se por inadequada a motivação do Ministério Público Estadual deixar de oferecer a transação penal, em razão ape-nas do fenômeno da desclassificação. 3. Ordem não conhecida, expedido habeas corpus de ofício para suspender os efeitos da sentença condenatória nos Autos nºs 052.09.004716-0 (1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital/SP), determinando--se a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo para que se manifeste fundamentadamente sobre o oferecimento da transação penal, em observância analógica ao art. 28 do Código de Processo Penal; na hipótese de insistência na negativa de proposta do benefício, devidamente fun-damentada, ou se o paciente eventualmente a recusar, deve ser restabelecido o trânsito em julgado. (HC 203.278/SP, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, J. 07.05.2013, DJe 14.05.2013)

Ou, ainda, quando não ocorre o cumprimento das condições impostas na transação penal e se tem que propor a ação penal em decorrência do descum-primento delas (RE 602072-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 19.11.2009).

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Para exemplificar, utilizaremos, em um primeiro momento, o estudo e o levantamento feito por Sadek (2004, p. 1), que demonstra que, entre 1990 e 2002, entraram, em média, na justiça brasileira, 6.350,598 processos por ano, sendo que, em 1990, ocorreu a entrada de 3.617.064 processos e, em 2002, ocorreu a entrada de 9.764.616, mais que dobrando a quantidade de entradas de ações no Poder Judiciário. Por outro lado, nesse mesmo período, os proces-sos julgados apresentaram uma média de 4.593.839, ficando claro que houve um aumento de 311% no número de ações julgadas no período e um aumento 270% no número de entrada de ações. Assim, mesmo com a melhora na agili-dade de julgamento de ações pelo Judiciário, a procura pela resposta jurispru-dencial cresce ainda mais, tendo em uma média de julgamento de processos ingressos de 72%.

Com esse primeiro exemplo, fica demonstrado que o Estado não conse-gue dar conta dos processos que recebe, e qualquer maneira encontrada para evitar tais ações é bem vinda.

Nota-se que a ideia de utilizar-se de mecanismo processual para o me-lhor andamento da prestação jurisdicional é aceita inclusive em nível de tribu-nais superiores, conforme exemplo abaixo:

Penal. Processual penal. Habeas corpus. Crime de lesões corporais. Denúncia. Promotor de justiça processado perante o Tribunal de Justiça. Recusa do tribunal em possibilitar a composição civil e a transação. Alegação de inaplicabilidade em procedimento especial. Lei nº 9.099/1995. I – Os preceitos de caráter penal-mente benéficos da Lei nº 9.099/1995 aplicam-se a qualquer processo penal, in-clusive nos Tribunais. Precedentes do STF: INQ 1.055/AM (Questão de Ordem), C. de Mello, RTJ 162/483; HC 76.262/SP, O. Gallotti, DJ 29.05.1998. II – HC de-ferido. (HC 77303, 2ª T., Rel. Min. Carlos Velloso, J. 15.09.1998, DJ 30.10.1998, p. 00004, Ement. v. 01929-02, p. 00321)

Ademais, em um segundo momento, utilizaremos o estudo feito por Silveira e Santos (2012, p. 1), quando analisaram a quantidade e o custo das folhas de papel nos processos e execuções criminais no Brasil. No trabalho, constatou-se que do inquérito policial à execução penal se gasta em média 570 folhas de papel, e temos um total de aproximadamente 500 mil presos, tendo, assim, um total de 285 milhões de folhas de papéis gastas até o momen-to. E, considerando também que esse número só tende a aumentar, os autores defendem a virtualização do processo penal, com o intuito de cortar gastos e recursos.

Assim, restando claro o custo de uma ação penal (conhecimento ou exe-cução) para o Estado e o fato dos custos das ações, sejam eles quais forem, resta para o Estado o melhor benefício de encontrar maneira de evitar a ação penal.

Quanto aos custos específicos para o noticiado, temos a chance de ele se ver, ao final do processo, condenado e sofrendo as diversas sanções da pena, os custos do processo, maiores para este por ser mais fraco na relação processual, além da carga emocional sofrida por este e por seus familiares.

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Não há dúvidas sobre as vantagens deste em transacionar ou aceitar qualquer uma dos institutos despenalizadores oferecidos.

Desse modo, para melhor entendimento do que ocorre no jogo da tran-sação penal, vamos nos valer de fluxograma demonstrando uma representação extensiva deste:

OFERECE TRANSAÇÃO NÃO OFERECE TRANSAÇÃO

PROCEDIMENTO CONTINUA

NOTICIADO NÃO ACEITANOTICIADO ACEITA

APLICADA MEDIDA ALTERNATIVA

PROCEDIMENTO CONTINUA

MINISTÉRIO PÚBLICO

Figura 1: representação extensiva do jogo sequencial na transação penal.

Nele podemos ver os caminhos possíveis para o caso concreto da tran-sação penal, com a primeira grande cisão nas opções com o oferecimento ou não da transação e a segunda com a possibilidade de aceitação da proposta de transação ou não. Nos casos de não oferecimento da transação, não há qualquer interferência que pode fazer o noticiado1, não ocorrendo mais o jogo. Desse modo, não há de se considerar essa opção para a aplicação dos institutos econômicos estudados, por não ocorrer mais interação estratégica entre os jo-gadores, portanto, sem mais um jogo para análise.

Para o Estado, o processo judicial é normalmente custoso e pesado aos cofres públicos, atolando o Judiciário com a discussão de causas que muitas ve-zes em nada acrescentam à sociedade, no caso em tela, a transação penal, por abranger os casos de crimes de pequena monta, é um exemplo gritante dessa realidade. Já para o noticiado, o custo e o desgaste se dão com a própria ação e sombra constante de possível condenação.

1 Isso sem considerar possível habeas corpus ou recurso no procedimento.

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CONCLUSÃO

A presente pesquisa demonstrou que os institutos despenalizadores pre-sentes na Lei nº 9.099/1995 vieram em bom tempo, trazendo o consenso, já presente em outras searas do direito, para o direito penal, mesmo em se con-siderando que os casos em que ele é aplicado são poucos, mas, ainda assim, influem na sociedade.

Ainda, ficou evidenciado que a teoria dos jogos, com o uso do equilíbrio de Nash, pode nos trazer um norte quanto às possíveis ações que podem ser tomadas pelos jogadores, Estado e noticiado, nos dando qual seria a ação mais racional e lógica a ser escolhida nos casos concretos.

Deste modo, conclui-se, com o estudo realizado, que, para o caso con-creto, a melhor estratégia que pode ser utilizada na transação penal, no qual são jogadores o Ministério Público e o noticiado, para se alcançar o melhor payoff para ambos, é o oferecimento da proposta de transação por parte do Ministério Público e a aceitação desta proposta pelo noticiado – isso considerando que qualquer outra decisão que não esta resultaria, para ambos, em um processo moroso e custoso, com um dispêndio de tempo e dinheiro que de nada interes-saria a nenhuma das partes, e em especial para o noticiado poderia gerar uma possível condenação criminal.

Portanto, encontrando-se o equilíbrio de Nash com a propositura e a aceitação da transação penal e tendo os jogadores informações completas e ações racionais, fica claro que este é o melhor caminho possível na relação de conflito de interesses exposta, desse modo, sempre ocorrendo a tendência a seguir este caminho. Por fim, gera vantagens e alcança os payoffs do Estado e do noticiado.

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RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������� 103

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1010

Superior Tribunal de Justiça Desportiva do FutebolProcesso nº 13/2014Jogo: Botafogo Futebol Clube (PB) x Sport Club do Recife (PE) – categoria profissional, realizado em 19 de janeiro de 2014 – Copa do Nordeste.Denunciados: Carlos Esteban Frontini, atleta do Botafogo FC (PB), incurso no art. 258, caput, do CBJD; Botafogo Futebol Clube (PB), incurso nos arts. 191, 213, I, § 1º e 211, do CBJD, na forma do art. 183, do mesmo diploma legal; Sport Club do Recife (PE), incurso no art. 213, I, § 2º, do CBJD; Charles Herbert Cavalcante Ferreira, Árbitro, incurso no art. 266, do CBJD; Federação Paraibana de Futebol, entidade regional de administração do desporto, incursa nos arts. 6º, do RGC 2014, c/c art. 191, do CBJD; Maria do Socorro Leite, delegada da partida, incursa nos arts. 9º, do RGC, e 191 e 239, do CBJD.

emenTa

PROTEÇÃO DO TORCEDOR – DEVER DE RESPEITO POR PARTE DE TODOS – DIÁLOGO DAS FONTES – ESTÁDIO DE FUTEBOL – ACERVO PROBATÓRIO E LAUDOS TÉCNICOS – INFRAESTRUTURA QUE NÃO ASSEGURA PLENA GARANTIA E SEGURANÇA PARA A REALIZAÇÃO DO EVENTO – INTERDIÇÃO ART. 211, DO CBJD

O Princípio uniforme e universal de conduta no Futebol cuida do dever das entidades, associações, jogadores, dirigentes e até mesmo torcedores assumirem providências que garantam o respeito à lealdade, à integridade, à segurança e ao espírito desportivo.

Consabido que a regra desportiva não exclui as demais normas protetoras de interesse do torcedor, mas, ao contrário, recebê-las com o fim constitucional e primordial de protegê-lo, deve-se buscar a harmonização do nosso complexo sistema de Direito através do diálogo das fontes.

O descumprimento de obrigação legal, a omissão nas providências capazes de prevenir e reprimir graves desordens em praça de desporto e a absurda realização de evento sem nenhuma infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para a sua realização, determina a imediata interdição da praça desportiva, nos termos do art. 211, do CBJD.

relaTÓriO

Conforme se depreende da leitura dos autos, a Procuradoria da Justiça Desportiva ofereceu a Denúncia de fls. 2/20 contra: Carlos Esteban Frontini, atleta do Botafogo FC (PB), incurso no art. 258, caput, do CBJD; Botafogo Fu-

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tebol Clube (PB), incurso nos arts. 191, 213, I, § 1º e 211, do CBJD, na forma do art. 183, do mesmo diploma legal; Sport Club do Recife (PE), incurso no art. 213, I, § 2º, do CBJD; Charles Herbert Cavalcante Ferreira, árbitro, incurso no art. 266, do CBJD; Federação Paraibana de Futebol, entidade regional de administração do desporto, incursa nos art. 6º, do RGC/2014, c/c art. 191, do CBJD e Maria do Socorro Leite, delegada da partida, incursa nos arts. 9º, do RGC, e 191 e 239, do CBJD.

Em apertada síntese, caso a caso, alega que Carlos Esteban Frontini foi expulso aos 10 (dez) minutos, do segundo tempo da peleja, em decorrência do segundo cartão amarelo, por “simulação, dentro da área penal adversária”.

Quanto ao Botafogo Futebol Clube (PB) e ao Sport Club do Recife (PE), a v. peça exordial registra que, apesar de não constar do relato da Súmula, “houve desordem generalizada e de elevada gravidade nas dependências do Estádio Almeidão, em João Pessoa”, promovida pela torcida da agremiação visitante, o que acarretou a paralisação da partida por cinco minutos.

Acrescenta que o confronto entre as torcidas já era esperado pela Polícia Militar, porque marcado “pelas redes sociais”.

A v. Denúncia também assevera que o árbitro da partida, Charles Herbert Cavalcante Ferreira, “não apresenta em seu relato uma única linha sobre a con-fusão ocorrida”, que, por parte da delegada, Maria do Socorro Leite, não teria sido relatada de “forma adequada”.

Aduz que, apesar do Laudo Policial Militar haver reprovado o Estádio José Américo de Almeida, o “Almeidão”, que “está passando por uma reforma total”, a Federação Paraibana de Futebol não tomou as devidas providências necessárias à realização e segurança da disputa.

Ao final, a d. Procuradoria da Justiça Desportiva requereu a interdição do Estádio “Almeidão”, nos termos do art. 211, do CBJD, bem como que a apli-cação de punição de perda do mando de jogo se dê com os portões fechados.

Anexos ao libelo acusatório, além de fotografias e vídeo, pela ordem, constam:

Laudo de Segurança do Estádio “Almeidão” (fls. 21/50), que o desaprova, firmado pelo Major, Subcomandante do Bope, Otávio José de Melo Ferreira, e pelo 1º Tenente, da 1ª Companhia de Choque, Brianna Oliveira Palitó, em 03.01.2014 (fl. 34).

Relatório de Policiamento Militar de Praça Desportiva, referente à partida em questão (fls. 51/65), firmado pelo Major, Subcomandante do Bope, Otávio José de Melo Ferreira, que conclui “que o Estádio Almeidão não tem condições de haver jogos com torcidas” (fl. 55).

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Relatório de Notícias Jornalísticas sobre os fatos ocorridos no Estádio “Almei-dão”, elaborado pelo comando da Segurança Pública e da Defesa Social do Esta-do da Paraíba (fls. 66/118).

“Súmula On-Line” do jogo entre Botafogo Futebol Clube (PB) x Sport Club do Recife (PE), categoria profissional, realizado em 19 de janeiro de 2014, Copa do Nordeste (fls. 119/121).

Conclusos os autos, o Exmo. Presidente do STJD, Dr. Flávio Zveiter, deferiu a liminar requerida pela d. Procuradoria e determinou que “nenhuma partida de futebol profissional seja realizada no Estádio ‘José Américo de Almeida até que sejam cumpridos todos os requisitos técnicos previstos no estatuto do torcedor, Decreto nº 6.795/2009 e na Portaria nº 124 de julho de 2009 do ME” (fl. 125 – destacamos).

Às fls. 127 e ss. encontram-se as Fichas Disciplinares dos Denunciados, onde verificamos a primariedade de Carlos Esteban Frontini, Botafogo Futebol Clube (PB) – (tecnicamente) –, Charles Herbert Cavalcante Ferreira e Maria do Socorro Leite, ao contrário das reincidências do Sport Club do Recife (PE) e da Federação Paraibana de Futebol.

Às fls. 141/142, a d. Procuradoria da Justiça Desportiva retificou o nome do árbitro denunciado, Charles Herbert Cavalcante Ferreira, que foi posterior e devidamente citado.

Aberta a Sessão de Instrução, os Denunciados ofereceram prova de vídeo e os seguintes documentos, pela ordem:

Relatório de Policiamento Militar de Praça Desportiva, referente à partida em questão, documento idêntico àquele já acostado às fls. 51/65.

Laudo Técnico de Vistoria nº 0123/2013, firmado por oficiais do Corpo de Bom-beiros Militar, do Estado da Paraíba, em março de 2013, que aprova o Estádio “Almeidão”, “com restrições” (grifamos).

Laudo de Condições Sanitárias e de Higiene, confeccionado pela Gerência de Vigilância Sanitária, Secretaria de Saúde, de João Pessoa, em março de 2013, que aprova o Estádio “Almeidão”, “com restrições” (grifamos).

Impresso do Gerenciamento de Laudos Técnicos de Estádios – GLTE, da CBF, que registra o prazo de validade dos Laudos apresentados (Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária e Vistoria de Engenharia).

Ofício DJur nº 035/2013, de 16 de outubro de 2013, através do qual o repre-sentante da Federação Paraibana de Futebol requer ao Comandante do Corpo de Bombeiros da Paraíba vistorias técnicas e emissão de Laudos de Prevenção e Combate a Incêndio dos Estádios da Paraíba, inclusive o “Almeidão”.

Ofício GCG nº 0194/2013, de 22 de março de 2013, de encaminhamento do Laudo de Segurança do Estádio “Almeidão” pela Polícia Militar da Paraíba ao Secretário de Estado da Juventude, Esporte e Lazer.

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Ofício DJur nº 151/2013/GABSEC, de 15 de março de 2013, de requerimento do Secretário de Estado da Juventude, Esporte e Lazer, da Paraíba, para vistoria no Estádio “Almeidão”, pela Polícia Militar da Paraíba.

Ofício nº 0138/2013/Bope-SGP, de 22 de março de 2013, de encaminhamento pelo Comandante do Bope ao Comandante-Geral da PMPB do Laudo de Segu-rança que firma o Ministério Público, sob a interveniência dos órgãos integrantes da Comissão de Vistoria dos Estádios.

Ofício CAOCDFG nº 0788/2013, de 11 de dezembro de 2013, através do qual o Coordenador da Comissão Permanente de Prevenção e Combate à Violência dos Estádios, Procurador de Justiça, Valberto Cosme de Lira, comunica à Federação Paraibana de Futebol visita de verificação de alguns Estádios, não incluído na lista o Estádio “Almeidão”.

Relatório da delegada da partida entre Botafogo Futebol Clube (PB) x Náutico (PE), Maria do Socorro Leite, datado de 27 de janeiro de 2014, sobre as providên-cias tomadas em razão de suspensão da partida por determinações administrativa e judicial.

Memorial firmado pelos ilustres defensores do Botafogo Futebol Clube (PB), em que se requer a total improcedência da v. Denúncia.

Ata da Comissão Permanente de Prevenção e Combate à Violência dos Estádios, firmada pelos seus membros, em 23 de janeiro passado, com decisões adota-das após as ocorrências do jogo Botafogo Futebol Clube (PB) x Sport Club do Recife (PE), categoria profissional, realizado em 19 de janeiro de 2014, Copa do Nordeste.

Declaração do Comandante-Geral da Polícia Militar da Paraíba, Cel. Euller de Assis Chaves, de 25 de janeiro de 2014, que endossa a Ata da Comissão Per-manente de Prevenção e Combate à Violência dos Estádios, firmada pelos seus membros, em 23 de janeiro passado.

Declaração do Coordenador da Comissão Permanente de Prevenção e Combate à Violência dos Estádios, Procurador de Justiça, Valberto Cosme de Lira, de 27 de janeiro de 2014, na direção de que o espaço e a capacidade de público foram restringidos para a realização da partida Botafogo Futebol Clube (PB) x Sport Club do Recife (PE).

Relatório manuscrito pelo árbitro da partida entre Botafogo Futebol Clube (PB) x Náutico (PE).

Ofício nº 008/2014, de 17 de janeiro de 2014, assinado pelo Sr. Presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Evandro Carvalho, endereçado ao Sport Club do Recife (PE), onde se noticia a expressa garantia dada pela Federação Paraibana de Futebol para “totais condições de segurança, acessibilidade etc. para a realização do jogo entre o Botafogo da Paraíba e o Sport Clube do Recife”.

Correspondência datada de 10 de janeiro de 2014, assinada pelo Vice-Presidente Jurídico do Sport Club do Recife (PE), Dr. Amaldo Barros, em que se consulta a Federação Pernambucana de Futebol sobre as condições de segurança para o jogo Botafogo Futebol Clube (PB) x Sport Clube do Recife (PE).

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Panfletos e materiais de propaganda dirigidos à torcida, bem como os correspon-dentes recibos de pagamento de impressão a favor do Sport Club do Recife (PE).

Notícias veiculadas pela imprensa escrita sobre diretoria e jogos do Sport Club do Recife (PE).

Devida e respectivamente constituídos, funcionaram nas defesas: do Botafogo Futebol Clube (PB), Dr. Fábio Romero Rangel, que juntou prova de DVD e documental; do Sport Club do Recife (PE), Dr. Osvaldo Sestário Filho, que juntou prova de DVD e documental; de Charles Herbert Cavalcante Ferreira, Dra. Ester Freitas; de Maria do Socorro Leite, Dra. Patrícia Saleão, que juntou prova documental.

Prestaram depoimentos como informantes, os ilustres Srs. Arnaldo José de Barros e Silva Júnior, Vice-Presidente Jurídico do Sport Club do Recife (PE), Roberto Zaidan Gama, Diretor Executivo da Federação Paraibana de Futebol, e Giancarlos Dantas Romulado, Gerente de Futebol do Botafogo Futebol Clu-be (PB), esse último ouvido no regular exercício dos poderes de iniciativa do Auditor com relação à prova dos fatos controvertidos e à sua livre apreciação, embora sob os protestos da d. Procuradoria da Justiça Desportiva.

VOTO

O pensamento crítico não deve confundir. Não vivemos tempos de afir-mações contraditórias, em que uma nega a outra, de modo que uma é verda-deira e a outra é falsa. Estamos a vivenciar os contrários, quando, embora as afirmações não possam ser ambas verdadeiras, podem ser ambas falsas.

Às vésperas de sediarmos uma Copa do Mundo e em se tratando de ver-bas públicas para melhorias das instalações esportivas, ou seja, centros de trei-namentos candidatos à hospedagem e aos treinos das seleções estrangeiras, a imprensa noticia que o correspondente valor total investido conjuntamente pela União, Estados e Municípios foi de R$ 506,2 milhões, sendo que só o Estádio Flamarion Vasconcelos, em Boa Vista/RR, mereceu R$ 99 milhões em investi-mentos.

Não obstante, o presente Julgamento nos coloca diante da triste realidade do Estádio José Américo de Almeida, o “Almeidão”, na linda cidade paraibana de João Pessoa, cujas abusividades por irresponsabilidade e descaso sofridas conjuntamente com os torcedores estão a provocar o horror!

Senão vejamos o que, a respeito das condições do “Almeidão”, se colhe do acervo probatório, que, se diga de passagem, quase na sua totalidade, foi trazido aos autos pelos próprios Denunciados:

O Relatório de Policiamento Militar de Praça Desportiva, referente à partida em questão (fls. 51/65), firmado pelo Major, Subcomandante do Bope, Otávio José

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de Melo Ferreira, que conclui “que o Estádio Almeidão não tem condições de haver jogos com torcidas” (fl. 55), ainda ressalta que:

– Torcedores do Botafogo Futebol Clube (PB) arremessaram rojões, pedras e bolas de sinuca com pólvora em direção ao policiamento e aos outros torcedores;

– Torcedores do Sport Club do Recife (PE) quebraram tapumes na parte interna do “Almeidão” e usaram os pedaços como armas;

– As obras do estacionamento e da arquibancada sol disponibilizaram aos tor-cedores pedras que foram arremessadas contra o policiamento e outros torce-dores;

– Latas de refrigerantes, que foram livremente comercializadas, serviram como armas e também foram arremessadas;

– O anexo traz várias fotos de momentos de barbárie no interior do “Almeidão”, que registram disparos de munição, arremessos de latas e, ainda, as presenças nas arquibancadas de freezer, carrinho de pipoca e tapumes.

O Laudo Técnico de Vistoria nº 0123/2013, firmado por oficiais do Corpo de Bombeiros Militar, do Estado da Paraíba, em março de 2013, que aprova o Es-tádio “Almeidão”, “com restrições” (grifamos), que, “data maxima venia”, pela seriedade e relevância delas, deveriam desaparová-lo na sua integralidade, o que se verifica da leitura das respostas ao seu questionário:

1. O Corpo de Bombeiros Militar, do Estado da Paraíba, nunca emitiu qualquer Certificado ou Alvará para o “Almeidão”;

2. Não bastasse a ocupação da área total construída não ser aquela do projeto aprovado, deverá ser apresentado à Seção de Análise de Projetos do CBMPB pro-jeto de instalações preventivas de proteção contra incêndio, explosão e controle de pânico;

3. Os extintores de incêndio não estão instalados de acordo com a situação pre-vista no projeto;

4. Não há sistemas de mangueiras e hidrantes e, tampouco, sistema de proteção contra descargas atmosféricas;

5. Os pontos sensíveis e as áreas restritas não estão devidamente isolados e si-nalizados;

6. A sinalização de emergência da via de circulação é em número reduzido;

7. Os guarda-corpos não possuem as alturas regulares;

8. Os portões de saída não possuem barra antipânico e alguns não abrem no sentido do fluxo de saída;

9. Existe sistema elétrico exposto;

10. Não há plano de ação para situação de abandono do público;

11. Não existe brigada de emergência;

12. Não há sistema de iluminação de emergência;

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13. Não existe gerador de emergência;

14. Não existe sistema de alarme de emergência;

15. A via de acesso interno para veículos somente suporta viaturas de pequeno porte;

16. Os locais dos torcedores não são numerados.

O Laudo de Condições Sanitárias e de Higiene, confeccionado pela Gerência de Vigilância Sanitária, Secretaria de Saúde, de João Pessoa, em março de 2013, que, da mesma forma, descreve restrições ao Estádio “Almeidão” e anexa fo-tografias comprovadoras, traz teor que desaprova o local por completo para a ocupação pelos torcedores:

1. Dependências sujas e sem manutenção;

2. Vasos sanitários obstruídos, sem assento, descargas e portas quebradas, mofo nas paredes;

3. Número e condições de sanitários insuficientes;

4. Não possui material de higiene pessoal nos sanitários;

5. Os sanitários não possuem lixeiras;

6. A água utilizada é proveniente de um poço localizado fora do estádio, sem registro de limpeza e higienização dos reservatórios;

7. Os reservatórios não possuem tranca de segurança;

8. Não existe laudo de potabilidade da água;

9. Não existe bebedouro para a torcida, mas os que existem para o policiamento e os repórteres estão em “precárias condições de higiene”;

10. O acondicionamento de víveres e aguada não atende à legislação;

11. Não existem lixeiras e os ralos estão sem tampa e sem dispositivo de fecha-mento;

12. Não há documento comprobatório atualizado para a venda de alimentos por ambulante;

13. Não existem ações de controle para impedir a proliferação de vetores e pra-gas urbanas;

14. Não existem coletores de resíduos;

15. Ausência de adesivos de proibição de fumo.

Por sua vez, a Comissão Permanente de Prevenção e Combate à Vio-lência dos Estádios, em Ata firmada pelos seus membros, em 23 de janeiro passado, com decisões adotadas após as ocorrências do jogo Botafogo Futebol Clube (PB) x Sport Club do Recife (PE), realizado em 19 de janeiro de 2014, cujo teor foi endossado pela Declaração do Comandante-Geral da Polícia Mi-litar da Paraíba, Cel. Euller de Assis Chaves, de 25 de janeiro de 2014, mesmo

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sem a devida e esperada manifestação oficial sobre os laudos técnicos acima referidos, mostrou-se, através dos seus membros, preocupada em relação ao Relatório Policial sobre a partida cujas ocorrências estão ora em julgamento, o que culminou por tornar fato incontroverso o comércio de latas de refrigerante, a transformação dos entulhos em armas e a violência exercida mutuamente pelos torcedores.

Valem ainda os registros das informações prestadas pelos ilustres Srs. Arnaldo José de Barros e Silva Júnior, Vice-Presidente Jurídico do Sport Club do Recife (PE), e Roberto Zaidan Gama, Diretor Executivo da Federação Parai-bana de Futebol, o primeiro na direção que presenciou os torcedores trocarem insultos “provocativos e incitadores”, o segundo, porque disse ter verificado que todas as fotografias anexadas ao processo foram visualizadas por ele no interior do “Almeidão” e que, ainda, soube pelo Tenente-Coronel Anchie-ta, previamente à partida, a respeito de um confronto entreaquelas torcidas, virtualmente marcado.

Haja vista todo o comprovado, que traduz frontal e absurdo descumpri-mento dos preceitos constitucionais e legais, desde já, anoto pessoal estranha-mento pela ausência de denúncia contra outros possíveis autores de infração disciplinar, até porque, conforme previsto pelo art. 16, do RGC, citado na pró-pria peça exordial, todos os laudos técnicos são apresentados pelas Federações ao Departamento de Competições.

Aliás, nessa direção, veio aos autos o Impresso do Gerenciamento de Laudos Técnicos de Estádios – GLTE, da CBF, que informa o prazo de validade dos Laudos apresentados (Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Vigilância Sani-tária e Vistoria de Engenharia).

Por isso mesmo, faz-se importante o registro de que, durante a sua ma-nifestação, o ilustre membro da d. Procuradoria da Justiça Desportiva exibiu os autos do Inquérito em trâmite, requerido para apurar e determinar a eventual existência de outras autorias sobre os fatos ora julgados.

Não passou despercebido, ainda, o relato da delegada da partida, Maria do Socorro Leite”: “a torcida do Sport Recife teve uma conduta de indisciplina que necessitou de ação da polícia” [...] “Houve uma paralisação de 5 minutos no 2º tempo de jogo devido indisciplina da torcida do Sport Recife, tendo que a polícia usou agentes químicos de forma que o efeito chegou a atingir a atletas dentro do campo.”

Tampouco deixou-se de notar o registro do árbitro, Charles Herbert Cavalcante Ferreira, que asseverou em Súmula: “Houve 05 (Min) de paralisa-ção, aos 11 minutos do 2º tempo, devido a ação do policiamento na torcida visitante, lançando gás, que trouxe efeito para os jogadores dentro de campo, após alguns jogadores terem sido atendidos, e a situação contornada, a partida teve o seu reinício normalmente.”

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Pois bem, após minucioso destaque das provas e detida análise das defe-sas, passo a decidir, mas pedindo licença para modificar a ordem dos julgamen-tos em relação às sequências dos Denunciados.

O Princípio uniforme e universal de conduta no Futebol cuida do de-ver das entidades, associações, jogadores, dirigentes e até mesmo torcedores assumirem providências que garantam o respeito à lealdade, à integridade, à segurança e ao espírito desportivo.

Todos os Regulamentos e as manifestações de Poder Disciplinar da Fifa e das suas afiliadas tipificam o agir de natureza não desportiva como violação àquele mencionado Princípio de conduta, que, por óbvio, também está pre-sente no CBJD, inclusive como norteador dos nossos intérpretes e julgadores (arts. 282 e 283).

É por isso que o artigo 211 e o caput do art. 213, do CBJD, tratam da ne-cessidade das entidades e associações desportivas assegurarem a infraestrutura necessária para a segurança da realização do evento e para a manutenção da ordem no local da competição, evitando ou procurando evitar a prática de atos que atentem contra o espetáculo e os seus partícipes, principalmente no que cuida da conduta respeitosa, ou seja, do “Fair Play”, que é parte indissociável do jogo e obrigatoriedade extensiva a todos os presentes, inclusive os torce-dores.

Além disso, consabido que a regra desportiva não exclui as demais nor-mas protetoras de interesse do torcedor, mas, ao contrário, recebe-as com o fim constitucional e primordial de protegê-lo, deve se buscar a harmonização do nosso complexo sistema de Direito através do diálogo das fontes, que, como ensina Cláudia Lima Marques:

“É o atual e necessário ‘diálogo das fontes’ (dialougue de sources), a permitir a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas convergentes. ‘Diálogo’ porque há influências recíprocas, ‘diálogo porque há aplicação conjunta de duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja completamente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente [...]” (Comentários ao Código de Defesa do Con-sumidor, Ed. RT, 2003, p. 24/25).

Em consequência, na espécie, pertinente, também, considerar a incidên-cia dos preceitos constitucionais de promoção da defesa do torcedor (arts. 5º, XXXII, e 170, V, CF) e da responsabilidade de TODOS pela segurança pública (art. 144, caput, CF), bem como a previsão de responsabilização objetiva da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo em relação à segu-rança dos torcedores partícipes (arts. 14, caput, 15 e 19, do EDT).

Portanto, as omissões e ações acima descritas, antidesportivas, típicas e culpáveis, se adequam às descrições das infrações contidas nos arts. 191, 213, I, § 1º, § 2º, e 211, do CBJD, que dispõem sobre o descumprimento de obri-

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gação legal, a omissão nas providências capazes de prevenir e reprimir graves desordens em praça de desporto e a absurda realização de evento sem nenhu-ma infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para a sua realização, que, no caso, restaram traduzidos não somente pelos documentos acima transcritos, mas pelas fotografias, imagens de vídeo e informações orais produzidas durante a instrução e estão a recomendar, sobretudo, a providencial manutenção da interdição do Estádio “Almeidão”.

Escabrosa, indecente, indigna, se é que podemos comparar e pesar tantas ações e omissões irresponsáveis em relação ao tratamento legal que o torcedor merece, é, como se depreende de documento ressaltado em relatório e que não sofreu qualquer impugnação pelas partes, a postura do representante da Fede-ração Paraibana de Futebol que, obrigatório conhecedor das reais condições e de todos os Laudos sobre o “Almeidão”, apesar dos pesares, segundo oficiado pelo Presidente da Federação Pernambucana e Futebol, Evandro Carvalho, em 17.01.2014, “assegurou à Diretoria de Competição da CBF que já havia realiza-do reuniões com Bombeiros, Polícia Militar, Ministério Público e outros e que o Estádio estaria em totais condições de segurança, acessibilidade etc. para a realização do jogo entre o Botafogo da Paraíba e o Sport Club do Recife” (des-tacamos).

Sobre a aplicação da pena, “é, certamente, o momento de maior im-portância na atuação do Auditor enquanto julgador. É neste momento que ele considera e valora todas as questões abordadas durante a Sessão de Instrução e Julgamento, através de um voto com conteúdo finalístico de fixar o quantum de pena a ser aplicado ao caso específico, sempre tendo como meta a ple-na realização da justiça” (Código Brasileiro de Justiça Desportiva Comentado, Coordenador: Paulo Marcos Schmitt, Ed. Quartier Latin, 2006, p. 189).

Por todo o exposto, porque entendo como manifestamente imprestáveis para a liberação do “Almeidão” os Laudos Técnicos apresentados e, conse-quentemente, descumprido o RGC (art. 6º), condeno a Federação Paraibana de Futebol nas iras do art. 191, inciso III, do CBJD, e, observados, principalmente, a gravidade da infração – intensa –, o meio empregado – omissão indigna –, os motivos determinantes – nenhum – e a reincidência da infratora, fixo a pena na condenação de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), determinando prazo de 07 dias para cumprimento da obrigação, devendo a Condenada com-provar nos autos do processo o cumprimento da referida obrigação no prazo de 48 horas, sob pena das medidas previstas no art. 223, do CBJD.

Outrossim, nos termos do § 2º, do art. 191, do CBJD, determino o prazo máximo de 30 (trinta) dias para a Federação Paraibana de Futebol encaminhar os laudos técnicos atualizados de vistoria do Estádio “Almeidão”, (Polícia Mi-litar, Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária e de Engenharia) à Diretoria de Competições, da CBF, sob pena de, a partir do 31º dia desta decisão e enquanto

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durar o seu descumprimento, ocorrer a suspensão automática do d. Presidente da Federação Paraibana de Futebol.

Quanto ao Botafogo Futebol Clube (PB), equipe mandante, incurso nos arts. 191, 213, I, § 1º e 211, do CBJD, na forma do art. 183, do mesmo diploma legal, decido:

Exaustivamente demonstrada a ausência de infraestrutura necessária a assegurar plena garantia e segurança para a realização do evento, condeno o Botafogo Fu-tebol Clube (PB) por infração ao art. 211, do CBJD, observados, principalmente, a gravidade da infração – intensa –, o meio empregado – omissão indigna – e os motivos determinantes – nenhum –, à pena de multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), e determino o prazo de 7 (sete) dias para cumprimento da obrigação, devendo comprovar nos autos do processo o cumprimento da referida obrigação, no prazo de 48 horas, sob pena das medidas previstas no art. 223, do CBJD, absorvido o art. 191, do CBJD, bem como mantenho a interdição do Estádio “Almeidão”, até que, nos termos já decididos, laudos técnicos atualizados e li-beratórios sejam encaminhados pela Federação Paraibana de Futebol à Diretoria de Competições.

Quanto às desordens na praça desportiva do mandante, de elevada gravi-dade, conforme já ressaltado notadamente no Relatório de Policiamento Militar de Praça Desportiva, referente à partida em questão (fls. 51/65), firmado pelo Major, Subcomandante do Bope, Otávio José de Melo Ferreira, bem como se verifica nas fotografias anexadas e, ainda, nas imagens de vídeo exibidas, que mostraram a paralisação do evento por aproximadamente 5 (cinco) minutos, também decido:

Condeno o Botafogo Futebol Clube (PB) nas iras do art. 213, inciso I, § 1º, do CBJD, e, observados, principalmente, a gravidade da infração – intensa –, o meio empregado – violência entre torcidas – e os motivos determinantes – confronto virtualmente acertado entre as torcidas –, fixo a pena na condenação de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), determinando prazo de 07 dias para cumpri-mento da obrigação, devendo o Condenado comprovar nos autos do processo o cumprimento da referida obrigação no prazo de 48 horas, sob pena das medidas previstas no art. 223, do CBJD, bem como aplico a punição da perda de mando de campo de uma partida, a ser cumprida com os portões fechados.

Em relação à equipe visitante, Sport Club do Recife (PE), incursa no art. 213, I, § 2º, do CBJD, porque importante, repito: A delegada da partida, Maria do Socorro Leite, relatou que “a torcida do Sport Recife teve uma conduta de indisciplina que necessitou de ação da polícia” [...] “Houve uma paralisação de 5 minutos no 2º tempo de jogo devido indisciplina da torcida do Sport Reci-fe, tendo que a polícia usou agentes químicos de forma que o efeito chegou a atingir a atletas dentro do campo.”

Na mesma direção, o árbitro, Charles Herbert Cavalcante Ferreira, ano-tou em Súmula que “Houve 05 (Min) de paralisação, aos 11 minutos do 2º tem-

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po, devido à ação do policiamento na torcida visitante, lançando gás, que trou-xe efeito para os jogadores dentro de campo, após alguns jogadores terem sido atendidos, e a situação contornada, a partida teve o seu reinício normalmente.”

As informações prestadas pelos ilustres Srs. Arnaldo José de Barros e Silva Júnior, Vice-Presidente Jurídico do Sport Club do Recife (PE), e Roberto Zaidan Gama, Diretor Executivo da Federação Paraibana de Futebol, também dão conta da participação da torcida visitante nas desordens, haja vista que o primeiro presenciou os torcedores trocarem insultos “provocativos e incitado-res”, o segundo disse ter verificado que todas as fotografias anexadas ao pro-cesso foram visualizadas por ele no interior do “Almeidão” e que, ainda, soube pelo Tenente-Coronel Anchieta, previamente à partida, a respeito de um con-fronto entre aquelas torcidas, virtualmente marcado.

Também não socorrem ao Denunciado, o Relatório de Policiamento Mi-litar de Praça Desportiva, referente à partida em questão (fls. 51/65), firmado pelo Major, Subcomandante do Bope, Otávio José de Melo Ferreira, que afirma expressamente que os torcedores do Sport Club do Recife (PE) quebraram tapu-mes na parte interna do “Almeidão” e usaram os pedaços como armas, nem, tampouco, as fotografias e a prova de vídeo.

É bem verdade que o Sport Club do Recife (PE) comprovou nos autos que, antes da partida, demonstrou temor pela sua realização, o que será considerado na fixação da pena, mas não se presta como fato excludente de responsabili-dade.

Aliás, o multidisciplinar CBJD possui instrumentos que poderiam ter pro-piciado com que, tempestivamente, o Denunciado tivesse buscado prevenir res-ponsabilidade, prover a conservação e ressalva de seus direitos ou manifestar qualquer intenção de modo formal.

Assim, sem deixar de considerar a Correspondência datada de 10 de ja-neiro de 2014, assinada pelo Vice-Presidente Jurídico do Sport Club do Recife (PE), Dr. Amaldo Barros, em que se consulta a Federação Pernambucana de Fu-tebol sobre as condições de segurança para o jogo Botafogo Futebol Clube (PB) x Sport Clube do Recife (PE), condeno esse último, o Sport Club do Recife (PE), nas iras do art. 213, inciso I, § 2º, do CBJD, e, observados, principalmente, a gravidade da infração – intensa –, o meio empregado – violência entre torcidas – os motivos determinantes – confronto virtualmente acertado entre as torcidas – e a reincidência do infrator, fixo a pena na condenação de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), determinando prazo de 07 dias para cumprimento da obrigação, devendo o Condenado comprovar nos autos do processo o cum-primento da referida obrigação no prazo de 48 horas, sob pena das medidas previstas no art. 223, do CBJD, bem como aplico a punição da perda de mando de campo de uma partida, a ser cumprida com os portões fechados.

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O árbitro da partida, Charles Herbert Cavalcante Ferreira, foi incurso no art. 266, do CBJD, porque, no entendimento da d. Procuradoria da Justiça Des-portiva, “não apresenta em seu relato uma única linha sobre a confusão ocor-rida [...]”.

Charles Herbert Cavalcante Ferreira, anotou em Súmula que “Houve 05 (Min) de paralisação, aos 11 minutos do 2º tempo, devido a ação do policia-mento na torcida visitante, lançando gás, que trouxe efeito para os jogadores dentro de campo, após alguns jogadores terem sido atendidos, e a situação contornada, a partida teve o seu reinício normalmente.”

Conforme o douto Dr. Giulliano Bozzano opina e, nesse ponto, concor-damos, “o relatório do árbitro baliza a justiça desportiva para que a legislação possa ser aplicada como correção”, cabe “[...] aos julgadores a tolerância ne-cessária ao compreender que, por força da lei (art. 11 do Estatuto do Torcedor), o árbitro finaliza seu relatório logo após a partida, ainda no vestiário do estádio. Face a essa obrigação legal, inevitável compreender que o relatório, muitas vezes, pode não ter a clareza de uma imagem, e nem poderia” (in Código Bra-sileiro de Justiça Desportiva: Comentários – Artigo por Artigo, Coordenador: Ricardo Graiche, Ed. Quartier Latin, 2013, p. 345).

Na espécie, penso que o teor relatado se circunscreveu com razoabilida-de ao que foi observado pelo árbitro na “partida” e, nesse aspecto, proporcio-nou fundamentar tanto a denúncia, como, também, esta decisão.

Porque não passou despercebido, faça-se o registro de que quem deixou de relatar as ocorrências disciplinares da partida foi o Assistente, que fez constar que “Nada Houve de Anormal”.

Ante o exposto, diante da narrativa constante da Súmula, que não tipifica a pretensa transgressão disciplinar, absolvo Charles Herbert Cavalcante Ferreira.

Por sua vez, Maria do Socorro Leite, delegada da partida, foi incursa nos arts. 9º, do RGC, e 191 e 239, do CBJD, por não relatar “de forma adequada a grande confusão ocorrida [...]”.

A delegada da partida, Maria do Socorro Leite, escreveu que “a torcida do Sport Recife teve uma conduta de indisciplina que necessitou de ação da polícia” [...] “Houve uma paralisação de 5 minutos no 2º tempo de jogo devido indisciplina da torcida do Sport Recife, tendo que a polícia usou agentes quími-cos de forma que o efeito chegou a atingir a atletas dentro do campo.”

Entendo que o relato é fiel aos fatos ocorridos, suficiente para embasar tanto a denúncia como a decisão e, ainda, muito distante de qualquer tipifica-ção de abuso de poder ou de autoridade, nem sequer provada pela Procurado-ria da Justiça Desportiva.

Por pretensa omissão do que se deixou de relatar, além do conteúdo narrado pela delegada da partida, não poderia exigir mais e, tampouco, puni-la,

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notadamente quando as irregularidades detectadas há muito no Estádio e ainda pendentes são de longevo conhecimento das autoridades locais e das entidades dirigentes.

Portanto, absolvo Maria do Socorro Leite.

Conforme consta da Súmula da partida em questão, Carlos Esteban Frontini foi expulso aos 10 (dez) minutos, do segundo tempo da peleja, em decorrência do segundo cartão amarelo, por “simulação, dentro da área penal adversária”.

A d. Defesa exibiu o vídeo do lance da expulsão, mas, tão-somente pelas imagens vistas, o atleta não se desincumbiu do ônus que lhe competia, que seria contrariar a presunção relativa de veracidade de que goza a súmula e o relatório da equipe de arbitragem, segundo os termos do art. 58, caput, do CBJD, ou seja, no caso, de que não tivesse havido “simulação” merecedora da advertência.

A doutrina não discrepa:

“Assim, cabe ao desportista denunciado apresentar provas capazes de demons-trar que os fatos alegados na súmula e/ou relatório não correspondem com a verdade, desconstituindo-os. [...] Se não conseguir fazê-lo, as informações de sú-mula e relatório prevalecerão para o convencimento dos auditores.” (Código Bra-sileiro de Justiça Desportiva Comentado, Coordenador: Paulo Marcos Schmitt, Ed. Quartier Latin, 2006, p. 88).

Porém, é facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela pena de advertência se a infração for de pequena gravidade (art. 258, § 1º, do CBJD), o que verifico na hipótese, notadamente se levarmos em considera-ção que a primeira advertência do Denunciado, Carlos Esteban Frontini, se deu por “Subir em alambrado na comemoração de um gol”, ou, mesmo admitindo--se a inexistência de alambrado, como quer a defesa do atleta, por comemorar o gol junto à torcida.

Dessa forma, nos termos do art. 258, § 1º, do CBJD, condeno o atleta Carlos Esteban Frontini à pena de suspensão de uma partida, substituída pela pena de advertência, entendendo-a justa para reprimir a conduta havida.

Resultado:

Condeno a Federação Paraibana de Futebol nas iras do art. 191, inciso III, do CBJD, e fixo a pena de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), de-terminando prazo de 07 dias para cumprimento da obrigação, devendo a Con-denada comprovar nos autos do processo o cumprimento da referida obrigação no prazo de 48 horas, sob pena das medidas previstas no art. 223, do CBJD.

Nos termos do § 2º, do art. 191, do CBJD, determino o prazo máximo de 30 (trinta) dias para a Federação Paraibana de Futebol encaminhar os laudos técnicos atualizados de vistoria do Estádio “Almeidão” (Polícia Militar, Corpo

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de Bombeiros, Vigilância Sanitária e de Engenharia) à Diretoria de Competi-ções, da CBF, sob pena de, a partir do 31º dia desta decisão e enquanto durar o seu descumprimento, ocorrer a suspensão automática do d. Presidente da Federação Paraibana de Futebol.

Condeno o Botafogo Futebol Clube (PB) nas iras do art. 213, inciso I, § 1º, do CBJD, e fixo a pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), de-terminando prazo de 07 dias para cumprimento da obrigação, devendo o Con-denado comprovar nos autos do processo o cumprimento da referida obrigação no prazo de 48 horas, sob pena das medidas previstas no art. 223, do CBJD, bem como aplico a punição da perda de mando de campo de uma partida, a ser cumprida com os portões fechados.

Condeno o Sport Club do Recife (PE), nas iras do art. 213, inciso I, § 2º, do CBJD, e fixo a pena de multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), deter-minando prazo de 07 dias para cumprimento da obrigação, devendo o Conde-nado comprovar nos autos do processo o cumprimento da referida obrigação no prazo de 48 horas, sob pena das medidas previstas no art. 223, do CBJD, bem como aplico a punição da perda do mando de campo de uma partida, a ser cumprida com os portões fechados.

Absolvo Charles Herbert Cavalcante Ferreira e Maria do Socorro Leite.

Condeno Carlos Esteban Frontini à pena de suspensão de uma partida, substituída pela pena de advertência.

Durante a sua manifestação, o ilustre membro da d. Procuradoria da Jus-tiça Desportiva exibiu os autos do Inquérito em trâmite, requerido para apurar e determinar a eventual existência de outras autorias sobre os fatos ora julgados, daí porque determino que seja anexada àqueles autos a cópia de inteiro teor deste Processo nº 13/2014.

Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 2014.

Roberto Soares de Vasconcellos Paes Auditor da 3ª CD do STJD

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1011

Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Conflito de Competência nº 132.438 – RJ (2014/0031220‑4)Relator: Ministro Sidnei BenetiAgravante: ABC – Associação Brasileira do ConsumidorSuscitante: Confederação Brasileira de FutebolAdvogado: Alfredo Zucca Neto e outro(s)Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJSuscitado: Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SPSuscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJInteres.: Luiz Paulo Pieruccetti MarquesAdvogado: Luiz Paulo Pieruccetti Marques (em causa própria) e outroInteres.: Artur Monteiro VieiraAdvogado: Daniel Amorim Assumpção Neves e outro(s)Interes.: ABC – Associação Brasileira do ConsumidorAdvogado: Rodrigo Rodrigues de Castro e outro(s)Interes.: Bruno Henrique CapeloAdvogado: Bruno Henriques Capelo (em causa própria) e outroInteres.: Daniel Jose de SouzaAdvogado: Jonathan Celso Rodrigues FerreiraInteres.: Ricardo Santos Moraes de BurgosAdvogado: Breitner de Oliveira Martins e outro(s)Interes.: Renato Mota de AvoInteres.: Mario Artemio UrcheiAdvogado: Rivadavio Anadão de Oliveira GuassuInteres.: Delmiro Aparecido GoveiaAdvogado: Delmiro Aparecido Goveia (em causa própria)Interes.: Cristiano Abdanur São BentoAdvogado: Cristiano Abdanur São Bento (em causa própria)Interes.: Renato de Britto AzevedoAdvogado: Maria de Fatima de Lauri Gonçalves RibeiroInteres.: Victor Campos

emenTa

AGRAVO REGIMENTAL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – LIMINAR – AÇÕES MOVIDAS POR TORCEDORES COM FUNDAMENTO NO ESTATUTO DO TORCEDOR, QUESTIONANDO DECISÃO DA JUSTIÇA DESPORTIVA QUANTO AO CAMPEONATO BRASILEIRO DE FUTEBOL DE 2013 – PERDA DE PONTOS E DESCLASSIFICAÇÃO DE EQUIPE DE FUTEBOL – AGRAVO

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REGIMENTAL IMPROVIDO – LIMINAR CONFIRMADA – DETERMINAÇÃO DE INFORMAÇÃO AOS PRESIDENTES DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA E TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS

1. Absolutamente conveniente, em termos jurídicos e práticos, a atri-buição a um só Juízo, o do local da sede da CBF – Confederação Brasileira de Futebol a que distribuído o primeiro processo, da com-petência provisória para processamento e julgamento de ações em que se questionam decisões da Justiça Desportiva, relativas ao Cam-peonato Brasileiro de Futebol de 2013.

2. Confirmação de decisão liminar, restando todas as matérias para exame futuro pela 2ª Seção desta Corte, após oportunidade de mani-festação dos Juízos Suscitados e parecer do Ministério Público.

3. Determinação de informação, via eletrônica, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça e Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, para a divulgação visando à atenção que vier a merecer dos Juízos em que eventualmente ajuizadas ações semelhantes por torcedores.

4. Agravo Regimental improvido, com determinação.

aCÓrdãO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, confirmando a limi-nar deferida, com determinação de informação, via eletrônica, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça e Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, para a divulgação visando à atenção que vier a merecer dos Juízos em que even-tualmente ajuizadas ações semelhantes por torcedores, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Brasília, 26 de fevereiro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Sidnei Beneti Relator

relaTÓriO

O Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti (Relator):

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1. Artur Monteiro Vieira e Associação Brasileira do Consumidor – ABC, na qualidade de interessados no Conflito de Competência suscitado pela Confe-deração Brasileira de Futebol – CBF, interpõem Agravos Internos contra decisão monocrática que concedeu liminar em referido conflito de competência, para fixar, provisoriamente, o Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ como competente para processar e julgar todas as ações em trâmite perante os Juízos Suscitados, relativas à validade ou invalidade da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD, a qual condenou a Associação Portuguesa de Desportos (Portuguesa) e o Clube de Regatas do Flamengo (Flamengo) à perda de pontos que haviam obtido durante o Campeonato Brasileiro de Futebol de 2013, devido à escalação irregular de atletas, condenação essa que, por via reflexa, alterou a classificação geral do campeonato, com o rebaixamento da Portuguesa à Segunda Divisão.

2. De acordo com a decisão agravada, a fixação provisória da competên-cia da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca na Comarca do Rio de Janeiro se justificaria porque a CBF, ré nas ações propostas, seria pessoa jurídica com sede na cidade do Rio de Janeiro e, na divisão regional desta comarca, no Foro Regional da Barra da Tijuca.

3. A decisão monocrática que concedeu a liminar designando proviso-riamente o Juízo da 2ª Vara Regional da Barra da Tijuca, Comarca do Rio de Janeiro, em cujo território situada a sede da CBF – Confederação Brasileira de Desportos, é a seguinte (e-STJ fls. 586/591):

“8. Aprecia-se agora tão somente o pedido de liminar, no sentido de definir o Juízo, entre os Juízos Suscitados, competente para os numerosos processos rela-cionados na inicial, ajuizados por torcedores em diversas Comarcas, de Estados diversos, para ações em que questionada decisão da Justiça Desportiva, mais precisamente, como indica a inicial, do Superior Tribunal de Justiça Desportiva – STJD, referentes à perda de pontos do Clube de Regatas do Flamengo e da As-sociação Portuguesa de Desportos – do que resulta o rebaixamento da Portuguesa de Desportos à Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro.

A competência deve, sem dúvida, determinar-se, liminarmente, em prol do Juízo da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, porque no seu território sediada a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, a quem, em última análise, remonta a organização do campeonato nacional de futebol e a execução das decisões da Justiça Desportiva em causa.

Com efeito, a CBF – Confederação Brasileira de Futebol, forçosamente deve ser acionada, dada a qualidade mencionada. Se não o for, deve o Juízo determinar sua venha a integrar a lide na qualidade de litisconsorte necessária, para que o julgamento que se profira juridicamente a vincule como litisconsorte necessária (CPC, art. 47, parágrafo único).

Eventual julgamento que se profira em prol de torcedor ou do clube Portuguesa de Desportos, para ter efetividade relativamente ao Campeonato Brasileiro de Futebol, terá de haver incluído a Confederação Brasileira de Desportos no polo

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passivo da relação jurídica processual, para que relativamente a ela se cumpra o contraditório (CF, art. 5º, LV), sem o qual não seria ela atingida pelos efeitos subjetivos da coisa julgada (CPC, art. 472).

9. A CBF – Confederação Brasileira de Futebol, ora Suscitante, parte necessária em processos referentes a direitos pessoais, isto é, em que se litigue visando à anulação de julgamento do STJD e à reclassificação do clube Portuguesa de Des-portos no Campeonato Brasileiro, deve, como pessoa jurídica, ser acionada no foro ‘onde está a sede’ (CPC, art. 100, IV, a), e sua sede situa-se no âmbito geo-gráfico da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e, na divisão judiciária desta, no Foro Regional da Barra da Tijuca.

No Foro Regional da Barra da Tijuca, embora não haja nos autos ainda notícia de citação, tem-se por certo que o primeiro acionamento ocorreu perante a 2ª Vara Cível, que, por isso, resulta prevento para os demais acionamentos (CPC, art. 106).

10. Não se examinam, agora, as relevantes questões, objeto de larga messe dou-trinária e jurisprudencial, no Brasil e no Exterior, a respeito das relações entre a Justiça Desportiva, no Brasil e no Exterior, a que podem, eventualmente, dirigir-se pretensões diversas, dado o caráter federativo piramidal próprio da matéria e a Justiça Estatal nacional.

Examina-se, exclusivamente, no âmbito da Jurisdição Estatal nacional, a compe-tência de Juízos estatais integrantes do Poder Judiciário brasileiro.

Nesse âmbito, em termos liminares, em portanto, provisórios, sujeitos a julga-mento ulterior definitivo, determina-se a competência do Juízo da 2ª Vara Regio-nal da Barra da Tijuca, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.

11. A solução, adequada em termos estritamente técnico-jurídicos, também se recomenda por evidente sentido prático.

A atribuição da competência a um só Juízo permitirá que nele se forme celere-mente diretriz jurisdicional consistente, a qual se submeta, sem delongas, a pos-síveis recursos – evitando-se a dispersão entre numerosos órgãos jurisdicionais, alimentadora da insegurança jurídica, que tantos males notoriamente causa à sociedade brasileira.

12. Pelo exposto: a) liminarmente determino a competência do Juízo de Direito da 2ª Vara do Foro Regional da Barra da Tijuca, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, para as ações que correm perante os Juízos Suscitados (RISTJ, art. 196); b) requisitem-se informações aos d. Juízos Suscitados, no prazo de 10 dias (RISTJ, art. 197); c) a seguir, com ou sem informações, dê-se vista ao Minis-tério Público Federal (RISTJ, art. 198) e d) à volta dos autos, inclua-se na primeira Sessão de Julgamento da c. 2ª Seção, vindo conclusos para elaboração de voto.”

4. Artur Monteiro Vieira, em seu Agravo Regimental (fls. 756/788) alega que a Suscitante, CBF, teria omitido informações indispensáveis à apreciação da causa que, por isso, não teriam sido consideradas pela decisão recorrida.

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Aduz que o fato de a CDF ter sua sede na Comarca do Rio de Janeiro, nos termos do art. 100, V, a, do Código de Processo Civil, em nada interfere na solução do presente conflito de competência.

De acordo com o art. 40 do Estatuto do Torcedor, “a defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990”. Assim, sendo o torcedor equiparado ao consumi-dor, para efeito do produto futebol e dos serviços prestados pelos organizadores das competições, poderia ele demandar em seu próprio domicílio, conforme facultado pelo art. 101, I, do Código de Defesa do Consumidor. Abstratamente, portanto, a comarca de São Paulo seria tão competente para a apreciação das causas quanto à comarca do Rio de Janeiro.

Acrescenta que, de qualquer forma, mesmo que se pudesse afirmar que o Juízo da Comarca de São Paulo era incompetente para o julgamento da causa, tendo em vista a regra do art. 100, V, a, do Código de Processo Civil, ainda as-sim, essa seria uma incompetência relativa, porque de ordem territorial. Dessa maneira, como a CBF não apresentou exceção de incompetência em momento oportuno perante o Juízo da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, teria se verificado na hipótese, o fenômeno da prorrogação de com-petência (art. 114 do CPC e CC 122922/AC, 2ª S., Rel. Min. Marco Buzzi, J. 08.05.2013, DJe 06.12.2013).

Sustenta que, no caso, como o conflito se dá entre Juízos igualmente competentes em termos materiais, mas com jurisdição territorial diferentes, o único critério válido para o estabelecimento da prevenção é aquele previsto no art. 219 do Código de Processo Civil, que estabelece o critério da citação válida como o decisivo. Nesse sentido indica: CC 122922/AC, 2ª S.,Rel. Min. Marco Buzzi, J. 08.05.2013, DJe 06.12.2013; CC 56949/PA, 2ª S., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 25.11.2009, DJe 04.12.2009; CC 98574/RS, 2ª S., Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 13.10.2010, DJe 27.10.2010.

No caso, como que a citação havida no processo distribuído à 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo ocorreu em 15.01.2014, antes portanto, que a citação havida no processo distribuído à 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca na Comarca do Rio de Janeiro, realizada apenas no dia seguinte 16.01.2014, seria de rigor reconhecer, com fundamento nos arts. 106 e 219 do Código de Processo Civil, que a prevenção se estabeleceu em favor da 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo.

5. A Associação Brasileira do Consumidor – ABC, nas razões do seu Agravo Regimental (fls. 793/798) alega que a ação por ela proposta na comarca de São Paulo e distribuída à 42ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo não poderia ter sido atingida pela decisão liminar agravada.

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Segundo sustenta, o conflito de competência proposto pela CBF indica ações de diferentes naturezas, reunindo tanto ações individuais propostas por torcedores da Portuguesa, do Flamengo e do Fluminense, como a ação civil pública, de natureza coletiva, proposta pela Agravante. Esse aspecto não teria sido levado em consideração recorrida.

Destaca que, nos termos do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/1985, havendo concomitância de ações individuais e de ação coletiva, a prevenção não se estabelece em favor do Juízo ao qual distribuída esta última.

É o breve relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti(Relator):

6. Deve ser negado provimento ao Agravo Regimental, mantendo-se a decisão liminar que designou provisoriamente o Juízo do local da sede da CBF – Confederação Brasileira de Futebol, para os processos referentes ao caso.

Frise-se que se trata de decisão liminar provisória, de modo que somente após a manifestação dos Juízos Suscitados e o parecer do Ministério Público é que o Conflito de Competência será julgado – e julgado pelo seu Juízo natural, que é a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Nem se afasta a possibilidade de que os próprios Juízos envolvidos ve-nham a reconhecer a competência fixada provisoriamente, esvaziando-se, portanto, no âmbito das manifestações jurisdicionais, eventual conflito positi-vo – ainda que eventualmente possam remanescer pretensões e recursos pelas partes.

7. Os fundamentos expostos pela decisão liminar sustentam-se por si sós, nutridos que são dos motivos jurídicos que os compõem e, ainda, de praticida-de, que se evidencia icto oculi e se recomenda à só observação de que o contrá-rio, isto é, a não fixação de Juízo único de 1º Grau, resultaria em pulverizar-se o caso por incontáveis Juízos no território nacional, ainda que, no fundo, o núcleo de todas as controvérsias seja único, de modo que logicamente incompreensí-vel fosse espalhado jurisdicionalmente por numerosos Juízos para, afinal, um dia, confluir para um só julgamento – isso após o retardamento do deslinde, que alimentaria incompreensível cizânia puramente técnico-processual, perdido o núcleo da controvérsia.

As alegações constantes do Agravo Regimental, reproduzidas, ainda, em cuidadoso memorial oferecido pelo ora Agravante, dizem respeito ao deslinde definitivo do Conflito de Competência, de modo que serão analisadas por oca-sião do julgamento, após completado o procedimento, com eventuais manifes-tações dos Juízos Suscitados e do Ministério Público.

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Por ora, contudo, assinala-se que não são, essas alegações, suficientes a alterar a decisão liminar que fixou provisoriamente a competência no Juízo da 2ª Vara do Foro Regional da Barra da Tijuca, Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.

8. Atente-se, aliás, a que, fixado provisoriamente esse Juízo, como pri-meiro Juízo em que ajuizado o primeiro processo relativo ao núcleo da con-trovérsia – consistente na perda de pontos e consequente queda de classifica-ção no Campeonato Brasileiro de 2013 – o mesmo Juízo será competente para outros processos análogos, com mesma pretensão central reclassificatória, que porventura pululem no Território nacional.

9. No mais, não se está, agora, julgando nada quanto a eventuais direitos de autores ou de acionados – mas apenas determinando, provisoriamente, um Juízo para processamento dos casos relativos à controvérsia.

10. Pelo exposto: a) nega-se provimento ao Agravo Regimental, ofician-do-se aos d. Juízos Suscitados, b) determina-se que, devido à possível multitudi-nariedade de ajuizamentos por torcedores, em condições análogas à presente, seja informado, via e-mail, aos e. Presidentes dos Tribunais de Justiça e Tribu-nais Regionais Federais, para que eventualmente dêem conhecimento do pre-sente julgamento aos e. Magistrados no âmbito dos respectivos Tribunais, para a consideração que porventura vier a merecer.

Ministro Sidnei Beneti Relator

CerTidãO de julgamenTO segunda seçãO

Número Registro: 2014/0031220-4

Processo Eletrônico AgRg-CC 132.438/RJ

Números Origem: 00000667620148260361 00004406420148190207 00004417820148260296 00007852620148260016 00008138920148190209 00047694420144013800 10005532720148260006 10010756320148260100 10013746720148260576 10020205020148260100 10029571820148260114 10031126320148260100 10042255220148260100 10063725120148260100 20057497620148260000 20079348720148260000 20158074120148260000 20158610720148260000 20158853520148260000 4406420148190207 4417820148260296 47694420144013800 667620148260361 7852620148260016 8138920148190209

Em Mesa Julgado: 26.02.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Sidnei Beneti

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Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Luis Felipe Salomão

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Washington Bolivar de Brito Junior

Secretária: Belª Ana Elisa de Almeida Kirjner

auTuaçãO

Suscitante: Confederação Brasileira de Futebol

Advogado: Alfredo Zucca Neto e outro(s)

Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ

Suscitado: Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP

Suscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro/RJ

Interes.: Luiz Paulo Pieruccetti Marques

Advogado: Luiz Paulo Pieruccetti Marques (em causa própria) e outro

Interes.: Artur Monteiro Vieira

Advogado: Daniel Amorim Assumpção Neves e outro(s)

Interes.: ABC – Associação Brasileira do Consumidor

Advogado: Rodrigo Rodrigues de Castro e outro(s)

Interes.: Bruno Henrique Capelo

Advogado: Bruno Henriques Capelo (em causa própria) e outro

Interes.: Daniel Jose de Souza

Advogado: Jonathan Celso Rodrigues Ferreira

Interes.: Ricardo Santos Moraes de Burgos

Advogado: Breitner de Oliveira Martins e outro(s)

Interes.: Renato Mota de Avo

Interes.: Mario Artemio Urchei

Advogado: Rivadavio Anadão de Oliveira Guassu

Interes.: Delmiro Aparecido Goveia

Advogado: Delmiro Aparecido Goveia (em causa própria)

Interes.: Cristiano Abdanur São Bento

Advogado: Cristiano Abdanur São Bento (em causa própria)

Interes.: Renato de Britto Azevedo

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Advogado: Maria de Fatima de Lauri Gonçalves Ribeiro

Interes.: Victor Campos

Assunto: Direito do Consumidor

agraVO regimenTal

Agravante: ABC – Associação Brasileira do Consumidor

Suscitante: Confederação Brasileira de Futebol

Advogado: Alfredo Zucca Neto e outro(s)

Suscitado: Juízo de Direito da 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca/RJ

Suscitado: Juízo de Direito da 42ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP

Suscitado: Juízo de Direito do Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Even-tos do Rio de Janeiro/RJ

Interes.: Luiz Paulo Pieruccetti Marques

Advogado: Luiz Paulo Pieruccetti Marques (em causa própria) e outro

Interes.: Artur Monteiro Vieira

Advogado: Daniel Amorim Assumpção Neves e outro(s)

Interes.: ABC – Associação Brasileira do Consumidor

Advogado: Rodrigo Rodrigues de Castro e outro(s)

Interes.: Bruno Henrique Capelo

Advogado: Bruno Henriques Capelo (em causa própria) e outro

Interes.: Daniel Jose de Souza

Advogado: Jonathan Celso Rodrigues Ferreira

Interes.: Ricardo Santos Moraes de Burgos

Advogado: Breitner de Oliveira Martins e outro(s)

Interes.: Renato Mota de Avo

Interes.: Mario Artemio Urchei

Advogado: Rivadavio Anadão de Oliveira Guassu

Interes.: Delmiro Aparecido Goveia

Advogado: Delmiro Aparecido Goveia (em causa própria)

Interes.: Cristiano Abdanur São Bento

Advogado: Cristiano Abdanur São Bento (em causa própria)

Interes.: Renato de Britto Azevedo

Advogado: Maria de Fatima de Lauri Gonçalves Ribeiro

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Interes.: Victor Campos

CerTidãO

Certifico que a egrégia Segunda Seção, ao apreciar o processo em epígra-fe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, confirman-do a liminar deferida, com determinação de informação, via eletrônica, aos Pre-sidentes dos Tribunais de Justiça e Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, para a divulgação visando à atenção que vier a merecer dos Juízos em que even-tualmente ajuizadas ações semelhantes por torcedores, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑103040‑91.2006.5.02.0006Acórdão1ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO – HORAS EXTRAS – CARGO DE GESTÃO NÃO SUBSUMIDO NA NORMA DO ART. 62, II, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PAGA EM VALOR INFERIOR A 40% DO SALÁRIO EFETIVO DO EMPREGADO

Demonstrada a afronta ao art. 62, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, dá-se provimento ao agravo de instrumento a fim de determinar o processamento do recurso de revista.

RECURSO DE REVISTA – HORAS EXTRAS – CARGO DE GESTÃO NÃO SUBSUMIDO NA NORMA DO ART. 62, II, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PAGA EM VALOR INFERIOR A 40% DO SALÁRIO EFETIVO DO EMPREGADO

Nos termos do parágrafo único do art. 62 consolidado, para se enquadrar o empregado como exercente de cargo de gestão, excluindo-o da fixação da duração normal da jornada de trabalho e, consequentemente, da percepção de horas extras, a gratificação de função, se houver, deve corresponder a quantia superior a 40% do valor do salário efetivo. No caso sob exame, o reclamante percebia gratificação de função em percentual inferior a 40% do seu salário. Desta forma, a decisão da Corte de origem, mediante a qual se enquadrou o obreiro na exceção do art. 62, II, da Consolidação das Leis do Trabalho, afrontou o parágrafo único do referido artigo. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-103040-91.2006.5.02.0006, em que é Recorrente Márcio Eduardo Marçola e Recorrido Clube Atlético São Paulo.

Inconformado com a decisão monocrática proferida às fls. 21/24, me-diante a qual se denegou seguimento ao seu recurso de revista ante a incidência dos óbices contidos nas Súmulas nºs 126 e 297 desta Corte superior, interpõe o reclamante o presente agravo de instrumento.

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Alega o agravante, mediante razões aduzidas às fls. 3/17, que seu recurso de revista merecia processamento, porquanto comprovada a afronta aos dispo-sitivos de lei, além de divergência jurisprudencial.

Foram apresentadas contraminuta e contrarrazões às fls. 183/188 e 189/196, respectivamente.

Autos não submetidos a parecer da douta Procuradoria-Geral do Traba-lho, à míngua de interesse público a tutelar.

É o relatório.

VOTO

I – CONHECIMENTO

O agravo de instrumento é tempestivo (decisão monocrática publicada em 11.09.2009, sexta-feira, conforme certidão lavrada à fl. 24, e razões recur-sais protocolizadas em 21.09.2009, à fl. 3). Regular a representação processual do agravante, consoante procuração acostada à fl. 19. Encontram-se trasladadas todas as peças necessárias à formação do instrumento.

Conheço do agravo de instrumento.

II – MÉRITO

Horas extras. Cargo de gestão não subsumido na norma do art. 62, II, da Consolidação das Leis do Trabalho. Gratificação de função paga em valor inferior a 40% do salário efetivo do empregado

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região deu provimento parcial ao recurso ordinário interposto pela reclamada para excluir da condenação ho-ras e reflexos. Valeu-se, para tanto, dos seguintes fundamentos, consignados às fls. 143/145 (os grifos foram acrescidos):

3 HORAS EXTRAS

O recorrente insurge-se contra sua condenação ao pagamento de horas extras, sustentando em resumo, que o recorrido exerceu cargo de confiança, previsto no art. 62, II da CLT, posto que exerceu a função de gerente de esportes.

Os elementos existentes nos autos revelam que assiste razão ao recorrente. Com efeito, restou incontroverso o fato que no período imprescrito, o recorrido exerceu a função de gerente de esportes e que quando foi promovido para essa função seu salário foi reajustado em 36,28%, e embora na inicial o recorrido tenha negado que não tinha autonomia para desenvolver suas funções, ao justificar o trabalho

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em jornada suplementar, o próprio recorrido na inicial, afirmou, que participava de reuniões nas sedes dos clubes legados a Acesc, “representando” o réu ora recorren-te, nas reuniões; que a partir de 1995, com o surgimento da Associação dos Clubes Esportivos e Socioculturais, o recorrido “representava” o recorrente nos eventos que envolviam essa associação, participando das respectivas reuniões. Afirmou também que sua participação, igualmente ocorria, coordenando os professores, acompanhando os sócios do recorrente, ou mesmo “representando” o recorrente, em eventos, provas, torneios, gincanas lúdicas, olimpíadas e jogos amistosos, con-forme se infere às fls. 8/9. Verifica-se também no depoimento do próprio recorrido à fl. 53, que admitiu que não estava submetido a controle de horário e que assinava os contratos dos estagiários, e portanto também representava a recorrente perante as Instituições de Ensino e junto ao Ciee. Constata-se também no depoimento da testemunha do recorrido (fl. 54), que os professores e estagiários eram subordi-nados ao recorrido e embora tenha afirmado que o recorrido não tinha poderes para admitir e demitir empregados, no final de seu depoimento admitiu que ela (testemunha) foi contratada pelo reclamante ora recorrido O depoimento da pri-meira testemunha da recorrente revela, também, que o recorrido é que efetuava as contratações e demissões, embora tivessem que ser referendadas pela Diretoria, e que representava a recorrente nas reuniões da Associação supra referenda, e que nessas reuniões o recorrido é quem definia em que torneio e campeonatos e eventos em geral da área esportiva o recorrente iria participar, conforme se infere de seu depoimento às fls. 54/55. A prova dos autos revela, pois, que o recorrido exerceu efetivamente a função de gerente de esportes da recorrente, e com pode-res de mando e gestão, especificamente em relação ao departamento de esportes da recorrente, posto que coordenava todos os instrutores, professores e estagiários desse departamento, efetuava as respectivas contratações e demissões, embora de-vessem ser referendados pela Diretoria, e representava a recorrente perante outras entidades, na definição e decisão da realização de eventos esportivos. Portanto, é de se reconhecer que o recorrido enquadra-se nas disposições do art. 62, II da CLT, porquanto exerceu efetivamente a chefia do departamento de esportes da recorren-te, circunstância essa que afasta o direito a horas extras.

Diante disso, dou provimento ao apelo, neste particular, para excluir da conde-nação, horas extras e reflexos.

Sustentou o reclamante, em suas razões de revista, que tem direito a horas extras porquanto, ao ser promovido a gerente, não teve aumento salarial de no mínimo 40%. Afirmou ainda que não era detentor de cargo de confiança. Esgrimiu com afronta ao art. 62, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho. Transcreveu arestos para cotejo de teses.

Assiste razão ao recorrente.

A Corte de origem registrou expressamente que o reclamante percebia gratificação em percentual inferior a 40% do seu salário. Para tanto, consignou que “o recorrido exerceu a função de gerente de esportes e que quando foi promovido para essa função seu salário foi reajustado em 36,28%[...]” (fl. 143).

Nos termos do parágrafo único do art. 62 consolidado, para se enquadrar o empregado como exercente de cargo de gestão, excluindo-o da fixação da

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duração normal da jornada de trabalho e, consequentemente, da percepção de horas extras, a gratificação de função, se houver, deve corresponder a quantia igual ou superior a 40% do valor do salário efetivo.

Observe-se ainda que esta Corte superior concluiu pela ausência do enquadramento do empregado na exceção prevista no inciso II do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, em hipótese em que o obreiro não auferia a gratificação de função no percentual fixado no parágrafo único da referida norma, consoante se verifica dos seguintes precedentes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – HORAS EXTRA-ORDINÁRIAS – CONTROLE DE JORNADA – CARGO DE CONFIANÇA – NÃO ENQUADRAMENTO NO ART. 62, INCISO II, DA CLT – Examinando o contexto ora delineado, verifica-se que o Regional, Corte soberana na apreciação do con-junto fático-probatório, considerou que o reclamante não se inseria na excluden-te do inciso II do art. 62 da CLT, tendo em vista não ter havido observância da correspondência salarial disciplinada no parágrafo único do art. 62 da CLT, não adentrando na discussão acerca dos poderes de gestão conferidos a esse. Com efeito, não caracteriza cargo de confiança, apto a ensejar a exceção do art. 62, inciso II, da CLT, apenas o exercício de cargo de gestão, devendo haver, também, a percepção de gratificação superior a 1/4 do salário normal do trabalhador. As-sim, estando ausente um dos requisitos ensejadores da excepcionalidade prevista no art. 62, inciso II e parágrafo único, da CLT, devidas são as horas excedentes e seus reflexos. Não há falar, portanto, em violação do referido dispositivo. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (Grifo nosso)

(TST, AIRR 1368/2004-026-01-40, 2ª T., Rel. Min. Vantuil Abdala, publicado no DJU de 06.03.2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – DURAÇÃO DO TRA-BALHO – HORAS EXTRAS – CARGO DE CONFIANÇA – Demonstrado no agra-vo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema relativo às horas extras, ante a constatação de violação, em tese, ao art. 62, II, da CLT. Agravo de instrumento provido. [...] 4 DURAÇÃO DO TRABALHO – HORAS EXTRAS – CARGO DE CONFIANÇA – São dois os re-quisitos para enquadramento do empregado na situação excepcional do art. 62, II, da CLT, quais sejam, elevadas atribuições e poderes de gestão (até o nível de chefe de departamento ou filial) e distinção remuneratória, à base de, no mínimo, 40% a mais do salário do cargo efetivo (considerada a gratificação de função, se houver). Na hipótese dos autos, o Tribunal a quo consignou expressamente que as atividades exercidas pelo Reclamante evidenciam o exercício de cargo de ges-tão, sendo que, em algumas oportunidades, o valor de sua remuneração estava aquém do percentual exigido pelo art. 62, parágrafo único, da CLT. Desse modo, nas ocasiões em que ausente o preenchimento dos dois requisitos previstos para o enquadramento do empregado na situação excepcional do art. 62, II, da CLT, este faz jus ao pagamento de horas extras. Recurso de Revista conhecido e par-cialmente provido, no aspecto.

(RR 93400-77.2008.5.04.0252, 3ª T., Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT de 13.09.2013)

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HORAS EXTRAS – FUNÇÃO DE CONFIANÇA – I – Infere-se da decisão recorri-da que a conclusão do Regional decorreu não da ausência de comprovação do exercício de função de confiança pelo reclamante, e sim pela constatação de o salário do cargo de confiança ser inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%, a afastar o seu enquadramento no inciso II do art. 62 da CLT. II – O art. 62, parágrafo único, estabelece: “II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento ou filial. Parágrafo único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de quarenta por cento”. III – O parágrafo único do art. 62 da CLT registra a insuficiência da natureza da função ou a liberação do controle de horário para que o empregado não usufrua das vantagens do trabalho pror-rogado, estabelecendo que o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, deverá ser de pelo menos 40% sobre o salário efetivo. IV – Consignando o acórdão recorrido que o acréscimo salarial estaria próximo de 30% de seu salário efetivo, evidencia-se o não atendimento do valor mínimo fixado na norma mencionada, excluindo-se o reclamante da exceção estabelecida no inciso II do referido dispositivo e sendo aplicável a jornada de trabalho de oito horas diárias, o que afasta, de pronto, a violação legal suscitada. V – Os arestos colacionados às fls. 628 revelam-se inespecíficos, nos termos da Súmula nº 296 do TST, pois embora de aparente especificidade ao registrarem que o art. 62, parágrafo único, da CLT não estabeleceu a obrigatoriedade do pa-gamento da gratificação de função e a gratificação prevista no referido dispositivo não é condição sine qua non para a configuração de gerência, não abordam a discussão central em que se baseara o Regional de que o reclamante não perce-beu aumento salarial para o cargo de confiança superior a 40%, como exige a lei. VI – Recurso não conhecido.

(RR 2700-56.2005.5.04.0027, 4ª T., Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, DJ de 05.09.2008)

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – HO-RAS EXTRAS – CARGO DE CONFIANÇA – Tendo sido registrado que a gratifi-cação de função paga à autora não alcançava 40% do salário que ela auferia no cargo efetivo, não é possível afastar a aplicação das normas pertinentes à jornada de trabalho, conforme disciplina do parágrafo único do art. 62 da CLT. O exame da veracidade das premissas fáticas fixadas no acórdão regional esbarra no teor da Súmula nº 126 desta Corte. Nesse contexto, mostra-se irrelevante a argumen-tação recursal, no sentido de que as atividades da reclamante revelam a fidúcia especial do cargo.

(Ag-AIRR 1033500-50.2006.5.09.0003, 7ª T., Rel. Min. Pedro Paulo Manus, DEJT de 23.11.2012)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – 1 HORAS EXTRAS – CARGO DE CONFIANÇA – O Regional asseverou que prova oral produzida é no sentido de que a reclamante não tinha poderes de mando e liberdade de atuação

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capazes de autorizar o seu enquadramento na exceção prevista no art. 62, II, da CLT, uma vez que os encarregados de setor (cargo exercido pela reclamante) não possuíam poderes de representação, de comando e de decisão de modo a caracterizarem-se como substitutos do empregador na condução de assuntos de relevância da empresa. Consignou ainda que a reclamante não recebia a gratifi-cação de função prevista no parágrafo único do art. 62 da CLT, requisito neces-sário ao enquadramento do empregado no disposto no inciso II daquele artigo. Diante de tal quadro fático, cujo teor é insuscetível de reexame nesta instância superior, nos termos da Súmula nº 126 do TST, descabe cogitar de violação do art. 62, II, da CLT.

(AIRR 953-29.2010.5.09.0004, 8ª T., Relª Min. Dora Maria da Costa, DEJT de 13.09.2013)

Dessa forma, há que se reconhecer a afronta ao art. 62, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.

Encontrando-se os autos suficientemente instruídos, proponho, com arri-mo no art. 897, § 7º, da Consolidação das Leis do Trabalho (Lei nº 9.756/1998), o julgamento do recurso na primeira sessão ordinária subsequente à publicação da certidão de julgamento do presente agravo, reautuando-o como recurso de revista, observando-se daí em diante o procedimento relativo a este.

reCursO de reVisTa

I – CONHECIMENTO

1 Pressupostos extrínsecos de admissibilidade recursal

O recurso é tempestivo (acórdão publicado em 30.06.2009, terça-fei-ra, conforme certidão lavrada à fl. 147, e razões recursais protocolizadas em 08.07.2009, à fl. 167). O reclamante está regularmente representado nos autos, consoante procuração acostada à fl. 3.

2 Pressupostos intrínsecos de admissibilidade recursal. Horas extras. Cargo de gestão não subsumido na norma do art. 62, II, da Consolidação das Leis do Trabalho. Gratificação de função paga em valor inferior a 40% do salário efetivo do empregado

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região deu provimento parcial ao recurso ordinário interposto pela reclamada para excluir da condenação ho-ras e reflexos. Valeu-se, para tanto, dos seguintes fundamentos, consignados às fls. 143/145 (os grifos foram acrescidos):

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3 HORAS EXTRAS

O recorrente insurge-se contra sua condenação ao pagamento de horas extras, sustentando em resumo, que o recorrido exerceu cargo de confiança, previsto no art. 62, II da CLT, posto que exerceu a função de gerente de esportes.

Os elementos existentes nos autos revelam que assiste razão ao recorrente. Com efeito, restou incontroverso o fato que no período imprescrito, o recorrido exerceu a função de gerente de esportes e que quando foi promovido para essa função seu salário foi reajustado em 36,28%, e embora na inicial o recorrido tenha negado que não tinha autonomia para desenvolver suas funções, ao justificar o trabalho em jornada suplementar, o próprio recorrido na inicial, afirmou, que participava de reuniões nas sedes dos clubes legados a Acesc, “representando” o réu ora recorrente, nas reuniões; que a partir de 1995, com o surgimento da Associação dos Clubes Esportivos e Socioculturais, o recorrido “representava” o recorrente nos eventos que envolviam essa associação, participando das respectivas reuni-ões. Afirmou também que sua participação, igualmente ocorria, coordenando os professores, acompanhando os sócios do recorrente, ou mesmo “representando” o recorrente, em eventos, provas, torneios, gincanas lúdicas, olimpíadas e jogos amistosos, conforme se infere às fls. 8/9. Verifica-se também no depoimento do próprio recorrido à fl. 53, que admitiu que não estava submetido a controle de horário e que assinava os contratos dos estagiários, e portanto também represen-tava a recorrente perante as Instituições de Ensino e junto ao Ciee. Constata-se também no depoimento da testemunha do recorrido (fl. 54), que os professores e estagiários eram subordinados ao recorrido e embora tenha afirmado que o recorrido não tinha poderes para admitir e demitir empregados, no final de seu depoimento admitiu que ela (testemunha) foi contratada pelo reclamante ora re-corrido O depoimento da primeira testemunha da recorrente revela, também, que o recorrido é que efetuava as contratações e demissões, embora tivessem que ser referendadas pela Diretoria, e que representava a recorrente nas reuniões da Associação supra referenda, e que nessas reuniões o recorrido é quem definia em que torneio e campeonatos e eventos em geral da área esportiva o recorrente iria participar, conforme se infere de seu depoimento às fls. 54/55. A prova dos autos revela, pois, que o recorrido exerceu efetivamente a função de gerente de esportes da recorrente, e com poderes de mando e gestão, especificamente em relação ao departamento de esportes da recorrente, posto que coordenava todos os instrutores, professores e estagiários desse departamento, efetuava as respectivas contratações e demissões, embora devessem ser referendados pela Diretoria, e representava a recorrente perante outras entidades, na definição e decisão da realização de eventos esportivos. Portanto, é de se reconhecer que o recorrido enquadra-se nas disposições do art. 62, II da CLT, porquanto exerceu efetivamente a chefia do departamento de esportes da recorrente, circunstância essa que afasta o direito a horas extras.

Diante disso, dou provimento ao apelo, neste particular, para excluir da conde-nação, horas extras e reflexos.

Sustenta o reclamante, em suas razões de revista, que tem direito a horas extras porquanto, ao ser promovido a gerente, não teve aumento salarial de no

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mínimo 40%. Afirma ainda que não era detentor de cargo de confiança. Esgrime com afronta ao art. 62, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho. Transcreve arestos para cotejo de teses.

Assiste razão ao recorrente.

A Corte de origem registrou expressamente que o reclamante percebia gratificação em percentual inferior a 40% do seu salário. Para tanto, consignou que “o recorrido exerceu a função de gerente de esportes e que quando foi promovido para essa função seu salário foi reajustado em 36,28%[...]” (fl. 143).

Nos termos do parágrafo único do art. 62 consolidado, para se enquadrar o empregado como exercente de cargo de gestão, excluindo-o da fixação da duração normal da jornada de trabalho e, consequentemente, da percepção de horas extras, a gratificação de função, se houver, deve corresponder a quantia igual ou superior a 40% do valor do salário efetivo.

Observe-se ainda que esta Corte superior concluiu pela ausência do enquadramento do empregado na exceção prevista no inciso II do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, em hipótese em que o obreiro não auferia a gratificação de função no percentual fixado no parágrafo único da referida norma, consoante se verifica dos seguintes precedentes:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – HORAS EXTRA-ORDINÁRIAS – CONTROLE DE JORNADA – CARGO DE CONFIANÇA – NÃO ENQUADRAMENTO NO ART. 62, INCISO II, DA CLT

Examinando o contexto ora delineado, verifica-se que o Regional, Corte soberana na apreciação do conjunto fático-probatório, considerou que o reclamante não se inseria na excludente do inciso II do art. 62 da CLT, tendo em vista não ter havido observância da correspondência salarial disciplinada no parágrafo único do art. 62 da CLT, não adentrando na discussão acerca dos poderes de gestão conferidos a esse. Com efeito, não caracteriza cargo de confiança, apto a ensejar a exceção do art. 62, inciso II, da CLT, apenas o exercício de cargo de gestão, devendo haver, também, a percepção de gratificação superior a 1/4 do salário normal do trabalhador. Assim, estando ausente um dos requisitos ensejadores da excepcionalidade prevista no art. 62, inciso II e parágrafo único, da CLT, devidas são as horas excedentes e seus reflexos. Não há falar, portanto, em violação do referido dispositivo. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (Grifo nosso)

(TST, AIRR-1368/2004-026-01-40, 2ª T., Rel. Min. Vantuil Abdala, publicado no DJU de 06.03.2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – DURAÇÃO DO TRA-BALHO – HORAS EXTRAS – CARGO DE CONFIANÇA

Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema relativo às horas extras, ante a constatação de violação, em tese, ao art. 62, II, da CLT. Agravo de instrumen-

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to provido. [...] 4. Duração do trabalho. Horas extras. Cargo de confiança. São dois os requisitos para enquadramento do empregado na situação excepcional do art. 62, II, da CLT, quais sejam, elevadas atribuições e poderes de gestão (até o nível de chefe de departamento ou filial) e distinção remuneratória, à base de, no mínimo, 40% a mais do salário do cargo efetivo (considerada a gratificação de função, se houver). Na hipótese dos autos, o Tribunal a quo consignou expres-samente que as atividades exercidas pelo Reclamante evidenciam o exercício de cargo de gestão, sendo que, em algumas oportunidades, o valor de sua remune-ração estava aquém do percentual exigido pelo art. 62, parágrafo único, da CLT. Desse modo, nas ocasiões em que ausente o preenchimento dos dois requisi-tos previstos para o enquadramento do empregado na situação excepcional do art. 62, II, da CLT, este faz jus ao pagamento de horas extras. Recurso de Revista conhecido e parcialmente provido, no aspecto.

(RR 93400-77.2008.5.04.0252, 3ª T., Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT de 13.09.2013)

HORAS EXTRAS – FUNÇÃO DE CONFIANÇA

I – Infere-se da decisão recorrida que a conclusão do Regional decorreu não da ausência de comprovação do exercício de função de confiança pelo reclamante, e sim pela constatação de o salário do cargo de confiança ser inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%, a afastar o seu enquadramento no inciso II do art. 62 da CLT. II – O art. 62, parágrafo único, estabelece: “II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam, para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departa-mento ou filial. Parágrafo único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de quarenta por cento”. III – O parágrafo único do art. 62 da CLT registra a insuficiência da natureza da função ou a liberação do controle de horário para que o empregado não usufrua das vantagens do trabalho prorrogado, estabelecendo que o salário do cargo de con-fiança, compreendendo a gratificação de função, se houver, deverá ser de pelo menos 40% sobre o salário efetivo. IV – Consignando o acórdão recorrido que o acréscimo salarial estaria próximo de 30% de seu salário efetivo, evidencia-se o não atendimento do valor mínimo fixado na norma mencionada, excluindo-se o reclamante da exceção estabelecida no inciso II do referido dispositivo e sendo aplicável a jornada de trabalho de oito horas diárias, o que afasta, de pronto, a violação legal suscitada. V – Os arestos colacionados às fls. 628 revelam-se ines-pecíficos, nos termos da Súmula nº 296 do TST, pois embora de aparente especi-ficidade ao registrarem que o art. 62, parágrafo único, da CLT não estabeleceu a obrigatoriedade do pagamento da gratificação de função e a gratificação prevista no referido dispositivo não é condição sine qua non para a configuração de ge-rência, não abordam a discussão central em que se baseara o Regional de que o reclamante não percebeu aumento salarial para o cargo de confiança superior a 40%, como exige a lei. VI – Recurso não conhecido.

(RR 2700-56.2005.5.04.0027, 4ª T., Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, DJ de 05.09.2008)

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AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – HO-RAS EXTRAS – CARGO DE CONFIANÇA

Tendo sido registrado que a gratificação de função paga à autora não alcançava 40% do salário que ela auferia no cargo efetivo, não é possível afastar a aplicação das normas pertinentes à jornada de trabalho, conforme disciplina o parágrafo único do art. 62 da CLT. O exame da veracidade das premissas fáticas fixadas no acórdão regional esbarra no teor da Súmula nº 126 desta Corte. Nesse contexto, mostra-se irrelevante a argumentação recursal, no sentido de que as atividades da reclamante revelam a fidúcia especial do cargo.

(Ag-AIRR 1033500-50.2006.5.09.0003, 7ª T., Rel. Min. Pedro Paulo Manus, DEJT de 23.11.2012)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – 1 HORAS EXTRAS – CARGO DE CONFIANÇA

O Regional asseverou que prova oral produzida é no sentido de que a reclaman-te não tinha poderes de mando e liberdade de atuação capazes de autorizar o seu enquadramento na exceção prevista no art. 62, II, da CLT, uma vez que os encarregados de setor (cargo exercido pela reclamante) não possuíam poderes de representação, de comando e de decisão de modo a caracterizarem-se como substitutos do empregador na condução de assuntos de relevância da empresa. Consignou ainda que a reclamante não recebia a gratificação de função prevista no parágrafo único do art. 62 da CLT, requisito necessário ao enquadramento do empregado no disposto no inciso II daquele artigo. Diante de tal quadro fático, cujo teor é insuscetível de reexame nesta instância superior, nos termos da Súmu-la nº 126 do TST, descabe cogitar de violação do art. 62, II, da CLT.

(AIRR 953-29.2010.5.09.0004, 8ª T., Relª Min. Dora Maria da Costa, DEJT de 13.09.2013)

Dessa forma, há que se reconhecer a afronta ao art. 62, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ante o exposto, conheço do recurso de revista por afronta ao referido artigo.

II – MÉRITO

Horas extras. Cargo de gestão não subsumido na norma do art. 62, II, da Consolidação das Leis do Trabalho. Gratificação de função paga em valor inferior a 40% do salário efetivo do empregado

Conhecido o recurso por afronta ao art. 62, parágrafo único, da Consoli-dação das Leis do Trabalho, o seu provimento é mero corolário.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de revista para restabelecer a sentença no tocante à condenação ao pagamento de horas extras e reflexos.

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Isto posto

Acordam os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Traba-lho, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento para determi-nar o processamento do recurso de revista. Acordam, ainda, por unanimidade, julgando o recurso de revista, nos termos do art. 897, § 7º, da Consolidação das Leis do Trabalho, dele conhecer por afronta ao art. 62, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença no tocante à condenação ao pagamento de horas extras e reflexos.

Brasília, 26 de fevereiro de 2014.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006) Lelio Bentes Corrêa Ministro Relator

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑148000‑42.2009.5.01.0011Acórdão6ª Turma

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE – JOGADOR DE FUTEBOL – DIFERENÇA DE DIREITO DE ARENA – ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL LEGAL POR ACORDO JUDICIAL ENTRE CLUBE E SINDICATO – IMPOSSIBILIDADE

Trata a controvérsia da validade de acordo judicial em que se estipulou a redução do percentual legal pago aos jogadores profissionais de futebol a título de direito de arena.

Conforme redação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, com redação vigente à época em que o reclamante manteve o contrato de emprego com o clube reclamado (2007 e 2008), exceto na existência de convenção em sentido contrário, o direito de arena era fixado em 20% do preço total da autorização, distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. É entendimento majoritário da c. 6ª Turma que nem a negociação coletiva, e tampouco o acordo judicial entre o clube reclamado e o sindicato, têm o condão de afastar a incidência do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, de maneira que, a previsão o percentual de 20%, mais benéfica e em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, deve ser respeitada como patamar mínimo da norma, em face do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Ressalva de entendimento pessoal do Ministro Relator. Recurso de revista conhecido e provido.

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA SALARIAL

É certo que a parcela paga a título de direito de arena visa remunerar o atleta, não sendo possível afastar o entendimento de que se trata de parcela de natureza salarial, decorrendo daí os reflexos pretendidos pelo autor. Nesse sentido a jurisprudência desta c. Corte vem firmando o entendimento, quando alude especificamente ao direito de arena como parcela que, sendo paga por terceiros, deve ser integrada ao salário do atleta, por aplicação analógica da Súmula nº 354 do c. TST. Precedentes do c. TST. Recurso de revista conhecido e desprovido.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST--RR-148000-42.2009.5.01.0011, em que são Recorrentes Fluminense Football Club e David Franca Oliveira e Silva e Recorridos os mesmos.

O eg. Tribunal Regional do Trabalho, mediante o v. acórdão de fls. 906/918, complementados às fls. 928/932, via embargos de declaração, deu provimento ao recurso ordinário do reclamado, para limitar a condenação ao pagamento do direito de arena, observado o percentual acordado pelo clube com as entidades desportivas (5%), e, ainda, para determinar que a distribuição proporcional da parcela em favor do autor deverá observar o número efetivo de atletas participantes de cada evento.

Inconformados, reclamante e reclamado interpõem recursos de revista.

O reclamante, às fls. 987/1011, requer a reforma do julgado regional com relação à diminuição do percentual do direito de arena.

O reclamado, fls. 936/954, defende a natureza indenizatória do direito de arena e requer a reforma do julgado no tema.

O r. despacho de admissibilidade de fls. 1014/1017 admitiu o recurso de revista do reclamante e da reclamada por divergência jurisprudencial.

Contrarrazões às fls. 1020/1036 e 1038/1054.

Não houve manifestação do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE

perCenTual dO direiTO de arena

Conhecimento

Eis o teor do eg. TRT:

“ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – DIREITO DE ARENA. REDUÇÃO DO PERCENTUAL INCIDENTE SOBRE OS EVENTOS MEDIANTE NEGOCIA-ÇÃO COLETIVA – LICITUDE – EXISTÊNCIA DE PERMISSÃO LEGAL – A Lei nº 9.615/1998, art. 42, § 1º, muito antes da alteração de sua redação em 2011, já autorizava expressamente a redução do percentual referente ao direito de arena, razão por que é válida a negociação coletiva que mitigou-o de 20% para 5%.

[...]

A. DAS DIFERENÇAS REFERENTES AO DIREITO DE ARENA

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Trata-se de ação na qual o autor, atleta profissional de futebol, pretende o pa-gamento de diferenças decorrentes do direito de arena (equivalente a 1/14 so-bre 20% do total negociado pelo clube) nas partidas nas quais esteve presente nos Campeonatos Cariocas de 2007 e 2008, Campeonatos Brasileiros de 2007 e 2008, além do valor integral referente à Copa Brasil de 2007 e Copa Liberta-dores da América de 2008. Postula, também, os reflexos Sobre FGTS, natalinas, repouso semanal remunerado e férias com 1/3. Refuta a redução de percentual entabulada pelo sindicato profissional (fls. 03/23). Rebate as importâncias ali in-dicadas, aduzindo que não corresponderiam a 5% sobre o total negociado pelo clube, já que haveria incidência de imposto de renda, taxas de inscrição em campeonatos e de administração, o que reduziria bastante a quantia final devida. Junta demonstrativo dos valores que entende devidos às fls. 24/25.

[...]

Merece reforma o veredicto, em parte.

A documentação coligida às fls. 623/628, confirma a transação realizada entre o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro – Saferj; a União dos Grandes Clubes do Futebol Brasileiro – Clube dos Treze; a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro e a Confederação Brasileira de Futebol – CBF, aos 18.12.2000, pondo fim ao litígio que se desenrolou perante a 32ª Vara Cível desta Comarca. No aludido ajuste, ficou estipulado o pagamento de 5% do total acordado aos atletas envolvidos nos jogos de futebol objeto do contrato sub judice (cláusula 4ª, letra a).

Por outro lado, há lei específica autorizando a redução do percentual referente ao direito de arena (Lei nº 9.615/1998, art. 42, § 1º). Frise-se que, mesmo antes da nova redação conferida à lei em destaque (época, portanto, da assinatura do acordo), quando o percentual previsto era de 20%, já havia ressalva em seu texto quanto à possibilidade de redução daquele. De todo modo, merece destaque os termos do referido dispositivo legal:

[...]

Não bastasse, o próprio TST admite a hipótese, conforme aresto, verbis:

[...]

AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE – DIFERENÇA DE DIREI-TO DE ARENA – ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL POR NORMA COLETI-VA – POSSIBILIDADE PREVISTA EM NORMA LEGAL – Diante do óbice da Súmula nº 337 do c. TST e porque não demonstrada violação do dispositivo de lei indicado, não há como admitir recurso de revista interposto. Agravo de instrumento desprovido. (ARR 76700-19.2007.5.01.0034, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, J. 09.11.2011, DEJT 18.11.2011)

Verifica-se nos autos que houve repasse de verbas ao reclamante referente a to-dos os campeonatos apontados no rol de pedidos (fls. 22/23), com exceção da Copa Libertadores da América de 2008 (ofício do sindicato, fls. 639/640).

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Nesse diapasão, o jogador não faz jus às diferenças pela redução de percentual correspondente à renda dos jogos dos Campeonatos Cariocas de 2007 e 2008, Campeonatos Brasileiros de 2007 e 2008 e Copa Brasil de 2007.

Remanescem, contudo, outras pretensões do reclamante, conforme se verificou na explanação anterior. Assim, em síntese; pode-se dizer que o autor busca, ain-da, diferenças do direito de arena em razão da proporção devida a cada atleta (entendendo caber-lhe 1/14); pagamento integral do aludido direito em relação à Copa Libertadores da América de 2008 e pagamento integral em relação às transmissões internacionais dos jogos.

Apenas para delimitar o objeto de controvérsia, não há pedido referente a qual-quer direito anterior a 1999 no rol de fls. 22/23.

No tocante à proporção, vale repetir o texto do art. 42, § 1º, da Lei Pelé:

Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, con-sistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a capta-ção, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011)

§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cen-to) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011)

Vê-se, pois, que ambas as partes não tem razão quanto à proporção devida ao atleta.

O réu alega que seria 1/18, considerando o número máximo permitido de par-ticipantes no jogo (incluindo os reservas). O autor, por seu turno, sustenta que seria 1/14.

A norma sob foco fala em ‘atletas profissionais participantes do espetáculo’, con-cluindo-se, assim, que só deverão ser considerados os atletas que efetivamente participaram’ (atuando em campo ou na condição de reservas) do evento. Para o cálculo, entretanto, as partes deverão socorrer-se das súmulas desportivas junta-das aos autos, pois, como já dito anteriormente, esses documentos são a demons-tração oficial de quantos jogadores participaram de cada espetáculo em campo ou como reserva.

O texto legal destina o direito de arena a todos os atletas participantes sem qual-quer restrição. Logo, não independente da entrada em campo de jogo.

Tese contrária (como sustentada pelo autor possui contradição, em termos. Se a base da fiação postulada (1/14 decorre da possibilidade da realização de três substituições, significa dizer que tem ela direta e necessária correlação coma efetiva substituição (do contrário, se vincula à mera possibilidade, aponta para 1/18). Em outras palavras, deveria ser analisada caso a caso, consoante a efetiva participação do atleta em campo de jogo.

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Trata-se, portanto, de tese variável e que, exatamente por isso, pode ser prejudi-cial ao próprio reclamante, tendo em vista os jogos para os quais escalado como reserva, sem ter entrado em campo, quando nada receberia.

E mais. Se a tese tem relação direta com a efetiva entrada em jogo, ainda con-fronta com direito de outros jogadores que, embora no bando dos substitutos, não participaram efetivamente do jogo. Nota-se que a lei faz expressa menção à isonomia de tratamento, sem qualquer diferença entre o atleta que participa efetivamente dos 90 minutos e os que participam de qualquer período menor (há aqueles que não ficam em campo sequer por um minuto): A ratio da norma, portanto, não pode ser outra que a extensão do direito a todos os integrantes do elenco, aos 18 atletas escalados para determinada partida.

Logo, a fração a ser utilizada também outra não pode ser que 1/18.

No que tange aos pagamentos integrais do direito de arena em relação à Copa Libertadores da América de 2008 e às transmissões internacionais dos jogos, res-tam devidos. O primeiro, porque a prova documental produzida às fls. 639/641 noticia que nada foi repassado ao obreiro sob tal título e as súmulas desportivas juntadas às fls. 596/600 confirmam a participação do atleta nos jogos realizados entre março e abril/2008. O segundo, porque o reclamado não provou o repasse das transmissões internacionais de eventos em que o obreiro esteve presente, constituindo ônus probatório seu, na forma do art. 333, II, do CPC. Aliás, sequer contestou a afirmativa do sindicato de que não seria a entidade própria para es-clarecer qual tipo de contato de transmissão gerara os créditos do jogador.

Acrescente-se que tais valores deverão ser apurados em regular liquidação de sentença.

Outrossim, cabe ressaltar que o art. 457 da CLT garante a integração das referidas diferenças ao FGTS, natalinas e férias com 113, destacando-se que a doutrina lhe confere tratamento analógico ao das gorjetas.

Dessarte, dou parcial provimento ao apelo para limitar a condenação ao paga-mento do direito de arena somente em relação à Copa Libertadores da Améri-ca de 2008 e às transmissões internacionais dos jogos, observado o percentual acordado pelo clube com as entidades desportivas (5%), mantidas as integrações deferidas pelo Juízo primário. Determino, ainda, que a distribuição proporcional da parcela em favor do autor deverá observar o número efetivo de atletas partici-pantes de cada evento na proporção de 1/18, na forma das súmulas desportivas juntadas aos autos.” (grifei)

Nas razões de recurso de revista, o reclamante sustenta que a norma legal vigente no período apontado na inicial fixa que o atleta profissional faz jus ao percentual mínimo de 20% do total negociado a título de transmissão e retransmissão televisiva dos campeonatos. Aduz que esse patamar mínimo não pode ser reduzido por acordo judicial e que essa transação, efetuada em 2000, não pode alcançar sua contratação, ocorrida em 2007 e 2008, em especial por não ter participado da ação, sequer como substituído. Aponta violação aos arts. 7º, VI, e 114, § 2º, da CF, § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, 444, 611,

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613 e 614 da CLT, 103, § 1º e 104 do CDC e art. 269, I e II do CPC. Traz arestos ao confronto de teses.

Conforme delimitado no v. julgado recorrido, no caso dos autos, foi ce-lebrado acordo judicial com o Sindicato que representa os atletas de futebol e o clube reclamado, estipulando o percentual de 5%, a ser pago pelo clube a título de direito de arena. Nesse contexto, o eg. Tribunal negou provimento ao pedido de diferenças pela redução de percentual correspondente à renda dos jogos dos Campeonatos Cariocas de 2007 e 2008, Campeonatos Brasileiros de 2007 e 2008 e Copa Brasil de 2007, fundamentando sua decisão no art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, que permite a flexibilização do percentual pago a esse título.

A parte logra demonstrar divergência jurisprudencial válida e específica na matéria, mediante o aresto de fl. 993, originário do eg. TRT da 2ª Região, publicado no DJ de 07.12.2010, e que traz tese no sentido de que “O acordo entabulado na ação que tramitou no Rio de Janeiro e invocado nas razões recur-sais não pode prevalecer sobre o art. 42 da Lei supramencionada, uma vez que esta estabelece uma percentual bem superior [...]. Sendo o percentual mínimo de 20%, não se pode aceitar um percentual inferior. Se o percentual for altera-do, terá que ser sempre superior e nunca inferior.”

Conheço, pois, do recurso de revista, por divergência jurisprudencial.

MÉRITO

Trata a controvérsia da validade de acordo judicial em que se estipulou a redução do percentual pago aos jogadores profissionais a título de direito de arena.

O direito de arena consiste, na prática, na negociação relacionada com a transmissão ou retransmissão das imagens dos espetáculos ou eventos des-portivos dos quais participem os atletas. Sua regulação jurídica se encontra no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a chamada Lei Pelé, com a seguinte redação:

“Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, auto-rizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais partici-pantes, do espetáculo ou evento.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica a flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins, exclusivamente, jornalísticos ou educativos, cuja duração, no conjunto, não exceda de três por cento do total do tempo previsto para o espetáculo.

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§ 3 O espectador pagante, por qualquer meio, de espetáculo ou evento desporti-vo equipara-se, para todos os efeitos legais, ao consumidor, nos termos do art. 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.”

A Lei nº 12.395/2011 alterou a redação do § 2º do referido dispositivo, a fim de reduzir o percentual a ser rateado a título de direito de arena, estabele-cendo que “salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil”.

A matéria será apreciada, no presente caso, em face da redação anterior à alteração legislativa que ocorreu em 2011 na Lei Pelé, tendo em vista se tratar de contrato extinto anteriormente à norma (2007 e 2008 – referente aos Cam-peonatos Cariocas de 2007 e 2008, Campeonatos Brasileiros de 2007 e 2008 e Copa Brasil de 2007).

O direito de arena não se confunde com o direito de imagem, apesar de estar a ele vinculado. O direito de imagem pertence ao indivíduo, inserido no rol dos direitos da personalidade, protegido constitucionalmente (art. 5º, V, X, XXVII, a, CF), e é marcado pelas características que individualizam a pessoa humana enquanto ser em sociedade.

Já o direito de arena pertence à entidade de prática desportiva a que está vinculado ao atleta, e se refere à exposição obrigatória do atleta em aparições públicas, razão pela qual faz jus a um percentual do valor arrecadado a esse título.

Segundo Álvaro Melo Filho “o direito de arena alcança o conjunto do espetáculo, ou seja, se entende a todos os participantes somente durante, por exemplo, os 90 minutos da partida de futebol ou aos 40 minutos da partida de futsal, quando e se profissional” (in Nova lei Pelé: avanços e impactos”.

Em relação à forma de divisão da parcela, nos ensina o mesmo autor que na atual vigência o direito de arena é pago por terceiros, 5% no mínimo, repassados através dos sindicatos aos atletas profissionais participantes do espe-táculo, dividido em partes iguais. Na vigência anterior, o repasse era realizado pela própria entidade desportiva.

Retrata, portanto, o direito de arena, uma fonte de receita aos clubes que participam do espetáculo e aos atletas.

Observa-se, pois, que foi acordado o percentual de 5% (cinco por cento) a título de direito de arena.

Entendo que o acordo judicial deve ser recepcionado na seara trabalhis-ta, não havendo como ser declarada a invalidade do referido acordo a fim de lhe suprimir os efeitos, na medida em que a Lei Pelé assim disciplina, conforme

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o art. 42, § 1º que “Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço to-tal da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes, do espetáculo ou evento”.

Não há dúvida de que a norma ao atribuir a convenção, alcança qual-quer ajuste que tenha sido realizado. Sendo o ajuste firmado entre o Clube dos Treze e o sindicato da categoria profissional do reclamante, para pagamento de 5% ao clube, não há como se entender que o percentual devido, de 20%, seja a base a ser acordada, na medida em que a própria lei atribui essa possibilidade, de convenção em sentido contrário.

O acordo judicial firmado não pode ser desconstituído, sob pena de des-respeito à coisa julgada firmada naquela ação, transitada em julgado, mas deve ser respeitado em seus estritos termos.

Por sua vez, também não se há falar em percentual mínimo garantido pela Lei nº 9.615/1998. Com efeito, a própria lei, no § 1º do art. 42, ressalva que o percentual a ser pago a título de direito de arena pode ser objeto de ajuste entre as partes, cuja conclusão se chega a partir da expressão “convenção em contrário”.

Logo, este Relator entende ser válido o acordo judicial firmado com o sindicato dos atletas profissionais e o Clube dos Treze, ao fixar o percentual de 5% (cinco por cento) a título de direito de arena.

No entanto, é entendimento majoritário da c. 6ª Turma que nem a ne-gociação coletiva, e tampouco a ação ajuizada perante a 23ª Vara Cível do Rio de Janeiro, têm o condão de afastar a incidência do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, de maneira que, a previsão o percentual de 20%, em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, deve ser respeitado como patamar mínimo da norma, em face do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas.

Nesse sentido, o seguinte precedente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – Foi demonstrada aparente divergência jurisprudencial, nos termos exigidos no art. 896 da CLT. Agravo de instrumento provido para determinar o processamen-to do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – ACOR-DO FIRMADO JUDICIALMENTE ENTRE CLUBE E SINDICATO – INVALIDADE – A entendimento do relator, ainda que considerado o acordo judicial firmado, a sua incorporação à ordem trabalhista haveria de considerar o prazo máximo por que vigeria um acordo ou convenção coletiva de igual teor, ou seja, só poderia ter validade pelo prazo de 2 anos das normas coletivas, nos termos do art. 614, § 3º, da CLT. No caso dos autos, o acordo sequer ocorreu por meio de norma coletiva. Ademais, o acórdão revela que o pacto foi entabulado em 18.09.2000 e o direito pleiteado é relativo aos campeonatos de 2006 e 2007, muito após o prazo de dois anos previsto no § 3º do art. 614 da CLT. De toda sorte, prevalece nesta Turma a compreensão de que a previsão do percentual mínimo de 20%, em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, encontrava-se em evidente sintonia

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com o princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. É que a referida norma prevê expressamente possibilidade de alteração do percentual, desde que respeitado o percentual mínimo previsto: vinte por cento do preço total da au-torização, como mínimo. A expressão – no mínimo – não faria sentido, ou seria inútil, se estivesse a permitir que – convenção em contrário – pudesse reduzir esse percentual. Se entendido como formalmente válido o acordo firmado, seus termos não podem gerar efeitos porque reduziu de 20 para 5% o direito de arena, em patente desacordo com a previsão do art. 42, § 1º, da Lei Pelé. Recurso de revista conhecido e provido. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PRO-TELATÓRIOS – O recurso de revista encontra-se desfundamentado, no tópico, pois a reclamada não se reportou às hipóteses do art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido. (RR 173200-94.2009.5.03.0108, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, J. 29.08.2012, Data de Publicação: 28.09.2012)

Sendo em sentido diverso o entendimento da douta maioria da 6ª Turma, peço vênia apenas para ressalvar o meu entendimento, e por disciplina judiciá-ria aplicar a jurisprudência da Turma sobre o tema, com os fundamentos acima transcritos.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de revista para condenar o clube reclamado ao pagamento das diferenças devidas entre os percentuais de 20% e 5%, a título de direito de arena, referentes aos Campeonatos Cariocas de 2007 e 2008, Campeonatos Brasileiros de 2007 e 2008 e Copa Brasil de 2007, nos termos da pretensão inicial.

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO

naTureza jurídiCa dO direiTO de arena

Conhecimento

Nas razões do recurso de revista alega o recorrente, que as parcelas pa-gas a título de direito de arena não têm natureza salarial e, por isso, não devem repercutir no cálculo das demais parcelas. Afirma que a parcela não se vincula ao contrato de trabalho e que a redação do art. 42, §1º, da Lei Pelé traz expres-samente essa disposição. Traz aresto para o confronto de teses.

O eg. TRT consignou que o art. 457 da CLT garante a integração da par-cela de direito de arena às diferenças ao FGTS, 13º salários e férias com 1/3, pois a verba tem natureza de gorjeta.

Extrai-se, pois, do julgado tese no sentido de que o direito de arena tem natureza jurídica tipicamente salarial, por sua natureza de retribuição ou con-traprestação, decorrendo do trabalho realizado pelo atleta profissional.

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O aresto colacionado as fls. 943/944 dos autos eletrônicos, originário do eg. TRT da 3ª Região e publicado no DJMG em 15.03.2002, em sentido diverso, afasta a natureza salarial da parcela relativa ao direito de arena, nos seguintes termos: “Os direitos de imagem não são propriamente trabalhistas, mas decorrentes da personalidade, e a paga que lhes corresponde não pode ser considerada integrante da remuneração do atleta empregado.”

Conheço, por divergência jurisprudencial.

MÉRITO

Em relação à natureza da parcela, é certo que visa remunerar o atleta, não sendo possível afastar o entendimento de que se trata de parcela de nature-za salarial, decorrendo daí os reflexos pretendidos pelo autor.

Nesse sentido a jurisprudência desta c. corte vem firmando o entendi-mento, quando alude especificamente ao direito de arena como parcela que, sendo paga por terceiros, deve ser integrada ao salário do atleta, por aplicação analógica da Súmula nº 354 do c. TST.

Eis os precedentes:

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO – DIREITO DE ARE-NA – NATUREZA JURÍDICA – INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – A doutrina e a jurisprudência vêm-se posicionando no sentido de que o direito de arena previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a exemplo das gorjetas, que também são pagas por terceiros, integra a remuneração do atleta, nos termos do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista conhecido e não provido. [...] RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA SALARIAL – INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – Nos termos do atual entendimento jurisprudencial desta Corte superior, é salarial a renda auferida pelo atleta profissional de futebol a título de direito de imagem, por tratar-se de verba paga por força do contrato de emprego. Precedentes. Re-curso de revista conhecido e provido. DIREITO DE ARENA – PERCENTUAL – 1. Nos termos do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, segundo a redação vigente à época em que o reclamante manteve o contrato de emprego e vínculo des-portivo com o clube reclamado, exceto na existência de convenção em sentido contrário, o direito de arena era fixado em vinte por cento do preço total da autorização, distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. 2. Ainda que se questione a razoabilidade do critério fixado na lei, fato é que o percentual somente pode ser alterado por convenção. Não sendo esse o caso dos autos, concluiu-se que a fixação do direito de arena em 20% do salário contraria a literalidade do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, considerada sua redação original. Recurso de revista conhecido e provido. [...] (RR 8800-58.2004.5.04.0028, 1ª T., Rel. Des. Conv. José Maria Quadros de Alencar, J. 06.11.2013, Data de Publicação: 08.11.2013)

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RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA RE-MUNERATÓRIA – REFLEXOS – Recurso calcado em violação do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 e em divergência jurisprudencial. O Tribunal Regional decidiu em consonância com entendimento desta Corte Superior no sentido de que o direito de arena possui natureza remuneratória, repercutindo nos reflexos da remune-ração do atleta. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (RR 3671600-80.2009.5.09.0004, 3ª T., Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, J. 02.10.2013, Data de Publicação: 04.10.2013)

RECURSO DE REVISTA – CONTRATO ESPECIAL DE TRABALHO – ATLETA PROFISSIONAL – DIFERENÇAS DE DIREITO DE ARENA RELATIVAS AOS CAM-PEONATOS REALIZADOS EM 2009/2010 – ACORDO JUDICIAL QUE REDUZ O DIREITO DE ARENA PARA PERCENTUAL DE 5% E LIMITA-SE ÀS PARCELAS DEVIDAS ATÉ 1999 – LIMITAÇÃO TEMPORAL DO AJUSTE – INAPLICABILIDA-DE – Extrai-se do v. julgado de origem que o acordo coletivo que o reclamado pretende ver aplicado ao caso concreto possui limitação temporal que não al-cança o reclamante. Ao passo que o autor foi contratado em 2009, o ajuste em discussão previa quitação da parcela – direito de arena – aos valores devidos até 1999, não alcançando, portanto, o contrato de trabalho do autor. A controvérsia não remete, portanto, à validade do ajuste, mas da impossibilidade de projeção de seus efeitos para os contratos de trabalho futuros. Incólumes, assim, os arts. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, 7º, XXVI, da CF/1988 e 444, da CLT. Recurso de revista não conhecido. DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA SALA-RIAL – É certo que a parcela paga a título de direito de arena visa remunerar o atleta, não sendo possível afastar o entendimento de que se trata de parcela de natureza salarial, decorrendo daí os reflexos pretendidos pelo autor. Nesse senti-do a jurisprudência desta c. Corte vem firmando o entendimento, quando alude especificamente ao direito de arena como parcela que, sendo paga por tercei-ros, deve ser integrada ao salário do atleta, por aplicação analógica da Súmula nº 354 do c. TST. Precedentes do c. TST. Recurso de revista conhecido e des-provido. (RR 2198-06.2011.5.03.0005, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, J. 11.09.2013, Data de Publicação: 13.09.2013)

I – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – REFLEXOS – O Tribunal Regional declarou que o direito de arena possui natureza salarial e deferiu os reflexos da parcela sobre férias acrescidas do terço constitucional, gratificação natalina, repousos semanais remunerados e FGTS. Todavia, esta Corte Superior tem decidido que o direito de arena possui natureza remuneratória (e não salarial) e que, para efeito de reflexos, a parcela equipara-se às gorjetas, o que atrai a aplicação analógica da Súmula nº 354 deste Tribunal. Nos termos do referido precedente jurispru-dencial, não cabem os reflexos deferidos sobre o repouso semanal remunerado. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá parcial provimento. II – RE-CURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE – DIREITO DE ARENA – PERCENTUAL DE 20% PREVISTO EM LEI – REDUÇÃO POR ACORDO JUDI-CIAL – O Tribunal Regional deferiu ao Reclamante o pagamento de diferenças do direito de arena, a serem calculadas sobre o percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, conforme esti-

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pulado em acordo judicial. No recurso de revista, o Reclamante defende que o percentual de 20% estabelecido na lei para o cálculo do direito de arena é o per-centual mínimo assegurado e que, nem por norma coletiva, é possível reduzi-lo, apenas majorá-lo. Conforme demonstra a própria data de autuação do recurso de revista nesta Corte Superior (ocorrida em 27.11.2010), os direitos discutidos na presente controvérsia e a publicação do acórdão recorrido são anteriores à entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011 (havida em 17.03.2011). Assim, aplica--se à hipótese a redação original do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, segundo o qual, salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autori-zação, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. Nos termos do referido dispositivo legal, era de 20% o critério a ser usado para o cálculo do direito de arena, salvo con-venção em contrário. A adoção da expressão como mínimo denota logicamente que o percentual de 20% poderia ser majorado por meio de convenção, mas nunca reduzido. Por conseguinte, ao considerar válido o acordo judicial em que se reduziu de 20% para 5% o percentual do direito de arena, o Tribunal Regional violou o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (na redação anterior à entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR 57800-35.2009.5.04.0001, 4ª T., Rel. Min. Fernando Eizo Ono, J. 06.02.2013, Data de Publicação: 05.04.2013)

RECURSO DE REVISTA – [...] DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – O direito de arena possui natureza remuneratória, porque vinculada ao contrato de trabalho e à prestação de serviços dos jogadores profissionais aos clubes, ainda que pagas por terceiros. Desse modo, aplicando por analogia as disposições do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 do TST, que tratam das gorjetas, tem-se per-mitido o reconhecimento da natureza remuneratória dessa parcela, bem como a determinação de seus reflexos sobre férias, 13º salário e FGTS. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido. UNICIDADE CONTRATUAL – IRRE-DUTIBILIDADE SALARIAL – O art. 30, parágrafo único, da Lei nº 9.615/1998 determina que o contrato de trabalho entabulado entre a entidade esportiva e o atleta profissional será por prazo determinado, nunca podendo ser inferior a três meses ou superior a cinco anos, motivo pelo qual resulta inaplicável o disposto no art. 452 da CLT, porquanto incompatível com aquela, ainda que celebrados vários contratos sucessivamente. Não reconhecida a unicidade contratual, não se há de falar em redução salarial, porquanto a remuneração ajustada em cada um dos contratos de trabalho – incomunicáveis entre si – é fruto da livre pactua-ção entre as partes. Recurso de Revista não conhecido. CLÁUSULA PENAL – A jurisprudência pacífica do Tribunal Superior do Trabalho segue no sentido de que a cláusula penal, prevista no art. 28 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), antes da nova redação conferida pela Lei nº 12.395/2011, é devida apenas ao clube empregador quando há rescisão antecipada do contrato de trabalho, porque o atleta profissional tem assegurada a indenização do art. 479 da CLT. Recurso de Revista não conhecido. MULTAS DOS ARTS. 467, 477 E 479 DA CLT – É inviável a interposição de recurso de revista para a revisão de fatos e provas. Inteligência da Súmula nº 126 do TST. Recurso de Revista não conhecido. MULTA DE 40% DO FGTS – A fundamentação do Recurso de Revista em violação de Decreto não encontra amparo nos permissivos do art. 896, c, da CLT. Recurso de Revista não

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conhecido. (RR 60600-24.2004.5.01.0024, 8ª T., Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, J. 17.10.2012, Data de Publicação: 26.10.2012)

Nesses termos, nego provimento ao apelo.

Isto posto

Acordam os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, (I) conhecer do recurso de revista do reclamante no tema “Percentual do Direito de Arena”, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar o clube reclamado ao pagamento das dife-renças devidas entre os percentuais de 20% e 5%, a título de direito de arena, referentes aos Campeonatos Cariocas de 2007 e 2008, Campeonatos Brasilei-ros de 2007 e 2008 e Copa Brasil de 2007, nos termos da pretensão inicial; e (II) conhecer do recurso de revista do reclamado no tema “Natureza Jurídica do Direito de Arena”, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 26 de março de 2014.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006) Aloysio Corrêa da Veiga Ministro Relator

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1014

Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑51800‑19.2009.5.01.0028Acórdão8ª Turma

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA

O direito de arena possui natureza remuneratória, uma vez que é vinculado ao contrato de trabalho e à prestação de serviços dos jogadores profissionais aos clubes, ainda que pago por terceiros. Assim, aplicam-se por analogia as disposições do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 desta Corte superior e permite-se o reflexo dessa parcela apenas sobre férias, acrescidas de 1/3; 13º salário, e FGTS. Precedentes. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST--RR-51800-19.2009.5.01.0028, em que é Recorrente Fluminense Football Club e Recorrido Marcos Arouca da Silva.

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, mediante o acórdão de fls. 1181/1195 (seq. 1), deu parcial provimento ao recurso ordinário do recla-mado, para que seja observada a proporção de 1/18 sobre o percentual de 20% da conta de transmissão recebido pelo reclamado.

Inconformado, o reclamado interpôs recurso de revista às fls. 1199/1227 (seq. 1), com fulcro no art. 896, a e c, da CLT.

O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 1257/1259 (seq. 1) por di-vergência jurisprudencial em relação à natureza jurídica do direito de arena, aplicando aos demais temas o disposto na Súmula nº 285/TST.

O reclamante apresentou contrarrazões às fls. 1262/1277 (seq. 1).

Os autos não foram remetidos à Procuradoria-Geral do Trabalho, por força do disposto no art. 83 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Tra-balho.

É o relatório.

VOTO

I – CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo, está firmado por advogados habilitados, e o pre-paro foi efetuado regularmente. Dessarte, preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade, passo a examinar os específicos do recurso de revista.

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1 Direito de arena. Alteração do percentual previsto em lei por acordo judicial

Ao tratar do tema em epígrafe, assim conclui o Regional (fls. 1185/1191– seq. 1):

“DO DIREITO DE ARENA – PERCENTUAL DEVIDO

O reclamado investe contra a decisão recorrida que julgou procedente em parte o pedido de diferenças das parcelas pagas a título de direito de arena.

Sustenta que em razão de acordo firmado em processo em trâmite na 23ª Vara Cí-vel do Rio de Janeiro pelo Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro com o reclamado, entre outras agremiações esportivas, somente é devido o percentual de 5% sobre os valores pagos ao clube em razão da transmissão dos jogos a ser rateado entre os atletas participantes do espetáculo.

Aduz, ainda, que o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 admite a pactuação de percen-tual menor que 20%, o que, in casu, foi convencionado nos autos do processo supramencionado.

Assevera que o acordo celebrado no juízo cível trouxe benefício para ambas as partes, pois anteriormente nada era repassado para os jogadores a título de direito de arena.

Sem razão o recorrente.

O direito de arena encontra-se previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, in verbis:

Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de imagem do espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autori-zação, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissio-nais participantes do espetáculo ou evento.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica a flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins, exclusivamente, jornalísticos ou educativos, cuja dura-ção, no conjunto, não exceda de três por cento do total do tempo previsto para o espetáculo.

[...]

O cerne da controvérsia, à luz do preceito legal supra, reside na validade e no alcance do acordo celebrado entre o Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro com o Clube dos Treze (entidade da qual faz parte o réu), Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro e Confederação Brasileira de Futebol, cuja cópia encontra-se à fl. 755.

Inicialmente, cumpre registrar que, ao contrário do que entende o réu, o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 não cria uma expectativa de direito para o atleta profissio-nal em relação ao percentual sobre as cotas de transmissão dos jogos, pois a regra é clara em relação ao percentual a ser rateado entre os participantes.

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Por outro lado, quando o legislador inseriu a locução “no mínimo”, inexistente nas leis anteriores que regulavam a matéria, quis garantir para o atleta o paga-mento naquele patamar, de sorte que a possibilidade de se convencionar outro índice somente seria possível se este fosse superior ao previsto na lei.

Ademais, em havendo duas ou mais interpretações razoáveis, o operador do di-reito deve optar pela mais favorável ao empregado.

Logo, tem o atleta profissional de futebol, ou melhor tinha até a edição da Lei nº 12.395/2011 que alterou a redação do art. 42 reduzindo o percentual para 5%, direito adquirido ao rateio sobre o referido percentual de 50%.

Neste diapasão, não poderia o Sindicato renunciar a direito já incorporado ao patrimônio jurídico do autor, de sorte que a transação, cujo instrumento encon-tra-se à fl. 755, deve, na forma do art. 843 do Código Civil, ser interpretada res-tritivamente, operando-se a quitação apenas em relação aos valores efetivamente recebidos.

No mesmo sentido, já se manifestou o Colendo TST, conforme o aresto que segue:

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – À luz do art. 42, § 1º, da Lei nº 6.915/1998, a parcela – direito de arena – é decorrente da participação do profissional de futebol em jogos e eventos esportivos, estando diretamente relacionada à própria prestação laboral do atleta e não apenas ao uso de sua imagem. Com efeito, referido direito é vinculado ao trabalho prestado pelo autor, ao longo dos 90 minutos do jogo, momento em que desempenha a sua atividade específica de profissional jogador de futebol. Observe-se, por relevante, que o mencionado art. 42 é flexível somente no que se refere à per-centagem a ser ajustada - e ainda assim, garantindo ao trabalhador atleta um limite de 20 por cento. Entende-se, portanto, devida a contraprestação, a qual deverá ser previamente ajustada, respeitando-se aquele percentual mínimo, o que não significa retirar-se sua natureza salarial, como entendeu o eg. TRT. Recurso de revista conhecido e provido.

(RR 130400-49.2003.5.04.0006, 2ª T., Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 22.09.2010, Data de Publicação: 01.10.2010)

Nego provimento.”

Consoante afirma o reclamado, às fls. 1201/1214 (seq. 1), o direito de arena deve ser julgado improcedente, porquanto o reclamante não apresentou demonstrativo informando quais jogos que participou e que foram transmitidos pela televisão tampouco os estádios onde foram realizadas as partidas; e este lapso impede uma defesa técnica e precisa e tais informações são necessárias para verificação do valor devido. Insiste na inépcia do pedido.

Por outro lado, assere o recorrente que foi celebrado acordo em setembro de 2000 no processo em trâmite na 23ª Vara Cível do Estado do Rio de Janeiro (Processo nº 97.001.141973-5), reduzindo o percentual relativo ao direito de arena de 20% para 5%. Sustenta a validade da transação, tendo em vista

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que a Lei Pelé, a qual trata especificamente da parcela, permite alteração do percentual caso exista convenção dispondo o contrário (art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998).

Alega ser a parcela somente o paga àqueles participantes do evento es-portivo devidamente televisionado, razão pela qual gera para o atleta apenas uma expectativa de direito.

Assevera, também, que o sindicato tem legitimidade a fim de defender os interesses da categoria e que, em face dos efeitos ex nunc da EC 45/2004, não há falar em limitação de vigência do acordo celebrado.

Aduz ter o valor sido quitado integralmente à razão de 1/18 sobre 5% e, caso não seja este o entendimento, requer a compensação do montante já quitado.

Aponta violação do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 e traz a cotejo os arestos de fls. 1206/1214 (seq. 1).

Ao exame.

O direito de arena diz respeito à remuneração recebida pelo atleta em razão da transmissão de sua imagem, decorrente da participação em partida desportiva.

Conforme dicção do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), cabe às enti-dades de prática desportiva o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou a retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos de que participem. Como visto, o direito de arena decorre de seu vínculo de emprego com o clube.

Assim, integra a remuneração do atleta empregado, não se podendo ne-gar sua natureza jurídica salarial.

De acordo com a norma inscrita no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a porcentagem a ser paga seria de 20%, in verbis:

“§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autoriza-ção, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.”

Contudo, conforme emerge da decisão recorrida, foi celebrado acordo entre o Sindicato que representa os atletas de futebol, o reclamado e o Clube dos Treze, no qual se estipulou o pagamento, a título de direito de arena, no percentual de 5% do preço total da transmissão (processo em trâmite na 23ª Vara Cível do Rio de Janeiro).

A celeuma se estabelece aí, em definir se o patamar estabelecido legal-mente para repasse pode ou não ser reduzido por convenção das partes.

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Segundo a dicção do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, não há dúvida em relação ao percentual a ser rateado entre os participantes, pois é clara ao prever que o valor referente ao direito de arena seria, no mínimo, de 20%. A expressão “salvo convenção em contrário” se refere apenas à possibilidade de se aumentar referido adicional.

Dessa forma, não poderia o Sindicato profissional renunciar a direito já incorporado ao patrimônio jurídico dos atletas, porquanto restringiu direito mí-nimo legalmente assegurado ao reclamante.

Alice Monteiro de Barros, em Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho, 3. ed., São Paulo: LTr, 2008, p. 123, diz: “O direito de arena é dis-ciplinado pela Lei nº 9.615, de 1998, cujo § 1º assegura o percentual de 20% do preço total da autorização aos atletas, como mínimo e garante às entidades de prática desportiva os direitos de negociar, autorizar ou proibir a fixação, transmissão ou retransmissão da imagem de espetáculos ou eventos de que par-ticipem.”

Conclui-se, então, não ser possível a redução do valor de 20%, ante a clareza da lei.

No mesmo sentido, seguem os seguintes precedentes deste Tribunal:

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – ALTE-RAÇÃO DO PERCENTUAL POR ACORDO – IMPOSSIBILIDADE – 1. O direito de arena se refere ao direito das entidades de prática desportiva para autoriza-ção ou não da fixação, transmissão ou retransmissão pela televisão ou qualquer outro meio que o faça, de evento ou espetáculo desportivo, sendo que, do valor pago a essas entidades, 20% (vinte por cento), como mínimo, será destinado aos atletas participantes, dividido em partes iguais, conforme previsão legal. 2. Por sua vez, a base constitucional do direito de arena é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas, e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. 3. Nesses termos, o direito de arena é consequência da participação do atleta nos jogos, decorrente de seu vínculo de emprego com o clube e integra a remuneração do atleta empregado, com na-tureza jurídica salarial. 4. Por outro lado, o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 era claro ao prever que o valor referente ao direito de arena seria, no mínimo, de vinte por cento, pelo que a expressão salvo convenção em contrário se referia à forma de distribuição do percentual entre os atletas ou a possibilidade de se au-mentar referido adicional. Não é possível a redução do valor de vinte por cento. Recurso de revista não conhecido.”

(RR 141100-54.2008.5.04.0024, 3ª T., Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, J. 23.10.2013, DEJT 25.10.2013)

“[...] II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE – DIREI-TO DE ARENA – PERCENTUAL DE 20% PREVISTO EM LEI – REDUÇÃO POR ACORDO JUDICIAL – O Tribunal Regional deferiu ao Reclamante o pagamen-

RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ������������������������������������������������������������� 159

to de diferenças do direito de arena, a serem calculadas sobre o percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais, conforme estipulado em acordo judicial. No recurso de revista, o Reclamante defende que o percentual de 20% estabelecido na lei para o cálculo do direito de arena é o percentual mínimo assegurado e que, nem por norma coletiva, é possí-vel reduzi-lo, apenas majorá-lo. Conforme demonstra a própria data de autuação do recurso de revista nesta Corte Superior (ocorrida em 27.11.2010), os direitos discutidos na presente controvérsia e a publicação do acórdão recorrido são an-teriores à entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011 (havida em 17.03.2011). As-sim, aplica-se à hipótese a redação original do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, segundo o qual, salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profis-sionais participantes do espetáculo ou evento. Nos termos do referido dispositivo legal, era de 20% o critério a ser usado para o cálculo do direito de arena, salvo convenção em contrário. A adoção da expressão – como mínimo – denota logi-camente que o percentual de 20% poderia ser majorado por meio de convenção, mas nunca reduzido. Por conseguinte, ao considerar válido o acordo judicial em que se reduziu de 20% para 5% o percentual do direito de arena, o Tribunal Re-gional violou o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (na redação anterior à entrada em vigor da Lei nº 12.395/2011). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.”

(RR 57800-35.2009.5.04.0001, 4ª T., Rel. Min. Fernando Eizo Ono, J. 06.02.2013, DEJT 05.04.2013)

“[...] RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – ACORDO FIRMADO JU-DICIALMENTE ENTRE CLUBE E SINDICATO – INVALIDADE – A entendimento do relator, ainda que considerado o acordo judicial firmado, a sua incorporação à ordem trabalhista haveria de considerar o prazo máximo por que vigeria um acordo ou convenção coletiva de igual teor, ou seja, só poderia ter validade pelo prazo de 2 anos das normas coletivas, nos termos do art. 614, § 3º, da CLT. No caso dos autos, o acordo sequer ocorreu por meio de norma coletiva. Ademais, o acórdão revela que o pacto foi entabulado em 18.09.2000 e o direito pleite-ado é relativo aos campeonatos de 2006 e 2007, muito após o prazo de dois anos previsto no § 3º do art. 614 da CLT. De toda sorte, prevalece nesta Turma a compreensão de que a previsão do percentual mínimo de 20%, em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, encontrava-se em evidente sintonia com o princí-pio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. É que a referida norma prevê expressamente possibilidade de alteração do percentual, desde que respeitado o percentual mínimo previsto: vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo. A expressão – no mínimo – não faria sentido, ou seria inútil, se estives-se a permitir que convenção em contrário pudesse reduzir esse percentual. Se entendido como formalmente válido o acordo firmado, seus termos não podem gerar efeitos porque reduziu de 20 para 5% o direito de arena , em patente desa-cordo com a previsão do art. 42, § 1º, da Lei Pelé. Recurso de revista conhecido e provido. [...]”

(RR 173200-94.2009.5.03.0108, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, J. 29.08.2012, DEJT 28.09.2012)

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Dessarte, não há falar em violação do art. 42 da Lei nº 9.615/1998.

Os arestos de fls. 1206/1214 (seq. 1) – juntados no original às fls. 1228/1247 (seq. 1) – não trazem a fonte de publicação. Óbice da Súmula nº 337, I, b, e IV, do TST.

O aresto de fl. 1210 (seq. 1) é oriundo do mesmo TRT prolator da decisão recorrida. Óbice da Orientação Jurisprudencial nº 111 da SDI-1 desta Corte.

O aresto de fls. 1213/1214 (seq. 1) é oriundo de Turma do TST, órgão não autorizado pelo art. 896 da CLT.

Não conheço.

2 Direito de arena. Natureza jurídica

Assim concluiu o Regional (fls. 1191/1193 – seq. 1):

“DA NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE ARENA

A reclamada investe contra a decisão recorrida, no tocante à natureza jurídica do direito de arena.

Sustenta que a parcela paga a título de direito de arena tem natureza indenizató-ria, pois visa indenizar o empréstimo da imagem do jogador ao clube vinculado.

Sustenta ser indevida a comparação com as gorjetas, pois os valores não são pagos por terceiros aos atletas, mas sim aos clubes, que efetuam o repasse aos profissionais.

Sem razão o reclamado, no particular.

O direito de arena, ao contrário do que sustenta o recorrente, é contraprestação pecuniária pela participação do atleta no evento e não está vinculado à sua ima-gem, pois é devido no mesmo percentual a todos os participantes, independente do destaque ou projeção que tenham no cenário esportivo.

O direito de imagem, sim, varia de acordo com o prestígio do atleta no mercado esportivo.

Por outro lado, por ser pago por terceiros e apenas repassado, em parte, pelo clube aos atletas tem natureza de remuneração, similar às gorjetas cobradas nas notas de serviço nos restaurantes.

Vale aqui reproduzir ementa do Colendo TST que reproduz o mesmo entendi-mento.

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – A doutrina e a jurisprudência vêm-se posicionando no sentido de que o direito de arena previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a exemplo das gorjetas, que também são pagas por terceiros, integram a remuneração do atleta, nos termos do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.

(RR 128800-22.2001.5.15.0114, 1ª T., Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, J. 12.08.2009, Data de Publicação: 28.08.2009)

Nego provimento.”

RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ������������������������������������������������������������� 161

Às fls. 1214/1226 (seq. 1), sustenta o reclamado a natureza jurídica in-denizatória do direito de arena. Assevera que a atual redação da Lei Pelé (per-petrada pela Lei nº 12.395/2011) vem para reforçar o espírito do texto original.

Aponta violação do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 e traz a cotejo os arestos de fls. 1217/1225 (seq. 1).

O aresto colacionado às fl. 1217/128 (seq. 1), oriundo da 3ª Região e publicado no DJMG de 15.03.2002, autoriza o conhecimento do recurso de revista, porque sufraga tese contrária à expendida pelo Tribunal de origem, con-soante se verifica pela ementa a seguir transcrita:

“ATLETA DE FUTEBOL – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – FRAU-DE – A Lei nº 9.615/1998 trata do direito de arena sob a ótica da imagem do espetáculo ou evento desportivo, e, de acordo com a atual doutrina, o direito de arena e uma espécie do direito de imagem, pois nada mais representa que o direito, individual, do partícipe, no que toca à representação de uma obra ou evento coletivo. Os direitos de imagem não são direitos propriamente trabalhis-tas, mas decorrentes da personalidade, e a paga que lhes corresponde não pode ser considerada integrante da remuneração do atleta empregado. A fraude não se presume, muito menos pelo mero pagamento de importância a título de contrato de trabalho e desportivo, se assim determina a própria lei.”

Conheço, por divergência jurisprudencial.

II – MÉRITO

Direito de arena. Natureza jurídica

O direito de arena é regulado pelo art. 42 da Lei nº 9.615/1998.

É cediço que a redação original do referido dispositivo legal não definia, de forma expressa, a natureza jurídica do aludido.

Não obstante a ausência de definição legal a esse respeito, a jurisprudên-cia deste Tribunal Superior manifestava-se no sentido da sua natureza salarial.

Tal entendimento decorria do fato de que, sendo o aludido direito resul-tante da participação dos atletas profissionais sobre o valor negociado pela en-tidade desportiva com órgãos responsáveis pela transmissão e retransmissão de imagens, o valor percebido, vale dizer, condicionado à participação no evento, resulta da contraprestação por este ato, decorrente da relação empregatícia, possuindo, então, natureza jurídica de salário.

Contudo, em face de sua similaridade com as gorjetas, aplicam-se, por analogia, o art. 457 da CLT e a Súmula nº 354 do TST, o que exclui os reflexos no cálculo do repouso semanal conforme deferido pela origem.

Nesse sentido:

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“I – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – REFLEXOS – O Tribunal Regional declarou que o direito de arena possui natureza salarial e deferiu os reflexos da parcela sobre férias acrescidas do terço constitucional, gratificação natalina, repousos semanais remunerados e FGTS. Todavia, esta Corte Superior tem decidido que o direito de arena possui natureza remuneratória (e não salarial) e que, para efeito de reflexos , a parcela equipara-se às gorjetas, o que atrai a aplicação analógica da Súmula nº 354 deste Tribunal. Nos termos do referido precedente jurispru-dencial, não cabem os reflexos deferidos sobre o repouso semanal remunerado. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá parcial provimento. [...]”

(RR 57800-35.2009.5.04.0001, 4ª T., Rel. Min. Fernando Eizo Ono, J. 06.02.2013, DEJT 05.04.2013)

“[...] DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA SALARIAL – É certo que a par-cela paga a título de direito de arena visa remunerar o atleta, não sendo possível afastar o entendimento de que se trata de parcela de natureza salarial, decorren-do daí os reflexos pretendidos pelo autor. Nesse sentido a jurisprudência desta c. Corte vem firmando o entendimento, quando alude especificamente ao direito de arena como parcela que, sendo paga por terceiros, deve ser integrada ao salário do atleta, por aplicação analógica da Súmula nº 354 do c. TST. Precedentes do c. TST. Recurso de revista conhecido e desprovido.”

(RR 2198-06.2011.5.03.0005, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, J. 11.09.2013, DEJT 13.09.2013)

“[...] DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – O direito de arena possui natureza remuneratória, porque vinculada ao contrato de trabalho e à prestação de serviços dos jogadores profissionais aos clubes, ainda que pagas por terceiros. Desse modo, aplicando por analogia as disposições do art. 457 da CLT e da Sú-mula nº 354 do TST, que tratam das gorjetas, tem-se permitido o reconhecimento da natureza remuneratória dessa parcela, bem como a determinação de seus reflexos sobre férias, 13º salário e FGTS. Precedentes. Recurso de Revista conhe-cido e provido. [...]”

(RR 60600-24.2004.5.01.0024, 8ª T., Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, J. 17.10.2012, DEJT 26.10.2012)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – A ju-risprudência desta Corte tem atribuído natureza jurídica remuneratória à parcela paga ao atleta decorrente do denominado direito de arena. De outro lado, não corresponde a uma parcela paga diretamente pelo empregador, aproximando-se do sistema das gorjetas. Em face de sua similaridade com as gorjetas, aplica-se, por analogia, o art. 457 da CLT e a Súmula nº 354 do TST, o que exclui os reflexos no cálculo do aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal e autoriza, contrariu sensu, na gratificação natalina, férias com o terço constitucio-nal e no FGTS. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.”

(RR 156900-80.2008.5.01.0065, 5ª T., Rel. Min. Emmanoel Pereira, J. 07.12.2011, DEJT 16.12.2011)

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Assim, dou parcial provimento ao recurso de revista do reclamado, para determinar a exclusão dos reflexos dos valores deferidos por direito de arena sobre o repouso semanal remunerado.

Isto posto

Acordam os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Traba-lho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista quanto ao tema “direito de arena – natureza jurídica”, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para determinar a exclusão dos reflexos dos valores deferidos por direito de arena sobre o repouso semanal remunerado; e não co-nhecer do recurso em relação ao tópico “direito de arena – alteração do percen-tual previsto em lei por acordo judicial – impossibilidade”.

Brasília, 12 de março de 2014.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006) Dora Maria da Costa Ministra Relatora

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1015

Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0024.10.148413‑7/001Numeração 1484137‑Comarca de Belo HorizonteApelante(s): Clube Atlético MineiroApelado(a)(s): Uberlândia Esporte ClubeRelator: Des.(a) Sebastião Pereira de SouzaRelator do Acórdão: Des.(a) Sebastião Pereira de SouzaData do Julgamento: 05.06.2013Data da Publicação: 14.06.2013

emenTa

APELAÇÃO CÍVEL – CESSÃO DE “PASSE” DE ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – DIREITO A PERCENTUAL DA VENDA DECORRENTE DE CONVÊNIO FIRMADO ENTRE AS PARTES – EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO – INAPLICABILIDADE – INCIDÊNCIA DA LEI PELÉ – INALTERABILIDADE DA DISCUSSÃO DA LIDE – AUSÊNCIA DE PROVA DE APROVAÇÃO NOS EXAMES MÉDICOS DO CLUBE CESSIONÁRIO – DESNECESSIDADE – CONFIRMAÇÃO DO CONTRATO PELAS PROVAS DOS AUTOS – PROVA ILÍCITA – NÃO COMPROVAÇÃO DA ILICITUDE – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – INOCORRÊNCIA – NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO E AO RECURSO DE APELAÇÃO

Não havendo previsão legal que se adéqüe ao caso concreto, o prazo prescricional aplicável é o de dez anos – inteligência do art. 205 do Código Civil: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

A exceção do contrato não cumprido é disciplinada pelo Código Civil no art. 476. [...] nos contratos sinalagmáticos, uma obrigação somen-te pode ser exigida após o cumprimento da contraprestação corres-pondente.

O Código de Ética e Disciplina da OAB é claro ao dispor que o ad-vogado que teve acesso a informações privilegiadas ao prestar seus serviços a alguém não pode opor tais fatos ou dados em ações dire-cionadas contra seus antigos clientes.

A litigância de má-fé exige prova inequívoca de seu elemento subje-tivo, sob pena de se configurar em óbice indireto ao acesso ao Judi-ciário e afronta ao art. 5º, XXXV, da CF/1988.

RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ������������������������������������������������������������� 165

Negaram provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação.

aCÓrdãO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unani-midade, em negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação.

Des. Sebastião Pereira de Souza Relator

VOTO

Trata-se de recurso de apelação visando à reforma da r. sentença de fls. 368/373 que, nos autos da Ação de Cobrança proposta pelo Uberlândia Esporte Clube em face do Clube Atlético Mineiro, julgou parcialmente proce-dentes os pedidos iniciais, condenando o réu a pagar R$ 589.200,00, corrigidos pelo INPC de 30.11.2000 até a propositura da ação e a partir de então pela tabela da CJTJMG, mais juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. A r. sentença condenou o réu ainda nas custas e honorários advocatícios, estes fixa-dos em 12% sobre o valor da condenação.

Inconformado, o Clube Atlético Mineiro interpôs o presente recurso de apelação nas fls. 374/383, requerendo, preliminarmente, que fosse conhecido e provido o agravo retido interposto. No mérito, alegou em breve síntese, que a inadimplência contratual do apelado desobriga o apelante; que desde a vigên-cia da Lei Pelé os atletas profissionais passaram a adquirir o direito ao seu passe no final do contrato de trabalho, de modo que não se pode conceber o paga-mento por direito extinto; que não há provas nos autos de que o atleta tenha sido aprovado nos exames médicos do cessionário (Benfica), que era condição para o contrato; e que o apelado somente teve acesso aos documentos que fun-damentam sua pretensão porque seu advogado trabalhava para o apelante, e que por isto tais provas não são moralmente aceitáveis, contrariando o disposto no art. 332 do CPC.

Ao final, requereu em preliminar que fosse conhecido e provido o agravo retido e, no mérito, que fosse dado provimento ao recurso, para reformar a r. sentença recorrida, julgando improcedentes os pedidos iniciais.

Contrarrazões nas fls. 386/397, pugnando pelo desprovimento do recur-so e requerendo a condenação do apelante nas penas por litigância de má-fé.

É o relatório.

Decido.

166 ��������������������������������������������������������� RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Conheço do apelo, porque constatados os pressupostos subjetivos e ob-jetivos de admissibilidade recursal.

Agravo retido – PrescriçãoEm preliminar, pugna o apelante pelo provimento do agravo retido in-

terposto nas fls. 234/243 visando à reforma da r. decisão nas fls. 225/226, que afastou a prejudicial de mérito de prescrição.

Insurge o requerente alegando, em breve síntese, que a pretensão autoral encontra-se prescrita, em vista do decurso dos prazos do art. 206 do Código Civil.

Pois bem. A prescrição está disciplinada no Código Civil nos arts. 205 e 206, que tratam dos prazos de ocorrência em cada hipótese específica (art. 206), ou da hipótese atípica (art. 205).

No caso dos autos, pretende o agravante enquadrar a pretensão de co-brança do autor nas hipóteses do § 3º, IV e V, ou do § 5º, I, ambos do art. 205 do CC.

Contudo, tenho que a presente ação de cobrança não versa sobre quais-quer das hipóteses enumeradas. Isto porque, a ação de cobrança em comento não versa sobre ressarcimento de enriquecimento sem causa ou sobre repara-ção civil, pois a pretensão colimada consiste na cobrança de dívida contratual não paga. Tampouco pode a presente ação ser considerada cobrança de dívida líquida, inclusive porque a sentença que julgou improcedente o pleito monitó-rio ajuizado pelo autor da presente demanda (fls. 20/23) declarou a iliquidez do documento.

Assim, não havendo previsão legal que se adéque ao caso concreto, o prazo prescricional aplicável é o de dez anos – inteligência do art. 205 do Có-digo Civil: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor”.

Destarte, cabe observar se o autor perdeu a faculdade de ingressar com a ação pelo decurso dos dez anos de que trata a lei civil.

Primeiramente, tem-se que o valor cobrado pelo autor tornou-se exigí-vel em novembro do ano 2000, data em que o agravante deixou a disputa da Copa Mercosul daquele ano, momento em que restou satisfeita a cláusula 3 do contrato firmado entre o Clube Atlético Mineiro e o Benfica Futebol SAD (fls. 27/29).

Ocorre que em maio do ano de 2002, o apelado ajuizou ação monitória, interrompendo o prazo prescricional – inteligência do art. 219 do CPC –, e tal ação foi julgada em definitivo somente em agosto de 2003, quando então se reiniciou a contagem do prazo.

Destarte, concluí-se que a pretensão autoral estaria prescrita somente em agosto de 2013, e sendo a presente ação ajuizada em junho de 2010, resta afas-tada a prejudicial de mérito arguida.

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Nestes termos, nego provimento ao agravo retido.

Ultrapassada a análise preliminar do agravo, passo ao mérito.

MÉRITO

Da exceção do contrato não cumprido

Pretende o apelante que seja reconhecida a aplicabilidade da exceção do contrato não cumprido ao caso em apreço, de modo a afastar sua obrigação de pagar a porcentagem prevista na cláusula 3ª do instrumento de fls. 53/55 firmado entre as partes, decorrente da venda do atleta profissional André Mo-reira Neles ao Benfica Futebol SAD (contrato de cessão do “passe” do atleta nas fls. 56/58)

Pois bem. A exceção do contrato não cumprido é disciplinada pelo Có-digo Civil no art. 476, que assim dispõe:

Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.

Daí deduz-se que, nos contratos sinalagmáticos, uma obrigação somente pode ser exigida após o cumprimento da contraprestação correspondente.

Contudo, no caso dos autos, não vislumbro nos autos prova do descum-primento do “Instrumento particular de convênio desportivo” firmado entre as partes (fls. 53/55), não tendo o apelante comprovado a desatenção a quaisquer das obrigações postas nas cláusulas do convênio.

Em sendo assim, não havendo prova do inadimplemento, não pode o réu/apelante pleitear a aplicação do instituto da exceção do contrato não cum-prido para fins de obstar o reconhecimento do direito do autor, sem prejuízo de eventual ação autônoma discutindo a matéria.

Da perda dos direitos sobre os passes dos atletas após o advento da Lei Pelé

Alega o apelante que após o advento da Lei Pelé, findo o contrato de trabalho, extingue-se também o vínculo desportivo do atleta com a entidade desportiva.

Contudo, sem maiores digressões, é de fácil conclusão que a lei em co-mento em nada altera a discussão da presente lide, pois o que se pretende no caso é a cobrança de percentual de valores percebidos pelo Clube Atlético Mineiro em virtude de negociação com um clube estrangeiro. Ora, se à época o valor da venda foi recebido pelo clube, pouco importa se hoje o atleta já adqui-riu os direitos sobre seu “passe”, por não ser este o objeto da lide.

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Da ausência de prova do exame médico – Condição para efetivação do contrato entre o Clube Atlético Mineiro e o Benfica Futebol SADAduz o apelante que a cláusula 8 do contrato firmado entre o Clube

Atlético Mineiro e o Benfica Futebol SAD, para a cessão do “passe” do atleta André Moreira Neles, previa que o contrato estaria “sujeito aos resultados dos exames médicos a que o atleta se submeterá no Departamento Médico do ces-sionário”, e que não há provas nos autos de que tal condição tenha sido suprida.

Entretanto, não merece ser acolhida a tese apresentada. É que apesar de inexistir nos autos os alegados documentos, o conjunto probatório denuncia que o contrato se realizou, conforme se vê das fls. 59/63, que demonstram que a atuação do atleta no clube cessionário foi amplamente divulgada pela imprensa.

Prova ilícitaPor fim, alega o apelante que a prova que motivou a ação é ilícita, pois

se trataria de instrumento particular do Atlético, que somente chegou às mãos do apelado porque um dos advogados do Uberlândia, que patrocinou a ação monitória cuja cópia consta nos autos (fls. 18/51), à época da celebração do contrato entre o Atlético e o Benfica patrocinava os interesses do apelante.

De fato é bastante relevante a argumentação apresentada neste ponto do recurso, uma vez que o Código de Ética e Disciplina da OAB é claro ao dispor que o advogado que teve acesso a informações privilegiadas ao prestar seus serviços a alguém não pode opor tais fatos ou dados em ações direcionadas contra seus antigos clientes.

Confira o que dispõe o art. 19 do aludido diploma legal:

Art. 19. O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou ex--empregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o segredo profissio-nal e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas.

Destarte, se comprovada a conduta do advogado, de certo a prova em comento deveria ser desconsiderada, por força do art. 5º, inciso LVI da Cons-tituição: “LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”, respondendo o causídico pelos atos praticados.

Contudo, tenho que este não é o caso dos autos.

É que apesar de ter restado comprovado o antigo vínculo do advogado Guilherme Aquino com o Clube Atlético Mineiro, e sua posterior ligação com o Uberlândia Esporte Clube, o apelante não se desincumbiu do ônus de com-provar que o contrato particular firmado entre Atlético e Benfica não poderia ter chegado às mãos do apelado por outros meios, tais como por meio das federa-ções de futebol, ou até mesmo pelo próprio clube português.

RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ������������������������������������������������������������� 169

CONCLUSÃOSendo assim, conclui-se que os argumentos trazidos à baila pelo recurso

não se mostraram suficientes para proceder a reforma da r. sentença.

E estando comprovada a venda do atleta profissional André Moreira Neles ao Benfica (fls. 56/58) e que o convênio firmado entre as partes previa em sua cláusula 3ª o pagamento do valor ora cobrado (fls. 53/55), considerando ainda que o apelante confessou não ter efetuado tal pagamento, inclusive in-vocando a aplicação do instituto da exceção do contrato não cumprido, restou configurado a existência de relação creditícia entre as partes.

Em sendo assim, imperiosa a manutenção da r. sentença de primeiro grau, para manter a condenação do Clube Atlético Mineiro, que deverá pagar ao Uberlândia Esporte Clube o valor total de R$ 589.200,00, valor que é infe-rior aos 15% do valor total da venda do atleta (R$ 3.956.000,00), por ser o total pretendido na inicial.

Litigância de má-fé (contrarrazões)Quanto à alegação do Uberlândia Esporte Clube de que o apelante es-

taria agindo com má-fé processual, não vislumbro a conformação do contexto fático a nenhuma das hipóteses configurativas da alegada situação, previstas no art. 17 do Estatuto Processual, ausente o intuito protelatório ou temerário do feito, eximindo-se, também, o autor da comprovação dos danos processuais sofridos a esse título.

Ademais, a litigância de má-fé exige prova inequívoca de seu elemento subjetivo, sob pena de se configurar em óbice indireto ao acesso ao Judiciário e afronta ao art. 5º, XXXV, da CF/1988.

Assim, rejeito o pedido de condenação do apelante nas penas de litigân-cia de má-fé.

DISPOSITIVOCom esses fundamentos, nego provimento ao recurso de apelação, man-

tendo incólume a r. sentença vergastada.

Custas recursais, pelo apelante.

É como voto.

Des. Otávio de Abreu Portes (Revisor) – De acordo com o(a) relator(a).

Des. Francisco Batista de Abreu – De acordo com o(a) relator(a).

Súmula: “Negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação”.

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1016

Tribunal de Justiça do Estado de Minas GeraisApelação Cível nº 1.0024.10.166493‑6/001Numeração 1664936‑Comarca de Belo HorizonteApelante: Clube Atlético MineiroApelado: Município de Belo HorizonteRelator: Des.(a) Áurea BrasilRelator do Acórdão: Des.(a) Áurea BrasilData do Julgamento: 13.06.2013Data da Publicação: 19.06.2013

emenTa

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – IPTU E CCIP – PRELIMINAR – NULIDADE DA CDA – NÃO OCORRÊNCIA – NOTIFICAÇÃO PESSOAL – PRESCINDIBILIDADE – LANÇAMENTO DE OFÍCIO MEDIANTE O ENVIO DE CARNÊ – ÔNUS DA PROVA DO CONTRIBUINTE – PRECEDENTES DO STJ – PUBLICAÇÃO DE EDITAL – REGULARIDADE – INSTAURAÇÃO DE PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO – DESNECESSIDADE – REJEITADA

1. O envio da guia de recolhimento do IPTU e da CCIP para o en-dereço do contribuinte configura notificação presumida acerca do lançamento dos tributos, cabendo-lhe afastar a presunção em juízo, comprovando o seu não recebimento.

2. Regularidade da notificação corroborada pela posterior publicação de edital.

3. Nas hipóteses em que o lançamento do débito fiscal se dá de ofício, o processo administrativo contencioso é dispensável, instaurando-se apenas quando o contribuinte, notificado, impugna o valor exigido pela Administração.

4. É, portanto, regular a CDA, vez que preenche todos os requisi-tos legais (LEF, art. 2º, § 5º), apontando o valor original do débito, o imóvel sobre o qual incidiu a cobrança e a data em que se operou o lançamento.

5. Preliminar rejeitada.

MÉRITO – MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE – IPTU – ASSOCIAÇÃO CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS – IMUNIDADE DO ART. 150, VI, C DA CF/1988 – NÃO ATENDIMENTO AOS

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REQUISITOS DO ART. 14 DO CTN – ENTIDADE DE PRÁTICA DESPORTIVA PROFISSIONAL – LEI Nº 9.615/1998 – CARACTERIZAÇÃO COMO SOCIEDADE EMPRESÁRIA PARA EFEITOS FISCAIS – BENEFÍCIO NÃO DEVIDO – CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DA ILUMINAÇÃO PÚBLICA – EC 39/2002 – CONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO – CRIAÇÃO DE NOVO TIPO TRIBUTÁRIO PELO CONSTITUINTE DERIVADO – POSSIBILIDADE – TRIBUTOS LEGITIMAMENTE COBRADOS – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL REJEITADOS – RECURSO NÃO PROVIDO

1. A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b e c da CF/1988 aos partidos políticos e às entidades sindicais, educacionais e assis-tenciais imprescinde de um exame quanto à origem do patrimônio, renda e/ou serviço.

2. Inexistente comprovação de que o Clube Atlético Mineiro desem-penha atividades sociais sem fins lucrativos, de que sua contabilidade está de acordo com o que estabelece seu Estatuto Social, de que sua escrituração contábil encontra-se regular e de que o bem tributado encontra-se ocupado e em uso para a prestação dos “serviços assis-tenciais”, não há como se reconhecer a imunidade do IPTU.

3. Conforme definições contidas na Lei nº 9.615/1998 (“Lei Pelé”), o apelante constitui-se entidade de prática desportiva profissional, con-siderado sociedade empresária para efeitos tributários, fiscais, previ-denciários, financeiros, contábeis e administrativos.

4. Embora as taxas de iluminação pública tenham sido reiteradamen-te consideradas inconstitucionais, em virtude de o serviço não possuir a divisibilidade e individuação necessárias à caracterização deste tipo de exação, certo é que, após a edição da EC 39/2002, houve o acrés-cimo de um novo tipo tributário ao sistema constitucional, previsto no art. 149-A, correspondente às contribuições para o custeio da ilu-minação pública.

5. Não afronta cláusula pétrea a instituição de novos tipos tributários pelo constituinte derivado. Entendimento do STF no RE 573.675, com reconhecimento de repercussão geral.

6. Recurso a que se nega provimento.

aCÓrdãO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unani-midade, em negar provimento ao recurso.

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Desembargadora Áurea Brasil Relatora

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Clube Atlético Mineiro em face da r. sentença de fls. 166/168, proferida pelo MM. Juiz de Direito Ronaldo Batista de Almeida, da 3ª Vara de Feitos da Fazenda Pública Municipal da Co-marca de Belo Horizonte, que rejeitou os embargos por ele opostos à execução fiscal que lhe move o Município de Belo Horizonte, condenando o embargante, ora apelante, ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).

Em suas razões recursais (fls. 175/185), o apelante argui preliminarmen-te a nulidade da CDA que embasa a execução fiscal adjacente, por suposta violação aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, ante a supressão da discussão administrativa do crédito tributário, o que gera inexistência de certeza do título executivo. No mérito pro-priamente dito, alega que: a) trata-se de uma associação esportiva e, como tal, não almeja lucro, conforme prescreve o art. 2º de seu Estatuto Social; b) outros-sim, o art. 68, § 2º, do mesmo Estatuto veda a distribuição de lucro ou renda a dirigentes e associados; c) tal premissa também se aplica aos demais sócios, vez que o art. 4º, § 2º, do Estatuto estabelece que, na remota hipótese de dissolução da associação, o patrimônio social seria revertido a instituições de caridade; d) não restam dúvidas que restaram configurados os requisitos exigidos nos arts. 150, VI, c da CR/1988 e 9º, IV, 14, I, II, III, do CTN; e) desse modo, faz jus à imunidade tributária, o que impõe a desconstituição do crédito executado, ainda que em face da alegação de que a atividade passível de ser beneficiada com a imunidade seria meramente secundária; f) em se tratando de imunida-des, a interpretação deve ser a mais extensiva possível, de modo a assegurar o cumprimento do objetivo constitucional de inclusão social; g) inexiste qual-quer restrição constitucional a que a atividade de inclusão social abarcada pelo art. 150, V, c tenha, ou não prevalência sobre as demais, não sendo lícito ao intérprete restringir onde o constituinte não o fez; h) deve, pois, ser reconhecido o seu direito à imunidade tributária, conforme já decidido por este Tribunal no julgamento da Apelação Cível nº 1.0024.09.654.911-8/001, de objeto análogo; i) conforme entendimento manifestado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.0000.04.405153-0/000, a contribuição para custeio de iluminação pública instituída pela Lei municipal nº 8.468/2002 é inconstitucional. Pugna, alfim, pelo provimento de seu recurso, para que seja reformada a r. sentença de pri-meiro grau, desconstituindo-se o título executivo e declarando-se a insubsistên-cia da execução fiscal.

Preparo às fls.186/187.

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Contrarrazões apresentadas às fls.193/221.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ape-latório.

I – PRELIMINAR

O apelante argui preliminar de nulidade da Certidão de Dívida Ativa que embasa a execução fiscal adjacente, ao fundamento de que houve violação aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido pro-cesso legal, ante a supressão da discussão administrativa do crédito tributário.

Entretanto, não há de se falar em “inexistência de certeza do título execu-tivo”, haja vista a dispensabilidade da instauração de prévio processo adminis-trativo tributário e, por conseguinte, da desnecessidade de notificação pessoal do contribuinte em relação ao lançamento do IPTU.

A execução fiscal a que se referem os embargos sub examine lastreou-se na CDA cuja cópia se encontra às fls. 22/23, a qual aponta débitos relativos a IPTU e Contribuição para o Custeio dos Serviços de Iluminação Pública (CCIP) de 2005.

Na certidão, há descrição do valor original dos débitos, do imóvel sobre o qual incidiu a cobrança, bem como da data em que se operou o lançamento. Há ainda referência aos juros e índices de correção aplicados, subsumindo-se, destarte, aos requisitos do art. 2º, § 5º da LEF.

O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) do Município de Belo Horizonte tem sua regulamentação na Lei Municipal nº 5.641/1989, que prevê, em seus arts. 64, 94 e 95:

Art. 64. Considera-se ocorrido o fato gerador do IPTU no dia 1º de janeiro de cada exercício financeiro.

Art. 94. O lançamento do IPTU será anual e deverá ter em conta a situação fática do imóvel existente à época da ocorrência do fato gerador.

Parágrafo único. Poderão ser lançadas e cobradas com o IPTU as taxas que se relacionem direta ou indiretamente com a propriedade ou posse do imóvel.

Art. 95. O lançamento será feito de ofício, com base nas informações e dados levantados pelo órgão competente, ou em decorrência dos processos de “Baixa e Habite-se”, “Modificação ou Subdivisão de Terreno” ou, ainda, tendo em conta as declarações do sujeito passivo e de terceiros, na forma e prazos previstos em regulamento.

O IPTU é, portanto, espécie tributária sujeita a lançamento de ofício, sendo que, nesta hipótese, o processo administrativo contencioso é dispensá-

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vel, instaurando-se apenas quando o contribuinte, notificado, impugna o valor exigido pela Administração.

Outrossim, nos termos da Lei municipal nº 8.468/2002, a cobrança da CCIP encontra-se vinculada ao IPTU, afigurando-se, destarte, correto o seu lan-çamento também “de ofício”, porque baseado em dados cadastrais já constan-tes dos arquivos do Município.

É dizer: sendo o lançamento de ofício, apenas se o contribuinte não con-cordar com o pagamento do tributo é que se dará início a procedimento admi-nistrativo específico.

Sobre o lançamento de ofício, ensina Ricardo Alexandre:

São casos em que a autoridade fiscal se utilizará dos dados que dispõe a respei-to do sujeito passivo, identificando-o, declarando a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinando a matéria tributável, calculando o montante do tributo devido e, sendo o caso, aplicando a penalidade cabível. (Direito tributário esquematizado. 5. ed. São Paulo: Método, 2011. p. 389)

Nessa senda, resta esvaziada a alegação do recorrente de que o fato de não ter havido instauração de processo administrativo tributário teria violado seu direito ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal.

Da mesma forma, afigura-se descabida a alegação de nulidade do título executivo, por ausência de comprovação da regular notificação administrativa do contribuinte.

Em se tratando de tributo sujeito a lançamento “de ofício”, o recebimen-to, pelo contribuinte, do boleto anual contendo o exato valor do tributo a ser recolhido gera presunção de que o mesmo tomou efetiva ciência de sua obri-gação de pagamento.

A questão já restou sumulada pelo c. Superior Tribunal de Justiça: Súmu-la nº 397: O contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carnê ao seu endereço (Data de aprovação: 23.09.2009, Data de publicação: 07.10.2009).

Ressalta-se que, em um dos julgados que embasou a referida súmula, os Ministros definiram, ainda, que cabe ao contribuinte apresentar as provas de que não recebeu o carnê de cobrança e aquelas visando a afastar a presunção de certeza e liquidez do título – o que, na hipótese dos autos, sequer veio a ser alegado pelo apelante.

Entendeu aquela Corte que não se exige comprovação da efetiva entrega da guia do IPTU, tendo-se por pressuposto que a Administração Pública desem-penhou regularmente a sua função, ao realizar o lançamento de ofício e enviar o carnê ao seu endereço, e eventual escusa somente seria aceita na hipótese de

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comprovado erro no envio das guias de recolhimento pelo Município, o que também sequer veio a ser aventado pelo recorrente.

Essa circunstância especial de lançamento torna, pois, dispensável a no-tificação pessoal do devedor, sendo suficiente a comunicação via edital, que encontra previsão no art. 21 da Lei municipal nº 1.310/1966, verbis:

Art. 21. O lançamento dos tributos e suas modificações serão comunicados aos contribuintes, individual ou globalmente, a critério da administração:

I – através de notificação direta, feita como aviso, para servir como guia de re-colhimento;

II – através de edital publicado no órgão oficial;

III – através de edital afixado na Prefeitura.

In casu, o Município de Belo Horizonte comprova a realização da comu-nicação ficta, mediante a juntada aos autos do edital de notificação do lança-mento datado de 03.01.2005 (fl. 130)

Isso posto, à vista da dispensabilidade da instauração de prévio processo administrativo tributário e da desnecessidade de notificação pessoal do con-tribuinte em relação ao lançamento do IPTU e da CCIP, não há de se falar em nulidade do título executivo, razão pela qual rejeito a preliminar arguida pelo apelante.

II – MÉRITO

Primeiramente, passo à análise da imunidade tributária propugnada pelo apelante relativamente ao IPTU, cuja previsão se encontra no art. 150, inciso VI, alínea c, da CF/88, in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI – instituir impostos sobre:

[...]

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de as-sistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; [...]

A norma em questão diz respeito às “imunidades não autoaplicáveis”, pois, para sua incidência, dependem do incremento de condições previstas na legislação infraconstitucional, previstas no art. 14 do CTN:

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Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

§ 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do art. 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

§ 2º Os serviços a que se refere à alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusiva-mente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Isso posto, cumpre verificar se o recorrente preenche os requisitos acima transcritos para poder usufruir do benefício constitucional por ele invocado.

O Clube Atlético Mineiro é uma associação civil de utilidade pública, sem fins lucrativos, que tem por objetivos promover atividades esportivas, so-ciais, recreativas, culturais, cívicas, inclusive de, pelo menos, três modalidades de esportes olímpicos amadores e, de forma especial, a de futebol, nos termos da legislação pertinente em vigor, assim fomentando a prática desportiva, e cooperando para a realização do dever do Estado, previsto no art. 217 da Cons-tituição da República Federativa do Brasil (ex vi arts. 1º e 2º do Estatuto Social de fls. 67/92-TJ).

Da análise dos referidos dispositivos, não se extrai que o apelante enqua-dra-se no conceito de instituição de assistência social. O simples fato de ser uma associação sem fins lucrativos não conduz inexoravelmente a esta conclusão.

E, embora o recorrente noticie promover ações de inclusão social de jo-vens carentes, sequer traz aos autos qualquer comprovação desta circunstância.

Ademais, para que se pudesse afirmar que a contabilidade do Clube Atlético Mineiro encontra-se de acordo com seu Estatuto Social, bem como constatar a regularidade de sua escrituração contábil, haveria de ser realizada perícia contábil, a qual, no entanto, sequer veio a ser pleiteada pelo apelante, que se limitou à produção de prova documental.

Registra-se, outrossim, que, para que a imunidade fosse estendida ao imóvel gerador dos débitos ora impugnados – localizado à Rua Paulo Ribeiro Bastos, nº 131, Bairro Jardim Atlântico, nesta Capital –, far-se-ia indispensável a demonstração de que o bem encontra-se ocupado e em uso para a prestação dos “serviços assistenciais”, ônus do qual também não se desincumbiu o recor-rente.

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Data maxima venia, na presente espécie, a prova de que o imóvel é diretamente utilizado para consecução das alegadas “atividades assistenciais” ou, se utilizado em atividades correlatas ou alugado a terceiros, de que o patri-mônio da entidade e/ou eventual renda dele proveniente é de fato revertida em favor da consecução dos objetivos sociais do Clube Atlético Mineiro, afigura-se imprescindível para a obtenção do benefício.

Como se não bastasse, o apelante constitui-se entidade de prática des-portiva profissional, conforme definições contidas na Lei nº 9.615/1998 (“Lei Pelé”), a qual institui normas gerais sobre desporto no Brasil:

Art. 26. Atletas e entidades de prática desportiva são livres para organizar a ati-vidade profissional, qualquer que seja sua modalidade, respeitados os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais cuja re-muneração decorra de contrato de trabalho desportivo.

Art. 27. (omissis)

[...]

§ 10. Considera-se entidade desportiva profissional, para fins desta Lei, as enti-dades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se organizarem e as entidades de administração de desporto profissional.

[...]

§ 13. Para os fins de fiscalização e controle do disposto nesta Lei, as atividades profissionais das entidades de prática desportiva, das entidades de administração de desporto e das ligas desportivas, independentemente da forma jurídica como estas estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresárias, notada-mente para efeitos tributários, fiscais, previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos.

Estabelece a lei, portanto, que as entidades de prática desportiva pro-fissional consideram-se sociedades empresárias para efeitos tributários, fiscais, previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos, independentemente da forma societária em que estejam constituídas.

Nesse passo, e sendo da essência da sociedade empresária a finalidade de lucro, descabido o enquadramento do apelante como entidade de assistên-cia social sem fins lucrativos, o que, por si só, torna-lhe inaplicável a imunidade prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal.

Destarte, correta a sentença no tocante ao não reconhecimento da imu-nidade do apelante em relação ao IPTU, devidamente cobrado na execução fiscal em apenso.

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Por fim, o apelante defende a inconstitucionalidade da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública que também é objeto da cobrança forçada.

Pois bem. A Contribuição para Custeio da Iluminação Pública (CCIP), instituída pelo Município de Belo Horizonte, já foi alvo de exame pela Corte Superior deste eg. Tribunal de Justiça, que, diferentemente do sustentado pelo recorrente, concluiu pela constitucionalidade de sua edição e de sua base de cálculo, tendo em vista a autorização para a instituição do tributo conferida pela EC 39/2002.

Na ocasião, constatou-se apenas violação ao princípio da anterioridade, pelo que foi conferida interpretação conforme a Lei municipal nº 8.468/2002, nos seguintes termos (trecho do acórdão que julgou os embargos de declaração interpostos nos autos da ADI 1.0000.04.405153-0/000):

É que, ao fundamento de que a adoção da tarifa de energia elétrica, como base de cálculo da contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, viola o princípio da anterioridade, previsto no art. 150, III, b, da Constituição da República, a que se reporta o art. 152 da Constituição Estadual, caberia dizer que tal violação não ocorre se se utilizar tal tarifa como base de cálculo, desde que com o valor apurado no mês de dezembro do ano imediatamente anterior ao do exercício em que se der a cobrança do tributo.

É que tal medida afastaria o empecilho que se viu criado, segundo o entendimen-to adotado no acórdão embargado, com a adoção de uma base de cálculo que pode flutuar ao longo do exercício em que cobrada a contribuição em questão.

Além disso, conforme o já citado magistério de Gilmar Ferreira Mendes, “no caso de duas interpretações possíveis de uma lei, há de se preferir aquela que se revele compatível com a Constituição”, mesmo porque “os Tribunais devem [...] partir do princípio de que o legislador busca positivar uma norma constitucional”. (In Jurisdição constitucional. 3. ed. Editora Saraiva, 1999, p. 279)

Portanto, se se interpretar o art. 6º, da Lei objeto da presente representa-ção, considerando que a tarifa ali referida é a do mês de dezembro anterior ao exercício da cobrança, fica devidamente resguardado o princípio da segurança jurídica, no qual se assenta o da anterioridade.

Cuida-se, como se vê, de se aplicar a interpretação conforme a Constitui-ção, técnica de controle de constitucionalidade, como sabido, “que encontra o limite de sua utilização no raio das possibilidades hermenêuticas de extrair do texto uma significação normativa harmônica com a Constituição” (ADI 3046/SP – São Paulo, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, J. 15.04.2004, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ de 28.05.2004, p. 00492). (TJMG, Corte Superior, Embar-gos de Declaração nº 1.0000.04.405153-0/001, Rel. Des. José Antonino Baía Borges, J. 26.10.2005, 24.02.2006).

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Embora as malfadadas taxas de iluminação pública tenham sido reitera-damente consideradas inconstitucionais por esta Corte e também pelo c. STF, em virtude de o serviço não possuir a divisibilidade e especificidade necessá-rias à caracterização desse tipo de exação, o fato é que, após a edição da EC 39/2002, houve o acréscimo de um novo tipo tributário ao sistema constitucio-nal, previsto no art. 149-A, correspondente às contribuições para o custeio da iluminação pública, nos seguintes termos:

Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.

Com a novel autorização em âmbito constitucional possibilitando a cria-ção da contribuição pelos municípios, restou superada a discussão a respeito da inconstitucionalidade das anteriores taxas para o custeio da iluminação pública.

Todavia, iniciaram-se as arguições a respeito de eventual violação à cláu-sula pétrea pela EC 39/2002.

No entanto, chamado a se manifestar, o Pretório Excelso posicionou-se, por seu Órgão Pleno, pela validade da instituição das contribuições para o cus-teio da iluminação pública após a mencionada alteração constitucional, já que não há expressa vedação à criação de novos tributos pelo constituinte derivado no § 4º do art. 60 da Carta Magna.

A propósito:

CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – RÉ INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL – CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – COSIP – ART. 149-A DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – LEI COMPLEMENTAR Nº 7/2002, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ, SANTA CATARINA – COBRANÇA REALIZADA NA FATURA DE ENERGIA ELÉTRICA – UNIVERSO DE CONTRI-BUINTES QUE NÃO COINCIDE COM O DE BENEFICIÁRIOS DO SERVIÇO – BASE DE CÁLCULO QUE LEVA EM CONSIDERAÇÃO O CUSTO DA ILU-MINAÇÃO PÚBLICA E O CONSUMO DE ENERGIA – PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA QUE EXPRESSA O RATEIO DAS DESPESAS INCORRIDAS PELO MUNICÍPIO – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA – INOCORRÊNCIA – EXAÇÃO QUE RESPEITA OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE – RECURSO EXTRAORDINÁ-RIO IMPROVIDO – I – Lei que restringe os contribuintes da Cosip aos consumi-dores de energia elétrica do município não ofende o princípio da isonomia, ante a impossibilidade de se identificar e tributar todos os beneficiários do serviço de iluminação pública. II – A progressividade da alíquota, que resulta do rateio do custo da iluminação pública entre os consumidores de energia elétrica, não afronta o princípio da capacidade contributiva. III – Tributo de caráter sui generis,

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que não se confunde com um imposto, porque sua receita se destina a finalidade específica, nem com uma taxa, por não exigir a contraprestação individualizada de um serviço ao contribuinte. IV – Exação que, ademais, se amolda aos princí-pios da razoabilidade e da proporcionalidade. V – Recurso extraordinário conhe-cido e improvido. (RE 573.675, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 25.03.2009, DJe 21.05.2009)

No caso acima, a maioria dos Ministros entendeu que a EC 39/2002 não implicou violação a qualquer direito individual dos contribuintes, sendo plenamente admitida a instituição da CCIP pelos Municípios após sua edição, adotando-se como base de cálculo os valores constantes na fatura de consumo de energia elétrica, como expresso no parágrafo único do art. 149-A.

De fato, embora as taxas estejam condicionadas à divisibilidade/especifi-cidade do serviço prestado, as contribuições especiais não se sujeitam à mesma limitação, devendo apenas a receita desses tributos estar vinculada às finalida-des estabelecidas na lei de criação da exação, no caso, o custeio da iluminação pública.

O que houve, na realidade, não foi a substituição da denominação dada às antigas taxas, mas, sim, a criação de um novo tipo de contribuição, por meio de Emenda à Constituição, o que é admitido em nosso sistema.

Nesse sentido, sustenta Paulo Roberto Lyrio Pimenta, em Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública:

Em face da finalidade específica da contribuição em exame não se identifica com os objetivos das espécies mencionadas no caput do art. 149, pode-se afirmar que constitui uma quarta espécie de contribuição especial, posicionando-se ao lado das contribuições sociais, interventivas e corporativas (RDDT 95/108, ago/03).

E continua:

A Emenda Constitucional nº 39 poderia modificar o perfil das contribuições es-peciais – ao autorizar a instituição de uma contribuição distinta do modelo nor-mativo descrito no caput do art. 149 –, conduta que não pode ser acoimada de inconstitucional. Tais atos normativos não violaram qualquer cláusula pétrea, sendo, portanto, válidos.

Em igual diapasão posiciona-se a jurisprudência desta Corte Estadual, decidindo de forma pacífica e reiterada pela possibilidade de se adotar como base de cálculo da CCIP o consumo de energia elétrica:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONTRIBUIÇÃO PARA CUS-TEIO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – É constitucional a Lei Municipal que institui a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública, observados os princípios da legalidade, da anterioridade e irretroatividade. Rejeitadas as preli-minares, julga-se improcedente a representação. (Ação Direta de Inconstituciona-lidade nº 1.0000.07.458101-8/000, Rel. Des. Kildare Carvalho, DJe 15.01.2010)

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AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DO SERVIÇO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – BASE DE CÁLCULO – TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – NÃO OCORRÊNCIA – A fixação da tarifa de energia elétrica, como base de cál-culo da contribuição de custeio da iluminação pública, não viola o princípio da legalidade. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.0000.09.505763-4/000, Rel. Des. José Antonino Baía Borges, DJe 27.08.2010)

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei e Decreto Municipais. Contribuição para o custeio do serviço de iluminação. A Contribuição para custeio do servi-ço de iluminação é inconfundível com taxa, tendo sido instituída, pela Emenda nº 39/2002 à Constituição Federal, para viabilizar a exação municipal destina-da à iluminação pública. A capacidade contributiva, como critério norteador da equidade e da justiça social, não é incompatível com a política tributária das contribuições. Como contribuição para o custeio, desde que atendida a garantia da anterioridade da lei que a institua ou aumente, poderá incidir segundo o va-lor do consumo de energia elétrica. Representação julgada improcedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.0000.09.497113-2/000, Rel. Des. Almeida Melo, DJe 15.01.2010)

Isso posto, não existe inconstitucionalidade na Lei nº 8.468/2002, que instituiu a contribuição para custeio do serviço de iluminação pública no âmbi-to do Município de Belo Horizonte, como bem decidido pelo MM. Juiz a quo.

Com tais considerações, nego provimento ao recurso apelatório, manten-do incólume a r. sentença de primeiro grau.

Custas recursais, pelo apelante.

Des. Luís Carlos Gambogi (Revisor) – de acordo com o(a) relator(a).

Des. Barros Levenhagen – de acordo com o(a) relator(a).

Súmula: “Negaram provimento ao recurso”.

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1017

Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região01493‑2012‑036.03.00‑0‑RORecorrentes: Rodrigo de Angelo FreitasFundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão – Fadepe/JFRecorridos: os mesmos

emenTa

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INOCORRÊNCIA

O deferimento de indenização por danos morais decorrente do con-trato de trabalho pressupõe a existência de um ato ilícito praticado pelo empregador, de um prejuízo suportado pelo ofendido e de um nexo de causalidade entre a conduta injurídica do primeiro e o dano experimentado pelo último. Se não existe a efetiva lesão à honra, à liberdade e à saúde do empregado, não há como deferir a reparação civil pleiteada.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário, em que figuram, como recorrente e recorrido, as partes em epígrafe, decide-se:

relaTÓriO

O MM. Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, através da r. decisão de fls. 172/176 (cujo relatório adoto e a este incorporo), julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial.

Inconformado, o reclamante interpôs recurso ordinário às fls. 177/186, insurgindo-se contra o valor atribuído pelo Magistrado à multa do art. 477, § 8º da CLT, cujo quantum baseou-se no salário base anotado da CTPS do autor, e não sobre a remuneração do obreiro, que inclui os valores pagos a título de direito de imagem e auxílio-alimentação.

Reitera o demandante, também, o pedido de indenização por danos mo-rais, alegando que os atos praticados pela reclamada ocasionaram danos em sua imagem como atleta profissional, abalando-o moral e emocionalmente.

Recorre a reclamada às fls. 199/218, reafirmando a autonomia entre os contratos de trabalho e de cessão de licença para uso da imagem, requerendo o reconhecimento da natureza cível do contrato de imagem pactuado e que seja afastada a fraude trabalhista. Pretende a ré, ainda, a reforma da sentença

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no que tange à condenação ao pagamento da multa do art. 477, § 8º da CLT, argumentando que o autor recebera todas as verbas rescisórias em data anterior à assinatura do TRCT e, além disso, não se aplicaria a multa em epígrafe no caso de contrato a termo.

Procuração à fl. 17 pelo reclamante e à fl. 111 pela reclamada.

Custas e depósito recursal devidamente recolhidos (fls. 210/212).

É, em síntese, o relatório.

VOTO

JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

Conheço dos recursos ordinários interpostos, porquanto atendidos os pressupostos subjetivos e objetivos de admissibilidade.

JUÍZO DE MÉRITO

reCursO dO reClamanTe dO danO mOral

O Juízo a quo entendeu não estarem caracterizados os requisitos para reconhecimento de indenização por danos morais, destacando que o reclaman-te não logrou êxito em provar o dano à sua integridade moral, nos termos do art. 818 da CLT.

Com razão.

A indenização por danos morais decorrentes do contrato de trabalho pressupõe a existência de um ato ilícito praticado pelo empregador, de um prejuízo suportado pelo ofendido e de um nexo de causalidade entre a conduta injurídica do primeiro e o dano experimentado pelo último, a teor dos arts. 186 e 927 do Código Civil e art. 7º, XXVIII, da CRFB/1988.

No caso específico dos autos, os fatos apontados na petição inicial não são suficientes para caracterizar ofensa à moral do reclamante, ônus que lhe cabia demonstrar.

De fato, as testemunhas não prestaram depoimento hábil aos fins pre-tendidos e não há nos autos provas convincentes de condutas por parte do empregador que tenham lesado direitos personalíssimos do autor, causando-lhe dor e sofrimento.

Conforme prova testemunhal, o reclamante deixou de ser inscrito para os jogos do final da temporada não após uma “pequena discussão” entre atle-

184 ��������������������������������������������������������� RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

tas, como disse o autor em sua inicial, mas em virtude de briga, em que houve agressão física entre os desportistas, entre os quais o autor. O reclamante não fez qualquer prova de que seu afastamento das partidas derradeiras tenha ocor-rido de forma injustificada ou discriminatória. Como dito, a única testemunha ouvida declarou que assim foi feito em virtude de briga, com vias de fato, em que o autor esteve envolvido.

De toda sorte, a conduta patronal não guarda qualquer ilicitude, consi-derando-se que a escalação ou não do jogador, ou até mesmo o rompimento contratual antecipado (que não chegou a ocorrer, no caso) compreendem-se no legítimo exercício do poder diretivo do empregador.

Ademais, como enfatizado pelo i. sentenciante, o autor era o capitão da equipe, sendo assim deveria se comportar de modo exemplar dentro e fora da quadra, servindo de modelo para os demais integrantes (fl. 174v).

Por tais fundamentos, não verificados os requisitos legais para a respon-sabilização civil do empregador, nego provimento.

reCursO da reClamada

Contrato de cessão de licença para uso de imagem

Requer a reclamada o reconhecimento da natureza cível do contrato de imagem pactuado entre as partes, afastando-se, por conseguinte, o reconheci-mento da natureza salarial atribuída a tal verba na sentença de origem.

Alega a reclamada que não há de se falar em fraude trabalhista no que tange ao contrato de cessão de imagem estipulado, tendo em vista a expressa previsão no art. 87-A da Lei nº 9.615/1998 sobre o tema, que reconhece expli-citamente a natureza civil do uso da imagem do atleta profissional.

O douto Magistrado a quo considerou desproporcional o valor do salá-rio-base de R$ 700,00 em relação ao valor pago a título de direito de imagem, no montante de R$ 16.685,21, entendendo que tal discrepância na verdade tentou maquiar a verdadeira remuneração do autor.

Examina-se.

Depreende-se dos autos, logo a primeira vista, que a parcela recebida sob a rubrica de uso de imagem (R$ 16.685,21) é imensamente superior ao percebido pelo atleta como salário (R$ 700,00), a repetir prática que foi objeto de alerta importante da doutrina abalizada.

A Desembargadora Alice Monteiro de Barros, ilustre professora e autora da obra Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho (3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 124-5), aponta a ocorrência de fraudes na celebração de contratos ditos de “exploração de direito à imagem”, por meio dos quais os empregado-

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res retiram do âmbito da folha de pagamento parte significativa dos salários dos atletas profissionais, impedindo assim que os efeitos integrais da legislação trabalhista repercutam no conjunto de direitos e obrigações decorrentes do con-trato de trabalho, como a seguir transcrito:

“Depara-se em nosso país com pagamento de remuneração ao atleta profissional sob a denominação de exploração de direito à imagem, por meio de constituição de pessoa jurídica pelo atleta, com a única finalidade de repassar parte do salário ajustado. A interposta ‘pessoa jurídica’ é utilizada com o propósito de desvirtuar a aplicação da legislação trabalhista. A verba é paga pelo clube e recebida pelo atleta e, em alguns casos, até mesmo independentemente de exploração do direi-to de imagem do autor. A hipótese traduz fraude e viola o art. 9º da CLT, como também contraria o item I da Súmula nº 331 do TST. E ainda que assim não fosse, o pagamento a esse título tem feição salarial; o seu caráter oneroso reside na oportunidade que o empregador proporciona ao atleta auferir o ganho. O racio-cínio ampara-se no art. 7º (caput) da Constituição Vigente.”

Ainda que se admita, em princípio, a legalidade de cessão do direito de imagem, acertada foi a sentença que, baseada nos princípios da proporcionali-dade e da razoabilidade, entendeu incidir ao caso o art. 9º da CLT que preceitua serem nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista.

Assim, diante de tamanha desproporção, a parcela paga a título de ima-gem não visa, portanto, meramente indenizar o atleta por sua atuação nos even-tos esportivos, mas sim o de remunerar por tal participação, passando tal verba a ostentar natureza contraprestativa e não cível, integrando a remuneração do atleta por sua participação nos eventos desportivos.

Desta forma, nada prover.

Alimentação – Natureza jurídica

Inconformado, requer a reclamada o reconhecimento da natureza jurí-dica indenizatória da alimentação fornecida pelo empregador, de forma que sejam afastados os reflexos da referida utilidade nas demais verbas trabalhistas, alegando que o benefício concedido não visava retribuição pelo trabalho, mas sim a viabilização dele, permitindo ao atleta profissional maior rendimento por ocasião das competições de que participava.

A integração à remuneração de benefício a título de alimentação ocorre quando sua natureza salarial não é superada por qualquer uma das seguintes hipóteses: previsão expressa em instrumento coletivo acerca da natureza inde-nizatória da verba, filiação comprovada do empregador no Programa de Ali-mentação do Trabalhador e existência de descontos nos salários do trabalhador.

Da análise da documentação carreada aos autos, não restam comprova-dos quaisquer das hipóteses supracitadas que afastariam a natureza salarial da

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verba em questão. Os recibos de pagamentos de fls. 118/124 não demonstram a atuação do trabalhador como copartícipe no custeio da utilidade, concluindo--se que a alimentação era fornecida gratuitamente ao empregado, o que carac-teriza o caráter contraprestativo da benesse alimentar.

Desta forma, aplica-se in casu o entendimento consagrado na Súmula nº 241 do TST, não superado por nenhuma norma coletiva, nem por comprova-ção de adesão ao PAT (Lei nº 6.321/1976).

Nego provimento.

Da multa do art. 477, § 8º da CLT – Matéria comum aos apelos

O reclamado reitera sua pretensão quanto a não incidência ao caso da multa do art. 477, § 8º, da CLT, alegando que não se aplicaria a referida multa nos contratos por prazo determinado, e ainda, que o autor recebera todas as verbas rescisórias em data anterior à assinatura do TRCT.

Sem razão.

O art. 477, § 6º, da CLT, ao se reportar à multa pelo atraso na quitação das verbas rescisórias, não faz nenhuma distinção quanto à modalidade de con-tratação, se por prazo determinado ou indeterminado. Logo, devida a referida multa in casu.

O acerto rescisório é ato complexo, que exige não só o pagamento das verbas dentro do prazo legal, como também a homologação da rescisão e a emissão de todas as guias (TRCT – cód. 01; CD/SD) para que o trabalhador pos-sa usufruir de outros benefícios, como o saque do FGTS e o seguro-desemprego. É por essa razão que o art. 477, § 6º, da CLT, fala não apenas em pagamento das verbas rescisórias, mas também no instrumento de rescisão ou recibo de quitação. Somente cumprindo a obrigação por completo é que o empregador se exime da penalidade.

Depreende-se dos autos que a vigência do contrato encerrou-se em 30.04.2012 (fl. 19) e que as verbas rescisórias foram quitadas em 07.05.2012 (fl. 32), fora do prazo legal. Isto porque a quitação deveria ter ocorrido no pri-meiro dia útil subseqüente à ruptura, nos termos do art. 477, § 6º, a, da CLT, já que a rescisão deveu-se ao alcance do termo final do contrato a prazo, e não a dispensa pelo empregador.

Diante do exposto, nego provimento ao pleito da reclamada.

Por outro lado, pugna o reclamante pela inclusão na base de cálculo da multa do art. 477, § 8º, de todas as parcelas de natureza salarial e não apenas do salário base.

Examine-se.

Consoante o § 8º do art. 477 da CLT:

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“A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empre-gado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.” (grifei)

A expressão salário, por definição legal (art. 457, CLT), é constituída pelo somatório de todas as parcelas pagas habitualmente ao empregado em contra-prestação ao trabalho, compreendendo todas as verbas de natureza salarial.

Lado outro, o reconhecimento da prática fraudatória à legislação traba-lhista, com o pagamento de parcela a título de direito de imagem, em valor con-sideravelmente superior ao salário base, apenas com o intuito de esquivar-se dos encargos trabalhistas e fiscais, implica a conclusão de que os R$ 16.000,00, em média, percebidos pelo autor a título de direito de imagem constituíam, em verdade, seu salário mensal ou salário básico.

Diante do exposto, dou provimento para determinar que na apuração da base de cálculo da multa estabelecida pelo art. 477 da CLT sejam considerados os valores pagos a título de direito de imagem e salário in natura (alimentação), de cunho salarial deferidos ao autor.

CONCLUSÃO

Conheço dos recursos ordinários interpostos pelo reclamante e pela re-clamada. No mérito, dou parcial provimento ao recurso do reclamante, para determinar que na apuração da base de cálculo da multa estabelecida pelo art. 477 da CLT sejam considerados os valores pagos a título de direito de imagem e salário in natura (alimentação). Nego provimento ao recurso da reclamada.

Mantenho o valor da condenação, por compatível.

Fundamentos pelos quais,

O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, pela sua Turma Recur-sal de Juiz de Fora, à unanimidade, conheceu dos recursos ordinários inter-postos pelo reclamante e pela reclamada; no mérito, sem divergência, negou provimento ao apelo da reclamada e deu parcial provimento ao recurso do reclamante para determinar que, na apuração da base de cálculo da multa esta-belecida pelo art. 477 da CLT, sejam considerados os valores pagos a título de direito de imagem e salário in natura (alimentação); mantido o valor da conde-nação, por compatível.

Juiz de Fora, 06 de agosto de 2013.

José Nilton Ferreira Pandelot Juiz Convocado Relator

Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

Administrativo e Constitucional

1018 – Ação civil pública – exploração de jogo de bingo – interdição – efeitos“Remessa oficial e apelação da União Federal em face de sentença exarada em ação civil pública que objetiva a interdição da atividade de exploração de jogo de bingo, promovido de modo per-manente e com intuito de lucro, e a apreensão das máquinas eletronicamente programadas para o desempenho dessa atividade. Ilicitude demonstrada. Dano moral coletivo configurado (imora-lidade evidente da promoção ‘comercial’ de jogos de azar, que ultrajou a coletividade do Estado de São Paulo). Desnecessidade de publicação da sentença. Remessa oficial e apelo parcialmente providos. 1. Apelação da União Federal contra a sentença que julgou parcialmente procedente a ação civil pública que propôs juntamente com o Ministério Público Federal, objetivando – em defesa dos interesses difusos dos consumidores de São Paulo, Capital – a interdição da atividade de exploração de jogo de bingo, praticada de modo permanente e com intuito ‘comercial’ (lucrativo), bem como a apreensão das máquinas eletronicamente programadas. Contesta-se, especificamente, a não condenação das apeladas à indenização por dano moral e à publicação do inteiro teor da sentença em jornais de grande circulação. 2. A exploração de jogo de bingo permanente constitui atividade proibida em todo o território nacional, conforme análise das disposições legais atinentes à matéria: Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico), Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), Decreto-Lei nº 3.659/1998, Lei nº 9.981/2000. Conjugando-se todas essas disposições, conclui-se que pelo menos a partir de 01.01.2003 a exploração do jogo de bingo – que vinha sendo tolerada à luz da Lei nº 9.615/1998 – passou a ser proibida no território nacional. A vedação contida na Medida Provisória nº 168/2004 não foi inédita e sua rejeição pelo Senado Federal em nada alterou a ilicitude da exploração do jogo de bingo no Brasil. 3. Encerrando qualquer controvérsia, esse tema foi objeto da Súmula Vinculante nº 2 do eg. STF. É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias (STF, Sessão Plenária de 30.05.2007, DJe nº 31 de 06.06.2007, DJ de 06.06.2007, DOU de 06.06.2007). 4. Ausente qualquer legitima-ção legal para as partes rés explorarem aparelhos de jogos de azar, ou bingos, é evidente que seus responsáveis promoveram a prática de contravenção penal capitulada há muitos anos nos arts. 50 e 51 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei das Contravenções Penais), ou o crime contra a economia popular do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Não há que se falar em ‘adequação social’ nem em ‘insignificância’ dessa atividade, posto que feita em caráter comercial gera lucros inescrupulosos, explorando-se a álea alheia, sorvendo-se recursos de trabalhadores e suas famílias. A repreensão se sintetiza na palavra de Rui Barbosa: ‘O que menos se perde é o dinheiro; no jogo, o homem vai perdendo aos poucos a energia, a fé, o juízo, a nobreza, a honra, a temperança e a caridade’. 5. A prática de jogo de azar, que já existia na Suméria e na China, é tão antiga quando a oposição contra ele. Embora os imperadores Augusto e Cláudio apreciassem os jogos de dados, na Roma imperial era proibido jogar por dinheiro ou objetos de valor. Na Idade Média acentuou-se a oposição aos jogos em que a vitória não envolvia a ‘virtude’ (a capacidade, a força física, a destreza pessoal) e sim a álea. Em 813 o Concílio de Mogúncia decidiu que a igreja devia excomungar todo aquele que se dedicasse ao jogo de azar; em 1254, Luiz IX, 40º Rei de França e posteriormente santificado, proibiu a fabricação de dados. Em 1319, Carlos IV, Rei de França, proibiu o jogo de dados, o gamão, etc. A abjeção à prática dos jogos de azar é visível na passagem do Novo Testamento em que solda-dos romanos jogam dados para, mediante ‘sortes’, dividirem as vestes de Cristo. 6. Perfeitamente cabível a condenação das apeladas ao ressarcimento de dano moral coletivo diante do despudor daqueles que, à míngua de qualquer legitimação, promoveram a prática comercial de jogos de azar que contaminou os bons costumes e ultrajou a coletividade do Estado de São Paulo. As rés pagarão ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, solidariamente, o valor de R$ 50.000,00, corrigido a partir desta data conforme os termos da Resolução nº 134/CJF e acrescido de juros de mora desde 01.01.2003, data em que através da conjugação dos dispositivos legais que regulavam a matéria po-de-se concluir que não mais persistia o direito de exploração do jogo de azar. 7. Configura-se des-necessária a publicação do inteiro teor da sentença em jornais de grande circulação, patrocinadas

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pelas rés, tendo em vista o grande lapso temporal desde a promoção dessa ação, em 04.06.2004, e seu efetivo deslinde. O fluir inexorável do tempo acanhou a repercussão do tema no meio social. 8. Apelação e remessa parcialmente providas.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0015673-08.2004.4.03.6100/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 21.03.2014 – p. 742)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 17, fev./mar. 2014, ementa nº 965 do TRF 2ª R.; RDD nº 07, jun./jul. 2012, ementa nº 365 do STJ; e RDD nº 1, jun./jul. 2011, acórdão na íntegra 16 do TRF 3ª Região.

Comentário Editorial SÍNTESEEncontramos a devida proibição da exploração de jogos de bingo na Lei nº 9.981/2000.

Assim, somente a União detém o monopólio da exploração, sendo delegada à Caixa Econômica Federal a responsabilidade de arrecadação dos recursos.

A corroborar o tema, transcrevemos a seguinte decisão ementada pelo TRF da 5ª Região:

“Constitucional e administrativo. Apelação. Ação civil pública. Parcial procedência do pedido. Determinação sentencial de proibição à ré de exploração de qualquer atividade de jogos de azar, sorteios e loterias, seja qual for o nome adotado. Pretensão recursal de declaração ju-dicial de perdimento dos equipamentos apreendidos sob responsabilidade do fiel depositário designado. Comunicação de furto de uma das máquinas. Irrelevância para a decretação da perda. Alienação de parte dos equipamentos. Descumprimento do munus público de guarda dos bens apreendidos. Consequências legais. Imposição de perdimento dos bens apreendidos como efeito necessário da decisão de reconhecimento da ilicitude das atividades nas quais estavam empregados. Condenação da parte ré vencida em honorários advocatícios a favor do Ministério Público Federal autor. Impossibilidade. Parcial provimento do recurso. 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal (o réu não recorreu) contra sentença de parcial procedência do pedido de ação civil pública, tendo sido agasalhado o pleito de proibição à ré de exploração de qualquer atividade de jogos de azar, sorteios e loterias, seja qual for o nome adotado, decisum, contudo, que deixou de acolher os pedidos de perdimento dos bens, porque utilizados na jogati-na, apreendidos no início da demanda, e de condenação da parte ré em honorários advocatícios. 2. No início do processamento da ação civil pública, foi determinada e cumprida a apreensão dos equipamentos em utilização no imóvel de funcionamento do empreendimento discutido, ficando como depositário fiel dos mesmos o representante legal da parte ré, já que referidos bens deveriam permanecer no local, tomando-se todas as cautelas necessárias para a sua guarda. Em avaliação preliminar, o Setor Técnico-Científico da Polícia Federal os identificou: ‘No ambiente avaliado havia um sistema de sorteio de bingo automatizado, comandado por um microcom-putador central (servidor) conectado a vários microcomputadores sem disco rígido (terminais) e a um microcomputador localizado sob a mesa de operações (operador). O servidor estava localizado na parte inferior interna de um rack de rede lavrado pela Justiça Federal. Próximo à mesa de operações havia dois equipamentos eletromecânicos não programáveis, popularmente conhecidos como ‘pipoqueiras’. Ventiladores (motor elétrico acoplado a coletor em caracol) po-sicionados na parte inferior das pipoqueiras produzem a corrente de ar que suspende as bolas numeradas (do tipo bolas de ping-pong) até a parte superior do conjunto, onde uma minicâmera ou gravadora transmite a imagem da bola sorteada para monitores distribuídos pelo ambiente’. No curso da demanda, o fiel depositário comunicou o furto do servidor, segundo boletim de ocorrência e, dias depois, procurado pelo Oficial de Justiça, informou que foi ‘obrigado a retirar os bens do imóvel, em face de que este era alugado e os seus proprietários solicitaram os bens ali existentes, pois como a ré [...] ter sido interditado por ordem judicial, não tendo mais ativi-dade, não estava pagando os alugueis sendo obrigada a devolver o imóvel para os proprietários. Quanto aos computadores e sua CPU foram alienados’. Além disso, verificando o local em que deveriam estar os equipamentos apreendidos, o meirinho apenas encontrou o servidor. 3. Para a decretação da perda dos bens apreendidos, é irrelevante a notícia do suposto furto, seja porque o constatado pelo Oficial de Justiça não permite conclusão no sentido de que o crime noticiado tenha realmente ocorrido, seja porque não decretar o perdimento ensejaria a possibilidade de continuação do uso ilícito da referida aparelhagem. Ademais, as informações prestadas pelo depositário (de que retirou os bens do local porque o imóvel era alugado e de comercializou os referidos equipamentos, tudo sem qualquer comunicação ao Juízo e, portanto, sem sua autori-zação) mostram que ele descumpriu o munus público no qual estava investido, do que devem

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derivar as consequências legais. É dever do depositário, em função de sua obrigação de guarda e conversação, informar sobre o destino dos bens. 4. A imposição de perdimento dos bens apreendidos é efeito necessário da decisão de reconhecimento da ilicitude das atividades nas quais estavam sendo empregados, de modo que o pleito do recorrente, quanto ao perdimento, deve ser acolhido. 5. Não procede a insurgência ministerial no sentido da não condenação do réu em honorários advocatícios. ‘Conforme o entendimento jurisprudencial do STJ, não é cabível a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público nos autos de ação civil pública. Nesse sentido: REsp 1.099.573/RJ, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe 19.05.2010; REsp 1.038.024/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 24.09.2009; EREsp 895.530/PR, 1ª S., Relª Min. Eliana Calmon, DJe 18.12.2009’ (STJ, 2ª T., REsp 1229717/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 07.04.2011, DJe 15.04.2011). ‘1. Na ação civil pública movida pelo Ministério Público, a questão da verba honorária foge in-teiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei nº 7.347/1985. 2. Posiciona-se o STJ no sentido de que, em sede de ação civil pública, a condenação do Ministério Público ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet. 3. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o Parquet beneficiar-se de honorários, quando for vencedor na ação civil pública. Precedentes’ (STJ, EREsp 895.530/PR, 1ª S., Relª Min. Eliana Calmon, J. 26.08.2009, DJe 18.12.2009). 6. Pelo parcial provimento da apela-ção.” (TRF 5ª R., AC 2006.85.00.003250-0, (488359/SE), 1ª T., Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti, DJe 15.06.2012, p. 108)

Nessa linha de raciocínio, os Drs. João Henrique Cren Chiminazzo e João Guilherme Cren Chiminazzo explicam:

“A evolução legislativa, contudo, não parou aí. Em 14 de julho de 2000, foi editada a Lei nº 9.981, que continha disposição revogatória dos arts. 59 a 81 da Lei Pelé. Em outras pa-lavras, o Governo Federal, diante de denúncias que imputavam a prática de ilícitos a alguns bingos, estabeleceu punição a todos os envolvidos na atividade, estivessem ou não relacionados aos fatos então articulados. A título de ilustração transcreve-se o indigitado dispositivo:

‘Art. 2º Ficam revogados, a partir de 31 de dezembro de 2001, os arts. 59 a 81 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração.’

Contudo, ainda nascituro, este dispositivo legal veio a sofrer um golpe fatal. É que, apenas quatro meses após a sua edição, o mesmo Governo Federal deu nova disciplina à matéria, editando a Medida Provisória nº 2.216-37, que, além de ratificar o entendimento histórico a respeito da loteria, qual seja, o de que sempre foi um serviço público, deu nova redação ao art. 59 da Lei Pelé, senão veja-se:

‘Art. 17. O art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 59. A exploração dos jogos de bingo, serviço público de competência da União, será execu-tada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal, em todo o território nacional, nos termos desta lei e do respectivo regulamento.’’

Nessa nova redação, o que salta aos olhos é que o legislador, ao contrário do que havia feito quando da edição da Lei nº 9.981/2000 – lembre-se, expedida por parte do Executivo –, não fi-xou qualquer prazo para a vigência do dispositivo legal em comento. Diante disso, inegável que o art. 59 voltou a ter a sua vigência indefinida. Dois argumentos corroboram a conclusão a que se chegou. O primeiro e mais óbvio decorre de antigo brocardo jurídico segundo o qual lex posterior derrogat lex priori. O segundo argumento ganhou corpo recentemente com a edição de uma nova Medida Provisória, a de nº 168/2004, fruto do primeiro grande escândalo de corrupção do atual Governo Federal. Com efeito, quando as notícias de corrupção envolvendo o Sr. Waldomiro Diniz vieram à tona, o chefe do Poder Executivo Federal, buscando desviar as atenções, em um ato de desatino, lançando mão do seu ‘poder’ de legislar, introduziu em nosso ordenamento jurídico mais uma medida provisória.

Em seu art. 1º, a Medida Provisória nº 168/2004, sem dúvida alguma, extinguiu os bingos em todo o território nacional:

‘Art. 1º Fica proibida, em todo o território nacional, a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, denominadas ‘caça-níqueis’, inde-pendentemente de nomes de fantasia.’

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Mas, o que realmente chama a atenção – e interessa por hora – é o art. 8º da referida medida provisória. Este dispositivo contém norma revogadora da norma que até então autorizava ex-pressamente o bingo, qual seja, o art. 59 da Lei nº 9.615/1998, com a redação que lhe deu o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37/2001, in verbis:

‘Art. 8º Ficam revogados os arts. 2º, 3º e 4º da Lei nº 9.981, de 14 de julho de 2.000, o art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, e o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001.’

Ora, se o Governo Federal entendeu por revogar expressamente o art. 59 da Lei nº 9.615/1998 é porque o mesmo estava em vigor. Se não estivesse, não haveria razão para uma revogação. O raciocínio é lógico, quase cartesiano. Este é o fato que encerra qualquer discussão a respeito da vigência ou não do art. 59 da Lei nº 9.615/1998.

Esse instrumento legislativo excepcional, entretanto, não passou pelo crivo do Senado Federal. Conforme amplamente divulgado por toda a imprensa nacional, a casa representativa dos Esta-dos-membros no Congresso Nacional, em sessão realizada no dia 5 de maio de 2004, rejeitou a Medida Provisória nº 168/2004, tendo sido publicado no Diário Oficial da União, já no dia seguinte, o Ato Declaratório por meio do qual informou-se a tão comentada decisão.

Tal fato faz aplicar à medida provisória acima mencionada o art. 62, § 3º, da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional nº 32, eis que o mesmo regula justamente os casos de rejeição do referido instrumento legislativo.

Preconiza o § 3º que, na hipótese de a medida provisória não ser convertida em lei, a mesma perderá a sua eficácia desde a edição:

‘Art. 62. [Omissis].

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12, perderão eficácia desde a edição se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislati-vo, as relações jurídicas delas decorrentes.’

Como se vê, a consequência jurídica para o caso dos bingos é que se retornou ao status quo ante. Em outras palavras, além de não existir qualquer vedação à exploração do jogo de bingo, há, ao revés, expressa permissão, a saber, aquela contida no art. 59 da Lei nº 9.615/1998, com a redação que lhe deu o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37/2001, o dispositivo que, derrogando o art. 2º da Lei nº 9.981/2000, lhe conferiu vigência indefinida.

Insta repisar, não há no País uma vedação à prática do jogo de bingo. Inclusive o art. 5º, II, da Constituição Federal, diz: “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer coisa alguma senão em virtude de lei”. Ora, se não há lei proibindo a exploração da atividade do bingo, não há que se falar em fechamento das casas.

Muito pelo contrário, há, ainda, expressa previsão legal. A uma, porque é a própria legislação que, desde há muito, vem lhe conferindo o caráter de serviço público. E a duas, pois, desde a vigência do Decreto-Lei nº 204/1967, restou excepcionada, em tais casos, a aplicabilidade da Lei de Contravenções Penais.

Uma outra conclusão também se chega a legalidade dos bingos quando a própria União autoriza por lei a extração de loterias na qualidade de serviço público, excluindo esta atividade da norma penal incriminadora, como cita o ilustre jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

‘Outra coisa ocorre quando a União e Estados-membros, no exercício de suas respectivas com-petências constitucionais, autorizam por lei (art. 51) a extração de loterias na qualidade de prestação de serviço público. Neste caso, não sequer como falar-se em ‘derrogação excepcional’ de norma contravencional, como impropriamente se lê no art. 1º do Decreto-Lei nº 204/1967, mas de um descrimene. A figura ‘exploração de loteria’ deixa de ser contravenção – ratione personae et ratione finis – passando a ser, tão somente, singelamente, um serviço público federal ou estadual.’

O que encerra a questão é a recente Lei Complementar nº 116/203, que alterou a legislação do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza. Do seu texto constam os ‘bingos’ como atividade sujeita à tributação pelo referido imposto. Veja-se o item 19.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar: ‘19.01 serviços de distribuição e venda de bilhetes e renda de bilhetes e demais produtos de loteria, bingos, cartões, pules ou cupons de apostas, sorteios, prêmios, inclusive os decorrentes de títulos de capitalização e congêneres’.

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Se a premissa é a de que a legislação federal constitui a atividade de bingo como hipótese de incidência do ISS, não há como se chegar à conclusão diversa daquela que a atividade é lícita. Até porque se não é mentira que no sistema tributário vigora o princípio do pecúnia non olet, não é menos verdade que uma lei não pode estabelecer o ato ilícito como hipótese de incidência de um tributo. Isto seria um completo despropósito.

Resta demonstrado, então, que não há no Brasil uma lei sequer que proíba o bingo no País. A tentativa que se fez, por ter sido feita em clara afronta ao Texto Maior, foi de plano rechaçada pelo Poder Legislativo.

Daí, se levar em consideração que, nos termos do art. 5º, II, da Constituição Federal, ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’, o que se tem é que a atividade não pode sofrer qualquer impedimento.

Aliás, a esse respeito não se pode deixar de mencionar em dispositivo de índole constitucional. E não pode deixar de fazê-lo, porque o mesmo afirma ser a livre iniciativa uma das bases da ordem econômica no País, assegurando o exercício de atividades econômicas, ainda que, em determinados casos, mediante autorização.

Está-se falando do art. 170 e seu parágrafo único:

‘Art. 170. A ordem econômica, fundada na valoração do trabalho humano, e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observa-dos os seguintes princípios:

[...]

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, inde-pendentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.’

Assim, como já foi dito alhures, inexiste no ordenamento jurídico brasileiro uma norma que im-peça o funcionamento dos bingos, muito menos uma que caracterize esse jogo como um ilícito.

Depois de tecidos tais comentários, ainda há de consignar que o Governo Federal achou por bem editar a Medida Provisória nº 249/2005, que cria mais um tipo de loteria para ajudar os clubes de futebol a saírem da crise e quitarem suas dívidas. Tal loteria recebeu o nome de TimeMania. Assim, se os grandes clubes de futebol estão sendo ajudados pelo Governo Federal, porque as entidades desportivas de menor expressão não podem exercer o direito de explorar os bingos?

Não é justo, muito menos plausível, que os times de futebol recebam ajuda do Governo Federal para pagar suas dívidas, enquanto que o resto do desporto fique proibido de sobreviver!

De qualquer forma, ainda que se entenda que o art. 59 esteja revogado, o que se admite por amor à argumentação, a exploração de bingos não poderia ter sido proibida.

Faz-se essa afirmação com fundamento em entendimento já assentado pelo eg. Supremo Tri-bunal Federal, no sentido de que o Poder Público não pode interromper o funcionamento de estabelecimento sob a alegação de que lei posterior assim não permite ‘estabelecimento comer-cial industrial para exploração de pedreira regularmente licenciado pela municipalidade – lei posterior do município, alterando o zoneamento da cidade. Não pode o Poder público, manu militari, interromper o funcionamento do estabelecimento industrial, regularmente licenciado de acordo com os usos conformas, sob pena de se ferir o direito adquirido. (Recurso extraordi-nário conhecido e provido (RE 92.485/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Cunha Peixoto, J. 19.08.1990, p. 07206, RTJ 96, p. 541)’.

Tal posicionamento jurisprudencial foi muito bem aplicado à questão dos bingos nos autos do Processo nº 2002.61.00.019.039-0, em trâmite perante a Justiça Federal de São Paulo, e deve servir de norte para as demais decisões sobre o tema:

‘É que a lei tem caráter imediato e integral, mas não pode afligir situação jurídica definitivamente constituída sob a égide da lei anterior, produzindo efeitos imediatos sobre as situações jurídicas em curso, mas não sobre as situações já consideradas.

O Supremo Tribunal Federal, nos autos RE 92.845/SP, Relator Ministro Cunha Peixoto, decidiu não poder o Poder Público interromper o funcionamento de um estabelecimento industrial re-gularmente licenciado de acordo com os usos conformas, sob o argumento de que lei posterior alternou o zoneamento da cidade, sob pena de ferir o direito adquirido. A mesma interpretação não pode ser utilizada ao caso concreto no qual a autora credenciou-se junto à União para ex-plorar o jogo de bingo, entregando-a a empresa comercial, obtendo autorização para funcionar, nos termos do art. 64 da Lei nº 9.615/1998. Lei posterior, todavia, Lei nº 9.981/2000, veio a revogar a lei anterior suprimindo a possibilidade de exploração de jogo do bingo. Parece-me que

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esta lei não obriga a autora, qual poderá explorar a atividade se preenchidos todos os requisitos exigidos na Lei nº 9.615/1998.’

Contudo não é só.

Até a edição da Lei Zico, o art. 217, I e III, da Carta Magna, constituía-se em letra morta no texto constitucional, eis que não havia meios de se cumprir com o dever nele preceituado.

‘Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, com direito de cada um, observados:

I – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;

[...]

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não profissional.’

Nesse aspecto, qualquer atitude que tenha por finalidade reprimir a exploração das atividades das casas de bingo acabaria por coibir também a louvável intenção do legislador em dar efeti-vidade ao Texto Maior.

Isso sem falar nos demais aspectos já considerados anteriormente, acerca da violação e outras garantias constitucionais, mormente àquelas afeitas aos direitos individuais fundamentais e a ordem econômica e financeira.” (A legalidade do bingo no Brasil. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 3 abr. 2014)

1019 – Atleta – inscrição na equipe de voleibol com idade inferior à permitida no regulamento – equipe e técnico – penalidade de suspensão – responsabilidade subjetiva – inocorrência

“1. Direito administrativo. Justiça desportiva. Jogos abertos do Paraná. Inscrição de atleta na equipe de voleibol com idade inferior à permitida no regulamento. Penalidade de suspensão aplicada à equipe e ao técnico. Responsabilidade subjetiva do técnico. Prova de que a irregularidade constata-da não decorreu de sua culpa. Impossibilidade de aplicar a penalidade sem prova da culpa. a) A res-ponsabilidade do técnico, apesar de concorrer com a da equipe, não possui aplicação automática, tampouco é objetiva, ou seja, depende de prova de sua culpa pelo ato irregular, pela inscrição do atleta fora dos parâmetros exigidos pelo regulamento. b) Há nos autos prova documental atestando a ausência de responsabilidade do técnico pela inscrição dos atletas, a qual não foi desconstituída pelo agravante. A culpa não pode ser presumida e há prova em sentido contrário ao decidido, não havendo como se manter a penalidade. c) O risco de dano pela punição aplicada é muito maior ao técnico que à moralidade desportiva pela não punição. Não há qualquer prejuízo ao esporte e à honra dos Jogos Abertos do Paraná se o técnico não for punido, posto que mantida a penalidade sobre a equipe, que é quem atuou irregularmente. 2. Direito constitucional, administrativo e proces-sual civil. Legitimidade passiva do Secretário de Estado do Esporte. Desnecessidade de esgotamento das instâncias administrativas. Análise do mérito do ato administrativo não ofende o princípio da separação de poderes. Inocorrência de análise de mérito. Mera interpretação da legislação. a) Ainda que os órgãos integrantes da Justiça Desportiva sejam autônomos e independentes das entidades de administração do desporto de cada sistema, a Justiça Desportiva está atrelada ao Conselho Estadual de Esporte e Lazer, cujo Presidente é o Secretário de Estado de Esporte. b) O esgotamento prévio das instâncias administrativas não é condição para que a parte se socorra do Poder Judiciário e pleiteie o reconhecimento de seu direito líquido e certo. c) O princípio da inafastabilidade da jurisdição confere ao Poder Judiciário, quando provocado, o poder-dever de afastar ameaça ou ofensa a di-reitos, não prosperando qualquer alegação de ingerência em atribuições de natureza administrativa ou ofensa ao princípio da separação de poderes. d) A decisão agravada não adentrou diretamente no mérito, mas apenas deu a adequada interpretação à legislação em análise. 3. Agravo a que se nega provimento.” (TJPR – AG 1146235-2/01 – Rel. Des. Leonel Cunha – DJe 14.03.2014 – p. 110)

1020 – Atleta – não apresentação de documentação à Delegação Brasileira de Karatê em Cam-peonato Mundial na Romênia – atraso na ECT – responsabilidade civil – alcance

“Administrativo. Responsabilidade civil. ECT. Atraso Na entrega de correspondência enviada via Sedex. Provas documental e testemunhal suficientes à demonstração de que o autor deixou de re-

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presentar a Delegação Brasileira de Karatê em Campeonato Mundial na Romênia, tão somente, por culpa dos Correios. Entrega extemporânea de documentação enviada pelo Consulado daquele país contendo passaporte com visto autorizando o ingresso do atleta naquele país. Comprovação dos danos morais (doc. fls. 58, 112, 113 e 194) e materiais (doc. fls. 34/49) sofridos pelo autor. Demons-tração do nexo causal entre a falha da ECT e os prejuízos impostos ao autor. Atleta com grandes chances de premiação e alcance de bolsa-atleta a ser fornecida pelo Governo Federal Brasileiro no importe de R$ 1.500,00. Dano que vai além de mero aborrecimento ao demandante, na medida em que o impediu de participar de torneio a nível internacional. Sentença. Indenização pelos danos materiais fixada em R$ 4.492,18 e danos morais em R$ 10.000,00. Razoabilidade. Apelação e re-curso adesivo improvidos.” (TRF 5ª R. – AC 2008.84.00.011009-8 – (566123/RN) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 20.03.2014 – p. 429)

1021 – Incompetência – Justiça Federal – Conselho Regional de Educação Física – carteira profissional – licenciatura e bacharelado – requisitos

“Direito administrativo. Apelação. Conselho Regional de Educação Física. CREF1. UBM. Propagan-da enganosa. Incompetência da Justiça Federal. Carteira profissional. Licenciatura e bacharelado. Requisitos. 1. A sentença negou a alteração de registro profissional, afastando a condenação do CREF1 e da União em danos morais com a expedição de carteira profissional de atuação ampla em Educação Física e, tocante à UBM, extinguiu o processo por incompetência absoluta da Justiça Federal para apreciar suposta violação do direito do consumidor decorrente de propaganda enga-nosa. 2. São distintas as exigências curriculares para licenciatura plena, com duração mínima de três anos, que habilita o professor a ministrar aulas em instituições de educação básica; e para o bacharelado em Educação Física, com prazo mínimo de quatro anos, que permite a atuação em academias, clubes, etc. 3. As resoluções do Conselho Federal de Educação Física têm função me-ramente regulamentar, pois as limitações ao profissional de educação física encontram-se previstas nos arts. 1º e 2º da Lei nº 9.696/1998. 4. A atuação ampla em Educação Física pressupõe frequência em curso de bacharelado. Inteligência da Lei nº 9.394/1996, art. 62, Resolução CNE nº 07/2004, art. 14, c/c o art. 4º da Resolução CFE nº 03/1987, e Resolução CNE/CES nº 04/2009. Precedentes desta Turma. 5. À ausência de qualquer ilicitude atribuível ao CREF1, inexiste reparação por danos morais. A carteira profissional expedida corresponde à habilitação do apelante; e a legislação de regência foi corretamente aplicada, sem qualquer dano à dignidade do autor. 6. Apelação cível des-provida.” (TRF 2ª R. – AC 2011.51.04.002338-9 – 6ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 12.03.2014 – p. 379)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 2, ago./set. 2011, ementa nº 84 do TRF 2ª R.; e RDD nº 1, jun./jul. 2011, ementa nº 25 do TRF 3ª R.

1022 – Licitação – contração de serviços para os “Jogos da Juventude do Estado do Paraná” – mandado de segurança – cabimento

“Administrativo e processual civil. Recurso ordinário em mandado de segurança. Dispensa de licitação para a contração de serviços para os ‘Jogos da Juventude do Estado do Paraná’. Re-cursos provenientes de convênio firmado com o Estado do Paraná. Prestação de contas julgada irregular. Inclusão do nome do agente público no cadastro de contas irregulares do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. TCE/PR. Pronunciamentos administrativo e judicial a respeito da ausência de dolo. Motivação e finalidade do ato administrativo. 1. Recurso ordinário no qual se discute a possibilidade de o Tribunal de Contas do Estado do Paraná manter o nome de agente público no cadastro de contas julgadas irregulares, após a própria Corte de Contas e o Tribunal Superior Eleitoral decidirem que a conduta foi praticada sem dolo (dispensa de licitação para a contração de serviços durante os ‘Jogos da Juventude do Estado do Paraná/2004’). 2. A inclu-são de nomes de agentes públicos no registro de contas julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná é legal, mas não tem natureza sancionatória. É simples providência

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administrativa imposta por lei para oportunizar à Justiça Eleitoral a ciência de fato que possa resultar na declaração de inelegibilidade do agente público, nos termos da LC 64/1990, no seu art. 1º, inciso I, alínea g. 3. E, se assim o é, o ato de inscrição no registro de contas irregula-res é vinculado ao fim pretendido pela lei, que é o de registrar a irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa para fins de declaração da inelegibilidade. 4. No caso, porque verificado pelo TCE/PR e pelo TSE que não houve dolo na conduta do agente que tornou irregular sua prestação de contas, não se verifica hipótese que legitime a permanência do impetrante no referido cadastro, como forma de punição. 5. Recurso ordinário provido para cassar o acórdão recorrido e determinar a exclusão do nome do impetrante do cadastro de contas irregulares.” (STJ – RMS 38.722 – (2012/0159275-7) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 14.03.2014 – p. 691)

1023 – Licitação – lei de incentivo ao esporte – associação civil sem fins lucrativos – tutela antecipada – cabimento

“Agravo de instrumento. Antecipação dos efeitos da tutela. Irreversibilidade. Indeferimento. Lei de incentivo ao esporte. Associação civil sem fins lucrativos. Licitação. 1. Agravo de instrumento con-tra decisão negativa de antecipação dos efeitos da tutela, por irreversibilidade das medidas pleitea-das (art. 273, § 2º, do CPC), consistentes na (i) sustação dos efeitos de cláusula constante de termo de compromisso firmado com a CEF em que o agravante se comprometeu à realização de prévia licitação para aquisições de bens e contratações de serviços necessários à execução de projeto esportivo incluído na lei de incentivo ao esporte; e (ii) a consequente liberação dos valores constan-tes da conta bloqueada pela CEF, valores estes captados junto à patrocinadores pelo agravante. 2. Em que pese não exista, nos atos normativos legais e infralegais que regulamentam a elaboração e execução de projetos desportivos e paradesportivos de que trata a lei de incentivo ao esporte – Lei nº 11.438/2006, Decreto nº 6.180/2007, Portaria ME nº 120/2009, Portaria ME nº 208/2009 e Porta-ria ME nº 152/2010 –, disposição no sentido de ser necessária, para a liberação dos valores constan-tes de conta específica no Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal, captados pelo elaborador do respectivo projeto, a necessidade de licitação prévia, tem-se que o agravante assinou termo de compromisso junto a CEF, cuja cláusula 3.2, itens VII, VIII, IX e X, prevê expressamente a neces-sidade de realização de processo licitatório, nos moldes da Lei nº 8.666/1993. 3. Ressalte-se que, além do agravante não ter acostado aos autos qualquer documento que comprove que a exigência de licitação prévia não é realizada pelo Banco do Brasil, a decisão por abrir a conta no Banco do Brasil ou na CEF é livre ao proponente (art. 24 da Portaria ME nº 120/2009). 4. Ademais, posto que os valores depositados na conta bloqueada na CEF para execução do projeto decorram de captação de doações junto a patrocinadores, pessoas jurídicas de direito privado, realizada pelo próprio agravante, nítido o caráter público dos referidos valores, uma vez que, conforme art. 1º da Lei nº 11.438/2006 e art. 1º do Decreto nº 6.180/2007, é admitida a dedução do valor devido pelas pessoas físicas e jurídicas a título de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza dos valores despendidos com patrocínio ou doação, no apoio direto a projetos desportivos e parades-portivos previamente aprovados pelo Ministério do Esporte. 5. No que tange ao periculum in mora, tem-se que, além de o Termo de Compromisso ter sido assinado em junho de 2013, com ajuiza-mento da ação somente em dezembro de 2013, sem que o agravante, por meio de prova acostada aos autos, tenha comprovado que nesse interregno de 6 (seis) meses, sem qualquer requerimento de prestação jurisdicional, tenha procedido a solicitações administrativas junto ao Ministério do Espor-te e à CEF para a solução do problema; conforme mensagem de correio eletrônico acostada, desde setembro de 2012 o agravante conhece a exigência da CEF acerca da necessidade de licitar, portan-to, anteriormente à assinatura do próprio Termo de Compromisso. 6. As medidas requeridas a título de antecipação dos efeitos da tutela pelo agravante apresentam caráter de irreversibilidade. Isto por-que, tal como ressaltado pelo próprio agravante, é pressuposto lógico da liberação dos valores con-tidos na conta bloqueada na CEF seja reconhecida a ilegalidade da exigência de licitação prévia, e

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o deferimento de medida liminar a afastar a necessidade de licitar é irreversível, uma vez que, defe-rida a antecipação, as aquisições e contratações pelo agravante se fariam sem licitação, não sendo possível, quando do advento da decisão final do processo, que poderá ser pela improcedência do pedido, ou quando de eventual revogação ou modificação do provimento de urgência, o retorno ao status quo ante, com devolução de bens ou cancelamento de contratos ou, mesmo, negativa de pagamento pelos serviços já prestados. 7. A irreversibilidade da tutela de urgência requerida deve ser ponderada, cotejada com o perigo da irreversibilidade decorrente da não concessão da medida. Ocorre que, na hipótese dos autos, o agravante não logrou êxito em demonstrar periculum in mora exacerbado a justificar a antecipação dos efeitos da tutela e, em decorrência a irreversibilidade da negativa da medida. Isto porque o tempo necessário ao trâmite do processo apenas postergará o início da execução do projeto, observando que não há elementos nos autos capazes de demonstrar efetiva vinculação entre o projeto e os eventos da Copa do Mundo e Olimpíadas, de forma que a sua não execução de forma concomitantemente aos referidos eventos acarrete o perecimento do direito alegado. 8. Por fim, convém salientar que, conforme entendimento adotado por esta egrégia Corte, apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste Tribunal estaria autorizada sua reforma, por meio de agravo de instrumento, todavia, não se afigura terato-lógica, abusiva ou ilegal a decisão ora agravada. 9. Agravo de instrumento desprovido.” (TRF 2ª R. – AI 2014.02.01.000566-9 – (238948) – 7ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 31.03.2014 – p. 861)

1024 – Mandado de segurança – Jogos Pan-Americanos de 2007 – credenciamento de coope-rativa de táxi – restrição à área de desembarque do aeroporto – ato discricionário da Infraero – configuração

“Administrativo. Mandado de segurança. Apelações e remessa necessária. Jogos Pan-Americanos de 2007. Credenciamento de cooperativa de táxi. Restrição à área de desembarque do Aeroporto Antonio Carlos Jobim (Galeão). Ato discricionário da Infraero. Princípio da supremacia do interesse público. 1. Sentença que julgou procedente, em parte, o pedido e concedeu a segurança, para determinar à autoridade impetrada que permita aos cooperados das impetrantes (cooperativas de táxi) a utilização dos terminais de passageiros do Aeroporto Internacional Tom Jobim nas mesmas condições das cooperativas já instaladas no mesmo aeroporto. 2. A Infraero, empresa pública fede-ral, vinculada ao Ministério da Defesa, constitui-se por meio da Portaria nº 037/GM-5, editada pelo Poder Executivo em 31.05.1973, com base na autorização contida no Decreto nº 72.219/1973, nos termos da Lei nº 5.862/1972, com o fito de implantar, administrar, operar e explorar, industrial e comercialmente, a infraestrutura aeroportuária. 3. Como empresa pública, tem a Infraero poder discricionário para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo, incluindo-se aí a exploração do serviço de táxi em áreas aeroportuárias. 4. Na hipótese dos autos, a Infraero, revendo os procedimentos de segurança aeroportuários, enten-deu ser necessária a regularização da utilização das áreas portuárias pelos prestadores de serviços de táxi credenciados no Aeroporto do Galeão/Tom Jobim, tendo a autoridade indicada como coa-tora determinado que somente as cooperativas de táxi já instaladas no referido aeroporto ficariam com seu credenciamento validado pela Infraero, até a regularização do cadastramento mediante o necessário procedimento licitatório. 5. As medidas de segurança adotadas pela Infraero inserem-se na conceituação de poder de polícia, que, como cediço, é a atividade engendrada pelo Estado com vistas a coibir ou limitar o exercício dos direitos individuais em prol do interesse público. 6. Dessa forma, conclui-se que o ato que restringiu o acesso à área de desembarque do Aeroporto Antônio Carlos Jobim às cooperativas de táxi cadastradas é legal, enquadrando-se dentro dos limites da liber-dade que o administrador tem ao atuar. 7. O ato perpetrado pela autoridade indigitada coatora está harmonizado com o princípio da supremacia do interesse público. Com efeito, sempre que houver conflito envolvendo um interesse individual e um coletivo, deve prevalecer o interesse público. É uma prerrogativa conferida à administração, vez que esta atua em razão do referido interesse.

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8. Precedentes: AMS 200751010174209/RJ, Rel. Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, 6ª T.Esp., e-DJF2R: 21.07.2010; AMS 200751010169081, Rel. Juiz Fed. Conv. Theophilo Miguel, 7ª T.Esp., e-DJF2R: 28.08.2009. 9. Apelações e remessa necessária providas. Sentença reforma-da.” (TRF 2ª R. – AMS 2007.51.01.000701-9 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcus Abraham – DJe 21.03.2014 – p. 183)

1025 – Treinador profissional de futebol – Conselho Regional de Educação Física de São Paulo – inscrição – não obrigatoriedade

“Administrativo. Conselho Regional de Educação Física de São Paulo. Pretendida obrigatoriedade de inscrição dos treinadores e técnicos de futebol, não graduados em educação física, para fins de fiscalização e pagamento de anuidades. Descabimento (ausência de fundamento legal para a exi-gência; argumentos ‘de fato’ e ad terrorem, inúteis para criar um dever onde a lei não obriga). Apelo desprovido. 1. Calçada no art. 5º, XIII, da Constituição, existe a Lei nº 8.650/1993, que, ao propósito de regulamentar as relações de trabalho do treinador profissional de futebol, acabou por clarificar, quanto ao exercício dessa profissão, que a mesmo não é privativa de pessoa formada em faculdade de educação física (inciso I do art. 3º). Se os treinadores profissionais de futebol não necessitam ser diplomados em curso superior de educação física, nenhum é o sentido de submetê-los à autarquia corporativa que, nos termos explícitos de seu próprio estatuto, tem atribuições fiscalizatórias apenas em relação aos profissionais de educação física. 2. O texto da Lei nº 9.696/1998 fala claramente em demérito da pretensão do Conselho Regional de Educação Física, pois o art. 2º afirma com todas as letras que apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física “os pos-suidores de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido” (inciso I). Assim: se uma pessoa não é formada em educação física, mas mesmo assim é autorizada por lei (Lei nº 8.650/1993) a desempenhar uma determinada ocupação (treinador de futebol), ob-viamente que sequer pode ser inscrita nos quadros de um Conselho Regional de Educação Física. Portanto, o treinador profissional de futebol pode ou não ser graduado em curso superior de educa-ção física (Lei nº 8.650/1993), e apenas nesse segundo caso é-lhe possível inscrever-se no Conselho Regional de Educação Física (Lei nº 9.696/1998, art. 2º, I). Demais dispositivos da Lei nº 9.696/1998 não têm qualquer significado – a não ser na ótica peculiar do recorrente – para obrigar a inscrição. 3. São absolutamente injurídicos os argumentos deduzidos no sentido de que a fiscalização dos Conselhos Regionais de Educação Física diminuiria casos de prática da ‘pedofilia’ perpetrados por treinadores de futebol; o argumento não tem a menor base empírica e menos ainda base jurídica, pois combater a ‘pedofilia’, nas suas manifestações que atentam contra a lei penal, é tarefa da Polí-cia e do Ministério Público. Não é preciso muito esforço para compreender que ninguém deixa de ser ‘pedófilo’, como não deixa de praticar qualquer outro ato ilícito ou imoral, só porque pertence aos quadros de uma determinada corporação profissional. Ninguém se torna eticamente melhor nem pior por pertencer ou deixar de pertencer a uma corporação ou agremiação. 4. Igualmente, o argumento ad terrorem do recorrente – a saúde de incontáveis pessoas está em risco porque trei-nadores de futebol, supostos ‘agentes de saúde’, não são fiscalizados pelo Conselho – é anódino; a Resolução nº 218/1997 do Conselho Nacional de Saúde reconhece como profissionais de saúde de nível superior também os profissionais de educação física; mas se a lei – que é hierarquicamente superior a qualquer resolução – não trata os treinadores de futebol in genere como profissionais de educação física, é de clareza solar que a Resolução nº 218/1997 a eles não se aplica. 5. Apelo improvido.” (TRF 3ª R. – AC 0004147-37.2011.4.03.6120/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo – DJe 14.03.2014 – p. 402)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 2, ago./set. 2011, ementa nº 84 do TRF 2ª R.; e RDD nº 1, jun./jul. 2011, ementa nº 25 do TRF 3ª R.

Comentário Editorial SÍNTESEDiscutiu-se no caso em destaque a obrigatoriedade de o treinador profissional de futebol ser registrado no Conselho Regional de Educação Física.

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A Lei nº 8.650/1993 não exige que o treinador seja graduado em educação física. Todavia, a Lei nº 9.696/1998 exige que para o registro do profissional no Conselho Regional de Educação Física haja a graduação.

Nessa linha de raciocínio, é oportuno o seguinte julgado:

“Apelação. Conselho Regional de Educação Física de São Paulo. Exercício da profissão de trei-nador profissional de futebol. Art. 3º, I, da Lei nº 8.650/1993. Inexistência de proibição ou restrição do desempenho da função de treinador a determinada categoria. Mera preferência aos graduados em curso superior de Educação Física. Atividades típicas de treinador não inclusas no rol de competências do art. 3º da Lei nº 9.696/1998. Sujeição à fiscalização do Cref4/SP restrita aos treinadores diplomados em educação física e inscritos na autarquia. 1. Pretende o recor-rente obter declaração da necessidade de os treinadores profissionais de futebol inscreverem-se no Conselho Regional de Educação Física, submetendo-se à fiscalização da autarquia. 2. O art. 3º da Lei nº 8.650/1993 estabelece tão somente preferência, no sentido de ser recomendá-vel o exercício da profissão de treinador de futebol por diplomados em curso de Educação Física. Também não há na Lei nº 9.696/1998, reguladora da profissão de educação física, qualquer disposição estabelecendo a exclusividade do desempenho da função de treinador por profissio-nais de educação física. 3. Competindo à lei a regulação de ambas as profissões, verifica-se inexistir nos diplomas correspondentes regras que vinculem ou obriguem o técnico de times de futebol a possuir qualquer diploma de nível superior. 4. Pode ou não o treinador profissional de futebol ser graduado em curso superior de Educação Física, e, apenas nesse último caso, deve inscrever-se no Conselho Regional de Educação Física correspondente, sujeitando-se assim à fiscalização da entidade, consoante dispõe o estatuto regulador da profissão. 5. Apelação e remessa oficial improvidas.” (TRF 3ª R., AC 2008.61.00.021019-5/SP, 6ª T., Rel. Juiz Fed. Conv. Ricardo China, DJe 16.03.2011)

Civil1026 – Atleta de futebol – falecimento – indenização securitária – efeitos“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Seguro de vida. Morte do segurado. Mora no paga-mento do prêmio. Inexistência de notificação. Súmulas nºs 7 e 83/STJ. Improvimento. 1. Ação em que, diante do falecimento de atleta de futebol em acidente, pleiteiam, contra a seguradora, o pagamento de indenização securitária as duas agremiações esportivas e o espólio do atleta, ação que, contudo, foi julgada improcedente, relativamente a todas as pretendentes, devido a atraso de pagamento quan-do do sinistro, ocorrido em 28.11.2002, firmando o acórdão que o atraso ocorria há quatro meses, a partir de julho de 2002. 2. A convicção a que chegou o Tribunal a quo quanto à ocorrência da notifi-cação das parcelas dos prêmios em atraso decorreu da análise do conjunto probatório. O acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame do mencionado suporte. Incide nesse ponto a Súmula nº 7/STJ. Ademais, estando o acórdão de origem em sintonia com o entendimento jurisprudencial deste Tribunal, incide a Súmula nº 83/STJ. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-AG-REsp 422.024 – (2013/0365378-2) – 3ª T. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 13.03.2014 – p. 1371)

Remissão Editorial SÍNTESE• Vide RDD nº 08, ago./set. 2012, ementa nº 444 do TRT 10ª R.

• Vide, também, RDD nº 2, ago./set. 2011, artigo de Wladimir Novaes Martinez intitulado “Acidente de trabalho do jogador de futebol”.

Comentário Editorial SÍNTESECuida o v. acórdão do pagamento obrigatório do seguro de vida aos familiares do atleta falecido.

O art. 45 da Lei nº 9.615/1998, com redação alterada pela Lei nº 12.395/2011, assim dispõe:

“Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de aci-dentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

§ 1º A importância segurada deve garantir ao atleta profissional, ou ao beneficiário por ele indicado no contrato de seguro, o direito a indenização mínima correspondente ao valor anual da remuneração pactuada.

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§ 2º A entidade de prática desportiva é responsável pelas despesas médico-hospitalares e de medicamentos necessários ao restabelecimento do atleta enquanto a seguradora não fizer o pa-gamento da indenização a que se refere o § 1º deste artigo. (NR) (Redação dada ao artigo pela Lei nº 12.395, de 16.03.2011, DOU 17.03.2011).”

A obrigatoriedade imposta pelo legislador pode ser corroborada nas palavras do Dr. Wladimir Novaes Martinez:

“Em termos gerais, acidente do trabalho dos futebolistas é um evento, previsível ou não, nor-malmente de natureza traumática, que obsta a sua atividade por mais de 15 dias, entendida está como sendo os treinamentos e as práticas dos jogos propriamente ditos. E até mesmo os exercícios aeróbicos na academia do clube.

Diferentemente do que sucede com os demais segurados, empregados ou não do clube desporti-vo, embora raramente possa ocorrer, por ora, desse conceito está excluída a doença ocupacional (doença do trabalho ou doença profissional).

Um infortúnio laboral poderá suceder dentro do retângulo no campo de futebol, durante a partida e até fora dela: o causador ser um colega do próprio clube ou jogador do adversário; qualquer pessoa, inclusive assistente de pugna e até o árbitro; a própria natureza ou o piso do gramado.

De regra, os locais de trabalho desses atletas profissionais são a sede do clube, seus centros de treinamento, locais de concentração e o estádio onde ocorre a partida de futebol e outros mais.

Em face dos salários que ultrapassem R$ 3.691,74, é recomendável aos clubes de futebol que celebrem um contrato de seguro privado para a cobertura dos acidentes do trabalho.

Em seu art. 45, a Lei Pelé diz: ‘As entidades de prática esportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objeto de cobrir os riscos a que estes estão sujeitos’ (redação à Lei nº 12.395/2011).” (Acidente de trabalho do jogador de futebol. Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária, Porto Alegre, a. I, n. 02, p. 102, ago./set. 2011)

1027 – Atleta profissional – transação sobre direitos federativos – conflito de competência – ação anulatória – reconhecimento

“Recurso especial. Ação anulatória (art. 486 do CPC). Acordo homologado judicialmente. Transa-ção sobre direitos federativos de atletas profissionais de futebol. Demanda distribuída livremente a uma das Varas Cíveis da Comarca de Belo Horizonte. Reconhecimento da incompetência pelo Tribunal de origem. Caráter acessório da referida demanda. Aplicação do disposto no art. 108 do Código de Processo Civil. Competência do juízo de direito que homologou a avença. Recurso es-pecial desprovido. Hipótese em que a ação anulatória de sentença homologatória de acordo foi dis-tribuída livremente a uma das Varas Cíveis da Comarca de Belo Horizonte. Decisão do Tribunal de origem reconhecendo a incompetência do Juízo de Direito da 27ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, ao fundamento de ser competente o Juízo de Direito da 24ª Vara Cível daquela Comar-ca, tendo em vista que neste se dera a homologação da avença. 1. A ação anulatória de sentença homologatória de acordo, prevista no art. 486 da Lei Adjetiva, possui nexo etiológico com a ação originária em que fora homologada a transação celebrada entre as partes. 2. Nos termos do art. 108 do Código de Processo Civil, ‘a ação acessória será proposta perante o juiz competente para a ação principal’, regra que traduz hipótese de modificação de competência. 3. A acessoriedade prevista no art. 108 do Código de Processo Civil abrange a relação entre as duas demandas supramencio-nadas e legitima a prevenção do juízo homologante para apreciação da ação anulatória, tendo em vista as melhores condições do juízo de direito originário para apreciá-la. Premissa estabelecida em precedente da Segunda Seção: CC 120556/CE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 09.10.2013, DJe 17.10.2013. 4. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.150.745 – (2009/0143756-0) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 19.02.2014 – p. 1080)

1028 – Cláusula penal – rescisão contratual – contrato de cogestão de atividade desportiva – infrações contratuais – efeitos

“Rescisão contratual. Cláusula penal. Contrato de cogestão de atividade desportiva. Infrações con-tratuais. Processual impedimento de degravação ônus da prova. 1. Não se confunde a impossi-bilidade de degravação da mídia ou produção de provas, porque requeridas tempestivamente e

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deferidas em decorrência do direito ao contraditório, com a formação da convicção do juiz. Ambas as partes entenderam pelo julgamento sem repetição das oitivas e há suficiência de elementos de prova para a resposta jurisdicional, sendo a regra do ônus da prova para o estado de dúvida. 2. Legítima expectativa da cogestora que agia corretamente na consecução de sua atividade e com-provados os investimentos para atender aos fins contratuais. Houve infrações contratuais relevantes e comprovadas, destacando-se a falta de repasse de numerário, contratação de atletas sem anuência expressa, falha na cessão dos espaços, além de outras enumeradas com influência na cogestão. A aquiescência abrange todos os elementos contratuais, não se apreendendo causa eficiente para justificar o comportamento da contratante. Cláusula penal que estabelece o reembolso do investi-mento, cujos termos e valores não foram impugnados especificamente. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0077591-98.2001.8.26.0100 – São Paulo – 35ª CDPriv. – Rel. José Malerbi – DJe 27.03.2014 – p. 1803)

1029 – Conflito de competência – ações movidas por torcedores com fundamento no Estatuto do Torcedor – questionamento de decisão da Justiça Desportiva quanto ao Campeona-to Brasileiro de Futebol de 2013 – efeitos

“Agravo regimental. Conflito de competência. Liminar. Ações movidas por torcedores com funda-mento no estatuto do torcedor, questionando decisão da justiça desportiva quanto ao Campeonato Brasileiro de Futebol de 2013. Perda de pontos e desclassificação de equipe de futebol. Agravo regimental improvido. Liminar confirmada. Determinação de informação aos presidentes dos Tribu-nais de Justiça e Tribunais Regionais Federais. 1. Absolutamente conveniente, em termos jurídicos e práticos, a atribuição a um só Juízo, o do local da sede da CBF – Confederação Brasileira de Futebol a que distribuído o primeiro processo, da competência provisória para processamento e julgamento de ações em que se questionam decisões da Justiça Desportiva, relativas ao Campeonato Brasileiro de Futebol de 2013. 2. Confirmação de decisão liminar, restando todas as matérias para exame fu-turo pela 2ª Seção desta Corte, após oportunidade de manifestação dos Juízos Suscitados e parecer do Ministério Público. 3. Determinação de informação, via eletrônica, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça e Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, para a divulgação visando à atenção que vier a merecer dos Juízos em que eventualmente ajuizadas ações semelhantes por torcedores. 4. Agravo regimental improvido, com determinação.” (STJ – AgRg-CC 132.438 – (2014/0031220-4) – 2ª S. – Rel. Min. Sidnei Beneti – DJe 07.03.2014 – p. 98)

1030 – Dano moral – TV por assinatura – suspensão dos serviços durante um jogo da Copa das Confederações de 2013 – descumprimento contratual – inocorrência

“Consumidor. TV por assinatura. Suspensão dos serviços durante um jogo da Copa das Confe-derações de 2013. Descumprimento contratual. Dano moral. Inexistente. 1. O que caracteriza a situação digna de indenização é aquela que afeta de modo intenso a dignidade, não restando alternativa senão a reparação pecuniária como forma de paliativo do dano sofrido. 2. A ineficiên-cia do serviço de TV por assinatura não ofende a atributos da personalidade do consumidor. 3. O descumprimento contratual sem efeitos excepcionais não gera dano moral indenizável. 4. Recurso conhecido mas improvido. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, a teor do art. 46 da Lei nº 9.099/1995, servindo a súmula de julgamento de acórdão. 5. Recorrente sucumbente arcará com custas processuais e honorários de advogado no valor de 20% do valor da causa, sobrestados em razão da gratuidade de justiça.” (TJDFT – Proc. 20130110935424 – (767455) – Rel. Juiz Flávio Augusto Martins Leite – DJe 19.03.2014 – p. 261)

1031 – Direito de imagem – jogador – álbum de figurinhas – autorização – ausência – indeni-zação devida

“Apelação cível. Veiculação de imagem de jogador em álbum de figurinhas. Ausência de autori-zação para uso da imagem. Utilização com finalidade econômica. Enriquecimento que deve ser ressarcido. Danos materiais devidos. Manutenção do valor em R$ 48.000,00. Recurso desprovido (voto 1539).” (TJSP – Ap 0010405-71.2012.8.26.0068 – Barueri – 8ª CDPriv. – Rel. Silvério da Silva – DJe 26.03.2014 – p. 1173)

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Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2013, ementa nº 312 do TJSP; e RDD nº 03, out./nov. 2011, ementa nº 158 do STJ.

1032 – Indenização – árbitro de futebol – ofensas físicas e verbais após expulsão de jogador – insuficiência de provas – indenização indevida

“Indenização. Árbitro de futebol. Ofensas físicas e verbais após expulsão de jogador. Tumulto instau-rado, sem prova de que as ofensas decorreram de ato intencional dos réus. Boletim de ocorrência in-suficiente para comprovar as alegações do autor. Sentença reformada. Recurso dos réus providos, com inversão da sucumbência. Recurso do autor prejudicado.” (TJSP – Ap 0002884-74.2010.8.26.0576 – São José do Rio Preto – 2ª CDPriv. – Relª Marcia Tessitore – DJe 19.03.2014 – p. 1661)

Comentário Editorial SÍNTESEA vertente cuidou do não reconhecimento das ofensas sofridas pelo árbitro de futebol durante a partida.

O TJSP já se pronunciou a respeito:

“Indenização por danos morais. Ofensa perpetrada contra árbitro, durante partida de futebol realizada no clube corréu. Situação corriqueira em atividades desportivas, em vista da exaltação dos ânimos das partes envolvidas. Gravidade da ofensa que não restou demonstrada. Ausência de culpa do clube, que atuou de maneira diligente, apaziguando a situação e aplicando punição ao autor da ofensa. Inexistência do dever de indenizar. Adoção dos fundamentos da sentença, em razão do permissivo do art. 252 do Regimento Interno desta egrégia Corte. Sentença mantida. Recurso não provido.” (TJSP, Ap 994.09.039841-1, Taubaté, 5ª CDPriv., Rel. Moreira Viegas, DJe 03.04.2012, p. 1218)

O advogado Milton Jordão explica:

“O árbitro, no futebol, por exemplo, tem o poder de decidir sobre a ocorrência ou não de uma partida em determinada situações (casos de falta de luz, chuva, etc.). Em algumas modalidades existe, ainda, a previsão de que ele possa expulsar da partida ou prova o atleta ou mesmo qual-quer pessoa que macule o bom e fiel cumprimento das regras do jogo. Assim sendo, observa-se e constata-se que o árbitro, sem dúvidas, é uma peça fundamental no desporto, principalmente o profissional.

Na esfera do direito desportivo disciplinar, colhe-se que o papel do árbitro é dos mais relevantes na medida em que o art. 58 do CBJD afirma que a súmula é revestida de presunção de veraci-dade. Ressalte-se que, tempos alhures, na vigência do Código Brasileiro Disciplinar do Futebol (CBDF), esta presunção era absoluta. Caso as partes não produzam provas em sentido oposto, em suma, valerá a palavra do árbitro.

[...]

Exatamente por se sentirem acuados, por vezes, e senhores de tudo e todos, em outras oportuni-dades, os árbitros podem revelar maior sensibilidade a críticas e observações feitas por atletas, técnicos e dirigentes. Tal nos traz a convicção de que podemos estar diante de cerceamento à liberdade de expressão: o direito à crítica.

A caracterização de ofensas ao árbitro (art. 243-F do CBJD 6) ou mesmo de reclamações des-respeitosas (art. 258 do CBJD 7) é a hipótese legal que nos servirá de baliza para definir se se está diante de uma infração disciplinar ou de fato atípico.

Em ambas as hipóteses, o tipo legal reclama que a conduta levada a efeito se demonstra mar-cada pelo animus, ou seja, o dolo do agente.

No primeiro caso, as ofensas morais, o atleta, membro de comissão técnica ou dirigente de maneira deliberada, por meio de gestos, escritos ou palavras, visa a menoscabar a honra do árbitro. As expressões empregadas vergastam o juízo que o ofendido faz de si próprio (honra subjetiva) ou que terceiros dele fazem (honra objetiva). O fato em apreço deverá reverberar uma ação voltada exclusivamente para tal escopo.

[...]

Assim sendo, evidente que as Procuradorias e Tribunais de Justiça Desportiva deverão sempre se manter em alerta, visando a filtrar o que, de fato, consiste em incidência de infração disciplinar ou mero exercício do direito à crítica da atuação árbitro, como forma de resguardar a legalidade

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e os primados fundantes do direito desportivo disciplinar.” (O direito e limites à crítica à atua-ção do árbitro à luz do CBJD. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, Porto Alegre, ano I, n. 06, p. 96, abr./maio 2012)

1033 – Jogo da Copa das Confederações – cancelamento de voo – efeitos“Juizado Especial Cível. Consumidor. Transporte aéreo. Cancelamento de voo. Alegação de altera-ção da malha aérea. Ausência de comprovação. Caso fortuito interno. Responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço preservada. Realocação dos passageiros em voo cerca cinco horas depois. Per-da do objetivo da viagem. Pretensão de assistir jogo da Copa das Confederações. Falha na prestação do serviço. Pedido de reembolso das passagens aéreas e ingressos. Procedência. Dano moral. Carac-terização. Valor. Observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença manti-da. 1. Nas relações de consumo, a responsabilidade do fornecedor do serviço ou produto é objetiva, decorrência do risco da atividade. 2. Na esteira do art. 14, § 1º, da Lei nº 8.078/1990, o fornecedor do serviço tem responsabilidade objetiva pelos danos decorrentes da prestação viciosa dos seus ser-viços, a qual somente é afastada se comprovar a ausência de defeito, culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros. 3. A alegação de alteração da malha aérea não restou comprovada. Ademais, é fato previsível dentro da atividade comercial de transporte, logo é considerado caso fortuito interno. Portanto, tal escusa não eximiria a companhia aérea de reparar os danos causados pelo atraso ou cancelamento de voo. 4. Os consumidores viajariam para assistir a um evento esportivo de grande porte, mas a mudança dos horários dos voos comprometeu toda a programação, já que eles foram realocados em voo que sairia quase cinco horas depois, tornando exíguo o tempo para a chegada no evento. Além de todo o prejuízo material decorrente dos gastos com passagens e ingressos, a situa-ção vivenciada pelos autores gerou desconforto, apreensão e angústia. O quadro exposto foi capaz de alterar o Estado anímico dos passageiros, que superaram os meros dissabores ou aborrecimentos cotidianos. A jurisprudência pátria já pacificou o entendimento para reconhecer o dano moral no caso de atraso ou cancelamento de voo. 5. Não há motivos para a revisão do quantum indenizatório, uma vez que observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que informam a fixa-ção da indenização do dano moral, bem como sua natureza compensatória e dissuasória. 6. Recurso conhecido e desprovido. 7. Decisão tomada na forma do art. 46 da Lei nº 9.099/1995, servindo a ementa de acórdão. 8. Condeno a recorrente no pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação.” (TJDFT – Proc. 20130110909795 – (767798) – Rel. Juiz Luís Gustavo B. de Oliveira – DJe 17.03.2014 – p. 298)

1034 – Mandado de segurança – campeonato de futebol – suspensão de jogador pelo período de 365 dias – liminar não concedida

“Apelação. Mandado de segurança com pedido de liminar. Campeonato de futebol. Suspensão de jogador pelo período de 365 dias. Manutenção da decisão administrativa. Legalidade do procedi-mento. Súmula nº 271 do STF. Situação superada pelo tempo. Recurso prejudicado.” (TJSP – Ap 0001102-56.2009.8.26.0159 – Cunha – 4ª CDPúb. – Rel. Paulo Barcellos Gatti – DJe 28.03.2014 – p. 2011)

1035 – Responsabilidade civil – CBF e São Paulo Futebol Clube – indenização por fato ocorrido em estádio de futebol – legitimidade passiva

“Responsabilidade civil. Indenização por fato ocorrido em estádio de futebol. Ação movida em face da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e São Paulo Futebol Clube. Autora foi atingida por ou-tro torcedor que caiu do anel superior do Estádio do Morumbi. A sentença julgou extinto o processo em face da CBF por ilegitimidade. Entretanto, reconheço a legitimidade passiva. A CBF tem legitimi-dade para figurar no polo passivo da demanda proposta por torcedor em decorrência de acidente de consumo (arts. 14 e seguintes do Código de Defesa do Consumidor). Expressa previsão do art. 3º do Estatuto do Torcedor. Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, a entidade responsável pela organização da competição, bem como o órgão de prática desportiva detentor do mando de jogo. Responsabilidade objetiva, por acidente de consumo e violação positiva do contrato. Serviço que não ofereceu a segurança esperada pelo

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consumidor. Documentos comprovando a lesão corporal. Danos morais in re ipsa, decorrentes da violação do direito à integridade física. Critérios de fixação da indenização. Circunstâncias fáticas que justificam a fixação do quantum indenizatório a título de danos morais em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), suficientes para compensar a vítima sem acarretar-lhe indevido enriquecimento. Fica a sentença anulada na parte em que extinguiu o processo sem análise de mérito em relação à CBF, por ilegitimidade passiva. Julgamento da lide, a teor do art. 515, § 3º, do Código de Processo Ci-vil. Sentença reformada. Recurso provido.” (TJSP – Ap 0002680-76.2010.8.26.0011 – São Paulo – 6ª CDPriv. – Relª Ana Lucia Romanhole Martucci – DJe 26.03.2014 – p. 1112)

1036 – Responsabilidade civil – indenização – utilização não autorizada de imagem da seleção brasileira de futebol – alcance

“Recurso especial. Responsabilidade civil. Indenização. Utilização não autorizada de imagem da seleção brasileira de futebol. Negativa de prestação jurisdicional afastada. Intuito exclusivamente infringente dos embargos de declaração. Lucros cessantes. Contratos firmados com patrocinadores oficiais. Mero parâmetro para a liquidação por arbitramento. Antecipação do exame de matérias relativas à liquidação do julgado. Impossibilidade. 1. A fundamentação levantada na prefacial con-funde-se com a linha argumentativa que desafia o mérito do acórdão recorrido, motivo pelo qual, ausentes os pressupostos de cabimentos dos embargos de declaração, se afasta a negativa de pres-tação jurisdicional alegada. 2. Tendo o Tribunal de origem fixado a responsabilidade, reconhecido o dever de indenizar, e determinado a liquidação, por arbitramento, do valor da indenização, as indagações da agravante revelam-se prematuras, porque afetas à fase de liquidação da sentença. 3. O acórdão recorrido é claro o bastante para propiciar a regular liquidação do julgado, sendo inegável a possibilidade de a recorrente, oportunamente, acessar os documentos que servirão de base de cálculo da indenização, bem como de impugnar as conclusões do laudo pericial que de-verá ser apresentado (art. 475-D, parágrafo único, do CPC). Sob essa perspectiva, não se justifica a reabertura da instrução processual para a juntada dos contratos de patrocínio firmados pela CBF e a polemização prévia a respeito desses documentos. 4. Não trata o caso da apropriação da ca-misa e da bandeira nacional, mas da sua utilização dentro de um contexto que remete, de forma inequívoca, ao escrete canarinho, cuja titularidade dos direitos de imagem são pertencentes à CBF. 5. Também não cuida a hipótese de mera presunção de lucros cessantes, circunstância que a ju-risprudência consolidada nesta Corte Superior repudia, mas de evidente prejuízo, pois, segundo a prática comercial usual, somente patrocinadores oficiais obtêm autorização para a utilização da imagem da seleção brasileira de futebol. 6. A apreciação do quantitativo em que autor e réu saíram vencidos na demanda, bem como a verificação da existência de sucumbência mínima ou recíproca, encontram inequívoco óbice na Súmula nº 7/STJ, por revolver matéria eminentemente fática. Prece-dentes. 7. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.335.624 – (2012/0049591-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 18.03.2014 – p. 430)

1037 – Tutela antecipada – ação anulatória movida por torcedor contra a CBF – Estatuto do Torcedor – observação

“Agravo. Estatuto do Torcedor. Tutela antecipada. Ação anulatória movida por torcedor contra a CBF. Antecipação de tutela concedida para o fim de suspender decisão do STJD que puniu a As-sociação Portuguesa de Desportos por escalação irregular de jogador suspenso, com aplicação de multa e perda de pontos. Inconformismo da CBF. Acolhimento. Ação ajuizada pelo torcedor. Reco-nhecimento da ilegitimidade ativa. Precedentes. Extinção do processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC. Recurso provido.” (TJSP – AI 2007934-87.2014.8.26.0000 – São Paulo – 3ª CDPriv. – Relª Viviani Nicolau – DJe 24.03.2014 – p. 1120)

1038 – Tutela antecipada – liga de futebol amador – ausência da verossimilhança das alega-ções – liminar não concedida

“Agravo de instrumento. Direito privado não especificado. Liga de futebol amador. Tutela anteci-pada. Não concessão. Decisão mantida. Com efeito, na forma do art. 273 do CPC, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido

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inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e, entre outras causas, haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Na hipótese em que inexistente a verossimilhança das alegações (porque, embora tenha havido utilização indevida de um atleta com inscrição profissional em liga de futebol amador, inexiste amparo ao direito pleiteado no Regulamento da Liga, bem como porquanto as partidas objeto do pedido já se realizaram), invi-ável antecipar os efeitos do pedido de revogação da decisão da Junta Desportiva e de ordem para que a Liga se abstenha de realizar partidas envolvendo a equipe infratora. Decisão agravada que vai mantida. Negaram provimento ao agravo de instrumento. Unânime.” (TJRS – AI 70057477440 – 18ª C.Cív. – Relª Elaine Maria Canto da Fonseca – J. 20.03.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida o julgado do indeferimento da tutela antecipada pela ausência da verossimilhança da alegação.

O instituto está previsto no seguinte dispositivo:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

§ 1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

§ 3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A.

§ 4º A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 5º Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.

§ 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumu-lados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.

§ 7º Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, po-derá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.”

A existência da prova inequívoca e o convencimento da verossimilhança da alegação são outros dois requisitos para o requerimento da tutela antecipada.

O legislador, ao exigir a presença de prova inequívoca, referiu-se a uma prova documental, clara, precisa, sem dar margem à dúvida. Ela é tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, levando o juiz à certeza e não à mera verossimilhança.

Assim, quando o legislador referiu-se ao convencimento da verossimilhança da alegação, pre-tendeu aduzir ao indício da veracidade dos fatos alegados. Verossímil quer dizer semelhante à verdade, que parece verdadeiro, com grande intensidade da verdade.

Observe-se a seguinte transcrição:

“Encontramos nas palavras de Carreira Alvim uma síntese dos pensamentos acima expostos, quando este assim se expressa: ‘Sempre que houver uma carga de probabilidade suficiente para convencer o julgador da verossimilhança da alegação, tem cabimento a antecipação da tutela, na mesma medida em que não tem, se o juiz se convencer do contrário’. (BUTTENBENDER, Carlos Francisco. A antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida. 2. ed. Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 41)

Corroborando entendimento de Buttenbender, Siano assim discorre:

‘Tem se entendido por prova inequívoca aquela a respeito da qual não mais se admite qualquer discussão. É a prova extreme de dúvidas, que não deixa outra opção ao julgador, ou no dizer de Luiz Fux: ‘é a alma gêmea da prova de direito líquido e certo necessária à concessão do mandamu’.’

Logo, com maior razão não se admite a realização de audiência de justificação.

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Para Calmon de Passos, a apreciação da prova inequívoca somente seria possível após o en-cerramento da fase de postulação, com a conclusão do estágio de resposta do réu e depois de cumpridas eventuais medidas de regularização do processo [...].

A verossimilhança (conceito subjetivo) é a razoável aceitabilidade da versão, plausibilidade ou probabilidade de ser, ou no vocabulário jurídico De Plácido e Silva: ‘A verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível ou como real, mes-mo que não se tenham deles provas diretas’ [...].” (SIANO, James Alberto. Tutela antecipada. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, n. 18/01, p. 375, artigo n. 3/18388, 2. quinzena set. 2001.)

Penal

1039 – Crime de contrabando – máquinas caça-níqueis – caracterização“Penal e processual penal. Art. 334, § 1º, alínea c, do CP. Máquinas caça-níqueis. Crime de con-trabando. Dolo comprovado. Materialidade e autoria comprovadas. I – Crime de contrabando su-ficientemente comprovado em todos os seus elementos, conforme tipificação prevista no art. 334, § 1º, c, do Código Penal. II – Não há que se falar em ausência de dolo ou em insuficiência de pro-vas, pois a lesão ao bem jurídico tutelado é significativa e atentatória à moral, aos bons costumes e à ordem pública, uma vez que trata-se de equipamento empregado na prática de jogo de azar legalmente proibido em nosso País, irrelevante, portanto, o seu aspecto econômico. Precedentes. III – Apelação provida.” (TRF 1ª R. – ACr 0024690-28.2010.4.01.3800/MG – Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro – DJe 28.03.2014 – p. 930)

1040 – Prescrição da pretensão punitiva – contrabando – exploração de jogos de azar – con-travenção penal – efeitos

“Penal. Processual penal. Preliminar de prescrição da pretensão punitiva rejeitada. Contrabando. Autoria e materialidade demonstradas. Propriedade das mercadorias. Irrelevância. Princípio da insignificância inaplicável. Desclassificação do delito. Impossibilidade. Dolo demonstrado. Pena fixada no mínimo legal. Impossibilidade de substituição da pena de prestação de serviços por prestação pecuniária. Apelação do réu desprovida. Sentença mantida. 1. No que tange a arguição de prescrição da pretensão punitiva estatal, verifico que não houve transito em julgado deste re-curso para a acusação, não havendo como, então, falar-se em prescrição da pretensão punitiva, em sua modalidade retroativa, com base na pena concretamente aplicada. Ora, nos termos do art. 109, caput, do Código Penal, a prescrição, antes do trânsito em julgado para a acusação, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime que, no caso dos autos, é de quatro anos de reclusão, o que enseja prazo prescricional de 8 (oito) anos, nos termos do art. 109, inciso IV, do Código Penal. Não tendo transcorrido tal lapso prescricional entre a data dos fatos (10.01.2008) e a data do recebimento da denúncia (01.06.2009 – fl. 41), bem como desta data até a data da publicação da sentença condenatória (fl. 91), não restou configurada a prescrição da ação penal em relação as condutas atribuídas ao réu Andre Luiz Tirolo. 2. Conside-rando que a utilização de máquinas caça-níqueis não é permitida no Brasil, restou caracterizada a ocorrência do delito de contrabando, motivo pelo qual entendo que o princípio da insignificância não se mostra aplicável ao caso concreto, pois a conduta descrita se mostra penalmente relevante. 3. Os equipamentos irregularmente importados se destinam à prática comercial de jogos de azar, notoriamente proibido em território nacional e cuja importação para tal finalidade não se viabili-zaria regularmente em nenhuma hipótese, motivo pelo qual não há que se falar na insignificância da referida conduta que, no caso concreto, atingiu de forma plena a proibição da importação da mercadoria apreendida, cuja tutela abrange a segurança e a paz social. 4. Também não há que se falar em desclassificação do delito para enquadramento na contravenção penal de exploração de jogos de azar. O réu, no exercício de atividade comercial, fez uso da mercadoria de procedência estrangeira introduzida clandestinamente no País. Sendo sua ação subsumida, completamente, ao tipo penal previsto no art. 334, § 1º, c, do Código Penal. 5. No crime de contrabando o bem

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jurídico tutelado é a Administração Pública, diversamente do previsto para contravenção referente à exploração de jogos de azar, qual seja, os bons costumes. 6. A introdução irregular das mer-cadorias em território nacional restou comprovada pelo auto de exibição e apreensão de fl. 04 e pelos laudos de exame em máquinas eletrônicas realizados pelo Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (fls. 09/23), o que comprova a materia-lidade do delito. 7. No que se refere à autoria, restou comprovada pelo termo de declarações de fl. 06, confirmado pelo apelante em seu próprio interrogatório (fl. 81 – mídia de fl. 82), onde admi-tiu que mantinha os equipamentos em seu estabelecimento, mesmo após ter máquinas apreendidas em ocasião anterior. 8. As condições pessoais do acusado, trazidas à tona em seu interrogatório judicial, permitem infirmar que ele sabia do caráter ilícito de ter consigo o equipamento apreen-dido, não se podendo aceitar que simplesmente ‘guardava’ a máquina para outras pessoas. Como por ele mesmo afirmado em seu interrogatório, possui 2º grau completo, tendo, inclusive, cursado o primeiro ano do curso de Direito. 9. Não havendo irresignação da defesa quanto à fixação da pena-base e com relação às demais fases de fixação da pena privativa de liberdade, tenho que a mesma deva ser mantida nos termos em que lançada, posto que observada a jurisprudência atual e os preceitos legais atinentes à matéria, não havendo necessidade de se reformá-la. 10. Quanto ao pedido de conversão da pena de prestação de serviços comunitários em pena de prestação pecu-niária por ter o réu outras atividades profissionais, tenho que o mesmo não merece prosperar, pois, mesmo alegando dificuldades em virtude de sua atividade profissional, nada trouxe aos autos que permitisse a este Relator aquilatar da efetiva necessidade de mudança, não sendo possível, desta feita, a conversão pretendida. 11. Preliminar rejeitada. Apelação do réu a que se nega provimento. Sentença mantida.” (TRF 3ª R. – ACr 0001795-86.2009.4.03.6117/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Fontes – DJe 21.03.2014 – p. 657)

Trabalhista

1041 – Anulação de auto de infração – auxiliares de jogadores de golfe caddies – efeitos“Agravo de instrumento. Recurso de revista. Multa administrativa. Anulação de auto de infração. Auxiliares de jogadores de golfe caddies. Inexistência de demonstração concreta de desrespeito, pelo clube, de normas trabalhistas. Matéria fática. Súmula nº 126/TST. Decisão denegatória. Ma-nutenção. No caso concreto, o TRT, na mesma linha da sentença, considerou insubsistente o auto de infração lavrado pelos agentes do Ministério do Trabalho e Emprego, ao fundamento de que, na hipótese em análise, para verificação de eventuais irregularidades perpetradas pelo Clube Curiti-bano em relação aos profissionais auxiliares dos jogadores de golfe seria indispensável um exame pormenorizado dos casos concretos, sendo inviável uma investigação genérica das variadas rela-ções jurídicas envolvendo esses trabalhadores, pois, na prática, laboram sob distintas condições. O reexame da decisão regional demandaria necessariamente a incursão nos fatos e provas contidos nos autos, o que encontra óbice na Súmula nº 126/TST. Incidem, portanto, neste caso concreto, fatores de ordem estritamente processuais que inviabilizam o processamento do recurso de revista. Não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.” (TST – AI-RR 1440900-95.2007.5.09.0009 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DJe 07.03.2014 – p. 1341)

1042 – Atleta profissional – contrato de licença de uso de imagem – direito personalíssimo – natureza jurídica

“1. Atleta profissional. Contrato de licença de uso de imagem. Direito personalíssimo. Natureza jurídica. Remuneração do profissional pela participação em partidas disputadas em favor do clu-be reclamado. Integração. Aplicação analógica da Súmula nº 354 do col. TST. O direito de ima-gem afigura direito personalíssimo, de titularidade exclusiva do atleta e, por conta disso, enseja negociação direta entre esse último (ou a empresa que o detém) e a entidade desportiva, por meio

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de valores livremente estipulados entre as partes, assegurada, nos termos da lei, ‘a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas’ (art. 5º, inciso XXVIII, a, da Lei Maior). Por outro lado, ainda que as parcelas percebidas a título de direito de imagem decorram de direito personalíssimo de índole civil, evidenciado no caso concreto que tais pagamentos estão ligados diretamente ao contrato de trabalho, não refletindo a contraprestação de serviços vinculados ao uso da imagem fora da situação de eventos ou competições desportivas, mas apenas remunerando o profissional pela participação em partidas disputadas em favor do clube reclamado, exsurgindo nítida a sua nature-za remuneratória, o que atrai a aplicação analógica da Súmula nº 354 do col. TST, ensejando re-percussões nos depósitos do FGTS, no 13º salário, nas férias acrescidas de 1/3 e nas contribuições previdenciárias. 2. Direito de arena. Redução do percentual mínimo de 20% fixado pelo § 1º da Lei nº 9.615/1998, na redação anterior à edição da Lei nº 12.395/2011. Acordo. Impossibilidade. Natureza jurídica. Repercussão nos demais consectários do pacto laboral, à luz do então vigente § 1º do art. 31 da Lei nº 9.615/1998, do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 do col. TST. A atenta leitura da norma insculpida no então vigente § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 não deixa dú-vidas de que a porcentagem pactuada a titulo de direito de arena pode ser maior, mas D:/ Data da assinatura: 27.02.2014, 02:45 PM. Assinado por: Jane Granzoto Torres da Silva não menor do que os 20% ali estabelecidos, tanto que o referido dispositivo legal é claro ao estipular que o valor correspondente seria, ‘como mínimo’, de 20% (grifei). Em que pese o teor do princípio da autonomia privada coletiva insculpido no art. 7º, inciso XXVI, da Carta Magna, consagrado como mandamento constitucional, não se concebe que as entidades sindicais permitam a estipu-lação de normas que suprimam direitos e garantias mínimas do trabalhador, sobretudo diante do princípio basilar que informa o direito do trabalho, qual seja, o da irrenunciabilidade de direitos. 3. ‘Bichos’. Parcela de cunho indiscutivelmente salarial (prêmio), a teor do § 1º do art. 31 da Lei nº 9.615/1998 e do § 1º do art. 457 da CLT. Integração. O § 1º do art. 31 da Lei nº 9.615/1998 e o art. 457, § 1º, da CLT estancam qualquer dúvida de que não apenas a importância fixa estipulada integra os salários, mas também as demais gratificações ajustadas, entre as quais inserem-se os chamados ‘bichos’, pagos, em geral, por ocasião das vitórias ou embates – cuja natureza é de ver-dadeiro prêmio salarial. Eventual condição imposta pelo empregador, atrelada ao ‘desempenho da equipe’ não tem o condão de afastar a incidência das imperiosas disposições contidas no § 1º do art. 31 da Lei nº 9.615/1998, do qual exsurge cristalina a natureza retributiva-salarial do prê-mio em apreço, tornado-se imperativa a correspondente repercussão em todos os demais ganhos contratuais.” (TRT 2ª R. – Proc. 0002602-82.2012.5.02.0059 – (20140175550) – Relª Desª Jane Granzoto Torres da Silva – DJe 19.03.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto Especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1043 – Atleta profissional – direito de arena – natureza salarial – reconhecimento“Recurso de revista. Direito de arena. Natureza jurídica. 1. O direito de arena se refere à prerroga-tiva oferecidas às entidades de prática desportiva para autorização ou não da fixação, transmissão ou retransmissão pela televisão ou qualquer outro meio que o faça, de evento ou espetáculo des-portivo, sendo que, do valor pago a essas entidades, vinte por cento, como mínimo, será destinado aos atletas participantes, dividido em partes iguais, conforme previsão legal. 2. Por sua vez, a base constitucional da parcela é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas, e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. 3. Nesses termos, o direito de arena é consequência da participação do atleta nos jogos, decorrente de seu vínculo de emprego com o clube e integra a remuneração do atleta empregado, com natureza jurídica salarial. Recurso de

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revista conhecido e desprovido.” (TST – RR 0001349-30.2010.5.01.0068 – Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DJe 14.03.2014 – p. 506)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto Especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1044 – Atleta profissional – direito de arena – pagamento devido“Agravo de instrumento. Recurso de revista. Descabimento. 1. Nulidade do julgado. Negativa de prestação jurisdicional. Quando a decisão se mostra bem lançada, com estrita observância das disposições dos arts. 93, IX, da Constituição Federal, 458 do CPC e 832 da CLT, não se cogita de nulidade por negativa de prestação jurisdicional. 2. Coisa julgada. Com a indicação de dispositivos que não protegem a tese da parte, desmerece prosseguimento o recurso de revista. 3. Direito de arena. Natureza jurídica. 3.1 O direito de arena se refere à prerrogativa oferecida às entidades de prática desportiva para autorização ou não da fixação, transmissão ou retransmissão pela televisão ou qualquer outro meio que o faça, de evento ou espetáculo desportivo, sendo que, do valor pago a essas entidades, vinte por cento, como mínimo, será destinado aos atletas participantes, dividido em partes iguais, conforme previsão legal. 3.2 Por sua vez, a base constitucional da parcela é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas, e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. 3.3 Nesses termos, o direito de arena é consequência da participação do atleta nos jogos, decorrente de seu vínculo de emprego com o clube e integra a remuneração do atleta empregado, com natureza jurídica salarial. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TST – AI-RR 0042100-92.2005.5.05.0013 – Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DJe 14.03.2014 – p. 601)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto Especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1045 – Atleta profissional – jogador de futebol – acidente – suspensão contratual – efeitos“Atleta profissional. Jogador de futebol. Lei Pelé. Suspensão contratual. Aplicabilidade do art. 472, § 2º, da CLT, ex vi do § 10º do art. 30 da Lei nº 12.395/2011. Nos termos do art. 30 da Lei nº 9.615/1998 – Lei Pelé –, os contratos especiais dos atletas profissionais serão celebrados com prazo determinado. Malgrado a prefalada lei afasta a incidência de alguns preceptivos consolida-dos, aplica-se, à espécie, a previsão do § 2º do art. 472 da CLT, segundo a qual, nos contratos por tempo determinado, o tempo de afastamento, se assim acordarem as partes interessadas, não será computado na contagem do prazo para a respectiva terminação. Assim, o tempo de afastamento por acidente típico só não será computado na contagem do prazo para o término contratual se houver prévia negociação pelos acordantes. Referida regra da consolidação permanece aplicável por força do preceituado no art. 30, § 10º, da Lei nº 12.395/2011.” (TRT 12ª R. – RO 0007748-33.2011.5.12.0004 – 6ª C. – Relª Ligia Maria Teixeira Gouvêa – DJe 12.03.2014)

1046 – Atleta profissional – jogador de futebol – direito de imagem – natureza jurídica – efeitos“Agravo de instrumento em recurso de revista. Atleta profissional de futebol. Direito de imagem. Natureza jurídica. Fraude ao contrato de trabalho. A discussão acerca da natureza jurídica do di-reito de imagem inviabiliza-se pelo óbice da Súmula nº 126 deste Tribunal Superior, porquanto, para se chegar à conclusão diversa da esposada pelo Regional, seria necessário o revolvimento dos fatos e das provas, inviável nesta esfera recursal. Multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT. Não se prestam à demonstração de dissenso jurisprudencial, consoante entendimento da Súmula nº 337, I, a, deste Tribunal Superior, arestos sem a devida fonte oficial ou repositório autorizado em

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que foram publicados. Agravo de instrumento conhecido e não provido.” (TST – AI-RR 0001776-53.2012.5.08.0006 – Relª Min. Maria de Assis Calsing – DJe 14.02.2014 – p. 1203)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto Especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1047 – Atleta profissional – multa rescisória – quitação“Recurso ordinário do reclamante. Atleta profissional. Multa rescisória. Hipótese em que, havendo comprovação do pagamento da multa rescisória, nos termos do art. 28, II, da Lei nº 9.615/1998, nada mais é devido a tal título para o atleta. Provimento negado.” (TRT 4ª R. – RO 0000798-50.2013.5.04.0104 – 10ª T. – Rel. Des. Luiz Alberto de Vargas – DJe 27.03.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 06, abr./maio 2012, ementa nº 322 do TST; e RDD nº 02, ago./set. 2011, ementa nº 127 do TST.

1048 – Atleta profissional – seguro de acidente do trabalho – indenização – responsabilidade do clube de futebol – limites

“Agravo. Seguro acidente do trabalho. Atleta profissional. Indenização. Responsabilidade do clube de futebol. Limites. O art. 45 da Lei nº 9.615/1998 foi expresso ao determinar às entidades de prá-tica desportiva a contratação de seguro de acidentes do trabalho em prol dos atletas profissionais a ela vinculados. Contudo, não há previsão de pagamento de indenização pela não contratação do referido seguro. No presente caso, verifica-se que o Regional, com base no conjunto probatório dos autos, entendeu que não restou demonstrado que o reclamante deixara de receber salário ou que tenha obtido despesa em virtude da lesão sofrida, tampouco ocorrendo rescisão contratual. Desta forma, não existindo cláusula penal que disponha sobre a não contratação de seguro desportivo, incólume o art. 45 da Lei nº 9.615/1998. Precedentes. Agravo a que se nega provimento.” (TST – Ag-ARR 0001226-16.2011.5.18.0006 – Rel. Min. Emmanoel Pereira – DJe 14.03.2014 – p. 852)

Remissão Editorial SÍNTESE• Vide RDD nº 08, ago./set. 2012, ementa nº 444 do TRT 10ª R.

• Vide, também, RDD nº 2, ago./set. 2011, artigo de Wladimir Novaes Martinez intitulado “Acidente de trabalho do jogador de futebol”.

1049 – Atleta profissional – valores pagos em decorrência de contrato de licenciamento de uso da imagem – natureza jurídica

“Atleta profissional. Valores pagos em decorrência de contrato de licenciamento de uso da imagem. Natureza da parcela. Os valores pagos em decorrência de ‘Contrato de Licenciamento de Uso da Imagem, Nome, Apelido Desportivo e Direitos Derivados’, ainda que este tenha sido celebrado paralelamente ao contrato de trabalho, não possuem natureza de contraprestação pelo trabalho do atleta, mas de indenização, de natureza civil, pelo uso de sua imagem, conforme a vontade e o interesse da contratante. Mantida a sentença que não reconheceu natureza salarial aos valores percebidos pelo autor a título de direito de imagem. Recurso ordinário do reclamante improvido, no aspecto.” (TRT 4ª R. – RO 0001355-50.2012.5.04.0402 – 11ª T. – Relª Desª Flávia Lorena Pacheco – DJe 28.03.2014)

1050 – Atleta profissional de futebol – acidente de trabalho – indenização por dano material e moral – pagamento devido

“Recurso de revista. Atleta profissional de futebol. Acidente de trabalho. Indenização por dano material e moral. 1. O Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, não obstante reconhecer que o acidente ocorreu enquanto o autor desenvolvia sua atividade profissional em benefício do clube

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réu, bem como que, em virtude do infortúnio, o atleta não teve condições de voltar a jogar futebol profissionalmente, concluiu que a entidade desportiva não teve culpa no acidente de trabalho, além de haver adotado todas as medidas possíveis para tentar devolver ao autor a capacidade para o desenvolvimento de suas atividades como atleta profissional, não sendo possível a sua recuperação porque a medicina ainda não tinha evoluído ao ponto de permitir a cura total. Razões pelas quais a Corte a quo rejeitou o pedido de indenização por dano material e dano moral. 2. Ocorre, todavia, que, conforme o disposto nos arts. 34, III, e 45 da Lei nº 9.615/1998, são deveres da entidade de prática desportiva empregadora, em especial, submeter os atletas profissionais aos exames médi-cos e clínicos necessários à prática desportiva e contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos. 3. Em tal contexto, incide, à espécie, a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, segundo o qual haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmen-te desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 4. Dessa orientação dissentiu o acórdão recorrido. Recurso de revista parcialmente conheci-do e provido.” (TST – RR 0393600-47.2007.5.12.0050 – Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa – DJe 07.03.2014 – p. 451)

1051 – Direito de arena – natureza jurídica“Agravo de instrumento. Recurso de revista. Descabimento. 1. Nulidade do julgado. Negativa de prestação jurisdicional. Quando a decisão se mostra bem lançada, com estrita observância das disposições dos arts. 93, IX, da Constituição Federal, 458 do CPC e 832 da CLT, não se cogita de nulidade por negativa de prestação jurisdicional. 2. Coisa julgada. Com a indicação de dispositivos que não protegem a tese da parte, desmerece prosseguimento o recurso de revista. 3. Direito de arena. Natureza jurídica. 3.1 O direito de arena se refere à prerrogativa oferecida às entidades de prática desportiva para autorização ou não da fixação, transmissão ou retransmissão pela televisão ou qualquer outro meio que o faça, de evento ou espetáculo desportivo, sendo que, do valor pago a essas entidades, vinte por cento, como mínimo, será destinado aos atletas participantes, dividido em partes iguais, conforme previsão legal. 3.2 Por sua vez, a base constitucional da parcela é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. 3.3 Nesses termos, o direito de arena é consequência da participação do atleta nos jogos, decorrente de seu vínculo de emprego com o clube e integra a remuneração do atleta empregado, com natureza jurídica salarial. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TST – AI-RR 0042100-92.2005.5.05.0013 – Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DJe 14.03.2014 – p. 601)

1052 – Rescisão do contrato de trabalho – atleta profissional – cláusula penal – aplicabilidade“Agravo de instrumento. Recurso de revista. Cláusula penal. Art. 28 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Rescisão antecipada do contrato de trabalho. Pena aplicável apenas ao atleta profissional de futebol. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896, § 6º, da CLT, quanto ao tema em epígrafe, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 28 da Lei nº 9.615/1998 suscitada no recur-so de revista. Agravo de instrumento provido. Recurso de revista. Cláusula penal. Art. 28 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé). Rescisão antecipada do contrato de trabalho. Pena aplicável apenas ao atleta profissional de futebol. O caput do art. 28 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), em sua redação de 25.03.1998, previu a obrigatoriedade de cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral do contrato formal de trabalho firmado entre atleta profissional e entidade de prática desportiva. Entretanto, evidenciou-se uma lacuna no texto da lei, tendo em vista a inexistência de previsão expressa acerca de a quem caberia a responsabilidade pelo pagamento da referida cláusula penal. Em face de exaustiva análise sobre o tema, a SBDI-1 do TST, ao promo-ver interpretação sistêmica da norma, notadamente o § 4º do art. 28 da Lei nº 9.615/1998, no qual

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foi estabelecida uma gradação regressiva do valor da cláusula penal, observando-se a proporção de cada ano de trabalho do atleta profissional na entidade de prática desportiva, e seu caput, concluiu que a fixação de cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão contratual volta-se tão somente ao atleta profissional, porquanto seu escopo é proteger a entidade de prática desportiva em caso de ruptura antecipada do contrato de trabalho, de maneira a viabili-zar algum ressarcimento dos vultosos investimentos efetuados para a prática desportiva profissional no Brasil. A evolução legislativa acerca do tema veio ao encontro do entendimento jurisprudencial desta Corte, tendo em vista o disposto no inciso I do art. 28 da Lei Pelé, com a redação dada pela Lei nº 12.395/2011, com a previsão de que a cláusula indenizatória desportiva (nova denomina-ção da cláusula penal) é devida exclusivamente à entidade de prática desportiva. Incide o óbice da Súmula nº 333/TST c/c o art. 896, § 4º, da CLT. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR 0001445-14.2010.5.06.0001 – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DJe 07.03.2014 – p. 1175)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 02, ago./dez. 2012, Assunto Especial intitulado “Cláusula Penal x Cláusula Inde-nizatória e Cláusula Compensatória”.

Tributário

1053 – Execução fiscal – penhora de renda dos jogos de futebol – questão relevante – ausência de valoração

“Processual civil e tributário. Execução fiscal. Penhora de renda dos jogos de futebol. Questão relevante. Ausência de valoração. Violação do art. 535 do CPC. 1. O Tribunal de origem indeferiu o requerimento de constrição judicial da renda dos jogos de futebol do ora agravante, exclusiva-mente, porque o juízo de primeiro grau determinou a penhora on-line de dinheiro via Bacen-Jud. 2. A Fazenda Nacional opôs embargos de declaração para apontar que o órgão colegiado julgou com base em premissa equivocada, pois o juízo de primeiro grau somente deferiu a penhora pleite-ada (renda dos jogos) depois de constatar que a utilização do sistema Bacen-Jud ficou negativa. 3. A ausência de valoração a respeito desse tema (isto é, julgamento com base em premissa equivocada) implica omissão, razão pela qual deve ser mantido o julgamento no sentido da anulação do acórdão proferido nos aclaratórios julgados pelo TRF5. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.423.983 – (2013/0403534-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.03.2014 – p. 436)

Comentário Editorial SÍNTESEConforme previsão da Lei nº 6.830/1980, o Fisco pode promover a ação de execução fiscal, com o fim de perceber valores que não recebera ou recebera em parte de contribuinte.

Para assegurar o recebimento dos valores devidos, para que o contribuinte possa defender-se, por meio de embargos à execução, deve oferecer bens ou valores em penhora, para garantia da execução fiscal.

O acórdão ora comentado é oriundo de agravo regimental interposto contra decisão que deu pro-vimento ao recurso especial, cujo tema debatido é a possibilidade ou não de garantir a penhora da execução fiscal com a renda dos jogos de futebol.

No caso em tela, fora deferido anterior pedido de constrição de dinheiro via Bacen-Jud, e por esta razão o pedido de penhora da renda dos jogos foi indeferido.

Com isso, foi interposto o agravo sob o argumento que o julgamento monocrático deve ser re-considerado, tendo em vista que o Tribunal a quo decidiu adequadamente a lide, recusando a penhora de renda dos jogos porque já foi deferida a constrição pelo Sistema Bacen-Jud.

Ao analisar a questão, manifestou-se o Ministro Relator nos seguintes termos:

“Na referida execução fiscal já havia sido deferido requerimento de ‘penhora on-line pelo sistema Bacen-Jud’ [...].

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Não se justifica deferir a penhora da renda das partidas de futebol do agravado para garantir a execução fiscal, quando já foi determinada naquela execução a penhora on-line pelo Sistema Bacen-Jud.

Saliento que não compete ao Juízo do 2º Grau decidir sobre a prejudicialidade da ‘penhora on-line’, pois tal questão não foi objeto da decisão agravada.

Ratifica-se, portanto, a conclusão de que, para a Corte local, a simples determinação de utili-zação do Sistema Bacen-Jud seria suficiente para obstar a penhora da renda dos jogos do ora agravante.

O argumento da Fazenda Nacional é de que o insucesso da penhora on-line autoriza o deferi-mento de outros meios de constrição judicial.

Nesse ponto, o órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região consignou que a decisão agravada não se manifestou sobre o resultado negativo, de modo que o tema não poderia ser analisado diretamente no segundo grau de jurisdição.

E é justamente aqui que se faz presente a violação do art. 535 do CPC, pois o ente público, em seus aclaratórios, expressamente consignou que a decisão do juízo de primeiro grau deferiu o bloqueio judicial da renda dos jogos especificamente porque foi demonstrado que a penhora on-line não obteve resultado. Em outras palavras, a Fazenda Pública afirmou que a decisão que lhe havia sido favorável teve por premissa justamente o resultado negativo da diligência judicial (penhora via Bacen-Jud).

A Fazenda Nacional opôs embargos de declaração, no qual apontou omissão relativamente ao princípio da efetividade da Execução (art. 612 do CPC), salientando que, ao contrário da premis-sa adotada no acórdão hostilizado, a penhora dos rendimentos foi requerida porque o resultado do Bacen-Jud foi negativo.

O INSS demonstrou a necessidade de realização da penhora pretendida, vez que, desde o ajuiza-mento da execução, em 13.04.1998, não foi possível a garantia do crédito, pois o patrimônio do clube encontra-se todo indisponível e a penhora on-line não obteve resultado, restando apenas a constrição de renda oriunda de jogo.

[...]

Ora, percebe-se logo que o acórdão analisou a questão passando ao largo do princípio da efe-tividade do processo, além da regra de que a execução se faz em benefício do credor, com o objetivo de satisfazer seu crédito, penhorando-se tantos bens quantos bastem para sua garantia (vejam-se os arts. 612, 615-A, § 2º, 646 do CPC e 10 da Lei nº 6.830/1980).

No recurso especial, a recorrente demonstrou de forma adequada a violação do art. 535 do CPC:

1. Da omissão quanto aos arts. 612, 615-A, § 2º, 646 do CPC e 10 da Lei nº 6.830/1980: De fato, o acórdão ora recorrido passou ao largo da análise do princípio da efetividade do processo, além da regra que determina que a execução se realize no interesse do credor.

Consoante demonstrado nos autos, embora tenha sido determinada a penhora on-line, a mes-ma não chegou a ser efetivada, ou seja, não houve penhora, razão porque a Fazenda Nacional requereu a penhora sobre a renda dos jogos.

Há, conforme se verifica, flagrante descompasso entre as razões recursais submetidas ao pro-nunciamento do Tribunal de origem e a motivação de seu decisum: este se limitou a registrar que não há sentido em determinar a penhora de rendimentos quando já foi deferido o bloqueio pelo Bacen-Jud, mas, reitero, a Fazenda Nacional insistiu, por meio dos Embargos de Declaração, que a situação jurídica a ser analisada é outra (in casu, o pedido de penhora de rendimento não é simultâneo ao Bacen-Jud, mas decorre do insucesso da tentativa de penhora eletrônica de dinheiro em espécie).”

Com base em tais argumentos, por entender não ter havido a comprovação da necessidade de retificação da decisão agravada, negou provimento ao agravo regimental, rechaçando o requeri-mento de constrição judicial da renda dos jogos de futebol.

Colacionamos a seguir ementa de caso similar, em que foi deferido o pedido de penhora so-bre valores relativos ao direito de transmissão televisiva de jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol:

“Agravo de instrumento. Execução fiscal. Penhora sobre valores relativos ao direito de transmis-são televisiva de jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol. Possibilidade. A penhora de parte dos valores relativos aos de transmissão de jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol não é medida constritiva sobre faturamento, circunstância que o Superior Tribunal de Justiça só tem

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admitido excepcionalmente. Faturamento envolve conjunto de receitas, inclusive decorrentes de vendas de mercadorias e serviços, que ingressaram efetivamente no patrimônio da pessoa. É constrição sobre o faturamento, a apreensão de valores já existentes nas contas da executada. No caso em tela, a penhora envolve valores que ainda estariam sujeitos a pagamento pela Rede Globo, o que caracteriza penhora de crédito, perfeitamente lícito diante do art. 671 do CPC. A legislação concebeu uma ordem a ser respeitada quanto à penhora ou arresto de bens, visando essencialmente à satisfação do credor, estabelecendo, em primeiro lugar, a penhora ou arresto de dinheiro, conforme prevê o art. 11, I, da Lei de Execuções Fiscais. 5. No caso, é induvidoso que o meio mais adequado para garantir a execução de que tratam os autos é a penhora do valor relativo ao direito de transmissão televisiva que o executado faz jus, em virtude de sua participação no Campeonato Brasileiro de Futebol, por possuir mais liquidez, já que se trata de montante em moeda corrente a ser depositado judicialmente. Segundo consta da decisão agravada, a substituição da constrição de parcela do pagamento dos direitos de transmissão televisiva pela penhora do imóvel sede do clube, sem anuência da exequente (fls. 631/632), é medida totalmente imprópria, uma vez que, além da prevalência legal da penhora de dinheiro sobre bens imóveis (art. 11 da Lei nº 6.830/1980) e das inúmeras penhoras que já recaem so-bre o bem ofertado (fls. 531/533), a sede da executada dificilmente será arrematada em virtude de seu elevado valor de avaliação, o que se soma ao seu inestimável valor histórico, reconhecido, inclusive, por meio de tombamento realizado pelo Estado do Rio de Janeiro (fl. 529), impedindo o aproveitamento econômico do bem pelo hipotético arrematante. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme quanto à premissa de que a execução corre ao interesse do credor, devendo ser observada a ordem legal do art. 11 da LEF: No caso dos autos, o Juízo a quo enten-deu que não houve comprovação de que a verba penhorada (parcela do pagamento dos direitos de transmissão televisiva) era indispensável para o cumprimento regular de tais despesas. O agravante não juntou qualquer documentação apta a comprovar suas afirmações, pois se limitou a trazer em juízo a documentação relativa ao regulamento do clube e à situação do imóvel ofere-cido em substituição. Ademais, para se fazer essa comprovação, seria necessária a realização de perícia na contabilidade da empresa. Com efeito, a juntada posterior de documentos em agravo de instrumento não pode ser considerada, uma vez que tal recurso deve vir instruído com as peças obrigatórias e necessárias à compreensão da controvérsia, não se admitindo a conversão do julgamento em diligência para complementação do traslado nem a posterior juntada de peça. Precedentes do STJ. Decreto o sigilo de peças. Indefiro pedido formulado pela parte autora. Agravo de instrumento improvido.” (TRF 2ª R., AI 2012.02.01.013128-9, 4ª T.Esp., Rel. Des. Fed. Luiz Antonio Soares, DJe 05.06.2013)

Seção Especial – De Frente para o Gol

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Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol4ª Comissão DisciplinarProcesso nº 189/2013.Partida: Clube Atlético Paranaense (PR) x Clube de Regatas Vasco da Gama (RJ)Data do jogo: 08.12.2013.Campeonato: Campeonato Brasileiro – Série ADenunciados: Clube Atlético Paranaense, incurso nos arts. 191, I; 211 e 213, I, § 1º (duas vezes) n/f do art. 184, todos do CBJD; CR Vasco da Gama, incurso no art. 213, I, § 1º e § 2º, (duas vezes) n/f do art. 184, ambos do CBJD; Federação Paranaense de Futebol, incursa no art. 191, I e III, do CBJD; Federação Catarinense de Futebol, incursa no art. 191, I e III, do CBJD; Ricardo Marques Ribeiro, árbitro da partida, incurso no art. 261‑A, do CBJD.Relator: Auditor Wanderley Godoy Junior

emenTa

PERDA DO MANDO DE CAMPO, ART. 213, I, DO CBJD, CARACTERIZADO

Entidades que não comprovam cabalmente a identificação e detenção dos autores da desordem em grande confronto e violente entre torcidas, nem apresenta o competente boletim de ocorrência contemporâneo ao evento. Impossibilidade de aplicar a excludente do § 3º, do mesmo artigo. Aplicação da pena maior para o mandante por total falta de segurança. Metade da pena com portões fechados com base no RGC de 2014 e Normas da FIFA. Denúncia procedente com perda do mando de campo, multa proporcional ao número de partidas e metade de portões fechados.

relaTÓriO

No dia 8 de dezembro de 2013 jogaram pela última rodada do Campeo-nato Brasileiro da Série A, Clube Atlético Paranaense x Clube de Regatas Vasco da Gama, sendo relatado na súmula eletrônica da partida, campo “observações eventuais”:

Aos 17 minutos do 1º tempo, o jogo foi interrompido em razão de um conflito en-tre torcedores do Clube Atlético Paranaense e do Clube de Regatas do Vasco da Gama, nas arquibancadas, que teve início com poucos torcedores, mas que foi se avolumando e envolveu centenas deles. Não foi possível perceber quem deu início ao tumulto, uma vez que toda a equipe de arbitragem estava concentrada no jogo. A rixa foi contida pelo policiamento militar e pela segurança particular do estádio, havendo sido necessária explosão de bombas de efeito moral e uso

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de spray de pimenta. Houve 03 (três) torcedores feridos gravemente, sendo que dois deles foram removidos por helicóptero e um pela ambulância que estava no estádio. Durante a paralisação do jogo, o campo foi invadido pela imprensa e por alguns torcedores que pularam das arquibancadas para não sofrerem agressão. Diante de tal comoção, apesar de o policiamento inicial ser suficiente para dar prosseguimento a partida, entendi que havia necessidade de um reforço, tanto para separar as torcidas, como para garantir ainda mais a integridade física dos demais participantes do espetáculo (jogadores, imprensa, árbitros e dirigentes), situados dentro do campo. Em razão do tempo gasto para separar os torcedores, prestação de socorro e do deslocamento do reforço policial de seus postos de trabalho para as diversas áreas do estádio, a partida ficou paralisada por 1h13’ (uma hora e treze minutos). Durante tal período, o comandante do policiamento militar, Cel. Adilson Moreira, me prestava informações sobre o deslocamento e previsão de chegada ao estádio do reforço policial, razão pela qual aguardei o in-dicado tempo. Restabelecida a ordem e distribuídos os policiais em pontos estra-tégicos, dei reinício ao jogo, que transcorreu até o seu final, sem qualquer outro incidente, salvo o fato de torcedores do Clube Atlético Paranaense haverem joga-do uma peça de torneira de metal próximo ao Assistente 1, Sr. Márcio Eustáquio Santiago, e de torcedores do Vasco haverem atirado algumas pedras na direção do Sr. Weverton P. Silva, goleiro do Clube Atlético Paranaense, valendo esclare-cer que nem o goleiro, nem o Assistente 1, foram atingidos. Estes fatos ocorreram a 25 e 30 minutos do segundo tempo, respectivamente. Cumpre esclarecer que a ambulância que prestou socorro ao torcedor ferido retornou ao campo antes do reinício do jogo, também valendo ser dito que havia, ademais, um outro veículo habilitado para resgate (bombeiros voluntários do município). De outro lado, vale pontuar que o policiamento que havia em campo, antes do início da partida e depois do tumulto relatado, foi composto nos moldes do documento subscrito pelo Comandante Geral da PMSC, Cel. Nazareno Marcineiro, que me foi enca-minhado pelo chefe do policiamento do jogo, Cel. Adilson Moreira, por e-mail, o qual retransmiti para a comissão de arbitragem da CBF, para integrá-lo a este relatório, como o possibilita o art. 11, parágrafo primeiro do estatuto do torcedor, por não ser possível anexá-lo ou transcrevê-lo neste documento eletrônico. Ade-mais, vale registrar que o referido chefe do policiamento do jogo, Cel. Adilson Moreira, garantiu a mim, na presença dos demais integrantes da arbitragem e dos delegados especiais, que o contingente era suficiente para dar prosseguimento à partida com plena garantia. Por fim, esclareço que este relatório está sendo finali-zado neste horário %u2013 0h45m do dia 09.12.13 – porque o sinal da internet no estádio caía constantemente, obrigando-me a realizá-la no hotel, bem assim em razão da situação extraordinária narrada.

Além da súmula da partida, as imagens do ocorrido foram juntadas aos autos pela Procuradoria, bem como farto material de reportagens da partida, inclusive fotos, demonstrando o confronto violento entre as torcidas.

Em razão dos fatos narrados a Procuradoria denunciou: Clube Atléti-co Paranaense, incurso nos arts. 191, I; 211 e 213, I, § 1º (duas vezes) n/f do art. 184, todos do CBJD; CR Vasco da Gama, incurso no art. 213, I, § 1º e § 2º, (duas vezes) n/f do art. 184, ambos do CBJD; Federação Paranaense de

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Futebol, incursa no art. 191, I e III, do CBJD; Federação Catarinense de Futebol, incursa no art. 191, I e III, do CBJD; Ricardo Marques Ribeiro, árbitro da partida, incurso no art. 261-A, do CBJD.

No dia 13 de dezembro de 2013 o processo foi levado para julgamento perante esta Comissão Disciplinar, sendo que foi deferido a juntada documen-tos por parte do Clube Atlético Paranaense, CR Vasco da Gama e Federação Pa-ranaense de Futebol e a exibição de DVD por parte do Clube Atlético Paranaen-se, CR Vasco da Gama, além do DVD já anexado aos autos pela Procuradoria.

Prestou depoimento o árbitro Ricardo Marques Ribeiro, além dos infor-mantes por parte do Clube Atlético Paranaense, Antônio Lopes e Marcos Cruz.

Após a manifestação da Procuradoria, os denunciados foram defendidos por seus Procuradores que pediram a absolvição.

É o relatório.

VOTO dO audiTOr WanderleY gOdOY jÚniOr

Ricardo Marques Ribeiro, árbitro da partida, incurso no art. 261-A, do CBJD.

O árbitro foi denunciado no art. 261-A do CBJD por ter iniciado a partida sem policiamento na arquibancada e por ter reiniciado a partida com 1h13mi-nutos, quando deveria ter esperado no máximo 1 hora.

Destaca a Procuradoria em sua peça:

“Por todo o conjunto probatório constante da presente denúncias e seus ane-xos, percebe-se de forma cristalina que efetivamente a partida sequer poderia ter sido iniciada, haja vista a ausência de policiamento nas arquibancadas capaz de prevenir e reprimir distúrbios como os que aconteceram lamentavelmente na partida.”

Sem razão a Procuradoria.

O árbitro antes de iniciar a partida conversou com o Comandante da Polícia Militar que deu totais garantias de segurança desde o início da partida.

Assim, cumpriu o art. 8º, item 3, do RGC de 2013, que expressa em sua competência: “Identificar o chefe do policiamento do campo de jogo para pos-síveis contatos em situações cabíveis.”

Recebendo todas as garantias do responsável pela Segurança Pública, entendeu que a partida poderia iniciar normalmente.

Ainda, após a confusão, antes de totalizar 1 hora de espera, o comandan-te também deu garantia que a partida poderia ser reiniciada.

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Se levou 1h13min para reiniciar a partida, foi em razão da demora do policiamento em retirar as diversas pessoas que estavam no gramado, tais como dirigentes e imprensa.

Se tal demora ocorreu, também foi por culpa dos clubes, já que permi-tiram que vários dos seus dirigentes, permanecessem no gramado em contanto com o árbitro sobre o reinício ou não da partida.

Nenhuma culpa do ocorrido pode ser atribuída para a arbitragem, que cumpriu fielmente as regras do jogo, principalmente do RGC.

Assim, o árbitro tomou todas as medidas necessárias para início e reinício da partida, não podendo ser condenado no art. 261-A do CBJD, merecendo a absolvição.

Assim, por unanimidade de votos, absolver o árbitro Ricardo Marques Ribeiro, da denúncia no art. 261-A, do CBJD.

FEDERAÇÃO PARANAENSE DE FUTEBOL, INCURSA NO ART. 191, I E III, DO CBJD

A Federação Paranaense de Futebol, entidade da equipe mandante tam-bém foi denunciada, porém no art. 191, I e III do CBJD, constando da denúncia:

“[...] O mando de campo da partida pertencia ao Clube Atlético Paranaense, filiado à Federação Paranaense de Futebol – CAP.

Todavia, como o CAP estava cumprindo a pena de perda de mando de campo, teve que realizar a partida em outra praça desportiva, sendo avençado entre o clube e as federações paranaense e catarinense de futebol a realização da partida na Arena Joinville, em Joinville/SC.

Portanto, a responsabilidade pelo cumprimento do art. 6º, item 6 do Regulamen-to Geral das Competições – RGC, é de ambas as federações.

E o que é pior, ambas as federações, com a concordância do CAP, escolheram praça desportiva com a ausência de policiamento do campo exclusivamente por policiais fardados, permitindo a presença de seguranças particulares do CAP nas arquibancadas, a qual pode ser considerada entorno do campo de jogo [...]”.

Com todo respeito ao Senhor Procurador, entendo que a Federação não escolheu o Estádio, Arena de Joinville, para o CAP (mandante) mandar a sua partida de perda do mande de campo.

Resta evidente e a própria Procuradoria descreveu em fl. 35, o art. 67 do RGC de 2013:

REGULAMENTO GERAL DE COMPETIÇÕES DA CBF – 2013

Art. 67. Nos casos em que um clube for punido com perda de mando de cam-po, caberá exclusivamente à DCO determinar o local onde a partida deverá ser disputada.

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Ou seja, pelo referido artigo, foi o DCO da CBF que determinou o local da realização da partida.

Ainda, tal local recebeu 19 partidas do Joinville Esporte Clube pela Série B do Campeonato Brasileiro e não existiu nenhuma desordem nestes jogos e não ocorreu nenhum perda do mando pelo clube catarinense.

Ou seja, a culpa do ocorrido foi única e exclusivamente das equipes mandante e visitante e que foram punidas, merecendo a referida Federação a sua absolvição.

FEDERAÇÃO CATARINENSE DE FUTEBOL, INCURSA NO ART. 191, I E III, DO CBJD

A Federação Catarinense de Futebol, entidade da sede do local da par-tida, também foi denunciada, porém no art. 191, I e III do CBJD, constando da denúncia:

“[...] O mando de campo da partida pertencia ao Clube Atlético Paranaense, filiado à Federação Paranaense de Futebol – CAP.

Todavia, como o CAP estava cumprindo a pena de perda de mando de campo, teve que realizar a partida em outra praça desportiva, sendo avençado entre o clube e as federações paranaense e catarinense de futebol a realização da partida na Arena Joinville, em Joinville/SC.

Portanto, a responsabilidade pelo cumprimento do art. 6º, item 6 do Regulamen-to Geral das Competições – RGC, é de ambas as federações.

E o que é pior, ambas as federações, com a concordância do CAP, escolheram praça desportiva com a ausência de policiamento do campo exclusivamente por policiais fardados, permitindo a presença de seguranças particulares do CAP nas arquibancadas, a qual pode ser considerada entorno do campo de jogo [...].”

Fundamento no mesmo sentido do voto anterior em relação a Federação Paranaense de Futebol, para absolver a Federação Catarinense.

Evidente que a Federação não escolheu o Estádio, Arena de Joinville, para o CAP (mandante) mandar a sua partida de perda do mande de campo, eis que recebeu uma solicitação do DCO da CBF.

Resta claro e a própria Procuradoria, descreveu em fl. 35, o art. 67 do RGC de 2013:

REGULAMENTO GERAL DE COMPETIÇÕES DA CBF – 2013

Art. 67. Nos casos em que um clube for punido com perda de mando de cam-po, caberá exclusivamente à DCO determinar o local onde a partida deverá ser disputada.

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Ou seja, pelo referido artigo, foi o DCO da CBF que determinou o local da realização da partida.

Ainda, tal local recebeu 19 partidas do Joinville Esporte Clube pela Série B do Campeonato Brasileiro e não existiu nenhuma desordem nestes jogos e não ocorreu nenhuma perda do mando pelo clube catarinense.

Ou seja, a culpa do ocorrido foi única e exclusivamente das equipes mandante e visitante e que foram punidas, merecendo a referida Federação a sua absolvição.

Assim, por maioria de votos, absolver a Federação Catarinense de Fute-bol, pela denuncia do art. 191, I e III, do CBJD, vencidos os Auditores, Marcelo Coelho e Paulo Bracks (Presidente), que condenaram na multa de R$ 20.000,00.

CLUBE ATLÉTICO PARANAENSE, INCURSO NO ART. 213, I, § 1º (DUAS VEZES) N/F DO ART. 184, TODOS DO CBJD

A Entidade de Prática Desportiva foi denunciada no art. 213, I, § 1º (duas vezes) n/f do art. 184, todos do CBJD, pela ocorrência de desordens na sua pra-ça desportiva, quando sua torcida entrou em confronto com a torcida adversária durante o primeiro tempo e pelo lançamento de uma torneira no gramado no 2º tempo da partida.

Assim, destaca-se da denuncia da Procuradoria os atos praticados pela torcida do Clube Atlético Paranaense: “as cenas de violência, selvageria, tumul-to e desordem aos 17 minutos do 1º tempo de jogo e pelo arremesso, por seu torcedor, aos 25 minutos do 2º tempo de jogo, de uma peça de torneira de metal próximo ao Assistente nº 1, Sr. Márcio Eustáquio Santiago”.

A defesa apresentou documentos para tentar comprovar a prevenção e repreensão, mas não apresentando nenhum documento com a identificação dos torcedores e a respectiva detenção, única condição expressa no CBJD para obter a sua absolvição.

A briga entre as torcidas e aqui não importa qual deu início à desordem, foi manchete no mundo todo, que infelizmente assistiu a cenas de selvageria dois dias depois do sorteio do Mundial da Fifa, sendo fato público e notório.

Não restam dúvidas quanto aos fatos ocorridos e as ocorrências foram fielmente apresentadas pela Procuradoria, conferindo com a Súmula da partida, bem como através dos DVDs apresentados e nas várias reportagens, não jamais poderiam ser desconstituídas pela defesa.

O RGC e o Estatuto do Torcedor expressam que a responsabilidade da segurança é da equipe mandante, que é também responsável pelos atos da sua torcida.

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A ausência de policiamento na arquibancada para separar as torcidas é responsabilidade da equipe mandante, que colocou seguranças privados que nada fizeram para tentar evitar a desordem.

As imagens representam infelizmente o ocorrido.

Analisando detidamente a súmula da partida, reportagens e as imagens, pois não existiu nenhuma outra prova robusta da defesa para a excludente do próprio art. 213 do CBJD, restou caracterizada a infração ao referido artigo.

A excludente do § 3º do art. 213, do CBJD, capaz de absolver a Denuncia-da não foi cabalmente demonstrada pela defesa, já que não ocorreu nenhuma comprovação da identificação e detenção de todos os autores das desordens.

Certo que a defesa jamais provaria a referida excludente.

Também não foi apresentado nenhum boletim de ocorrência, já que pelo menos, uns 200/300 “torcedores” entraram em conflito, só podendo ocorrer a procedência da denúncia.

Transcreve-se o referido parágrafo:

§ 3º A comprovação da identificação e detenção dos autores da desordem, in-vasão ou lançamento de objetos, com apresentação à autoridade policial com-petente e registro de boletim de ocorrência contemporâneo ao evento, exime a entidade de responsabilidade, sendo também admissíveis outros meios de prova suficientes para demonstrar a inexistência de responsabilidade. (NR)

Este tipo de infração, briga entre torcidas, tem se tornado rotina em nos-sos estádios e os clubes ficam inertes aos fatos ocorridos, pois o cumprimento da pena em outro estádio e as multas são irrisórias. Assim, investem em pouca segurança, ficando de bom tamanho para o clube a pena prevista no CBJD.

Perder o mando de campo está cômodo para os clubes, que nada fazem para afastar dos estádios a violência.

Além do confronto entre torcidas, a clube foi denunciado pelo arremesso de uma torneira e também não identificou o torcedor, caracterizando mais uma vez infração ao art. 213 do CBJD, na forma do art. 184.

Quanto ao cumprimento da pena, entendemos que uma parte deve ser realizada com portões fechados, pois será cumprida em 2014 e o RGC do pró-ximo determinará o cumprimento da pena desta forma.

O cumprimento a 100km de distância e com portões abertos foi ineficaz para a equipe denunciada, pois tal desordem ocorreu, exatamente, quando es-tava cumprindo uma perda do mando de campo na cidade de Joinville.

Seria injusto e desigual este clube, cumprir integralmente uma pena em 2014 com portões abertos e a 100 km de distância da sua sede, enquanto outros

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clubes que serão punidos cumprirem de portões fechados, devendo existir um equilíbrio na competição, tratando de forma igual os competidores.

Mas o principal e mais forte fundamento para cumprir a pena com por-tões fechados é o art. 3º do atual RGC da CBF:

Art. 3º As seguintes diretrizes normativas deverão ser consideradas para todas as competições, sem prejuízo da legislação aplicável:

1) As regras do jogo, conforme definidas pelo International Football Association Board;

2) As normas da Fifa;

[...]

Expressando a norma da Fifa, a possibilidade do cumprimento da pena com portões fechados, podemos aplicar a presente punição, já que o CBJD ex-pressa que pode ser aplicado a pena da perda do mando de campo e podemos completar com a norma internacional, que determina com portões fechados.

O fato do CBJD não expressar a palavra “portões fechados” não significa que não podemos aplicar tal punição, já que o clube também tem que aderir e respeitar as normas nacionais e internacionais.

Finalmente, por ser mandante e responsável por toda a segurança, a pena aplicada deve ser maior que a do CR Vasco da Gama.

Assim, caracterizada duas infrações no art. 213 do CBJD (briga entre tor-cidas e arremesso de uma torneira), na forma do art. 184, por unanimidade de votos, condenar o Clube Atlético Paranaense na perda do mando de campo por 12 (doze) partidas e multa de R$ 120.000,00 (R$ 10.000,00 por partida), com fulcro no art. 213, I e III, do CBJD, por entender que a infração foi grave (art. 213, § 1º, do CBJD), devendo metade, ou seja, 6 (seis) primeiros jogos cum-pridos com portões fechados.

CR VASCO DA GAMA, INCURSO NO ART. 213, I, § 1º E § 2º, (DUAS VEZES) N/F DO ART. 184, AMBOS DO CBJD

A Entidade de Prática Desportiva foi denunciada no art. 213, I, § 1º (duas vezes) n/f do art. 184, todos do CBJD, pela ocorrência de desordens na sua pra-ça desportiva, quando sua torcida entrou em confronto com a torcida adversária durante o primeiro tempo e pelo lançamento de pedras no goleiro do CAP no 2º tempo da partida.

Assim, destaca-se da denuncia da Procuradoria os atos praticados pela torcida do Clube de Regatas Vasco da Gama: “[...] pelo fato de torcedores do Clube de Regatas Vasco da Gama terem participado da desordem, comprova-damente pelas imagens, súmula da partida e fatos noticiados pela imprensa,

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a conduta dos torcedores está disposta na hipótese do §§ 1º e 2º do art. 213 do CBJD (duas vezes) n/f do art. 184 do CBJD, em razão de duas infrações em momentos distintos, quais sejam: as cenas de violência, selvageria, tumulto e desordem aos 17 minutos do 1º tempo de jogo e pelo arremesso, por seus tor-cedores, aos 30 minutos do 2º tempo de algumas pedras na direção do goleiro do CAP, Sr. Weverton P. Silva”.

Analisando todo o processo a decisão não pode ser diferente daquela aplicada ao Clube Atlético Paranaense, mas somente em relação à dosimetria, por ser visitante.

A defesa apresentou documentos para tentar comprovar a prevenção e repreensão, mas não apresentando nenhum documento com a identificação dos torcedores e a respectiva detenção, única condição expressa no CBJD para obter a sua absolvição.

A briga entre as torcidas e aqui não importa qual deu início a desordem, foi manchete no mundo todo, que infelizmente assistiu a cenas de selvageria dois dias depois do sorteio do Mundial da Fifa, sendo fato público e notório.

Não restam dúvidas quanto aos fatos ocorridos e as ocorrências foram fielmente apresentadas pela Procuradoria, conferindo com a Súmula da partida, bem como através dos DVDs apresentados e nas várias reportagens, não jamais poderiam ser desconstituídas pela defesa.

O RGC e o Estatuto do Torcedor expressam que a responsabilidade da segurança é da equipe mandante, por isso o CR Vasco da Gama não pode ser apenado da forma em que apenamos o mandante, mas por ser visitante também é responsável pelos atos da sua torcida.

As imagens representam infelizmente o ocorrido.

Analisando detidamente a súmula da partida, reportagens e as imagens, pois não existiu nenhuma outra prova robusta da defesa para a excludente do próprio art. 213 do CBJD, restou caracterizada a infração ao referido artigo.

A excludente do § 3º do art. 213, do CBJD, capaz de absolver a Denuncia-da não foi cabalmente demonstrada pela defesa, já que não ocorreu nenhuma comprovação da identificação e detenção de todos os autores das desordens.

Certo que a defesa jamais provaria a referida excludente.

Também não foi apresentado nenhum boletim de ocorrência, já que pelo menos, uns 200/300 “torcedores” entraram em conflito, só podendo ocorrer a procedência da denúncia.

Transcreve-se o referido parágrafo:

§ 3º A comprovação da identificação e detenção dos autores da desordem, in-vasão ou lançamento de objetos, com apresentação à autoridade policial com-petente e registro de boletim de ocorrência contemporâneo ao evento, exime a

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entidade de responsabilidade, sendo também admissíveis outros meios de prova suficientes para demonstrar a inexistência de responsabilidade. (NR)

Este tipo de infração, briga entre torcidas, tem se tornado rotina em nos-sos estádios e os clubes ficam inertes aos fatos ocorridos, pois o cumprimento da pena em outro estádio e as multas são irrisórias. Assim, investem em pouca segurança, ficando de bom tamanho para o clube a pena prevista no CBJD.

Perder o mando de campo está cômodo para os clubes, que nada fazem para afastar dos estádios a violência.

Além do confronto entre torcidas, a clube foi denunciado pelo arremesso de pedras no goleiro adversário e também não identificou o torcedor, caracteri-zando mais uma vez infração ao art. 213 do CBJD, na forma do art. 184.

Quanto ao cumprimento da pena, entendemos que uma parte deve ser realizada com portões fechados, pois será cumprida em 2014 e o RGC do pró-ximo determinará o cumprimento da pena desta forma.

O apenamento do CR Vasco da Gama no jogo em Brasília contra o SC Corinthians/SP a 100 km de distância e com portões abertos foi ineficaz para a equipe denunciada, na qual a sua torcida voltou a reincidir na mesma prática absurda e violenta.

Seria injusto e desigual este clube, cumprir integralmente uma pena em 2014 com portões abertos e a 100 km de distância da sua sede, enquanto outros clubes que serão punidos cumprirem de portões fechados, devendo existir um equilíbrio na competição, tratando de forma igual os competidores.

Mas o principal e mais forte fundamento para cumprir a pena com por-tões fechados é o art. 3º do atual RGC da CBF:

Art. 3º As seguintes diretrizes normativas deverão ser consideradas para todas as competições, sem prejuízo da legislação aplicável:

1) As regras do jogo, conforme definidas pelo International Football Association Board;

2) As normas da Fifa;

[...]

Expressando a norma da Fifa, a possibilidade do cumprimento da pena com portões fechados, podemos aplicar a presente punição, já que o CBJD ex-pressa que pode ser aplicado a pena da perda do mando de campo e podemos completar com a norma internacional, que determina com portões fechados.

O fato do CBJD não expressar a palavra “portões fechados” não significa que não podemos aplicar tal punição, já que o clube também tem que aderir e respeitar as normas nacionais e internacionais.

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Finalmente, por ser também responsável por sua torcida, mesmo como visitante (§ 2º do art. 213 do CBJD), deve também ser punido, mas em dosime-tria menor do que do mandante.

Assim, caracterizada duas infrações no art. 213 do CBJD (briga entre tor-cidas e arremesso de pedras), na forma do art. 184, por unanimidade de votos, condenar o Clube de Regatas Vasco da Gama na perda do mando de campo por 8 (oito) partidas e multa de R$ 80.000,00 (R$ 10.000,00 por partida), com ful-cro no art. 213, I e III, do CBJD, por entender que a infração foi grave (art. 213, § 2º, do CBJD), devendo metade, ou seja, os 4 (quatro) primeiros jogos cumpri-dos com portões fechados.

VOTO dO audiTOr luCas asfOr rOCHa lima

PRELIMINARMENTE

Acolho a preliminar suscitada pela equipe do Joinville Esporte Clube, por entender que restam caracterizados os requisitos do art. 55 do CBJD. É público e notório que o pretenso interveniente manda suas partidas no estádio onde ocorreu o evento que será aqui discutido e, na medida em que não deu causa às supostas infrações que serão aqui apreciados, e um dos clubes foi denunciado no art. 211 do CBJD, exsurge o interesse da equipe do Joinville. Ademais, não vejo qualquer prejuízo ao andamento regular do processo caso seja acolhida a intervenção pretendida

MÉRITO

Coaduno quase que integralmente com os termos do voto lançado pelo eminente relator, que é sempre preciso e criterioso em seus julgamentos, no en-tanto tenho pequenos reparos a fazer em determinados pontos, senão vejamos.

Não tenho dúvidas de que estamos todos tristes e inconformados na sessão de julgamento do presente processo. Tristes porque a última rodada da primeira divisão do Campeonato Brasileiro serviu para confirmar o que foi regra ao longo do ano no quesito violência nos estádios. E inconformados porque as cenas de selvageria objeto desta denúncia chocaram a todos, deixando em segundo pla-no o lado esportivo da partida. Enfim, neste momento, quando deveríamos estar debatendo com amigos acerca do campeão do certame, dos classificados para Libertadores etc., estamos discutindo, como não poderia ser diferente, dada a repercussão nacional e internacional, atos de violência extrema, sem qualquer justificativa legítima, que nada tem a ver com o propósito do esporte.

Para fins de melhor compreensão, dividirei meu voto por partes, confor-me sequência delineada pelo d. relator, auditor Wanderley Godoy Jr.

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DO ÁRBITRO RICARDO MARQUES RIBEIRO

Acompanho o relator pela absolvição. De acordo com as provas dos autos (sú-mula e depoimento pessoal), o árbitro adotou todas as medidas necessárias que lhes eram cabíveis no quesito segurança para dar início e reinício à partida, de modo que a ele não deve ser imputada qualquer responsabilidade pelos atos de violência perpetrados pelos torcedores-vândalos das equipes.

DAS FEDERAÇÕES CATARINENSE E PARANAENSE

Estou com o relator, pelos mesmos fundamentos, pela absolvição de ambas.

DOS CLUBES ATLÉTICO/PR E VASCO DA GAMA

Ao Atlético/PR, na qualidade de mandante da partida, realizada no mu-nicípio de Joinville, em Santa Catarina, em razão de cumprimento de pena de perda de mando de campo aplicada recentemente por este Tribunal, de acordo com o Estatuto do Torcedor e o Regulamento Geral das Competições da CBF do ano de 2013, caberia providenciar todas as medidas necessárias para garantir a segurança da partida.

Ademais, em que pese o árbitro ter relatado na súmula que “não foi pos-sível perceber quem deu início ao tumulto, uma vez que toda a equipe de arbitragem estava concentrada no jogo”, depreende-se das imagens aqui pro-duzidas, e vistas à exaustão através da imprensa nos últimos dias, que a briga, ou melhor dizendo, quase uma batalha de guerra, se deu em decorrência da invasão por parte dos torcedores do Atlético-PR ao espaço destinado aos torce-dores do Vasco da Gama.

Acrescente-se, ainda, que consta na súmula que torcedores do clube pa-ranaense arremessaram uma peça de torneira de metal próxima ao Assistente nº 1. Essa parte da súmula, no entanto, diferentemente do que foi dito há pouco, mantém-se indene, vez que sua presunção de veracidade não foi desconstituída por parte da defesa.

Diante dessas condutas que são imputadas ao Atlético/PR, a Procuradoria do STJD o denunciou fundamentada nas infrações dos arts. 191, I; 211; e 213, I e III, § 1º, todos do CBJD.

No que se refere ao tipo do art. 191, I, em que é prevista multa de R$ 100,00 a R$ 100.000,00 para quem deixar de cumprir, ou dificultar o cum-primento de obrigação legal, afigura-se crucial a análise do art. 14, I, da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto de Defesa do Torcedor), que reza o seguinte:

“Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento

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esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de se-gurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos.”

Pela prova acostada aos autos, verifica-se que o Atlético/PR solicitou ao Poder Público a presença de agentes públicos de segurança, muito embora o policiamento não tenha comparecido no início da partida por determinação da própria Polícia Militar de Santa Catarina, embasada no objeto de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado, que pretende impedir a presença de policiais militares dentro dos estádios.

Além do informe do chefe do departamento de segurança do clube pa-ranaense, aduzindo que encaminhou ofício à Polícia Militar de Santa Catarina, requerendo a presença de policiais dentro do estádio no dia da partida, é de conhecimento público e notório a declaração do Comandante-Geral da Polícia Militar de Santa Catarina no sentido de que policiais não foram deslocados para dentro do estádio (no início da partida) por recomendação do Ministério Pú-blico (ressalte-se, não se tratou de uma decisão judicial, mas tão somente uma recomendação do MP).

No entanto, o dispositivo legal supramencionado (art. 14, I, do Estatuto do Torcedor) exige que o clube tão-somente solicite a presente de agentes pú-blicos de segurança, assim como procedeu o clube denunciado. Em não sendo atendida tal solicitação, pelos motivos expostos, providenciou seguranças de empresa privada, os quais não foram capazes de prevenir ou reprimir o tumulto que tomou conta do Estádio no meio da partida. Para tanto, todavia, há previsão específica no CBJD, em seu art. 213, cuja suposta infração do Atlético/PR será analisada logo mais.

Assim sendo, entendo que o Atlético/PR não incorreu na infração do art. 191, I, do CBJD.

Quanto à infração do art. 211 do CBJD (“deixar de manter o local que tenha indicado para realização do evento com infraestrutura necessária a asse-gurar plena garantia e segurança para sua realização”), entendo que não houve sua configuração.

Compulsando os autos, é fácil verificar que a infraestrutura do estádio em si não contribuiu para o acontecimento dos incidentes, já que estes resultaram de atos de vandalismo dos torcedores, não em decorrência de uma infraestru-tura deficiente do local do ocorrido. A deficiência é muito mais social do que estrutural. Além disso, sabe-se que sua utilização foi aprovada pelos órgãos competentes, inclusive pela CBF, de sorte que não se afigura justo o clube ser punido por algo que fora avalizado pelo órgão competente para tanto.

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Ademais, no caso concreto, se trata de uma infração concorrente àquela prevista no art. 213 do mesmo diploma normativo.

Com efeito, é importante ressaltar que são consideradas infrações con-correntes quando ocorrem duas ou mais infrações aparentemente aplicáveis a apenas uma conduta, havendo um conflito aparente de normas dentro da mes-ma legislação. Nestes casos a concorrência de infrações deve ser interpretada sob a luz do princípio da especialidade, empregado no Direito Penal, imputan-do ao infrator a infração especial ao ato cometido.

Ou seja, no caso, mesmo que consideremos que houve as duas infrações previstas nos arts. 211 e 213 do CBJD, imputa-se ao Atlético/PR tão somente a infração do art. 213, por ser especial, uma vez que o enquadramento em ambos os tipos disciplinares se deu pela mesma conduta, qual seja, falha na prevenção e repressão pelas desordens na praça de desporto e pelos lançamentos de obje-tos no campo de jogo.

Demais disso, tem-se a imposição da regra inserta no art. 183 do CBJD (“quando o agente, mediante uma única ação, pratica duas ou mais infrações, a de pena maior absorve a de pena menor”).

Pois bem.

Não há dúvidas de que efetivamente o CAP deixou de tomar providên-cias capazes de prevenir e reprimir desordens e em sua praça de desporto e lançamento de objetos.

No caso, aliás, falar em desordem é até um eufemismo para descrever o que ocorreu nas arquibancadas do estádio de Joinville. É até desnecessário eu me alongar acerca da gravidade, dada a obviedade. Eu me limito a afirmar que o que houve foi uma briga de gangues, uma selvageria, atos de covardia parte a parte, uma verdadeira batalha de marginais travestidos de torcedores, aliado a um lançamento de uma peça de torneira de metal.

Em relação à sugestão da Procuradoria para aplicação de norma da Fifa no sentido de determinar a realização de partidas com portões fechados, embo-ra não haja essa previsão nem no Regulamento, nem no CBJD, entendo, assim como o relator, mas por razões distintas, que o presente caso reclama por uma solução mais drástica, com maior dose de eficácia, daí porque ser cabível a punição com a realização de partidas com portões fechados.

De nada ou pouco adianta suspender clubes por infrações dessa gravi-dade com a realização de partidas a 100km de distância da cidade do clube infrator. Como temos visto, isso apenas tem alterado de local a violência dos delinquentes. No jogo que deu causa a esta denúncia, aliás, o Atlético/PR es-tava cumprindo pena estabelecida por este STJD no art. 213 e, mesmo assim, incorreu novamente no mesmo tipo infracional e, pior, de forma muito mais grave. Ou seja, tal punição não alcançou o propósito principal pretendido pelo

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ordenamento jurídico desportivo, que é conscientizar os clubes sobre a adoção de medidas eficazes para combater a violência nos estádios.

A gravidade foi tanta que o próprio advogado de defesa do Clube Atlético Paranaense, Dr. Domingos Moro, em sua sustentação, sugeriu de forma efusiva o cumprimento de pena de realização de partidas com portões fechados, com vistas a contribuir positivamente com a segurança e o bem-estar nos estádios do futebol brasileiro de um modo geral.

Ademais, é de sabença geral que o Regulamento Geral das Competições da CBF de 2014, por sugestão da Procuradoria do STJD, albergará de forma ex-pressa a possibilidade de pena de realização de partidas com portões fechados.

Diante de todas essas considerações, entendo que resta caracterizada a infração do art. 213, I e II, § 1º, do CBJD, duas vezes, e aplico ao Atlético/PR pena de multa de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), mais perda do mando de campo de 12 (doze) partidas, sendo que 06 (seis) delas com portões fecha-dos.

As mesmas considerações feitas ao Atlético-PR servem para constatar a responsabilidade da equipe do Vasco da Gama (torcedores envolvidos na briga e houve lançamento de pedras no gramado), sendo que seu grau de culpa é um pouco menor, vez que a responsabilidade pela manutenção da segurança é do clube detentor do mando de campo, bem como foram os torcedores do clube paranaense que deram início à briga.

Dito isso, resta evidente também que o Vasco da Gama incorreu duas vezes nas iras do art. 213, I e II, §§ 1º e 2º, mas por se tratar de equipe visi-tante e não ter dado início à briga, voto pela aplicação de pena de multa de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), mais perda do mando de campo de 08 (oito) partidas, sendo que 04 (quatro) delas com portões fechados.

VOTO dO audiTOr marCelO COelHOEstou de acordo com o Relator na absolvição do árbitro, por entender

que, na súmula, não há qualquer menção acerca de suspensão, mas tão somen-te uma interrupção (causada pela briga na arquibancada). Ademais, o art. 19 do RGC diz que a partida interrompida poderá ser suspensa, não sendo um coman-do obrigatório e, que mesmo que tivesse sido suspensa, não há previsão de que a prorrogação dos 30min seja uma única vez. Portanto, não vislumbro qualquer irregularidade no atuar do árbitro, que atuou dentro das regras previstas.

Divirjo, contudo, quanto às Federações, pois entendo devam ser multa-das cada uma em R$ 20 mil cada, por entender que ambas são responsáveis pela organização e seguranças nas partidas, conforme prevê o art. 1º-A do Esta-tuto do Torcedor e o art. 6º, item 1, do RGC. Assim, por violarem o art. 191, I e III do CBJD, as condeno na multa de R$ 20 mil reais para cada.

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Quanto ao denunciado Clube Atlético Paranaense, por não manter a in-fra-estrutura de segurança adequada no estádio, também oponho divergência e acolho a denúncia com base no art. 211 do CBJD, bem como no art. 191, I, do CBJD (aqui acompanhando o Relator), este ultimo por não cumprir obrigação legal representada pelos arts. 13 e 14 do Estatuto do Torcedor e não garantir a segurança da partida.

Neste sentido, aplico a pena de R$ 20 mil (e não R$50 mil, como fez o eminente Relator) pelo art. 191 do CBJD e R$ 20 mil pelo art. 211, esta última, mais grave, cumulada com a pena de interdição do estádio (Arena Joinville) por entender que este não apresenta condições de segurança, especialmente para permitir a evacuação da torcida no local aonde foi posicionada a torcida visitante, do Vasco.

Por entender que, mediante uma única ação, nesse caso, a equipe man-dante praticou duas infrações, aplico o art. 183 do CBJD e, consequentemente, totalizo a sanção em apenas uma multa de R$ 20 mil cumulada com a interdi-ção do Estádio até que sejam estabelecidas condições que permitam a devida evacuação da torcida que se localiza atrás do gol, evitando-se a ocorrência de tragédias em maiores proporções.

Por fim, no tocante ao art. 213, tanto em relação ao Vasco, quanto em relação ao Atlético/PR, acompanho integralmente o relator.

VOTO dO presidenTe paulO BraCKsAcompanho o nobre Relator na absolvição do árbitro, mormente por ter

sido denunciado nas iras do art. 261-A do CBJD. Não restou provado (pelos vídeos, súmula da partida e depoimento do próprio denunciado) que ele deixou de cumprir as obrigações relativas à sua função. Aliás, somente recomeçou o jogo após garantia de segurança por parte de autoridades, e efetivamente a par-tida foi até seu final sem qualquer percalço. Logo, sua absolvição é impositiva.

Quanto às Federações, ponho-me de acordo com a divergência, enten-dendo que ambas, ao participarem efetivamente da logística quanto ao local do jogo, assumiram responsabilidades (proporcionais, é claro) que não foram cabalmente cumpridas, em especial a violação ao art. 6º do Regulamento Geral das Competições. Ambas participaram da eleição daquela praça de desporto, e a gritante falha na segurança (que somente não culminou na morte de pessoas por sorte) não teve um só responsável. Assim, multo ambas em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), tal como obtemperou o auditor Dr. Marcelo Coelho.

No tocante ao art. 191 do CBJD atribuído ao Clube Atlético Paranaense, concordo com o nobre Relator (e com a divergência parcial) na condenação, mas faço em patamares menores, em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), pelas mes-mas razões exaradas anteriormente pelos meus pares. Houve descumprimento de regulamento e de regra desportiva por parte do clube mandante.

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Também acompanho o nobre Relator na absolvição do clube da impu-tação específica ao art. 211 do CBJD, não sendo caso, a meu ver, de interdição da praça de desporto (a qual, aliás, sequer lhe pertence, e que não apresentou falhar estruturais).

Por fim, em relação aos clubes, entendo que a barbárie mereça puni-ção condizente com tudo que aconteceu. Punição rigorosa, forte, drástica, mas proporcional, à minha exegese, com a violência presenciada. Não se trata de simples desordem, mas de algo substancial, relevante, de grande monta, que gera insegurança em todas as praças de desporto nacionais. Um acinte à família e aos torcedores, uma afronta ao futebol. Não podemos deixar o País do futebol se transformar em País da violência no futebol.

Tal como ressaltei oralmente na sessão de julgamento, bandido não tem fronteira. Determinar que os clubes tão somente joguem a 100km de distancia é permitir que sejam transferidos os problemas. Vamos mandar o Vasco para Brasília e o Atlético/PR para Joinville? Não, não seria pedagógico e eficaz. Sabe-se, também, que os clubes têm ganhado dinheiro para mandar seus jogos em praças distantes, até mesmo pela construção recente de arenas novas (algumas que fica-rão até obsoletas após a Copa). A punição, trocando em miúdos, vira prêmio.

Todos têm responsabilidades. Ministério Público, Polícia Militar, Poder Judiciário, Legislativo, Executivo, etc. Ao STJD cabe somente a apenação de clubes pela responsabilidade objetiva que possuem em face de seus torcedores (Código Disciplinar da Fifa). Não temos competência nem autoridade para ba-nir os marginais dos estádios, e talvez a presença constante deles em todos os rincões do Brasil nos faz tomar medidas mais drásticas, até para evitar que eles possam agir como querem. Não podemos perder a batalha contra a violência. Todos têm de agir. Os clubes, principalmente, pois são as razões pelas quais estas pessoas freqüentam um estádio.

Dessa forma, escudando-me no pedido da douta Procuradoria, e tendo em conta não só a regra da Fifa (da qual todos os clubes são signatários), mas o fato de que as punições somente serão aplicadas no campeonato de 2014 (no qual o RGC traz este tipo de punição de forma expressa), entendo prudente e justo que ambos os clubes cumpram integralmente suas penas em portões fechados.

Dessarte, quanto ao art. 213 do CBJD, divirjo do excelente voto exarado pelo eminente Relator tão somente nesta parte final da sanção, pois apeno os clubes a cumprirem as 12 (doze) e 08 (oito) partidas, respectivamente, em por-tões fechados.

dispOsiTiVOPor unanimidade de votos, condenar o Clube Atlético Paranaense na

perda do mando de campo por 12 (doze) partidas e multa de R$ 120.000,00

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(R$ 10.000,00 por partida), com fulcro no art. 213, I e III, do CBJD, por enten-der que a infração foi grave (artigo 213, I e III parágrafo 1º, do CBJD), na forma do art. 184, devendo metade, ou seja, 06 (seis) primeiros jogos cumpridos com portões fechados, divergindo o Presidente, Dr. Paulo Bracks, que aplicou os 12 (doze) jogos integralmente com portões fechados, com o prazo de 07 (sete) dias para o cumprimento da obrigação, devendo constar a comprovação do paga-mento nos autos, sob pena das medidas, previstas no art. 223, do CBJD.

Por unanimidade de votos, condenar o Clube de Regatas Vasco da Gama na perda do mando de campo por 08 (oito) partidas e multa de R$ 80.000,00 (R$ 10.000,00 por partida), com fulcro no artigo 213, I e III, do CBJD, por enten-der que a infração foi grave (art. 213, § 2º, do CBJD), devendo metade, ou seja, os 04 (quatro) primeiros jogos cumpridos com portões fechados, divergindo o Presidente, Dr. Paulo Bracks, que aplicou os 08 (oito) jogos integralmente com portões fechados, com o prazo de 07 (sete) dias para o cumprimento da obri-gação, devendo constar a comprovação do pagamento nos autos, sob pena das medidas, previstas no art. 223, do CBJD.

Por unanimidade, absolver o árbitro Ricardo Marques Ribeiro da imputa-ção ao art. 261-A do CBJD.

Por maioria de votos, condenar o Clube Atlético Paranaense por infração ao art. 191, I, do CBJD na multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), contra o voto do Relator que o multava em R$ 50.000,00 e do Auditor Lucas Asfor Rocha que o absolvia.

Por maioria de votos, absolver o Clube Atlético Paranaense da infração do art. 211 do CBJD, contra o voto do Auditor Marcelo Coelho que condenava em R$ 20.000,00 (c/c o art. 191, I, na forma do art. 183 do CBJD), além da pena de interdição da praça de desporto.

Por maioria de votos, absolver as Federações pela denúncia do art. 191, I e III, do CBJD, vencidos os Auditores Drs. Marcelo Coelho e o Presidente, Dr. Paulo Bracks, que condenaram na multa de R$ 20.000,00.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2013.

Wanderley Godoy Junior Auditor Relator

Lucas Asfor Rocha Lima Auditor

Marcelo Coelho Auditor

Paulo Bracks Presidente

Com a Palavra, o Procurador

O Artigo 258 do CBJD, Sua Análise e Interpretação nos Tribunais Desportivos

LUIS GUILHERME KRENEK ZAINAGHIBacharelando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Assistente do Professor na Matéria de Direito Desportivo na mesma Universidade, Procurador-Geral no Tribunal de Justiça Desportiva da APF (Associação Paulista de Futebol).

RESUMO: O presente trabalho visa a analisar o art. 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, com todas as suas formas de interpretações, aspectos polêmicos e aplicação prática nos tribunais desportivos. Aborda-se ainda a questão da ética desportiva presente no referido artigo do CBJD. Toda a análise é feita do ponto de vista do direito penal e do desportivo, além da filosofia do Direito, buscando-se sempre trazer a aplicação ao caso concreto.

PALAVRA-CHAVE: Justiça Desportiva; interpretação; CBJD; ética desportiva.

ABSTRACT: This study aims to examine the Article 258 of the Brazilian Code of Sports Justice, with all forms of interpretation, controversial aspects and practical application in the sports courts. Also discusses the issue of sports ethics in this article of CBJD. All analysis is done from the point of view of Criminal, Sports and philosophy law seeking to always bringthe application in concrete case.

KEYWORDS: Sports Justice; interpretation; CBJD; sports ethics.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Análise do artigo; 2 A indeterminação do artigo; 3 O conceito de ética des-portiva; 4 Função da norma; 5 O artigo 258 e os princípios jurídicos; 6 Jurisprudência do artigo 258 nos tribunais desportivos; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

Tem sido comum em tribunais desportivos o uso do art. 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD para punir infrações que são considera-das contrárias à ética desportiva ou à disciplina do esporte. Porém, tal artigo tem permitido uma interpretação muito ampla, o que tem facilitado o trabalho dos procuradores e auditores nos tribunais desportivos, e que, muitas vezes, acabam prejudicando os réus nesses julgamentos.

Para melhor estudarmos, transcrevemos abaixo o referido artigo:

Art. 258. Assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva não tipificada pelas demais regras deste Código.

Pena: suspensão de uma a seis partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, e suspensão pelo prazo de quinze a cento e oitenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código.

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§ 1º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de adver-tência se a infração for de pequena gravidade.

§ 2º Constituem exemplos de atitudes contrárias à disciplina ou à ética desporti-va, para os fins deste artigo, sem prejuízo de outros:

I – desistir de disputar partida, depois de iniciada, por abandono, simulação de contusão, ou tentar impedir, por qualquer meio, o seu prosseguimento;

II – desrespeitar os membros da equipe de arbitragem, ou reclamar desrespeito-samente contra suas decisões.

Como se percebe, tal artigo possui alguns pontos que devem ser deba-tidos e analisados com mais nitidez, buscando-se a aplicação clara e sem pre-juízos aos réus em sua aplicação.

1 ANÁLISE DO ARTIGO

Como ensina Paulo Schmitt, este artigo é considerado de “tipo muito aberto”. Dessa forma, fica passível de diversas interpretações conforme entendi-mento do julgador. O próprio professor adverte que tal artigo só deve ser usado em “casos excepcionais”, ou seja, “que não estejam previstos e já tipificados no Código de Justiça Desportiva”1.

O advogado João Zanforlin Schablatura tenta definir quais seriam alguns dos tipos de condutas corretas, segundo a “ética do desporto”, que são

jogo limpo, dignidade na vitória e derrota, obediência às regras de jogo, respeito aos participantes, aos espectadores, promoção e divulgação do esporte, prêmio por boas ações, combate à corrupção, às drogas, ao racismo, à violência, às apos-tas ilegais e a outros males.2

Dessa forma, o desrespeito a uma dessas condutas resultaria no enqua-dramento no referido artigo.

Mesmo assim, fica difícil de se denunciar um profissional por uma con-duta não tipificada no Código, ou ainda que tipificada, mas de forma muitíssimo aberta. O direito penal possui, como pilar fundamental, o princípio da legali-dade, que limita o poder punitivo, ou seja, o fato não pode ser considerado crime, sem que antes haja uma lei definindo tal conduta como crime. Sobre este princípio do direito penal, novamente o Dr. Zanforlin diz que o artigo foi criado “para punir novas condutas, pois as condutas contrárias à disciplina e à ética não são terminativas”.

1 SCHMITT, Paulo Marcos (Coord.). Código Brasileiro de Justiça Desportiva comentado. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 328.

2 GRADELA FILHO, Paulo Cesar. Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD: comentários à Resolução CNE nº 29, de 10.12.2009. In: GRADELA FILHO, Paulo Cesar; BRACKS, Paulo; JORDÃO, Milton. Curitiba: Juruá, 2012. p. 322.

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Sobre essa discussão vamos tecer alguns comentários. De modo incon-testável, o Dr. Zanforlin define qual era a intenção do legislador ao criar este artigo, uma vez que o esporte está em constante evolução e desenvolvimento, e, sendo assim, novos atos são praticados frequentemente por seus milhares de praticantes. Porém, cabe ao legislador definir quais desses atos serão passiveis de punição. O profissional não deve ser punido após praticar um ato que ele não sabia ser contrário à ética do desporto.

2 A INDETERMINAÇÃO DO ARTIGO

Mesmo estando incorporado o art. 258 no nosso ordenamento jurídico desportivo, e, sendo ele de certa forma uma norma vaga, deve-se levar em conta o que nos ensina Claus Roxin sobre esta matéria,

uma lei indeterminada ou imprecisa e, por isso mesmo, pouco clara não pode proteger o cidadão da arbitrariedade, porque não implica uma autolimitação do ius puniendi estatal, ao qual se possa recorrer. Ademais, contraria o princípio da divisão de poderes, porque permite ao juiz realizar a interpretação que quiser, invadindo, dessa forma, a esfera do legislativo.3

É no aspecto acima descrito que temos de ponderar a aplicação deste artigo no desporto. O art. 258 do CBJD não protege o atleta profissional; pelo contrário, funciona como arma da Procuradoria para buscar a punição em qual-quer hipótese que entenda ser contrária à ética, deixando o atleta desarmado perante este artigo, e, no julgamento, ficará a cargo dos auditores definirem se tal conduta foi realmente contraria à ética desportiva e, em sendo contrária, o quão grave foi para mensurar a pena ideal.

Sobre isso, ainda nos ensina Cezar Roberto Bitencourt que o grau de in-determinação de um artigo pode atingir níveis alarmantes “quando o legislador utiliza excessivamente conceitos que necessitam de complementação valorati-va, isto é, não descrevem efetivamente a conduta proibida”4. É exatamente este o ponto a ser debatido no presente trabalho, uma vez que o legislador deixou totalmente aberto (com exceção ao § 2º do art. 258) a infração deste artigo.

Smanio e Fabretti nos alertam que “toda pessoa tem o direito de saber não só aquilo que pode fazer, mas também aquilo que não pode fazer, bem como quais serão as consequências caso deseje fazer aquilo que a lei não permite”5.

3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 19. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 51.

4 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 19. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 52.

5 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Introdução ao direito penal: criminologia, princípios e cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 144.

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3 O CONCEITO DE ÉTICA DESPORTIVA

Apesar da1tica na coletividade, em que a conduta praticada é analisada nas relações entre os indivíduos, e essa conduta deve possuir um bem social que superará o interesse individual.

Sendo o esporte uma relação coletiva que engloba milhares de pessoas, temos de aplicar a ética coletiva, mas não de forma isolada. O esporte no Brasil é praticado por pessoas de todas as regiões, de todas as classes econômicas, abrangidas por diversos tipos de costumes locais, por atletas de diversos níveis de escolaridade e praticantes das mais diversas modalidades de esporte. Desta forma, não há como desprezar a ética subjetiva dos atletas. Pode-se assim in-cluir como atitude contrária à ética por exemplo as do § 2º acima descrito, que trata do desrespeito e da reclamação contra a arbitragem e da desistência de disputar a partida, pois, nesses casos, ela é contraria à ética independente de qualquer circunstância acima descrita, pois desrespeito no esporte não é admis-sível, não importando o esporte praticado, nem a região do país, por exemplo.

Em outras palavras, é difícil valorar o que é a ética coletiva que pode ser fruto de punição. Ora, cavar uma falta ou um pênalti é atitude contrária à ética do futebol, pois fere ainda o fair play desportivo; sendo assim, deveria ser puni-da também nos tribunais. Fazer um gol com a mão sem que o árbitro perceba também fere a ética desportiva, o fair play e a disciplina do jogo. Então também poderia ser alvo de punição. A famosa “catimba” também poderia ser antiética para alguns, por ser uma forma de limitação do espetáculo de futebol. Ousamos ir além e dizer que cuspir no gramado, atitude corriqueira no futebol, para um grupo de pessoas também pode ser contrária à ética, pois estão sujando o seu ambiente de trabalho. Enfim, há um rol imenso de atitudes desportivas que po-deriam ser taxadas como contrárias à ética, tendo em vista a amplitude com que esse vocábulo pode ser analisado.

4 FUNÇÃO DA NORMA

Ensina-nos Miguel Reale que

a norma ética estrutura-se, pois, como um juízo de dever ser, mas isto significa que ela estabelece não apenas uma direção a ser seguida, mas também a medida da conduta considerada lícita ou ilícita. Se há, com efeito, algo que deve ser, seria absurdo que a norma não explicitasse o que deve ser feito e como se deve agir.6

Ora, o trecho acima parece deixar claro que este artigo do CBJD não es-clarece, como já discutido, a forma como os atletas devem agir, nem como eles

6 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36.

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não devem agir, diferentemente, por exemplo, dos arts. 254-A (praticar agressão física), do art. 214 (incluir atleta sem condições de jogo) ou ainda do art. 258-C (dar instruções aos atletas em local proibido).

Nos artigos acima mencionados, são expressas quais as condutas espe-radas dos profissionais. No primeiro caso, temos a punição à agressão. Dessa forma, espera-se que o atleta não haja violentamente. No segundo caso, que o clube não escale algum atleta irregular; e, no terceiro caso, que o treinador não saia de sua área delimitada. Porém, com relação ao art. 258, não podemos esta-belecer nenhuma conduta que seja proibida ou permitida por tal artigo.

Deve-se atentar, ainda, para o fato de que para o atleta, ao desconhecer as atitudes contrárias à ética desportiva, a pena não exerceu sua função de co-ação psicológica, pois só haverá o efeito psicológico da pena no indivíduo no momento em que ele conhece o que se proíbe e a pena por tal fato7. Ora, o atle-ta não teria como temer a aplicação da pena do art. 258 do CBJD se não sou-besse que poderia ser punido por infringi-lo. A pena tendo sido criada pensando na possibilidade de seu descumprimento8, não exerceu a função de constranger o atleta a não praticar determinada conduta, uma vez que essa conduta não foi descrita e especificada no Código Desportivo.

5 O ARTIGO 258 E OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS

O tipo penal aberto já tem sido criticado por diversos juristas, porém ele é tendência no direito penal de outros países e também no Brasil9, além de se fazer presente em outros artigos do Código de Justiça Desportiva.

O diferencial desse artigo para todos os demais é que ele possui, além do tipo aberto, a necessidade de interpretação ética da conduta do agente, e não apenas os incisos exemplificativos comuns no Direito brasileiro.

É necessário que no Estado Democrático de Direito, tendo em vista o princípio da legalidade, “que a lei seja certa e determinada, ou seja, que espe-cifique exatamente quais são as condutas proibidas e suas consequências”10. Dessa forma, o atleta poderá limitar suas condutas à vontade do legislador.

Outro aspecto relevante quanto à interpretação dessa norma é que, por ser ela restritiva, ou seja, que restringe ações a serem praticadas, sua interpreta-ção deve-se dar de forma restritiva, diferentemente de outros ramos do Direito, que podem ser extensivas. Carlos Maximiliano ensina que

7 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Introdução ao direito penal: criminologia, princípios e cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 141.

8 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 35.9 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Introdução ao direito penal: criminologia, princípios e cidadania. In: SMANIO,

Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 154.10 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Op. cit., p. 152.

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as disposições repressivas interpretam-se estritamente porque [...] mandam fazer ou proíbem que se faça [...], a estas injunções ou proibições destinadas a asse-gurar o equilíbrio social, aplicam-se no sentido exato; não se dilatam, nem se restringem os seus termos. Permittitur quod non prohibetur: “o que não é está proibido é permitido”.

Ele vai além e diz: “Admite-se a extensão quando as leis não são impera-tivas, nem proibitivas; mas indicativas, reguladoras, organizadoras”11.

Fazendo a análise e a aplicação prática dos ensinamentos de Carlos Maximiliano, observa-se que o art. 258 é uma norma proibitiva, pois pode--se perceber, pela sua redação, que proíbe qualquer atitude contrária à ética ou disciplina do desporto. Sendo uma norma proibitiva, ela deve, então, ser interpretada de forma restritiva. Assim sendo, as condutas “contrárias à ética” deveriam ter seu rol diminuído, e não expandido. Outro aspecto importante de se ressalvar é o brocardo latino permittitur quod non prohibetur, uma vez que, não estando tipificada a conduta do agente no Código Desportivo, essa conduta torna-se permitida, pois não há nada que a proíba.

6 JURISPRUDÊNCIA DO ARTIGO 258 NOS TRIBUNAIS DESPORTIVOS

Nos diversos tribunais desportivos do nosso país, encontramos várias de-núncias tendo como base o art. 258 do CBJD; entre algumas, temos as seguintes:

Processo nº 071/2012:

2) A Procuradoria do STJDFS denunciou o Sr. Rogerio Campos Lencione, aten-dente da equipe S. C. Corinthians Paulista/SP, porque, em partida da liga nacional 2012, foi expulso aos 6’08”, por reclamar, de forma desrespeitosa, contra decisão da arbitragem, inclusive gesticulando com os braços, pelo que foi enquadrado no art. 258, § 2º, II, do CBJD.

[...]

Por unanimidade de votos, o Sr. Rogerio Campos Lencione, atendente da equipe S.

C. Corinthians Paulista/SP, foi absolvido das tenazes do art. 258, § 2º, II, do CBJD.12

Podemos ver que, nesse caso, houve a denúncia pelo § 2º, que tipifica o desrespeito como infração deste artigo:

Em um lance da partida, Luis Fabiano levou uma bolada na barriga, mas fingiu ter sido atingido no rosto. Se for punido, o atacante pode pegar até seis jogos de suspensão.13

11 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 263.12 Disponível em: <http://www.stjdcbfs.com.br/principal.html>.13 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/1171625-luis-fabiano-pode-ser-punido-por-seis-jo-

gos-por-simulacao.shtml>.

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Neste caso, podemos ver que a denúncia foi feita por motivo totalmente diverso do anterior; uma simulação de agressão foi o motivo que levou o atleta ao tribunal.

Efetivamente, o teor da denúncia foi preciso ao afirmar que o primeiro denun-ciado utilizou excessivamente seu braço direito, atingindo o adversário de forma desnecessária e diversa das costumeiras de uma jogada legal.14

Temos, neste terceiro caso, o uso excessivo do braço como atitude con-trária à ética e/ou disciplina do futebol:

Ao cobrar um escanteio, o meia imitou um gesto obsceno feito pela torcida orga-nizada vascaína e irritou os rivais.15

Processo nº 131/2013:

[...] suspendê-lo ainda por 1 partida, por infração do art. 258 do CBJD, face à des-classificação do art. 258-A, contra os votos dos Auditores Dr. Felipe Bevilacqua e Dr. Douglas Blaichman, que absolviam e Dr. Washington Oliveira, que o sus-pendia por 2 partidas [...].16

Neste caso, os nobres auditores optaram por desclassificar para o art. 258 do CBJD, caracterizando como mais uma conduta contrária à ética e disciplina do desporto.

O meia-atacante Valdivia foi suspenso por dois jogos pelo STJD (Superior Tri-bunal de Justiça Desportiva) por ter forçado o cartão amarelo no duelo contra o Paraná, realizado no dia 10 de agosto, no Pacaembu.17

Processo nº 98/2013: “[...] Por unanimidade de votos, suspender por 2 partidas Jorge Luiz Valdivia Toro, atleta da SE Palmeiras, por infração ao art. 258 do CBJD.18

Acima temos mais uma conduta, que gerou polêmica, punida mediante a interpretação de ética desportiva presente no artigo discutido.

Como pode se verificar nesses casos acima estudados, os tribunais des-portivos têm aceitado diversos casos como atitudes contrárias à ética desporti-va. Nada os impede de continuar essa interpretação de forma extensiva e pas-sarem a denunciar outras condutas como contrárias à ética do desporto. Mas o uso de tal artigo, como mesmo nos ensina Paulo Schmitt, deve ser usado em “casos extremos”19, e claramente contrários à ética coletiva.

14 SCHIMITT, Paulo Marcos (Coord.). Código Brasileiro de Justiça Desportiva comentado. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 330.

15 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,juninho-pode-ser-punido-por-gesto-no-classico -contra-o-fla,1083034,0.htm>.

16 Disponível em: <http://imagens.cbf.com.br/201310/1263978378.pdf>.17 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2013/09/1336106-valdivia-e-suspenso-por-2-jogos-

pelo-stjd-apos-forcar-cartao.shtml>.18 Disponível em: <http://imagens.cbf.com.br/201309/1707684311.pdf>.19 SCHMITT, Paulo Marcos (Coord.). Código Brasileiro de Justiça Desportiva comentado. São Paulo: Quartier

Latin, 2006. p. 328.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, pode-se verificar que o art. 258 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva tem sua interpretação de forma bastante ampliada nos tri-bunais desportivos, e essa interpretação pode ser ainda maior, pois, como visto, a ética é diferente de pessoa para pessoa, então nada impediria de o Procurador, baseado no seu conceito de ética, oferecer denúncia aos atletas por terem pra-ticados uma conduta que, a seu ver, feriu a ética desportiva.

Não obstante as especificidades presentes no direito desportivo, em que diversas condutas não se encaixam facilmente no direito comum, não podemos deixar de aplicar princípios fundamentais do Direito sobre a alegação da espe-cificidade deste. No direito penal, por exemplo, são cometidos vários crimes não previstos pelo legislador na época de criação dos códigos, que posterior-mente foram definidos como tal20, e no direito desportivo não pode ser diferen-te. O legislador deve acompanhar a evolução do desporto, e não deixar essa função nos poderes do Judiciário desportivo. Como bem disse o Dr. Zanforlin, “o esporte é muito dinâmico”, e cabe ao legislador auxiliar o deporto nesta mu-dança, perante suas especificidades.

REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 19. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013.

GRADELA FILHO, Paulo Cesar. Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD: co-mentários à Resolução CNE nº 29, de 10.12.2009. In: GRADELA FILHO, Paulo Cesar; BRACKS, Paulo; JORDÃO, Milton. Curitiba: Juruá, 2012.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

SCHMITT, Paulo Marcos (Coord.). Código Brasileiro de Justiça Desportiva comentado. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

______. Curso de justiça desportiva. São Paulo : Quartier Latin, 2007.

SMANIO, Gianpaolo Poggio. Introdução ao direito penal: criminologia, princípios e cidadania. In: SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. 2. ed. São Paulo: Atlas.

20 Lei nº 12.737/2012.

Clipping JurídicoTribunal determina indenização a torcedora por acidente em estádio

Decisão da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a Confederação Brasileira de Futebol e o São Paulo Futebol Clube paguem indeniza-ção à torcedora que sofreu acidente no estádio do Morumbi em 2007. A autora relatou nos autos que assistia a um jogo entre o time da casa e o América pelo Campeonato Brasileiro quando um homem caiu do anel superior da arquibancada e a atingiu, o que provocou fra-turas no braço e antebraço dela. A sentença considerou a CBF parte ilegítima no processo e julgou o pedido improcedente em relação ao clube paulista. Inconformada com o resul-tado, ela apelou. No entendimento da Relatora, Ana Lucia Romanhole Martucci, tanto a Confederação quanto o São Paulo respondem por eventual defeito na prestação de serviço, segundo previsão conjunta do Estatuto do Torcedor e do Código de Defesa do Consumi-dor. “Há um dever geral dos organizadores do evento esportivo de zelarem pela segurança e incolumidade física dos consumidores que transitam em suas dependências, devendo minimizar ao máximo o risco de acidentes no local”, afirmou em seu voto a magistrada, que fixou a indenização por danos morais em R$ 20 mil. A Turma julgadora foi compos-ta ainda pelos Desembargadores José Percival Albano Nogueira Júnior e Paulo Alcides Amaral Salles, que votaram de forma unânime. Apelação nº 0002680-76.2010.8.26.0011. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Ex-gerente de esportes do São Paulo receberá horas extras por mudança de cargo

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou o Clube Atlético São Paulo ao pagamento de horas extras e reflexos a um ex-gerente de esportes, referentes ao período em que ele trabalhou para o clube naquela função. A decisão reformou entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). O dirigente narrou, na reclamação tra-balhista, que, ao ser promovido de instrutor de esportes para o cargo de gerência, recebeu um acréscimo salarial de 36,28%. Ao justificar o trabalho em jornada suplementar, afir-mou que participava de reuniões nas sedes de outros clubes representando o São Paulo, além de acompanhar sócios em gincanas, torneios e jogos amistosos. Pedia o recebimento de horas extras, sustentando que, ao ser promovido, não recebera aumento salarial de no mínimo 40%. A 6ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP) entendeu devido o pagamento de horas extras e reflexos. O Regional, entretanto, reformou a sentença e excluiu a condena-ção imposta, por entender que havia provas no sentido de que o trabalhador efetivamente exerceu a função de gerente, com poderes de mando e gestão especificamente em relação ao departamento de esportes do São Paulo, coordenando instrutores, professores e estagiá-rios e efetuando contratações e demissões a serem referendadas pela Diretoria. Estes fatos o enquadravam nas disposições do art. 62-II da CLT (cargo de confiança), razão pela qual não lhe eram devidas horas extras. Ao analisar o recurso do gerente na Turma, o Relator, Ministro Lelio Bentes Corrêa, decidiu pela reforma do julgado e determinou o restabele-cimento da sentença condenatória. O ministro observou que, nos termos do parágrafo único do art. 62 da CLT, para que se enquadre o empregado como exercente de cargo de gestão, sem fixação de duração normal da jornada de trabalho e o consequente direito ao recebimento de horas extras, “a gratificação de função, se houver, deve corresponder à quantia igual ou superior a 40% do valor do salário efetivo”. Processo: RR 103040-91.2006.5.02.0006. (Fonte: Tribunal Superior do Trabalho)

Jogador de futebol lesionado recebe por danos morais e materiais

O Joinville Esporte Clube foi condenado pela Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais e materiais a um

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jogador do time que lesionou a cartilagem do calcanhar durante jogo, acidente que o incapacitou para continuar a carreira como atleta profissional. A condenação reformou a decisão do Tribunal Regional da 12ª Região (SC), que havia inocentado o clube por consi-derar que não houve culpa do empregador. De acordo com o processo, o jogador lesionou o calcanhar esquerdo durante exercício da atividade profissional. Apesar de ter recebido tratamento médico custeado pelo clube, não foi possível reverter o quadro, e o profissio-nal ficou incapacitado para jogar novamente. Inconformado, ele entrou com processo trabalhista pleiteando, entre outras coisas, o pagamento de indenização por danos morais e materiais. O juízo regional e o colegiado do TRT da 12ª Região observaram que, apesar de ser incontroverso que o acidente aconteceu durante o exercício do trabalho e que em decorrência dele o jogador não poderá mais voltar a jogar futebol profissionalmente, ficou provado que o Joinville Esporte Clube tomou todas as providências necessárias para tentar reverter a lesão, custeando médicos e preenchendo a guia de Comunicação de Acidente de Trabalho. Assim sendo, os juízes da regional não observaram nenhum comportamento desidioso que comprovasse “culpa do empregador” e, dessa forma, a responsabilidade civil do clube. Com isso, não aprovaram o pedido de indenização do jogador. O Ministro Relator do processo no TST, Walmir Oliveira da Costa, ponderou, ainda, que é fato públi-co e notório que a competitividade e o desgaste físico, inerentes à prática desportiva, são fatores que podem desvalorizar o atleta que sofrer lesões nos treinos ou nas partidas. “De-corre daí o dever de o clube indenizar os danos morais e materiais sofridos pelo atleta”, julgou. O ministro avaliou que é obrigação dos times profissionais de futebol zelar pela saúde física dos atletas e reparar possíveis danos que a atividade profissional pode causar. Adviria desta obrigação a responsabilidade objetiva de reparar o dano causado, indepen-dentemente de culpa. “A responsabilidade civil é tão clara que o legislador passou a obri-gar os clubes a pagar apólices de seguro para os atletas”, enfatizou. A decisão foi aprovada por unanimidade pelos ministros que compõem a Primeira Turma. Recurso de Revista nº 393699-47.2007.5.12.0050. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Relator nega pedido para ampliar efeitos da liminar sobre Brasileirão 2013

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não conseguiu estender a outros órgãos judi-ciários os efeitos da liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que concentrou na 2ª Vara Cível do Foro Regional da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, as decisões sobre a polêmica em torno da perda de pontos do Flamengo e da Portuguesa de Desportos no Campeonato Brasileiro de 2013. A liminar do Ministro Sidnei Beneti foi dada em conflito de competên-cia que envolve, além da Vara da Barra da Tijuca, o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro e a 42ª Vara Cível Central de São Paulo. A CBF pediu ao ministro que a liminar tivesse efeito não apenas em relação aos juízos suscitados no conflito de competência em questão, mas que atingisse outros juízos listados por ela, nos quais também foram ajuizadas ações conexas, bem como todos os juízos em que futura-mente pudessem dar entrada ações sobre o assunto. De acordo com o Ministro Beneti, a liminar concedida anteriormente não pode ser estendida a juízos que não foram suscitados de forma objetiva no conflito de competência, mesmo tendo a CBF citado em seu pedido a existência de outras decisões conflitantes. Menos ainda – acrescentou Beneti – é possível haver extensão da liminar para juízos nos quais ações conexas poderiam ser propostas no futuro. Com a decisão, a liminar concedida pelo ministro se mantém válida especifi-camente para as ações ajuizadas nas Varas suscitadas no conflito de competência, cujo julgamento final caberá à Segunda Seção do STJ. Nº do Processo: CC 132438. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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Conflito relativo ao rebaixamento da Lusa no Campeonato Brasileiro chega ao STJ

Chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta segunda-feira (10), o conflito de compe-tência relativo ao rebaixamento de clubes do Campeonato Brasileiro de 2013. O sócio-tor-cedor da Associação Portuguesa de Desportos (Lusa), autor da ação paulista que beneficia o clube, aponta a existência de decisões conflitantes sobre o caso. Na origem do conflito, está uma ação movida na 42ª Vara Cível Central de São Paulo contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) visando à anulação do julgamento feito pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). A entidade administrativa puniu a Portuguesa com perda de pontos, resultando em seu rebaixamento. Segundo o suscitante do conflito, a ação foi distribuída em 9 de janeiro. Nessa ação, foi concedida tutela antecipada para suspender os efeitos do julgamento do STJD. • Ações fluminenses: Em 14 de janeiro, uma ação – distribuída para a 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca (RJ) – foi movida para obrigar a CBF a cumprir o julgamento do STJD. Nessa ação, foi concedida tutela antecipada para tornar obrigatório esse cumprimento. Na mesma data, uma ação similar foi movida perante o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos, também no Rio de Janeiro. Também nela foi concedida tutela antecipada para observação do julgamento administrativo do STJD. • Competência paulista: Conforme o suscitante do conflito, que é também autor da ação movida em São Paulo, há conexão entre os três processos, já que se referem à mesma causa de pedir remota: a decisão do STJD. Por isso, segundo o suscitante, as ações deve-riam ser julgadas pelo mesmo juízo, já que, mesmo sendo parcial a identidade entre elas, ocorreria a prevenção. O suscitante afirma que a primeira citação válida ocorreu na ação em trâmite na vara paulista, em 15 de janeiro. Nas ações em trâmite no Rio, a CBF se teria dado por citada apenas no dia seguinte: 16 de janeiro. O suscitante anota também que a CBF teria deixado de juntar aos processos fluminenses seu estatuto social. Sem essa forma-lidade, necessária para estabelecer a cadeia de representação legal da entidade – sustenta o suscitante –, não seria válida ainda a citação. Assim, alega, conforme a jurisprudência do STJ, a ação deveria ser julgada pelo foro da capital paulista, juízo em que ocorreu a primeira citação válida da CBF. • Tutela antecipada: O suscitante requer que o STJ conce-da tutela antecipada no conflito de competência, para estabelecer a competência do juízo paulista para questões urgentes relativas ao caso e para suspender os efeitos das decisões fluminenses. Ele aponta risco de grave lesão de difícil reparação, caso mantida a situação atual, já que a CBF teria antecipado do dia 20 de fevereiro para o dia 6 a divulgação da ta-bela do Campeonato Brasileiro de 2014, excluindo a Portuguesa dessa competição. Esses pedidos serão apreciados pelo Ministro Sidnei Beneti. Depois; os ministros da Segunda Se-ção do STJ apreciarão o mérito do conflito, determinando se há efetivamente conflito entre as ações e, nesse caso, qual será o juízo a julgar os processos conexos. Nº do Processo: CC 132402. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça

Torcedor não consegue suspender decisões que impõem cumprimento de penalida-des contra Portuguesa

O Ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou pedido de limi-nar em conflito de competência suscitado por sócio torcedor da Associação Portuguesa de Desportos (Lusa) que buscava suspender decisões proferidas pelo Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos do Rio de Janeiro e pela 2ª Vara Cível do Rio de Janeiro. As duas decisões garantiram à Confederação Brasileira de Futebol (CBF) o cumprimento das penalidades impostas à Portuguesa, relativas à escalação irregular do atleta Heverton na 38ª rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2013, o que ocasionou a perda de quatro pontos do time e, consequentemente, o seu rebaixamento para a segunda di-

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visão. Além disso, foi imposta multa de R$ 1 mil. • Conflito: Na origem do conflito, está uma ação movida pelo sócio torcedor na 42ª Vara Cível Central de São Paulo contra a CBF, visando à anulação do julgamento feito pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). A entidade administrativa puniu a Portuguesa com perda de pontos, o que resultou em seu rebaixamento. Segundo o suscitante do conflito, a ação foi distribuída em 9 de janeiro. Nessa ação, foi concedida tutela antecipada para suspender os efeitos do julga-mento do STJD. Entretanto, em 14 de janeiro, uma ação – distribuída para a 2ª Vara Cível da Barra da Tijuca (RJ) – foi movida para obrigar a CBF a cumprir o julgamento do STJD. Nessa ação, foi concedida tutela antecipada para tornar obrigatório esse cumprimento. Na mesma data, uma ação similar foi movida perante o Juizado Especial do Torcedor e dos Grandes Eventos, também no Rio de Janeiro. Também nela foi concedida tutela antecipada para observação do julgamento administrativo do STJD. • Mesmo juízo: Conforme o sócio torcedor, há conexão entre os três processos, já que se referem à mesma causa de pedir remota: a decisão do STJD. Por isso, segundo ele, as ações deveriam ser julgadas pelo mesmo juízo, já que, mesmo sendo parcial a identidade entre elas, ocorreria a prevenção. O torcedor alegou que, conforme a jurisprudência do STJ, a ação deveria ser julgada pelo foro da capital paulista, juízo em que ocorreu a primeira citação válida da CBF. Pediu, ainda, que fosse concedida liminar para suspender os efeitos das decisões fluminenses. • Legitimidade: Em sua decisão, o Ministrou Beneti afirmou que, no pedido, não estão presentes a plausibilidade do direito alegado e o perigo da demora, elementos necessá-rios para a concessão de uma liminar. Segundo ele, a urgência alegada no pedido inicial prendia-se ao fato de que, prevalecendo as duas decisões do Rio, poderia ser dado cumpri-mento à decisão do STJD. Entretanto, o ministro ressaltou que, mesmo que se declarasse, liminarmente, a competência do Juízo de São Paulo, ainda assim prevaleceria a validade da decisão do STJD. Isso porque a antecipação dos efeitos da tutela concedida pela 42ª Vara Cível de São Paulo foi tornada ineficaz pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ao entendimento de que torcedores não têm legitimidade ativa para questionar, na Justiça Co-mum, os julgamentos da Justiça desportiva que supostamente prejudiquem os seus clubes. Assim, o ministro negou o pedido de liminar e solicitou informações aos juízos suscitados, com o prazo de dez dias. A seguir, prestadas ou não as informações, o processo deve ser encaminhado ao Ministério Público Federal para parecer, pelo prazo de 15 dias, para só então entrar na pauta da Segunda Seção do STJ, em que será julgado. Nº do Processo: CC 132402. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Desembargador nega pedido de suspensão de multa de R$ 1 milhão para Fifa e Match Serviços

O valor foi fixado pelo Procon Pernambuco em processo administrativo devido à venda de ingressos na Copa das Confederações em desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor. O Desembargador José Ivo de Paula Guimarães, da 1ª Câmara de Direito Público, negou, em decisão liminar, pedido feito pela Fifa World Cup Brasil Assessoria Ltda. e pela Match Serviços de Eventos Ltda. para suspender multa de R$ 1 milhão aplicada por processo administrativo devido à venda dos ingressos da Copa das Confederações 2013 em desres-peito ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). O valor, R$ 500 mil para cada uma das partes, foi fixado pelo Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor de Pernambuco (Procon/PE). As empresas podem recorrer da decisão do 2º grau, que foi publicada no Di-ário da Justiça Eletrônico (DJe) da última quinta-feira (20/03). A liminar do desembargador, que atua como relator substituto, confirmou a também decisão liminar do Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública do Recife, Évio Marques, proferida no dia 13 de fevereiro deste ano

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em mandado de segurança impetrado pelas empresas. • Multa: Em dezembro de 2013, o Procon Pernambuco multou cada empresa em RS 500 mil por infringir o direito à informa-ção previsto no inciso III do art. 6º do CDC. O processo administrativo foi motivado por uma representação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Pernambuco (OAB/PE). O documento relatava queixas de diversos torcedores que compraram ingressos para assistir aos jogos da Copa na Arena Pernambuco e perceberam que seus assentos não cor-respondiam aos que estavam impressos em seus bilhetes. Outras queixas relatavam que tor-cedores compraram ingressos para as áreas mais próximas do campo, mas foram realoca-dos para outras áreas do estádio pelas empresas organizadoras do evento. De acordo com o Juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública do Recife, Évio Marques, os documentos entregues pelo Procon Pernambuco comprovam que o processo administrativo deu oportunidade para que as empresas pudessem se defender, respeitando o princípio do contraditório e da ampla defesa. “O referido processo administrativo observou os ditames da Lei Geral da Copa (Lei nº 12.663/2012), bem como do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) e do Código de Defesa do Consumidor, e concluiu que, em caso de eventuais dúvidas quanto à aplicabilidade da norma, deve prevalecer o princípio o protecionismo do consumidor”, escreveu na decisão. O juiz ainda ressaltou que a Lei Geral da Copa e o Código de Defesa do Consumidor podem ser aplicados conjuntamente. “É pacífico o entendimento de que, em se tratando de uma relação de consumo, o CDC pode e deve ser aplicado ainda que a relação seja regida, também, por outras normas, como as de direito civil. Assim, não podem supor as impetrantes que a Lei Geral da Copa deve ser aplicada sem a mínima observância das demais normas que compõem o regimento normativo do nosso País”, destacou. A Fifa World Cup Brasil Assessoria Ltda. e Match Serviços de Eventos Ltda. recorreram ao 2º grau do Judiciário pernambucano, afirmando que agiram de acordo com a Lei da Copa e que não foi observado o princípio da ampla defesa durante o processo administrativo. Para as empresas, o Procon/PE aplicou uma multa alta, sem qualquer fundamento. Em virtude disso, pediram, liminarmente, a suspensão da multa até o julgamento final do mandado de segurança na 2ª Vara da Fazenda Pública do Recife. Ao analisar o recurso, o Relator Substi-tuto do processo no 2º grau, Desembargador José Guimarães, entendeu que os argumentos das empresas são insuficientes para promover a concessão do efeito suspensivo da multa. “O Procon/PE fundamentou sua decisão de acordo com a legislação vigente e aplicável ao evento, qual seja a Lei nº 12.663/2012 (Lei da Copa), a Lei nº 8.078/2090 (Código de Defesa do Consumidor) e o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003), fazendo uma inter-pretação favorável ao consumidor em razão da sua vulnerabilidade frente às recorrentes”. O desembargador declarou que as empresas tiveram o direito de se defender no processo administrativo. “Vê-se que o procedimento obedeceu aos ditames legais previstos na Lei da Copa, no Estatuto do Torcedor e no CDC, observando o contraditório e a ampla defesa exigidos, tendo havido oferecimento de defesa em tempo hábil”. Para o magistrado, o que houve, de fato, foi a interpretação e a adequação da legislação vigente em favor do consu-midor, quando a Lei da Copa foi omissa. “Assim, por ter entendido que as agravantes des-cumpriram alguns preceitos legais, aplicou a multa aqui rebatida”, descreveu na decisão. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça de Pernambuco)

Fechamento da Edição: 11�04�2014

Resenha Legislativa

LEI

lei nº 12.959, de 14.02.2014 – dOu de 20.03.2014

Dispõe sobre a autorização e regulamentação da venda e o consumo de bebidas alcoólicas em eventos esportivos, estádios e arenas desportivas no Estado da Bahia.

Fechamento da Edição: 11�04�2014

Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

Responsabilidade Civil do Clube na lesão de atleta

• A Responsabilidade Civil dos Clubes de Fute-bol nas Lesões de Atletas Profissionais (BráulioHenrique Silva de Assis) ........................................9

Autor

bRáulio HenRique silva de assis

• A Responsabilidade Civil dos Clubes de Futebolnas Lesões de Atletas Profissionais .........................9

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Responsabilidade Civil do Clube na lesão de atleta

• Recurso de revista – Atleta profissional de fute-bol – Acidente de trabalho – Indenização por dano material e moral ................................1008, 16

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Assunto

Responsabilidade Civil do Clube na lesão de atleta

• Responsabilidade do Clube de Futebol por Le-são de Atleta (Gustavo Lopes Pires de Souza) ..................................................................1009, 37

Autor

Gustavo lopes piRes de souza

• Responsabilidade do Clube de Futebol por Le-são de Atleta ..............................................1009, 37

Índice Geral

DOUTRINA

Assunto

aRbitRaGem

• Análise dos Institutos Despenalizadores da Lei nº 9.099/1995 à Luz da Teoria dos Jogos, em Es-pecial da Transação Penal (Felipe Heck Soarese Milene Ana dos Santos Pozzer) .........................88

despoRtivo

• A Norma Desportiva e o Constitucionalismo Social: Traços de um Fenómeno Constitucionalsem Estado (Artur Flamínio da Silva) ....................49

• Os Mercenários do Desporto e a Dupla Nacio-nalidade (Roberto Soares de Vasconcellos Paes) ............................................................................45

diReito de imaGem

• A Reparação de Dano ao Direito de Imagem. Precedentes Jurisprudenciais (Cassio M. C.Penteado Jr.) ........................................................83

HomoFobia

• O Futebol no Banco dos Réus: Caso da Ho-mofobia (Marco Antonio Bettine de Almeida e Alessandro Soares da Silva) ..................................68

Autor

alessandRo soaRes da silva e maRCo antonio bettine de almeida

• O Futebol no Banco dos Réus: Caso da Homo-fobia ....................................................................68

aRtuR Flamínio da silva

• A Norma Desportiva e o Constitucionalismo Social: Traços de um Fenómeno Constitucionalsem Estado ...........................................................49

Cassio m. C. penteado JR.• A Reparação de Dano ao Direito de Imagem.

Precedentes Jurisprudenciais ................................83

Felipe HeCk soaRes e milene ana dos santos pozzeR

• Análise dos Institutos Despenalizadores da Lei nº 9.099/1995 à Luz da Teoria dos Jogos, em Especial da Transação Penal ................................88

maRCo antonio bettine de almeida e alessandRo soaRes da silva

• O Futebol no Banco dos Réus: Caso da Homofobia ....................................................................68

milene ana dos santos pozzeR e Felipe HeCk soaRes

• Análise dos Institutos Despenalizadores da Lei nº 9.099/1995 à Luz da Teoria dos Jogos, emEspecial da Transação Penal ................................88

RobeRto soaRes de vasConCellos paes

• Os Mercenários do Desporto e a Dupla ...............45

Seção EspecialDE FRENTE PARA O GOL

Assunto

toRCida

• Perda do Mando de Campo, Artigo 213, I, do CBJD, Caracterizado – STJDF ...................1054, 214

COM A PALAVRA, O PROCURADOR

Assunto

despoRtivo

• O Artigo 258 do CBJD, Sua Análise e Interpreta-ção nos Tribunais Desportivos (Luis GuilhermeKrenek Zainaghi) ...............................................232

Autor

luis GuilHeRme kRenek zainaGHi

• O Artigo 258 do CBJD, Sua Análise e Interpre-tação nos Tribunais Desportivos ........................232

RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ������������������������������������������������������������������������������������������������������247 ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

CompetênCia

• Agravo regimental – Conflito de competên-cia – Liminar – Ações movidas por torcedores com fundamento no estatuto do torcedor, ques-tionando decisão da justiça desportiva quanto ao Campeonato Brasileiro de Futebol de 2013 – Perda de pontos e desclassificação de equipe de futebol – Agravo regimental improvido – Li-minar confirmada – Determinação de informa-ção aos presidentes dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais (STJ) ............1011, 120

dano moRal

• Indenização por danos morais – Inocorrência (TRT 3ª R) ................................................1017, 182

diReito de aRena

• Recurso de revista – Direito de arena – Natureza jurídica (TST) ...........................................1014, 154

• Recurso de revista do reclamante – Jogador de futebol – Diferença de direito de arena – Alte-ração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sindicato – Impossibilidade. recur-so de revista do reclamado – Direito de arena– Natureza jurídica salarial (TST) .............1013, 141

exeCução FisCal

• Apelação cível – Direito tributário – Embargos à execução fiscal – IPTU e CCIP – Preliminar – Nu-lidade da CDA – Não ocorrência – Notificação pessoal – Prescindibilidade – Lançamento de ofício mediante o envio de carnê – Ônus da pro-va do contribuinte – Precedentes do STJ – Publi-cação de edital – Regularidade – Instauração de prévio processo administrativo tributário – Des-necessidade – Rejeitada. Mérito – Município de Belo Horizonte – IPTU – Associação civil sem fins lucrativos – Imunidade do art. 150, VI, c da CF/1988 – Não atendimento aos requisitos do art. 14 do CTN – Entidade de prática desportiva profissional – Lei nº 9.615/1998 – Caracteriza-ção como sociedade empresária para efeitos fis-cais – Benefício não devido – Contribuição para custeio da iluminação pública – EC 39/2002 – Constitucionalidade da exação – Criação de novo tipo tributário pelo constituinte derivado – Possibilidade – Tributos legitimamente cobra-dos – Embargos à execução fiscal rejeitados – Recurso não provido (TJMG) ....................1016, 170

HoRas extRas

• Agravo de instrumento – Horas extras – Cargo de gestão não subsumido na norma do art. 62, II, da Consolidação das Leis do Trabalho – Gra-tificação de função paga em valor inferior a 40% do salário efetivo do empregado. recurso de revista – Horas extras – Cargo de gestão não subsumido na norma do art. 62, II, da Consoli-dação das Leis do Trabalho – Gratificação de função paga em valor inferior a 40% do salário efetivo do empregado (TST) .....................1012, 130

passe

• Apelação cível – cessão de “passe” de atleta profissional de futebol – Direito a percentual

da venda decorrente de convênio firmado en-tre as partes – Exceção do contrato não cum-prido – Inaplicabilidade – Incidência da Lei Pelé – Inalterabilidade da discussão da lide – Ausência de prova de aprovação nos exames médicos do clube cessionário – Desnecessi-dade – Confirmação do contrato pelas provas dos autos – Prova ilícita – Não comprovação da ilicitude – Litigância de má-fé – Inocorrên-cia – Negar provimento ao agravo retido e ao recurso de apelação (TJMG) .....................1015, 164

toRCedoR

• Proteção do torcedor – Dever de respeito por parte de todos – Diálogo das fontes – Estádio de futebol – Acervo probatório e laudos técnicos – Infraestrutura que não assegura plena garantia e segurança para a realização do evento – Interdi-ção art. 211, do CBJD (STJDF) .................1010, 105

EMENTÁRIO

Administrativo e Constitucional

ação Civil públiCa

• Ação civil pública – exploração de jogo de bin-go – interdição – efeitos ...........................1018, 188

atleta

• Atleta – inscrição na equipe de voleibol com idade inferior à permitida no regulamento – equi-pe e técnico – penalidade de suspensão – res-ponsabilidade subjetiva – inocorrência ....1019, 193

• Atleta – não apresentação de documentação à Delegação Brasileira de Karatê em Campeonato Mundial na Romênia – atraso na ECT – respon-sabilidade civil – alcance .........................1020, 193

inCompetênCia

• Incompetência – Justiça Federal – Conselho Regional de Educação Física – carteira profis-sional – licenciatura e bacharelado – requisitos ................................................................1021, 194

liCitação

• Licitação – contração de serviços para os “Jogos da Juventude do Estado do Paraná” – mandado de segurança – cabimento .......................1022, 194

• Licitação – lei de incentivo ao esporte – as-sociação civil sem fins lucrativos – tutela an-tecipada – cabimento ..............................1023, 195

mandado de seGuRança

• Mandado de segurança – Jogos Pan-America-nos de 2007 – credenciamento de cooperativa de táxi – restrição à área de desembarque do aeroporto – ato discricionário da Infraero –configuração ............................................1024, 196

tReinadoR

• Treinador profissional de futebol – Conselho Regional de Educação Física de São Paulo –inscrição – não obrigatoriedade ...............1025, 197

Civil

atleta

• Atleta de futebol – falecimento – indenização securitária – efeitos ..................................1026, 198

248 �������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 18 – Abr-Maio/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• Atleta profissional – transação sobre direitos federativos – conflito de competência – açãoanulatória – reconhecimento ...................1027, 199

Cláusula penal

• Cláusula penal – rescisão contratual – contra-to de cogestão de atividade desportiva – infra-ções contratuais – efeitos .........................1028, 199

ConFlito de CompetênCia

• Conflito de competência – ações movidas por torcedores com fundamento no Estatuto do Tor-cedor – questionamento de decisão da Justiça Desportiva quanto ao Campeonato Brasileirode Futebol de 2013 – efeitos ....................1029, 200

Copa

• Jogo da Copa das Confederações – cancela-mento de voo – efeitos .............................1033, 202

dano moRal

• Dano moral – TV por assinatura – suspensão dos serviços durante um jogo da Copa das Confederações de 2013 – descumprimento con-tratual – inocorrência ...............................1030, 200

diReito de imaGem

• Direito de imagem – jogador – álbum de figu-rinhas – autorização – ausência – indenizaçãodevida .....................................................1031, 200

indenização

• Indenização – árbitro de futebol – ofensas fí-sicas e verbais após expulsão de jogador – in-suficiência de provas – indenização indevida ................................................................1032, 201

mandado de seGuRança

• Mandado de segurança – campeonato de fu-tebol – suspensão de jogador pelo período de365 dias – liminar não concedida ............1034, 202

Responsabilidade Civil

• Responsabilidade civil – CBF e São Paulo Futebol Clube – indenização por fato ocorrido em es-tádio de futebol – legitimidade passiva ...... 1035, 202

• Responsabilidade civil – indenização – utiliza-ção não autorizada de imagem da seleção bra-sileira de futebol – alcance ......................1036, 203

tutela anteCipada

• Tutela antecipada – ação anulatória movida por torcedor contra a CBF – Estatuto do Torcedor– observação ...........................................1037, 203

• Tutela antecipada – liga de futebol amador – au-sência da verossimilhança das alegações – limi-nar não concedida ...................................1038, 203

Penal

CRime

• Crime de contrabando – máquinas caça-ní-queis – caracterização .............................1039, 205

pResCRição

• Prescrição da pretensão punitiva – contrabando – exploração de jogos de azar – contravençãopenal – efeitos .........................................1040, 205

Trabalhista

auto de inFRação

• Anulação de auto de infração – auxiliares de jo-gadores de golfe caddies – efeitos ............1041, 206

atleta

• Atleta profissional – contrato de licença de uso de imagem – direito personalíssimo – naturezajurídica ....................................................1042, 206

• Atleta profissional – direito de arena – natureza salarial – reconhecimento ........................1043, 207

• Atleta profissional – direito de arena – paga-mento devido ..........................................1044, 208

• Atleta profissional – jogador de futebol – aci-dente – suspensão contratual – efeitos .....1045, 208

• Atleta profissional – jogador de futebol – di-reito de imagem – natureza jurídica – efeitos ................................................................1046, 208

• Atleta profissional – multa rescisória – quitação ................................................................1047, 209

• Atleta profissional – seguro de acidente do traba-lho – indenização – responsabilidade do clube de futebol – limites ..................................1048, 209

• Atleta profissional – valores pagos em decor-rência de contrato de licenciamento de uso da imagem – natureza jurídica .....................1049, 209

• Atleta profissional de futebol – acidente de tra-balho – indenização por dano material e moral – pagamento devido ...................................1050, 209

diReito de aRena

• Direito de arena – natureza jurídica .........1051, 210• Rescisão do contrato de trabalho – atleta profis-

sional – cláusula penal – aplicabilidade .... 1052, 210

Tributário

exeCução

• Execução fiscal – penhora de renda dos jogos de futebol – questão relevante – ausência devaloração .................................................1053, 211

CLIPPING JURÍDICO

• Tribunal determina indenização a torcedora poracidente em estádio ...........................................240

• Ex-gerente de esportes do São Paulo receberáhoras extras por mudança de cargo ..................240

• Jogador de futebol lesionado recebe por danos morais e materiais ..............................................240

• Relator nega pedido para ampliar efeitos da li-minar sobre Brasileirão 2013 .............................241

• Conflito relativo ao rebaixamento da Lusa no Campeonato Brasileiro chega ao STJ ..................242

• Torcedor não consegue suspender decisões que impõem cumprimento de penalidades contraPortuguesa .........................................................242

• Desembargador nega pedido de suspensão de multa de R$ 1 milhão para Fifa e Match Serviços ..........................................................................243

RESENHA LEGISLATIVA ....................................... 245

ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ..................... 246

NORMAS EDITORIAIS PARA ENVIO DE ARTIGOS . 7