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Oscilações, bifurcações e caos
Nos exercícios da aula 8, investigamos alguns
comportamentos dinâmicos do modelo logístico discreto,
,111 ⎥⎦
⎤⎢⎣
⎡⎟⎠⎞
⎜⎝⎛ −+=+ K
NRNN ttt
para K = 10 e diferentes valores de R. Nosso estudo
empírico mostrou que, à medida que R crescia, o
comportamento de Nt ficava cada vez mais complicado.
Nesta aula, vamos tentar entender os tipos de
comportamento que acontecem com o modelo logístico
discreto em função do valor do parâmetro R.
Para começar, devemos notar que não é necessário, de
fato, considerar que valor K = 10 para analisarmos o
modelo. Essa constante apenas determina a capacidade de
carregamento, que varia de modelo para modelo, mas não
é ela que determina como o valor da população se
aproxima da capacidade de carregamento.
Então, para simplificar a análise, vamos usar unidades em
que o valor da capacidade de carregamento é 1. Por
exemplo, se a capacidade de carregamento for igual a
10000 organismos, podemos medir o tamanho da
população em múltiplos de 10000 organismos, de maneira
que Nt = 1 signifique, de fato, 10000 organismos. Nessas
unidades, o valor de K seria 1.
Como isso sempre pode ser feito, não há perda de
generalidade em considerarmos – como o protótipo de
todos os modelos logísticos discretos – um modelo em que
K = 1,
( )[ ].111 ttt NRNN −+=+ Isso nos permitirá concentrarmo-nos em como o valor do
parâmetro R afeta o comportamento do modelo.
O modelo logístico discreto com K = 1 possui dois valores
de equilíbrio,
.1 e 0 ** == NN
Antes de tudo, devemos determinar se esses pontos de
equilíbrio são localmente estáveis ou instáveis.
Aplicando a técnica de linearização ao ponto N* = 0,
chegamos à seguinte equação linear (obtenha essa equação
como exercício),
( ) tt nRn +=+ 11 . Portanto, o valor de constante de estiramento k neste caso
é,
.1 Rk += Como R é uma constante positiva, isso quer dizer que k
será sempre maior que 1. Portanto, o ponto de equilíbrio
N* = 0 é instável.
Vamos determinar agora o tipo de estabilidade do ponto
N* = 1. Substituindo as igualdades,
,1 e 1 11 ++ +=+= tttt nNnN
na equação do modelo logístico temos,
( ) ( )[ ]ttt nRnn −−++=+ + 11111 1 ( )( )ttt Rnnn −+=+ + 111 1
( )21 11 tttt nRnRnn −+−=+ + . Desprezando o termo quadrático em nt,
ttt nRnn +−=+ + 11 1
( ) .11 tt nRn −=+ Esta é a equação linearizada que determina o tipo de
estabilidade local do ponto de equilíbrio N* = 1.
Como o valor da constante de estiramento é,
,1 Rk −=
e R > 0, temos vários casos a considerar:
a) 0 < R ≤ 1
Neste caso, 0 ≤ k < 1. Segundo o estudo feito na aula
passada, quando o módulo de k é menor do que 1 e k é
positivo (como neste caso), o valor de equilíbrio é estável
e, para qualquer valor inicial N0 (diferente de 0 ou 1), a
população tenderá monotonicamente para N* = 1.
Exemplos ilustrando este caso estão dados no gráfico
abaixo, onde R = 0,2; 0,4; 0,6; 0,8 e 1.
Casos de equilíbrio estável com variação monotônica
0
Casos de equilíbrio estável com variação oscilatória 1
Já vimos na aula 7 que a constante R pode ser interpretada
como uma medida da taxa de crescimento da população
(taxa de natalidade menos taxa de mortalidade).
Neste caso, R é grande (maior que 1). Se R for
suficientemente grande, pode acontecer que uma
população que comece com um valor inicial qualquer N0
abaixo da capacidade de carregamento atinja, em um
único passo de tempo, um valor acima da capacidade de
carregamento. Porém, uma vez que a população ultrapassa
a capacidade de carregamento, ela começa a decrescer
rapidamente de maneira que, no próximo passo de tempo,
ela está de novo abaixo da capacidade de carregamento.
Então, ela novamente irá crescer a uma taxa grande e irá
ultrapassar a capacidade de carregamento mais uma vez.
Fazendo isso, a população voltará a sofrer uma redução
forte e irá para baixo da capacidade de carregamento uma
vez mais. É como se a população estivesse
supercompensando seus erros ao tentar atingir a
capacidade de carregamento a cada passo de tempo.
c) R > 2
Neste caso, k < −1. Portanto, como o módulo de k é maior
do que 1 e k é negativo, o valor de equilíbrio é instável e,
para qualquer valor inicial N0 próximo de N* = 1, os
valores subseqüentes de Nt se afastarão de N* de uma
maneira oscilatória.
Isso indica que ocorre uma mudança qualitativa radical no
comportamento de Nt quando o parâmetro R torna-se
maior do que 2. Neste caso, o modelo passa a ter dois
valores de equilíbrio instáveis e nenhum estável. Qual
seria o comportamento do tamanho da população a longo
prazo neste caso?
Podemos tentar determinar o comportamento de Nt
fazendo experimentos computacionais.
Os gráficos abaixo mostram alguns exemplos do que
acontece com a população quando R é ligeiramente maior
que 2 (os valores iniciais de N, tanto para esses casos
como para o subseqüentes, são iguais a 0,5).
Comportamento da população: R=2,1
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
0 20 40 60 80 1
t
N
00
Comportamento da população: R=2,3
0
0,2
0,4
0,6
0,8
1
1,2
1,4
0 20 40 60 80 1
t
N
00
Comportamento da população: R=2,43
00,20,40,6
0,81
1,21,4
0 20 40 60 80 1
t
N
00
O tamanho da população nunca se estabiliza em um único
valor. Ao contrário, ele fica oscilando permanentemente
entre dois valores, um acima de 1 e outro abaixo de 1.
Um padrão oscilatório que fica se repetindo
indefinidamente é chamado de ciclo. O período de um
ciclo é o tempo de duração de uma repetição.
Neste caso, o comportamento da população é um ciclo de
período 2, ou um ciclo 2.
Se aumentarmos um pouco mais o valor de R, veremos
uma outra mudança qualitativa no comportamento da
população. O ciclo 2 torna-se um ciclo 4. Isso está
exemplificado nos gráficos abaixo.
Comportamento da população: R=2,5
00,2
0,40,6
0,81
1,21,4
0 20 40 60 80 1
t
N
00
Comportamento da população: R=2,54
00,20,40,60,8
11,21,4
0 20 40 60 80 1
t
N
00
Se aumentarmos ainda mais o valor de R, o ciclo 4 torna-
se um ciclo 8. Veja o exemplo abaixo.
Comportamento da população: R=2,56
00,20,40,60,8
11,21,4
0 20 40 60 80 1
t
N
00
Para se convencer de que o ciclo mostrado acima é, de
fato, de período 8, faça você mesmo o gráfico no Excel e
olhe para os valores de Nt listados nas células.
Para R um pouquinho maior, o ciclo 8 torna-se um ciclo
16. Só que leva um tempo longo (transiente) até que o
padrão do ciclo 16 torne-se visível (mesmo
acompanhando os valores de Nt na tabela).
A figura abaixo mostra um exemplo de ciclo 16. Note que
o eixo do tempo começa em t = 482. Essa é, mais ou
menos, a duração do período transiente antes do sistema
se estabelecer no padrão de ciclo 16.
Comportamento da população: R=2,565
0,4
0,6
0,8
1
1,2
482 487 492 497 502 507 512
t
N
A figura abaixo, extraída da planilha do Excel usada para
montar o gráfico acima, ilustra o fato de que o caso em
questão é um ciclo 16.
Aumentando-se R ainda um pouco mais, o ciclo torna-se
um ciclo 32 e assim por diante.
O gráfico abaixo mostra um caso de ciclo 32. O trecho da
série temporal de Nt neste caso começa em t = 2068,
indicando que o transiente neste caso é bem mais longo do
que no caso anterior.
Comportamento da população: R=2,569
0,4
0,6
0,8
1
1,2
2068 2073 2078 2083 2088 2093 2098
t
N
Os valores de Nt retirados da tabela gerada pelo Excel
também estão mostrados a seguir, indicando que o padrão
de variação de Nt corresponde a um ciclo 32.
Uma conseqüência biológica dessa análise é a seguinte: é
possível que o tamanho de uma população possua
comportamento cíclico mesmo quando o ambiente não
muda.
Supondo que as hipóteses do modelo logístico são
corretas, para que uma população tenha comportamento
cíclico basta que ela tenha um valor suficientemente
grande para o parâmetro R.
Vimos que a equação de diferenças finitas para o modelo
logístico,
( )[ ],111 ttt NRNN −+=+ pode exibir vários tipos de comportamento
qualitativamente diferentes para diferentes valores do
parâmetro R.
A mudança de uma forma de comportamento qualitativo
para outra quando um parâmetro é mudado é chamada de
bifurcação.
Um dos principais objetivos dos matemáticos e demais
cientistas quando eles estudam uma equação de diferenças
finitas para um dado modelo é entender as bifurcações que
acontecem quando um parâmetro é alterado.
A equação de diferenças finitas para o modelo logístico (e
muitas outras equações para sistemas não-lineares)
apresenta uma seqüência de bifurcações nas quais o
período das oscilações dobra à medida que o parâmetro
muda um pouquinho.
Esse tipo de comportamento é chamado de bifurcação de
duplicação de período.
Uma maneira conveniente de visualizar esse tipo de
bifurcação é através de um diagrama de bifurcação
como o mostrado abaixo.
Para montar um diagrama de bifurcação como o da figura
acima, faça o seguinte:
1. Para cada valor de R no eixo horizontal, escolha um
valor de N0 e itere a equação do modelo por muitos
passos de tempo, para pular o comportamento
transiente. Na prática, isto quer dizer que você deve
iterar por tantos passos de tempo quanto puder e julgar
que sejam necessários.
2. Então, continue iterando por mais um bocado de passos
de tempo e salve os valores de Nt durante esses passos.
Depois, plote todos esses valores de Nt no gráfico,
acima do valor de R que foi usado. Isto vai indicar quais
são os valores assintóticos de Nt para aquele valor
particular de R.
Para ilustrar esse processo para o nosso modelo logístico
discreto, suponha que você comece com R = 1,4. Então,
independentemente do valor de N0, após vários passos de
iteração em que o tamanho da população oscila em torno
de Nt = 1, Nt atingirá exatamente o valor 1, que é o valor
de equilíbrio estável para este caso.
Para R = 1,5, esse processo resultará novamente em uma
convergência para Nt = 1.
O diagrama de bifurcação terá apenas uma reta horizontal
de abscissa igual a 1 até que o valor de R seja um
pouquinho maior do que 2.
A partir daí, o processo a repetição desse processo nos
dará uma oscilação de ciclo 2, de maneira que teremos que
plotar dois pontos para cada valor de R.
Um pouco depois, para R um pouco acima de 2,4, teremos
que plotar quatro pontos para cada valor de R. Depois,
teremos que plotar 8 pontos e assim por diante (a figura
abaixo ilustra o que acontece).
Uma análise do diagrama de bifurcação nos mostra que a
faixa de valores de R que permite um único valor estável
de N (um ciclo 1) é maior do que a faixa que permite dois
valores de N (ciclo 2). Já a faixa de valores de R que
permite um ciclo 2 é maior do que a faixa de valores de R
que permite um ciclo 4 (veja a figura acima).
Isso continua assim, com os intervalos de valores de R que
permitem duplicações de período ficando cada vez
menores, até que após um certo valor de R (≈ 2,570...),
não ocorrem mais bifurcações de dobra de período e um
novo tipo de comportamento emerge. A figura abaixo
ilustra um exemplo.
Comportamento da população: R=2,60
00,20,40,60,8
11,21,4
1000 1100 1200 1300 1400 1500 1600 1700 1800 1900 2000 2100
t
N
O nome que se dá a esse novo tipo de comportamento é
comportamento caótico.
A escolha do termo “caos” para descrever esse tipo de
comportamento talvez tenha sido um pouco infeliz, pois
ele passa a idéia de alguma coisa completamente aleatória
e confusa, o que não é, de fato, o que acontece.
Podemos definir um comportamento caótico como um
comportamento dinâmico aperiódico (não periódico),
limitado, gerado por um sistema determinístico e com uma
dependência fortemente sensível às condições iniciais.
Cada uma dessas propriedades de um comportamento
caótico tem uma definição matemática específica:
Aperiódico: significa que um dado valor de N nunca se
repete. Em princípio, isso pode ser observado
numericamente olhando-se para os valores listados na
planilha do Excel que gera uma série como a do gráfico
anterior ou para os valores medidos para uma população
real.
Na prática, porém, qualquer simulação ou medida
experimental tem uma precisão finita e, portanto, pode
acontecer que ocorram dois valores iguais em uma séria
caótica (devido ao arredondamento feito).
Limitado: significa que, ao longo das iterações
sucessivas, o estado do sistema permanece sempre dentro
de um intervalo finito e não se aproxima de ±∞ (observe o
gráfico anterior).
Determinístico: significa que a dinâmica do sistema é
governada por uma regra definida, sem componentes
aleatórios. No caso do modelo logístico discreto, o
comportamento caótico é gerado a partir da equação
Essa equação permite que se
determine, para qualquer valor de N
([ .111 ttt NRNN −+=+ )]
t dado, o valor
seguinte Nt+1.
Dependência fortemente sensível às condições iniciais
significa que dois pontos que estão inicialmente próximos
vão se separar bastante à medida que o tempo passa.
Esta é uma propriedade essencial do caos. Ela significa
que podemos prever o que acontecerá dentro de curtos
intervalos de tempo, mas que a previsão para longos
intervalos de tempo é impossível, pois nunca poderemos
saber exatamente o valor exato da condição inicial em um
caso realista (por causa do arredondamento feito no
processo de medida). Compare isso, por exemplo, com o
caso não caótico do modelo logístico discreto com um
ponto de equilíbrio estável. Neste último caso,
independentemente do valor inicial N0, a população
sempre vai para o mesmo ponto fixo N*.
Esta última propriedade do comportamento caótico é
essencial para se determinar se um sistema é, de fato,
caótico. Para mostrar que o modelo logístico discreto é
caótico para R > 2,570..., observe o gráfico abaixo, para R
= 2,8. Ele mostra duas populações modeladas pelo modelo
logístico com valores iniciais muito próximos um do
outro: o valor inicial de uma é N0 = 0,5 e o da outra é N0 =
0,499.
Forte sensibilidade à condição inicial R=2,8; N1_0=0,5 N2_0=0,499
0
0,20,4
0,6
0,8
11,2
1,4
-5 5 15 25 35 45 55
t
N
N1N2
Observe que as duas populações têm valores mais ou
menos iguais para os primeiros passos de simulação.
Porém, após algum tempo elas parecem estar se
comportando de maneiras completamente diferentes. Isso
é o que se quer dizer em teoria do caos por forte
sensibilidade às condições iniciais: dois sistemas que
diferem entre si por pequenas variações nos seus valores
iniciais acabam tendo valores bem diferentes no futuro.
É preciso alertá-los de que não é fazendo simulações
computacionais como essa que os matemáticos provam
que um modelo tem um comportamento caótico. Uma
simulação computacional apenas indica alguma coisa, mas
não prova nada.
Existem métodos matemáticos analíticos para se provar
que um modelo exibe, de fato, um comportamento
caótico. Esses métodos foram aplicados ao modelo
logístico discreto com R > 2,570... e mostraram que, de
fato, ele é caótico.
A possibilidade de que sistemas dinâmicos podem exibir
comportamento caótico já havia sido intuída pelo
matemático francês Henri Poincaré no Séc. XIX, mas o
conceito demorou quase um século para ganhar
reconhecimento pela comunidade científica.
Um dos primeiros a perceber a importância do caos e a
notar que ele implica em uma forte sensibilidade às
condições iniciais foi o meteorologista Edward N. Lorenz,
em 1963. Estudando simulações de modelos matemáticos
para a condição do tempo, ele observou que simulações
que partiam de condições iniciais quase idênticas
levavam, após algum tempo, a situações bastante distintas.
É de Lorenz a famosa ilustração do efeito borboleta para
demonstrar a natureza do caos: dado que uma diferença
muito pequena entre duas condições iniciais pode levar a
condições futuras muito diferentes, então o bater das asas
de uma borboleta em um lado do mundo poderia
representar a mudança de um tempo com céu limpo e
ensolarado para um furação do outro lado do mundo! Em
outras palavras, é impossível fazer previsão do tempo a
longo prazo.
O termo “caos” somente foi cunhado em 1975, por T.–Y.
Li e J. Yorke em um artigo em que analisavam o “mapa
quadrático”, uma das muitas variações do modelo
logístico, descrito pela equação ( )ttt xRxx −=+ 11 .
O artigo de Li e Yorke é muito pesado matematicamente e
não atraiu muito a atenção dos cientistas fora dos círculos
matemáticos. A real atenção dos cientistas, especialmente
dos biólogos, para o caos começou com um artigo de
Robert May em 1976, que chamou atenção para
aplicações do caos em biologia de populações.
May (ou melhor, Sir Robert May) é um físico teórico
australiano que passou a trabalhar com biologia de
populações no começo dos anos 1970 e atualmente é
professor do Departamento de Zoologia da Universidade
de Oxford. Em 1976, ele publicou um artigo contendo
uma revisão dos tipos de comportamento assintótico que
podem ocorrer no modelo logístico (equilíbrio estável,
ciclos periódicos e caos) ilustrando esses comportamentos
com exemplos reais tirados da biologia de populações.
O título do artigo era:
Simple Mathematical Models with Very Complicated
Dynamics,
ou
Modelos Matemáticos Simples com Dinâmica Muito
Complicada.
Você pode obter o artigo de May na Biblioteca. A
referência completa é: May, R.M., Nature, vol. 261, 459-
467, 1976. Você também pode conseguir o texto desse
artigo pela Internet.
A importância do trabalho de May para a biologia de
populações é a seguinte:
Estudos experimentais de campo ou com espécies de
laboratório sobre populações de animais em comunidades
isoladas indicam que tais populações podem apresentar
diferentes tipos de comportamento: crescer até atingir um
valor aproximadamente constante; flutuar em torno de
algum valor bem definido com periodicidade bastante
regular; ou flutuar sem apresentar um padrão
aparentemente identificável.
A origem desses vários tipos de comportamento sempre
foi um mistério. Até meados da década de 1970, havia
duas hipóteses básicas sobre a origem dos
comportamentos das populações:
1. Uma considerava que as flutuações populacionais
são causadas apenas pelas mudanças no meio-
ambiente, portanto devido a causas externas.
2. A outra considerava que as flutuações
populacionais são reguladas por efeitos que não
dependem primariamente do meio-ambiente, mas
da densidade da população, isto é, do número de
organismos vivendo em um dado espaço (uma
causa interna).
Os defensores da primeira hipótese consideravam natural
o aparecimento de flutuações no tamanho de uma
população, pois elas seriam meramente uma conseqüência
do efeito das mudanças no meio-ambiente.
Já os defensores da segunda hipótese não acreditavam que
uma população poderia se manter flutuando por longos
períodos. Segundo eles, os mecanismos internos,
dependentes da densidade no jargão dos biólogos
populacionais, teriam um papel regulatório que sempre
levariam uma população para um estado de equilíbrio.
Para os defensores da segunda hipótese, quando a
densidade de uma população fosse pequena ela tenderia a
crescer, mas quando ela fosse grande demais a população
tenderia a diminuir até se estabilizar em algum valor de
equilíbrio e lá permanecer. Ou seja, eles imaginavam que
o crescimento de uma população deveria se comportar
conforme uma curva sigmóide clássica, sem apresentar
flutuações significativas.
Tanto os defensores de uma hipótese como os da outra
dispunham de casos experimentais reais para sustentar
suas visões.
O trabalho de May mostrou que as duas hipóteses estão
parcialmente certas (ou parcialmente erradas).
Por um lado, os fatores ambientais não são os únicos que
podem causar flutuações no tamanho de uma população.
Mesmo fatores internos, dependentes da densidade,
podem causar oscilações.
Por outro lado, May mostrou que os defensores da
segunda hipótese não estavam olhando para todos os
comportamentos possíveis dependentes da densidade de
uma população.
Há uma rica variedade de comportamentos oscilatórios, e
mesmo caóticos, gerados por fatores internos, que estava
sendo deixada de lado por eles.
O trabalho de May iniciou uma verdadeira febre entre os
biólogos populacionais para se procurar comportamentos
oscilatórios e caóticos em populações de insetos de
laboratório.
Muitos comportamentos oscilatórios em populações
isoladas têm sido observados, mas a busca por
comportamentos caóticos tem sido mais difícil. O
problema é que não há muitos dados sobre séries
temporais populacionais longas o suficiente para se
verificar a existência de caos.
Mais recentemente, em 1997, R.F. Costantino, R.A.
Desharnais, J.M. Cushing e B. Dennis publicaram um
artigo anunciando a primeira descoberta inequívoca de
uma população real – uma população de laboratório do
besouro da farinha Tribolium – que exibe dinâmica
caótica. A modelagem dessa população, no entanto, não
pode ser feita com o modelo logístico simples aqui
discutido. É necessário um modelo de população
estruturada (para dar conta das fases de evolução larval,
pupal e adulta do Tribolium), como os que serão vistos
daqui a algumas aulas.
Embora tenhamos falado sobre comportamentos
dinâmicos oscilatórios e caos em dinâmica de populações,
existem muitas outras áreas da biologia onde esses tipos
de comportamento são estudado com o uso de métodos e
modelos similares aos discutidos aqui: genética,
epidemiologia, fisiologia e neurobiologia.
Como curiosidade, em 1978 Mitchel J. Feigenbaum
determinou numericamente os valores do parâmetro R que
determinam as bifurcações no modelo logístico. Os
valores são os seguintes:
• Para 2,0000 < R < 2,4495 existe um ciclo estável de
período 2.
• Para 2,4495 < R < 2,5441 existe um ciclo estável de
período 4.
• Para 2,5441 < R < 2,5644 existe um ciclo estável de
período 8.
• Para 2,5644 < R < 2,5688 existe um ciclo estável de
período 16.
• À medida que R se aproxima de 2,570, ocorrem ciclos
estáveis de período 2n, onde o período do ciclo vai
aumentando com a aproximação do valor R = 2,570.
• Para valores de R > 2,570, existem faixas estreitas de R
para as quais há soluções periódicas, assim como
comportamento aperiódicos.
Feigenbaum também conseguiu quantificar
matematicamente os tamanhos dos intervalos dos valores
de R para os quais existe um ciclo com um dado período.
Chamando de ∆n o intervalo de valores de R para o qual
existe um ciclo n, Feigenbaum conseguiu provar que a
razão entre dois intervalos sucessivos tende para um
número específico à medida que n aumenta,
K6692,4lim2
=∆∆
∞→n
n
n
A constante 4,6692... é chamada de número de
Feigenbaum. Esse número não aparece apenas na análise
do modelo logístico estudado aqui, mas em qualquer outro
modelo matemático ou sistema experimental em que haja
uma rota de dobra de período em direção ao caos.
Finalmente, à medida que R continua a crescer no
intervalo entre 2,570 e 3,000, o modelo logístico exibe
ciclos periódicos estáveis com outros períodos e
comportamentos caóticos. Para R > 3, o modelo apresenta
um rápido decaimento para zero. Veja o gráfico a seguir,
para R = 3,001.
Comportamento da população: R=3,001
00,20,40,60,8
11,21,4
0 5 10 15 20 25
t
N
Referências:
• May, R. M., Simple mathematical models with very complicated
dynamics. Nature, 261:459-467, 1976.
• May, R. M., When two and two do not make four: nonlinear
phenomena in ecology. Proceedings of the Royal Society of London B,
228:241-266, 1986.
• May, R. M. The chaotic rhythms of life.
http://members.fortunecity.com/templarser/rhythm.html.
• Glass, L. e Mackey, M. C., Dos Relógios ao Caos: os ritmos da vida.
Edusp, São Paulo, 1997. Capítulo 2.
• Costantino, R. F., Desharnais, R. A., Cushing, J. M. and Dennis, B.,
Chaotic dynamics in an insect population. Science, 275:389-391,
1997.
http://members.fortunecity.com/templarser/rhythm.html