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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO EM CINCIAS E
MATEMTICA
ROSLIA JOS DA SILVA CARVALHO
INVESTIGANDO A APROPRIAO DOS NEXOS CONCEITUAIS DO SISTEMA
DE NUMERAO DECIMAL NO CLUBE DE MATEMTICA
GOINIA, 2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO EM CINCIAS E
MATEMTICA
ROSLIA JOS DA SILVA CARVALHO
INVESTIGANDO A APROPRIAO DOS NEXOS CONCEITUAIS DO SISTEMA
DE NUMERAO DECIMAL NO CLUBE DE MATEMTICA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao em Cincias e
Matemtica da Universidade Federal de Gois,
como requisito parcial obteno do ttulo de
mestre em Educao (rea de Concentrao:
Educao em Cincias e Matemtica).
Orientador: Prof. Dr. Wellington Lima Cedro
GOINIA, 2017
Ficha de identificao da obra elaborada pelo autor por meio do Programa de Gerao Automtica do Sistema de Bibliotecas da UFG
CARVALHO, Roslia Jos da Silva.
INVESTIGANDO A APROPRIAO DOS NEXOS CONCEITUAIS DO SISTEMA DE NUMERAO DECIMAL NO CLUBE DE MATEMTICA [manuscrito] / Roslia Jos da Silva Carvalho - 2017. 267 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. WELLINGTON LIMA CEDRO. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Gois, Pr-
Reitoria de Ps-Graduao (PRPG), Programa de Ps-Graduao em Educao em Cincias e Matemtica, Goinia, 2017.
Bibliografia. Anexos. Apndice. Inclui siglas, tabelas, lista de figuras, listas de tabelas.
1. Educao Matemtica nos anos iniciais. 2. Nexos Conceituais. 3. Sistema de Numerao Decimal. 4. Clube de Matemtica. 5. OBEDUC. I. CEDRO, WELLINGTON LIMA, orient. II. Ttulo.
CDU 51:37
ROSLIA JOS DA SILVA CARVALHO
INVESTIGANDO A APROPRIAO DOS NEXOS CONCEITUAIS DO SISTEMA
DE NUMERAO DECIMAL NO CLUBE DE MATEMTICA
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Educao em Cincias e Matemtica
da Universidade Federal de Gois, como requisito
parcial obteno do ttulo de mestre em Educao
(rea de Concentrao: Educao em Cincias e
Matemtica).
Orientador: Prof. Dr. Wellington Lima Cedro.
Aprovada em 06 de setembro de 2017.
Banca Examinadora
______________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Wellington Lima Cedro
Universidade Federal de Gois
______________________________________________
Examinadora: Prof. Dra. Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes
Universidade Federal de Santa Maria RS UFM/RS
______________________________________________
Examinadora: Prof. Dra. Neusa Maria Marques de Souza
Universidade Federal de Gois UFG
Dedicatria
Aos meus pais, Joaquim e Tomzia, pelo amor
incondicional, por me apoiarem e por me ensinarem,
durante toda a vida, a importncia da busca pelo
conhecimento.
Ao meu esposo, Ildcio, por compreender minha ausncia,
por abraar meus sonhos, por me incentivar a estudar, por
cuidar de mim e de nossos filhos com carinho e dedicao.
Aos meus filhos, Gabriel e Brbara, por me ensinarem
todos os dias o que o verdadeiro amor e o que realmente
importante na nossa caminhada aqui nesta terra.
Amo vocs!
Agradecimentos
A Deus, por dar-me vida, sade e propsitos; por cuidar de mim em todos os momentos,
inspirar-me, renovar-me, fortalecer-me e permitir-me aprender em todas as circunstncias, e
pela oportunidade de crescer.
Aos meus pais, irm, meu esposo e filhos, por compreenderem minha caminhada, minhas
angstias e apoiar minhas escolhas, mesmo sabendo das dificuldades e dos sacrifcios.
Ao meu orientador, professor Wellington, pela pacincia com meu falatrio, por confiar e
acreditar em mim quando nem mesmo eu acreditava. Pelo compartilhamento de tantos saberes
e tantas contribuies nesse perodo de formao.
s professoras Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes e Neusa Maria Marques de Souza, por
aceitarem o convite para a banca examinadora e por todas as contribuies dadas.
Aos professores do programa, em especial queles com quem tive oportunidade de conviver e
compartilhar experincias nas aulas no planetrio: Agustina, Dalva, Juan, Jos Rildo, Jos
Pedro, Mrlon, Rogrio, Simone e Wellington.
Aos amigos do PPOE/OBEDUC, GEMAT/UFG, CluMat/UFG, GEPEMat/SM, por tantas
contribuies.
s minhas amigas inseparveis Adriane Sardinha, Renata Matos e Rosimary Zanetti, porque
sem elas tudo teria sido muito mais difcil. Sou grata pelo ombro amigo, pelas oraes, pelas
palavras de incentivo, pelo compartilhamento das dvidas e dos saberes, pelas brincadeiras,
pelas bobagens, viagens, lgrimas, risos, e, em especial, pelo amor e tempo dedicado a cada
dia todos os dias, incansavelmente. Vocs so minhas parceiras e irms.
Kamila Ribeiro Batista, Daniela Oliveira, Gabriela Salazar e Maria Marta, pelas
palavras de incentivo e por cada contribuio.
Ao amigo e companheiro de orao Natal Jos Mendanha, por todo cuidado com a minha vida
espiritual.
Ao casal Vanessa e Emerson, mais que amigos irmos , obrigada pela cumplicidade, pela
presena em cada momento de alegria ou de tristeza; nossos happy hours semanais com
certeza melhoraram meus dias e me deram fora para seguir.
Aos companheiros de trabalho e aos estudantes da Escola Municipal Jardim Nova Esperana e
a SME, que permitiram desenvolver esta pesquisa.
FAPEG pelo apoio financeiro.
Muito obrigada!
RESUMO
CARVALHO, Roslia Jos da Silva. Investigando a apropriao dos nexos conceituais do
Sistema de Numerao Decimal no Clube de Matemtica. Dissertao Programa de Ps-
Graduao em Educao em Cincias e Matemtica Universidade Federal de Gois,
Goinia, 2017.
A presente pesquisa discute as relaes entre o modo de organizao do ensino de matemtica
para os anos iniciais do Ensino Fundamental por meio de Situaes Desencadeadoras de
Aprendizagem (SDAs) e a apropriao dos nexos conceituais do Sistema de Numerao
Decimal (SND) por estudantes participantes do Clube de Matemtica (CluMat). O objetivo
investigar os indcios de apropriao de nexos conceituais do SND por estudantes do 4 ano
do Ensino Fundamental de uma escola pblica municipal de Goinia, com o desenvolvimento
de SDAs no CluMat. Adotam-se como base terica os pressupostos da Teoria Histrico-
Cultural, da Teoria da Atividade, do Ensino Desenvolvimental e da Atividade Orientadora de
Ensino, por acreditar-se que so orientadores de um processo de educao para a
humanizao e o desenvolvimento dos sujeitos e, nesse contexto, podem auxiliar na
compreenso dos processos de organizao de ensino como meio de superao do
encapsulamento da aprendizagem escolar. Para apreender o objeto de estudo, organizou-se
um experimento didtico no qual foram implementadas as SDAs do mdulo SND no CluMat
em uma escola pblica municipal de Goinia, com doze estudantes. Os relatos orais e escritos
dos estudantes participantes do experimento didtico subsidiaram a busca por respostas
pergunta de pesquisa, qual seja: Quais os indcios de que a organizao do ensino de
matemtica por meio de SDAs contriburam para a apropriao de nexos conceituais do SND
por estudantes participantes do CluMat? Para desvelar o fenmeno, realizou-se a anlise com
base no conceito de unidades proposto por Vigotski (2001). Deste modo, fez-se uso de trs
unidades, a saber: 1) as aes e reflexes coletivas no espao de aprendizagem; 2) a
ludicidade como caracterstica na organizao das situaes desencadeadoras de
aprendizagem e 3) os indcios de apropriao do conhecimento acerca do SND por meio de
SDAs. O movimento de anlise permitiu compreender que os elementos compartilhamento e
ludicidade, presentes no modo de organizao das SDAs do mdulo SND, mobilizaram os
estudantes ao estudo, discusso, reflexo, ao compartilhamento de dvidas e
conhecimentos e sntese coletiva das ideias. Esse processo ainda incentivou os estudantes a
desenvolverem, em cooperao com seus pares, estratgias, operaes e aes na busca pela
resoluo dos problemas, o que contribuiu para uma mudana qualitativa em suas aes. De
modo geral, inferimos que a forma de organizao e a dinamizao das SDAs contriburam
para que os estudantes participantes do CluMat atingissem um novo nvel de
desenvolvimento.
Palavras-chave: Educao Matemtica nos anos iniciais. Nexos Conceituais. Sistema de
Numerao Decimal. Clube de Matemtica. OBEDUC.
ABSTRACT
CARVALHO, Roslia Jos da Silva. Investigating the appropriation of Decimal Number
Systems conceptual nexus in the Mathematics Club. Masters Degree Dissertation
Postgraduate Program in Science and Mathematics Education Federal University of Gois,
Goinia city, Brasil, 2017.
The present research discusses the relationships between the mathematics teachings way of
organization for the early years of elementary school through the Learning Trigger Situations
(LTSs) and the appropriation of the Decimal Number Systems (DNS) conceptual nexus by
participating students of Mathematics Club (CluMat). The objective is to investigate the
clues of appropriation of DNS conceptual nexus by students in the 4th year of Elementary
School of a Municipal Public School in Goinia/GO (Brazil), by developing LTSs in
CluMat." The assumptions of Historical-Cultural Theory, Activity Theory, Developmental
Teaching and Teaching Guiding Activity are adopted as theoretical basis, believing they guide
the education process for the students humanization and development, and, in this context,
may help to understand the teachings organization processes as a way of overcoming the
"encapsulation of school learning". In order to understand the studys object, a didactic
experiment was organized in which Learning Trigger Situations (LTSs) of the SND module
in CluMat were implemented in a public school in Goinia, with twelve students. The oral
and written reports of participating students in the didactic experiment subsidized the search
for answers to the research question: "What are the indications that the mathematics teaching's
organization through LTSs contributed to the appropriation of DNS conceptual nexus by
participating students in CluMat "? To unveil the phenomenon, the analysis was performed
based on the concept of units proposed by Vigotski (2001). In this context, three units were
used: 1) the collective actions and reflections in the learning space; 2) the playfulness as a
characteristic in the organization of learning trigger situations and 3) the evidence of SNDs
knowledge appropriation through LTSs. The analysis movement made it possible to
understand that the elements 'sharing and playfulness', present in the LTSs organization
mode of SND module, mobilized students to the study, discussion, reflection and to doubts
and knowledge sharing and to the collective synthesis of ideas. This process also encouraged
students to develop, in cooperation with each other, strategies, operations and actions in the
search for problem solving, which contributed to a qualitative change in their actions. In
general, its possible to infer that LTSs organization and dynamization contributed to
CluMat students achieving a new level of development.
Keywords: Mathematics education in the initial years. Conceptual nexus. Decimal Numbering
System. Mathematics Club. OBEDUC.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Esquema de representao de uma ao mediada na relao homem-
mundo .......................................................................... .................................................................
30
Figura 2 Esquema de representao da atividade ...................................................................... 37
Figura 3 Esquema do desenvolvimento do psiquismo na criana...................................... 40
Figura 4 Zona de Desenvolvimento Iminente ............................................................................. 46
Figura 5 Relao entre atividade de ensino e atividade de aprendizagem..................... 60
Figura 6 Organizao das aes do PPOE/OBEDUC ncleo Goinia........................ 79
Figura 7 A organizao das aes dos membros do ncleo Goinia na elaborao
das SDAs......................................................................................................................................
81
Figura 8 Estudantes desenvolvendo uma atividade coletiva durante o CluMat ....... 88
Figura 9 Elementos constitutivos das SDAs mdulo SND.................................................... 108
Figura 10 Movimento de aes no desenvolvimento de uma SDA .................................... 115
Figura 11 Movimento das aes na perspectiva vygotskyana ............................................... 116
Figura 12 Estudo do movimento lgico-histrico do SND...................................................... 119
Figura 13 Tanteira e envelopes com pistas ...................................................................................... 134
Figura 14 Folha de registro da SDA Tanteira.................................................................................. 135
Figura 15 Orientaes sobre o perodo de maturao dos frutos ......................................... 136
Figura 16 Material usado no jogo Conquista de Territrios.................................................... 138
Figura 17 Folha de registro da SDA Conquista de Territrios............................................... 139
Figura 18 Pontuao e pedras coloridas ............................................................................................ 142
Figura 19 Folha de registro da SDA Junta Pedras........................................................................ 142
Figura 20 Sistema de numerao de Orizes...................................................................................... 143
Figura 21 Folha de instrues da SDA Caldeiro das Emoes............................................ 146
Figura 22 Escala Cuisenaire..................................................................................................................... 147
Figura 23 Caldeires coloridos............................................................................................................... 147
Figura 24 Folha de registro da SDA Caldeiro das Emoes................................................. 148
Figura 25 Material do jogo, boliche, tampinhas e caixas.......................................................... 150
Figura 26 Folha de registro da SDA Atividade Boliche ........................................................... 151
Figura 27 Smbolos impressos nas cartas do jogo e tabela de converso.......................... 154
Figura 28 Folha de registro da SDA Baralho dos Smbolos.................................................... 154
Figura 29 Blocos retangulares para formar a Torre Encantada.............................................. 158
Figura 30 Folha de registro da SDA Torre Encantada................................................................ 158
Figura 31 Estrutura de organizao da anlise de dados........................................................... 163
Figura 32 Unidade 1.................................................................................................................................... 168
Figura 33 Unidade 2..................................................................................................................................... 183
Figura 34 Unidade 3..................................................................................................................................... 199
Figura 35 Algarismos tirados por Cssio........................................................................................... 202
Figura 36 Cssio l vinte e trs.......................................................................................................... 202
Figura 37 Sistema de Numerao Floristo........................................................................................ 207
Figura 38 Pontuao agrupada do primeiro grupo........................................................................ 207
Figura 39 Representao de Vincius para o "amor" (flash).................................................... 211
Figura 40 Outros modos de compor a "esperana" na viso de Janaina............................ 212
Figura 41 Concluso de Vincius sobre a SDA Caldeiro das Emoes........................... 213
Figura 42 Concluso de Anita sobre a SDA Caldeiro das Emoes................................. 213
Figura 43 Tnia explicando a quantidade de estrelas no quadrado...................................... 218
Figura 44 Movimento de sntese da anlise dos dados............................................................... 222
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Os elementos da Atividade Orientadora de Ensino............................................. 64
Quadro 2 Os contedos e objetivos das SDAs mdulo SND ............................................. 120
Quadro 3 Organizao das aes no CluMat............................................................................... 128
Quadro 4 Dinmica de realizao dos encontros do CluMat............................................... 129
Quadro 5 Estrutura das atividades Teia da Cooperao e Tubaro.................................. 130
Quadro 6 Estrutura da atividade Tanteira...................................................................................... 133
Quadro 7 Pistas dos galhos da Tanteira.......................................................................................... 134
Quadro 8 Estrutura da atividade Conquista de Territrios.................................................... 137
Quadro 9 Estrutura de organizao da atividade Junta Pedras............................................ 141
Quadro 10 Estrutura da atividade Caldeiro das Emoes...................................................... 146
Quadro 11 Estrutura da Atividade Boliche...................................................................................... 150
Quadro 12 Pontos do Boliche................................................................................................................. 151
Quadro 13 Estrutura da atividade Baralho dos Smbolos......................................................... 153
Quadro 14 Estrutura da atividade a Torre Encantada................................................................. 157
Quadro 15 Sntese da Unidade 1........................................................................................................... 180
Quadro 16 Sntese da Unidade 2........................................................................................................... 196
Quadro 17 Sntese da Unidade 3........................................................................................................... 221
LISTA DE SIGLAS
AOE Atividade Orientadora de Ensino
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertaes
BNCC Base Nacional Curricular Comum
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CEFPE Centro de Formao de Profissionais da Educao
CEP/UFG Comit de tica em Pesquisa Universidade Federal de Gois
CluMat Clube de Matemtica
CNE Conselho Nacional de Educao
FAPEG Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Gois
FFCLRP/USP Faculdade de Filosofia, cincias e Letras de Ribeiro Preto da Universidade
de So Paulo
FEUSP Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo
FSP Funes Psicolgicas Superiores
GEPAPe Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Atividade Pedaggica
GEPEMat Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao Matemtica
IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
IES Instituio de Ensino Superior
IME/UFG Instituto de Matemtica e Estatstica da Universidade Federal de Gois
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
LEMAT/UFG Laboratrio de Matemtica da Universidade Federal de Gois
MEC Ministrio da Educao
MECM/UFG Mestrado em Educao em Cincias e Matemtica da Universidade Federal de
Gois
OBEDUC Observatrio da Educao
PCN Parmetros Curriculares Nacionais
PPGR/CE/UFSM Programa de Ps-graduao em Educao do Centro de Educao da
Universidade Federal de Santa Maria/RS
PPOE/OBEDUC Observatrio da Educao Educao Matemtica nos anos iniciais do
Ensino Fundamental: Princpios e Prticas da Organizao do Ensino
PPP Projeto Poltico Pedaggico
SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica
SDA Situao Desencadeadora de Aprendizagem
SME Secretaria Municipal de Educao
SND Sistema de Numerao Decimal
THC Teoria Histrico-Cultural
UEG Universidade Estadual de Gois
UFG Universidade Federal de Gois
UFSM/RS Universidade Federal de Santa Maria Rio Grande do Sul
ZDI Zona de Desenvolvimento Iminente
ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal
SUMRIO
PARA COMEO DE CONVERSA .................................................................................... ....... 17
1 A TEORIA HISTRICO-CULTURAL COMO BASE DO NOSSO
ESTUDO............................................................................................................................. ...........................
27
1.1 DESENVOLVIMENTO HUMANO, ENSINO E APRENDIZAGEM..................... 27
1.2 A ORGANIZAO DO ENSINO PARA O DESENVOLVIMENTO..................... 47
1.2.1 A atividade pedaggica estruturada a partir da AOE........................................................ 56
2 A ORGANIZAO DO ENSINO DE MATEMTICA NOS ANOS
INCIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL..............................................................................
66
2.1 OS PRINCPIOS QUE ORIENTAM O ENSINO DE MATEMTICA PARA
O ENSINO FUNDAMENTAL ......................................................................................................
66
2.2 A ORGANIZAO DO ENSINO DE MATEMTICA NA PERSPECTIVA
PPOE/OBEDUC ....................................................................................................................................
72
2.2.1 PPOE/OBEDUC ncleo Goinia................................................................................................... 77
2.3 O CLUBE DE MATEMTICA ........................................................................................................ 82
3 O CONTEDO DAS SDAS A PARTIR DA PERSPECTIVA LGICO-
HISTRICA........................................................................................ .......................................................
90
3.1 O SISTEMA DE NUMERAO DECIMAL: O CONTEDO DAS SDAS ........ 90
3.1.1 Afinal, de onde vm os nmeros?...................................................................................................... 93
3.2 AS CARACTERSTICAS DAS SDAS MDULO SND .................................................... 108
3.3 O CONTEDO DAS SDAS MDULO SND .......................................................................... 117
4 A PESQUISA EM MOVIMENTO .............................................................................................. 122
4.1 EM BUSCA DOS DADOS ................................................................................................................. 122
4.2 O EXPERIMENTO DIDTICO EM DESENVOLVIMENTO........................................ 127
5 O MOVIMENTO DE APREENSO DA REALIDADE.......................................... 161
5.1 O FENMENO EM MOVIMENTO ............................................................................................. 161
5.2 UNIDADE 1 AS AES E REFLEXES COLETIVAS NO ESPAO DE
APRENDIZAGEM ................................................................................................................................ ..
166
5.2.1 Episdio 1: Indcios de transformao das aes individuais em estratgias e
aes de cooperao entre os sujeitos .............................................................................................
168
5.3 UNIDADE 2 A LUDICIDADE COMO CARACTERSTICA NA
ORGANIZAO DAS SDAS .......................................................................................................... 181
5.3.1 Episdio 1: O movimento das aes dos estudantes mediante os recursos ldicos,
a histria virtual e o jogo .......................................................................................................................
183
5.3.2 Episdio 2: A ludicidade como instrumento de superao dos conflitos pessoais
na concretizao do CluMat ................................................................................................................
188
5.4 UNIDADE 3 OS INDCIOS DE APROPRIAO DO CONHECIMENTO
ACERCA DO SND POR MEIO DE SDAS ...............................................................................
197
5.4.1 Episdio: A organizao do ensino de matemtica por meio de SDAs: indcios de
um salto qualitativo no desenvolvimento de estudantes participantes do CluMat...
199
CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... .................... 223
REFRENCIAS ...................................................................................................................................... 227
APNDICES ................................................................................................................... .......................... 238
ANEXOS ........................................................................................................................ .............................. 242
17
PARA COMEO DE CONVERSA
A complexa rede que envolve o ensino e a aprendizagem no espao escolar tem sido
alvo de investigao no decorrer dos anos. Questionamentos mais frequentes esto ligados
forma como o conhecimento compartilhado, os motivos que geram o desenvolvimento da
aprendizagem nos educandos e a verificao da aprendizagem adquirida em intervalos de
tempo de estudo, por meio de algum instrumento de avaliao (BERNARDES, 2009).
Discutir o processo de ensino e de aprendizagem coloca em evidncia aspectos legais e
diretrizes educacionais, problemas relativos formao de professores, organizao do
ensino, os resultados do ensino para o desenvolvimento dos estudantes, entre outras questes.
No contexto da organizao do ensino e da aprendizagem matemtica, o fazer
pedaggico, consolidado nas aes e concepes de ensino daquele que organiza
intencionalmente os processos educativos, muitas vezes no atende s efetivas necessidades
de aprendizagem dos estudantes e pouco influencia no seu desenvolvimento, uma vez que o
que ensinado no tem relao com seus problemas e com sua realidade, tampouco o leva a
transformar sua vida, por meio de prticas conscientes, a partir da apropriao dos
conhecimentos adquiridos ao longo de sua jornada nas instituies de ensino (OLIVEIRA;
CEDRO, 2016).
Assim, ao considerarmos1 as mudanas econmicas, sociais, tecnolgicas, cientficas e
tantas outras, percebemos que as necessidades relativas aprendizagem, apresentadas pelos
estudantes, so diversificadas; entretanto, as diretrizes que orientam o ensino e a
aprendizagem, tanto no que diz respeito legislao quanto a outros documentos
orientadores do ensino no Brasil, como currculos e programas de ensino do sistema
educacional, h muito tempo no atendem s necessidades elementares de aprendizagem dos
alunos.
Ainda que nas escolas diversas aes pedaggico-metodolgicas sejam utilizadas com
o intuito de motivar os estudantes a aprenderem os vrios componentes curriculares expressos
nos planos de curso dos sistemas educacionais, essas aes, por vezes, esto pautadas no
ensino tradicional e mecanicista, que prioriza o saber fazer em detrimento da compreenso
e da apropriao dos conceitos.
1 Ao longo do trabalho, fao uso da conjugao verbal na primeira pessoa do singular para apresentar questes
que refletem posicionamentos ou experincias mais individuais, alternando com o uso da conjugao verbal na
primeira pessoa do plural, por entender que o movimento de pesquisa parte do olhar da pesquisadora e , ao
mesmo tempo, decorrente de um processo coletivo, razo pela qual o uso do verbo no impessoal como de
praxe acabaria, nessas situaes, por se distanciar do pretendido.
18
Esse tipo de educao que privilegia os processos empricos de ensino-aprendizagem
no se configura como uma educao humanizadora2, uma vez que priorizam a transmisso
de contedos a partir do treino e da repetio, em detrimento da formao de conhecimentos
cientficos que permitiro aos alunos o seu pleno desenvolvimento. Segundo Davydov (1987),
o ensino organizado a partir de processos empricos prepara as pessoas para o trabalho,
refora a formao de competncias e habilidades prticas e no contribui para a superao
dos conhecimentos espontneos e formao de conhecimentos cientficos.
O mercado de trabalho, em virtude do veloz avano tecnolgico, fomenta e justifica
este sistema de ensino imediatista e utilitarista, que visa adaptar as pessoas s situaes
emergenciais do sistema produtivo, no possibilitando aos sujeitos a apropriao de conceitos
que promovam seu desenvolvimento (SFORNI, 2004). Catanante e Arajo (2014) confirmam
que este modo de ensino se legitima nas exigncias do sistema produtivo e capitalista que visa
preparao dos indivduos para as demandas do mercado de trabalho. Deste modo, a
insuficincia de mo de obra qualificada cobrada do sistema educativo, todavia o papel da
educao formal no se restringe a preparar os sujeitos para o trabalho, mas em promover o
pleno desenvolvimento do estudante, conforme podemos observar no artigo 2 da Lei n
9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao nacional:
A educao, dever da famlia e do Estado, inspirada nos princpios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exerccio da cidadania e
sua qualificao para o trabalho (BRASIL, 1996).
Desta maneira, no podemos incorrer no equvoco de concordar e pressupor que ao
sistema educativo est atribuda, direta e exclusivamente, to somente a misso de preparar
mo de obra para o mercado de trabalho, pois o pleno desenvolvimento do educando no est
relacionado apenas ao desenvolvimento e aptido dos sujeitos para exercer a atividade
produtiva, mas tambm capacidade de, a partir de suas aquisies cognitivas: satisfazer suas
necessidades profissionais, sociais e individuais, sejam elas bsicas ou no, imediatas ou
permanentes; elaborar meios materiais e simblicos para solucionar situaes cotidianas, e
possibilitar o desenvolvimento. Nesse sentido, aprender implica a possibilidade de intervir no
meio social, de compreender-se como sujeito social, participante ativo de sua comunidade,
apto a tomar decises e preparado para os desafios diversos impostos pela vida (MOURA,
2007).
2 Entendemos por educao humanizadora o processo de ensino pautado na Teoria Histrico-Cultural, que
possibilita aos sujeitos a apropriao dos conhecimentos historicamente construdos. (OLIVEIRA; CEDRO,
2016, p. 75).
19
Nesse contexto, a aprendizagem de conceitos cientficos de diversas reas contribui
para o desenvolvimento humano, e, nesta perspectiva, o conhecimento matemtico, em
particular, apontado como uma rea importante na formao e no desenvolvimento dos
indivduos (SOUSA; PANOSSIAN; CEDRO, 2014).
Calha registrar que, quando nos referimos ao desenvolvimento, estamos partindo do
conceito apresentado por Leontiev (1978), para quem a necessidade humana de sobrevivncia
gera o motivo para o homem atuar no meio circundante e modific-lo; nesse movimento ele
modifica a si prprio e se desenvolve, cria instrumentos que facilitam sua existncia,
transformam suas aes concretas em expresses do pensamento. Esse processo que passa
pelo desenvolvimento da comunicao e, mais especificamente, da linguagem possibilita a
outros homens o acesso aos produtos elaborados histrica e culturalmente. Deste modo, o que
antes era assimilado pela observao ou pelo fazer junto, torna-se um conceito, materializado
nas vrias formas de comunicao social.
O desenvolvimento dos conceitos matemticos um exemplo de como o
conhecimento repassado de gerao em gerao supera as formas concretas de suas
representaes e caminha para uma construo simblica abstrata. Isso demonstra que o
desenvolver das vrias formas de conhecimento, inclusive os matemticos, no so frutos de
gnios que, de repente, num insight, o criaram. Diferente disto, a matemtica surgiu da
necessidade humana coletiva, evoluiu dos modelos materiais e dos instrumentos elaborados
pelo homem para facilitar sua relao com a natureza e com os outros homens; para controlar
as quantidades e o tempo e para estabelecer uma organizao contbil para sua vida em
comunidade (MOURA, 2007). No entendimento de Moura,
[a] matemtica um destes instrumentos que capacitam o homem para
satisfazer a necessidade de relacionar-se para resolver problemas, em que os
conhecimentos produzidos a partir dos problemas colocados pela relao
estabelecida entre os homens e com a natureza foram-se especificando em
determinados tipos de linguagem que se classificaram como sendo
matemtica (MOURA, 2007, p. 48).
No entanto, o ensino atualmente preponderante acerca dos conhecimentos
matemticos, alm de abarcar as limitaes citadas com relao aos sistemas de ensino, est
carregado de dogmas que apresentam a matemtica como algo difcil de aprender, ou que
pode ser compreendida somente por pessoas que j nasceram com talento e aptido para a
cincia dos nmeros (ATTIE, 2013).
Entendemos que algumas dificuldades de aprendizagem dos estudantes perpassam por
sua iniciao na vida escolar, pelo modo como o ensino organizado e apresentado de
20
forma abstrata, linear e sistematizada , negligenciando as estruturas lgicas e histricas de
formao dos conceitos matemticos. Para Attie (2013, p. 21) assumir os mtodos como
invariantes, historicamente tem sido a norma nas prticas pedaggicas, desconsiderando os
fatos de que os procedimentos empregados atualmente sofreram alterao ao longo da
histria. Segundo esse autor, a questo no desconsiderar o uso de mtodos e tcnicas no
ensino de matemtica, como, por exemplo, a utilizao de algoritmos; a crtica do autor acerca
dos procedimentos tcnicos e metdicos em relao ao ensino de conceitos matemticos
assenta-se na forma como a sua evoluo histrica no considerada nesses procedimentos.
Esse modelo de ensino privilegia, em geral, a percepo dos aspectos mais aparentes
do objeto sem atentar-se para a sua totalidade e estimula a memorizao e a reproduo de
infinitas tarefas, at que o estudante comprove que aprendeu porque sabe repetir como lhe
foi ensinado. Logo, o ensino de matemtica conforme est posto tambm no prioriza o
desenvolvimento pleno, mas o saber fazer.
As autoras Dias e Moretti, ao discorrerem sobre a organizao do ensino dos conceitos
matemticos a partir do movimento lgico-histrico, destacam a sua importncia. Para elas,
[r]econhecer esse movimento lgico-histrico de construo no linear do
conhecimento matemtico, que se contrape ao que por vezes apresentado
tradicionalmente no ensino, e conceb-lo como parte de seu trabalho na
organizao do ensino, entendemos ser o desafio do professor que ensina
matemtica. (DIAS; MORETTI, 2011, p. 11).
Com efeito, vivenciamos um sistema educativo disposto de forma tradicional que,
alm de omitir os elementos histricos e sociais que ocasionaram a formao dos conceitos
matemticos, no apresentam relaes com a vida dos estudantes e suas necessidades e no
lhes fornece os elementos necessrios para seu desenvolvimento cognitivo, o que ocasiona o
desinteresse pelo ensino oferecido pela escola e desmotiva o trabalho dos professores. Esse
modelo de ensino inviabiliza a apropriao do conhecimento e impe barreiras aos sujeitos
para agir e transformar sua vida, pois,
[o] acesso ao conhecimento matemtico sistematizado tem sido
imprescindvel para a prpria transformao da vida cotidiana. Alijar os
indivduos desse acesso alij-los das condies bsicas para o usufruto dos
avanos tecnolgicos que modificam a prpria estrutura da vida dessas
pessoas e que permitem o acesso aos demais produtos das objetivaes
humanas. Em outras palavras, o prprio conhecimento que cada indivduo
elabora para sua vida cotidiana no d conta de responder s necessidades de
sua prpria vida cotidiana. Esse indivduo precisa constantemente estar
reelaborando esse conhecimento porque as exigncias so cada vez mais
colocadas. Portanto, a prpria vida cotidiana necessita de interferncias do
no cotidiano (GIARDINETTO, 1999, p. 7).
21
Do mesmo modo que os modelos educacionais tm desvinculado o ensino de
matemtica das construes histricas e sociais do conhecimento, desvinculam tambm a
matemtica da vida dos estudantes, limitando o seu desenvolvimento medida que restringem
o ensino manipulao algortmica e ao estudo de regras operacionais (CEDRO, 2004, p.
25), tornando, para aqueles, a aprendizagem matemtica desnecessria, enfadonha e
repetitiva, sem relao com a sua vida, tampouco com suas necessidades de aprendizagem.
Essa dissociao entre o ensino escolar e a vida fora da escola foi classificada por Engestrom
(1998) como Encapsulamento da aprendizagem escolar.
Destarte, em virtude da insatisfao com a forma como o ensino est posto e
pensando em alternativas para a organizao do ensino de matemtica para os anos iniciais do
Ensino Fundamental que contribuam para o desenvolvimento cognitivo dos estudantes, para a
superao do encapsulamento da aprendizagem escolar que compreendi a necessidade de
uma anlise mais acurada sobre o tema e, para tanto, de uma busca por uma capacitao
profissional mais aprofundada. Compreendo, ainda, que minhas necessidades de
aprendizagem acerca da organizao do ensino de matemtica para o Ensino Fundamental
suscitaram em mim inquietaes que emergiram no processo de busca por aprimoramento,
que se converteram nos motivos desta pesquisa e culminaram nas aes e operaes
desenvolvidas em busca de nosso objeto, colocando-nos em atividade de estudo e pesquisa.
Desta forma, admito que o movimento desse estudo originou-se de uma crescente
preocupao com a organizao do ensino de Matemtica para os anos iniciais do Ensino
Fundamental, mais precisamente a partir do ano de 2010, quando me tornei professora efetiva
de matemtica na Rede Municipal de Ensino da cidade de Goinia. Embora com mais de dez
anos de experincia de sala de aula com o ensino de matemtica, eu ainda no havia
trabalhado com estudantes na faixa etria de seis a onze anos. Minha rotina de trabalho como
professora concentrava-se nos anos finais do Ensino Fundamental. Esse perodo de transio
gerou muitas angstias e inquietaes acerca da forma de organizar o ensino, quais os
contedos a serem trabalhados, os mtodos de avaliao, entre outras preocupaes.
Com muitas perguntas e nenhuma resposta, a sada foi procurar na Secretaria
Municipal de Educao de Goinia (SME) alguma orientao sobre como organizar as
prticas pedaggicas para essa faixa etria de ensino. Por indicao da SME, fui encaminhada
a um curso no Centro de Formao de Profissionais da Educao (CEFPE). De maro a
novembro de 2011, participei do curso Pr-letramento Matemtica Programa de formao
continuada dos professores dos anos Iniciais do Ensino Fundamental, ambiente no qual pude
constatar que a preocupao no era s minha: as salas de aula do CEFPE estavam cheias de
22
professoras, com as mesmas perguntas, as mesmas angstias. Assim como eu, procuravam
uma receitinha para organizar a aula de matemtica, uma lista com os contedos para cada
ano do ensino, algumas estratgias que chamassem a ateno dos alunos e, ainda, resolvessem
as questes de indisciplina.
Enquanto participava do curso, fui informada de um processo seletivo da Universidade
Federal de Gois (UFG) para o preenchimento de vagas disponibilizadas a professores da
Rede Municipal de Ensino de Goinia que se interessassem em participar de uma pesquisa no
mbito da organizao do ensino de matemtica para os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Deste modo, em setembro de 2011, aps passar pelo processo seletivo da UFG,
integrei o grupo de pesquisadores do projeto OBEDUC (PPOE/OBEDUC)3 ncleo Goinia
intitulado Educao matemtica nos anos iniciais do Ensino Fundamental: princpios e
prticas da organizao do ensino (MOURA et al., 2010)4, vinculado ao Programa
Observatrio da Educao (Programa OBEDUC)5 da Coordenao de Aperfeioamento de
Pessoal de Nvel Superior (CAPES).
Participar deste projeto foi um divisor de guas em minha postura enquanto
profissional da educao, uma vez que tive acesso a um novo olhar sobre o modo de
organizao do ensino pautado no estudo, na pesquisa e em aes de ensino a partir de uma
orientao terica consistente a Teoria Histrico-Cultural (THC), a Teoria da Atividade e a
Atividade Orientadora de Ensino (AOE), como premissas para uma educao humanizadora.
O envolvimento e a troca de experincias com os integrantes desse projeto permitiram
o movimento reflexivo acerca das aes realizadas e foram contribuindo para o movimento de
formao dos envolvidos, mobilizando aes mentais que me levaram a outras inquietaes.
Essas novas inquietaes desencadearam em mim a necessidade de aprofundar o estudo
acerca das contribuies das aes efetivadas no mbito do PPOE/OBEDUC.
Dentre as aes realizadas ao longo do projeto, a elaborao de Situaes
Desencadeadoras de Aprendizagem (SDAs) desenvolvidas no Clube de Matemtica (CluMat)
com os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental me chamou a ateno, de modo
especial, uma vez que o objetivo dessas aes era o de organizar o ensino de matemtica de
modo que ele pudesse contribuir para a apropriao do conhecimento, minha preocupao
precpua com o processo de ensino e aprendizagem de matemtica.
3 PPOE/OBEDUC (Observatrio da Educao Educao Matemtica nos anos iniciais do Ensino Fundamental:
princpios e Prticas da Organizao do Ensino) utilizaremos esta sigla, conforme Pozebon (2014), quando
nos referirmos especificamente a esse projeto (vide nota de rodap n 5). 4 Projeto submetido CAPES Edital 038/2010 proposto pela Universidade de So Paulo/Faculdade de
Educao (FEUSP) e Coordenado em Rede pelo Prof. Dr. Manoel Oriosvaldo de Moura FEUSP. 5 Programa OBEDUC utilizaremos este termo quando nos referirmos ao programa CAPES.
23
Destarte, nesta pesquisa de Mestrado so investigadas as possibilidades de apropriao
do conhecimento acerca dos nexos conceituais do Sistema de Numerao Decimal (SND)
matemtico por meio das SDAs elaboradas pelos integrantes do PPOE/OBEDUC,
dinamizadas no CluMat e implementadas na Escola Municipal Jardim Nova Esperana, onde
trabalho como professora efetiva de matemtica. Embora as referidas SDAs tenham sido
desenvolvidas com os estudantes no perodo de vigncia do projeto, permanecia a dvida
acerca das suas contribuies no sentido de possibilitar-lhes a apropriao dos conhecimentos
matemticos.
Neste contexto, surgiram as seguintes indagaes: estariam as SDAs centradas nos
conceitos do SND contribuindo para a sua apropriao dos nexos conceituais e promovendo
um salto qualitativo na aprendizagem do aluno? A proposta de organizao do ensino pautada
na THC e na AOE propiciaram o desenvolvimento de atividades de ensino e de aprendizagem
que indicam possibilidades de superao do encapsulamento da aprendizagem escolar?
Partindo dessas e de outras indagaes, o objetivo da pesquisa investigar os indcios
de apropriao de nexos conceituais do Sistema de Numerao Decimal por estudantes do 4
ano de uma escola pblica municipal de Goinia, com o desenvolvimento de SDAs no
CluMat. Analisaremos, por meio dos relatos orais e escritos dos participantes do CluMat, as
possveis evidncias de que estes se apropriaram de nexos conceituais do SND com a
contribuio das SDAs.
Compreendemos que o processo de pesquisa dentro do CluMat, ancorado na teoria que
sustenta esse estudo, proporcionar condies de analisar e compreender, a partir das
manifestaes orais e escritas dos alunos, se as aes de ensino organizadas pelos
participantes do PPOE/OBEDUC em relao ao MDULO SND6 converteram-se em aes
de aprendizagem pelos estudantes participantes do CluMat, contribuindo para a apropriao
dos conhecimentos matemticos expressos no mdulo, e, deste modo, responder pergunta de
pesquisa que mobilizou este estudo, qual seja: Quais os indcios de que a organizao do
ensino de matemtica por meio de SDAs contriburam para a apropriao de nexos
conceituais do SND por estudantes participantes do CluMat?
Nesse contexto, o objeto de estudo desta investigao reside na busca pela
compreenso das relaes entre o modo de organizao do ensino de matemtica para os anos
6 Todas as vezes que nos referimos ao MDULO SND, estamos nos reportando ao conjunto de SDAs
estruturadas a partir do movimento lgico-histrico e dos nexos conceituais do SND, elaborado por integrantes
do projeto PPOE/OBEDUC ncleo Goinia.
24
iniciais do Ensino Fundamental por meio de SDAs e a apropriao dos nexos conceituais do
SND por estudantes participantes do CluMat.
Na inteno de conhecer o que foi desvelado por pesquisas anteriores nossa, que
guardam relao com nosso objeto de estudo e se sustentam na perspectiva terica da THC e a
AOE, realizamos uma reviso bibliogrfica na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertaes (BDTD), em busca de trabalhos publicados e disponveis at o ms de outubro
de 2015.
Na primeira busca no banco de dados, utilizamos o termo Clube de Matemtica.
Foram encontrados 15 trabalhos, dos quais 11 compartilham o nosso referencial terico,
porm vinculados rea de pesquisa no mbito da formao de professores. Ainda fazendo
uso do mesmo termo, foram encontrados 3 trabalhos, fundamentados, porm, em outros
pressupostos tericos. E, por fim, encontramos 1 trabalho relacionado THC e AOE de
Oliveira, D. C. (2014) relacionado rea de pesquisa no mbito do ensino-aprendizagem.
Refinando a busca, procuramos por trabalhos que se relacionassem com o termo
Situao Desencadeadora de Aprendizagem. Foram encontrados quatro, dos quais dois so
concernentes linha de pesquisa de formao de professores e dois relacionados linha de
pesquisa que trata do processo de ensino-aprendizagem.
Entre essas duas pesquisas que tratam do ensino-aprendizagem, deparamo-nos com o
trabalho desenvolvido por Cavalcante (2015). Ela discorre acerca das Situaes Emergentes
do Cotidiano como uma das caractersticas da SDA, que, no seu estudo, so indicadas como
metodologia para permitir que crianas de quatro anos resolvam situaes-problemas e
desenvolvam noes matemticas. Pontuamos, no entanto, que esta pesquisa no trata
especificamente dos nexos conceituais do SND e no so dinamizadas no Clube de
Matemtica.
A segunda pesquisa de Oliveira, D. C. (2014), que tambm apareceu na busca com a
o termo Clube de Matemtica. Essa pesquisadora investigou os Indcios de apropriao
dos nexos conceituais da lgebra simblica por estudantes do Clube de Matemtica, levando
em considerao os relatos orais e escritos de alunos que participaram do CluMat,
desenvolvendo SDAs acerca do contedo de lgebra. Portanto, investigaes acerca de SDAs
que contemplem os nexos conceituais do SND dinamizadas no CluMat no foram
encontradas.
Vale ressaltar que a presente investigao se aproxima de Oliveira, D. C. (2014) no
sentido de que busca encontrar indcios de que as SDAs elaboradas no perodo de vigncia do
PPOE/OBEDUC podem contribuir para a apropriao do conhecimento matemtico,
25
diferindo-se, contudo, em relao aos contedos, uma vez que o presente estudo se concentra
nos indcios de apropriao centrados nos nexos conceituais do SND.
Diante disso, acreditamos que nossa pesquisa vai alm de promover a reflexo acerca
dos processos da organizao do ensino e da aprendizagem de matemtica e de fomentar o
debate sobre a forma linear, emprica e formalmente organizada que o ensino est posto. Ela
pode, ainda, contribuir para que aes diferenciadas no mbito da organizao do ensino
sejam pensadas, visando o desenvolvimento cognitivo dos alunos e a superao da
dissociao do conhecimento escolar e a vida.
A partir dessas consideraes, nos enveredamos na pesquisa e procuramos elementos
que nos possibilitasse desvelar o fenmeno, com o objetivo de alcanar o objetivo desta
investigao. Compartilhamos, assim, nos captulos que se seguem, os elementos
estruturantes do trabalho, embasados nos pressupostos tericos que sustentam a pesquisa e na
anlise dos dados produzidos no campo de investigao. Acreditamos que o movimento de
pesquisa permitir apontar ou no indcios de que as SDAs referentes aos conceitos do
SND, organizadas no mbito de pesquisa do PPOE/OBEDUC para o ensino de matemtica,
podem ou no contribuir para apropriao de conhecimento matemtico por estudantes do
Ensino Fundamental. No intuito de produzir os dados empricos deste estudo, organizou-se
um experimento didtico em que as SDAs relacionadas ao SND mais especificamente as
voltadas concepo de nmero natural foram desenvolvidas com alunos dos anos iniciais
do Ensino Fundamental.
Para tanto, estruturamos nossa pesquisa em cinco captulos, alm das consideraes
finais.
No primeiro captulo apresentamos os pressupostos tericos da THC e os elementos
concernentes formao e desenvolvimento humano; as concepes de educao e os
contributos da Teoria Psicolgica da Atividade do Ensino Desenvolvimental e da Organizao
do Ensino pautados na AOE.
No segundo captulo discorremos sobre a organizao do ensino de matemtica para
os anos iniciais do Ensino Fundamental, conforme os apontamentos do documento
Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), e a proposta de organizao de ensino do
PPOE/OBEDUC. Apresentamos, ainda neste captulo, as inter-relaes entre o
PPOE/OBEDUC e as SDAs; para isso apresentamos a estrutura legal e operacional do
Programa OBEDUC do ncleo Goinia, vinculado ao PPOE/OBEDUC, e o CluMat como
palco de desenvolvimento das SDAs.
26
No terceiro captulo apontamos questes relacionadas organizao do ensino de
matemtica, com nfase no movimento lgico-histrico de formao dos nexos conceituais,
elaborados a partir do estudo da sntese histrica do conceito que estrutura as SDA do mdulo
SND, e a inveno dos nmeros naturais (IFRAH, 2005), expondo, por fim, o modo de
organizao das SDAs.
No quarto captulo descrevemos o experimento didtico realizado enquanto percurso
metodolgico investigativo, utilizado com o propsito de apreenso do nosso objeto.
Apresentamos o movimento da pesquisa em busca dos dados necessrios anlise,
caracterizando os sujeitos das aes e descrevendo cada encontro do CluMat e o
desenvolvimento das SDAs.
No quinto captulo, procedemos anlise dos dados ancorados nos pressupostos
tericos que sustentam essa investigao, com base nos relatos orais e escritos dos estudantes
participantes do CluMat. Apresentamos trs unidades de anlise, que acreditamos oferecer as
condies necessrias para a compreenso do fenmeno investigado, tendo como pano de
fundo o materialismo histrico-dialtico.
As consideraes finais encerram a pesquisa, apontando, de modo sucinto, os
resultados obtidos e as ponderaes necessrias sua interpretao.
27
1 A TEORIA HISTRICO-CULTURAL (THC) COMO BASE DO NOSSO ESTUDO
O presente estudo est assentado na Teoria Histrico-Cultural, de Lev Semenovich
Vygotsky7 (1896-1934); na Teoria da Atividade, de Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-
1979) e, ainda, nas contribuies de Vasili Vasilievich Davydov (1930-1998) acerca do
Ensino Desenvolvimental. Esses trabalhos so os princpios norteadores da Atividade
Orientadora de Ensino (AOE), de Manoel Oriosvaldo de Moura (1996), na qual se
fundamentam as Situaes Desencadeadoras de Aprendizagem (SDAs), organizadas pelo
grupo PPOE/OBEDUC ncleo Goinia e so elementos constituintes de nossa pesquisa.
Nesse sentido, os pressupostos da THC so assumidos como fundamento desta
pesquisa, uma vez que acreditamos, conforme Vigotsky (2007), que no movimento de
formao humana e a partir do meio social que o homem se humaniza e se desenvolve. Neste
captulo so abordados os elementos tericos que fundamentam esta dissertao, que trata das
possveis contribuies de aes de ensino desenvolvidas no Clube de Matemtica (CluMat)
com as SDAs, que, de sua feita abordam nexos conceituais do Sistema de Numerao
Decimal e os indcios de sua contribuio na apropriao de conhecimentos por estudantes
participantes.
1.1 DESENVOLVIMENTO HUMANO, ENSINO E APRENDIZAGEM
Nossa concepo de desenvolvimento humano est assentada nos pressupostos da
Teoria Histrico-Cultural de Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934), Alexis Nikolaevich
Leontiev (1903-1979) e Alexander Romanovich Luria (1902-1977). Estes e outros autores
dedicaram-se aos estudos da psicologia histrico-cultural e contriburam, deste modo, com o
estudo do desenvolvimento humano, buscando superar a concepo tradicional de
desenvolvimento, at ento compreendido como um processo ligado maturao cerebral
ou orgnica, no levando em conta os fatores histricos, culturais e a interao social como
elementos que interferem no desenvolvimento (FACCI, 2004).
Desta feita, a Teoria Histrico-Cultural relaciona os processos de desenvolvimento
considerando a cultura e a interao social como elementos que influenciam na constituio
7 Em virtude das diferentes formas traduzidas do nome de Lev Semenovich Vygotsky nas obras consultadas,
ser utilizada a grafia Vygotsky (original) nas menes genricas ao autor (em que no haja referncia a obras);
nas situaes em que houver citaes a obras, a grafia do nome dar-se- conforme constante da ficha
catalogrfica.
28
das funes psicolgicas superiores (PIRES ZANETTI, 2015). Segundo esta concepo, a
essncia do desenvolvimento humano individual um processo que tem origem na interao
entre o homem biolgico e o meio social, em uma relao no direta entre sujeito-objeto,
sendo uma atividade humana essencialmente mediada por instrumentos8 materiais e
simblicos (CEDRO, 2004).
A atividade humana mencionada baseia-se nos pressupostos da Teoria Psicolgica da
Atividade de Leontiev (1978), em cuja perspectiva tal atividade assumida como tentativa de
satisfazer uma necessidade do sujeito por meio de aes ou grupos de aes coletivas em
busca de um objetivo. nesse movimento dinmico de interao com o outro que o homem
genrico se humaniza e se desenvolve, na juno do homem genrico biologicamente
constitudo com o homem histrico e cultural, socialmente humanizado.
Leontiev (1978), influenciado pelo marxismo, postula que o trabalho detm o papel
central no processo de humanizao, uma vez que seu carter intencional e dirigido a um
objeto que pode satisfazer a necessidade humana. Para este autor, o trabalho o elemento
que motiva o homem a agir e, por meio de suas aes, ele transforma a natureza e transforma
a si mesmo (atividade interna). Todo este processo se configura como um dos pressupostos
fundamentais da Teoria Histrico-Cultural.
Ao fazer a distino entre as aes individuais e coletivas, o mesmo autor coloca no
centro da atividade humana o desenvolvimento adquirido por meio da interao social. Com
efeito, segundo esse autor, aquela (atividade humana) o reflexo das relaes sociais e se
concretiza nas relaes humanas, no trabalho e na diviso das operaes e aes para atingir
um objetivo comum. Para Rigon, Asbahr e Moretti,
[u]m dos pressupostos fundamentais da teoria histrico cultural, advindo da
teoria marxista, o papel central do trabalho, atividade humana por
excelncia, no desenvolvimento humano. Nesta perspectiva o trabalho
aquilo que fundamentalmente humaniza e possibilita o desenvolvimento da
cultura (2010, p. 16).
Essa mesma ideia explicitada por Moura, Sforni e Arajo (2011, p. 41):
Embora o homem tambm busque na natureza a satisfao de suas
necessidades, diferencia-se do animal medida que deixa de agir
individualmente e de forma direta, imediata. Passando a faz-lo de forma
coletiva, utiliza instrumentos (meios exteriores) que potencializam sua ao
8 Os instrumentos so uma construo elaborada pelo homem para mediar o processo de apropriao da
realidade e transformar a natureza; os instrumentos materiais medeiam a atividade externa, os instrumentos
simblicos medeiam a atividade interna, psquica do homem (BERNARDES, 2010).
29
sobre o meio. Essa forma de agir para satisfazer necessidades denominada
trabalho, pois, alm de satisfazer suas necessidades, os homens produzem os
meios para isso.
Deste modo, compreendemos que nas relaes laborais e no envolvimento do
indivduo com outros humanos que se torna possvel a formao das estruturas mentais mais
elaboradas, uma vez que, por meio do trabalho, o homem constri intencionalmente os
instrumentos que sero agentes mediadores entre sua ao e a natureza, e, neste movimento,
alm de produzir os instrumentos, ele tambm produz conhecimentos acerca destes
instrumentos que so transmitidos socialmente (SFORNI, 2004). A criao de instrumentos
mediadores se assentou na necessidade do homem em lidar com a natureza para facilitar o seu
trabalho, conforme se observa em Facci (2004, p. 204):
A forma como o homem foi interagindo na sociedade e com a natureza
conduziu necessidade de criar mediadores os instrumentos e signos ,
cuja utilizao caracteriza o funcionamento dos processos psicolgicos
superiores. Por meio da mediao que essas funes se desenvolvem.
No entendimento da citada autora, o funcionamento de processos mentais mais
elaborados mobilizado e desenvolvido medida que (i) o homem vai se utilizando e se
apropriando dos instrumentos mediadores de suas aes e (ii) que vo ocorrendo, nas prticas
sociais, os processos de transmisso dos conhecimentos produzidos de uma gerao outra.
Conforme se v em Sforni (2004, p. 34), a apropriao dos conhecimentos acerca dos
mediadores ocorrem inicialmente, no compartilhamento das aes na prpria atividade, por
meio de seu uso e pela comunicao entre os usurios:
Diferentemente dos outros animais, o homem, alm de poder construir
intencionalmente os instrumentos, transmite socialmente suas funes. Cada
membro da espcie recebe do seu meio social um legado de
desenvolvimento histrico e cultural que est plasmado nos instrumentos
disponveis. Estes permitem novas aes sobre novos objetos e a criao de
novos instrumentos. Essa dinmica, somente verificada nos seres humanos,
faz com que o desenvolvimento das relaes do homem com a natureza seja
tambm o desenvolvimento de cada homem em particular e que, ao mesmo
tempo, a mediao do homem com o mundo seja cada vez mais complexa.
Desta maneira, a diferena fundamental entre o ser humano e os demais animais a
ao intencional e consciente do homem, que tem por objetivo no apenas garantir sua
existncia biolgica, mas, principalmente, sua existncia cultural (RIGON; ASBAHR;
MORETTI, 2010, p. 16). Segundo esses autores, o modo de ao do homem com vistas
manuteno de sua existncia fez com que este organizasse sua atividade de maneira
30
consciente e, por meio do trabalho, permitisse a reproduo e a transmisso a outros
indivduos dos processos de desenvolvimento formados no decorrer da evoluo de sua
espcie.
Esse movimento permitiu aos sujeitos a apropriao histrica e cultural do material j
produzido pelas geraes anteriores e, assim, a partir desta base, reproduzir, elaborar ou
(re)criar os meios e instrumentos que garantissem sua vida, diferentemente dos demais
animais, que apresentam uma atividade adaptativa ao meio (RIGON; ASBAHR; MORETTI,
2010).
Significa dizer que a aquisio do objeto por meio da ao humana no acontece de
forma linear e direta na relao sujeito-objeto, conforme postulava a psicologia experimental.
Os elementos mediadores vo configurar, conforme Vigotsky (2007), o suporte para o
desenvolvimento humano. Para este autor, esse processo tem origem na infncia e se
consolidam a partir de duas formas fundamentais de mediao: o uso de instrumentos e a fala
humana (VIGOTSKY, 2007, p. 42). Na figura 1, h um esquema representativo acerca da
ao de mediao por instrumentos postulada por Vygotsky.
Figura 1 Esquema de representao de uma ao mediada na relao homem-mundo
Fonte: adaptada de Cedro (2008).
Essa trade, segundo Cedro (2008), representa a relao no direta do sujeito rumo ao
objeto. Na figura, observa-se o vrtice de intermediao na relao homem-mundo os
instrumentos, que medeiam as aquisies sociais e, posteriormente, individuais na prtica
social. De acordo com Facci, a utilizao de mediadores amplia as possibilidades humanas
31
de transformar a natureza e, consequentemente, transformar a prpria conscincia humana
(FACCI, 2004, p. 205).
Moura, Sforni e Arajo explicam que os instrumentos materiais ou simblicos
inseridos na relao homem-mundo constituem um arranjo tipicamente humano, intencional e
planejado.
Tal artefato inexiste entre os demais animais. Por isso, afirma-se que as
aes humanas so mediadas. Nelas h planejamento, j que muitas delas
no satisfazem diretamente uma necessidade, so apenas meios para se
alcanar uma finalidade, isto , alm de mediadas, as aes humanas so
intencionais. A possibilidade de planejamento das aes e o uso adequado de
instrumentos mediadores envolvem a participao do sujeito em uma
atividade coletiva, na qual o sentido e o significado das aes so
partilhados. Ou seja, a ao humana mediada, intencional e tambm
coletiva (MOURA; SFORNI; ARAJO, 2011, p. 41).
Assim, a aquisio do conhecimento impresso nos instrumentos por conta de seu
significado social vai sendo internalizada pelos indivduos; o conhecimento, antes expresso na
atividade prtica, vai se desprendendo da necessidade manual e se corporificando nos objetos
e na linguagem9, cuja forma principal a fala, instrumento (elemento simblico geralmente
apropriado na infncia) de comunicao e um dos mediadores das aes compartilhadas nas
atividades humanas. A fala foi considerada por Vigotski (1998) como elemento essencial na
aprendizagem e na formao de conceitos. Para ele, a inteligncia prtica (relacionada ao uso
de instrumentos materiais) e o uso de signos10
(entre eles a linguagem) esto inter-
relacionados e atuam no desenvolvimento de novas formas de comportamento humano
(VIGOTSKY, 2007).
Por meio da linguagem, o homem explica a experincia acumulada e faz
generalizaes mediante a apropriao dos conceitos materializados na interao social. por
meio da linguagem que a organizao mental expressa a realidade do mundo circundante; ela
(a linguagem) um instrumento simblico do pensamento e se concretiza a partir das
generalizaes e abstraes conceituais (SFORNI, 2004). Facci igualmente pontua:
a partir da linguagem que se formam os complexos processos de regulao
das prprias aes do ser humano. No comeo a linguagem uma forma de
comunicao entre a criana e o adulto, mas gradualmente vai
transformando-se em uma forma de organizao da atividade psicolgica da
criana (FACCI, 2004, p. 211).
9 Dentre os instrumentos psicolgicos caraterizados por smbolos ou signos, Vygotsky dedicou maior ateno
linguagem, sendo esta um elemento de mediao entre a criana e o adulto como meio de comunicao e
colaborao e, posteriormente, como elemento de controle de sua prpria atividade (CEDRO, 2004). 10
Os signos, segundo Vigotsky (2007, p. 52), agem como instrumento da atividade psicolgica de maneira
anloga ao papel do instrumento no trabalho.
32
O pensamento manifesto em conceitos se exterioriza no somente pela linguagem, mas
por outros signos, como a escrita, o clculo, o desenho etc.; entretanto, a linguagem
convertida em signos (palavras) se configura como um smbolo mais amplamente utilizado
para materializar os conceitos formados no pensamento (FACCI, 2004).
Deste modo, para se chegar ao conceito, o pensamento organiza e desenvolve
processos mentais, mobilizando funes psquicas que conduzem formao do pensamento
terico. neste campo que atua a ao intencional do professor, uma vez que ele por meio
do ensino formalmente organizado e materializado, a princpio, na escola elabora situaes
que promovam, durante o processo de ensino-aprendizagem, a formao do pensamento
terico e a generalizao de conceitos de forma que permitam ao estudante aplic-las a
problemas especficos (LIBNEO; FREITAS, 2015).
O desenvolvimento humano, conforme concebe a THC, est assentado na transio do
homem genrico para o sujeito individual, ou seja, a formao de sua singularidade,
influenciada pelo meio social, a constituio da individualidade humana mediada pelo
conjunto dos bens produzidos historicamente (BERNARDES, 2010, p. 311). neste
contexto que o homem forma sua personalidade, sua individualidade, ou seja, o homem
humaniza-se na relao social pela apreenso do conhecimento.
A formao da individualidade do sujeito apresentada por Bernardes (2010) na
relao singular-particular-universal. Para a autora, o homem genrico (universal), dotado de
caractersticas naturais e biolgicas, se constitui humano (singular), com suas caractersticas
especficas e individuais, conforme vai atuando nas atividades coletivas sociais (particular).
Oliveira concebe a relao singular-particular-universal postulada por Bernardes da seguinte
forma:
Esta relao [...] objetivada pela participao ativa dos sujeitos em
situaes (particular) que permitam a ele constituir-se humano (singular) por
meio das inter-relaes com a generacidade humana (universal). Esta relao
singular-particular-universal configura-se na prpria realidade dos
indivduos, por meio da organizao de vivncias que possibilitem aos
sujeitos compreender o movimento lgico-histrico das geraes anteriores.
(OLIVEIRA, D. C., 2014, p. 23).
No nosso entendimento, no movimento de formao da individualidade que o sujeito
se apropria dos bens culturais, dos conhecimentos socialmente produzidos pelas geraes
anteriores, humaniza-se e se desenvolve durante todo o seu ciclo de vida, uma vez que a
produo humana dinmica.
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Diante do exposto, pode-se inferir que o ser humano no nasce pronto e apto ao
desenvolvimento, e que esse desenvolvimento no depende exclusivamente da maturao
biolgica dos sujeitos; antes, um processo que envolve o homem biolgico (dotado das
caractersticas de natureza fsica herdadas de sua espcie humana filognese), bem como a
sua interao com a histria e a cultura (sociognese), mediado por instrumentos na prtica
social que atuam durante o seu ciclo de vida e suas etapas de desenvolvimento (ontognese).
Esses trs aspectos contribuem para a formao das funes psicolgicas superiores do
homem, correspondentes ao seu desenvolvimento mental individual (OLIVEIRA, M. K.,
2010).
Deste modo, Facci postula que o desenvolvimento humano se estabelece na juno do
desenvolvimento orgnico com o desenvolvimento histrico-cultural: os planos animal e
humano unificam-se (FACCI, 2004, p. 204) e propiciam o desenvolvimento do psiquismo.
De acordo com essa autora, nesse movimento de apropriao da cultura que se formam os
diferentes modos de conduta, e a funo psquica modificada, promovendo novos nveis de
desenvolvimento. Ainda segundo Facci (2004), foi a interao do homem com a sociedade
que conduziu a criao e o uso dos instrumentos simblicos ou materiais.
Ao apresentar o processo de apropriao do conhecimento a partir da mediao com
os instrumentos simblicos e materiais, Sforni (2004) esclarece que tais instrumentos tm
funes reguladoras diferentes.
Os instrumentos materiais (externos) regulam as aes sobre os objetos, enquanto os
instrumentos simblicos (internos) so mediadores do psiquismo; quando combinados,
mobilizam os meios de apropriao primeiro material e depois mental promovendo um
movimento de transformao interna a partir da ao do homem com o meio externo.
Desta forma, a aquisio de instrumentos um dos mecanismos fundamentais de
desenvolvimento humano, visto que aqueles regulam o comportamento e a interao do
indivduo com o mundo material e com os outros indivduos. Segundo Moura, Sforni e Arajo
(2011, p. 43), a aquisio de instrumento consiste na apropriao das operaes fsicas ou
mentais que nele esto incorporadas por meio de uma atividade terico-prtica. Esse
processo est diretamente relacionado ao modo como o indivduo se desenvolve (ontognese)
e faz a passagem entre o no saber e o saber (micrognese) na prtica social.
De acordo com os estudos de Oliveira, M. K. (2010), a passagem entre o saber e o no
saber se denomina processos de aprendizado (2010, p. 57). A autora explica, baseada nos
estudos de Vygotsky, que o termo aprendizado mais abrangente porque envolve a
interao social, ponto fundamental da THC.
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Assim, na prtica social que os instrumentos mediadores da ao do homem so
transmitidos de gerao em gerao,
Quando um instrumento transmitido socialmente, transmitem-se com ele
signos e processos mentais que acompanharam a sua criao e uso, ou seja,
na interao entre as pessoas e na ao fsica e mental sobre o instrumento
carregado de signos, realiza-se o processo de internalizao. Inmeras so as
situaes em que se verifica como o ambiente cultural, mediante signos e
instrumentos, vai conferindo propriedade e pertinncia s aes individuais,
permitindo, nesse processo, o desenvolvimento de funes psicolgicas
superiores. (SFORNI, 2004, p. 35).
Dito de outro modo, de acordo com a Teoria Histrico-Cultural, as funes
psicolgicas superiores uma das linhas do processo geral de desenvolvimento humano
desenvolvem-se medida que o homem vai se apropriando dos bens culturais produzidos por
outros homens (FACCI, 2004). Outra linha so os processos elementares, que, para Facci, so
as bases para as formas superiores de conduta:
Toda forma superior de conduta est ancorada nos processos psicolgicos
elementares. Os processos psicolgicos elementares tais como reflexos,
reaes automticas, associaes simples, memria imediata etc. so
determinados fundamentalmente pelas peculiaridades biolgicas da psique;
j os processos psicolgicos superiores tais como a ateno voluntria,
memorizao ativa, pensamento abstrato, planejamento nascem durante o
processo de desenvolvimento cultural, representando uma forma de conduta
geneticamente mais complexa e superior (FACCI, 2004, p. 205).
Desta feita, compreende-se que o processo de desenvolvimento humano, conforme
aponta Facci, conecta as duas linhas principais: os processos psicolgicos elementares e as
funes psicolgicas superiores.
Conforme j acenado, os processos psicolgicos elementares da psique humana so
naturalmente desenvolvidos e se configuram como uma base para que o desenvolvimento
histrico e cultural, associado ao envolvimento dos sujeitos no meio social e as suas aes
com o mundo material, promovam o desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores
(FACCI, 2004). exatamente nessa relao frisa-se que o sujeito se apropria de
conhecimentos mais gerais, a partir das atividades coletivas, e os reelabora para suas
demandas individuais.
Gladcheff (2015), apoiada em Vygotsky, assinala que, nesse movimento de evoluo
dos processos elementares para processos psicolgicos superiores, as atividades coletivas, que
envolvem as operaes externas materiais rumo aquisio do objeto, se convertem em
35
atividade psquica interna possibilitando a transformao do contedo material em aquisies
psquicas, concretizando o processo de internalizao.
Com base em Vigotsky (2007), entende-se a internalizao, de sua feita, como um
processo que ocorre quando as representaes mentais (intrapsicolgicas) substituem os
objetos do plano material (interpsicolgicos), ou seja, quando o processo de internalizao
est concretizado, a manipulao material de objetos no mais necessria e as aes, agora,
tornam-se mentais, podendo ser planejadas, simuladas e adaptadas em um esquema que aqui
chamaremos de regulao. A internalizao das aes desenvolvidas pelo humano genrico
nas prticas sociais vo se concretizando no homem individual por meio das formaes de
suas estruturas mentais superiores, uma vez que
[...] o processo de internalizao consiste numa srie de transformaes. a)
uma operao que inicialmente representa uma atividade externa
reconstruda e comea a ocorrer internamente. de particular importncia
para o desenvolvimento dos processos mentais superiores a transformao da
atividade que utiliza signos, cuja histria e caractersticas so ilustradas pelo
desenvolvimento da inteligncia prtica, da ateno voluntria e da memria.
b) um processo interpessoal transformado num processo intrapessoal.
Todas as funes no desenvolvimento da criana aparecem duas vezes:
primeiro entre pessoas (interpsicolgica) e, depois, no interior da criana
(intrapsicolgica). (VIGOTSKY, 2007, p. 57-58).
De acordo com a Teoria da Atividade, o processo de internalizao interdependente
e resultante das relaes entre as atividades interna e externa desenvolvidas no meio social e
mediadas por instrumentos e, assim, no podem ser compreendidas se analisadas
isoladamente (LEONTIEV, 1978).
O conceito de mediao por instrumentos na atividade humana, cunhado por
Vygotsky, foi a base para Leontiev (1978) na elaborao da Teoria Psicolgica da
Aprendizagem, que inseriu o contexto social no conceito de atividade mediada. No
entendimento de Lopes,
[e]ssa teoria se embasa na ideia de que o homem sente necessidade de
estabelecer um contato ativo com o mundo exterior e, para conseguir
manter-se nele, precisa produzir meios de sobrevivncia. Sua atividade est
sempre direcionada a satisfazer suas necessidades, o que o leva a atuar e
influir no espao em que vive, transformando-o; porm, assim, tambm se
transforma. Por isso, a atividade do indivduo que determina o que ele ,
porque est vinculada ao nvel de desenvolvimento de seus meios e suas
formas de organizao (LOPES, 2009, p. 83).
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Cabe ressaltar que Leontiev, desta forma, apresentou avanos no conceito de atividade
mediada na relao homem-mundo quando postulou que a totalidade das aes
compartilhadas nas atividades humanas no contexto social so fundamentais para explicar a
ao individual do homem direcionada a um objeto. Ou seja, a atividade humana est
diretamente ligada satisfao de suas necessidades; para satisfaz-las, o homem atua no
meio exterior em conjunto com outros homens visando atingir um objetivo comum com aes
ora individuais, ora coletivas.
Nesse movimento, medida que algumas necessidades vo sendo satisfeitas, outras
vo surgindo em um nvel de exigncia mais complexo, sendo necessrias novas aes ou um
novo modo de ao com particularidades qualitativas (LOPES, 2009).
Entretanto, somente a necessidade no capaz de mobilizar sujeito. Com efeito, de
acordo com Leontiev, s a necessidade no estimula a atividade humana rumo ao objeto
material ou ideal. Para este autor a fora motriz da atividade compreende necessidades e
motivos, que so os processos psicologicamente caracterizados por aquilo a que o processo,
como um todo, se dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o
sujeito a executar esta atividade, isto , o motivo (LEONTIEV, 2006, p. 68). Assim, para que
o sujeito entre em atividade preciso que exista um motivo que o mobilize a executar uma ou
mais aes que o dirijam ao objeto material ou ideal que coincida com suas necessidades e as
satisfaam (LOPES, 2009).
Para Libneo,
[o] ciclo que vai de necessidades a objetos se consuma quando a necessidade
satisfeita, sendo que o objeto da necessidade ou motivo tanto material
quanto ideal. Para que estes objetivos sejam atingidos, so requeridas aes.
O objetivo precisa sempre estar de acordo com o motivo geral da atividade,
mas so as condies concretas da atividade que determinaro as operaes
vinculadas a cada ao (LIBNEO, 2004).
Nesse sentido, Leontiev (2006) esclarece que a atividade e sua relao com as
necessidades, motivos e aes so os fatores que realmente mobilizam o sujeito em direo ao
seu objeto. No entendimento do autor, no podemos chamar qualquer processo de atividade:
por esse termo designamos apenas aqueles processos que, realizando as relaes do homem
com o mundo, satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele (LEONTIEV,
2006, p. 86).
Em outras palavras, uma ao que no desencadeada por um motivo que coincida
com a necessidade no ser, de acordo com a perspectiva da Teoria Psicolgica da Atividade,
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uma atividade. Para se caracterizar uma atividade, a necessidade deve coincidir com o motivo
e, assim, estimular uma ao ou conjunto de aes em busca do objeto que a satisfaa.
Assim, a atividade determinada pelas necessidades e motivos, e o objetivo a ser
alcanado demandar aes especficas. Portanto, necessidades e motivos so a base de
preparao para as aes, que, por sua vez, sero executadas por meio de operaes11
e
culminaro ou no na satisfao da necessidade. No esquema (figura 2) a seguir, demonstra-se
o nosso entendimento acerca dos elementos constitutivos da atividade.
Figura 2 Esquema de representao da atividade
Fonte: elaborada pela autora (2017).
A relao entre os elementos da atividade caracterizada pela interdependncia entre
eles; em outros termos, os motivos esto atrelados a uma necessidade existente no sujeito da
ao, que, para alcanar seu objetivo e satisfazer sua necessidade iminente, caminha (atua) em
direo ao objeto de satisfao; para tanto, aes so desenvolvidas (LOPES, 2009). Assim, o
modo prtico de execuo da ao denominado de operaes. Leontiev (2006) esclarece a
relao entre aes e operaes por meio de um exemplo:
Por operaes, entendemos o modo de execuo de um ato. Uma operao
o contedo necessrio de qualquer ao, mas no idntica a ela. Uma
mesma ao pode ser efetuada por diferentes operaes e, inversamente,
numa mesma operao podem-se, s vezes, realizar diferentes aes: isso
ocorre porque uma operao depende das condies em que o alvo da ao
dado, enquanto uma ao determinada pelo alvo. Se tomarmos um
11
As formas de realizao da ao so denominadas de operaes. [...] Toda operao o resultado da
transformao da ao, de sua tecnificao[...] (LOPES, 2009, p. 90).
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exemplo muito simples, podemos esclarecer isto da seguinte maneira:
admitamos que eu tenha concebido o objetivo de decorar versos. Minha ao
consistir, ento, em uma ativa memorizao deles. Todavia, como farei
isso? Em um caso, por exemplo, se no momento eu estiver sentado em casa,
eu talvez prefira escrev-los; em outras condies eu recorrerei a repetio
dos versos para mim mesmo. Nos dois casos, a ao ser a memorizao,
mas os meios de execut-la, isto , as operaes de memorizao sero
diferentes (LONTIEV, 2006, p. 74).
A atividade, no decorrer do desenvolvimento humano, passa por etapas. Para Vigotsky
(2007), duas dessas etapas so muito relevantes por se referirem ao aprendizado, mais
especificamente ao das crianas.
A primeira etapa, denominada pr-escolar, ocorre no meio social familiar e com
pessoas mais prximas, sem a necessidade de se frequentar a escola (VIGOTSKY, 2007).
Trata-se de um perodo em que ocorre a aquisio de conceitos espontneos, assistemticos,
relacionados aquisio do material social externo do dia a dia, como os hbitos, as
habilidades, os costumes, as crenas etc.
A segunda etapa, denominada de aprendizagem escolar, acontece quando a criana
comea a frequentar a escola e a participar de um processo de aprendizagem que se
caracteriza pela organizao sistematizada, intencional e planejada da transmisso do
conhecimento. Nesse ambiente, o aprendizado escolar est voltado para a assimilao de
fundamentos do conhecimento cientfico12
(VIGOTSKY, 2007, p. 94), da a importncia da
aprendizagem escolar para a formao dos conceitos cientficos e o desenvolvimento
cognitivo dos sujeitos inseridos no processo de escolarizao.
Leontiev tambm entende que o desenvolvimento do psiquismo se divide em etapas
relacionadas s atividades desenvolvidas pelos sujeitos em cada estgio da vida: cada estgio
do desenvolvimento psquico caracteriza-se por uma relao explcita entre a criana e a
realidade principal naquele estgio e por um tipo preciso e dominante de atividade
(LEONTIEV, 2006, p. 64).
As atividades dominantes presentes em cada estgio do desenvolvimento so
nomeadas pelo autor de atividades principais e no esto necessariamente relacionadas aos
afazeres realizados com mais frequncia ou em que h mais tempo despendido. Para esse
autor, a atividade principal se modifica quando a criana passa de um estgio de
desenvolvimento a outro. Segundo Leontiev (2006), a atividade principal se caracteriza por
trs atributos principais, quais sejam:
1. aquela que faz surgir no seu interior outros tipos de atividades;
12
Os conceitos cientficos e espontneos sero abordados com mais profundidade na prxima seo.
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2. Por meio dela se organizam ou se formam os processos psquicos particulares;
3. a atividade da qual dependem, de forma ntima, as principais mudanas psicolgicas
evidenciadas na personalidade da criana em determinado perodo de seu
desenvolvimento. Deste modo, a atividade principal pressupe mudanas substanciais
nos processos psquicos e na personalidade da criana durante certo estgio de seu
desenvolvimento.
Destacam-se, ainda, os estgios de desenvolvimento elencados por Leontiev (1978):
A infncia pr-escolar, de 3 a 6 anos, quando o contato da criana restrito famlia e
a outras pessoas prximas; nesta fase a atividade dominante ou principal da criana
ldica e sua predominncia consiste em brincadeiras e jogos que, em muitos casos,
imitam as aes dos adultos.
O perodo escolar, de 6 a 11 anos, quando os horizontes sociais da criana so
ampliados pela sua insero na vida escolar e no convvio social fora do crculo
familiar; nesta etapa, so inseridas na sua atividade dominante atualmente consolidada
(o brincar) as atividades escolares, bem diferentes das obrigaes anteriormente
requeridas.
A adolescncia, a partir dos 11 anos, quando ocorre a insero da criana na vida
adulta; neste perodo que ocorre o desenvolvimento de atitudes crticas e a atividade
dominante se concentra na preparao para o trabalho (LOPES, 2009). Assim,
A mudana da atividade dominante acontece quando ocorrem contradies
entre o modo de vida j superado pela criana e suas potencialidades, ou
seja, medida que a criana cresce, tambm crescem suas capacidades e ela
percebe que tem condies de mudar o lugar que ocupa na sociedade. Assim,
sua atividade se reorganiza, levando passagem para outro estgio (LOPES,
2009, p. 86).
Convm esclarecer, portanto, que no qualquer atividade que garante ou promove o
desenvolvimento da criana, tampouco a mudana de lugar que ela ocupa; seu
desenvolvimento, por sua vez, depende de suas condies reais de vida (LEONTIEV, 2006,
p. 63). Citam-se, por exemplo, as atividades de estudo inseridas na vida das crianas aps a
sua entrada na escola. Estas atividades no garante