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1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho discute a atuação do capital imobiliário na estruturação do espaço
urbano, analisando a produção de moradias para o segmento de média-baixa renda1 na
cidade de Belo Horizonte, nos anos noventa. O objetivo principal é entender como as
instâncias do mercado vêm interagindo com o Estado (via legislação urbanística) e com os
demais agentes que atuam na estruturação do espaço, em um contexto de mudanças de
paradigma que envolve o planejamento urbano2.
Dentre os debates sobre a cidade, “depois dos modernos” (ARANTES, 2000, p.11),
observa-se a inserção do conceito de gerenciamento ao planejamento urbano, tendo em
vista o contexto da reestruturação produtiva. Segundo este novo modelo, as cidades são
consideradas centros de gestão dos fluxos do capital, o que permite uma articulação entre o
local e o global3. Neste “novo planejamento urbano”, a cidade ideal, segundo seus
ideólogos e as agências internacionais é a cidade produtiva, competitiva, globalizada,
conectada a redes internacionais de cidades e negócios. O governo desta cidade concebida
e pensada como empresa se espelha no administrador desta última: produtividade,
competitividade, subordinação dos fins à lógica do mercado são elementos que dominam
nessa nova forma de se pensar o urbano, constituindo o que Harvey chamou de
empresariamento da gestão urbana (HARVEY, 1996).
Aparentemente, não haveria outra maneira de se pensar o futuro das cidades senão
inseridas numa rede global na qual imperaria uma nova dinâmica de relações baseada na
competição pela atração de investimentos, nos avançados sistemas de informação e
comunicação, na modernização da infra-estrutura, nas grandes operações urbanísticas, no
fortalecimento do setor de serviços e no poder do capital financeiro internacional que são
1 Considera-se segmento de média-baixa renda o setor da população com renda familiar entre cinco e quinzesalários mínimos.2 Por mudança de paradigma entendo a inserção de dois conceitos fundamentais ao planejamento:• o conceito de função social da propriedade, tido como fator intrínseco da transformação social e que
passa a direcionar atuações do planejamento. Dentre as discussões que tomam forma neste contexto,citam-se as novas estratégias de gestão urbana baseadas no chamado “planejamento participativo”.
• o conceito de empresariamento urbano, que seria uma visão da cidade como empresa produtiva,competitiva, globalizada, instaurando-se o chamado “planejamento estratégico”.
3 Sobre o paradigma e as estratégias de desenvolvimento das cidades e as relações entre o global e o local,ver COMPANS, R. 1999. O paradigma das global cities nas estratégias de desenvolvimento local. RevistaBrasileira de Estudos Urbanos e Regionais, n.1, Campinas: ANPUR. P.91-114.
2
supostamente empregados para dar vida nova às áreas urbanas degradas pela força do
mercado.
Do ponto de vista de um país em desenvolvimento como o Brasil, há algumas
considerações que não se pode deixar de mencionar quando se refere a esta forma de se
pensar o planejamento. Dada a dinâmica do processo de urbanização brasileiro, o
desenvolvimento urbano tem gerado um processo crescente de exclusão sócio-espacial.
Não se pode imaginar um governo de cidade que se limite basicamente a agenciar negócios
e atrair investimentos sem levar em conta os problemas urbanos e o aprofundamento das
desigualdades sociais que vão sendo reproduzidos nesse espaço de dominação. Não há
como falar em desenvolvimento sem abordar a necessidade de qualificação4 do espaço
urbano (via planejamento) que vem sendo amplamente discutida em função dos processos
de globalização e fragmentação.
À exclusão social tem correspondido também um processo de segregação territorial. Em
nossas cidades “salta aos olhos” a coexistência e persistência de formas diferenciadas de
ocupação do solo e produção do ambiente construído. A densidade de ocupação varia
substancialmente de uma área para outra, o mesmo acontecendo com o tipo de habitação e
com a distribuição sócio-espacial da população. Ou seja, pode-se observar situações que
compreendem desde a autoconstrução nos loteamentos de periferia, a criação de novas
áreas residenciais de luxo pela indústria imobiliária e o aumento de favelas, fatos que
ocorrem num processo de expansão urbana, em geral, com a participação do próprio
Estado. São marcantes também as diferenças nas relações sociais das populações que
ocupam diferentes áreas urbanas: o acesso ao emprego, aos serviços públicos, etc. varia
enormemente no interior de uma grande cidade brasileira.
Dentre os trabalhos que vêm buscando examinar os impactos de modelo de
desenvolvimento na estrutura urbana e social das grandes cidades, marcada por uma
dualização da estrutura social - desigualdade e segregação - há o trabalho organizado por
RIBEIRO (2000A). Trata-se de uma coletânea de textos de diversos autores - dentre eles,
Adauto Cardoso, Berenice Guimarães, João Gabriel Teixeira, Edmond Preteceille e Luiz
César Ribeiro - que procuram orientar suas reflexões na perspectiva de encontrar, na
4 Entende-se por “necessidade de qualificação do espaço urbano” a busca por um espaço tecnicamenteorganizado e socialmente mais justo.
3
análise das mudanças, novos paradigmas de ação que permitam pensar alternativas de
políticas que reafirmem os ideais de democracia e justiça social.
Enfim, a cidade apresenta uma grande variedade de situações para a população, gerando
diferentes formas de apropriação do espaço urbano e, consequentemente, produzindo uma
segregação sócio-espacial. De forma geral, a segregação social no espaço é resultante das
interrelações entre os agentes responsáveis pela estruturação urbana, sendo relevantes o
poder público (Estado) e o capital imobiliário (Mercado). Isso porque a forma como estes
agentes organizam a ocupação no e do espaço acaba por gerar desiguais oportunidades de
apropriação dos recursos urbanos pela população, que passa a se organizar segundo uma
hierarquia social decorrente desta inter-relação.
O Estado representa duas funções principais na cidade e no mercado de habitações em
particular, atuando como fornecedor dos meios de consumo coletivo (PRADILLA, 1977;
LOJKINE, 1981; CASTELLS, 1983) - e também dos meios de produção e circulação - ou
legislando sobre o uso do solo. O conjunto de leis que atuam no urbano é o meio de que se
vale o Estado para ordenar e controlar os espaços habitáveis. O capital imobiliário, por sua
vez, desenvolve o espaço urbano, organizando os investimentos privados - em especial a
produção de moradias - no ambiente construído. É da interação destes agentes que resulta a
cidade de hoje: segregada, hierarquizada, fragmentada.
O ponto de partida desta pesquisa é a análise das diferentes formas de ocupação ou
estruturação espacial urbana que ora se observa nas grandes cidades brasileiras, discutindo,
para o caso específico da cidade de Belo Horizonte, o papel dos mencionados agentes neste
processo, tendo como foco principal a produção de moradias para a classe de média-baixa
renda na década de noventa.
O Estado foi, desde o pós–guerra, o pressuposto da criação do moderno setor construtivo
habitacional, especialmente a partir de 1964, quando a dinâmica construtiva passa a contar
com um sistema de crédito regulado pelo Banco Nacional da Habitação (BNH). Passados
vários anos de intensa construção sustentada pelo Estado, as avaliações mostram que o
BNH não somente falhou em sua proposta de dar solução para os problemas habitacionais
dos segmentos de baixa renda da população urbana (AZEVEDO e ANDRADE, 1982;
p.129-131), como também contribuiu para a valorização excessiva da terra urbana - na
medida em que financiou fortemente a construção para os segmentos de alta renda da
4
população - contribuindo para o processo de expansão das periferias das grandes cidades
(MONTE-MÓR, 1980; p.34-35). Como resultado, pode-se dizer que após todos esses anos,
assiste-se ainda hoje a uma situação de crise habitacional nas grandes cidades brasileiras.
Além disso, como há alguns anos o processo de produção de moradias vem sendo
essencialmente orientado pela lógica do mercado, observa-se um processo de alargamento
do espaço privado em detrimento do espaço público urbano na produção de moradias.
A produção de moradias remete à produção do espaço urbano que está ligada diretamente à
ação do capital imobiliário. Os espaços produzidos segundo este capital são definidos por
uma estratégia empresarial que objetiva, obviamente, o lucro, e que vai determinando uma
lógica própria de parâmetros de intervenção, relocando pessoas e influindo no
direcionamento dos serviços e da infra-estrutura, segundo as variações do mercado e os
limites da legislação. Neste contexto, o trabalho proposto pretende analisar a estruturação
do espaço da cidade de Belo Horizonte através da atuação do mercado privado e dos novos
processos que vem ocorrendo: novas formas de produção de moradias, novas leis, novos
nichos de mercado, etc.
O objetivo principal da pesquisa é contribuir para o entendimento de novas formas de
produção do espaço urbano. Busca-se verificar o papel dos atuais “construtores urbanos”5
de moradias neste processo de produção. Para compreender a complexidade dos processos
que se entrelaçam na produção do espaço urbano busca-se entender como estes agentes –
“construtores urbanos” – interagem com os demais agentes (especialmente o Estado) e
instrumentos de gestão das cidades. Propõe-se analisar mais detidamente uma dessas
interações, aquela com a legislação urbana, o que irá exigir um estudo mais aprofundado
acerca do papel do Direito Urbanístico no controle do espaço urbano e na produção de
cidades socialmente mais justas. A hipótese explorada na pesquisa é que a Lei de
Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte (no. 7166/1996) pode estar
contribuindo simultaneamente para o processo de produção de um espaço urbano
socialmente mais justo e para orientar a atuação lucrativa e disciplinada de segmento do
setor privado na construção de moradias para a população de média-baixa renda.
5 Entende-se por “construtores urbanos”, neste contexto, os empreendedores imobiliários responsáveis pelaprodução e venda de moradia acabada, isto é, a moradia “pronta para morar” e que nela insere-se o valor daterra, do projeto e da construção. Envolve diferentes agentes como o próprio empreendedor/construtor, oproprietário da terra e o profissional de projetos. Ao longo da pesquisa utilizar-se-á também os termos:empreendedores imobiliários, incorporadores imobiliários, ou apenas capital imobiliário.
5
São muitos os trabalhos existentes sobre a questão da habitação. No Brasil, estes estudos,
segundo COSTA (1983, p.3), podem ser divididos em duas áreas de análise de acordo com
o agente responsável pela produção da habitação: a produção oficial e a autônoma. No
primeiro grupo concentram-se estudos sobre a política implementada pelo BNH,
destacando autores como AZEVEDO e ANDRADE (1982), BOLAFFI (1979),
VALLADARES (1980) dentre outros. No segundo grupo, os estudos seguem uma linha de
análise baseada nas formas de acesso à moradia pela classe popular principalmente,
destacando os trabalhos de MARICATO (1979, 2000), KOWARICK (1979), SMOLKA
(1983). Mais recentemente destaca-se a coletânea organizada por AZEVEDO e RIBEIRO
(1996), que enfoca a crise da moradia nas grandes cidades brasileiras. No caso de Belo
Horizonte, as pesquisas seguem a mesma linha, diferenciando-se quanto aos subtemas
tratados6. Dentre elas destacam-se, a seguir, algumas que seguem uma linha de raciocínio
semelhante à desenvolvida nesta dissertação.
GUIMARÃES (1991) trata, em sua tese de doutorado, da evolução da política de moradia
para o trabalhador em Belo Horizonte, analisando a dinâmica das relações estabelecidas
entre o poder público e a classe de trabalhadores no período entre 1893-1945. Este trabalho
retrata a formação e consolidação da nova cidade e da classe trabalhadora ao longo de
quase cinqüenta anos de história, chamando a atenção não só para os fatores que afetam o
crescimento da cidade, mas sobretudo, para mudanças na atuação do governo e da própria
classe de trabalhadores frente à questão da moradia. O período de estudo engloba desde a
construção da cidade, tratando da ausência de um lugar definido para alojar o operário
construtor, até a criação de uma política nacional de habitação instituída com a Fundação
da Casa Popular, momento em que pela primeira vez se atribui ao Estado a
responsabilidade de prover moradia.
O trabalho de DIAS (1987), mostra, através do desenvolvimento da cidade de Belo
Horizonte, a atuação do poder público voltada para o assentamento residencial das classes
mais favorecidas e o surgimento das favelas como forma de acesso à moradia para classes
de baixa renda. Contextualiza a cidade no final dos anos setenta - altos preços dos terrenos,
demanda crescente por novas áreas de loteamentos populares, grandes obras públicas - no
momento em que se assiste a experiências de melhorias em áreas faveladas com destaque
para o Programa de Desenvolvimento de Comunidades (PRODECOM) e o Programa de 6 Sobre algumas pesquisas existentes enfocando a cidade de Belo Horizonte ver AZEVEDO eGUIMARÃES, 1995.
6
Regularização e Urbanização de Favelas (PRÓ-FAVELA). Retrata a inter-relação entre
poder público e comunidade no processo. Nesta mesma linha, inserem-se também os
trabalhos de FERNANDES (1998) e NAVARRO (1993).
No que se refere ao estudo da interação entre legislação urbana e os processos de ocupação
do solo destacam-se os trabalhos de MATOS (1984) e MARES GUIA (1993). O primeiro
analisa a lei 2662/1976 de Belo Horizonte com base em dados sobre a evolução da
ocupação e expansão da cidade para além de seus limites. O trabalho procura caracterizar a
estrutura espacial urbana fruto da lei, que, ao contrário do que se pretendia, acabou por
favorecer a oferta de loteamentos para classe média em detrimento da popular, que
continuou ocorrendo em alguns municípios periféricos até o início dos anos oitenta. Já o
segundo trabalho analisa, através do estudo de caso do controle do parcelamento do solo na
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), as repercussões das iniciativas do poder
público sobre o processo de expansão e estruturação urbana nesta região nos anos setenta e
oitenta. É dado destaque à produção e disseminação de loteamentos populares e aos
mecanismos de intervenção sobre o controle do parcelamento e da expansão das cidades
que entram em cena a partir dos anos setenta, incluindo o processo de regularização de
loteamentos.
Ainda considerando a inter-relação entre agentes no processo de estruturação urbana e de
produção de moradias não se pode deixar de mencionar o estudo desenvolvido por COSTA
(1983) que analisa a produção do espaço de Belo Horizonte sob o ponto de vista dos
loteamentos populares, identificando o papel dos loteadores como agentes sociais
responsáveis pelo processo de expansão periférica e formação de alternativas de acesso à
habitação para as camadas de baixa renda7. Focaliza o estudo na década de setenta,
apresentando, anteriormente, uma revisão histórica da formação do espaço belorizontino.
Sua análise identifica a relação Estado-setor privado na conformação do espaço urbano, do
intenso processo de parcelamento do solo, destacando a qualidade e a localização dos
loteamentos, a dinâmica do mercado e a importância da legislação como mecanismo de
controle da atividade imobiliária, que reforça as diferenças espaciais do preço da terra. É
um trabalho importante, uma vez que retrata, através da produção de loteamentos, a
estratégia do capital imobiliário na produção e comercialização dos lotes, baseada na
localização (áreas periféricas onde a terra é mais barata), na ausência de infra-estrutura e
7 Considera-se camada de baixa renda aquela com renda familiar inferior a cinco salários mínimos.
7
de serviços urbanos e na inexistência de legislação. Estes elementos inter-relacionados,
somados às formas de financiamento, correspondiam à única forma de acesso à moradia
para os segmentos de baixa renda, até o final dos anos setenta.
Mais recentemente FREITAS (1996) desenvolveu um trabalho que discute as perspectivas
recentes do planejamento urbano contemporâneo, calcadas na necessidade de qualificação
do espaço urbano (LEFEBVRE, 1993). Segundo a autora, o “locus primordial” onde se
inicia tal processo de qualificação do espaço, refere-se “àquele onde se desenvolve a vida
cotidiana, ou seja, ao espaço das particularidades intra-urbanas, das interações imediatas,
da atribuição de valores de uso, da identificação, da subjetividade e da apropriação” (1996,
p.4). A contextualização teórica deste assunto permite despertar para uma abordagem mais
humanística do espaço através da interação entre planejamento e legislação num contexto
mais amplo de transformações que vem ocorrendo desde o início dos anos noventa. Neste
contexto, o trabalho analisa esse processo recente de transformação, especialmente no que
se refere à influência da necessidade de qualificação do espaço sobre o planejamento.
Fazendo uma análise específica para o Bairro Carlos Prates em Belo Horizonte, a autora
retrata como se deu o processo de formação e transformação deste bairro, analisando, sob o
prisma das legislações municipais, os processos de apropriação e de dominação do espaço
urbano. Ao estudar este microcontexto - escala de um bairro - a autora avalia como a
prática de planejamento tem incorporado as particularidades intra-urbanas, principalmente
após a elaboração do novo plano diretor pós Constituição Federal de 1988. No entanto, ao
mesmo tempo em que tendências gerais são evidenciadas, identifica-se como uma das
lacunas ainda não atendidas pelo planejamento o trato dos aspectos mais específicos e
particularizados, inerentes à diversidade urbana. Sendo assim, a autora aborda, ao final do
trabalho, exemplos da não consideração de especificidades intra-urbanas, carregadas de
valores de uso, pelo planejamento. Dessa forma, conclui que o espaço urbano associa-se
tanto a formas produtivas - processo de dominação que gera valores de troca - quanto não
produtivas - processo de apropriação que gera valores de uso - e, por isso, ambos devem
ser tratados pelo planejamento, no sentido de promover a qualificação do espaço urbano.
É neste contexto de análise das interações entre os diferentes agentes que atuam na
estruturação do espaço urbano, e na busca de um espaço urbano socialmente mais justo que
o trabalho aqui proposto se insere. Tratando da realidade belo-horizontina no que se refere
à produção de moradias, esta pesquisa apresenta também algumas especificidades, uma vez
que analisa a atuação de um segmento do capital imobiliário - os “construtores urbanos” - e
8
sua interação com a legislação urbana para o caso particular da produção da habitação para
o mercado de média-baixa renda da população, segmento que vem sendo pouco estudado.
Quanto à forma, o presente trabalho estrutura-se, a partir da introdução, em quatro
capítulos, além das Considerações Finais.
Para discutir o tema inicia-se a pesquisa (Capítulo 1) através da análise da questão urbana
no Brasil, enfocando mudanças na dinâmica de organização do espaço no contexto dos
anos noventa. O problema da habitação, o papel dos agentes no processo de produção do
espaço urbano e a questão da renda fundiária são alguns temas a serem desenvolvidos nesta
parte da dissertação. Busca-se compreender a questão da produção de moradias dentro do
processo mais amplo da dinâmica urbana, discutindo a organização do espaço e seu
desequilíbrio, gerado principalmente, pela distribuição desigual da renda no país
(CAMPOS FILHO, 1992; p.45) e acentuada por mecanismos próprios do processo de
produção, apropriação e consumo do espaço. À produção do espaço corresponde a ação e
inter-relação entre os diferentes agentes que atuam no processo, sendo que neste estudo
analisar-se-á o agente imobiliário (e dentro deste setor do capital, os “construtores”), sua
lógica de atuação, as formas como se apropria do espaço e as conseqüências de sua atuação
na configuração do espaço urbano. A interligação deste processo de ocupação do solo com
a ação do poder público tanto como fornecedor dos meios de consumo coletivo como
controlador da ocupação do espaço através da legislação encerra esta primeira parte da
pesquisa.
Posteriormente (Capítulo 2) será tratada a questão da interação entre planejamento e
Direito no Brasil, discutindo a evolução do primeiro e a inserção da dimensão jurídica no
tratamento da questão urbana. Neste contexto, pretende-se analisar como o Direito vem
sendo aplicado ao urbano, buscando-se entender de que forma as estratégias jurídico-
políticas de gestão poderiam contribuir para compatibilizar desenvolvimento com justiça
social. Parte-se da hipótese de que o Direito é uma doutrina que pode ser empregada para
resolver conflitos, principalmente ao inserir o conceito da função social da propriedade,
essencial para se pensar formas de equilíbrio entre o individual e o social no espaço
urbano. No entanto, não se sabe até que ponto este conceito8 vem sendo aplicado e a forma
8 O conceito da “função social da propriedade” surge no Brasil independente somente a partir da Constituiçãode 1934. No entanto, é somente a partir da Constituição de 1988 que este conceito passa a ser consideradoum elemento intrínseco da qualificação do espaço. Além disso, o princípio da “função social da propriedade”,
9
como ele vem sendo interpretado por aqueles que fazem a legislação, principalmente pós-
Constituição de 1988. Questionam-se os instrumentos que poderiam ser empregados para a
efetividade e cumprimento deste conceito e, por isso, devem ser analisadas ações mais
recentes no que diz respeito à interação com os demais agentes, para a análise da questão.
No Capítulo 3, tratar-se-á da atuação do capital imobiliário na cidade de Belo Horizonte,
iniciando o estudo com um rápido histórico até a década de setenta, quando são aprovadas
duas legislações que irão influenciar diretamente na atuação deste agente: a primeira Lei de
Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte de 1976, e a Lei Federal n.º 6766 de 1979, que
dispõe sobre o parcelamento do solo urbano. A partir destas leis será feito um estudo mais
detalhado das subsequentes legislações urbanas: a Lei de Uso e Ocupação do Solo de 1985
e a atual Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (LPOUS) de 1996. Pretende-se
analisar as principais mudanças ocorridas ao longo das três legislações municipais,
buscando verificar até que ponto a legislação atua como coibidora ou facilitadora da ação
do capital imobiliário e para quais segmentos de renda. Isto exigirá um estudo sobre os
parâmetros urbanísticos empregados em cada uma das legislações e suas mudanças no que
diz respeito à sua influência na produção de moradias. Mudanças na legislação urbana, ao
direcionarem investimentos do mercado imobiliário, podem contribuir para que certas
áreas sejam mais atrativas que outras. Objetiva-se, nesta parte do trabalho, verificar até que
ponto estas mudanças podem estar deslocando investimentos para outras áreas e ampliando
o acesso a boas condições de moradia a uma parcela maior da população. Posteriormente à
análise das leis, procurar-se-á descrever as tendências de ocupação do espaço urbano, e
verificar se tais tendências são ou não reforçadas pela legislação urbana atual. Tomando
como referência os processos imobiliários ocorridos em Belo Horizonte no final da década
de noventa, observam-se mudanças na sua dinâmica, tanto em termos da lógica de
localização dos empreendimentos mais rentáveis, quanto nas características desses
investimentos. Tais mudanças têm se caracterizado tanto pelo adensamento de áreas
urbanas em geral, com especial destaque para a vertente sul da cidade (em direção aos
municípios de Nova Lima, Brumadinho etc.) com a expansão de estruturas do tipo
“condomínios fechados”; quanto pelo interesse de empreendedores em investir em novos
“nichos” de mercado que ganharam poder de compra com a estabilização da moeda
brasileira (principalmente famílias com renda entre cinco e quinze salários mínimos) e que
a partir desta Constituição, passa a ser determinado pelo plano diretor, isto é, vincula-se o cumprimento dafunção social à legislação urbana.
10
até então não eram alvo de ofertas específicas pelo mercado imobiliário. Estas e outras
tendências serão melhor expostas no final do Capítulo 3 e serão baseadas, principalmente,
em entrevistas com pessoas envolvidas no assunto, considerando a falta de dados recentes.
No Capítulo 4 será desenvolvida a pesquisa empírica, tratando de um estudo de caso de
uma empresa de produção relevante no setor imobiliário e que direciona seu produto ao
atendimento de uma demanda específica do mercado. Trata-se da MRV Engenharia,
construtora especializada na produção de moradias para o segmento social de média-baixa
renda e que vem se destacando por seu sucesso empresarial, sendo responsável por mais de
50% da produção direcionada para aquele nicho de mercado9 em Belo Horizonte.
Pretende-se analisar empiricamente a atuação desta empresa na vigência das três
legislações urbanísticas municipais (por meio da análise de dados e mapeamento),
orientando-se pela pergunta colocada no capítulo anterior: para este segmento, a legislação
atual é facilitadora ou coibidora de sua atuação? Nesta parte da pesquisa será desenvolvido
um trabalho com mapas dos empreendimentos lançados pela empresa ao longo das três
legislações que contribuirão para analisar as principais mudanças ocorridas na atuação da
construtora e sua distribuição espacial, bem como os fatores que influenciaram para tais
mudanças, com destaque para a legislação. O estudo estará orientado principalmente pela
análise da legislação urbanística de Belo Horizonte de 1996, buscando-se verificar como
esta vem direcionando a ação imobiliária no espaço urbano, tendo como base a empresa
analisada. Com isso, busca-se verificar até que ponto o conceito de função social da
propriedade pode estar sendo aplicado na estruturação do espaço urbano: até que ponto a
atuação da empresa vem favorecendo a apropriação dos recursos urbanos (equipamentos e
serviços) de forma mais justa e igualitária pela população?
Ao final do trabalho (Considerações Finais) será feita uma análise geral da interação dos
agentes aqui discutidos - Capital imobiliário e Estado (via legislação urbana) - buscando
contribuir para o debate da hipótese levantada no início desta introdução.
9 Segundo matéria publicada no encarte “Imóveis” do Jornal Estado de Minas, edição Dezembro de 1999.Segundo um de seus diretores, a empresa, em 1998, chegou a produzir 75% para o mercado de média-baixarenda (faixa entre 5 e 15 salários mínimos) em Belo Horizonte.
11
1. A QUESTÃO URBANA NO BRASIL: UMA DISCUSSÃO
EM TORNO DA RELAÇÃO ENTRE MERCADO DE
TERRAS E PRODUÇÃO DE MORADIAS NA
ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO DAS CIDADES.
As intensas transformações na estrutura sócio-econômica brasileira resultaram em
expressivo crescimento urbano ao longo do século XX, redesenhando a ocupação no
território nacional e no contexto intra-urbano das cidades. A rápida concentração de
produção e de população nas áreas urbanas dos países em desenvolvimento (como o
Brasil) tem gerado grandes problemas dentre os quais podem ser citados:
dispersão/hiperconcentração, déficit habitacional, crescimento periférico, alto custo dos
equipamentos urbanos, etc. Segundo RIBEIRO (1982, p.31), acredita-se que as
imperfeições do mercado de terras seja o principal mecanismo gerador de tais problemas.
Esta questão será abordada mais adiante neste capítulo.
Inicia-se este estudo a partir do processo de urbanização no Brasil, discutindo, em seguida,
o processo de produção de moradias e sua relação com o mercado de terras na estruturação
do espaço urbano.
Entendendo a urbanização como um processo social que consiste no êxodo de indivíduos
do campo (atividade agropecuária) para a cidade (atividade industrial), pode-se considerar
que a consolidação deste processo, no Brasil, foi mais claramente definida a partir da
década de setenta, quando o fenômeno da urbanização da sociedade brasileira teria novas
características. Observa-se que, a partir dos anos cinqüenta, o êxodo rural-urbano se
intensifica tendo como causa tanto os problemas de expulsão quanto de atração, resultado
do rápido desenvolvimento da indústria e da intensificação das atividades ligadas ao setor
terciário10. A partir da década de setenta, pode-se considerar que a população brasileira já
havia se tornado urbana (cerca de 60% da população vivia em cidades). A partir desta
década, observa-se um crescimento da população na periferia dos grandes centros urbanos
bem como das áreas de favelas (em geral, áreas invadidas). Pode-se considerar que,
10 A este respeito ver SINGER, 1975.
12
paralelamente ao fenômeno da urbanização, intensificam-se os chamados problemas
urbanos, levando a um processo de exclusão social e a conseqüente segregação espacial.
De fato o modelo de desenvolvimento econômico urbano-industrial observado no Brasil se
mostrou concentrador e polarizador de atividades e de recursos, tendo o Estado
desempenhado papel decisivo nesse contexto. Ao concentrar atividades em determinadas
regiões como São Paulo e Rio de Janeiro, dentre outras, provoca-se uma enorme
concentração sócio-espacial (processo que na década de oitenta, já apresentaria mudanças)
acentuando os desequilíbrios sociais e os problemas urbanos, uma vez que aumentava a
demanda e a necessidade, dentre outros fatores, de opções de habitação, transporte público,
serviços de saneamento básico, educação, saúde e empregos. Além disso, a opção por um
rápido desenvolvimento industrial significou a concentração de capitais em alguns setores -
indústrias siderúrgicas, petroquímicas, hidrelétricas e infra-estrutura (estradas, aeroportos,
sistemas de comunicação, etc.) - em detrimento dos chamados setores sociais (CAMPOS
FILHO, 1992; p.46). A conseqüência deste processo de urbanização acelerado e
concentrado é óbvia: precárias condições de moradia, baixa qualidade de vida da
população, miséria social, exclusão e violência.
A partir dos anos oitenta observa-se uma mudança no padrão de urbanização brasileiro,
havendo queda de crescimento demográfico nas grandes cidades e aumento nas cidades de
porte médio. No entanto, mesmo observando-se mudanças no padrão de crescimento das
cidades brasileiras é fato que a evolução urbana no Brasil foi marcada por um
desenvolvimento desigual, no qual a ocupação do solo se caracteriza por uma regra básica:
quem tem mais poder, melhor se localiza em relação à oferta de serviços urbanos,
comércio e equipamentos de cultura e lazer. Em resumo: nas cidades brasileiras os
segmentos de alta renda tendem a se concentrar nas áreas melhor servidas de infra-
estrutura e serviços urbanos, que em geral coincidem com aquelas mais centrais, e os
estratos de baixa renda da população tendem a se concentrar na periferia dos centros
urbanos e/ou em favelas, onde o acesso àqueles serviços e à infra-estrutura é mais difícil.
Neste contexto, propõe-se, neste capítulo, discutir aspectos da questão urbana no Brasil,
buscando compreender o processo de produção de moradias dentro desta questão. O estudo
da produção da habitação na configuração do espaço urbano, considerada como o resultado
da ação de diferentes agentes neste processo, seus interesses e formas de atuação é
essencial para se compreender o processo de estruturação urbana.
13
FARRET (1985, p.83) considera que, na produção do espaço, interagem os seguintes
agentes no que se refere ao mercado do solo urbano: os empreendedores imobiliários, os
proprietários de terrenos e o Poder Público. Neste capítulo procura-se compreender como
estes agentes se interrelacionam e quais as implicações de suas ações na produção do
espaço urbano, com destaque para o papel do empreendedor imobiliário e do setor público,
identificando as relações de cooperação e de conflito que entre eles se estabelecem.
Procura-se verificar até que ponto a intervenção do Estado, via legislação urbana, é
necessária para resolver os impasses do desenvolvimento urbano brasileiro e promover a
justiça social.
Num primeiro momento, busca-se compreender a lógica de atuação do capital imobiliário
(responsável pela produção de moradias), a forma como ele controla a produção e a oferta
dos produtos (habitação) e organiza a ocupação do espaço, de modo a obter a máxima taxa
de lucro. A questão da geração e apropriação da renda fundiária e sua contribuição no
processo de produção do espaço também deve ser destacada. Isto porque, o que se tem
observado é uma incapacidade de o Estado intervir de maneira eficaz nos mecanismos de
valorização da terra. Daí a necessidade de aprofundar a discussão sobre a questão fundiária
e sua relação com o Estado (poder público), responsável tanto pela organização e gerência
dos meios de consumo coletivo como pela regulação do uso e da ocupação do solo. O
estudo baseia-se na recusa do modelo de equilíbrio baseado na lei da oferta e da procura
como fonte de entendimento da questão fundiária e dos conflitos de uso e ocupação do solo
urbano. Neste sentido, a análise do processo de produção de moradias e das relações entre
os agentes que atuam no processo é de suma importância para este trabalho. Na parte final
deste capítulo busca-se verificar a importância da legislação, instrumento de que se vale o
Estado na tentativa de controlar a atuação do capital imobiliário bem como a especulação
e, ao mesmo tempo, promover formas mais justas de apropriação do espaço e melhorar a
qualidade de vida da população.
1.1. A QUESTÃO URBANA NO BRASIL – O PROCESSO GERAL
O processo de urbanização no Brasil insere-se em um contexto mais amplo de
transformações da sociedade, e se apresenta diretamente ligado ao próprio processo
histórico de desenvolvimento do país.
14
Até os anos trinta, observa-se um claro “predomínio do campo sobre a cidade”
(OLIVEIRA, 1977; p.69), estando a estrutura territorial voltada para os interesses de
comercialização, ligados aos ciclos produtivos de monoculturas: primeiramente o açúcar,
depois o algodão e posteriormente o café. A partir dos anos quarenta e cinqüenta, a
economia industrial incipiente já anunciava novas características de organização na
estrutura do território nacional, impondo novos padrões de urbanização, através da
integração econômica, intercâmbio entre as regiões e o desenvolvimento do mercado
nacional, fatores que exigiam a articulação interna do país. Isto propiciou a expansão de
vias de transporte para interligação dos diferentes mercados, o que levou à expansão da
rede urbana em todo país. O período de expansão da rede urbana foi marcado pela
implantação da indústria, em especial as siderúrgicas e petroquímicas, “ampliando o
mercado de trabalho e caracterizando a passagem para uma sociedade urbano-industrial”
(BAENINGER, 1992; p.14).
No entanto, deve-se ressaltar que, até 1960, apenas Rio de Janeiro e São Paulo possuíam
mais de um milhão de habitantes (cerca de 1/3 da população do país), passando para mais
de cinco milhões em 1970 (SANTOS, 1993). Desta forma, pode-se destacar que o processo
de urbanização no país não atingiu todas as regiões de forma homogênea11. Segundo
BAENINGER (1992, p.16), em 1960, quando a média nacional era de 45% da população
morando em áreas urbanas, a região Sudeste registrava 50%; em 1980, quando a população
brasileira residente em áreas urbanas era de pouco mais de 50% em todas as grandes
regiões, no Sudeste este percentual já era de 80%.
Até os anos setenta observa-se que o processo de urbanização brasileiro esteve
condicionado a certas vertentes, devendo destacar: o progressivo esvaziamento do campo e
conseqüente crescimento das áreas urbanas; o deslocamento populacional para outras áreas
de fronteiras agrícolas e o fenômeno da metropolização. Neste sentido, SANTOS (1993,
p.69) afirma:
“a partir dos anos 70, o processo de urbanização alcança novo patamar
(...). Desde a revolução urbana brasileira, consecutiva à revolução
demográfica dos anos 50, tivemos primeiro, uma urbanização aglomerada
com o aumento do número – e da população respectiva – dos núcleos com
11 Sobre o processo de urbanização no Brasil, ver FARIA (1983). Neste artigo o autor faz uma análiseexaustiva de dados estatísticos para caracterizar o crescimento urbano brasileiro e avaliar o processo deurbanização.
15
mais de 20.000 habitantes e, em seguida, uma urbanização concentrada com
a multiplicação de cidades de tamanho intermédio, para alcançarmos,
depois, o estágio de metropolização”.
Segundo o autor, este movimento define-se em quatro momentos: o primeiro, caracterizado
por um Brasil urbano disperso, com densidade rarefeita, ausência de comunicação entre as
metrópoles; o segundo, marcado pelos esforços para se promover a integração e formar um
único mercado; o terceiro, é quando este mercado único se forma e se consolida; e por fim,
o quarto momento é caracterizado pela crise deste mercado que se fragmenta,
“macrorregionalizando-se” interna e externamente em função do fenômeno da
globalização mundial recente.
A partir dos anos oitenta ocorrem mudanças significativas no padrão de concentração
urbana no Brasil: ao lado do fenômeno da metropolização, acontecia um marcante
processo de periferização da população metropolitana. Este processo é evidenciado quando
se observa que, embora os municípios-sede das regiões metropolitanas apresentassem
decréscimo nas taxas de crescimento populacional, a área metropolitana continuava
exibindo taxas elevadas e superiores às de seu núcleo (TAB. 1).
Tabela 1TAXAS DE CRESCIMENTO POPULACIONAL – NÚCLEO E PERIFERIA
REGIÕES METROPOLITANAS1970/80 E 1980/91
NÚCLEO MUNICÍPIOS PERIFÉRICOSREGIÕESMETROPOLITANAS 1970/80 1980/91 1970/80 1980/91
Belém 3,95 2,67 11,29 2,67Fortaleza 4,29 2,73 4,30 6,35Recife 1,27 0,66 4,56 2,89Salvador 4,07 2,90 6,49 4,20Belo Horizonte 3,73 1,28 7,43 4,97São Paulo 3,67 1,00 6,34 3,08Curitiba 5,35 2,11 6,95 4,65Porto Alegre 2,43 1,05 5,53 3,83
Fonte: IBGE / DPE / DEPOP, Censo Demográfico de 1991, resultados preliminares. Cf. BAENINGER (1992, p.22).
No caso de Belo Horizonte, o núcleo, nos dois períodos considerados, apresentou menor
crescimento que os demais municípios periféricos. COSTA (1983) comprova este processo
de periferização relativo à Região Metropolitana de Belo Horizonte quando analisa,
especificamente, o crescimento do município de Ribeirão das Neves até a década de
16
oitenta. A autora analisa a produção do espaço da RMBH sob o ponto de vista dos
loteamentos populares, identificando o papel dos loteadores como agentes sociais
responsáveis pelo processo de expansão periférica e formação de alternativas de acesso à
habitação para as camadas de baixa renda.
Além deste processo de periferização, intensifica-se também, a partir dos anos oitenta, o
fenômeno de favelização, aumentando significativamente o número de pessoas residentes
em favelas. Em geral, pode-se caracterizar o padrão de ocupação das cidades e
aglomerados urbanos brasileiros, neste período, da seguinte forma: grande número de lotes
vazios e áreas subutilizadas, partes da cidade superadensadas por arranha-céus e favelas;
crescimento horizontal excessivo da mancha urbana e alta demanda por implantação de
infra-estrutura. A impossibilidade de acesso à terra e à moradia urbanas pelos mecanismos
de mercado, por parte da população de mais baixa renda12 acabou por gerar a formação de
aglomerações populacionais que têm na ilegalidade a alternativa para os assentamentos
humanos. Tais problemas são mais visíveis e intensos nas grandes cidades, uma vez que é
maior a aglomeração de pessoas e a diversidade social.
A concentração de renda em poucas parcelas da população contribuiu para o agravamento
do processo acima exposto. A expansão horizontal das cidades nas últimas décadas
significava a principal forma de acesso à moradia para as famílias de mais baixa renda. O
deslocamento para longas distâncias do município-sede das regiões metropolitanas
provocou a proliferação de loteamentos clandestinos e/ou irregulares, conjuntos
habitacionais, cortiços e favelas, em geral caracterizados por baixos índices de
habitabilidade.
De modo geral, o processo de urbanização e a rápida transformação do espaço urbano no
Brasil, no período compreendido pelas três últimas décadas do século XX, induz a
questionamentos quanto a questão da segregação espacial que ora se observa na estrutura
intra-urbana das grandes cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte, objeto de nosso
estudo particular. Neste contexto, refletir sobre a dinâmica de ocupação do solo nas
cidades brasileiras, bem como a interação dos diferentes agentes que atuam na produção do
espaço urbano é fundamental para o entendimento dos aspectos relacionados à atuação dos
incorporadores imobiliários, às precariedades sócio-espaciais a que está submetida grande
12 Considera-se “mais baixa renda” a população com renda familiar inferior a três salários mínimos.
17
parte da população - carência de infra-estrutura e serviços urbanos, expulsão, especulação -
e à legislação urbana.
As forças que vêm atuando no espaço urbano - a dinâmica do mercado imobiliário e de
terras, o processo de especulação, as legislações urbanas, dentre outras - vêm produzindo
um contexto de exclusão sócio-espacial, comprovado quando se analisa a questão do
acesso à moradia nas cidades brasileiras.
A questão habitacional está condicionada, tanto pelas mudanças na economia do país,
quanto pelos mecanismos que produzem a estrutura urbana e a distribuição dos
equipamentos e serviços na cidade (RIBEIRO, 1996; p.117). Isto significa dizer que há
uma associação entre os mecanismos que regulam o uso e a ocupação do solo urbano e os
que regulam a produção de moradias. Portanto, torna-se necessário refletir sobre os
elementos constitutivos da produção do espaço urbano: a dinâmica da renda da terra e
como esta orienta a atuação dos incorporadores. Além disso, a necessidade de se
estabelecer regras e normas que regulem a ação dos múltiplos agentes, preferencialmente
dentro dos princípios de justiça social, implica na análise da legislação urbanística que vem
ganhando relevância significativa no Brasil, sendo considerada um instrumento capaz de
regular e controlar a atuação do capital imobiliário e, ao mesmo tempo, de promover a
diminuição das desigualdades sócio - espaciais.
1.2. A PRODUÇÃO DE MORADIAS E OS MECANISMOS DE OCUPAÇÃO DO
SOLO
A produção da habitação envolve relações de produção, consumo e troca, atuando, em cada
etapa do processo, diferentes atores, dependendo da forma como ela é produzida.
No sistema capitalista de produção, a moradia e todos os seus componentes - terra, material
de construção, tipo de acabamento, infra-estrutura, etc. - são mercadorias negociadas como
qualquer outra. Mesmo tendo um valor de uso, a moradia possui um valor de troca e, por
isso, apresenta um significado ligado à lógica do mercado: além de ser uma mercadoria,
que pode ser comprada e vendida, a casa própria relaciona-se ao processo de capitalização
que ela representa.
18
No entanto, a produção de moradia ocorre muito em função de quem pode comprá-la; nem
sempre em função de quem precisa dela (COSTA, 1983). Dentro do grupo daqueles que
podem comprá-la, há uma diferenciação em relação ao tipo de consumidor e,
conseqüentemente, ao tipo de produto direcionado a este mercado. Ou seja, para cada
nicho de mercado, corresponde um tipo de produto que este mercado pode absorver.
Conforme LUCENA (1985, p.27):
“os diferentes preços assumidos pelos diversos tipos de habitação mostram
que a habitação deve ser composta de um número finito de características
que os indivíduos valorizam diferenciadamente(...)”.
Além de o produto habitação apresentar preços diferenciados relacionados com suas
características físicas (tamanho da unidade, tipo de acabamento empregado, etc.), seu
preço e sua valorização no mercado (seu potencial de capitalização) também irá depender
de alguns fatores: a forma como ela é produzida, a disponibilidade no mercado, e o terreno
no qual ela se insere, isto é, o preço da terra.
A localização privilegiada, isto é, o acesso fácil à infra-estrutura e aos serviços urbanos, a
acessibilidade ao terreno, bem como as características de seu entorno, irão influenciar
sobre o preço da terra. Conforme afirmam RIBEIRO e CARDOSO (1996, p.234):
“A terra terá seu preço regulado pelas condições de competição entre os
vários capitais e pelas possibilidades de lucratividade propiciadas pelas
diversas localizações no espaço urbano.”
Observa-se, nestas colocações, a recusa às teorias de tradição neoclássica no que se refere à
relação entre o mercado de terras e a estruturação das cidades. A razão principal é o
abandono do princípio do mercado como mecanismo de distribuição equilibrada das
atividades no espaço, na medida em que não preenche todas as condições para que o preço
das terras seja um elemento regulador da oferta e da demanda. Pelo contrário, observa-se
que, nesse mercado, criam-se situações geradoras de ineficiências no uso do solo e
desigualdades sociais.
Diante deste fato, é necessário, na análise do processo de produção de moradias, estudar o
mercado de terras com base para o entendimento do mercado imobiliário, identificando os
agentes que neles operam e as relações de cooperação e de conflito que estabelecem.
19
1.2.1. Formas de produção de moradia
Primeiramente, analisaremos as formas como a habitação pode ser produzida. PRADILLA
(1977), citado por COSTA (1983, p.23), identifica três formas de produção de moradia
existentes na América Latina:
a) Autoconstrução: neste tipo de produção, o agente que produz a habitação é o mesmo
que vai consumi-la. Os materiais de construção são, em geral, de baixa qualidade ou de
segunda mão. O período da construção é indefinido, dependendo da capacidade
financeira do construtor. A construção é feita em etapas. A habitação é construída
“como valor de uso, e seu potencial de troca é virtual”. (COSTA, 1983; p.23).
b) Produção Manufatureira ou Artesanal: o proprietário contrata um profissional para
construir a habitação e emprega mão-de-obra, em geral, pouco qualificada. A produção
é pequena (residência unifamiliar ou pequenos blocos de apartamentos). O custo final é
alto, envolvendo o custo do projeto e da construção propriamente dita.
c) Produção Industrial (ou Indústria da Construção Civil): não há relação direta entre
produtores e consumidores. O capital investido no processo pode ser expandido e
reproduzido. A produção, bem como os materiais empregados, são em larga escala. A
mão-de-obra empregada depende da tecnologia empregada no processo, podendo ser
qualificada ou não. Neste tipo de produção, o terreno pode ser comprado ou ser trocado
por uma ou mais unidades. Neste último caso, há um agente intermediário que é o
proprietário do terreno. Este é o tipo de produção de moradias dominante na
estruturação do espaço urbano.
Tanto no Brasil como no caso específico de Belo Horizonte, a forma dominante de
produção de moradias é a produção industrial, principalmente de apartamentos. No
entanto, COSTA (1983, p.25) considera que há uma tendência capitalista de se “incorporar
as outras duas formas na produção de moradias”: a forma manufatureira - na produção de
moradias para o segmento de alta renda - e a autoconstrução - que seria a forma de acesso à
moradia para o estrato de baixa renda da sociedade.
Além da forma como é produzida a moradia, outras etapas se inserem no processo, até se
obter a unidade acabada. São elas:
1. obtenção do lote urbanizado (terra urbana onde será produzida a moradia);
20
2. escolha do material de construção (incluindo o tipo de acabamento) a ser empregado.
O capital de giro, necessário para financiar a construção, a compra de material e a
comercialização do produto, apesar de não se constituir em uma etapa no processo de
produção da habitação, irá direcionar a ação dos empreendedores imobiliários durante todo
o processo, desde a aquisição do lote até a venda total do número de unidades.
As etapas acima descritas irão determinar o preço final da moradia. É interessante observar
que o preço da construção é, em princípio, o mesmo em qualquer área da cidade. No
entanto, as etapas 1 e 2 podem determinar o preço final do produto e o nicho de mercado
que vai adquiri-lo.
RIBEIRO (1982, p.35) considera que, para a Indústria da Construção Civil, a localização
no espaço “significa a escolha de um ponto que lhe permita maximizar a apropriação do
valor de uso complexo. Essa localização ótima se traduz em maior capacidade de extrair
mais-valia através do uso das utilidades que compra na forma de mercadorias”. Isto
significa dizer que os produtores de moradia, segundo a forma industrial, estão
preocupados em produzir mercadorias que lhes permitam obter a máxima taxa de lucro,
mercadoria esta que terá uma utilidade para quem a adquirir: valor de uso para quem mora,
valor de troca pelo potencial de capitalização que ela representa.
Para tornar a moradia acessível à maioria da população, ela deve ter o menor preço
possível. A forma de baratear o custo seria, segundo COSTA (1983), eliminando uma das
etapas acima mencionadas e/ou reduzindo o custo ao mínimo possível. No caso da
produção industrial de apartamentos, o que contribui para a grande variação de preços da
moradia são, de fato, as etapas 1 (lote) e 2 (material empregado). Isto porque uma
habitação produzida em um terreno melhor localizado e, por isso, mais caro, terá um valor
maior que uma produzida em um terreno na periferia, em geral, mal servida de
equipamentos e serviços urbanos. Da mesma forma, a moradia que receber um acabamento
de alto luxo será mais cara que outra acabada com materiais de menor custo. Ou seja, ao
valor final da moradia insere-se o valor de sua localização e os materiais empregados em
sua construção.
21
Em qualquer uma daquelas três formas de produção de moradias, o que não se pode evitar
é a compra do lote13, apesar de que, no caso da autoconstrução, o lote muitas vezes, é
desprovido de infra-estrutura e, por isso, apresenta custo reduzido.
Além disso, o valor do lote é determinado por diferentes fatores que são agregados ao valor
da terra, explicados a seguir.
1.2.2. Elementos da teoria da renda da terra
Nesta parte do capítulo, pretende-se analisar a questão do uso do solo e a formação da
renda fundiária, buscando entender como o incorporador se apropria das rendas da terra
para obter lucro e, conseqüentemente, organizar a ocupação no espaço urbano.
No entanto, anteriormente à análise das questões sobre a renda da terra, deve-se entender
os elementos intrínsecos à dinâmica do espaço urbano, particularmente conceitos sobre os
agentes que atuam no espaço. Para isso, tem-se no trabalho de HARVEY (1980) boas
contribuições sobre o tema. Segundo o autor, a compreensão da atuação dos agentes
permite entender os interesses de cada um, bem como os conflitos que possam gerar. De
acordo com o autor, os seguintes agentes atuam na produção de moradias:
a) Usuários da moradia: usufruem da habitação de acordo com suas necessidades. Em
geral, a habitação tem para eles, valor de uso.
b) Corretores de imóveis: operam no mercado de moradias para obtenção de valores de
troca.
c) Proprietários: operam na moradia, objetivando obter valor de troca. Usuários
proprietários podem ser motivados por conceitos de valores de uso.
d) Incorporadores: compõem a indústria de construção de moradias. Objetivam criar
valores de uso para outros agentes, a fim de obterem valores de troca para si próprios.
A compra do solo, sua preparação e a construção da moradia requerem um
investimento que outros agentes desembolsam em adiantamento à troca.
13 Neste caso, não estão sendo consideradas as áreas invadidas, somente aquelas obtidas via mercadoimobiliário.
22
e) Instituições financeiras: desempenham papel importante de financiamento,
empreendimentos de proprietários, seguros, dentre outros. Particularmente estão
interessadas em obter valores de troca, financiando aquisições para valores de uso.
f) Governos: interferem no mercado de habitação de forma direta - produzindo valores de
uso através da ação pública (provisão de moradia para a população de baixa renda) - e
de forma indireta, através da promoção de financiamentos. Podem também produzir
valores de troca promovendo melhorias urbanas (bens de consumo coletivo) ou
implementando leis de zoneamento, controle e planejamento do uso do solo urbano
(HARVEY, 1980; p.139-141).
Dentre estes agentes serão analisados, neste trabalho, o incorporador (capital imobiliário/
construtor de moradias) e o governo (poder público, principalmente via legislação
urbanística).
Feitas essas considerações preliminares, em que são identificados os agentes que atuam na
produção do espaço urbano, passa-se à análise do preço da terra, um dos determinantes das
formas de crescimento e transformação das cidades. Influenciam no preço da terra fatores
como:
- localização (acessibilidade, acesso a infra-estrutura e serviços urbanos);
- características físicas do terreno (referem-se à dificuldade ou facilidade de se construir
no terreno por fatores topográficos, hidrológicos, etc.);
- legislação existente e seus limites.
De modo geral, podemos dizer que o mercado fundiário está sujeito a alguns qualificativos
importantes. SMOLKA (1983, p.187) identifica três:
i) o preço de um lote é, em larga medida, determinado externamente a ele, isto é, por
atividades realizadas em outros terrenos e pelas características das atividades que
competem por seu uso;
ii) a cada utilização de terreno alteram-se as características de todos os outros terrenos,
afetando o preço do lote em questão;
iii) na maioria das vezes, o proprietário do lote é passivo no que diz respeito ao
controle sobre a base material necessária à formação desta renda.
23
Estas qualidades acabam por definir um valor para o solo urbano. O preço do lote é
elemento determinante na estratificação dos espaços residenciais, uma vez que é ele que
dita o preço dos imóveis construídos em cada zona da cidade. GONZALES (1985) e
FARRET (1985)14 analisam o processo de formação dos preços dos terrenos a partir do
conceito de “renda do solo agrícola”15 e sua adaptação para o caso do solo urbano. Para o
objetivo desta pesquisa e utilizando-se da contribuição destes autores, destacam-se como
importantes os seguintes conceitos sobre renda fundiária no meio urbano:
- Renda Absoluta (RA) seria o lucro suplementar que provém das diferenças entre os
preços de mercado e o preço da produção intrínseca à terra. Resulta da propriedade
privada do solo. Não é a propriedade do solo em si que gera a renda. No entanto, ela
confere ao proprietário o poder de impedir a sua utilização até que as condições
econômicas propiciem a valorização, de onde se pode retirar o excedente.
- A situação de terrenos edificáveis e de suas condições materiais e técnicas irão
determinar o lucro excedente que seria a Renda Diferencial I (RD-I).
- Renda Diferencial II (RD-II) é a possibilidade de se multiplicar o uso do solo através
da construção em altura (solo criado) - maior produção por m2 - e resulta do
zoneamento (planejamento do uso do solo).
- A condição de raridade do solo urbano o transforma em mercadoria rara, com
condições especiais e favoráveis de se produzir com preços superiores ao valor de
produção. Este lucro suplementar é a fonte da Renda Monopólio (RM). A RM
depende dos níveis de concorrência do mercado imobiliário e varia segundo a
qualidade da mercadoria e a capacidade de pagamento dos consumidores. Aparece
ligada à noção de status e ao zoneamento (determina o tipo da edificação
“conveniente” ao setor).
A renda diferencial é o mecanismo regulador da Divisão Social do Espaço Urbano
(DSEU) embora a medida e a ênfase nas diferenças seja determinada pela Renda
Monopólio. Estas duas se manifestam nas variações irregulares dos preços dos imóveis
(relação entre RD-I, RD-II, RM). As rendas RD-II e RM relacionam-se mais com as
qualificações e os níveis de status social dos diferentes setores (estratificação). Ao mesmo
14 Baseando-se nas contribuições clássicas de Harvey, Lojkine, Topalov principalmente.15 Para detalhes sobre a origem do conceito ver GONZALES(1985) e FARRET (1985).
24
tempo observa-se que a RD-I vem reforçando os processos de produção específicos das
periferias de baixa qualificação habitacional, uma vez que a carência de serviços urbanos e
infra-estrutura na periferia contribui para o valor reduzido da terra, tornando-se atrativa
para os setores de baixa renda.
De modo geral é a Renda Diferencial, que mais interfere no preço dos terrenos, uma vez
que este é determinado pelo que nele se pode produzir. Daí a importância do zoneamento
que é determinado pela legislação urbanística: será ele que definirá a tipologia dos espaços,
direcionando, para o mercado, as tendências de crescimento da cidade. Assim, o preço da
terra é influenciado por seu zoneamento (RD-II) na medida em que este dita as
possibilidades de lucratividade propiciada pelas diferentes localizações no espaço urbano.
Desta forma, pode-se observar que se situar em um espaço melhor localizado é um
privilégio para poucos, sendo o poder aquisitivo do consumidor, determinante do padrão
construtivo dos imóveis e da localização destes. O fato de que alguns bairros são melhor
servidos de infra-estrutura (RD-I) que outros influencia no aumento do preço do metro
quadrado (m2) construído do imóvel16.
Normalmente, os proprietários de terrenos se beneficiam da valorização imobiliária e, por
isso, muitas vezes, reservam suas terras para a especulação. A valorização imobiliária
deriva do crescimento urbano como um todo, em especial da Renda Diferencial
estabelecida pelas diferenças de qualidade existentes no espaço urbano e pelos
investimentos no ambiente construído.
Pode-se dizer que os meios de consumo coletivo, representados pelas melhorias no urbano,
são, em geral, promovidos pelo Estado. Neste contexto, ressalta-se o papel deste agente
(poder público) na geração de Renda Diferencial, uma vez que possui mecanismos de
controle da propriedade privada da terra. Estes mecanismos podem ser instrumentos que
reduzem a concentração especulativa de terras como os impostos sobre áreas vazias ou
subutilizadas que esperam valorização (Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU -
progressivo, por exemplo) ou até mesmo instrumentos de zoneamento que ampliam o
potencial construtivo daquela área (solo criado, por exemplo). Em geral, o poder público
atua diretamente no preço dos terrenos urbanos, gerando Renda Diferencial, de duas
16 O preço do imóvel incorpora renda fazendo com que o preço de mercado seja maior em relação ao custogasto na produção, influenciando no preço do imóvel a localização da edificação.
25
maneiras: promovendo melhorias de infra-estrutura e serviços e/ou legislando sobre o uso
do solo.
Para analisar as formas de acesso à terra e à moradia urbanas deve-se compreender como o
mercado imobiliário organiza a ocupação do espaço, em especial a produção da habitação e
sua relação com os agentes e mecanismos de produção do espaço. Deve-se analisar como
este mercado tira proveito da atuação do Estado de forma a obter a máxima taxa de lucro.
Segundo SMOLKA (1983, p.205), uma das características do incorporador imobiliário é “a
de promover o empreendimento certo, no lugar certo, para o consumidor certo”.
Em síntese, este é o processo que vem ocorrendo nas cidades brasileiras: o Estado,
promovendo melhorias urbanas, atua como gerador de Renda Diferencial, valorizando
terrenos; ao mesmo tempo, o empreendedor imobiliário aproveita da situação para
construir moradias neste terreno valorizado e vendê-las por preço elevado. Assim, poucos
terão acesso a esta habitação. Neste sentido, pode-se dizer que a segregação social no
espaço é agravada uma vez que somente têm acesso à moradia aqueles que podem pagar
por ela.
Em decorrência da participação do poder público na produção do espaço urbano, surge a
necessidade de se estabelecer regras e normas que regulem a ação dos múltiplos agentes,
preferencialmente dentro dos princípios de justiça social. Tendo isto em vista, deve-se
compreender o papel da legislação urbanística como instrumento que vem ganhando
relevância nas últimas décadas na tentativa de regular e controlar a dinâmica de atuação do
mercado imobiliário no meio urbano.
Acredita-se que a busca de cidades mais justas e democráticas, menos segregadas, passa
pela adoção de políticas que regulem a ocupação e o uso do solo, criando instrumentos
capazes de articular os interesses em torno do processo de produção, apropriação e
consumo do espaço urbano, com os objetivos de se criar espaços socialmente mais justos e
tecnicamente organizados.
1.2.3. Legislação Urbanística e seu papel na ocupação do espaço.
A necessidade de planejamento das cidades é basicamente conseqüência do aumento dos
conflitos sociais urbanos e da acumulação de problemas cuja solução, muitas vezes, foge
26
da simples administração cotidiana pelo poder público. Como um instrumento do
planejamento, a legislação urbanística, segundo MATOS (1988, p.50) tem como uma de
suas finalidades “atuar em prol da paz social”, isto é, objetiva reduzir determinados
conflitos entre os diversos agentes que atuam no espaço urbano. A legislação deve ser vista
também como um instrumento de controle, tanto da especulação quanto da atuação do
mercado imobiliário, constituindo-se fator relevante na configuração do espaço urbano.
No entanto, ao definir formas de apropriação do espaço que devem ser permitidas ou
proibidas, a legislação urbana acaba por agir como um “delimitador de fronteiras de poder”
(ROLNIK, 1997; p.13). Isto porque, ao regular a produção do espaço urbano a lei pode
conferir significados e gerar uma certa divisão ou classificação dos territórios urbanos,
acirrando as desigualdades sócio-espaciais.
A regulação da produção imobiliária privada, em particular de moradias, via legislação
urbanística (zoneamento e padrões de edificabilidade) vinha, até recentemente, reforçando
a lógica do mercado, uma vez que, ao estabelecer padrões de uso e ocupação do solo ideais
e gerais para toda a população acabou produzindo territórios dentro e fora desta legalidade.
Isto porque a cidade não é fruto apenas da aplicação da lei, mas da relação que se
estabelece entre os agentes que atuam na produção imobiliária na cidade. A ocupação e o
uso do solo ao nível intra-urbano refletem essa dinâmica de relações entre as diversas
forças que atuam no espaço urbano.
Em geral, pouco se tem questionado sobre a eficácia da legislação urbanística no controle
do processo de estruturação dos espaços urbanos. As normas determinadas em lei são
colocadas em prática objetivando corrigir distorções que se refletem negativamente na
economia e na organização urbanas. No entanto, novos conflitos podem emergir, uma vez
que são diferentes os interesses que estão em jogo: o do empreendedor, o do poder público,
e o do cidadão que é quem mais sofre as conseqüências deste processo. Desta forma,
analisar a eficiência da legislação urbanística enquanto instrumento capaz de redirecionar o
crescimento e o desenvolvimento urbanos, principalmente em um contexto de mudanças
que envolvem o planejamento (como já dito anteriormente) e determinados conceitos
intrínsecos à legislação urbanística é de suma importância para esta pesquisa. Um destes
conceitos refere-se à aplicação da “função social da propriedade”, segundo o qual o
processo de expansão urbana deve estar assentado no predomínio do interesse coletivo
sobre o privado. Sendo o urbano entendido como o lugar de disputa entre os diversos
27
atores que produzem e ocupam a cidade, torna-se necessário compreender as formas de
uso, ocupação e gestão que se dão neste espaço. Reverter o padrão de ocupação em prol da
redução das desigualdades sócio-espaciais e da ampliação da cidadania é um dos objetivos
principais das novas legislações urbanísticas que tomam forma no Brasil principalmente a
partir da Constituição Federal de 1988.
Os novos planos urbanísticos deverão fazer com que a propriedade, incluindo aí a moradia,
cumpra uma função social, além de constituir regras que articulem e organizem todos os
agentes que constroem a cidade, estabelecendo critérios de uso e ocupação do solo que
respeitem a heterogeneidade das formas de produção e apropriação do espaço. Deverão
também “prever maior qualidade do meio ambiente urbano, legitimar a cidade ilegal e o
planejamento participativo” para a formulação e implementação de políticas públicas
(OSÓRIO, 2001, p.173). Desta forma, os novos planos e as novas leis não podem apenas
delimitar padrões ideais, mas estabelecer condições de uso, investimento e formas de
ocupação compatíveis com a cidade real: segregada e fragmentada.
Neste contexto, busca-se no presente estudo, examinar a evolução e a importância da
legislação urbanística no Brasil, assunto que será abordado no capítulo seguinte.
Posteriormente, no terceiro capítulo, analisar-se-á, para o caso específico da cidade de Belo
Horizonte, seu processo de crescimento, a atuação do empreendedor imobiliário ao longo
dos anos e sua interação com a legislação urbana, buscando compreender a evolução das
leis que atuam no urbano e verificar as mudanças que podem estar ocorrendo na ocupação
do espaço.
Ressalta-se que o objetivo em analisar a evolução da legislação urbanística (e do Direito
Urbanístico) no Brasil é verificar modificações na lógica geral de produção, apropriação e
consumo do espaço urbano, via atuação do Estado, como forma de se construir cidades
mais justas e de se produzir melhores condições de vida para a maioria da população.
28
2. DIREITO URBANÍSTICO E PLANEJAMENTO NO
BRASIL.
Como vimos no capítulo anterior, desde a década de 30 as mudanças na ordem sócio-
econômica do país têm provocado o crescimento intensivo das cidades brasileiras.
Atualmente, mais de 80% da população vivem em cidades, fato que tem contribuído para
agravar os chamados problemas urbanos. Entre estes e, segundo os objetivos desta
dissertação, destacam-se aqueles ligados à questão do acesso à habitação, o que, em última
instância, leva à questão dos direitos de propriedade da terra urbana. No entanto, o Direito
brasileiro não acompanhou tais mudanças, estando, em determinados aspectos, ainda
orientado pelo Código Civil de 1916 que apresenta uma concepção individualista da
propriedade, perspectiva esta que valoriza os direitos absolutos. Embora a legislação
urbanística tenha avançado significativamente desde então, até a Constituição Federal de
1988 tal avanço se deu de forma pouco sistemática. Passados quase noventa anos e, em um
contexto urbano como o atual, é urgente a necessidade de repensar o marco teórico-jurídico
aplicável ao processo de desenvolvimento urbano, principalmente no que diz respeito às
possibilidades de intervenção do Estado nas questões relativas à propriedade privada.
Até então não havia um tratamento constitucional adequado da questão urbana, com o que
“as cidades cresceram sem um marco jurídico adequado que permitisse o controle do
processo de desenvolvimento urbano” (FERNANDES, 2001; p.19). Também o avanço das
legislações urbanísticas foi prejudicado, principalmente pelo conflito entre dois paradigmas
conceituais existentes no que se refere à definição do direito de propriedade, quais sejam a
visão individualista do Código Civil de 1916 e o princípio da função social da propriedade,
introduzido desde a Constituição de 1934.
Segundo o Código Civil de 1916, os direitos de propriedade imobiliária urbana são
concebidos pela perspectiva do individualismo nos moldes do liberalismo jurídico clássico.
Desta forma, a cidade era vista como um aglomerado de terrenos de propriedade privada, e
a lei se ocupava basicamente das relações entre os indivíduos. Naquele ano (1916), a
população urbana não passava dos 10% da população total brasileira. Desde então, tem-se
uma urbanização conduzida por interesses privados.
29
Na Constituição de 1934 é estabelecido o princípio da função social que, segundo
FERNANDES (2001, p. 20), "não foi devidamente definido. Na falta de critérios
imediatamente aplicáveis, tal princípio se tornou uma figura de retórica, com o que o
paradigma do Código Civil tem prevalecido até hoje". Assim, a natureza urbanística e
social das relações de propriedade, inserida na questão da habitação, ficou em segundo
plano, afirmando o caráter individualista de propriedade.
Com a Constituição de 1988, inova-se ao regular de modo efetivo a função social da
propriedade, avançando no sentido da “publicização” do direito de propriedade. A
definição da função social da propriedade, nesta Constituição que prioriza direitos
coletivos em detrimento do direito privado, inaugura, assim, um novo paradigma de
interpretação para o Direito Urbanístico brasileiro, podendo contribuir para se promover
formas mais justas de apropriação social do espaço.
Portanto, o que se observava até recentemente nas cidades, era que “a ordem jurídica-
institucional não expressava a ordem urbana e político-social” (FERNANDES, 1998;
2001). Ao espaço urbano então produzido pelos diferentes agentes, correspondeu a falta de
um tratamento constitucional adequado à questão. Caberia ao planejamento e à legislação
promover a ocupação de forma socialmente mais justa deste espaço (HARVEY, 1992).
Neste sentido, a Constituição de 1988 e as leis orgânicas municipais que lhe seguiram
podem ter papel importante, uma vez que criaram instrumentos que objetivam o
cumprimento da função social da propriedade e a produção de um espaço urbano mais
democrático. Trata-se de medidas com potencial para o que LEFEBVRE (1979, 1993)
considera como o resgate do espaço do valor de uso (espaço de apropriação social).
Neste capítulo, busca-se compreender a evolução da legislação urbanística no Brasil,
principalmente a partir do marco jurídico da função social da propriedade, buscando-se
verificar a evolução e a efetividade deste conceito através da análise de ações mais recentes
ligadas ao planejamento. De forma geral, procura-se verificar se as mudanças político-
jurídicas implantadas pós-Constituição de 1988 vêm efetivamente expressar a natureza e a
dinâmica do processo de urbanização, principalmente no que se refere à produção de um
espaço técnica e socialmente mais justo e democrático, via produção de moradias.
30
2.1. A EVOLUÇÃO DO PLANEJAMENTO E DA LEGISLAÇÃO
URBANÍSTICA E A HABITAÇÃO NO BRASIL
2.1.1. Contextualização Histórica e Principais Influências
Muito antes do advento da Revolução Industrial já era possível se observar práticas relativas
ao saneamento nas cidades pré-modernas17, práticas estas que se davam segundo
intervenções pontuais, através da execução de obras isoladas (aquedutos, galerias de esgoto,
etc.), atendendo de forma parcial as necessidades imediatas da população, ou destinadas ao
aumento de conforto de alguns segmentos privilegiados da sociedade. Estas práticas
urbanísticas estavam associadas a uma preocupação com a (re) organização física das
construções urbanas; no entanto, não constituíam uma atividade de planejamento mais
ampla.
No século XIX, o quadro urbanístico das grandes metrópoles européias (em especial França
e Inglaterra) caracterizava-se por um verdadeiro caos, relacionado com as transformações
sócio-políticas e econômicas engendradas pela “Era da Revoluções”18. A cidade exercia uma
função aglutinadora e centralizadora das novas experiências, que por sua vez, anunciavam a
necessidade de mudanças, de um rompimento com a tradição em nome de um novo espaço-
tempo. As condições precárias de infra-estrutura aliadas ao auge da Revolução Industrial
indicavam necessidade de mudanças. A industrialização inaugura, assim, um novo
momento, levando à redefinição do modus vivendi e à reafirmação da chamada sociedade
capitalista. No dizer de MARTINS (2000, p.39), o processo de industrialização foi
responsável para o capitalismo “se por decisivamente de pé na história”. Segundo LEMOS
(1998, p.79), “uma nova temporalidade atravessava as representações culturais, onde a busca
pela maior velocidade nos deslocamentos e nos mecanismos de informação culminava num
processo de racionalização técnica”. Assim, novos princípios passam a integrar o cotidiano
dos citadinos da época, como por exemplo, pontualidade e exatidão, que indicam
necessidade de reorganização das cidades pela racionalização técnica.
17 Sobre as cidades pré-modernas, ver MUMFORD (1991).18 Pode-se dizer que no século XIX iniciou-se um grande processo de transformação no qual se insere ocomeço da substituição da sociedade agrícola pela urbana e industrializada. Um dos fatores responsáveis porisso foi a Segunda Revolução Industrial que produziu mudanças na ordem produtiva (introdução de novastecnologias – aço e eletricidade), na ordem social (novas relações de trabalho) e no ritmo de urbanização(crescimento das cidades). Deste século também data a “Revolução dos Impérios” isto é, o imperialismoexpansionista, responsável pela dominação de regiões na África, Ásia e América Latina por países europeus epelos Estados Unidos.
31
O processo de industrialização havia provocado o “enchimento” das cidades: a aglomeração
de gente, de cheiros fétidos de detritos, animais; a falta de infra-estrutura, a má circulação do
ar, iriam levar à tomada de consciência para a necessidade de intervenções na cidade19.
Segundo BENÉVOLO (1981, p.9), quando os efeitos das transformações da cidade
industrial tornaram-se relevantes, passou-se a pensar em ações reparadoras para “corrigir os
males” da cidade então considerada problemática. Dentro deste contexto, surgiram idéias
abstratas e esquemáticas no que se refere à solução para os problemas. Estas idéias
apresentavam-se desprovidas de uma avaliação realista dos vínculos entre os programas
urbanísticos e o desenvolvimento geral das relações econômicas e sociais e, por isso não
passaram de utopia na maioria dos casos. Destacam-se como pensadores utópicos: Owen,
Saint-Simon, Fourier, Godin, Cabet, Chadwick, Howard.
De modo geral, as idéias difundidas na época e que levaram a intervenções urbanísticas
surpreendentes nas cidades européias, como ocorreu em Paris sob coordenação do Barão de
Hausmann, estavam carregadas de conceitos higienistas. Acredita-se que estas intervenções
estavam ligadas mais a uma necessidade de embelezamento da cidade que com os problemas
sociais propriamente ditos. E mais ainda: os projetos de renovação urbana das cidades
européias refletiram bem o “aburguesamento” do centro da cidade, “empurrando para fora”
(=periferia) o inconveniente (o pobre, o sujo, o mau cheiroso), acentuando a nítida
segregação espacial. De fato, os efeitos perversos provenientes do advento da
industrialização se fizeram sentir especialmente na precariedade das condições de vida das
classes trabalhadoras urbanas. Por detrás do embelezamento das cidades, das grandes obras,
a população operária dispunha de condições de salubridade precárias. Segundo FREITAS
(1996, p.23) tais intervenções “nada mais faziam do que acentuar a nítida segregação
espacial revelada através de uma política inicial de desconsideração das necessidades da
classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, de privilégio do tratamento dos espaços urbanos
mais nobres”.
No que se refere ao saneamento, o Estado não assumia qualquer responsabilidade, estando
as obras de infra-estrutura a cargo da iniciativa privada (FREITAS, 1996; p.23). Neste caso
o Estado se limitava a exercer uma “vigilância genérica” (BENÉVOLO, 1981, p.91).
19 Sobre o cenário das cidades no século XIX , as necessidades de reordenação do espaço, e as relaçõessociais produzidas na cidade (especialmente França e Inglaterra) ver BRESCIANI, 1982.
32
O período entre 1815 e 1848 é caracterizado por BENÉVOLO (1981, p.33) como a “época
das grandes esperanças”, ressaltando a necessidade de a miséria ser eliminada, devendo os
benefícios da industrialização se estender a todas as classes. Dessa forma, a questão urbana
aparece associada à discussão político-social.
De modo geral, podemos identificar duas formas nas quais o processo de urbanização e os
problemas urbanos foram abordados: na primeira, os problemas foram tratados a partir de
modelos ideológicos (utopias oitocentistas anteriormente citadas) os quais não consideravam
a atuação do Estado e nem a existência de instrumentos de controle efetivos para solução
dos problemas; já na segunda, considerou-se os problemas urbanos relacionados diretamente
com a cidade que se industrializava, indicando a necessidade de intervenção do Estado na
busca de soluções concretas. Desta última, surgiu a legislação sanitária (FREITAS, 1996;
p.24), demonstrando a necessidade de se criar instrumentos de controle adequados à
realidade urbana e seus conflitos. Este debate representa o alicerce que vai caracterizar
posteriormente as discussões sobre o planejamento urbano, como veremos ao longo deste
trabalho, e do papel do Estado neste processo.
Considerando a última forma de se abordar a questão urbana no século XIX, a reordenação
espacial e a higienização social eram vistas pelos engenheiros positivistas como soluções
para os problemas. A legislação sanitária é considerada a precursora da moderna legislação
urbanística20. Esta legislação surgiu apenas quando os efeitos das transformações da época
atingiram a sociedade como um todo, coincidindo com o surgimento dos primeiros
movimentos socialistas (FREITAS, 1996; p.25). Em 1848, Marx e Engels, com a publicação
do Manifesto Comunista, criticaram as medidas de caráter normativo aplicadas ao urbano.
Consideravam que:
“as transformações urbanísticas são uma conseqüência necessária das
mudanças nas relações sociais...” (BENÉVOLO, 1981, p.89).
A questão urbana passou a ser tratada como um problema secundário (dentro da abordagem
marxista), desvinculando-se do movimento operário, e tomando rumos independentes: a
primeira se insere no âmbito das responsabilidades do Estado, usado como forma de atenuar
os conflitos sociais; e, o segundo, torna-se objeto de estudos de caráter mais científico 20 A Lei Inglesa de 31 de agosto de 1848 (Public Health Act) representou um marco importante naabordagem normativa das questões urbanas, revelando-se como a primeira tentativa de consideração da nova
33
(sociológicos, econômicos, políticos e históricos) (BENÉVOLO, 1981; FREITAS, 1996;
MONTE-MÓR, 1980).
A intervenção em Paris, sob coordenação do Barão de Hausmann, teve repercussão política
no espaço capitalista ocidental e, tão logo, sua influência chegaria à América. Alguns
princípios do Barão de Hausmann, bem como os conceitos do pré-urbanismo do século XIX
chegaram ao Brasil, às vezes de forma fragmentada. Além disso, no Brasil, “as legislações já
nasceram setorizadas” e o processo tardio de industrialização determinou abordagens
diferentes daquelas desenvolvidas na cidade industrial em meados do século XIX
(FREITAS, 1996; p.27), como se verá adiante.
2.1.2. O Caso Brasileiro
Após a Proclamação da República, em 1889, o espírito da regeneração21 urbana integrava o
clima ideológico dos dirigentes políticos e dos grupos economicamente privilegiados. “Uma
nova concepção de cidade, aliada a ações de recuperação e planificação inspirada nos
espaços urbanos da Europa e Estados Unidos, começou a surgir no país, simbolizando uma
necessidade de modernização” (LEMOS, 1998; p.80). A redefinição do quadro econômico e
a constituição de uma nova sociedade urbana, aliadas às notícias de modernização européias,
criaram uma mentalidade peculiar no país. “A idéia de progresso, industrialização e vida
moderna tornou-se uma obsessão para a burguesia em constituição”22, indicando
necessidade de intervenções nas cidades brasileiras.
O cenário das grandes cidades brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo, ao final do
século XIX, era caracterizado por um conjunto de deficiências geradas pela ausência de
infra-estrutura, déficit habitacional e obsolescência de sua organização espacial. Ao lado
destas, tradicionais cidades como Ouro Preto (MG) e Goiás Velho (GO) “evidenciavam uma
inadequação e uma impossibilidade de simbolizarem o progresso próprio da
modernidade”23. Dentro deste quadro, cabia ao poder estatal adequar as capitais às novas
situação urbano-industrial, como também por buscar tratar os problemas urbanos de modo mais integrado(BENÉVOLO, 1981, p.98-103).21 Considera-se “regeneração” urbana, neste contexto, a busca pela ordenação, pela correção dos problemasgerados pelo crescimento das cidades e pela construção de um espaço segundo as concepções modernizantesinspiradas nas cidades européias e americanas (LEMOS, 1998; p.80)22 Ibidem, p.80.23 Ibidem, p.80.
34
demandas e necessidades, ou planificar novas capitais, compatíveis com os valores
ideológicos e econômicos da era Republicana.
Segundo Villaça, entre 1875 e 1906, a elite brasileira tinha condições suficientes para
debater abertamente um plano de obras urbanas a ser implantado. Estes planos se referiam
especialmente ao embelezamento das cidades. Até mesmo mais tarde, nas décadas de 1930 e
1940, ainda é possível ver a implantação de planos de embelezamento, acompanhados da
preocupação com a infra-estrutura urbana, em especial, circulação e saneamento. Como
lembra VILLAÇA (1991, p.193) “foi sob a égide do embelezamento que nasceu o
planejamento urbano brasileiro”.
São Paulo representava, na segunda metade do século XIX a condição de protagonista no
que diz respeito aos planos de reestruturação e recuperação urbana. Esse processo era
acompanhado da necessidade de implantação de infra-estrutura, principalmente para suprir
as necessidades da burguesia emergente. No entanto, os planos da efetiva modernização
ocorreram apenas depois de 1889. ROLNIK (1997, cap. 3 e 4) trata da legalidade urbanística
da cidade de São Paulo até a década de 30, mostrando como a legislação foi configurando
eixos de valorização do solo, indexando mercados. Esta legislação criou espaços exclusivos
da elite, ao mesmo tempo em que criou espaços para a ilegalidade, que corresponde
basicamente, aos assentamentos populares.
No caso do Rio de Janeiro, o quadro era mais grave, uma vez que, enquanto capital federal
(função estritamente política), não lhe foi possível incrementar a economia, como ocorrera
no cenário paulista. Devido principalmente às precárias condições de saneamento básico e
com o expressivo aumento populacional que a cidade recebeu nas últimas décadas do século
XIX, as primeiras intervenções buscavam reduzir o grau de degradação das condições de
habitação e salubridade existentes em sua região central. No entanto, vale a pena lembrar
que na primeira década do século XX a cidade recebeu a chamada “Reforma Passos” que
buscou adequar a forma urbana às “necessidades reais de criação, concentração e
acumulação do capital” (ABREU, 1987; p.59). Na opinião dos dirigentes da época, fazia-se
necessário agilizar o processo de dinamização econômica e recriar uma imagem de capital
que simbolizasse “os valores do modus vivendi cosmopolita e moderno das elites econômica
e política nacionais”24.
24 ABREU, 1987, p.60.
35
Segundo FREITAS (1996; p.28), o início das práticas sanitaristas urbanas no Brasil
apresentou duas peculiaridades: primeiramente, elas nasceram antes do processo de
industrialização (conseqüentemente não estavam associadas a nenhum movimento operário);
e em segundo lugar, não nasceram vinculadas a nenhuma legislação específica. Em geral, as
questões ligadas ao saneamento apareciam como partes de outras legislações, principalmente
aquelas vinculadas à saúde pública.
Além disso, a idéia sanitarista da época vinha carregada da idéia de “limpeza da cidade”,
além da idéia de embelezamento de inspiração francesa. A reforma ocorrida no Rio de
Janeiro no início do século XX é muito bem documentada nos livros “Os bestializados”
(CARVALHO, 1997) e “Cidade Febril” (CHALHOUB, 1996). Os livros tratam da
destruição do cortiço “Cabeça de Porco” no Rio como forma de eliminar doenças que
ameaçavam a cidade, ou melhor, a burguesia. Tratando das formas de conceber diferenças
sociais na cidade, dos direitos quase nulos dos cidadãos da época e da supervalorização do
poder do Estado (estadania e não democracia, no dizer dos autores), ambos os autores nos
indicam que, desde esta época, os conhecimentos técnicos e científicos viriam contribuir
para a inibição do exercício da cidadania. Enquanto Rio de Janeiro e São Paulo receberam
planos mais abrangentes, a cidade de Belo Horizonte passou a ser idealizada, constituindo-se
em alvo de intervenções do poder público, lideradas por engenheiros sanitaristas como
Francisco Saturnino de Brito. Na reflexão de Baudelaire, o planejamento de cidades inseria-
se num conceito de modernidade que, se fosse somente o transitório, o efêmero, o
contingente, seria apenas a “metade da arte” e sua outra metade teria de ser buscada no
“eterno e imutável” (BERMAN, 1989). Para o poeta, essa modernidade, feita de “belezas
passageiras e fugazes” como as que se encontravam na vida presente de então, precisaria,
para se transformar em obra de arte, recorrer à identificação daquilo que estabelece com a
tradição e a continuidade. A busca pelos elementos artísticos, por parte dos urbanistas,
também nasceu desse dilema vivido pelo poeta. Ao planejarem novas cidades, os
engenheiros, além da valorização da racionalidade técnica, evidenciavam uma preocupação
com a cultura e a ordem perspéctica, criando a possibilidade da terceira dimensão. Esse
conceito foi muito explorado na América como, por exemplo, por L’Enfant, na criação de
Washington (1792) e por Aarão Reis, em Belo Horizonte (1894)25.
25 Sobre o caso de Belo Horizonte, ver LEMOS, 1988.
36
Pode-se dizer que, desde seus primórdios, o planejamento urbano no Brasil esteve vinculado
aos interesses capitalistas que utilizavam os discursos técnicos para justificar seus processos
contínuos de produção e reprodução, impondo a dominação do espaço urbano. Os
planejadores e o poder dirigente pensavam na cidade para os ricos e ignoravam a existência
de diferentes classes sociais: tratava-se de um planejamento para alguns... mercado para
alguns... modernidade para alguns... cidadania para alguns... Os momentos em que a questão
social foi abordada, datam de época mais recente, como poderá ser visto adiante neste
trabalho.
Início do Século XX
A construção do pensamento jurídico brasileiro, no que concerne ao direito de propriedade,
está estruturalmente ligada ao pensamento jurídico europeu (CASTRO, 2001, p.80). Sua
formulação mais definitiva – Código Civil de 1916 – está baseada nos pensamentos jurídicos
alemão e francês (Código de Napoleão), sendo elaborado pela classe burguesa.
No que concerne ao direito de propriedade, a elite brasileira, elaboradora do pensamento
jurídico brasileiro, não resistiu à importação de princípios europeus, rompendo, em muitos
aspectos, com a tradição portuguesa26. O Código Civil brasileiro foi concebido pela
perspectiva do individualismo típico do liberalismo jurídico clássico, refletindo valores e
formas de organização social do começo do século XX. A propriedade aparece regulada
principalmente no artigo 524 do Código, no qual não há referência a atendimento a nenhum
tipo de interesse público ou social. Segundo MATTOS (2001, p.66), a propriedade no
Código Civil de 1916 “é um instituto privatístico por excelência”. Assim, a cidade seria um
conjunto de lotes de propriedade individual (privada) e a apropriação privada por si só não
confere à propriedade qualquer função social. A propriedade, neste código jurídico,
expressa-se “por seu valor patrimonial” (CASTRO, 2001).
A partir do Código Civil de 1916, o Direito Urbanístico brasileiro apresentou avanços
significativos, podendo-se citar exemplos das leis aprovadas que atuam sobre o patrimônio
(decreto 25/1937), sobre o parcelamento (lei 6766/1979 e 9785/1999) e sobre a questão
ambiental (lei 6939/1981, 7347/1985). No entanto, no que se refere aos direitos de
26 No que concerne à propriedade privada, não se verificou nem mesmo a continuidade de institutos antigoscomo o das sesmarias, que tinha forte conteúdo social. Nele, prestigiava-se o conceito de propriedade útil, jáque esta era distribuída a quem pudesse tê-la de forma produtiva. Sobre as sesmarias e demais característicasdo Direito Português, ver CASTRO (2001).
37
propriedade imobiliária urbana, ainda não se conseguiu reformar completamente o conceito
típico do liberalismo jurídico clássico.
Anos Trinta e Quarenta
A partir dos anos 30, intensifica-se o processo de urbanização no Brasil. Assiste-se ao
esforço de industrialização iniciado pela ação centralizadora do governo, e o urbanismo se
volta para a cidade que se industrializa. Conceitos modernos de racionalidade espacial,
hierarquização de espaços (habitacionais), zoneamento, exercem influência relevante sobre
os técnicos brasileiros. Nota-se a grande influência que a corrente progressista (CHOAY,
1979; p.8-11) exerce no urbanismo brasileiro, referenciado na valorização da técnica e na
organização das funções urbanas: trabalhar, habitar, circular, recrear; tão bem defendidas
pelos modernistas.
Nesta época, o governo populista buscava modernizar tanto a ordem urbana quanto a
jurídica, preparando a cidade para receber imigrantes que vinham servir de mão-de-obra
para a indústria incipiente. Neste contexto, surgem as primeiras leis urbanísticas e
ambientais27, promulgando-se também, a Constituição de 1934. É com esta Constituição que
o princípio da função social da propriedade surge pela primeira vez no Direito brasileiro. No
entanto, até recentemente, nunca se previu condições para seu cumprimento, tornando-se
uma “figura de retórica” (FERNANDES, 2001, p.20).
Em 1937, o Estado promulga uma outra Constituição (a Polaca), reafirmando o princípio da
função social da propriedade, condicionando-a ao interesse público. Desta Constituição
surge o Decreto-lei n.º 58, pelo qual regulam-se ações de compra e venda de terrenos.
Ênfase maior era contratual e não urbanística. Além disso, reafirma-se o princípio da
propriedade privada (individual), uma vez que vincula a propriedade a um registro ou
contrato.
Nos anos 40, à medida que a cidade se industrializava, ocorria, mesmo que esparsamente, o
processo de expansão urbana. As cidades brasileiras cresciam horizontalmente, através do
“retalhamento” das glebas em lotes e venda em prestações. Esta ação se tornou típica das
cidades pós Decreto 58/1937, uma vez que o contrato de compra e venda veio a calhar com
27 Datam desta década: Código de Águas (Decreto 24.643/1934); Código Florestal (Decreto 23.793/1934);Lei de Proteção à fauna (1934). No plano urbanístico, surge a Carta de Atenas (1933), fruto do 4º CongressoInternacional de Arquitetura Moderna, e que representa os princípios da corrente progressista (ver CHOAY,1979).
38
os interesses do mercado imobiliário naquela época, uma vez que se tratava de um decreto
basicamente comercial, não dispondo de instrumentos urbanísticos capazes de regular a
ocupação. Com a urbanização, os problemas ditos urbanos começavam a demandar ações
governamentais, visando soluções técnicas e políticas para a solução de tais questões sociais
e econômicas que se avolumavam (MONTE-MÓR, 1980; p.24). A expansão das cidades e o
surgimento, bem como o agravamento, dos problemas urbanos - no qual se inclui a
habitação - se dá sob a égide de uma legislação inadequada: setorizada, despolitizada e
desprovida de instrumentos urbanísticos que pudessem regular o processo de ocupação e a
expansão territorial das cidades brasileiras.
Neste período surgiram os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM), nos
quais se enfatizavam basicamente problemas relativos à habitação. Além disso, a Carta de
Atenas (1933), fruto do 4º CIAM, consolida a visão essencialmente funcionalista do
urbanismo moderno.
Ainda nos anos 40, foram feitos estudos e planos para várias cidades como Belo Horizonte e
São Paulo, introduzindo novas técnicas de análise e incorporando a visão de cientistas
sociais do fenômeno urbano. Em continuação a esta experiência, o Centro de Pesquisa e
Estudos Urbanísticos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (CEPEU)
desenvolveu conceitos básicos para a participação comunitária nos planos urbanísticos.
Entretanto, estes trabalhos se caracterizavam principalmente por amplos diagnósticos
(planos compreensivos), resultando assim, em estudos sobre o urbano que ainda não
conseguiam mobilizar os governos para uma ação efetiva.
Anos Cinqüenta ao final dos anos Setenta
No início deste período as legislações que existiam em algumas cidades, regulavam questões
referentes à produção e apropriação do espaço no nível da edificação28 e não se encontravam
vinculadas a eventuais planos locais.
Nesta época, sob influência de planos diretores que surgiram nos Estados Unidos, tem início
a elaboração de planos diretores no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul. Além deste,
destaca-se também o trabalho desenvolvido pelo Padre Lebret e seus seguidores que
elaboraram estudos e planos para cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Recife
(FREITAS, 1996; p.36). Embora estes planos representassem uma nova visão no que se
39
refere ao trato do espaço urbano, se restringiam basicamente a amplos diagnósticos, não
culminando na implantação de instrumentos de aplicação prática.
No início dos anos sessenta, embora o planejamento não houvesse logrado resultados
concretos, já havia a consciência da necessidade de que o desenvolvimento urbano fosse
assumido como uma tarefa fundamental do governo, num país que assistia a um intenso
processo de urbanização. De certa forma, a preocupação com o planejamento urbano já se
fazia sentir ao nível dos municípios, uma vez que as cidades cresciam de forma
desordenada, apresentando contrastes de distribuição sócio-espacial. Entretanto, fora da
esfera municipal, o problema do desenvolvimento urbano continuava restrito aos
profissionais ligados à área, principalmente arquitetos, engenheiros, sociólogos,
economistas e geógrafos. As ações do governo federal e dos estados em relação aos
problemas urbanos, na sua maioria, continuavam restritas aos aspectos habitacionais,
iniciadas com a criação da Fundação da Casa Popular (FCP), nos anos quarenta29.
Em 1963 acontece o Seminário de Habitação e Reforma Urbana, em Petrópolis, na
tentativa de se estabelecer bases para a ação governamental, no sentido de promover e
ordenar o desenvolvimento urbano no país. Neste seminário, discutiu-se questões relativas
à “reforma urbana”, detendo-se na necessidade de regulações do uso do solo urbano, das
construções e investimentos setoriais, numa tentativa de ação integrada para o controle
estatal do espaço urbano30. No entanto, até 1964 o planejamento do espaço urbano
“continuava sendo encarado como artigo de luxo” (MONTE-MÓR, 1980, p.28), reservado
a espaços nobres. Apesar das discussões colocadas em 1963, o planejamento no governo
militar (pós-64) não enfocou a questão urbana em sua totalidade, ficando esquecida
durante quase todo o regime. Só mais tarde ocorreria a institucionalização do planejamento
urbano: privilegiou-se, no início, o aspecto da habitação stricto sensu e, gradualmente,
foram sendo incorporados aspectos ligados à infra-estrutura urbana e ao próprio
planejamento. Segundo MONTE-MÓR31 “novamente se percebe a pertinência da
perspectiva progressista que, ao se apoiar no indivíduo tipo (em oposição à comunidade-
tipo), centra seus estudos e interesses no habitat, no espaço individual, na propriedade
privada”. E, neste momento, não poderia ocorrer de outro modo, uma vez que o ideal da
casa própria viria servir aos interesses do novo regime autoritário instalado. Entender 28 Como é o caso do Código de Edificações de Belo Horizonte, de 1940.29 A este respeito ver AZEVEDO e ANDRADE, 1982.30 Ver MONTE-MOR, 1980, cap.1.
40
porque a habitação foi privilegiada, durante o governo militar, como tentativa de
desenvolvimento urbano, não é tarefa difícil: primeiramente porque era a forma de conter
conflitos sociais – “o proprietário da casa própria pensa duas vezes antes de se meter em
arruaças ou depredar propriedades alheias e torna-se um aliado da ordem”32; e, em segundo
lugar, atenuava a crise econômica na medida em que a construção civil contribui
diretamente para a geração de empregos.
Em síntese, a partir de 1964 ocorre a institucionalização de uma política habitacional e da
prática do planejamento urbano como uma medida controvertida do regime militar que se
instaura no país a partir daquele ano. A prática de planejamento estava essencialmente
voltada para o financiamento de planos de desenvolvimento integrado ao nível local. A
política de habitação, baseada na criação do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e no
BNH, tinha como discurso objetivos amplos e ambiciosos, visando solucionar o problema
do déficit de moradias no país, especialmente para a população de baixa renda.
Em 1969, o Ministério do Interior (MINTER), através do Serviço Federal de Habitação e
Urbanismo (SERFHAU), criou o Programa de Ação Concentrada (PAC), definindo centros
urbanos prioritários para a ação do governo no campo do planejamento urbano. Segundo
FREITAS (1996, p.37),
“... a grande contribuição deste programa foi a busca de uma concepção
mais integrada e multidisciplinar de planejamento, englobando, além dos
aspectos físicos-territoriais já abordados nos primeiros planos diretores
brasileiros, os aspectos sociais, econômicos, administrativos e
institucionais”.
No entanto, apesar desta prática ter conduzido a um conhecimento mais sistematizado dos
problemas urbanos e a um avanço metodológico no tratamento teórico destes problemas,
conforme assinala MONTE-MOR (1980, p.40), os planos já nasciam fadados ao fracasso,
pois enquanto o planejamento buscava o fortalecimento do município, a política nacional
adotada revelava-se cada vez mais centralizadora e autoritária.
A elaboração de planos locais integrados, segundo MONTE-MOR (1980) resultou em
efeitos quase nulos, uma vez que aqueles que foram elaborados, por vários motivos, não
31 Ibidem, p.29.32 Seminário sobre o Plano Nacional de Habitação, S. Paulo, 1966. Plano Nacional de Habitação. S.1. BancoNacional de Habitação, 1966, v.2. pp.20-21; citado em AZEVEDO e ANDRADE, 1982. p-59.
41
foram colocados em prática.33 Quanto à política habitacional, esta teve pequeno sucesso.
Segundo análise de AZEVEDO e ANDRADE (1982, p.120), "não foi o objetivo social o
vitorioso". Um balanço dos resultados de vinte e dois anos (1964-1986) de atuação do SFH
e do BNH mostra que apenas aproximadamente três milhões de unidades foram
financiadas. Destas, apenas 35,0% para o chamado "mercado popular". Enquanto isto, o
mercado para as faixas de renda superior foi contemplado com 43,2%, restando ao
mercado intermediário os restantes 21,8% (AZEVEDO e ANDRADE, 1982: 121). Quando
se considera o volume de recursos utilizados na produção dessas unidades, constata-se que
a concentração nas camadas de alta renda da população é ainda mais significativa. O
"mercado popular" tem uma insignificante participação da faixa de renda abaixo de três
salários mínimos, incapaz de pagar por qualquer tipo de financiamento. Ressalta-se que
nem o BNH nem qualquer outra política pública foi capaz de compreender as famílias com
renda salarial de menos de um salário mínimo.
Em paralelo a esse fracasso da política habitacional comandada pelo Estado, observa-se
que o “valor” do solo urbano como mercadoria, condicionado pela existência de uma rede
de equipamentos e serviços, especialmente nas grandes cidades, iria contribuir para
orientar as tendências de crescimento da malha urbana, dificultando a ocupação residencial
(especialmente a de baixa renda) em determinadas áreas e levando a uma expansão
periférica da cidade. No caso de Belo Horizonte, na década de setenta, assiste-se a um
intenso movimento de periferização, representado pela ocupação e adensamento de outros
municípios de sua região metropolitana, que passam a apresentar crescimento populacional
muito maior que a capital.
A atuação do BNH reforça essa tendência. Além de se desviar de seus objetivos principais,
a atuação do BNH contribuiu para aumentar os problemas urbanos34, agravando dois
problemas fundamentais das grandes cidades brasileiras: a supervalorização da terra
urbana, gerando especulação imobiliária, e o seu corolário, o processo de expansão
periférica das cidades, onde a terra é mais barata e carente de infra-estrutura básica
(MONTE-MÓR, 1980, p.34).
33 Não será resgatada nesta pesquisa a avaliação deste processo de produção de planos integrados e de seufracasso. Para isto existem boas análises a exemplo de MONTE-MÓR (1980).34 Sobre o papel desempenhado pelo BNH na política de desenvolvimento urbano, ver AZEVEDO eANDRADE, 1982.
42
É neste momento e diante da inexistência de uma política habitacional eficaz, que o
chamado loteamento popular tem um papel importante na produção das periferias
metropolitanas. Em Belo Horizonte, a estratégia desta produção, dado o baixo nível de
renda dos compradores dos lotes, se baseava essencialmente em duas condições: a
existência de terrenos baratos e a inexistência de requisitos urbanísticos rígidos. Com isto
produziu-se espaços de reprodução social precários em termos de qualidade de vida
(COSTA, 1983).
A intenção de adoção de uma política urbana nacional manifestada desde os anos sessenta,
aparece no I Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) elaborado em 1971. É proposta a
instituição das primeiras regiões metropolitanas no país, ao se tratar da política de integração
nacional, à qual vinculava-se o desenvolvimento regional. Embora já se tenha colocado a
questão urbana em sua dimensão regional e tenha sido reconhecido seu estreito
relacionamento com a estratégia global de desenvolvimento econômico e social do governo,
enfatizando-se a necessidade de melhor se conhecer a dinâmica da organização territorial do
país, não se propôs, neste I PND, um modelo de política urbana nacional.
Somente no II PND, em 1974, seria formalizada uma “Política de Desenvolvimento
Urbano”, destacando a importância de uma política nacional. Neste mesmo ano, é criado um
novo organismo para coordenar as regiões metropolitanas e a política urbana: a Comissão
Nacional de Política Urbana (CNPU), que viria a ser substituída pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Urbano (CNDU) em 1979.
Paralelamente a este processo, surge um grande número de legislações urbanísticas
específicas, principalmente ao nível municipal: legislações de parcelamento do solo, leis de
uso e ocupação do solo35, código de edificações, dentre outras.
É somente em 1979, com a lei 6766, que tem início uma mudança de enfoque no que se
refere à expansão urbana (por retalhamento de glebas em lotes), constituindo-se em uma lei
nacional criada com o objetivo de coordenar o crescimento nas regiões metropolitanas
brasileiras. Esta lei veio regular o parcelamento do solo urbano e muito interferiu no
negócio dos "loteadores populares" a partir do início dos anos oitenta36. A lei definiu
padrões para a implantação de loteamento (35% da área do loteamento seria reservada para 35 No caso específico de Belo Horizonte, entra em vigor, em 1976, a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solodo município. Esta lei será analisada no Capítulo 3 desta dissertação.36 Sobre a atuação de loteadores na produção de lotes populares na cidade de Ribeirão das Neves (município
43
uso público - vias, equipamentos e área verde, dentre outros parâmetros) e exigências para
o loteador (como a obrigatoriedade de fornecimento de infra-estrutura para drenagem
pluvial, por exemplo) como forma de coibir os parcelamentos clandestinos e proteger os
direitos dos compradores. Isto, no caso da cidade de Belo Horizonte, contribuiu para a
redução drástica da produção de “loteamentos populares”, uma vez que, além de o preço
final da mercadoria aumentar, já que, pela lei, o lote deveria ser dotado de certa infra-
estrutura, foram instituídas fortes penalidades ao loteador clandestino e/ou irregular.
Conseqüentemente, a produção de lotes na periferia tornou-se pouco atrativa para estes
empreendedores (“loteadores populares”), contribuindo para que, a partir da Lei 6766/79, o
acesso à moradia pelos segmentos de baixa renda da população se tornasse mais difícil,
provocando o aumento das invasões e o crescimento das favelas nas áreas urbanas
brasileiras.
Deste fato podemos concluir que, apesar da Lei 6766/79 constituir uma evolução em
termos de legislação urbanística (uma vez que ao regulamentar o parcelamento do solo,
deprimiu-se a forma clandestina de ocupação nas periferias metropolitanas), sua aplicação
acabou por “resfriar” o mercado de terras - no que se refere aos loteamentos populares -
dificultando o acesso à moradia pelos estratos sociais de mais baixa renda. Nenhuma outra
forma de habitação social veio preencher a lacuna deixada pelos loteadores, favorecendo as
invasões em áreas urbanas.
Anos Oitenta
Ao fim de quase vinte anos de institucionalização das práticas de planejamento e política
urbana no Brasil, a década de oitenta enseja uma reversão acentuada. Segundo CARDOSO
(1997, p.80), estas mudanças estão ligadas “a uma conjuntura de crise global – crise
econômica, crise política, crise do Estado”, o que levaria, dentre outras coisas, ao fim do
regime militar e à democratização. A crítica ao autoritarismo, então comum no período,
resultou em uma negação da necessidade e da importância do planejamento, tido então
como intrinsecamente autoritário. Isto implicaria numa mudança de orientação no que se
refere ao campo do planejamento, que passa a enfatizar a idéia de participação e de gestão,
em detrimento da definição de planos e/ou políticas nacionais.
integrante da RMBH), ver COSTA. (1983).
44
A (re) democratização do país aparece como um componente novo e transformador. Ela
vem revelar a urgência de reformas sociais para o combate à miséria e para a construção da
cidadania. Segundo PEREIRA (2000) “as discussões sobre a política urbana, os planos
diretores, a reforma constitucional e o planejamento metropolitano buscam uma
redefinição do papel do Estado e das estruturas de gestão das cidades brasileiras, além de
procurarem novas estratégias para a realização de tais reformas”. Buscam-se novas formas
de gestão que envolva a sociedade em um movimento de inclusão nos direitos de cidadania
daquelas parcelas excluídas e/ou em processo de exclusão.
Neste contexto de mudança política, a sociedade civil organizada se mobiliza no sentido de
promover a qualidade de vida nas cidades, o que irá resultar na constituição do Movimento
Nacional pela Reforma Urbana, melhor explicado adiante. Anterior a este fato, em 1983, o
projeto de Lei de Desenvolvimento Urbano (LDU) já enfatizava a importância do
planejamento urbano e a necessidade de coordenação das políticas entre os vários níveis de
governo. Assim, tanto a União quanto os estados e os municípios deveriam estabelecer
Políticas de Desenvolvimento Urbano, criando instrumentos que visassem “a contenção da
especulação imobiliária” (CARDOSO, 1997, p.86) e possibilitassem o acesso à moradia.
No campo da habitação, mudanças significativas também ocorreriam nesta mesma década.
Após a extinção do BNH em 1986, a política pública habitacional, promovida pelo Estado,
praticamente desaparece, ficando diluída na atuação dos empreendedores imobiliários
privados e da Caixa Econômica Federal (CEF), entidade financeira estatal, promotora dos
financiamentos. A CEF praticamente absorve o que restou do BNH e atualmente, vem
atuando no campo da habitação principalmente através da promoção de financiamentos
para diferentes estratos sociais37. A questão da moradia passaria a ser da esfera de
competência comum da União, dos estados e dos municípios. O Governo Federal teria o
papel de regulamentar a legislação urbana, sem a qual seria difícil uma ação mais eficaz
dos outros níveis de governo. No nível municipal, a questão habitacional encontrava-se
vinculada à questão do solo urbano. Neste sentido, uma política fundiária que diminuísse a
especulação – desincentivando a formação e manutenção de estoques de terrenos urbanos
37 As modalidades de financiamento oferecidas pela CEF são: Carta de crédito FGTS individual e carta decrédito material de construção; Carta de crédito associativa; Poupança Crédito Imobiliário; Prodecar e oConstrucard. Para detalhes ver CAIXA (1998). A partir de setembro de 2001 ocorreram mudanças no sistemade financiamento da casa própria para famílias com renda acima de R$2.000,00, dificultando o mesmo.Assim, os bancos privados passam a oferecer financiamentos mais atraentes e devem absorver a demanda dasfamílias com renda acima de R$2.000,00.
45
ociosos – e facilitasse o acesso à terra, poderia desempenhar papel não negligenciável na
melhoria das condições de moradia da maioria da população.
A Constituição de 1988 apresenta avanços significativos em relação ao tratamento da
questão urbana, ampliando as competências e o papel jurídico legal dos municípios.
FERNANDES (1998, p.220-221) afirma:
“Foi reconhecido, um novo direito social _ o direito ao planejamento
urbano (...). E, mais do que isto, pela primeira vez, a população foi
considerada, até certo ponto, como um agente político e, por conseguinte,
agora se espera que a mobilização popular contra os grupos econômicos
ocorra também dentro das esferas jurídica e institucional (...). Entretanto,
por si só este avanço não foi suficiente para mudar o caráter do
planejamento urbano, posto que se tornou evidente a partir das experiências
anteriores que, para que seja eficaz, o gerenciamento das questões urbanas
pressupõe a democratização do processo de tomada de decisões. Além de
todos os modelos de avaliação e das técnicas de planejamento, existia a
necessidade de se repensar o processo de administração política que tinha
determinado sua criação, assim como a escolha dos instrumentos de
controle que foram adotados.”
Assim, a Constituição Federal de 1988 inaugura um novo paradigma de orientação social
para o Direito Urbanístico brasileiro. Organizada em um capítulo de dois artigos (182 e
183) a política urbana do texto constitucional estabelece "a limitação ao exercício do
direito de propriedade a partir de sua função social" (CARDOSO, 1997, p.92). Estes dois
artigos representam uma versão limitada do que havia sido proposto pelo Movimento
Nacional pela Reforma Urbana, formado por algumas Organizações Não-Governamentais
(ONG) representativas de organizações da sociedade civil e de movimentos sociais
urbanos, por meio de uma emenda constitucional apoiada em aproximadamente 150 mil
assinaturas.38 Os princípios gerais da política de desenvolvimento urbano assim estão
expressos no artigo 182:
"A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo 38 A proposta da Emenda Popular pela Reforma Urbana tinha quatro princípios básicos: 1. Obrigação doEstado em assegurar os direitos urbanos a todos os cidadãos; 2. Submissão da propriedade à sua função
46
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes.
Parágrafo 1o. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal,
obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o
instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
Parágrafo 2o. A propriedade urbana cumpre a sua função social quando
atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas
no plano diretor." (…) (meus destaques).
A Constituição de 1988 trouxe, portanto, inovações no tratamento do direito de
propriedade, a fim de qualificá-lo de acordo com os princípios de um novo Estado
democrático. O princípio da função social da propriedade é a referência máxima
orientadora do exercício do direito de propriedade. A diferença deste princípio _ função
social da propriedade_ da Constituição de 1988 para as anteriores reside no fato de que a
função social aparece vinculada à legislação urbanística, e é esta que deve garantir o
cumprimento da primeira. A Constituição caminhou no sentido de reconhecer “um direito
à propriedade, e não um direito individual de propriedade”, pois passa a condicioná-lo ao
cumprimento de uma função social determinável por legislação urbanística (MATTOS,
2001; p.61). Desta forma, a legislação urbana precede o exercício do direito de
propriedade, podendo especificar as condições para sua legitimidade. A função social da
propriedade instaura, assim, um novo paradigma de orientação para o Direito Urbanístico
no Brasil. A partir desta Constituição, novos planos diretores elaborados ou em elaboração
vêm elucidando novas perspectivas relativas ao planejamento urbano, evidenciando a
superação de enfoques tradicionais e pautando-se na direção da descentralização, da
integração, do incentivo à participação e da necessidade de qualificação do espaço urbano
(FREITAS, 1996).
Para isto ser colocado em prática, a Constituição Federal fortaleceu o poder dos
municípios, prevendo a capacidade de auto-organização destes por meio da Lei Orgânica
(orientadora da Lei Urbanística) e da restauração do poder das Câmaras de Vereadores.
Caberia à Câmara definir os mecanismos institucionais de participação das organizações
coletivas e aprovar a criação de conselhos municipais que teriam como atribuição mediar
social; 3. Direito à cidade; e 4. Gestão democrática da cidade. Para detalhes ver CARDOSO (1997: 87-90) eCOSTA (1988: 889-893).
47
entre o governo e a sociedade organizada, abrindo caminho para formas de participação
efetiva na gestão municipal. Esse conjunto de modificações possibilitou novos formatos de
gestão municipal, capazes de articular os diferentes interesses em jogo nos processos de
formulação e implantação de políticas, buscando a diminuição das desigualdades sócio-
espaciais. Ressalta-se, com isso, a importância do processo de gestão nas mudanças de
legislação: o Direito Urbanístico (=processo político) somente se efetiva no processo de
gestão. No dizer de FERNANDES, “o processo da lei é tão importante como a lei em si”
(2002,“informação verbal”)39.
No capítulo 3 será visto, para o caso específico da cidade de Belo Horizonte, a importância
do processo político na evolução da legislação urbana do município.
Anos Noventa
A partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, há o estabelecimento do
princípio da função social da propriedade como sendo fator fundamental para a
determinação dos direitos de propriedade imobiliária urbana e da ação do Estado (poder
público) na condução do processo de desenvolvimento urbano. Busca-se o equilíbrio entre
interesses coletivos e privados, devendo os novos princípios jurídico-políticos regerem as
relações entre sociedade e Estado, assentados na função social da cidade e da propriedade.
A partir desta Constituição, o desenvolvimento urbano passa a ser tratado a partir de uma
estratégia que considera os diversos atores que agem na produção e na estruturação da
cidade, abrindo espaço para o avanço da legislação urbanística no sentido de buscar
instrumentos de política urbana que possibilitem ao poder público interferir na dinâmica de
produção do espaço urbano. Dessa forma, as novas legislações urbanísticas municipais
(pós 88) têm buscado compreender a dinâmica do mercado imobiliário juntamente com
outros fatores urbanísticos e ambientais, bem como interesses sociais (consideração do
homem como elemento integrante de uma comunidade específica) no processo de
desenvolvimento urbano e de uso e ocupação do espaço, agora explicitamente sob o prisma
da função social da propriedade.
39 Frase proferida durante a defesa desta dissertação em 10/05/2002.
48
2.2. AVANÇOS? UMA ANÁLISE DA EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DA
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PÓS 1988.
Apesar dos avanços da legislação no que se refere ao reconhecimento do direito de
propriedade, a atuação do capital imobiliário tem sido, desde longa data, orientada pelo
princípio individualista da propriedade imobiliária, segundo os princípios do Código Civil
de 1916. Além disso, a história do planejamento urbano e da habitação no Brasil mostra
que, desde o início dos anos sessenta, quando a questão foi institucionalizada, produziram-
se formas inócuas de controle sobre a ocupação e apropriação do espaço das cidades
brasileiras. O entendimento da habitação e da propriedade imobiliária em geral, meramente
como mercadoria, vinha favorecendo valores econômicos de troca em detrimento da
função social da propriedade, levando ao aumento da informalidade e da ilegalidade na
provisão da moradia para a população de baixa renda.
O cenário da cidade que se coloca quando da promulgação da Constituição de 1988 é da
cidade fragmentada, segregada e ilegal. A partir desta Constituição há o entendimento de
que o processo de expansão urbana se faça orientado predominantemente pelo interesse
coletivo sobre o privado, devendo a propriedade urbana exercer uma função social a ser
garantida pela legislação urbanística municipal. Mas até que ponto este entendimento vem
sendo aplicado em ações recentes que comprovem sua efetividade? Até que ponto os
espaços de valores de uso (espaço da apropriação social) vem sendo considerados pelo
planejamento pós 1988?
A princípio, acredita-se que a força do conceito de função social da propriedade é bastante
reduzida por ele depender daquilo que é determinado no plano diretor em termos de
ordenação da cidade. Ou seja, haveria, em princípio, uma inversão de valores, uma vez que
um princípio básico - a função social da propriedade - estaria subordinado às
determinações de um instrumento - o plano diretor (COSTA, 1998; p.136). Além disso, ao
usar a expressão "instrumento básico" para qualificar o plano diretor, o texto constitucional
não leva em conta outros importantes instrumentos para se atingir a função social das
cidades, especialmente aqueles que, posteriormente, seriam incorporados às leis orgânicas
municipais. No caso de Belo Horizonte, objeto de análise nesta pesquisa, a lei orgânica
relaciona no seu artigo 185, além do plano diretor, outros nove "instrumentos de
planejamento urbano" (COSTA, 1992; p.114), merecendo destacar os seguintes:
49
. legislação de parcelamento, ocupação e uso do solo;
. legislação financeira e tributária, especialmente o imposto predial e territorial
progressivo;
. parcelamento e edificação compulsórios;
. desapropriação por interesse social.
Apesar de o plano diretor de Belo Horizonte (a ser analisado no próximo capítulo)
incorporar tais instrumentos, deve-se considerar que eles poderiam ser aplicados
independentemente do plano diretor, de acordo com o que determina a Lei Orgânica.
As críticas acima apresentadas não têm como objetivo atirar por terra o capítulo sobre a
política urbana da Constituição Federal de 1988 que, sem dúvidas, representa avanços
significativos na busca da construção de um espaço urbano socialmente mais justo e da
cidadania. Ou seja, em conjunto com outros instrumentos de política urbana, o plano
diretor poderá formar uma nova estrutura legal sobre as questões urbanas, representando
um passo positivo na direção de um espaço urbano mais democrático no Brasil. Entende-
se, no entanto, que a construção da cidadania, que passa pelo processo de democratização
do acesso ao espaço urbano, não será alcançada de forma automática, como simples
conseqüência da adoção de medidas e instrumentos socialmente justos na sua formulação.
Ou seja, dependendo do contexto econômico, social e especialmente político em que um
plano diretor for formulado e colocado em prática, ele poderá ou não constituir-se em
instrumento de reforma urbana (COSTA, 1992; p.113).
Em relação a esse aspecto, pode-se dizer que a implementação de um sistema legal de uso
e ocupação do solo urbano não tem sido uma tarefa fácil no Brasil. O plano diretor por ser
um "instrumento básico" da nova política urbana tem muitas vezes colidido com interesses
do capital imobiliário representados nas câmaras municipais. No caso de Belo Horizonte,
não foi diferente. Um plano diretor e uma nova lei de parcelamento, ocupação e uso do
solo, baseados nos princípios estabelecidos na Constituição de 1988 e na Lei Orgânica
Municipal, somente foram aprovados em 1996. Além de o poder local estar nas mãos de
dois diferentes partidos políticos neste período de oito anos, o processo de negociação foi
difícil, particularmente com aqueles agentes (instituições e vereadores) identificados com
os interesses do capital imobiliário.
Acredita-se que “ainda não foram criadas as condições políticas necessárias para se
promover a reforma do liberalismo jurídico ainda dominante _ na versão do Código Civil
50
de 1916 ainda em vigor _ que não considera a centralidade do princípio da função social da
propriedade” (FERNANDES, 2001, p.32). Além disso, os avanços promovidos pela
Constituição de 1988 precisam ser consolidados e expandidos, dentre outras formas através
da aplicação do “Estatuto da Cidade” 40(Lei Nacional de Desenvolvimento Urbano), visto
que esta lei federal pode regulamentar, através das disposições e instrumentos nela citados,
os direitos de propriedade, diferentemente do Código Civil de 1916.
Repensando o conceito de função social (da propriedade) e outros conceitos
relacionados.
Como foi abordado anteriormente, a Constituição de 1988 inova o ordenamento jurídico
brasileiro ao estabelecer pela primeira vez um capítulo específico da política urbana,
determinando um conjunto de princípios, responsabilidades e obrigações do poder público,
e de instrumentos a serem aplicados como forma de reverter o quadro de desigualdade
social e degradação espacial e possibilitar o bem-estar da população. No entanto, o que se
observa atualmente (mais de dez anos após a promulgação da Constituição), são
dificuldades no cumprimento da função social da propriedade para a solução dos conflitos
urbanos, tendo em vista a situação da ilegalidade em que vive grande parte da população
brasileira. Apesar de se distanciar um pouco da discussão central desta dissertação, não se
pode deixar de mencionar este fenômeno e de indagar porque ele tem acontecido e o que
pode ser feito acerca disso.
Grande parte da população brasileira - entre 40 e 70% - vivem em situação ilegal (em
termos de moradia), sendo que em média 20% delas se concentram em favelas
(FERNANDES, 2001; p.26). No Brasil, pode-se dizer que o principal fator que leva à
proliferação de formas de uso e ocupação ilegal do solo urbano e de assentamentos ilegais
é a combinação entre a falta de uma política habitacional social e as ações do capital
imobiliário, o que tem resultado na ausência de opções adequadas de habitação para a
maioria da população (principalmente famílias com menos de três salários mínimos). A
ilegalidade da ocupação do solo não se restringe a este grupo sócio-econômico. Exemplo
disso são os chamados “condomínios fechados”, que servem de habitação para as camadas 40Aprovada em 19/06/2001, pelo Senado Nacional, a Lei 5788/90 (Estatuto da Cidade) e sancionada pelopresidente da República em julho de 2001.
51
de alta renda da população. No entanto, as práticas ilegais de uso e ocupação do solo pelos
grupos mais pobres são aquelas que merecem maior atenção, dadas as implicações sociais,
políticas, econômicas e ambientais tanto para os grupos afetados como para toda a
sociedade urbana (FERNANDES, 2001, p.27).
A falta de segurança de posse tem colocado a população excluída do mercado formal em
condições de vulnerabilidade, que se apresenta de duas formas:
• pela incapacitação financeira de obter o imóvel e seu registro de propriedade, levando a
possíveis despejos;
• ou , quando obtêm a titulação (como por exemplo por via de regularização fundiária),
estão sujeitos à expulsão pelas forças do mercado, tornando-se um fator de acirramento
da segregação sócio-espacial.
Dessa forma, pode-se dizer que o direito à moradia, isto é, a legalização da posse deve
acontecer de acordo com os princípios da função social da propriedade, de modo a permitir
formas mais justas de ocupação do solo.
Neste sentido, CASTRO (2001, p.83) considera necessária uma análise de como os
conceitos de propriedade, função social e posse vêm sendo abordados pós-Constituição de
1988, em especial no contexto de garantia do direito à habitação (pela obtenção através do
mercado ou pelo reconhecimento de posse), que é o momento onde o conflito entre
interesses privado e coletivo se torna efetivo.
Os dispositivos constitucionais (Título I e II) definem a propriedade como um direito
(deve-se garantir a propriedade privada) e concomitantemente a sua função social. No
entanto, a apropriação privada, não confere à propriedade, por si só, qualquer função
social. Desta forma, o conteúdo da palavra “propriedade” está intrinsecamente ligada à
noção de patrimônio, como tratado no artigo 524 e seguintes do Código Civil de 1916.
Assim, se o conceito de propriedade é incapaz de resolver conflitos que possam recair
sobre determinada propriedade imobiliária, é necessário examinar outros conceitos como o
de função social e posse.
52
O termo função social também é um conceito indeterminado no que se refere à sua
aplicação na questão da habitação. O que nos interessa analisar é a aplicação deste e dos
demais conceitos à propriedade imobiliária urbana.
Pela Constituição de 1988, a propriedade urbana deve exercer uma função social,
obedecendo a normas urbanísticas ditadas em lei. No entanto, mesmo que a legislação
imponha o cumprimento da função social, não se pode afirmar que ela está sendo
cumprida. Isto porque os interesses incidentes sobre a propriedade imobiliária urbana -
privados, públicos, sociais, econômicos - não estão no âmbito da competência legislativa
do município. Desta forma, outros aspectos da função social da propriedade urbana devem
ser resgatados, como por exemplo, o aspecto da posse que é o “direito materializador”41 da
função social da propriedade. Segundo CASTRO (2001, p.93):
“Esta nova leitura da posse, como função social da propriedade, não é um
direito teórico oponível ao Estado, mas reconhecimento de um direito
individual, que nasce com a posse útil do imóvel urbano pela habitação, e
que acontece no âmbito das relações privadas, e de interesse social da
propriedade urbana”.
A autora defende que a função social é mais evidente na posse (ocupação) e menos na
propriedade, estando mais compatível com os princípios constitucionais mencionados no
artigo 182 da Constituição Federal. Deve-se resguardar o direito de posse, desmistificando
o fato de que a segurança de posse só é dada pelo título de propriedade (registro). SILVA
(2001, “informação verbal”)42 acredita que uma política urbana que se preocupe com a
inclusão social deve estar ligada à habitação na medida em que haja uma integração de
políticas que garantam segurança e permanência da população no mesmo local. Isto porque
o título de propriedade pode gerar especulação e posterior venda do imóvel, favorecendo o
processo de gentrificação e a conseqüente expulsão dos mais pobres.
“Não se pode só regularizar áreas onde os pobres conseguiram conquistar,
mas subsidiar a ocupação e permanência das famílias em áreas já servidas
de infra-estrutura e serviços urbanos, sem criar valorização, especulação e
expulsão”. (SILVA, 04/05/2001).
41 Isto significa dizer que o reconhecimento do direito de posse seria a materialização do conceito da funçãosocial da propriedade.
53
Neste sentido FERNANDES43 ensina que é necessário reconhecer o direito à moradia
(=reconhecimento de posse da propriedade) e não reconhecer o direito de propriedade
(através de títulos).
No entanto, os conceitos jurídicos brasileiros, em geral construídos a partir de modelos
importados, representam um distanciamento entre a proposta teórica do sistema normativo
e sua apreensão e compreensão pela maioria da sociedade brasileira, impedindo uma
leitura clara dos princípios jurídicos e sua conseqüente aplicação (CASTRO, 2001; p.99).
Os autores acima citados acreditam que a mudança social e a conseqüente integração
espacial só pode ser feita por este caminho (reconhecimento do direito de posse / direito à
moradia). No conflito de interesses que acontece no que diz respeito à propriedade urbana
é também necessário criar instrumentos que controlem a ocupação pelo mercado formal.
Segundo SILVA (2001, “informação verbal”) “não há instrumentos que incluam os mais
pobres, se não houver instrumentos que controlem a ocupação pelos mais ricos”. Neste
sentido, mudanças devem ser propostas, como coloca CASTRO (2001, p.100), mostrando
que é necessário que se tenha:
“- acesso à informação pelos usuários”,
- compreensão, aceitação destas leis, ou de sua interpretação principiológica pelos juizes,
- meios processuais para reclamar esses direito nos tribunais”.
De forma geral, é importante saber se o conceito atual de função social da propriedade tem
sido entendido pela sociedade para que ela possa cobrar seus direitos. O sistema jurídico só
faz cumprir a ordem determinada em lei, mas o que se pretende com a mesma é
determinado pela conscientização e pressão da sociedade. Daí a necessidade de
participação da população nos processos mais recentes de gestão urbana. É a sociedade que
determina o que ela quer do Direito e só a mudança nos institutos jurídicos, aliada às
reformas políticas (mudança nos sistemas de gestão e participação direta da população no
processo político) pode promover uma reforma urbana. É o que coloca FERNANDES
42 Palestra dada por Helena Menna Barreto Silva (FAU/USP) no dia 04/05/2001, durante a realização doSeminário “Questões urbanas no século XXI: a cidade plural”, organizado pela Câmara Municipal de BeloHorizonte.43 Curso de Direito Urbanístico, ministrado por Edésio Fernandes e promovido pela Inovar Cursos Jurídicos,realizado nos dias 14 a 17 de Maio/2001, em Belo Horizonte.
54
(2001) quando afirma que “não se faz reforma urbana sem fazer reforma político -
jurídica”44.
Neste sentido, a busca de cidades socialmente mais justas e democráticas passa,
necessariamente por uma mudança jurídica, que leve em conta a realidade urbana do país e
assegure os interesses da sociedade no que diz respeito ao uso e à ocupação do espaço.
No entanto, como essa reforma ainda não foi posta em prática em nosso país, e,
considerando os objetivos dessa dissertação, nos deteremos a analisar justamente aqueles
instrumentos citados por SILVA, que se relacionam às normas urbanísticas que controlam
a ocupação do solo urbano pelo mercado formal. A fim de avaliar como as novas
tendências vêm ocorrendo no planejamento urbano, tomaremos o exemplo da cidade de
Belo Horizonte.
Pretende-se analisar, através da evolução do planejamento da cidade, as mudanças que
podem estar acontecendo, principalmente após a implantação do plano diretor em 1996.
Sabe-se que o cumprimento da função social da propriedade via legislação urbanística é
um processo lento e requer avaliações para verificação de seu cumprimento. Desta forma,
busca-se, no capítulo seguinte, compreender como a atual legislação urbanística da cidade
incorpora o conceito de função social da propriedade e como o agente imobiliário vem
reagindo a estas mudanças. Para isso, analisar-se-á as legislações municipais e sua
interação com o agente imobiliário ao longo da história da cidade (Capítulo 3), passando
ao estudo de caso de um agente imobiliário específico (Capítulo 4).
44 Curso de Direito Urbanístico ministrado em Maio / 2001.
55
3. LEGISLAÇÃO URBANA E CAPITAL IMOBILIÁRIO NAPRODUÇÃO DE MORADIAS – O CASO DE BELOHORIZONTE
Quando se desenha um breve quadro da história de Belo Horizonte percebe-se que suas
estruturas urbana e social em muito se modificaram em seus 104 anos de existência. Assim
como diversas cidades brasileiras expandiu-se, seja em densidade demográfica, seja nas
atividades econômicas (responsáveis pela criação de áreas industriais e de negócios) bem
como na extensão para áreas periféricas.
Belo Horizonte compartilha hoje, ao lado de outras cidades como Rio de Janeiro e São
Paulo, de um conjunto de problemas que ocorrem nos grandes centros urbanos, podendo-se
citar como exemplos a hiperconcentração/dispersão, o déficit habitacional, o crescimento
periférico e o alto custo dos equipamentos urbanos, abordados no capítulo 1. Dentre tais
problemas destaca-se a questão do acesso à habitação que se revela não só como um
problema social, mas também como um dos fatores responsáveis pela própria dinâmica de
estruturação do espaço urbano.
O processo de produção de moradias vem resultando na segregação social gerada pela
disputa pelo acesso à habitação nos espaços da cidade nos quais as condições urbanas de
vida são melhores. Neste contexto, observa-se a estreita relação existente entre o processo
de produção de moradias e a estruturação interna das cidades. O capital imobiliário,
responsável por tal produção, deixa de ter sua dinâmica fundada na oferta de habitação e
passa a funcionar como um mecanismo de seleção e de segregação social.
Observa-se que a questão habitacional é também condicionada pelos mecanismos que
produzem a estrutura urbana, a distribuição dos equipamentos e serviços na cidade. Como
visto anteriormente, o capital imobiliário direciona sua produção para localizações que lhe
permitem obter a máxima taxa de lucro, em geral, aquelas bem servidas de infra-estrutura e
serviços urbanos. No entanto, as melhorias no urbano são, em geral, promovidas pelo
Estado que atua como gerador de Renda Diferencial. Isto quer dizer que há uma associação
entre os mecanismos que regulam o uso do solo e os que regulam a produção de moradias.
Este capítulo busca discutir, para a cidade de Belo Horizonte, a interação entre legislação
urbana e capital imobiliário, procurando entender a atuação da primeira como coibidora ou
facilitadora da ação dos agentes imobiliários (incorporadores).
56
A ocupação territorial da capital mineira exemplifica bem a urbanização segregadora de
nosso país, onde, como observa MARICATO (1996, p.43), o processo de acumulação faz
com que o urbano se institua “como pólo moderno ao mesmo tempo em que é objeto e
sujeito de reprodução ou criação de novas formas arcaicas em seu interior, como
contrapartida de uma mesma dinâmica”. A cidade moderna - que seria a oficial, a regulada
- vem convivendo com a cidade arcaica - a ilegal, desigual e precária. Grande parte da
população encontra-se excluída da cidade “oficial”, tendo na ilegalidade, sua forma de
acesso à moradia.
Considerando, neste trabalho, a cidade “oficial”, isto é, a cidade regulada por normas e
leis, observa-se que à organização da população no espaço correspondia uma dinâmica
imobiliária apoiada na legislação urbanística. Isto significa dizer que os mecanismos que
regulam o uso do solo urbano não têm intervido de maneira eficaz no controle da ocupação
do solo, isto é, não têm regulado eficazmente a atuação do capital imobiliário (produtores
de moradia). Observa-se que a melhoria das condições habitacionais está diretamente
ligada à adoção de uma política urbana reguladora da oferta de terras, o que promoveria a
diminuição das desigualdades. Procura-se, neste capítulo, compreender a relação existente
entre legislação urbana e capital imobiliário na produção de moradias em Belo Horizonte,
verificando as relações entre estes agentes.
Primeiramente será feito um breve histórico da atuação do mercado imobiliário na cidade
até os anos setenta, marco da aprovação de legislações urbanísticas que muito
direcionaram a atuação do capital imobiliário: a lei federal 6766 em 1979, e a primeira lei
de uso e ocupação do solo do município em 1976. Em um segundo momento busca-se
analisar a interação desta legislação urbana municipal, assim como as outras que lhe
seguiram - a de 1985 e a de 1996 - com o mercado imobiliário. Isto exigirá uma análise dos
parâmetros urbanísticos empregados em cada uma das legislações e suas mudanças no que
diz respeito à sua influência na produção de moradias. As mudanças na legislação urbana,
ao direcionarem investimentos do mercado imobiliário, podem contribuir para que certas
áreas sejam mais atrativas que outras e o objetivo desta parte do trabalho é verificar até que
ponto estas mudanças podem estar deslocando investimentos para certas áreas e ampliando
o acesso a boas condições de moradia a uma parcela maior da população. Posteriormente à
análise das leis, procurar-se-á descrever as tendências de ocupação do espaço urbano, e
verificar se tais tendências são ou não reforçadas pela legislação urbana atual. Estas
57
tendências serão baseadas principalmente em entrevistas com pessoas envolvidas no
assunto, considerando a falta de dados recentes.
3.1. DA FUNDAÇÃO AOS ANOS SETENTA – BREVE HISTÓRICO DA
ATUAÇÃO DO CAPITAL IMOBILIÁRIO EM BELO HORIZONTE
Nesta parte do trabalho busca-se verificar a atuação do mercado imobiliário em Belo
Horizonte, bem como sua interação com os demais agentes produtores do espaço urbano,
ao longo da história da cidade. Com esta análise da evolução do setor imobiliário, objetiva-
se entender a configuração atual do espaço da cidade. Para isso serão utilizados, dentre
outros trabalhos, os estudos de diagnóstico desenvolvidos pela Prefeitura da capital, como
subisídios à elaboração do plano diretor e da Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do
Solo (LPOUS) de 1996. Não se trata de um resgate total da história da capital, mas do
relato das condições históricas da constituição do espaço e a ação dos diferentes agentes
que atuam no urbano.
Será dado destaque ao papel da atuação do poder público ao longo dos anos, uma vez que a
adoção de novas políticas por este agente provoca, na maioria dos casos, “mudanças de
estratégias e de comportamento dos demais agentes”, constituindo novos padrões de
funcionamento do mercado imobiliário (BELO HORIZONTE, 1995; p.41).
Os estudos para o plano diretor seguiram a seguinte periodização da produção imobiliária
em Belo Horizonte: o primeiro período abrange desde a criação da cidade até os anos
cinqüenta, época em que se estrutura o mercado imobiliário e se estabelece uma dinâmica
de relacionamento entre o poder público e os demais agentes; o segundo, a partir dos anos
cinqüenta até 1964, quando se dá o golpe militar; e o terceiro, a fase correspondente ao
período do regime militar, que se estende até a década de setenta, quando se institui a
primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte. A partir daí este estudo será
periodizado de acordo com a vigência das legislações urbanísticas.
• 1897 – 1950
Tendo como exemplo Washington e inspirada nas reformas francesas haussmanianas, Belo
Horizonte nasce como o resultado da aspiração pelo novo, retrato de progresso, à imagem
da República recém instaurada. Enquanto uma cidade planejada, é relevante o papel
58
desempenhado pelo poder público no processo de ocupação do espaço urbano da capital
mineira. Proprietário de grande parte dos terrenos, coube a ele a responsabilidade pelas
transações imobiliárias ocorridas nos primeiros anos.
De acordo com o plano da capital, Belo Horizonte foi dividida em três zonas: a urbana,
compreendida pelos limites da Avenida do Contorno, era destinada ao aparato burocrático
e administrativo e servia de residência para os funcionários públicos; a suburbana, logo
após a primeira onde se previa a construção de chácaras e sítios; e a rural, área destinada
aos cultivos agrícolas capazes de abastecer a cidade. No projeto da capital mineira não
havia separação hierárquica do espaço e a única diferença que existia era quanto ao tipo de
casa (GUIMARÃES, 1991, p.91). As casas construídas para os funcionários públicos se
hierarquizavam de A a F, sendo a primeira, a mais simples, destinada aos porteiros e outros
empregados de menor graduação; a última, verdadeiros palacetes, aos desembargadores ou
diretores; e as intermediárias às demais classes de trabalhadores. A aparência da
construção identificava o papel que possuía o proprietário na sociedade bem como os bens
de que dispunha. Era a segregação social manipulada pela arquitetura45.
Em 1898, surge o primeiro Código de Postura de Belo Horizonte, que estabelecia critérios
de urbanização e exigências diferenciadas entre a zona urbana e as demais. No plano da
cidade, estava previsto que sua ocupação se daria do centro para a periferia e, por isso,
apenas a área urbana deveria ser dotada de infra-estrutura. No entanto, os altos preços dos
terrenos da zona urbana, decorrentes da especulação, e o conjunto de exigências feitas aos
seus moradores, fizeram com que “grande parte da população se localizasse na zona
suburbana, onde preços e exigências eram menores” (GUIMARÃES, 1991, p.92). Além
disso, o fato de o plano da capital não prever local de moradia para os trabalhadores
construtores da cidade, fez com que os mesmos ocupassem a periferia imediata à zona
urbana. “Aqueles que não tinham condições de adquirir um terreno até mesmo na zona
suburbana - trabalhadores de baixa renda, principalmente - invadiam áreas e construíam
seus barracos” 46.
A formação de favelas é também um fenômeno que cedo se faz presente em Belo
Horizonte, em função desta imprevisão de um lugar para alojar os trabalhadores que
45 No período de março/1997 a março/1998 desenvolvi, juntamente com a Prf.ª Celina Borges Lemos, umapesquisa sobre a arquitetura de Belo Horizonte entre os anos de 1897 e 1930, incluindo um trabalhodetalhado sobre as casas-tipo. Parte do trabalho encontra-se publicada (LEMOS, 1998).46 Ibidem, p.93.
59
construíram a capital. As invasões fizeram com que o poder público interviesse na questão,
iniciando, em 1902, uma política de remanejamento dessa população para áreas periféricas.
Em 1930, a última favela da área central, a “Barroca”, foi removida para fora da avenida
do Contorno. Desta forma, ao contrário do previsto, pode-se concluir que a expansão da
cidade se deu da periferia para o centro, trazendo problemas para o poder público que,
durante muitos anos, conviveu com uma zona urbana esvaziada, dotada de serviços e infra-
estrutura, enquanto a periferia encontrava-se ocupada e carente de tais benefícios (BELO
HORIZONTE, 1995, p.42).
Durante os primeiros anos, o poder público objetivava especialmente garantir a execução
do modelo de cidade projetado. Com isso, todas as atenções voltaram-se para a zona
urbana da cidade, enquanto a periferia era ocupada de maneira desordenada e sem controle.
Embora existissem leis e regulamentos relativos à ocupação e às características das
construções, estes ou eram desrespeitados ou não eram fiscalizados, contribuindo para a
desordem urbana que se implantou principalmente fora dos limites da avenida do
Contorno.
Logo no início da fundação da cidade, pessoas como “Zé dos Lotes” surgem interessadas
em adquirir terrenos e comercializá-los. Este personagem teria adquirido “um grande
número de lotes dos proprietários vindos de Ouro Preto que não se interessavam por eles,
formando-se o embrião do futuro mercado imobiliário”47.
A partir dos anos vinte, registra-se um boom imobiliário provocado não só pelo aumento
da população, mas também estimulado pelo poder público que, através de subsídios,
incentivava os funcionários a construírem suas casas (GUIMARÃES, 1991, p.136). Neste
contexto, surgiram as primeiras Companhias Imobiliárias, responsáveis, em grande parte,
pelo boom e pela especulação de terrenos e imóveis, “sendo loteadas áreas que pertenciam
às ex-colônias e que vinham sendo adquiridas desde 1914”48. “Através de créditos e de
financiamento, estimulava-se a compra de lotes a prazo, facilitando-se também a
construção de casas, especialmente na zona suburbana, o que faria expandir a fronteira
urbana”49. Esta facilidade de créditos favoreceu a expansão dos loteamentos, em geral, sem
infra-estrutura, estimulando o crescimento da cidade para a periferia, enquanto o centro
permanecia esvaziado.
47 Ibidem, p.42.48 BELO HORIZONTE, op. cit. p.43
60
Nos anos trinta, os resultados deste processo foram agravados não só pelo crescimento
populacional acima do esperado como também pela especulação que se implantou na
cidade. Isto induz o poder público a tomar as primeiras medidas de planejamento
posteriores ao projeto original. Surge, pela primeira vez, “a necessidade de um plano
urbanístico para Belo Horizonte como condição para torná-la industrializada” (BELO
HORIZONTE, 1995, p.43). Assim, o poder público define uma política de estímulo à
ocupação da zona urbana através de sobretaxas para os lotes vagos, além de definir padrões
de construção em vilas aprovadas e estabelecer normas construtivas, objetivando conter a
desordem urbana.
O desenvolvimento da economia, aliado à política de gastos públicos, ocasiona o
crescimento das atividades urbanas, aumentando as migrações para a cidade e significando
um novo alento para o mercado imobiliário, sob cuja iniciativa se expande a ocupação
urbana por todas as direções da cidade, em especial a Norte (em direção à Pampulha) e a
Oeste (em direção à Cidade Industrial).
No final da década de trinta e início da de quarenta, foi realizado um conjunto de obras
públicas em Belo Horizonte, buscando a modernização da cidade. Destacam-se: o
loteamento do Parque Vera Cruz (1935), o complexo da Pampulha (1938), o aeroporto da
Pampulha, a avenida Antônio Carlos e o conjunto IAPI – Instituto da Aposentadoria e
Pensão dos Industriários (1942). Com relação a este último, vale ressaltar que trata-se da
primeira vez que o poder público em Belo Horizonte, “chama para si a responsabilidade de
construir casas para a classe trabalhadora, introduzindo-se a concepção de conjunto de
apartamentos para a moradia das classes populares” (GUIMARÃES, 1991, p.216).
Destaca-se o papel do poder público, neste período, como gerador de renda diferencial
(RD-I) ao realizar obras de grande vulto, capazes de direcionar novas frentes de ocupação
na cidade, representando um novo alento para o mercado imobiliário.
Ainda nos anos quarenta, o mercado imobiliário belo-horizontino era incipiente e voltava-
se, sobretudo para a construção de casas para aluguel e loteamentos. Destaca-se na
produção de loteamentos a empresa Comiteco. Já a produção de casas estava diretamente
ligada à obtenção de financiamentos junto aos bancos. Em geral, a Caixa Econômica
Federal financiava a compra de terrenos e, em alguns casos, também financiava a
49 GUIMARÃES, op.cit. p.136
61
Prefeitura, para que ela urbanizasse a área. No final desta década, ocorre uma alteração na
legislação referente a loteamentos, condicionando a aprovação à conclusão das obras de
infra-estrutura, o que não foi seguido à risca. Segundo MARES GUIA (1993), a Prefeitura
poderia conceder, a priori, uma aprovação oficiosa, desde que os projetos de loteamentos
estivessem de acordo com a nova legislação, passando estes a ser loteamentos autorizados.
Também as edificações passam a ser regulamentadas pelo Decreto 84/1940 (Código de
Obras), que define taxa de ocupação, altura e condições gerais para a implantação das
edificações. No entanto, estas regras definidas pelo Decreto 84/40 se limitavam a regular a
produção no nível pontual da edificação, não se vinculando a nenhum plano local de
estruturação do espaço urbano.
É na década de cinqüenta que são observadas alterações de maior vulto no processo de
crescimento da cidade, conseqüências de transformações no processo de urbanização e
industrialização que ocorrem no Brasil.
Segundo GUIMARÃES50, caracterizam o processo de desenvolvimento do período
analisado e que irão marcar o processo até os dias de hoje: “o crescimento desordenado da
periferia, escapando ao controle do poder público; a especulação imobiliária; as
construções clandestinas; os loteamentos fora da malha urbana e sem infra-estrutura; o
crescimento e o adensamento de favelas; a localização cada vez mais periférica da massa
de trabalhadores no espaço, entre outras”.
• 1950 – 1964
A década de cinqüenta, além de marcada pelas rápidas transformações associadas à
urbanização e à industrialização, como vimos no Capítulo 1, foi também caracterizada, no
caso de Belo Horizonte, por um intenso processo especulativo, onde a disputa por lotes
urbanizados e dotados de infra-estrutura “pressionava a valorização de lotes com situação
privilegiada e determinava a retenção de outros, à espera de valorização futura”
(FREITAS, 1996; p.49). Com isso, intensifica-se o surgimento de bairros cada vez mais
distantes, reforçando o processo de expansão periférica da cidade. A existência de uma
legislação de controle do parcelamento do solo (Decreto 58/1937) não consegue impedir a
proliferação de novos loteamentos, a maioria irregular, e tem início o processo de
50 Ibidem, p.237.
62
conurbação com os municípios vizinhos, em especial com Contagem, município onde se
implantara o pólo industrial da capital mineira e estava ausente de legislação restritiva. O
adensamento da ocupação do espaço se dá através da habitação unifamiliar horizontal, na
zona norte, e da verticalização da zona sul (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998).
Na primeira metade da década de cinqüenta é implantada no Barreiro a Siderúrgica
Mannesmann, contribuindo para a inserção da capital mineira na cena econômica nacional.
É feito nesta época o Plano Diretor da cidade que aborda principalmente “questões da
estrutura física” (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998; p.59), constituindo-se em um plano
de extensão da malha viária.
Desta década também data a construção do Conjunto JK (1958), quando o mercado se abre
para a construção de prédios de apartamentos e prédios comerciais. O que se observava, até
então, em Belo Horizonte, era a existência de construtores isolados. Aos poucos a situação
foi-se modificando e morar em apartamento “passou a ser símbolo de status e de
cosmopolitanismo” (BELO HORIZONTE, 1995, p.44). A partir daí, empresas começam a
se dedicar à construção de moradias para os setores de renda média e alta. Na maioria dos
casos, as empresas construtoras eram formadas por “egressos da Escola de Engenharia”51 e
desenvolviam atividades de incorporação, como forma de viabilizar a própria atividade de
construção. “O preço era fechado e fixo, dividido em parcelas de até 60 meses, exigindo-se
uma pequena poupança inicial do comprador final. As entradas e as parcelas iniciais
serviam para o financiamento das obras sendo as últimas a remuneração e o lucro do
construtor / incorporador”52. Em raras vezes, o comprador financiava o imóvel pela CEF.
Em geral, a construção de edifícios ocorria preferencialmente na área central, no interior da
avenida do Contorno, onde o gabarito de altura permitia maior número de pavimentos. Já
no final da década, a concentração de atividades no centro iria tornar a área imprópria para
a convivência residencial e a demanda por apartamentos migra para os bairros mais
tranqüilos, expandindo-se para fora de tal limite, como os bairros Santo Antônio, Carmo,
Cruzeiro, Funcionários e Serra (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998, p.63). No início,
constroem-se muitos prédios de três pavimentos, com apartamentos de áreas internas
generosas, mas sem elevador e sem recuo no alinhamento das calçadas. Também não há
51 Ibidem, p.44.52 Ibidem, p.44.
63
obrigatoriedade de vagas de garagens, sendo que, quando existentes, se resumem, na
maioria dos casos, a estacionamentos descobertos, nos afastamentos laterais.
Ressalta-se a importância da iniciativa privada como indutor do crescimento e
desenvolvimento urbanos. Atuando na produção de loteamentos e de construções
residenciais e comerciais, o setor privado vai direcionando a ocupação para determinadas
áreas, atraindo novos moradores e induzindo o surgimento de novos empreendimentos.
Este fato, em geral, provoca a valorização dos terrenos próximos. Segundo MATOS (1988,
p.16) “a ocupação (via assentamentos urbanos) gera ocupação”53.
Entre os anos 60 e 64, “o mercado financeiro começou a apresentar rentabilidade muito
elevada frente às altas taxas de inflação no período, tornando-se um investimento mais
atraente que o mercado imobiliário” (BELO HORIZONTE, 1995, p.45). Além disso, os
promotores imobiliários que atuavam sob preço fechado tiveram sua atuação reduzida, uma
vez que as prestações não acompanhavam a alta da inflação que atingiu o país neste
período. No que se refere aos loteamentos, pode-se dizer que o período foi marcado por
lançamentos de dois tipos: “os loteamentos nos interstícios de áreas loteadas, onde se
implantava infra-estrutura de melhor qualidade” (luz, água, calçamento, etc.); e aqueles
que representavam a “expansão popular para áreas periféricas, dando continuidade ao tipo
de loteamento que se implantava mesmo antes de 1950 em termos de infra-estrutura”,
oferecendo, no máximo luz e calçamento da rua principal54. As regiões da cidade mais
características destes processos situam-se a Noroeste e Nordeste55.
• 1964 – ao final dos anos Setenta
Até 1964 os problemas urbanos eram, em geral, resolvidos na esfera municipal. A partir
daquele ano e com o regime militar, houve a centralização de recursos e poder nas mãos do
executivo federal, que passou a definir diretrizes de várias políticas, inclusive a urbana. O
Estado passava a ser o agente básico do crescimento e modernização da economia do país.
53 Isto significa dizer que tanto os loteamentos como as construções civis funcionam como determinantes daestruturação urbana e expansão das cidades (em sintonia com as possibilidades de geração de diferentes tiposde renda da terra). Por exemplo, a abertura das avenidas Amazonas e Antônio Carlos propiciou o surgimentode novos bairros, contribuindo para a expansão da cidade naquelas duas direções. O bairro Renascença surgiunas proximidades de uma fábrica de tecidos que ali se instalou; o bairro Mangabeiras teve sua expansãopropiciada pela construção do Instituto Hilton Rocha, etc. Estes exemplos explicam a expressão empregadapor MATOS que considera que a “ocupação gera ocupação”.54 Ibidem , p.45.55 Ibidem, p.45.
64
Com isso, municípios e estados foram privados de parcela significativa dos recursos
através dos quais procuravam promover a oferta de serviços e infra-estrutura.
Nos níveis municipal e estadual, a falta de recursos provocou a paralisação da construção
de novos edifícios, redução do número de lançamentos de loteamentos e queda do preço
dos terrenos. Para aquecer o mercado imobiliário bem como contornar os graves problemas
urbanos, em especial a falta de moradia, o governo federal cria o BNH e, vinculado a ele, o
SERFHAU. O que se pretendia era inserir a política habitacional no contexto mais amplo
do desenvolvimento urbano, dando ênfase ao desenvolvimento local integrado56. À
instância municipal foi reservada a atribuição de subordinar a implantação dos novos
parcelamentos a serem executados às necessidades locais, inclusive quanto a destinação e
utilização de áreas de modo a possibilitar o desenvolvimento local integrado.
O controle sobre a implantação de novos loteamentos, entretanto, continuava na instância
municipal, podendo a administração local recusar a aprovação para evitar o aumento de
investimento com obras de infra-estrutura. Na prática, pretendia-se que o modelo de
crescimento urbano via parcelamento/agregação das periferias, até então em vigor, “fosse
substituído por um novo modelo, no qual o lote já seria oferecido juntamente com as
moradias implantadas, o que se viabilizaria através da atuação conjunta entre o grande
capital imobiliário e o BNH” (BELO HORIZONTE, 1995, p.46). Nos casos específicos de
Belo Horizonte e dos maiores municípios da RMBH, nota-se que o número de loteamentos
sem qualquer infra-estrutura se reduz no final da década de sessenta, prevalecendo os
parcelamentos com alguma infra-estrutura. Isto ocorre no caso do bairro Cidade Nova,
primeira iniciativa de parcelamento do solo em grande escala voltado para a classe média.
No que se refere aos financiamentos liberados pelo BNH para produção de moradias
constata-se que “praticamente não houve recursos para a área de interesse social” (BELO
HORIZONTE, 1995, p.48) no período entre 1970 e 1976; ampliando sua atuação entre
1978 e 1982. De fato, as COHABs e os INOCOOPS57 desenvolveram um volume de
construção relativamente pequeno, mas capazes de ampliar as diferenças sócio-espaciais
56 Sobre a elaboração de Planos de desenvolvimento Local Integrado consultar MONTE-MÓR (1980)57 As COHABS são Companhias Habitacionais criadas em 1965, a partir da instituição do SFH (SistemaFinanceiro de Habitação) e do BNH (Banco Nacional de Habitação). São empresas de economia mista e, emgeral, têm como acionista majoritário o poder público (estadual ou municipal). Os INOCOOPS (setor dentrodo BNH) são Cooperativas Habitacionais que atuam na construção e comercialização de residências parapessoas de baixo poder aquisitivo. Os imóveis são construídos com verba própria dos cooperados. Sobre esteassunto ver AZEVEDO e ANDRADE, 1982.
65
entre o centro e as periferias: nas mais afastadas, centenas de casinhas idênticas da
COHAB; dentro da malha urbana, o conjunto de prédios do INOCOOP, de fácil
identificação pela arquitetura e acabamento empregado. É bom salientar que as populações
com rendas mais baixas (menos de três salários mínimos) não foram atingidas por estas
ofertas.
Porém, é a partir dos anos setenta que a questão urbana no Brasil passa a ser tratada de
forma mais ampla. Institucionalizam-se as Regiões Metropolitanas, entre elas a de Belo
Horizonte (RMBH), congregando catorze municípios e cria-se o Planejamento da Região
Metropolitana (PLAMBEL), órgão técnico que, aos poucos irá intervir sobre o
parcelamento do solo na região. Em 1976, este órgão aprova o Plano de Ocupação do Solo
da Aglomeração Metropolitana (POS), passando a regulamentar o parcelamento de áreas.
Neste mesmo ano a distribuição espacial das funções urbanas de Belo Horizonte passou a
ser regida pela Lei 2662/76, a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo do município e
criada a partir da proposta do PLAMBEL.
Ao longo da década de setenta, alguns investimentos produtivos vêm se localizar na região
metropolitana, sendo indutores da expansão urbana: a FIAT Automóveis e a FMB _
Produtos Metalúrgicos _ em Betim; a SOEICON em Lagoa Santa; a GM Terex do Brasil
em Belo Horizonte; e a Brasox S.A. Indústria e Comércio, em Contagem (MATOS, 1988;
p.17). Além destes, outros investimentos privados se implantaram em Belo Horizonte,
desempenhando papel de estruturadores urbanos, a exemplo do Instituto Hilton Rocha, no
bairro Mangabeiras, e o Shopping Center, na fronteira com Nova Lima.
Em geral, os anos setenta assistiram a uma dinamização do mercado imobiliário,
aumentando o número de apartamentos construídos, principalmente para o segmento de
renda média da população. A construção vertical invade os bairros e, ao longo dos
principais eixos viários formam-se concentrações comerciais importantes como em Santa
Tereza, no Barro Preto, na Barroca e no bairro dos Funcionários58.
Diversas modificações no traçado viário tornam-se necessárias em função do grande
número de veículos que passou a circular pela cidade. “A Praça Sete deixa de ser uma
grande rotativa para ser atravessada pelos fluxos das avenidas Afonso Pena e Amazonas.
Há investimentos em obras viárias, ocorrendo a implantação das vias expressas Norte e
58 ANDRADE E MAGALHÃES, op. cit. p.68.
66
Leste-Oeste. Os bairros mais próximos do centro, principalmente o vetor sul da cidade se
transforma em espaço preferencial da burguesia”59. A euforia de construções vai até 1976,
quando se inicia um processo gradual de exigências do BNH para o financiamento de
imóveis de maior valor, o que não chegou a afetar o volume de construções que continuava
alto como reação defensiva à Lei de Uso e Ocupação do Solo que seria aprovada no final
daquele ano. Os empresários, quando tiveram conhecimento do projeto de lei que estava
para ser aprovado, buscaram aprovar seus projetos em terrenos que sofreriam restrição nos
coeficientes de aproveitamento, especialmente na região sul, onde este tipo de restrição
seria maior pela imposição da ZR2 (zona residencial 2), como será visto adiante.
De modo geral, consolida-se a tendência de adensamento “ao longo dos eixos que saem do
centro em todas as direções” (ANDRADE e MAGALHÃES, 1998, p.70). Pela FIG.1
pode-se observar a expansão da ocupação e da mancha urbana no território de Belo
Horizonte desde sua fundação.
Com relação aos loteamentos, pode-se identificar duas “safras” distintas: a primeira refere-
se aos loteamentos que representaram novas frentes de ocupação para os estratos de renda
média emergentes, cujo aumento do poder aquisitivo provocou uma demanda significativa
por lotes com infra-estrutura e sítios de recreio, que passam a ser alvo da produção do
mercado imobiliário. O lançamento do bairro Cidade Nova foi o pioneiro e representava
uma inovação no que se refere à localização. Em geral, eram loteamentos bem situados,
feitos com infra-estrutura completa. Este tipo de loteamento foi também desenvolvido no
vetor sul, no município de Nova Lima, constituindo-se em uma extensão da zona sul da
capital. Esta novidade de ocupação representava um esforço do mercado imobiliário para
obter maiores ganhos de incorporação. No entanto, o número de lotes em oferta era maior
que o poder de compra daquela camada da população, fazendo com que grande parte dos
lotes permanecesse vazia.
A segunda “safra” de loteamento refere-se à produção de lotes populares, fora do
município-sede da região metropolitana. Eram, na maioria, desprovidos de infra-estrutura e
se concentravam em municípios com estruturação administrativa precária, em especial
Ribeirão das Neves60 e Ibirité.
59 BELO HORIZONTE, op.cit. p.48.60 Para loteamentos populares da década de setenta, ver COSTA (1983), que trata, em seu trabalho, do casoespecífico do município de Ribeirão das Neves.
67
Em 1979 é promulgada a Lei Federal 6766/1979 através da qual foram instituídas novas
exigências jurídicas e técnicas para a execução de parcelamento e venda dos lotes em nível
nacional, institucionalizando a interferência metropolitana na questão. A lei não só faz
exigências quanto aos loteamentos como também cria punições severas para aqueles que a
descumprirem, representando uma restrição à produção de loteamentos de baixa qualidade
por parte do capital imobiliário.
Neste contexto, ressalta-se a mudança no papel desempenhado pelo poder público ao longo
destes anos. Tradicionalmente, suas ações sempre se deram em função das demandas da
iniciativa privada e, somente a partir das últimas décadas é que os problemas gerados pelo
crescimento desordenado das cidades fizeram surgir uma ação planejada por parte dos
órgãos públicos, disciplinando e controlando a ação dos interesses particulares e buscando
privilegiar o interesse coletivo.
Em decorrência da crescente participação do poder público no urbano, ao lado dos
conflitos e pressões diferenciados, “surge a necessidade de se estabelecer regras e normas
que regulem a ação dos múltiplos agentes” (MATOS, 1988; p.20), principalmente tendo
como princípio a justiça social. Neste caso, a legislação urbanística é vista como fator
relevante na configuração do espaço urbano.
3.2. LEGISLAÇÕES MUNICIPAIS E CAPITAL IMOBILIÁRIO: O CASO DE
BELO HORIZONTE
3.2.1. Lei 2662 / 1976: a primeira Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte
(1976 – 1985)
Aprovada em 29 de novembro de 1976, a Lei no. 2662 - primeira Lei de Uso e Ocupação
do Solo de Belo Horizonte - é decorrente do processo de planejamento que se instaurou no
país desde os anos sessenta, caracterizado por uma política urbana centralizada e não
participativa. Este processo de planejamento culminou, no caso específico de Belo
Horizonte, na elaboração do Plano de Ocupação do Solo da Aglomeração Metropolitana
(POS) aprovado em 1976 e que foi base para a elaboração da Lei 2662. A preocupação
com a dimensão metropolitana estava expressa em seu artigo 1º (BELO HORIZONTE,
1983, s.p.):
68
“Esta lei estabelece as normas de uso e ocupação do solo do município, de
acordo com as recomendações do Plano de Desenvolvimento Integrado
Econômico e Social da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDIES) e
do Plano de Ocupação do Solo da Aglomeração Metropolitana (POS)”.
Observa-se, assim, que a lei, apesar de se limitar ao município de Belo Horizonte,
apresentava uma concepção urbanística mais ampla, um planejamento em nível
metropolitano, “embora este último não tenha sido implantado” (FREITAS, 1996; p.55).
Segundo MATOS (1988), a Lei 2662/76 buscava criar “ambientes equilibrados”, devendo
a ocupação bem como a diversidade de usos ser mais concentrada no centro (que ainda
apresentava grandes áreas vazias) e iria reduzindo à medida que se dirigia rumo à periferia.
Na verdade, o ordenamento espacial que se propunha apenas reforçava a estrutura urbana
existente, permitindo que determinadas áreas tivessem coeficientes de aproveitamento e
taxas de ocupação mais permissivas em relação a outras.
Os mecanismos centrais da Lei eram, segundo apontou um estudo do Centro de Estudos
Urbanos de Belo Horizonte (CEURB, 1994; p.13):
“O principal objetivo da LUOS de Belo Horizonte, segundo os técnicos que
a conceberam, era conter a especulação imobiliária, oferecendo uma
melhor qualidade de vida para seus moradores (...) a Lei criou o
zoneamento da capital a partir de três elementos normativos: categorias de
uso (residencial, comercial, industrial e institucional), modelos de
assentamento (cujos coeficientes básicos são a taxa de ocupação e o
coeficiente de aproveitamento) e os modelos de parcelamento (cujo
principal elemento é o tamanho mínimo do lote). A característica
operacional básica deste zoneamento é a combinação diferenciada destes
três elementos que, quando localizados no espaço, criam zonas com
características de restrições diferenciadas em função destes elementos”.
Tendo isto em vista, a lei adotou um zoneamento funcionalista e racional, dividindo o
município em zonas: Zonas Residenciais (ZR) classificadas de 1 a 6 (ZR-1 a ZR-6); Zonas
Comerciais (ZC) classificadas de 1 a 6 (ZC-1 a ZC-6); Zona Industrial (ZI); Zonas de
Expansão Urbana (ZEU) classificadas de 1 a 4 (ZEU-1 a ZEU-4); Zona de Uso Especial
(ZUE) e Setores Especiais (SE) classificados de 1 a 3 (SE-1 a SE-3) (TAB. 2).
69
Quanto à ocupação, foram concebidos diferentes modelos de assentamento (MA), variando
de 1 a 19 (MA-1 ao MA-19), o que garantia uma certa flexibilidade quanto às formas de
ocupação do solo para as diferentes atividades urbanas (FREITAS, 1996; p.56) (TAB. 3).
De um modo geral, a aprovação da Lei 2662/76 pouco alterou a atuação do mercado
imobiliário ou dos demais agentes urbanos, principalmente devido ao fato de ser
“caracteristicamente muito permissiva” (FREITAS, 1996, p.57). Em seu trabalho, MATOS
(1984) analisa os diferentes impactos dessa legislação sobre a estrutura urbana de Belo
Horizonte. O autor verificou que as conseqüências foram significativas, causando várias
distorções no interior da cidade de Belo Horizonte, em função da valorização diferenciada
de terrenos provocada pelo zoneamento proposto. Este impacto no preço dos terrenos
acabou por direcionar as atividades do mercado imobiliário, nas diferentes regiões do
município. MARQUES (1999) demonstra em seu trabalho a elevação do preço de terrenos
em determinadas partes da capital mineira, contribuindo para a reafirmação da segregação
sócio-espacial no contexto urbano da cidade. Segundo ele (1999, p.91):
“O novo modelo de planejamento funcionalista implementado, além de ter
provocado a abertura de novas frentes de ocupação na cidade para as
populações de renda mais elevadas _ em regiões anteriormente tidas como
de ocupação popular _ de outro modo, confirmou o processo de
periferização e suburbanização ao incorporar novas terras, na área urbana,
para populações de baixa renda”.
De fato tanto os estudos do PLAMBEL (1987) quanto do CEURB (1994) mostram que a
redistribuição dos usos e o zoneamento abriram novas frentes de ocupação para os estratos
de média-alta renda da sociedade, por meio da melhoria da infra-estrutura, estabelecendo
uma ocupação estratificada e segregadora.
Ressalta-se, neste contexto, a presença do poder público como elemento fundamental para
o dinamismo do mercado imobiliário. Além de atuar, a partir de 1976, como agente
responsável pela ordenação do crescimento urbano, também foi responsável por abrir
novas frentes de ocupação, principalmente por meio da implantação de infra-estrutura,
gerando Renda Diferencial I no solo, que seria incorporada pelo setor privado,
estimulando, inclusive, a ação de especuladores e a reserva de áreas à espera de
valorização. Este processo acabou por resultar na intensificação da clandestinidade urbana,
uma vez que os segmentos sociais de mais baixa renda não tinham acesso às áreas
70
valorizadas mais centrais, e, conseqüentemente, tinham duas possibilidades: ou se dirigiam
a assentamentos na periferia metropolitana, em geral, irregulares ou clandestinos; ou
invadiam áreas na cidade, correspondendo a um processo de favelização.
No que se refere à atuação do mercado imobiliário em relação à produção de moradias
pode-se dizer que o zoneamento preferencial para investimento foi a ZR-4 (zona
residencial 4), que permitia, além do uso residencial unifamiliar, o uso residencial
multifamiliar horizontal e vertical. O modelo de assentamento mais permissivo neste
zoneamento era o MA-5 (modelo de assentamento 5), destinado ao uso residencial
multifamiliar vertical, cujo coeficiente de aproveitamento61 máximo era igual a 2,0, que
poderia ser aumentado caso a taxa de ocupação fosse reduzida62, o que, segundo FREITAS
(1996, p.58) “poderia representar uma tendência à verticalização”, uma vez se permitia a
redução da taxa de ocupação caso fosse aumentado seu coeficiente de aproveitamento (ou
seja, poder-se-ia construir mais, através do acréscimo do número de pavimentos da
construção). Outros parâmetros urbanísticos adotados para a ZR-4 resultaram em uma
tendência ao adensamento construtivo, principalmente a não obrigatoriedade de existência
de vagas de garagem e de pilotis para edifícios de até três pavimentos. Além disso, os
afastamentos laterais e de fundo eram fixos, independentemente da altura do edifício,
reforçando a tendência de adensamento.
Com relação ao zoneamento ZR-3 (zona residencial 3) destinado à construção de conjuntos
residenciais verticais de interesse social observa-se que apresentou “resultado incompatível
com a função específica, com o grau de infra-estrutura urbana, e com o capital social,
público e privado nela investido” (BELO HORIZONTE, 1985, introdução), uma vez as
áreas com este zoneamento continuaram vazias e desprovidas de investimento.
3.2.2. Lei 4034 / 1985: 1985 – 1996
Aproximadamente nove anos depois da aprovação da primeira Lei de Uso e Ocupação do
Solo de Belo Horizonte, foi aprovada uma nova lei: a no. 4034, de 25 de março de 1985. A 61 Coeficiente de aproveitamento (CA) é o índice pelo qual se multiplica a área do lote para o cálculo dopotencial construtivo de um terreno edificável. Indica o nível de adensamento do mesmo.62 A Lei 2662, em seu artigo 44, permitia o aumento do coeficiente de aproveitamento em função da reduçãoda taxa de ocupação, de acordo com a seguinte fórmula: K= Ko+(To-T) / T, sendo: K= coeficiente deaproveitamento; Ko= coeficiente de aproveitamento máximo permitido; T= taxa de ocupação; To= taxa deocupação máxima para o modelo.
71
nova lei pode ser considerada uma revisão da antiga lei 2662/76, uma vez que manteve o
mesmo caráter funcionalista (FIG. 2).
Uma das alterações introduzidas pela Lei 4034/85 refere-se à subdivisão da antiga ZR-4
(zona residencial 4) em três novas zonas: a ZR-4B, que permitia maior adensamento; a ZR-
4, agora apresentando menor adensamento que anteriormente; e a ZR-4A com densidade
intermediária entre aquelas permitidas na ZR-3 e na ZR-4. Tais alterações estavam
baseadas em critérios de acessibilidade e qualidade de infra-estrutura disponível. Esta
modificação foi justificada pela necessidade de controlar o adensamento na antiga ZR-4
que se encontrava saturada pelo alto índice de ocupação (TAB. 4).
A nova lei também redistribuiu as possibilidades de localização das atividades econômicas
nas diferentes zonas, na tentativa de proporcionar “maior heterogeneidade e
complementariedade do espaço urbano” (BELO HORIZONTE, 1985; p.21), com base nas
relações entre moradia / trabalho, moradia / consumo, moradia / lazer.
Algumas mudanças ocorridas nesta lei com relação a anterior referem-se principalmente ao
uso. O que se observa é que os critérios de compatibilização das atividades entre si
parecem ter sido ampliados. Segundo FREITAS (1996, p.61), “o uso industrial, por
exemplo, deixa de ser classificado somente pelos incômodos sonoros e atmosféricos que
pode causar, passando a ser considerado segundo o potencial poluidor de cada atividade
específica”.
Além disso, as categorias de uso da antiga lei foram mais bem detalhadas, passando de 281
tipos de atividades para 837.
Algumas alterações nos parâmetros urbanísticos também foram feitas, em geral
contribuindo para tornar a Lei 4034/85 “ainda mais permissiva” (FREITAS, 1996, p.61)
que a anterior, no que diz respeito à ocupação. Dentre as principais mudanças podemos
citar: redução da área mínima do lote nos modelos de assentamento MA-3, MA-8, MA-12
e MA-15, aumento das taxas de ocupação máximas nos modelos MA-9, MA-10, MA-12,
MA-15 e MA-16, assim como dos coeficientes de aproveitamento máximo nos modelos
MA-12 e MA-15. Também sofreram redução os afastamentos mínimos obrigatórios nos
modelos MA-10, MA-15 e MA-16. A justificativa dada para tal ação foi no sentido de
“favorecer a evolução da construção civil, a boa qualidade da arquitetura e a redução dos
custos de construção (...)” (BELO HORIZONTE, 1985; p.21) (TAB. 5).
72
Estas mudanças acabaram por beneficiar a atuação do mercado imobiliário em diferentes
áreas da cidade, em especial as mais centrais e mais nobres. No ano de 1993, cerca de um
terço do número de apartamentos comercializados na capital situava-se na região Centro-
Sul (33,4%) e os demais 66,6% distribuídos entre as regiões Oeste (16,8%), Noroeste
(14,5%), Pampulha (14,7%), Nordeste (6,3%), Leste (6,9%) e demais regiões. O mesmo
ocorria para os imóveis comerciais que se concentravam na região Centro-Sul,
especialmente salas (87,2%) (BELO HORIZONTE, 1995, p.56).
No que se refere àquela modificação no zoneamento ZR-4, observa-se que a alteração mais
significativa foi a proibição do modelo de assentamento MA-5, da lei 2662/76, para a
construção de edifícios residenciais. Deve-se lembrar que este modelo era um dos mais
permissivos, apresentando coeficiente de aproveitamento igual a 2,0 o que favorecia o
adensamento. No entanto, as modificações introduzidas em modelos como o MA-3 e o
MA-15 ainda implicavam em maiores possibilidades de ocupação dos lotes63. Desta forma,
acredita-se que as tentativas de redução do adensamento pela mudança do zoneamento ZR-
4 não foram tão significativas quanto se pretendia.
Outra alteração relativa ao uso residencial multifamiliar vertical refere-se à introdução do
modelo de assentamento MA-9, que se destina ao uso misto: comércio e/ ou serviços no
térreo e moradia nos demais andares. Neste modelo o coeficiente de aproveitamento
máximo era igual a 3.4, tornando-se atraente para os empreendedores imobiliários, dado o
maior número de unidades que poderiam ser produzidas e, conseqüentemente, maior a
possibilidade de obtenção de lucro. Este se tornou o modelo de assentamento preferido dos
incorporadores e, por isso, mais empregado na área urbana (centro-sul) de Belo Horizonte,
resultando em um padrão de ocupação característico da região.
Uma simulação ilustra esta situação. Utilizando como exemplo um terreno de 1.000m2
(20m x 50m) na ZC-3 (zona comercial 3), que permite a aplicação do MA-9
(comércio/serviços no térreo e moradia nos demais andares) e considerando os dados da
TAB. 5, poder-se-ia construir até 3.400m2 de área de piso (1000 x 3.4). Se os dois
primeiros pisos fossem utilizados pelo comércio e/ou serviço, e, utilizando o máximo do
lote segundo permitido pela lei (para estes dois pavimentos), obter-se-ia 1840m2
63 Com relação ao MA-3, o lote mínimo exigido foi reduzido de 360,0m2 para 200,0m2, implicando maioradensamento. Já com relação ao MA-15, também foi reduzido o lote mínimo exigido (de 600 para 200 m2),além de aumentar a taxa de ocupação (de 0,4 passou para 0,5) e o coeficiente de aproveitamento (de 0,8passou para 1).
73
(20x46x2). Assim, restariam 1.560m2 para serem transformados em unidades
habitacionais. Considerando cada unidade de 100m2, ter-se-ia aproximadamente 16
unidades.
Empregando agora o mesmo raciocínio para um terreno típico da área urbana (15m x 40m
= 600m2), poder-se-ia construir até 2040m2, sendo 1080m2 (15m x 36m) utilizados como
área de comércio/serviços. Os demais 960m2, divididos em unidades habitacionais,
poderiam, por exemplo, gerar 10 unidades de 96m2. Observando a taxa de ocupação para
este modelo de assentamento, as habitações poderiam estar distribuídas em 5 andares (2
unidades por andar) ou 4 andares (3 unidades por andar e uma cobertura), como
esquematizado a seguir:
15,00m
3,00
40,00m
36,00 3,00 3,00
comércio/serviços
torre unidades habitacionais
4,00 9,00
Área: 600m2
OBS: afastamentos laterais e de fundo somente a partir do 3º pavto.
Observa-se que várias das alterações ocorridas na Lei 4034/85 referem-se muito mais a
diferenças quanto às possibilidades de uso do que mudanças na forma de ocupação do solo
urbano. Pode-se verificar pelo exemplo mostrado que os padrões de edificação são fixos
(afastamentos, coeficientes de aproveitamento, taxa de ocupação), não variando as opções
de ocupação por parte dos empreendedores imobiliários, que buscam a maximização dos
lucros.
74
O zoneamento ZC-3 bem como o modelo de assentamento MA-9 acima mostrados foram
responsáveis pelo adensamento de grande parte da área urbana e parte da suburbana,
próxima ao limite da Av. do Contorno, determinando um padrão de ocupação característico
da região por ser este o modelo preferido dos incorporadores, já que permitia maior
adensamento.
Observa-se que as modificações efetuadas nos zoneamentos acabaram por favorecer o
adensamento de um modo geral.
Por fim, pode-se dizer que a Lei 4034/85 (aprovada em julho de 1985 para vigorar a partir
de Dezembro do mesmo ano) não alterou os princípios básicos da lei 2662/76 (FREITAS,
1996; p.65), consolidando a visão funcionalista adotada anteriormente e reforçando o
processo de segregação sócio-espacial.
Ao final do ano de 1996 foi aprovada a nova Lei de Parcelamento Ocupação e Uso do Solo
de Belo Horizonte, segundo os princípios da Constituição Federal de 1988 no que se refere
à política urbana. Antes da aprovação desta legislação a cidade assistiu a um verdadeiro
boom de aprovações de projetos significando uma reação defensiva à lei que seria
aprovada no final daquele ano. Os empreendedores imobiliários buscaram aprovar seus
projetos em terrenos que sofreriam restrição nos parâmetros urbanísticos, especialmente na
região centro-sul, onde este tipo de restrição seria maior já que correspondia à região da
cidade mais saturada e onde o adensamento deveria ser contido.
Além disso, destaca-se o fato de o Plano Diretor ter sido aprovado pela Câmara Municipal
depois de ampla discussão do Legislativo e do Executivo com a sociedade, sendo
sancionado em agosto de 1996. Sua aprovação, ainda que tardia (oito anos após a
Constituição Federal ter sido promulgada) traz à tona o conflito de interesses entre os que
se empenham por uma cidade efetivamente pública e forças privativistas, indiferentes aos
direitos da maioria e à necessidade de se garantir melhor qualidade de vida à grande
parcela da população.
3.2.3. O plano diretor e a Lei 7166 / 1996: 1997 – 2000
Conforme determinado pela Constituição de 1988, o plano diretor e a Lei de Parcelamento,
Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte (LPOUS), aprovados em 1996, têm como
75
princípio a busca da função social da propriedade e da cidade. O antecedente mais
imediato do plano diretor pode ser considerado a Lei Orgânica do município64 que
determinava a administração participativa. Aprovado em 1996, o plano diretor reúne
dispositivos para normatizar e estimular o desenvolvimento do município, constituindo
importante instrumento para definir a ocupação e o uso do espaço, bem como os rumos de
crescimento da cidade. Ressalta-se que o fato de Belo Horizonte estar vivendo um
momento de gestão democrática foi importante para o processo de aprovação da lei
7166/1996. No período 1993/1996 a administração municipal de Belo Horizonte,
encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores, apresentou um conjunto de iniciativas
baseadas na idéia de governança e com componentes de descentralização, buscando a
eficiência político-administrativa, a incorporação de diferentes interesses em jogo nos
processos de formulação e implementação de políticas, inclusive com a participação direta
da população de modo a ampliar os direitos de cidadania e reduzir as desigualdades
sociais.
Anteriormente à aprovação da LPOUS/1996 e do plano diretor, duas outras leis de uso e
ocupação do solo existiram em Belo Horizonte: uma estabelecida em 1976 e outra em
1985. Ambas apresentavam um caráter essencialmente funcionalista. Estas duas leis e os
correspondentes instrumentos de controle de uso e ocupação da terra urbana, não tiveram
papel relevante na tendência de ocupação e expansão do espaço da cidade, que vinha sendo
orientada essencialmente pela atuação do mercado imobiliário. Como resultado, observam-
se bairros mais nobres excessivamente adensados em contraposição a outros que, apesar de
bem dotados de infra-estrutura e serviços urbanos, permanecem pouco adensados. Neste
contexto, alguns princípios de zoneamento adotados pelo plano diretor e pela LPOUS de
1996 constituem importantes iniciativas para se promover uma organização técnica e
socialmente mais justa do espaço da cidade. São eles:
1. Ocupação e adensamento: A divisão do território em zonas (macro-zoneamento) em
função de suas características e potencialidades objetiva o redirecionamento do
adensamento, estimulando a ocupação de áreas subutilizadas e restringindo-a em
outras. O controle da ocupação e do adensamento é definido por parâmetros
urbanísticos (coeficiente de aproveitamento, quota de terreno por unidade residencial,
64 Cujo relator, o vereador Patrus Ananias, viria a ser o futuro prefeito de Belo Horizonte, então eleito em1992.
76
taxa de ocupação, gabarito, taxa de permeabilização e afastamentos), que irão
direcionar a atuação dos construtores urbanos.
2. Centralidades e flexibilização de usos: O incentivo a novas centralidades fora dos
centros tradicionais da cidade, objetiva o redirecionamento do adensamento,
favorecendo o desenvolvimento de diversas áreas da cidade e a conseqüente atuação do
capital imobiliário nestas áreas. A flexibilização de usos proporciona o surgimento de
novas centralidades, assegurando a multiplicidade de serviços em diferentes regiões da
cidade.
Com este tipo de ênfase, a legislação urbanística poderá contribuir tanto para melhor
controlar as densidades, quanto para a descentralização dos usos, o que poderá trazer
resultados positivos para a estruturação do espaço social da cidade.
Além destes princípios, o atual sistema legal de uso e ocupação do solo de Belo Horizonte
incorpora vários instrumentos com base nos princípios gerais estabelecidos pela
Constituição de 1988, cabendo destacar os seguintes:
1. Transferência do direito de construir → direito de exercer em outro local o potencial
construtivo previsto na LPOUS que não possa ser exercido no imóvel de origem.
2. Operação urbana→ conjunto de intervenções coordenadas pelo Executivo com
participação da iniciativa privada, objetivando viabilizar projetos urbanísticos especiais
- inclusive habitacionais - em áreas previamente delimitadas.
3. Convênio urbanístico de interesse social→ acordo entre o município e a iniciativa
privada para execução de programas habitacionais de interesse social.
4. Áreas de Diretrizes Especiais → são áreas que, por características específicas,
demandam políticas de intervenção e parâmetros urbanísticos e fiscais diferenciados, os
quais devem ser sobrepostos e preponderantes ao macro-zoneamento.
5. Gestão urbana → é desenvolvida pelo Executivo e pela Câmara Municipal, devendo
contar com a participação da população. Para a implementação de programas
urbanísticos, são criados mecanismos que permitem a participação dos agentes
envolvidos em todas as fases do processo, desde a elaboração até a implantação e a
gestão dos projetos aprovados. Para isso é criado, entre outros, o Conselho Municipal
77
de Política Urbana – COMPUR – com representantes da Câmara Municipal e de
segmentos sociais específicos: técnico, empresarial, executivo e popular. Cabe a este
conselho monitorar a implementação das normas contidas na LPOUS, podendo sugerir
modificações em seus dispositivos.
Além destes instrumentos criou-se também o IPTU progressivo (Imposto Predial e
Territorial Urbano progressivo) que obriga o proprietário do solo urbano não edificado,
subutilizado ou não utilizado a promover o seu adequado aproveitamento. No entanto, no
caso de Belo Horizonte, este imposto somente pode ser aplicado em lotes com área
superior a 2.000m2, tornando-se um instrumento pouco utilizado.
A proposta de criar instrumentos que contribuam para a promoção do princípio da função
social da propriedade e da cidade inclui entre seus objetivos: garantir a multiplicidade das
atividades urbanas no território; separar parâmetros relativos à ocupação daqueles
associados ao uso do solo urbano; estabelecer parâmetros urbanísticos de ocupação,
considerando as condições de adensamento de cada área. A ênfase dada à ocupação do solo
urbano é uma tentativa de promover a redistribuição socialmente mais justa da população e
buscar o cumprimento da função social da propriedade. Para isso, o macro-zoneamento da
cidade, bem como os parâmetros urbanísticos adotados teriam importante função no
sentido de direcionar a atuação do capital imobiliário, um dos principais agentes
responsáveis pela produção do espaço urbano.
O macro-zoneamento constante da LPOUS/1996 (FIG.3) determina zonas de acordo com
os seus potenciais de adensamento. As principais zonas criadas que irão interferir
diretamente na atuação do agente imobiliário são: Zonas de Adensamento Preferencial
(ZAP); Zonas de Adensamento Restrito (ZAR) e Zonas Adensadas (ZA)65. As ZAP são as
áreas passíveis de adensamento em decorrência de condições favoráveis, especialmente de
infra-estrutura e de topografia. As ZAR são regiões em que a ocupação é desestimulada em
razão de ausência ou deficiência de infra-estrutura básica, precariedade ou saturação da
articulação viária (interna ou externa) ou adversidade das condições topográficas. As ZA
são áreas nas quais o adensamento deve ser contido por apresentarem alta densidade
demográfica e intensa utilização da infra-estrutura urbana.
65 Além dessas três, existem as Zonas de Proteção (ZP) e as Zonas de Preservação Ambiental (ZPAM); aZona Central (ZC) e as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Para análise dos parâmetros urbanísticosdeterminados para cada zoneamento, ver TAB. 6.
78
Estas áreas – zonas adensadas (ZA) – por serem mais centrais e muito valorizadas, eram
foco de atuação da produção imobiliária para os segmentos de alta renda da população nas
leis anteriores (1976 e 1985): apresentavam os maiores potenciais construtivos associados
à maior diversidade de usos, o que reforçava a excessiva concentração de atividades, a
supervalorização da área e aumentava as desigualdades sócio-espaciais. A lei de 1996
propõe a restrição da ocupação nessas áreas por se encontrarem muito saturadas.
Já as ZAPs, onde é estimulado a adensamento, são áreas que, apesar de apresentarem
características físico-urbanísticas apropriadas e capacidade de infra-estrutura instalada
semelhantes às áreas centrais, são menos nobres e, por isso, não são interessantes para uma
parcela do mercado que atua na produção de moradias para o segmento de alta renda. No
entanto, as ZAPs irão favorecer a atuação de outros tipos de empresas, como aquelas que
atuam voltadas para os setores de renda média da sociedade. Observa-se que muitos
empreendedores procuram estas áreas, uma vez que possibilitam maior adensamento
(C.A.=1,7), o que pode também significar maior obtenção de lucro. Aliado a isto, há a
quota de terreno por unidade habitacional - parâmetro urbanístico adotado na nova lei - que
também reorienta a atuação dos empreendedores imobiliários. A quota mínima por unidade
de terreno determina o número de unidades em um lote e, conseqüentemente, o nível de
adensamento. Como para moradias multifamiliares a quota mínima de terreno por unidade,
em uma área de zoneamento ZAP, é de 25m2/unidade, isso amplia a possibilidade de
atuação das construtoras.
Considerando, por exemplo, um terreno de 1000m2 (20m x 50m), numa área de
zoneamento ZAP, com quota de 25m2/unidade, conclui-se que poderão ser construídas até
40 unidades: 1000:25(quota) = 40 unidades. Ao mesmo tempo, observa-se que, neste
mesmo terreno, poderão ser construídos 1700m2 (1000 x 1,7). Assim, neste terreno podem
ser edificadas 40 unidades, sendo cada unidade de 42 m2.
No entanto, o tamanho da unidade poderá determinar o consumidor que vai adquirir esta
habitação (determina o nicho de mercado). Tomando o exemplo acima (um terreno de
1000m2, numa zona de adensamento preferencial (ZAP)), poder-se-ia reduzir o número de
unidades e aumentar a área de cada apartamento. Por exemplo: adotando-se 17 unidades,
poder-se-ia construir 100m2/unidade [(1000x1,7):17]. Para o caso brasileiro, pode-se
considerar que um incorporador que optar por produzir unidades de 100m2 tem em mente
que seu produto estará direcionado a clientes do segmento de média-alta renda.
79
Poder-se-ia pensar que quanto maior o número de unidades, maior seria o lucro desse
empreendedor. No entanto, não se pode tomar isto como uma conclusão generalizável, pois
se fossem construídas 10 unidades com padrão de acabamento de alto luxo poder-se-ia, por
exemplo, obter mais lucro do que com as 40 unidades para o segmento de média-baixa
renda. Estamos com isso, querendo dizer que a obtenção de lucro pode ou não estar ligada
somente ao maior número de unidades; pode também estar condicionado pelo nicho de
mercado (e ao preço do produto direcionado a esse mercado) e às características do
produto (qualidade e acabamento).
Reduzindo este número de 40 para 32 unidades, ter-se-ia 53m2/unidade. Neste caso a
unidade habitacional seria considerada apropriada a uma demanda de média-baixa renda na
visão dos empreendedores que atuam para este segmento. A princípio acredita-se que, se
os segmentos de média-baixa renda têm acesso à moradia numa área de zoneamento ZAP,
que apresenta boas condições de infra-estrutura e acesso aos serviços urbanos, poderia
estar ocorrendo uma distribuição socialmente mais justa da população no espaço da cidade.
Além do coeficiente de aproveitamento e da quota de terreno por unidade habitacional,
outros fatores que vão determinar o tipo de empreendimento a ser implantado em
determinada área são o afastamento e a altura da construção. Pela atual lei, os afastamentos
– laterais e de fundo – vão aumentando quanto maior for a altura da construção. Diante
disto e considerando-se novamente o exemplo do terreno de 20m x 50m, numa zona de
adensamento preferencial (ZAP), onde poderiam ser construídas 32 unidades de 53,0m2,
pergunta-se: como dispor essas unidades no terreno? Será o projeto que determinará as
características da construção, e, conseqüentemente, a faixa de renda que vai adquirir o
produto final. Assim, a largura do terreno será determinante para o tipo de
empreendimento adotado. Por exemplo: se a decisão é de construir um edifício com duas
unidades por andar, poder-se-ia ter um edifício de 16 andares. Este edifício teria
aproximadamente 48m de altura, significando um afastamento de 11,30m (laterais e de
fundo), conforme determina a LPOUS de 1996 (TAB. 6) Isto certamente irá inviabilizar o
projeto em um terreno com as características do exemplo considerado, uma vez que a soma
dos afastamentos seria superior à largura do terreno. Esta situação está esquematicamente
mostrada a seguir:
80
20,00m
11,30m
11,30m 50,00m
? 11,30m
Área: 1000m2
Poder-se ia, no entanto, pensar em construir quatro unidades por andar, implicando numa
construção de oito pavimentos. Esta disposição já se torna viável, uma vez que os
afastamentos diminuíram para 5,3m:
20,00m
5,30m
5,30m 50,00m
9,40m 5,30m
Área: 1000m2
Se, finalmente, a opção for a de construir dois blocos de 16 unidades cada um, com quatro
unidades por andar, os edifícios teriam quatro pavimentos, isto é, 12m (doze metros) de
altura, implicando em afastamentos de 2,3m, conforme exemplificado a seguir:
81
20,00m
2,3m
2,3m 50,00m
2,3m
Área: 1000m2
Este tipo de empreendimento, além de ser mais barato66, possibilita uma ocupação mais
eficiente do solo. Este tipo de empreendimento é adotado pela empresa foco de análise
nesta pesquisa e que será melhor estudada no próximo capítulo.
Com isto, não se está dizendo que um modelo é melhor que o outro. Isto é uma opção do
empreendedor que vai direcionar seu produto a um consumidor específico, balizado pelos
limites da legislação. Além da faixa de renda do consumidor, o empreendedor, na sua
escolha, terá naturalmente que considerar a demanda do local onde irá atuar.
Observa-se, portanto, que de alguma forma a atual lei propicia a atuação de grupos
empreendedores que vêm investindo em áreas mais centrais e possibilitando ao segmento
social de média-baixa renda o acesso à moradia. O modelo de projeto adotado e a
tecnologia empregada também contribuem para isso.
Outros aspectos da lei de 1996 merecem ser mencionados. Um primeiro, refere-se à adoção
da taxa de permeabilização (geralmente 20% da área do terreno). Esta taxa contribui para
uma melhor qualidade de vida dos habitantes urbanos - uma vez que deve ser reservada a
área verde (não pode ser coberta ou pavimentada) - e, também, para limitar adensamentos
excessivos.
66 Não só pela ausência do elevador, mas também pela possibilidade de adoção de tecnologias de custoreduzido, como por exemplo, o emprego de alvenaria auto-portante.
82
Um segundo aspecto, diz respeito ao incentivo à criação de novas centralidades, seja
através do zoneamento, da provisão e/ou melhoramento da infra-estrutura e serviços
urbanos ou da flexibilização usos. Tal incentivo contribui para o cumprimento da função
social da cidade, uma vez que promove o desenvolvimento de programas de acesso a
serviços públicos (transporte, comércio, lazer, etc.) próximo ao local de moradia. Os
projetos BH-Bus e PACE67 vêm agindo neste sentido, proporcionando uma melhor
articulação centro-periferia e consolidando novas centralidades. É importante ressaltar que
essas diretrizes de intervenção pública na estrutura urbana da cidade vêm determinar um
novo papel para o Poder Público: deixa de ser apenas o gerador de renda fundiária para ser
o promotor de melhorias em todas as regiões da cidade, possibilitando novas frentes de
atuação do mercado imobiliário e melhor qualidade de vida para os habitantes da cidade.
67 O BH-BUS é um Plano de Reestruturação do Sistema de Transporte Coletivo de Belo Horizonte e o PACEé um Plano de Circulação de Veículos e Pedestres na área central. Ambos objetivam democratizar asoportunidades de acesso a todas as atividades urbanas, e, em sintonia com o Plano Diretor possibilitaraumento da qualidade de vida dos habitantes da cidade.
83
3.3. TENDÊNCIAS DA PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA EM BELO HORIZONTE
Esta parte do trabalho procura explicitar alguns cenários possíveis de âmbito mais geral na
estrutura urbana de Belo Horizonte.
O debate em torno das tendências da produção imobiliária e seu impacto na estrutura
urbana da cidade não aparece de forma explícita nos estudos mais recentes sobre a cidade.
Há pesquisas que vêm procurando compreender os processos de reestruturação urbana do
espaço belo-horizontino, mas são trabalhos que estão em andamento (ainda não estão
disponíveis68).
Contexto Brasileiro
A redução dos investimentos do setor público nos anos oitenta e noventa alterou
profundamente a estrutura de provisão de moradia nas grandes cidades brasileiras nos três
segmentos que a compunham: a produção empresarial (ou industrial), a popular (artesanal
e autoconstrução) e a estatal. Estas alterações teriam estreita relação com as mudanças na
organização interna dos espaços das cidades. Desde os anos 60, o Estado, através do SFH
vinha garantindo a expansão da produção empresarial da produção da moradia, uma vez
que financiava tais empreendimentos (LAGO e RIBEIRO, 1996). Como conseqüência, as
cidades brasileiras conheceram, no período das décadas de setenta e oitenta, um
extraordinário crescimento do número de edifícios de apartamentos produzidos para as
classes médias nas áreas centrais, consolidando o padrão segregador de estruturação do
espaço urbano caracterizado pela produção residencial mais sofisticada no centro e pela
expulsão das camadas populares para a periferia (LAGO, 2000; p.211). A partir da segunda
metade da década de oitenta, esse padrão começa a se alterar uma vez que o
desmantelamento do SFH provocaria uma queda do número de construções nas grandes
cidades. O financiamento imobiliário passa a depender, sobremaneira, dos recursos
captados junto aos compradores, acarretando estreitamento do mercado, restrito aos que
poderiam assumir as grandes parcelas do custo da construção. Desta forma, o mercado
passa a ser regulado pela capacidade de poupança do comprador.
68 O Centro de Estudos Urbanos da Universidade Federal de Minas Gerais (CEURB), o Instituto de PesquisasEconômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais (IPEAD) e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH)vêm desenvolvendo pesquisas sobre as tendências de ocupação na cidade de Belo Horizonte através dasanálises da organização sócio-espacial, da produção empresarial no setor construtivo e dados do Impostosobre a Transmissão de Bens e Imóveis (ITBI), respectivamente. Estes são exemplos de pesquisas que estãoem andamento sobre o tema. Somam-se a elas as pesquisas desenvolvidas em nível de pós-graduação emvárias instituições educacionais da cidade.
84
A redução dos financiamentos via SFH, portanto, ocasionou a estagnação e a elitização da
produção empresarial, afetando diretamente os segmentos médios da sociedade, que
passaram a buscar alternativas habitacionais nas áreas mais distantes do centro
metropolitano, onde o preço da terra ainda permitia o acesso à casa própria. Também os
agentes imobiliários foram atingidos pela redução dos recursos financeiros do SFH: eles
foram obrigados a criar mecanismos alternativos de financiamento tanto para a execução
da obra quanto para a comercialização das unidades.
Segundo CARDOSO (2000, p.337) a reação à crise do sistema de financiamento não se
deu “apenas através da diminuição da oferta, mas também pela mudança de seu perfil, por
meio de uma redução no porte dos empreendimentos”. Superada a crise dos anos oitenta,
“verifica-se uma ampliação dos empreendimentos de porte médio”. Uma hipótese plausível
para explicar este fenômeno considera que a crise do SFH teria implicado uma
reestruturação do mercado, com exclusão de incorporadores com menor capacidade de
alavancagem de recursos, o que reflete numa maior participação dos empreendimentos
maiores no conjunto da oferta.
A partir da década de noventa, especialmente na segunda metade, o setor imobiliário
mostrou-se mais dinâmico. Segundo pesquisa da Comissão de Economia e Estatística da
Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CEE/CBIC), as vendas imobiliárias nas
cidades de Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Goiânia, Recife, Rio de Janeiro,
Maceió e Fortaleza cresceram 14,5%, se comparado o acumulado de janeiro a novembro
de 2000 com todo o ano de 1999. As unidades ofertadas (apartamentos residenciais) de
janeiro a novembro de 2000 somaram 34.071, superando o número médio de 1999, que foi
de 29.137 unidades em oferta nas oito capitais pesquisadas.
Uma explicação razoável para esse dinamismo do mercado imobiliário é o fato de o
governo, através da Caixa Econômica Federal, a partir de 1995, voltar a financiar unidades
habitacionais, tanto para o construtor quanto para o comprador, resultando em aumento da
oferta.
No caso específico da cidade de Belo Horizonte é possível analisar este crescimento do
número de imóveis produzidos pós 1995 por meio dos dados sobre a área total de baixa de
construção (em m2) por tipo de uso e por região administrativa da cidade no período entre
1995 e 2000, destacando-se o uso residencial (TAB. 7, GRAF. 1).
85
0,00
50.000,00
100.000,00
150.000,00
200.000,00
250.000,00
300.000,00
BARREIRO CENTRO-SUL LESTE NORDESTE NOROESTE NORTE OESTE PAMPULHA VENDA NOVA
Regiões administrativas
1995
2000
Gráfico 1: Área total de baixa de construção para uso residencial por região administrativa e em Belo Horizonte em 1995 e 2000 (Elaboração: Daniela Abritta Cota)
Pelo gráfico é possível verificar que houve um crescimento da área total de baixa de
construção (imóveis produzidos) em 2000 com relação a 1995 em todas as regiões da
cidade, a exceção da leste.
Os argumentos anteriormente citados também se aplicam à capital mineira. Com a volta do
financiamento habitacional da CEF para o comprador de imóvel, aumentou o número de
unidades produzidas para atender à demanda com condições financeiras de adquirir casa
própria. A volta do financiamento provocou um maior dinamismo no setor construtivo,
passando, o mercado imobiliário, a se especializar, produzindo empreendimentos
específicos para cada grupo sócio-econômico.
Além do fator acima citado outro que favoreceu o crescimento da produção do setor
habitacional é o fato de que, para muitos investidores, a compra de imóvel se tornou a
aplicação mais segura. O mercado imobiliário reage com otimismo a qualquer ajuste
cambial, a qualquer plano econômico, uma vez que é um bem concreto, não virtual, e ainda
apresenta grande potencial de capitalização.
86
Mesmo com as crises que atingiram o país no último ano (enfraquecimento do real frente
ao dólar, alta de juros e racionamento de energia elétrica) o setor da construção civil e o
mercado imobiliário calculam um crescimento de três a quatro por cento em 2001.
Segundo o presidente do Sindicato da Indústria da Construção de Minas Gerais
(SINDUSCON-MG) 69, “a segurança do imóvel como investimento em tempos de
turbulências no mercado financeiro é uma das razões para o otimismo do setor”.
Em Belo Horizonte, segundo levantamento feito pelo IPEAD em junho 2001, houve um
crescimento de 16,23% na oferta de imóveis novos na capital mineira, “o maior
crescimento mensal desde fevereiro de 1999”, afirma seu coordenador70. O segmento de
imóveis que tem apresentado o melhor desempenho é o direcionado a camadas de renda
média71, segundo o presidente do SINDUSCON. Este dado também pode ser comprovado
analisando-se o GRAF. 1 mostrado anteriormente. Verifica-se que em 2000 as regiões da
cidade que apresentaram maior crescimento no total de área de baixa de construção com
relação ao ano de 1995 foram as regiões Oeste e Pampulha _ regiões preferenciais dos
estratos de média-baixa renda_ e a Centro-Sul _ região de população de média-alta renda
(GRAF. 1).
Pelo GRAF. 2, observa-se o comportamento da área total de baixa de construção para
imóveis de uso residencial em Belo Horizonte no período entre 1995 e 2000.
69 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.70 Em entrevista realizada no dia 05/07/2001.71 Neste caso, o conceito de renda média abrange um amplo leque que incorpora desde os estratos de rendamédia-baixa (de 5 a 15 salários mínimos) até aqueles de renda média-alta (entre15 e 30 salários mínimosaproximadamente).
87
508.762,34
784.317,35 867.767,78
966.192,00973.245,87
432.638,76
0,00
200.000,00
400.000,00
600.000,00
800.000,00
1.000.000,00
1.200.000,00
Tempo (anos)
Áre
a to
tal d
e ba
ixa
de c
onst
ruça
õ (m
2)
Curva BH
Curva BH 432.638,7508.762,3784.317,3973.245,8966.192,0867.767,7
1 2 3 4 5 6 1995 1996 1997 1998 1999 2000
Gráfico 2: Baixa de construção para imóveis de uso residencial em Belo Horizonte no período 1995-2000 (Elaboração: Daniela Abritta Cota)
Pode-se novamente observar o crescimento da área total de baixa de construção (imóveis
produzidos) ao longo do período, com especial destaque para os anos de 1998 e 1999.
Tendências e perspectivas para a estrutura urbana de Belo Horizonte
Segundo RIBEIRO (2000 B, p.67), “observar o que vem ocorrendo com as classes médias
nesse momento de transformação econômica parece-nos fundamental”, uma vez que é
relevante a sua participação na estrutura social da cidade e que tem merecido pouco
interesse na literatura sociológica brasileira. De fato, o mercado imobiliário tem procurado
expandir suas ofertas, concentrando-se naquelas para as novas camadas médias em
ascensão72 (CARDOSO, 2000; p.320).
Uma alternativa habitacional dirigida a este estrato da sociedade e que tem se expandido
nos últimos anos refere-se aos chamados condomínios fechados, horizontais ou verticais,
localizados fora das áreas centrais, onde o valor da terra, apesar de alto, ainda é mais
acessível do que aqueles localizados em áreas nobres das cidades. Trata-se da emergência
de novos espaços nas periferias, que segregam e excluem não apenas pelo relativamente
alto preço dos terrenos, mas também pelos muros e/ou sistemas de segurança que adotam.
88
No caso de Belo Horizonte, o vetor Sul, em direção a Nova Lima e ao longo da BR-040
(sentido Belo Horizonte – Rio de Janeiro) tem se tornado palco deste tipo de
empreendimento. O Belvedere III, fronteira de Belo Horizonte com Nova Lima, é um
exemplo de área onde foram construídos diversos condomínios verticais para as novas
camadas médias em ascensão. No caso dos condomínios horizontais, podem ser citados o
Vila Alpina, Retiro das Pedras, Retiro do Chalé, Morro do Chapéu e o complexo
Alphaville Lagoa dos Ingleses _ este último reúne equipamentos de comércio, serviços,
lazer e setor empresarial, com estrutura de hotel, escolas, etc. _ dentre os existentes ao
longo da BR-040; Vila Castela, Village Terrace, Ville de Montaigne, dentre outros, ao
longo da MG- 030 (Belo Horizonte – Nova Lima). Segundo TEIXEIRA73 , isolar-se em
condomínios “é uma forma de auto-segregação das camadas emergentes”. A construção
destes espaços exclusivos é resultado de um processo que teve início na década de oitenta.
Nesses condomínios, compram-se os lotes e as casas são construídas pelos proprietários,
que contratam profissionais especializados.
O interesse das camadas de renda média-alta em se mudar para estes “condomínios
fechados” pode ser resultado de uma mudança de pensamento, em que buscam segurança e
qualidade de vida, tendo em vista o crescimento da violência nos grandes centros urbanos.
Esta tendência não é necessariamente determinada pelos parâmetros urbanísticos mais
rigorosos da nova legislação urbana de Belo Horizonte.
Segundo TEIXEIRA e SOUZA (2000, p.304), a nova classe média em ascensão “é o ator
social mais seletivo quanto à moradia, apresentando uma concentração mais acentuada que
a própria burguesia”. De acordo com este autor, os executivos se concentram, sobretudo,
na zona sul e na região central de Belo Horizonte, reconhecidas tradicionalmente como as
áreas nobres da cidade; fazem-se presentes também em outros espaços de extensão do
centro e na Pampulha, mas em proporções bem reduzidas em relação às duas primeiras.
Segundo o coordenador do IPEAD74 , a tendência é de permanecer o modelo atual de
ocupação: o segmento de alta renda tende a se concentrar na zona sul; as camadas médias
em pontos isolados da zona sul, condomínios fechados na região metropolitana e bairros da
Pampulha; a população de média-baixa renda em bairros das regiões noroeste, nordeste,
72 Emprega-se o mesmo conceito citado anteriormente para os estratos de média renda às novas camadasmédias em ascensão.73 Em entrevista ao Jornal Vértice (CREA-MG) – Edição Jan./2001; p.3.74 Em entrevista no dia 20/03/2001
89
leste e oeste, preferencialmente, e a camada popular, ao norte e Venda Nova. Para ele, a
expansão da linha do metrô até Venda Nova poderá abrir um novo eixo de valorização
(pela acessibilidade), podendo atrair segmentos de média renda para esta região que se
caracteriza por abrigar segmentos de baixa renda da população.
Analisando o conjunto de gráficos ao lado (GRAF. 3), relativo à área total de baixa de
construção para imóveis de uso residencial para as diferentes regiões da capital mineira é
possível verificar as regiões que apresentam maior dinamicidade do setor construtivo.
Observa-se, pelo GRAF. 3 que as regiões da cidade de Belo Horizonte que têm
apresentado maior produção habitacional (maior crescimento de baixa de construção) tem
sido, em ordem decrescente, as regiões Pampulha, Norte, Oeste e Centro-Sul. Com
exceção desta última as demais regiões são áreas da cidade onde se concentram os
segmentos de média-baixa renda, setor para o qual tem aumentado muito o número de
unidades ofertadas. Como já dito anteriormente, o segmento de imóveis que tem
apresentado o melhor desempenho é aquele direcionado a camadas de renda média,
segundo afirmou o presidente do SINDUSCON-MG75.
No que se refere às tendências de ocupação em Belo Horizonte, um professor e
pesquisador do CEURB76 acredita que a produção imobiliária direcionada para as camadas
de baixa renda é aquela que mais tem crescido na cidade e é a que provoca maiores
mudanças na estrutura urbana da cidade. A tendência, segundo ele, “é de crescer o número
de cooperativas que vem produzindo casas populares em loteamentos servidos de infra-
estrutura”, a exemplo da Associação Amigos da PM, e o loteamento Jardim Laguna (BR-
040, sentido: Belo Horizonte -Brasília). No entanto, segundo o entrevistado, “faltam
profissionais especializados e investimento público para o setor”. Além disso, é um
processo recente, que ainda não foi capaz de gerar resultados concretos que permitam
possíveis análises.
Ainda segundo este pesquisador, a produção de loteamentos clandestinos volta a tomar
forma em alguns municípios da RMBH, em especial em Santa Luzia, Sabará, Esmeralda e
Ribeirão das Neves. A causa deste fato ainda é desconhecida e tal observação exige estudo
mais aprofundado para identificar se isto constitui uma tendência.
75 Em entrevista no dia 05/12/2001.76 Em entrevista no dia 24/10/2001.
90
Concordando com as informações fornecidas pelo IPEAD, o entrevistado do CEURB
acredita que a força do mercado de alta renda ainda é a região centro-sul, altamente
qualificada e tradicionalmente nobre. Ressalta ainda que a expansão de condomínios
fechados horizontais ao longo da BR-040 (sentido Belo Horizonte - Rio de Janeiro)
depende de resoluções dos proprietários das áreas: a MBR e a Mineração Morro Velho. “O
monopólio de terra por parte das duas empresas [em Nova Lima] é um dos fatores que tem
limitado a ocupação nesta parte da região metropolitana”.
Lançamentos de loteamentos em Contagem (município vizinho a Belo Horizonte), segundo
o pesquisador, podem também significar novos eixos de valorização na RMBH. Os
loteamentos dos bairros Sapucaias (com 2.422 lotes) e Cabral (com 1.192 lotes) prometem
criar condições favoráveis para atrair grandes contingentes do segmento de média renda
para o local. São investimentos do grupo BMG, o mesmo que loteou o Belvedere III.
Além das tendências acima indicadas, há também a estratégia de certos promotores
imobiliários tradicionais em viabilizar o acesso aos setores de média-baixa renda em
bairros tradicionais como Floresta, Santa Tereza, Nova Suíça, Padre Eustáquio e Prado
(BELO HORIZONTE, 1995; p.59). A idéia é fornecer apartamentos em estilo “zona sul”
(portaria, esquadrias de alumínio, salão de festas, etc.) mais compactos e com acabamento
mais econômico.
Como se pôde observar, a identificação das tendências acima relacionadas foi baseada
principalmente em entrevistas com profissionais da área, não constituindo dados concretos
e capazes de delinear uma tendência de ocupação para a cidade de Belo Horizonte. A falta
de dados recentes nos impede de fazer qualquer afirmação definitiva.
As perspectivas habitacionais explicitadas dizem respeito primordialmente aos setores de
renda média, que são a clientela preferencial de grande parte dos empresários imobiliários,
principalmente após a crise na produção imobiliária da década de oitenta. De certa forma,
boa parte das estratégias habitacionais para este segmento social significa a criação de
“ilhas” incrustadas na periferia ou em bairros tradicionais (BELO HORIZONTE, 1995;
p.59).
91
Pode-se também visualizar algumas transformações que podem ocorrer como resultado da
atual legislação urbana de Belo Horizonte. Segundo o presidente do SINDUSCON-MG77,
“é possível prever a pressão para a verticalização do Prado, bairro tradicional da capital
mineira, tanto pela influência da legislação - que considera a maior parte do bairro como
Zona de Adensamento Preferencial (ZAP) - como pela influência que sofre pela
proximidade do Barro Preto, pólo econômico de moda que vem crescendo
economicamente”. Além deste bairro, o presidente do Sindicato identifica como região de
continuidade de investimento imobiliário os bairros Buritis II e III (região oeste), áreas
atrativas para o empreendedor imobiliário de moradias que atua para o público de média-
baixa renda.
No entanto, ainda é cedo para uma análise mais completa do impacto da atual Legislação
de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo na estrutura urbana da capital mineira. Isso
porque, anteriormente à aprovação da Lei 7166/1996, foi aprovado um grande volume de
projetos de empreendimentos imobiliários que ainda estão no mercado. Pouca produção
imobiliária data de época recente e, por isso, ainda não se pode sentir os efeitos da nova
legislação. Apenas os setores que atuam para as faixas de média-baixa renda e popular, já
produziram várias unidades desde a implantação da Lei em 1996. No capítulo seguinte será
feita uma análise das principais mudanças ocorridas, através do estudo de caso de uma
empresa com atuação relevante para o mercado de média-baixa renda - a MRV
Engenharia.
77 Em entrevista no dia 05/12/2001
92
4. PRODUÇÃO DE MORADIAS X LEGISLAÇÃO URBANA –
UM ESTUDO DE CASO
Neste capítulo, busca-se acrescentar elementos concretos à análise sobre a interação entre
capital imobiliário e legislação urbana na produção de moradias em Belo Horizonte,
utilizando para isso, o estudo de caso de uma empresa com atuação relevante na cidade.
Trata-se da MRV Engenharia, uma construtora especializada na produção de moradias para
o segmento de média-baixa renda, sendo responsável por mais de 50% da produção
direcionada para este nicho de mercado em Belo Horizonte. Ressalta-se que este segmento
social para o qual a empresa atua é o que mais comprou imóveis na cidade nos últimos
anos. Segundo o coordenador do IPEAD78, “o grande mercado de imóveis tem sido o
segmento da sociedade com renda entre R$ 800,00 e R$ 1.500,00. Trata-se do setor da
população que ganhou poder de compra com a estabilidade do Real, fato este que não se
observava antes das mudanças econômicas ocorridas no país no início dos anos noventa”.
Este fato também pode ser comprovado por dados do Instituto, mostrando que imóveis até
R$ 50.000,00 (produto alvo da faixa de renda acima citada) correspondem à grande
procura do mercado (TAB. 8). Pela análise da tabela é possível verificar também que os
apartamentos de dois quartos são, na média, os empreendimentos com maior número de
vendas.
78 Em entrevista realizada no dia 20/03/2001.
93
TABELA 8
APARTAMENTOSVELOCIDADE DE VENDAS* POR NÚMERO DE QUARTOS
E FAIXA DE VALORES2001 - (em %)
Número de quartos Ago Set Out Nov. Dez Jan.
1 Quarto 3,87 8,99 8,48 5,10 1,24 10,882 Quartos 11,28 10,78 7,32 19,93 8,90 7,933 Quartos 7,49 8,70 8,47 15,69 5,50 10,594 Quartos 6,03 3,31 9,74 6,38 4,03 8,28
Faixa de valores Ago Set Out Nov. Dez Jan.
até R$50.000 10,30 13,40 10,73 28,15 9,95 10,06de R$50.001 até R$75.000 4,37 7,51 8,92 3,93 3,72 8,00
de R$75.001 até R$125.000 8,20 2,18 4,39 5,77 3,57 9,74de R$125.001 até R$250.000 7,78 5,56 3,72 6,18 3,09 5,95
acima de R$250.000 6,83 4,01 10,98 5,99 4,27 12,92V.V. geral 8,10 8,27 8,41 13,93 5,64 9,37
Fonte: IPEAD (Jan. 2001)
(*) Velocidade de vendas: é a relação entre o número de unidades comercializadas no mêsde referência e a oferta disponível no início do período expressa em ponto percentual.
Diversos empreendimentos surgiram para atender os consumidores emergentes que
ganharam poder de compra no mercado depois da implantação do Plano Real. De acordo
com o exposto no capítulo anterior, foi possível identificar que uma das tendências da
produção imobiliária refere-se à intensificação dos empreendimentos direcionados ao
segmento de renda média. Segundo o presidente do SINDUSCON79, “de cada dez imóveis
vendidos, no mínimo cinco são destinados à população com renda abaixo de vinte salários
mínimos”. Além disso, destaca-se também a perspectiva (também citada anteriormente) de
que certos empreendedores de imóveis optem por atuar em antigos bairros populares ou de
classe média tradicionais. Em geral, viabilizam o acesso à casa própria para setores de
classe média tradicionais, que sofreram um forte empobrecimento nos últimos anos
(profissionais liberais, servidores públicos de nível superior, professores, etc.) (BELO
HORIZONTE, 1995; p.59).
Inserida neste tipo de empreendedor, destaca-se a empresa selecionada para esta pesquisa.
Pretende-se analisar a sua atuação na vigência das três legislações urbanísticas municipais.
A princípio, a consolidação de seu sucesso empresarial ocorre aliado à vigência da nova
Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte (Lei 7166/1996).
94
Nesta parte do trabalho serão discutidas as possíveis mudanças que podem estar ocorrendo
na organização social do espaço da cidade de Belo Horizonte, tendo como base a
legislação urbanística do município de 1996 e a forma como esta vem direcionando a
atuação do agente imobiliário, representado, neste estudo de caso, pela MRV Engenharia.
Busca-se com isso, verificar se a função social da propriedade, segundo os princípios da
Constituição de 1988, pode estar sendo cumprida a partir de novos parâmetros urbanísticos
e de novos instrumentos de política urbana adotados na legislação de 1996 e empregados
para controlar a ocupação e o uso do solo pelo mercado formal.
4.1. CONDICIONANTES DA ATUAÇÃO DA EMPRESA NO ESPAÇO URBANO
Constituída por um grupo de empresas80, a MRV existe há vinte e dois anos como
construtora e sempre atuou no mesmo segmento de mercado. Voltada para a produção de
imóveis para a população de média-baixa renda, a empresa prioriza a incorporação para
dinamizar a principal atividade: construção, otimizando a atuação e maximizando os
lucros, além de exercer a função de corretora com centrais de venda em diversos pontos
espalhados pela cidade para a comercialização dos imóveis que produz. Este é um dos
fatores que diferencia a construtora em análise de outras que atuam para o mesmo
segmento: a MRV tem um forte aparato financeiro, responsável pela viabilidade
econômica e comercial de seus empreendimentos e vem se destacando pelo sucesso de
vendas, principalmente na segunda metade da década de noventa. Segundo o diretor de
projetos da construtora81, “as 35 empresas que atuam para o segmento de média-baixa
renda vendem juntas cerca de 250 apartamentos por mês [em Belo Horizonte], sendo que a
MRV vende cerca de 170 deste total”, ou seja, a empresa detém cerca de 70% do mercado
no qual atua em Belo Horizonte.
Além do aparato financeiro acima citado, vários outros fatores podem ser identificados
como favoráveis ao sucesso da empresa, principalmente nos anos noventa. O primeiro
destes fatores foi a postura adotada pela empresa frente à crise dos anos oitenta. Durante os
79 Em entrevista no dia 05/12/2001.80 O grupo MRV compõe-se das seguintes empresas: Construtora Verde Grande (atua na construção deresidências unifamiliares); Expar (construção e aluguel de galpões para gerar renda); MRV Empreendimentos(construção, incorporação, vendas); MRV Construção; Intermedium (financeira que atua no crédito direto aoconsumidor) e Agropecuária Verde Grande (criação de gado de corte).81 Em uma primeira entrevista realizada no dia 25/09/2000.
95
oito primeiros anos de atuação, suas obras foram financiadas pela Caixa Econômica
Federal. Neste período, não havia necessidade de divulgar o nome da construtora frente à
população. A credibilidade junto aos bancos era a principal preocupação. No final da
década de oitenta, o corte de financiamentos por parte da CEF obrigou a empresa a criar
novas alternativas para a situação. A MRV criou, então o auto-financiamento, passando a
financiar seus apartamentos diretamente para os clientes. No começo, o financiamento era
de um edifício contra dez financiados por outros bancos. Em menos de cinco anos, a
empresa já não necessitava de financiamento bancário. Lidando diretamente com os
clientes, a construtora sentiu necessidade de ser reconhecida pelo público e adquirir
credibilidade junto à população. Todo o marketing da empresa é em torno de um produto
“popular”, oferecendo preços baixos, melhor localização e maior prazo para pagar.
De forma geral, a estratégia principal da empresa é lançar empreendimentos de baixo custo
(o que implica preço baixo de construção e preço baixo de terreno) em locais que possuam
alto coeficiente de aproveitamento, condições necessárias à viabilidade do
empreendimento. Isto porque a construtora possui um produto-padrão – sobre o qual será
visto mais adiante - e é este produto que determina a escolha do local de implantação do
empreendimento, já que este lugar deve permitir a viabilidade construtiva e comercial do
produto MRV.
Mesmo buscando oferecer apartamentos mais baratos, a empresa procura sempre lançar
empreendimentos situados em locais de fácil acesso e com boas condições de infra-
estrutura, tendo em vista o mercado para o qual direciona seus produtos: a faixa da
população entre cinco e quinze salários mínimos. Em geral, são profissionais liberais,
professores, bancários, servidores públicos, etc. Considerando este dado, a localização
torna-se uma das principais estratégias da construtora para atrair o segmento sócio-
econômico acima referenciado, constituindo-se em um segundo fator favorável ao seu
sucesso.
Dentre as condições necessárias à viabilidade do produto MRV, destacam-se:
• Preço baixo da construção
A MRV tem como uma de suas preocupações a de oferecer produtos de preço reduzido,
acessíveis às pessoas de diferentes faixas de renda dentro de seu mercado preferencial.
96
Para isso, a construtora procura economizar na obra de várias formas. Primeiramente,
adota um produto - padrão, com medidas-padrão, dispensando gastos com projetos e
economizando tempo. Cada tipologia de produto MRV (dois quartos, três quartos e quatro
quartos) apresenta características-padrão, adaptadas a cada empreendimento. Além disso,
emprega-se alvenaria auto-portante82, dispensando gastos com concreto, ferragem e forma.
O produto-padrão MRV é constituído de blocos de apartamentos que possuem, em geral,
dezesseis unidades, sendo quatro unidades por pavimento, num total de quatro pavimentos
(4x4=16unidades/bloco). Este fato elimina a existência de elevadores e reduz o preço final
da construção. A construtora também eliminou o reboco de suas obras: utiliza-se gesso
sobre alvenaria e sob a pintura. As escadas internas são em lajotas de ardósia, empregando-
se reduzida quantidade de concreto. Nas áreas molhadas (banheiros e cozinha) utiliza-se
cerâmica de mais baixo custo e evita-se recortes. Todas estas medidas reduzem o tempo de
construção, isto é, reduz-se o gasto com mão-de-obra (homem / hora trabalhada é menor).
A partir do Plano Real, quando o custo da construção foi reduzido, a empresa decidiu
investir na comercialização de “kits” de acabamento para os apartamentos, podendo o
cliente optar pelo acabamento mais viável à suas possibilidades econômicas. São treze
opções que geram custo adicional ao consumidor dependendo do tipo de material escolhido
e dos detalhes do acabamento como rebaixamento de teto e pontos de iluminação
diferenciados.
Em síntese, com todas estas características, a empresa vem conseguindo apresentar um
produto de preço reduzido, contribuindo para isso, o material empregado, as tecnologias
construtivas e a redução do tempo de obra.
• Preço baixo do terreno e áreas com alto coeficiente de aproveitamento.
Com a preocupação de lançar empreendimentos viáveis para o mercado em que atua, a
empresa em análise procura baratear o preço de seu produto também através da aquisição
de terrenos de preços reduzidos. Entretanto, como será visto adiante, quando será analisada
mais detalhadamente a atuação da MRV, constata-se que este fato, de certa forma, não
pode ser algo generalizável. Não há dúvidas, no entanto, que o aparato financeiro da
empresa permite que muitos de seus terrenos sejam comprados à vista, o que pode
significar menores preços para terrenos bem localizados.
82 Sistema estrutural que dispensa a utilização de pilares e vigas acima do nível da garagem.
97
Na verdade, a construtora investe em locais onde seja viável o seu produto-padrão, tanto
em termos de preço quanto em termos de potencial construtivo. Por exemplo, atualmente
verifica-se a ausência da empresa na região centro-sul (como poderá ser visto adiante pelos
mapas). Vários fatores contribuem para isso: primeiro o fato de, nesta região da cidade, o
terreno ser muito valorizado; segundo, pela restrição da legislação para esta área
considerada Zona Adensada (ZA) que apresenta um coeficiente de aproveitamento
reduzido; e terceiro, por causa do mercado para o qual atua _ a região centro-sul é
reconhecidamente a mais nobre e, por isso, preferencial para a camada de alta renda
(segmento social que não é alvo da empresa em análise).
Uma vez que a MRV possui um produto-padrão _ em geral, quatro apartamentos por andar
e prédios de quatro andares (dezesseis unidades por bloco)_ ela irá procurar investir em
áreas onde seja viável (física e comercialmente) a implantação de seu produto. Além disso,
a empresa considerada é uma indústria do setor da construção civil que segue sua
estratégia, sem grandes inovações, e que vai adaptando seu produto às áreas em que isto
seja possível.
Algumas vezes, a construtora investe também em determinada área que apresenta preço de
terreno um pouco mais elevado, como no caso do bairro Buritis, que se localiza nas
proximidades de eixos estruturantes, permitindo fácil acesso. Além disso, o bairro está
situado em área onde a legislação possibilita a produção de um número maior de unidades
ou apartamentos mais amplos. O que tem de fato direcionado a localização de
empreendimentos MRV é a legislação, uma vez que a empresa procura investir em áreas
com parâmetros urbanísticos que viabilizam a construção de seu produto-padrão.
Quando a Lei 4034/85 estava em vigor, por exemplo, a empresa atuava em áreas de
zoneamento ZR-4 (zona residencial 4) que, como foi visto no capítulo anterior, apresentava
maior possibilidade de adensamento (pode ser produzido um maior número de unidades).
Atualmente, na vigência da Lei 7166/96, a empresa atua preferencialmente nas ZAP (zonas
de adensamento preferencial) que são áreas que permitem maior coeficiente de
aproveitamento (C.A.=1,7) e menor quota mínima de terreno por unidade habitacional
(25,0m2/unidade), favorecendo a construção de um número de unidades compatível com o
produto MRV (4x4=16unidades/bloco).
98
4.2. ATUAÇÃO DA EMPRESA X LEGISLAÇÃO URBANA
A FIG. 4, ao lado, nos mostra os bairros onde estão presentes empreendimentos MRV na
cidade de Belo Horizonte no período de 1980 a 2001. A seguir será analisada a atuação da
MRV Engenharia e sua relação com cada uma das legislações de uso e ocupação de solo
municipais na tentativa de verificar a interação entre capital imobiliário e legislação urbana
na produção de moradias na capital mineira.
1980 – 1985 (em vigor a Lei 2662/1976)
Em momento anterior (final dos anos setenta), a MRV Engenharia optou por direcionar
seus empreendimentos para o mercado popular, especialmente para os operários
estabelecidos na Cidade Industrial de Contagem, município integrante da RMBH. Desde
aquele início, a empresa tinha como estratégia lançar empreendimentos próximos aos
principais eixos viários e facilidades de transporte. Nas palavras de um de seus diretores,
“este era o grande diferencial da empresa em relação a seus concorrentes”83. No caso
específico de Belo Horizonte, a construtora começou a atuar a partir dos anos oitenta de
forma tímida, possuindo poucos empreendimentos em terrenos da capital (FIG. 5).
Observa-se que neste início a empresa chegou a apresentar um produto diferente do
popular, caracterizado por residências unifamiliares de luxo na região centro-sul,
reconhecidamente a mais nobre da capital.
No período de 1982 a 1985, quando o mercado em bairros periféricos se tornou saturado, a
empresa começou a investir em um produto direcionado a um novo público, que até então
não era alvo de ofertas específicas: os comerciários e os bancários. A inclusão destes
segmentos profissionais provocou uma mudança na estratégia locacional dos
empreendimentos da empresa, passando dos bairros periféricos para os bairros mais
tradicionais de Belo Horizonte. Apesar de o preço dos terrenos nestes bairros ser mais
elevado, havia a possibilidade de maior adensamento, permitido pela legislação urbanística
então em vigor (n.º 2662 / 1976).
O alvo principal da empresa era a demanda de uma parcela da população que não tinha
acesso a financiamentos e que se constituía em potenciais compradores _ faixa entre cinco
99
e quinze salários mínimos. A empresa passou, então, a investir em locais de fácil acesso e
com boas condições de infra-estrutura, considerando o segmento de renda que buscava
atingir. Tendo isto em vista, e como já abordado anteriormente, a lógica da empresa era _ e
continua sendo _ a de lançar empreendimentos de baixo custo e em locais que permitam
alto coeficiente de aproveitamento, possibilitando a produção de um número maior de
unidades. Neste período, a empresa lançou empreendimentos em áreas com zoneamento
ZR-4 (Zona Residencial 4), que era a que permitia maior aproveitamento e,
conseqüentemente, possibilitava a obtenção de mais lucro, já que permitia a construção de
um número maior de unidades. A FIG. 5 sintetiza a produção da MRV no período descrito,
destacando-se sua atuação em bairros tradicionais das regiões leste (como Sagrada
Família) e noroeste (como Padre Eustáquio) principalmente.
1986 – 1996 (em vigor a Lei 4034/1985)
A partir de 1986 até o final da década de oitenta, a empresa amplia sua atuação para todas
as regiões da cidade, em geral, nas proximidades de outros eixos viários que surgem pela
necessidade de expansão urbana. Pela FIG. 6 observa-se a expansão da atuação da MRV
na capital mineira durante este período.
Em geral, observa-se que os empreendimentos de dois quartos ocorrem principalmente na
região da Pampulha, seguida da Noroeste, Norte e Venda Nova, nas proximidades de
corredores viários estruturantes da capital mineira como as avenidas D. Pedro II, Antônio
Carlos e Vilarinho (FIG. 7), seguindo a estratégia de localização da empresa. Também os
empreendimentos mistos de dois e três quartos aparecem, seguindo a mesma estratégia, em
todas as regiões com exceção da Norte, Barreiro e Centro-sul.
A partir deste período, a MRV define seu produto-padrão e passa a difundi-lo em locais
onde há demanda específica por este tipo de empreendimento. A busca por atender a
demanda das faixas de renda entre cinco e quinze salários mínimos resulta em uma atuação
direcionada para as proximidades de bairros considerados nobres e/ou tradicionais, porém
fora deles, buscando boa localização e, ao mesmo tempo, preço relativamente reduzido de
terreno. Por este motivo, a MRV optou por não mais atuar na região centro-sul, aquela
mais valorizada e com terrenos muito caros. A empresa deixa também de atuar no Barreiro 83 Na época, várias construtoras atuavam na mesma região e se caracterizavam por oferecer um produto
100
tendo em vista o preço elevado de terrenos nas proximidades do centro comercial e o
caráter popular da demanda que se observa quando se afasta deste centro. Nas palavras de
um dos diretores da empresa84, “a região se tornou pouco atraente para o público-alvo da
MRV”. Com relação à região Norte, esta se caracterizava, neste período, por apresentar
condições menos favoráveis à atuação da empresa _ pouco servida de transportes urbanos e
equipamentos públicos. Os empreendimentos, quando aí aparecem se dirigem a uma
parcela de renda mais baixa dentro do grupo para o qual a construtora direciona seu
produto.
Pela análise das FIG. 6 e 7, pode-se observar que os empreendimentos de três quartos
começam a se difundir principalmente na região oeste, nas proximidades das avenidas
Barão Homem de Melo e Raja Gabaglia, importantes eixos viários que surgem para
estruturar áreas surgidas e/ou desenvolvidas pelo fenômeno da expansão urbana.
Em síntese, ressalta-se que os empreendimentos MRV surgem segundo uma estratégia de
localização, estando presentes nas fronteiras de bairros mais nobres e próximos a
corredores viários estruturantes do espaço urbano belo-horizontino.
Alguns fatores favoráveis à expansão da atuação da empresa em Belo Horizonte destacam-
se neste período. Primeiramente, o fato de a construtora, nesta época, ter implantado o
sistema de auto-financiamento. Sendo uma empresa capitalizada, a MRV “entrou na crise
dos anos oitenta conhecendo o mercado para o qual deveria investir e como deveria
investir”, nas palavras do diretor de projetos da empresa. Nesta época de crise, tanto
terreno quanto material de construção apresentavam preço reduzido. O investimento nestes
itens com capital próprio garantiu a expansão da produção MRV pelo território da capital
mineira. Além disso, a empresa implantou também o sistema de financiamento direto _
SFH* (Sistema Fácil de Habitação)_ financiando a aquisição da moradia junto ao
consumidor. Este fator foi essencial para seu sucesso, uma vez que diferenciava a atuação
da empresa daquela da Caixa Econômica Federal, banco estatal que, através do SFH
(Sistema Financeiro da Habitação) era, pós-BNH, o principal responsável pelo
financiamento da casa própria. Outro fator que se apresentou favorável ao crescimento da
atuação da construtora, no período, foi a legislação urbana. A Lei em vigor (n.º.
4034/1985) em pouco se diferenciava da anterior, caracterizando-se por ser permissiva e
semelhante ao da empresa analisada.84 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.
101
contribuir para a continuidade de construções muito adensadas em certas áreas da cidade.
Todos estes fatores foram favoráveis à produção MRV que soube captar as necessidades e
atender a demanda dos segmentos de média-baixa renda da população.
Porém, é na década de noventa que a empresa atinge o auge de sua atuação no mercado:
além da estratégia de localização e do financiamento direto, a construtora começa a investir
em uma melhor qualidade do produto (mudança na plástica do produto), o que atrai um
novo público _ o de profissionais liberais.
Pós 1996 (em vigor a Lei 7166/1996)
O sucesso da empresa na segunda metade da década de noventa ocorre aliado à vigência da
nova Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de Belo Horizonte, de 1996. Esta lei
regulamenta os objetivos definidos pelo plano diretor, dentre eles a criação de novas
centralidades e o estabelecimento de áreas passíveis de adensamento, como foi visto no
capítulo 3.
Observando-se a FIG. 8, verifica-se que a produção MRV aparece melhor distribuída
espacialmente, aparecendo em praticamente todas as regiões da cidade (com exceção do
Barreiro e da região centro-sul por razões já expostas). Com relação ao período anterior,
nota-se um aumento do número de empreendimentos presentes na região Norte. Isto
porque, o incentivo para a criação de novas centralidades defendido pelo plano diretor, em
muito tem contribuído para o desenvolvimento desta região, que se encontra atualmente
melhor servida de infra-estrutura e serviços urbanos. Também a extensão da linha do
metrô, com previsão de chegar até Venda Nova, promete contribuir para melhorar ainda
mais as condições de vida dos moradores da região. Acredita-se que a importância dada
pelo plano diretor com relação à criação de novas centralidades, procurando redirecionar e
controlar o adensamento, significou uma grande contribuição para a “disseminação” do
produto MRV pelo espaço belo-horizontino. Nota-se que, para as diferentes tipologias de
empreendimento, há uma presença maior da empresa em diferentes bairros, sendo
especialmente significante nas regiões Pampulha, Oeste, Noroeste e Nordeste (FIG. 8).
Observa-se também que os empreendimentos localizam-se sempre nas proximidades dos
eixos viários mais importantes de cada região (FIG. 9). Nota-se ainda que a empresa
continua implantando empreendimentos nas áreas em que já atuava anteriormente, como
102
na região noroeste (a exemplo dos bairros Caiçara, Padre Eustáquio, Vila Adelaide, dentre
outros). São áreas que, pela nova LPOUS de Belo Horizonte são consideradas Zonas de
Adensamento Preferencial (ZAP), apresentando alto coeficiente de aproveitamento, como
será discutido mais adiante.
A novidade deste período pós-96 são os apartamentos de quatro quartos, que surgiram a
partir de 1998. A empresa despertou para a necessidade de criar empreendimentos “para
famílias que procuram mais espaço em um empreendimento compacto. Procuram
apartamentos de quatro quartos, mas com a mesma estrutura de três; não querem mais
salas”, afirma o diretor de projetos da empresa85. Este tipo de empreendimento aparece em
áreas mais valorizadas como a Cidade Nova e o Buritis (FIG. 8). A legislação urbana atual
contribui para sustentar este tipo de empreendimento nessas áreas, principalmente no
Buritis, uma vez que para este bairro a quota de terreno por unidade habitacional foi
elevada, em uma revisão da LPOUS ocorrida em 2000. Também é neste bairro, próximo a
dois importantes eixos viários estruturantes - Avenidas Raja Gabaglia e Barão Homem de
Melo - que a empresa lançou no início de 2002 o primeiro empreendimento da linha
“Parques”, composto de cinco edifícios com conceito diferente do até então adotado. Os
prédios terão apartamentos de três e quatro quartos, destacando-se o espaço para área de
lazer. Apenas 30% de cada terreno serão ocupados pela edificação, estando o restante
reservado para área de lazer.
Por meio da FIG. 9, nota-se como a produção MRV encontra-se espacialmente melhor
distribuída pelo espaço urbano de Belo Horizonte quando comparada àquela de períodos
anteriores (FIG. 5 e 7).
Também um fato que deve ser destacado diz respeito ao elevado número de unidades
produzidas ao longo do período (TAB. 1 - ANEXO). Somando-se todas as unidades
produzidas no período 86-96 tem-se um total de 7.907 unidades habitacionais. No período
97-2001, este número foi de 7.753 unidades construídas. Ou seja, nestes últimos cinco anos
foi produzido praticamente o mesmo número de unidades que nos dez anos anteriores.
Considerando a média de quatro pessoas por família (segundo o IBGE) equivale a dizer
que, em cinco anos, mais de 30.000 pessoas passaram a viver nesse tipo de moradia. A
produção MRV em toda sua história estaria contribuindo para abrigar cerca de 65.000
pessoas em habitação própria.
103
São vários os fatores que contribuíram para o sucesso da empresa em análise no período
1997-2001, destacando-se: a imagem consolidada da MRV, a credibilidade adquirida junto
ao público-alvo (“pessoas confiam e preferem o produto MRV ao da concorrência”,
ressalta o seu diretor de projetos86), e a estratégia de localização dos empreendimentos.
Soma-se a eles a tecnologia empregada (de baixo custo) e o fato de que, em 1995, volta o
financiamento da Caixa Econômica Federal. Este último fator foi responsável pelo
financiamento de uma parcela da população capaz de adquirir produto MRV, mas que não
conseguia fazê-lo pelo sistema de financiamento direto com a construtora. Com isso,
aumenta-se a demanda e, conseqüentemente, o volume da produção para atendê-la.
Com relação à legislação urbana, pode-se dizer que ela vem contribuindo para a expansão
da atuação da empresa no tecido urbano da capital mineira. Isto porque, ao criar zonas
onde o adensamento é estimulado - as ZAP (Zonas de Adensamento Preferencial) - a lei
favorece a ocupação de áreas com boa capacidade de infra-estrutura e com características
físico-urbanísticas apropriadas (próximas às áreas centrais) que se encontravam, antes de
96, como vazios urbanos. Ao incentivar a ocupação destes vazios, a legislação age em
consonância com o objetivo da empresa que é o de lançar empreendimentos de baixo custo
e com boa localização. Ou seja, considerando o volume de produção da MRV e a interação
com os mecanismos da legislação, nota-se que a atuação deste empreendedor imobiliário
está em consonância com o objetivo de se alcançar uma organização técnica e socialmente
mais justa do espaço urbano, nos termos da legislação urbana em vigor.
A Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo de 1996 de Belo Horizonte em muito se
diferencia das anteriores, principalmente por enfatizar mais a questão da OCUPAÇÃO do
que os aspectos relacionados ao USO do solo urbano. Anteriormente, os princípios do
zoneamento eram muito fundamentados na separação espacial de funções urbanas (uso).
Ao dar ênfase à ocupação, pode-se melhor controlar as densidades, por meio tanto de
instrumentos urbanísticos específicos quanto da descentralização do uso, o que, de certa
forma, contribui para a redistribuição da população no espaço urbano.
Além disso, o incentivo à criação de novas centralidades, seja através do zoneamento ou
por meio da provisão e/ou melhoramento das condições de infra-estrutura e serviços
urbanos (a exemplo dos programas BH Bus e PACE que contribuem para a aproximação
85 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.86 Em entrevista realizada no dia 05/12/2001.
104
entre os locais de moradia e a localização de atividades de comércio, serviços, lazer, etc.),
atende a interesses da construtora analisada, uma vez que na estratégia de localização de
seus empreendimentos, as centralidades têm papel relevante.
Alterações na LPOUS 7166/1996 (Lei 8137/2000) X atuação da MRV
Engenharia
A análise da atuação da empresa objeto do estudo de caso ao longo das três legislações
urbanísticas permite concluir que vem ocorrendo uma certa convergência entre os
objetivos e interesses da empresa analisada com os princípios que orientam a busca de um
espaço urbano socialmente mais justo nos termos do Plano Diretor e da LPOUS de 1996.
No entanto, outros fatores têm contribuído, ao lado da legislação, para o sucesso da
empresa.
A MRV trabalha com um produto-padrão que é implantado em diferentes áreas, segundo
os limites da legislação. Mudanças na lei urbanística do município, até então,
influenciavam apenas na escolha da área de atuação da construtora, direcionando seus
empreendimentos para aquelas áreas mais apropriadas ao seu produto-padrão.
Atualmente, o que se percebe é que, a legislação, ao favorecer o adensamento das ZAP -
que são, em geral, áreas próximas a bairros nobres (e quando distantes, apresentam ótimas
condições de acesso, infra-estrutura e serviços) - permite a expansão da atuação da
empresa para diferentes regiões da cidade.
No entanto, uma mudança na atual legislação, ocorrida em Dezembro de 2000 (Lei no.
8137/200087) altera algumas determinações com relação à anterior (de 1996) resultando na
possibilidade de mudanças no produto-padrão da empresa. Dentre as principais mudanças,
destacam-se:
• redução do pé-direito mínimo da edificação de 2,80m para 2,60m;
• permissão de aumento do percurso entre a entrada da edificação e o apartamento de
10,5m para 11,0m.
87 As alterações da lei 8137/2000 com relação à anterior não serão objeto de estudo nesta pesquisa. Apenastrataremos, neste trabalho das alterações que influenciaram diretamente em mudanças por parte da empresaanalisada.
105
Estas duas medidas foram aprovadas visando uma diminuição no custo de construção
(redução do pé-direito implica redução em gastos com alvenaria) e um maior conforto para
moradores de edifícios que não possuem elevador (maior conforto para quem sobe de
escada88). As duas mudanças conjugadas possibilitam, dependendo da implantação89, a
construção de edifícios de cinco pavimentos sem elevador.
Com relação ao produto MRV pode-se dizer que tais mudanças já foram incorporadas em
empreendimentos lançados em 2001, provocando alteração em seu produto-padrão da
seguinte forma:
- O empreendimento passa a apresentar maior ocupação vertical em detrimento da
horizontal, uma vez que se passa a produzir o mesmo número de unidades em um
número menor de blocos (deixa de produzir cinco blocos de quatro pavimentos e passa
a produzir quatro blocos de cinco pavimentos), como ilustrado a seguir:
88 Como ilustração, basta citar que uma pessoa para vencer 01 pavimento (2,80m) deveria subir cerca dedezesseis degraus. Com esta mudança do pé-direito para 2,60m, esta mesma pessoa deve subir entre 14 e 15degraus. Com relação ao aumento do percurso entre a entrada da edificação e o apartamento de 10,5 para11,0m, um morador do último pavimento terá que caminhar 0,5m a mais do que andaria anteriormente. Nestecaso, não houve melhoria de conforto, apenas possibilitou a construção de um pavimento a mais.89 A implantação deve ser tal que permita que o percurso entre a portaria e o apartamento seja inferior ouigual a 11m (onze metros), tratando-se, aqui, do percurso vertical.
05 blocos de 04 pavimentos
04 blocos de 05 pavimentos
106
- O empreendimento ganha em termos de ventilação e insolação (mais espaço entre os
blocos), além de aumentar o número de vagas de garagem. A partir de 2001, todas as
unidades de empreendimentos MRV passaram a contar com vagas de garagem. Além
disso, há uma economia na construção, uma vez que a eliminação de um bloco
significa redução de gastos com telhado e fundação, por exemplo. Tais mudanças
permitem produzir o mesmo número de unidades com mais rapidez e economia.
Neste contexto é possível verificar a associação entre os mecanismos que regulam o uso e
a ocupação do solo (legislação urbana) e os produtores de moradia (capital imobiliário). A
legislação aplicada ao urbano age como estruturadora do espaço, mas também como
produtora e/ou indutora de um tipo de produto imobiliário na medida em que cria
parâmetros e normas que são absorvidos pelos empreendedores de acordo com a demanda
para a qual direciona seus produtos. Ressalta-se a importância da legislação urbana na
busca de um espaço socialmente mais justo e, ao mesmo tempo, de maior qualidade de
vida para os moradores, considerando que na produção de moradias, ela atua diretamente
tanto na estruturação do espaço quanto no âmbito pontual da edificação, determinando
coeficientes e implicando em características-padrão para determinadas áreas da cidade.
107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa insere-se em um contexto de mudança de paradigma que envolve o
planejamento, caracterizado principalmente pela inserção do conceito de função social da
propriedade e da cidade nos assuntos que envolvem o urbano. A busca de um espaço
socialmente mais justo e tecnicamente organizado leva à análise das formas de interação
entre os diferentes agentes que atuam na estruturação deste espaço, com especial destaque
para aqueles que atuam no processo de produção de moradias. Isto porque a produção da
habitação envolve relações de produção, consumo e troca entre diferentes agentes,
estabelecendo relações de cooperação e conflito entre eles, balizadas em interesses
próprios.
No caso específico desta dissertação, procurou-se relacionar a atuação do capital
imobiliário e da legislação urbana na produção do espaço urbano, enfocando a produção de
moradias para o mercado de média-baixa renda da população na cidade de Belo Horizonte.
Busca-se refletir, nesta parte final do trabalho, em torno da hipótese colocada na
introdução, que sugere estar a atual legislação urbana de Belo Horizonte (de 1996)
contribuindo para a atuação de determinados segmentos do mercado imobiliário e, ao
mesmo tempo, promovendo formas mais justas de apropriação do espaço urbano.
No que se refere à análise da dinâmica da produção do espaço urbano no Brasil, analisou-
se a interação entre os agentes - capital imobiliário e poder público - e suas implicações na
produção do espaço. O capital imobiliário, agente responsável pela produção e oferta de
moradias, gera valores de troca, apropriando-se do espaço de modo a obter lucro - seu
objetivo principal. Em contrapartida, atua o poder público, seja como gerador de renda
fundiária (criando espaços com valor de troca), seja legislando sobre o uso e a ocupação do
solo, na tentativa de conciliar valores de uso com os valores de troca. Daí a importância da
legislação como meio de que se vale o Estado para controlar a atuação do capital
imobiliário bem como a especulação e, ao mesmo tempo, promover formas mais justas de
apropriação social do espaço urbano.
Este estudo procurou discutir a relação entre planejamento e Direito Urbanístico no Brasil,
buscando verificar a evolução do primeiro e a inserção do tratamento jurídico nas questões
urbanas.
108
A análise da evolução do planejamento urbano no Brasil mostra que ele nasceu setorizado e
seu desenvolvimento posterior foi caracterizado pela ênfase nos aspectos técnicos e na
organização das funções urbanas - trabalhar, habitar, circular, recrear; tão bem defendidas
pelos modernistas - , indicando que as questões urbanas eram reduzidas a relações
prioritariamente econômicas, vinculadas ao desenvolvimento urbano-industrial que se
processava no país. O planejamento urbano tomou feições de política nacional,
especialmente nos anos sessenta e setenta, primando pela abordagem globalizante e
afastando-se da diversidade intra-urbana, caracterizada por um processo de exclusão sócio-
espacial, representado principalmente pelo problema da habitação. As cidades cresciam em
um ritmo muito rápido, fazendo aumentar o número de favelas e a expansão das periferias
urbanas, uma vez que suas áreas mais centrais eram muito valorizadas, impossibilitando a
sua ocupação pelos segmentos de menor poder aquisitivo. A busca do entendimento da
questão da produção de moradias dentro desse processo mais amplo da dinâmica urbana e da
evolução do planejamento explicitou problemas que são acentuados pelas formas de
produção, apropriação e consumo do espaço. A política nacional de habitação, instituída em
1964, com a criação do BNH não só falhou em sua proposta de solucionar os problemas
habitacionais dos segmentos de baixa renda, mas contribuiu para o acirramento de tais
problemas, uma vez que seus investimentos seletivos resultaram em valorização excessiva
das terras urbanas mais centrais, provocando o processo de expansão das periferias das
grandes cidades.
Tendo como referência as questões acima apresentadas, o estudo discutiu aspectos ligados
ao acesso à habitação, balizada pela discussão sobre os direitos de propriedade da terra
urbana e a evolução do Direito Urbanístico no Brasil. Destaca-se o fato de, até
recentemente, os direitos de propriedade imobiliária serem considerados sob a perspectiva
do individualismo (nos moldes do liberalismo jurídico clássico) representado no Código
Civil de 1916. Segundo este ponto de vista, a cidade era considerada um aglomerado de
terrenos de propriedade privada, e a lei se ocupava basicamente das relações entre os
indivíduos.
Com o passar dos anos, o Direito Urbanístico foi apresentando mudanças, mas nada que
desvinculasse as relações de propriedade dos direitos privados absolutos, principalmente
no que diz respeito à questão da habitação.
109
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, fruto de um processo de reabertura
política e democratização, inicia-se um movimento de rompimento dos antigos modelos de
planejamento, frente às novas necessidades de descentralização e atendimento às demandas
sociais acumuladas. A partir de então, passa-se a regular a função social da propriedade,
avançando no sentido de “publicização” do direito de propriedade da terra urbana que vai
ser absorvido pelas novas formas de se pensar o urbano. A análise do desenvolvimento do
planejamento urbano no Brasil mostrou que os novos planos diretores propostos pós 1988
demonstram um processo de transformação na atividade de planejamento, evidenciando
novas tendências que foram analisadas para o caso específico de Belo Horizonte, objeto de
análise nesta dissertação.
Tais tendências referem-se a indícios de mudanças, dentre os quais podem ser destacados:
o distanciamento em relação à prática do zoneamento funcionalista, caracterizado pela
racionalidade, lógica e rigidez, princípios que se mostram incompatíveis com a
necessidade de se abordar a complexidade urbana; a busca de novas formas mais flexíveis
de se pensar e planejar o espaço urbano, tanto em termos das normas de uso e a ocupação
do solo quanto da maior variedade de instrumentos urbanísticos; a observação às
especificidades intra-urbanas, especialmente por meio de formas descentralizadas de
planejamento ou de legislações específicas para cada realidade; e a busca de ampliação dos
meios de participação popular nas questões ligadas ao urbano.
Considerando, então, o exemplo de Belo Horizonte, analisou-se as principais mudanças
ocorridas na legislação urbana municipal pós 88, verificando sua interação com o capital
imobiliário e as conseqüências para o espaço urbano. A legislação, através dos parâmetros
urbanísticos, tem influência na produção de moradias e, conseqüentemente, na estruturação
do espaço. Com isto, o agente imobiliário reorienta sua atuação para aquelas regiões que
lhe permitem obter maior lucro. Procurou-se verificar até que ponto mudanças na
legislação podem estar deslocando investimentos para as áreas mais carentes da cidade e
ampliando o acesso a boas condições de moradia a uma parcela maior da população.
Estaria a legislação de 1996 possibilitando o cumprimento da função social da
propriedade? O estudo apresentado no capítulo 4, no qual foi analisada a atuação de uma
empresa privada na produção de moradias para o segmento de média-baixa renda da
população e sua interação com a legislação urbana, especialmente a LPOUS / 1996,
permitiu identificar elementos que pudessem contribuir para responder tal questão.
110
A lei de 1996 regulamenta os objetivos definidos no plano diretor, dentre eles a criação de
novas centralidades e de áreas passíveis de adensamento, redirecionando e controlando a
ocupação no espaço urbano da cidade. Esta determinação provocou mudanças de duas
naturezas. Primeiramente, mudanças no zoneamento da cidade que passou a enfatizar a
OCUPAÇÃO do solo ao contrário de leis anteriores em que o zoneamento era,
essencialmente, baseado no USO do solo pelas diferentes funções. Ao focar-se na
ocupação, pode-se melhor controlar as densidades, redirecionando o adensamento e a
distribuição da população pelo espaço. Isto porque a legislação criou zonas onde o
adensamento deve ser estimulado e outras onde este deve ser restringido, favorecendo a
ocupação de áreas com boas condições de infra-estrutura, serviços urbanos, acesso fácil,
mas que se encontravam como vazios urbanos antes de 1996. Em segundo lugar, os
parâmetros urbanísticos passaram a direcionar melhor o tipo de produto para o qual o
empreendedor imobiliário deveria atuar, estando este em consonância com o local onde o
empreendimento deveria ser implantado.
Desta forma, pode-se dizer que a legislação pode estar contribuindo para uma distribuição
mais justa da população no espaço, uma vez que vem permitindo o acesso de certos
segmentos sociais à moradia em áreas bem servidas de infra-estrutura, mesmo que mais
distantes.
Ao analisar a produção da empresa em questão (FIG. 10), pode-se observar a extensão de
sua atuação a quase todas as regiões da cidade. Os empreendimentos estão, geralmente,
próximos a algum eixo viário estruturante, fato que diferencia a atuação da MRV em
relação a seus concorrentes. Os projetos BH-Bus e PACE favoreceram a atuação da
empresa em diferentes regiões, uma vez que propiciaram o acesso ao transporte, comércio
e lazer e o melhoramento das condições de infra-estrutura e equipamentos urbanos das
populações em áreas até então desprovidas dessas melhorias.
Enfim, o estudo permitiu concluir que vem ocorrendo uma certa convergência entre os
objetivos da empresa e os princípios do plano diretor e da LPOUS de 1996. Pode-se dizer
que a atuação da MRV está em consonância com o objetivo de se alcançar uma
organização técnica e socialmente mais justa do espaço, segundo os princípios da
Constituição de 1988.
111
Um trabalho que poderá ser feito também em torno da hipótese desta pesquisa seria o
cruzamento dos dados da atuação da empresa com valores reais de imóveis, buscando, com
isto, verificar se ela atua em áreas de valor reduzido de terreno, de modo a favorecer o
acesso à moradia pelos segmentos de mais baixa renda. Nesta dissertação não foi possível
fazer esta verificação. Seriam necessárias informações sobre cada um dos
empreendimentos da construtora, como por exemplo, definição do número do lote e quadra
para cruzar com a Planta Real de Valores de imóvel. Estes dados são impossíveis de ser
conseguidos na Prefeitura uma vez que os empreendimentos são aprovados no nome do
antigo proprietário do terreno e não em nome da construtora. Por isso, a coleta de tais
dados levaria muitos meses, tornando este estudo inviável no âmbito desta dissertação.
Além disso, não há como comparar esses dados com os períodos anteriores (1980-1985 e
1986-1996) uma vez que, para aqueles anos, não há planta de valor de imóvel, o que
impede uma conclusão comparativa. Não seria possível concluir, de fato o que mudou pós
96. Talvez trabalhar com dados do ITBI já seria uma ajuda para uma conclusão mais
precisa. O que de fato nos impossibilita é a falta de dados recentes.
Um detalhamento mais apurado deste trabalho poderia ser feito considerando-se os dados
relacionados ao consumidor de produtos MRV: quem de fato adquire os empreendimentos
da construtora, sua ocupação, renda familiar, etc. Estas informações não existem na
empresa analisada, implicando em uma ampla coleta de dados e confecção de amostragens
para conclusões mais precisas. Além disso, a discussão colocada nesta pesquisa poderia ser
ampliada caso fosse considerada a produção de moradias por parte de outras empresas que
atuam para o mesmo segmento analisado, bem como feita uma comparação entre elas. Este
mesmo estudo também poderia ser desenvolvido considerando-se outros segmentos
sociais, como por exemplo, a produção de moradias direcionada para os estratos de alta
renda da população. Estas sugestões não foram possíveis de ser concretizadas no âmbito
desta dissertação, podendo ser consideradas em momentos posteriores.
Um outro aspecto que deve ser mencionado nestas considerações finais diz respeito ao fato
de ser ainda um pouco cedo para se verificar os impactos da LPOUS de 1996 na estrutura
urbana da cidade, uma vez que para determinados nichos de mercado, houve pouca
produção habitacional sob sua vigência, como no caso do segmento de alta renda.
No que se refere à função social da propriedade, entendida aqui como o direito à moradia e
a democratização do acesso a habitação, pode-se concluir que, para o segmento social
112
analisado nesta dissertação, a função social, orientadora do plano diretor, vem sendo, de
certa forma, conquistada. As análises apresentadas no capítulo 4 são suficientes para
concluir que os segmentos de média-baixa renda da população vêm tendo acesso a
moradias em áreas melhor localizadas no espaço da cidade e bem servidas de infra-
estrutura e serviços urbanos, significando formas socialmente mais justas de ocupação do
espaço urbano. Ou seja, observou-se que, para o caso analisado, há evidências de que a
legislação vem contribuindo simultaneamente para a democratização da ocupação do
espaço urbano e para orientar a atuação de empreendedores imobiliários no processo de
produção de moradias.
No entanto, ressalta-se a importância de analisar, ainda nos termos da hipótese desta
dissertação, as novas formas de gestão urbana, principalmente as propostas de
administrações democráticas com participação popular, no combate à exclusão social. A
questão seria saber se este tipo de gestão vem contribuindo para democratizar o Estado,
tornando-o mais próximo e permeável às demandas da população e mais eficiente na
extensão dos direitos sociais e na produção de um espaço urbano técnica e socialmente
mais justo. Não há dúvidas, no entanto, que os novos mecanismos de gestão, a legislação
urbana e a atuação direta da população poderão contribuir para o cumprimento da função
social da propriedade e para processos mais amplos de transformação social.
113
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119
ANEXOS
Tabela1: Empreendimentos MRV lançados no período 1980 a 2001
PERÍODO EMPREENDIMENTO LOCALIZAÇÃO (Bairro) LOCALIZAÇÃO No. DE No.
(Regional) UNIDADES QUARTOS
(TIPO)
1980 A 1985 SÃO BENTO I SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1980 A 1985 SÃO BENTO II SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1980 A 1985 SÃO BENTO III SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1980 A 1985 SÃO BENTO IV SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1980 A 1985 SÃO BENTO V SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1980 A 1985 SÃO BENTO VI SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1980 A 1985 JARDIM RIACHO I JARDIM RIACHO 1 CASA
1980 A 1985 JARDIM RIACHO II JARDIM RIACHO 1 CASA
1980 A 1985 JARDIM RIACHO III JARDIM RIACHO 1 CASA
1980 A 1985 SAGRADA FAMÍLIA SAGRADA FAMÍLIA LESTE 64 2
1980 A 1985 RUBI VILA SÃO JOÃO LESTE 24 2
1980 A 1985 VILA CLÓRIS PLANALTO NORTE 40 2
1980 A 1985 SAFIRA BOA VISTA LESTE 24 2
1980 A 1985 HUMAITÁ PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 27 2
1980 A 1985 MARIA FERNANDA SERRA CENTRO-SUL 24 2
1980 A 1985 LIGAÇÃO ELDORADO CONTAGEM 64 2 E 3
1980 A 1985 HUNGRIA ELDORADO CONTAGEM 48 2 E 3
1980 A 1985 VILA RICA PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 48 2 E 3
1980 A 1985 RUI BARBOSA INDUSTRIAL NORTE 96 3
1986 A 1996 SÃO BENTO VII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 SÃO BENTO VIII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 SÃO BENTO IX SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 SÃO BENTO X SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 SÃO BENTO XI SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 SÃO BENTO XII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 SÃO BENTO XIII SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 SÃO BENTO XIV SÃO BENTO CENTRO-SUL 1 CASA
1986 A 1996 CASAS D. CLARA D. CLARA PAMPULHA 9 CASA
1986 A 1996 D. CLARA I D. CLARA PAMPULHA 33
1986 A 1996 D. CLARA II D. CLARA PAMPULHA 30
1986 A 1996 D. CLARA III D. CLARA PAMPULHA 10
1986 A 1996 D. CLARA IV D. CLARA PAMPULHA 72
1986 A 1996 SANTA ROSA I SANTA ROSA PAMPULHA 9
1986 A 1996 SANTA ROSA II SANTA ROSA PAMPULHA 16
1986 A 1996 SANTA ROSA III SANTA ROSA PAMPULHA 17
1986 A 1996 SANTA ROSA IV SANTA ROSA PAMPULHA 25
1986 A 1996 SANTA ROSA V SANTA ROSA PAMPULHA 15
1986 A 1996 SILVANA SANTA TEREZA LESTE 60
1986 A 1996 TOPÁZIO NOVA SUIÇA OESTE 48
1986 A 1996 BERILO VILA SÃO JOÃO LESTE 32
1986 A 1996 ÔNIX VILA SÃO JOÃO LESTE 24
1986 A 1996 TURMALINA VILA SÃO JOÃO LESTE 32
1986 A 1996 TURQUESA SANTA EFIGÊNIA LESTE 40
120
1986 A 1996 ÁGATA SANTA EFIGÊNIA LESTE 64
1986 A 1996 AMETISTA PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 24
1986 A 1996 ÁUSTRIA ESTORIL / BURITIS OESTE 40
1986 A 1996 BÉLGICA VILA SÃO JOÃO LESTE 16
1986 A 1996 CHILE VILA SÃO JOÃO LESTE 24
1986 A 1996 CRISTAL VILA SÃO JOÃO LESTE 32
1986 A 1996 DIAMANTE JARDIM AMÉRICA OESTE 16
1986 A 1996 DINAMARCA VILA SÃO JOÃO LESTE 16
1986 A 1996 IOLANDA JARDIM AMÉRICA OESTE 18
1986 A 1996 CAIÇARAS VILA ADELAIDE NOROESTE 112
1986 A 1996 ESPANHA JARDIM AMÉRICA OESTE 24
1986 A 1996 FRANÇA ESTORIL / BURITIS OESTE 24
1986 A 1996 HEITOR MENIN 88
1986 A 1996 MONTE VERDE SERRA CENTRO-SUL 9
1986 A 1996 GAIVOTAS VILA CLÓRIS NORTE 45
1986 A 1996 GRÉCIA ESTORIL / BURITIS OESTE 24
1986 A 1996 NORUEGA E PORTUGAL PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 56
1986 A 1996 SÃO JOÃO IX SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 88
1986 A 1996 APORÉ APARECIDA NOROESTE 96
1986 A 1996 CABO VERDE SERRA CENTRO-SUL 14
1986 A 1996 PALMARES I PALMARES NORDESTE 14
1986 A 1996 SOLIMÕES PALMARES NORDESTE 14
1986 A 1996 CANNES VILA SÃO JOÃO LESTE 16
1986 A 1996 ESTORIL V ESTORIL / BURITIS OESTE 128
1986 A 1996 TUNÍSIA ESTORIL / BURITIS OESTE 40
1986 A 1996 URUGUAI VILA ADELAIDE NOROESTE 32
1986 A 1996 VENEZUELA VILA ADELAIDE NOROESTE 32
1986 A 1996 BARCELONA VILA ADELAIDE NOROESTE 40
1986 A 1996 DUBLIN VILA SÃO JOÃO LESTE 16
1986 A 1996 ESTOCOLMO SANTA CRUZ NORDESTE 24
1986 A 1996 FILADÉLFIA ESTORIL / BURITIS OESTE 60
1986 A 1996 HAVANA VILA SÃO JOÃO LESTE 32
1986 A 1996 JARDIM LEBLON JARDIM LEBLON VENDA NOVA 51
1986 A 1996 PALMARES III PALMARES NORDESTE 45
1986 A 1996 PORTO SEGURO LARANJEIRAS NORTE 31
1986 A 1996 RIO BRANCO PALMARES NORDESTE 26
1986 A 1996 SÃO JOÃO BATISTA I SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 11
1986 A 1996 SÃO JOÃO BATISTA II SÀO JOÃO BATISTA NORDESTE 16
1986 A 1996 SERRA VERDE RENASCENÇA NORDESTE 32
1986 A 1996 ANKARA VILA ADELAIDE NOROESTE 60
1986 A 1996 GRANADA HAVAÍ OESTE 32
1986 A 1996 INDIANÁPOLIS VILA ADELAIDE NOROESTE 24
1986 A 1996 JAMAICA SANTA EFIGÊNIA LESTE 64
1986 A 1996 MARIA STELLA 800
1986 A 1996 MONTE OLIMPO CONTAGEM CONTAGEM 80
1986 A 1996 PARATI VILA CLÓRIS NORTE 22
1986 A 1996 ROBERTA CAIÇARA NOROESTE 32
1986 A 1996 ROMA JARDIM AMÉRICA OESTE 32
1986 A 1996 ACAPULCO PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 24
1986 A 1996 BUENOS AIRES VILA ADELAIDE NOROESTE 24
1986 A 1996 NÁPOLES SAGRADA FAMÍLIA LESTE 64
1986 A 1996 QUEBEC PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 48
1986 A 1996 SEVILHA PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 36
1986 A 1996 TURIM VILA IND. MELO VIANA NORDESTE 32
121
1986 A 1996 FLORENÇA NOVA SUIÇA OESTE 48
1986 A 1996 ILHABELA E CARAVELAS IPIRANGA NORDESTE 50
1986 A 1996 LOS ANGELES CAIÇARA NOROESTE 48
1986 A 1996 MIAMI CAIÇARA NOROESTE 44
1986 A 1996 PARIS CAIÇARA NOROESTE 48
1986 A 1996 ALICE 46
1986 A 1996 BEATRIZ 46
1986 A 1996 GÊNOVA ESTORIL / BURITIS OESTE 112
1986 A 1996 INGLATERRA ESTORIL / BURITIS OESTE 128
1986 A 1996 MONTEVIDEO VILA CAVALIERE OESTE 76
1986 A 1996 PALMEIRAS CINQUENTENÁRIO OESTE 107
1986 A 1996 ED BLUMENAU SANTA AMELIA PAMPULHA 87 1 E 2
1986 A 1996 LETÍCIA LETÍCIA VENDA NOVA 118 1 E 2
1986 A 1996 BUZIOS D. CLARA PAMPULHA 23 2
1986 A 1996 ITAPOÃ ITAPOÃ PAMPULHA 60 2
1986 A 1996 AMAZONAS PALMARES NORDESTE 22 2
1986 A 1996 SÃO FRANCISCO I SÃO FRANCISCO PAMPULHA 16 2
1986 A 1996 SÃO FRANCISCO II SÃO FRANCISCO PAMPULHA 23 2
1986 A 1996 CAPACABANA ITAPOÃ PAMPULHA 62 2
1986 A 1996 LYON CAIÇARA NOROESTE 80 2
1986 A 1996 MANGUEIRAS COPACABANA VENDA NOVA / NORTE 50 2
1986 A 1996 VERONA SANTA CRUZ NORDESTE 32 2
1986 A 1996 ANGRA DOS REIS VILA CLÓRIS NORTE 136 2
1986 A 1996 GUARUJÁ SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 204 2
1986 A 1996 CAMBORIU VILA CLÓRIS NORTE 160 2
1986 A 1996 COLORADO SINIMBU VENDA NOVA 32 2
1986 A 1996 COSTA AZUL FLÁVIO M. LISBOA BARREIRO 76 2
1986 A 1996 IPANEMA PIRATININGA VENDA NOVA 45 2
1986 A 1996 NOTRE DAME HELIÓPOLIS NORTE 25 2
1986 A 1996 LIVERPOOL MINAS BRASIL NOROESTE 28 2
1986 A 1996 MAR DEL PLATA CELESTE IMPÉRIO / PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 60 2
1986 A 1996 MUNIQUE VILA SÃO JOÃO LESTE 40 2
1986 A 1996 VENEZA JARAGUA PAMPULHA 128 2
1986 A 1996 UBATUBA CANAÃ VENDA NOVA 86 2
1986 A 1996 RESID. ANDES BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 96 2
1986 A 1996 JOÃO VITOR E LUCIANA SANTA EFIGÊNIA LESTE 128 2 E 3
1986 A 1996 ITAPARICA D. CLARA PAMPULHA 45 2 E 3
1986 A 1996 CÓRDOBA D. CLARA PAMPULHA 43 2 E 3
1986 A 1996 PETRÓPOLIS SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 124 2 E 3
1986 A 1996 CABO FRIO SANTA AMÉLIA PAMPULHA 20 2 E 3
1986 A 1996 DETROIT D. CLARA PAMPULHA 96 2 E 3
1986 A 1996 MONTE CARLO MINAS BRASIL NOROESTE 86 2 E 3
1986 A 1996 ORLEANS VILA ATLÂNTIDA / JARDIM AMÉRICA OESTE 48 2 E 3
1986 A 1996 PRADOS CANDELÁRIA VENDA NOVA 112 2 E 3
1986 A 1996 FONTANA DI TREVI 6A. SECÇÃO SUBURBANA / CARLOS PRATES NOROESTE 298 2 E 3
1986 A 1996 LIEGE SANTA CRUZ NORDESTE 208 2 E 3
1986 A 1996 MARATAÍZES HAVAÍ OESTE 100 2 E 3
1986 A 1996 VIENA SANTA CRUZ NORDESTE 80 2 E 3
1986 A 1996 RES VILLA LOBOS ESTORIL / BURITIS OESTE 82 2 E 3
1986 A 1996 RESID. MADRID CAIÇARA NOROESTE 48 2 E 3
1986 A 1996 RESID. MAR DE ESPANHA SANTA AMELIA PAMPULHA 74 2 E 3
1986 A 1996 CAMPOS ELÍSEOS HELIÓPOLIS NORTE 34 3
1986 A 1996 IRACEMA BARROS JARDIM ATLÂNTICO PAMPULHA 46 3
1986 A 1996 MILÃO VILA AMBROSINA OESTE 32 3
122
1986 A 1996 D. GIOANNI ESTORIL / BURITIS OESTE 152 3
1986 A 1996 SAN MARINO VILA ADELAIDE NOROESTE 32 3
1986 A 1996 TERESÓPOLIS COPACABANA VENDA NOVA / NORTE 28 3
1986 A 1996 TOULOUSE ESTORIL / BURITIS OESTE 80 3
1986 A 1996 RESID. OHIO ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3
1986 A 1996 RESID. NEVADA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3
1986 A 1996 RAFAEL PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 36 3
1986 A 1996 ESMERALDA ESTORIL / BURITIS OESTE 24 3 (C/SUITE)
1986 A 1996 RESIDENCIAL IRLANDA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3(C/SUÍTE)
1986 A 1996 RIO VERDE SION CENTRO-SUL 14 3 (C/ SUÍTE)
1997 A 2001 RESID. FLORIDA CASTELO PAMPULHA 56 2
1997 A 2001 ED. BOLIVIA OURO PRETO PAMPULHA 232 2
1997 A 2001 RESID. MARSELHA CARLOS PRATES NOROESTE 48 2
1997 A 2001 RESID. CARIBE PIRATININGA VENDA NOVA 76 2
1997 A 2001 RES VIA APIA FLAVIO MARQUES LISBOA BARREIRO 30 2
1997 A 2001 RESID. HONDURAS CANDELARIA/SANTA MÔNICA VENDA NOVA / PAMPULHA 432 2
1997 A 2001 GEÓRGIA VILA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA VENDA NOVA 90 2
1997 A 2001 LA PAZ VILA TIRADENTES OESTE 64 2
1997 A 2001 RESID. GENEBRA MANTIQUEIRA VENDA NOVA 76 2
1997 A 2001 RESID. SAN REMO JAO PINHEIRO NOROESTE 56 2
1997 A 2001 RESID. LONDRES BETANIA OESTE 124 2
1997 A 2001 REINO UNIDO CASTELO PAMPULHA 32 2
1997 A 2001 FENIX VENDA NOVA VENDA NOVA 120 2
1997 A 2001 ALDEIA DA SERRA CALIFÓRNIA NOROESTE 150 2
1997 A 2001 ANDES BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 96 2
1997 A 2001 ATENAS SALGADO FILHO OESTE 88 2
1997 A 2001 BOLÍVIA BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 232 2
1997 A 2001 CALIFÓRNIA CASTELO PAMPULHA 64 2
1997 A 2001 HÉRCULES JAQUELINE NORTE 130 2
1997 A 2001 ILHEUS VILA ATLÂNTIDA / JARDIM AMÉRICA OESTE 40 2
1997 A 2001 MAR EGEU SAGRADA FAMÍLIA LESTE 79 2
1997 A 2001 PARQUE DOS BANDEIRANTES BANDEIRANTES / OURO PRETO PAMPULHA 152 2
1997 A 2001 QUINTAS DA SERRA MANTIQUEIRA VENDA NOVA 80 2
1997 A 2001 VISTA ALEGRE CALIFÓRNIA NOROESTE 112 2
1997 A 2001 ANTARES SÃO JOÃO BATISTA NORDESTE 132 2
1997 A 2001 PORTO PRÍNCIPE SÃO FRANCISCO PAMPULHA 40 2
1997 A 2001 SANTIAGO CASTELO PAMPULHA 32 2
1997 A 2001 FENÍCIA MINAS BRASIL NOROESTE 55 2
1997 A 2001 BAVIERA ESTRELA DO ORIENTE OESTE 124 2
1997 A 2001 ALGARVES CELESTE IMPÉRIO / PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 40 2
1997 A 2001 ÉVORA D. CLARA PAMPULHA 48 2
1997 A 2001 IBIZA CELESTE IMPÉRIO / PADRE EUSTÁQUIO NOROESTE 44 2
1997 A 2001 TÍVOLI 6A. SECÇÃO SUBURBANA / CARLOS PRATES NOROESTE 56 2
1997 A 2001 ÁGUAS DA PRATA CALIFÓRNIA NOROESTE 132 2
1997 A 2001 RESID. AUSTRALIA ESTORIL / BURITIS OESTE 96 2 E 3
1997 A 2001 RES CENTRAL PARQUE VILA TIRADENTES OESTE 196 2 E 3
1997 A 2001 RES PRINCIPE DE GALES SANTA CRUZ NORDESTE 112 2 E 3
1997 A 2001 RES NOVA YORK VILA AMBROSINA OESTE 28 2 E 3
1997 A 2001 RES LONDRINA SANTA AMELIA PAMPULHA 34 2 E 3
1997 A 2001 RES TEXAS CASTELO PAMPULHA 112 2 E 3
1997 A 2001 RESID. DENVER ESTORIL / BURITIS OESTE 28 2 E 3
1997 A 2001 MAR ADRIATICO SAGRADA FAMILIA LESTE 144 2 E 3
1997 A 2001 COSTA RICA JARDIM AMERICA OESTE 144 2 E 3
123
1997 A 2001 ALEXANDRIA JARDIM ATLÂNTICO / ITAPOÃ PAMPULHA 150 2 E 3
1997 A 2001 ESPARTA ESTORIL / BURITIS OESTE 32 2 E 3
1997 A 2001 MÔNACO EX. COLÔNIA BIAS FORTES / SANTA EFIGÊNIA LESTE 110 2 E 3
1997 A 2001 NIÁGARA VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 48 2 E 3
1997 A 2001 PENSYLVÂNIA JOÃO PINHEIRO NOROESTE 148 2 E 3
1997 A 2001 SENNA JOÃO PINHEIRO NOROESTE 112 2 E 3
1997 A 2001 VANCOUVER VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 48 2 E 3
1997 A 2001 LÍBANO PALMARES NORDESTE 50 2 E 3
1997 A 2001 RAVENA CASTELO PAMPULHA 40 2 E 3
1997 A 2001 RIVADÁVILA FLORAMAR NORTE 48 2 E 3
1997 A 2001 CASABLANCA LETÍCIA VENDA NOVA 96 2 E 3
1997 A 2001 POLINÉSIA EX. COLÔNIA BIAS FORTES / SANTA EFIGÊNIA LESTE 114 2 E 3
1997 A 2001 SAN FRANCISCO CALIFÓRNIA NOROESTE 150 2 E 3
1997 A 2001 BILBAO PALMARES NORDESTE 24 2 E 3
1997 A 2001 LA PLACE PALMARES NORDESTE 16 2 E 3
1997 A 2001 MANCHESTER SANTA EFIGÊNIA LESTE 40 2 E 3
1997 A 2001 PÉRGAMO IPIRANGA NORDESTE 64 2 E 3
1997 A 2001 AMSTERDÃ SANTA CRUZ NORDESTE 92 2 E 3
1997 A 2001 ANDALUZIA ESTORIL / BURITIS OESTE 64 2 E 3
1997 A 2001 ARGEL VILA ADELAIDE NOROESTE 40 2 E 3
1997 A 2001 ASTÚRIAS ESTORIL / BURITIS OESTE 60 2 E 3
1997 A 2001 BRUXELAS VENDA NOVA VENDA NOVA 120 2 E 3
1997 A 2001 CAIRO MANACÁS PAMPULHA 40 2 E 3
1997 A 2001 HANNOVER ESTORIL / BURITIS OESTE 80 2 E 3
1997 A 2001 OLÍMPIA PALMARES NORDESTE 36 2 E 3
1997 A 2001 RESID. BARILOCHE ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3
1997 A 2001 RESID. VANIA JOAO PINHEIRO NOROESTE 148 3
1997 A 2001 LISBOA BETANIA OESTE 112 3
1997 A 2001 JORDANIA SANTA BRANCA PAMPULHA 114 3
1997 A 2001 RES CANADA ESTORIL / BURITIS OESTE 64 3 (C/ SUÍTE)
1997 A 2001 RES MONTREAL PALMARES NORDESTE 176 3(C/SUÍTE)
1997 A 2001 RESID. IRLANDA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3(C/SUÍTE)
1997 A 2001 ED EGITO ESTORIL / BURITIS OESTE 56 3(C/SUÍTE)
1997 A 2001 MAR MEDITERRÂNEO SAGRADA FAMÍLIA LESTE 64 3 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 EUROPA ESTORIL / BURITIS OESTE 48 3 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 PARQUE DOS LÍRIOS ESTORIL / BURITIS OESTE 60 3 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 LARISSA VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 16 3 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 LORENA VILA FUTURO / CAIÇARA NOROESTE 16 3 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 RODHES D. CLARA PAMPULHA 20 3 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 BALBEC VILA FUTURO NOROESTE 16 3 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 BERLIM PARAÍSO LESTE 60 2, 3 E 4
1997 A 2001 CENTAURUS VILA SILVEIRA / CIDADE NOVA NORDESTE 150 2, 3 E 4
1997 A 2001 PAMPLONA ESTORIL / BURITIS OESTE 56 2, 3, E 4
1997 A 2001 TÂMISA VILA SILVEIRA / CIDADE NOVA NORDESTE 150 2, 3 E 4
1997 A 2001 PANAMÁ EX. COLÔNIA BIAS FORTES / SANTA EFIGÊNIA LESTE 60 2, 3 E 4
1997 A 2001 RESID. AQUARIUS SAGRADA FAMILIA LESTE 38 4 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 MAR TIRRENO SAGRADA FAMÍLIA LESTE 40 4 (C/SUÍTE)
1997 A 2001 VERSAILLES ESTORIL / BURITIS OESTE 40 4(C/SUÍTE)
1997 A 2001 PARQUE DAS HORTÊNCIAS ESTORIL / BURITIS OESTE 59 4
Fonte: MRV Engenharia, 2001.