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INTRODUÇÃO
O sistema prisional brasileiro encontra-se em situação caótica, compondo um dos mais
graves problemas sociais da atualidade: rebeliões de proporções alarmantes, crescente poder
do crime organizado, violência, morte e insegurança generalizada.
Um olhar sobre este cenário punitivo nos remete a uma reflexão a respeito do modelo
carcerário brasileiro e da efetividade dos princípios constitucionais na execução das penas
privativas de liberdade.
A dignidade da pessoa humana foi consagrada pela Constituição Federal de 1988, no
artigo 1º, inciso III, como alicerce do Estado brasileiro. Em consonância com o valor expresso
neste dispositivo, o inciso XLIX do artigo 5º eleva a integridade física e moral dos apenados à
categoria de cláusula pétrea e o artigo 1º da Lei de Execuções Penais dispõe que a finalidade
da execução penal é a integração social do apenado.
Estabelecendo-se um estudo sobre as teorias da pena, a pesquisa visa a apurar se o
modelo de execução penal praticado no Brasil contempla o mandamento constitucional da
dignidade da pessoa humana e se a teoria adotada pelo ordenamento penal permite a
reintegração social do apenado e a prevenção da criminalidade.
Para tal análise, partiu-se do pressuposto de que garantir segurança à sociedade não
pode ser sinônimo de restringir a dignidade humana dos presos. A inobservância deste
princípio tornaria inviável a consecução das finalidades sociais da pena.
Como parâmetro, adotou-se a estrutura penitenciária do Estado de São Paulo, em razão
de que o sistema prisional paulista, segundo dados oficiais, abriga mais da metade da
população carcerária brasileira, o que representa uma amostragem satisfatória para efeitos do
trabalho ora proposto.
8
Para consecução da pesquisa, foram utilizados dados estatísticos oficiais da Secretaria
de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e de pesquisa empírica iniciada na
Penitenciária de Assis no ano de 2004, com o objetivo de concretizar o tratamento estatístico
previsto pelo projeto.
Quanto aos procedimentos metodológicos, realizou-se, num primeiro momento, uma
revisão bibliográfica dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal em face
do apenado e uma leitura das teorias que informam o sistema penal, visando a apurar se o
Direito positivado brasileiro tem como foco a reintegração do egresso à sociedade ou se
assume caráter meramente retributivo, identificando diagnósticos e perspectivas que
envolvem o sistema prisional brasileiro.
Numa segunda etapa, buscando seguir os passos de Foucault, partiu-se de uma
macro-estrutura, onde foi analisado o sistema penitenciário paulista, para uma micro-
estrutura, apresentando-se os resultados de pesquisa empírica realizada na Penitenciária de
Assis, envolvendo membros da população carcerária e funcionários da Instituição, guardando-
se uma mesma proporção entre os dois grupos.
Com a adoção deste procedimento procurou-se comprovar as hipóteses levantadas e
apurar o olhar do preso e o olhar do agente público acerca do sistema prisional, viabilizando a
reprodução das relações de saberes e poderes que se desenvolvem no espaço carcerário e a
forma pela qual esta complexa rede reflete-se em nossa sociedade.
A fundamentação teórica que serviu de modelo a este projeto percorreu três etapas:
Beccaria, Foucault e Luigi Ferrajoli.
De Beccaria, salientou-se a questão da humanização do sistema punitivo, os
fundamentos do direito de punir e os meios necessários para prevenir os delitos. De Foucault,
explorou-se a idéia de que tudo se estabelece em torno das relações entre saber e poder e de
que a finalidade ressocializadora do sistema prisional não passa de utopia, nos remetendo ao
9
pensamento de que não há um sistema punitivo que possa extinguir as práticas criminosas,
porque o problema da prisão está em seu próprio fundamento, que é a segregação.
De Beccaria a Foucault, há deslocamento do eixo interpretativo. A metodologia
beccariana está assentada no idealismo humanista em voga no século XIX, na Europa,
enquanto Foucault, século XX, assenta-se na desconstrução dos sujeitos (anti-humanismo), ou
seja, a abordagem adotada por ele é depuradora dos elementos humanistas.
Quanto a Luigi Ferrajoli, utilizou-se a obra “Direito e razão – teoria do garantismo
penal”, em que o autor analisa a teoria e a prática penal, seus fundamentos e princípios,
tomando como paradigma a teoria geral do garantismo.
A utilização desta obra foi de fundamental importância, especialmente para a
compreensão do ordenamento infra-constitucional e das teorias que informam o sistema
criminal, cuja leitura forneceu os subsídios necessários para se definir qual doutrina orienta a
execução penal no Brasil.
A pesquisa realizada, sem a pretensão de esgotar o assunto, dada sua complexidade e
extensão, buscou uma discussão acadêmica sobre o tema, questionando os fundamentos do
direito de punir do Estado, as condições em que tal poder tem sido exercido, as disposições
legais acerca da pena de prisão, diagnósticos e perspectivas relacionadas à execução penal no
Brasil.
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I- DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITO PENAL
A Constituição Federal de 1988 previu a dignidade da pessoa humana como
fundamento do Estado brasileiro e, dentre suas disposições, assegurou princípios que instruem
o Direito Penal. Para se constatar a efetividade deste princípio, iremos abordar a dignidade da
pessoa humana e os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal pela
legislação infra-constitucional em face do apenado.
1- Considerações preliminares sobre a dignidade da pessoa humana
1.1- Antecedentes históricos
Para a compreensão do conceito e do significado de dignidade da pessoa humana,
faremos uma breve retrospectiva histórica acerca de sua evolução, partindo do pensamento
clássico e do ideal cristão na Idade Média até os contornos que assumiu no mundo ocidental
em tempos atuais.
Na Antiguidade Clássica, a dignidade da pessoa humana não era reconhecida de
forma igualitária a todos os membros da comunidade, sendo diretamente proporcional à
posição que o indivíduo ocupava no grupo social a que pertencia, conforme afirma Ingo
Wolfgang Sarlet:
No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, verifica-se que a dignidade (dignitas) da pessoa humana dizia, em regra, com a posição social ocupada pelo indivíduo e o seu grau de reconhecimento pelos demais membros da comunidade, daí poder falar-se em uma quantificação e modulação da dignidade, no sentido de se admitir a existência de pessoas mais dignas ou menos dignas (2007, P.30).
11
Segundo o relato de Michel Renaud (1999, p.137), pensadores como Platão, Cícero
e Aristóteles defendiam a idéia de que o ser humano ocupa uma posição superior em relação
aos demais seres viventes, assim como o modelo agostiniano que também distinguia o ser
humano das coisas e dos animais, tempos depois na filosofia medieval. De acordo com o
autor, a partir destes pensadores, a dignidade passou a ser vista como a característica que
distinguia o homem dos outros seres viventes, atribuída a todos os indivíduos de forma
igualitária, independentemente da posição que ocupasse no grupo social.
No que se refere à filosofia estóica, Comparato (2001, p.19) afirma que os valores
morais e a dignidade do homem eram fatores indissociáveis para aquele povo. O homem era
considerado filho de Zeus e portador de direitos de maneira igualitária, da mesma forma que,
para a tradição bíblica, fora feito à imagem e semelhança de Deus, idéia arraigada no
pensamento medieval de São Tomás de Aquino.
Segundo Starlet, foi no contexto do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e
XVIII que se iniciou o processo de secularização do conhecimento elementar de dignidade
humana, destacando o pensamento de Samuel Pufendorf, para quem a dignidade da pessoa
humana era considerada como “a liberdade do ser humano de optar de acordo com sua razão e
de agir conforme o seu entendimento e sua opção” (2007, p.32).
Conforme o relato do autor, este processo de laicização da dignidade da pessoa
humana atingiu o seu ponto mais alto com o pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant,
para quem o homem era um ser dotado de racionalidade.
Na concepção kantiana, a racionalidade estaria intimamente ligada à idéia de
liberdade, no sentido de que somos livres para realizar escolhas e tomar decisões em
detrimento de nossos próprios interesses, o que nos diferencia dos animais. Nesta linha de
raciocínio, tratar um homem com dignidade seria considerá-lo como um fim em si mesmo e
não como meio de satisfação de interesses outros.
12
Em Fundamentação da metafísica dos costumes, Kant estabelece tal formulação:
“age de tal forma que trates a humanidade tanto em sua pessoa quanto na pessoa de qualquer
outro sempre como um fim e jamais simplesmente como um meio” (1980, p.18).
Segundo Oscar Vieira Vilhena, esta noção impõe um tratamento recíproco entre as
pessoas, na medida em que um homem deve atribuir ao outro o mesmo valor que atribui a si
mesmo, porque todos são merecedores do mesmo respeito. Como as pessoas são dotadas de
razão, todas merecem ser tratadas com dignidade de maneira igualitária (2006, p.38).
Ao longo do tempo, uma série de contrapontos ao pensamento Kantiano foi redigida
por outros pensadores, mas suas idéias representam, até hoje, um marco para os estudos da
dignidade da pessoa humana.
1.2- Perspectiva constitucional
Para Oscar Vilhena, a dignidade assume diferentes dimensões, sempre relacionada a
uma enorme gama de condições ligadas à própria vida humana, como integridade física e
psíquica, moral, condições de liberdade e materiais de bem-estar. Por isso, não constitui um
valor intrínseco ao ser humano, mas uma “construção de natureza moral”, em processo
permanente de desenvolvimento, sempre relacionada à proteção de condições indispensáveis a
uma existência também digna (2007, p.36).
De qualquer maneira, após seu reconhecimento como valor moral, a dignidade
humana foi erigida à condição de valor fundamental da ordem jurídica dos Estados chamados
“Democráticos de Direito” constituindo o alicerce, as bases de suas constituições.
13
Após a Declaração da Organização das Nações Unidas em 1948, que a reconheceu
como “valor jurídico universal, a maioria dos países ocidentais a adotou expressamente em
suas constituições (KRIELE, 1983, p. 47-54).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 positivou a dignidade da pessoa humana
como fundamento do Estado Democrático de Direito que ora se constituía (art.1º, inciso III).
A partir daí, a proteção da dignidade humana foi expressa na nossa ordem jurídica como
princípio constitucional do mais alto grau de relevância, ocupando o cume da pirâmide
hierárquica do ordenamento jurídico (HESSE, 1991, p.35).
Da leitura do texto constitucional brasileiro, afere-se que a dignidade da pessoa
humana está prevista logo no primeiro título que trata dos princípios fundamentais, sugerindo,
segundo Starlet (2007, p.63), que o legislador instituiu a eles a função de fundamentar toda a
ordem constitucional, especialmente no que diz respeito às normas que definem os direitos e
garantias fundamentais, previstos no título II.
Explícito em outras palavras, isto significa que a dignidade humana constitui não
apenas o fim a que se dirige o ordenamento jurídico, mas, antes, o seu próprio fundamento, o
que está expresso no inciso III do artigo 1º, ao tratar a dignidade da pessoa humana como
alicerce do próprio Estado. No dizer de Comparato (1999, p.30), "a dignidade do ser humano,
fonte e medida de todos os valores, está sempre acima da lei, vale dizer, de todo direito
positivo".
Na perspectiva dos direitos humanos fundamentais, observa-se, da apreciação do
artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a presença implícita do princípio da dignidade da
pessoa humana tanto nas vedações a determinados tipos de pena, à tortura e a tratamentos
desumanos e degradantes, como na proteção ao direito à vida e à integridade física e psíquica,
que constituem o centro pétreo da Constituição Federal Brasileira.
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Embora não prevista explicitamente no rol dos direitos e garantias fundamentais, a
dignidade da pessoa humana se faz inerente a todo o texto da Constituição e, por via de
conseqüência, a toda a ordem infra-constitucional, representando limite intransponível tanto
na esfera de atuação do Estado, quanto na do cidadão. Afirmar que a dignidade constitui um
direito fundamental, é dizer apenas parte de seu significado, uma vez que ela é o próprio
fundamento da instituição de direitos e de deveres estabelecidos pelo ordenamento jurídico.
2- Constituição Federal e sistema penal
A Constituição Federal representa fundamento de validade para todo o ordenamento
jurídico de um Estado Democrático de Direito. Existe para conduzir a existência do próprio
Estado que nela se funda.
As disposições de uma Constituição vinculam todos os atos normativos de um
sistema jurídico, inclusive, os de âmbito penal, conferindo legitimidade ao ordenamento assim
chamado infraconstitucional.
Deste modo, é possível afirmar que o Direito Penal, para ter validade, deve ser
estruturado a partir dos valores expressos ou implícitos na Carta Magna, entre eles, o
mandamento da dignidade humana.
Fernando Capez salienta que o tipo incriminador deve descrever como infração
somente aquelas condutas que representam uma real lesividade aos bens jurídicos
considerados mais importantes para a sociedade e. somente assim, é possível se falar em um
Direito Penal “Democrático” (2002, p.10).
15
2.1- Princípios constitucionais penais
Como já mencionado, todas as normas infraconstitucionais, entre elas, as normas
penais, têm sua validade vinculada à observância dos princípios constitucionais.
É a Constituição Federal quem determina que nenhum homem livre pode ser punido
por fato que a lei anteriormente o tenha previsto como crime, nem receber uma punição legal
se não previamente cominada (Princípio da reserva legal).
Também é a Carta Constitucional que determina que a privação da liberdade e dos
bens do indivíduo somente pode se dar através de um processo judicial (Princípio do devido
processo legal), em que o réu tenha pleno e amplo direito à defesa contra a acusação que lhe é
imposta (Princípio do contraditório e ampla defesa), sendo-lhe ainda assegurado o direito de
não ser considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória
(Princípio da presunção de inocência).
Dentre os valores preconizados pela Constituição Federal e que têm no Direito Penal
seu campo de projeção, o princípio da dignidade da pessoa humana, surge como diretriz
fundamental do sistema, conforme esclarece Capez:
Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores dos mais diversos campos da atuação humana. No que diz respeito ao âmbito penal, há um gigantesco princípio a regular e orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal democrático. Trata-se de um braço genérico e abrangente, que deriva direta e imediatamente deste moderno perfil político do Estado brasileiro, a partir do qual partem inúmeros outros princípios próprios afetos à esfera criminal, que nele encontram guarida e orientam o legislador na definição das condutas delituosas. Estamos falando do princípio da dignidade humana (2002, p.10).
Sendo a dignidade da pessoa humana o fundamento do Estado e, conseqüentemente,
de sua ordem constitucional, todas as demais normas jurídicas, inclusive a penal, têm sua
validade vinculada à observância deste princípio, que, segundo o mesmo autor, deve orientar
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tanto o legislador no momento da criação das figuras típicas, quanto do intérprete no
momento em que estabelecer a relação do caso concreto com o tipo penal.
É com alicerce na dignidade que o sistema deve funcionar. Isto dito em outras
palavras: a dignidade da pessoa humana deve ser o vértice do sistema penal. A partir deste
princípio orientador, derivam outros princípios que regem e servem de limite ao Direito Penal
(Capez, 2002, p. 13-25).
Assim, segundo o princípio da insignificância ou bagatela, o Direito Penal deve
ocupar-se somente de tipos incriminadores que descrevam condutas realmente lesivas a bens
jurídicos de grande interesse à sociedade. Aplicar uma pena a quem praticou um fato
insignificante na esfera da lesividade penal é contrário aos ideais de um Estado Democrático
de Direito. Importante observar, entretanto, que delito insignificante ou de bagatela não se
confunde com os crimes de menor potencial ofensivo assim definidos pelo artigo 61 da Lei
9099/95 e que possuem um certo nível de gravidade. Trata-se de um princípio a ser observado
no plano concreto, não abstrato, conforme escreve Capez:
Tal princípio deverá ser verificado em cada caso concreto, de acordo com suas especificidades. O furto, abstratamente, não é uma bagatela, mas a subtração de um chiclete pode ser. Em outras palavras, nem toda conduta subsumível ao artigo 155 do Código Penal é alcançada por este princípio, algumas sim, outras não (2002, p.15).
Do princípio da dignidade humana decorre também a idéia de que só pode ser punido
aquele que lesiona bem jurídico de terceiros, ou seja, aquele cujo comportamento transcenda
sua esfera individual e alcance a esfera do outro, na medida em que não se pode punir aquele
que causou um mal apenas a si mesmo, salvo a hipótese em que houver comprovada intenção
de prejudicar terceiros. Basta imaginar-se a situação daquele que atentou contra a própria
vida. Não consumada a morte, impor uma pena a quem tentou o suicídio seria um desrespeito
a sua faculdade de se auto-determinar, o que implicaria em ferir a sua dignidade. Trata-se
aqui do princípio da alteridade ou transcendentalidade.
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Também alinhado com o princípio da dignidade humana, o princípio da intervenção
mínima fundamenta-se no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão (Capez, 2002 p.18), segundo o qual seria defeso ao sistema legislativo e jurídico
prever ou aplicar punições desnecessárias. Seguindo a lógica constitucional, a imputação de
uma pena só pode ocorrer naqueles casos em que a lei descreve um fato como crime,
limitando a atuação do Estado no sentido de privar ou restringir a liberdade do indivíduo
somente nos casos em que tal privação ou restrição seja realmente indispensável.
Também decorrente da dignidade, o princípio da proporcionalidade estabelece a
necessidade de se avaliar a relação custo-benefício ao se criar tipos incriminadores, porque
estes limitam a liberdade das pessoas ao mesmo tempo em que protegem determinados bens
jurídicos.
Para Capez (2002, p.22), um Direito Penal Democrático não pode prever uma
incriminação que represente mais ônus do que benefício coletivo. O interesse tutelado pela
norma incriminadora deve ser relevante do ponto de vista social, sob pena de
inconstitucionalidade.
No âmbito preventivo, o princípio dispõe a necessidade de que a pena seja
proporcional ao delito praticado. Beccaria, no século XVIII, já defendia a idéia de que uma
pena, para ser eficaz, deve ter tão-somente o rigor necessário para prevenir a criminalidade,
conforme afirma em sua clássica obra Dos delitos e das penas: “Para que a pena não seja a
violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, deverá ser essencialmente pública,
rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, nas dadas circunstâncias ocorridas,
proporcional ao delito e ditada pela lei.” (2001, p.107).
O artigo 5º, inciso XLVII da Constituição Federal de 1988 traz implícito este
princípio ao preceituar a abolição de determinados tipos de pena, bem como ao estabelecer a
exigência da individualização da pena (inciso XLVI).
18
Tais preceitos, assim como a vedação constitucional da tortura e do tratamento
desumano ou degradante também estão relacionados a outro princípio decorrente da dignidade
da pessoa humana: o princípio da humanidade que impede a cominação de penas que atentem
contra a incolumidade física ou moral de qualquer pessoa. Este princípio deve orientar todas
as relações que envolvem o direito penal e consiste no reconhecimento de que o condenado
deve ser tratado como pessoa humana.
O princípio da humanidade é decorrente das idéias iluministas em voga na Europa
dos séculos XVII e XVIII. Partindo da idéia da elaboração jurídica de um Estado
constitucional, os direitos humanos surgem como limite intransponível da execução penal,
dos quais emergem diversos princípios constitucionais penais, visando à proteção do
condenado contra os arbítrios do poder estatal.
A doutrina define ainda vários outros princípios deduzidos do mandamento
constitucional da dignidade. Entretanto, para efeitos do presente trabalho, os princípios acima
mencionados são suficientes para demonstrar que o Direito Penal encontra seu fundamento de
validade nos princípios constitucionais e, dentre eles, a dignidade da pessoa humana
representa a pedra angular do sistema.
2.2- Direitos fundamentais em face do apenado na Constituição Federal
Inicialmente, far-se-á um breve levantamento a respeito dos direitos fundamentais
assegurados pela Constituição Federal e pela ordem infraconstitucional em face do apenado
para, em momento oportuno, analisar se a execução penal contempla o princípio da dignidade
humana viabilizando a reintegração social do egresso e a prevenção da criminalidade.
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Conforme já analisado anteriormente, a validade de todo e qualquer ordenamento
infraconstitucional está diretamente relacionada à observância dos princípios e valores
expressos pela Constituição Federal. Assim, o sistema penal tem sua validade vinculada a sua
fidelidade com relação aos mandamentos constitucionais, em especial, ao da dignidade da
pessoa humana.
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988 elenca, em seus setenta e oito incisos,
um rol de direitos e deveres individuais e coletivos, dentre os quais, alguns asseguram aos
apenados direitos fundamentais invioláveis em razão de seu perfil constitucional. Isto
significa que os agentes do poder público são chamados obrigados a observar estes direitos,
os quais se colocam como limites ao jus puniendi.
Da leitura do inciso III do artigo 5º, afere-se a relevância que o constituinte
pretendeu atribuir à afirmação da dignidade da pessoa humana, ao estabelecer que “ninguém
será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (CF, art.5º, inciso III).
Tal dispositivo, ao sugerir como indeterminado o sujeito “ninguém”, inclui, portanto,
os apenados, que, conservam todos os seus direitos não atingidos pela privação ou restrição da
liberdade.
A inobservância deste mandamento é punível e, uma vez configurada a prática de
tortura, classifica-se como crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia, conforme
dispõe o inciso XLIII do mesmo artigo, punível nos termos da Lei 9455/97 que define os
chamados crimes de tortura.
O artigo 5º traz um rol taxativo de penas aplicáveis e a vedação expressa de
outras.Também a separação classificatória dos presos encontra na Constituição Federal o seu
fundamento, visando à individualização do tratamento penal e o controle da criminalidade, na
medida em que se evita o contato de infratores ocasionais com os chamados “profissionais”
do crime. Portanto, tem perfil constitucional a regra de que os presos devem cumprir suas
20
penas em estabelecimentos distintos segundo o sexo, idade e natureza do delito (CF, artigo 5º,
inciso XLIX).
No aspecto processual, a Constituição Federal também estabelece uma série de
direitos e garantias ao apenado, como, em título exemplificativo, a de que só é possível a
privação de sua liberdade através de processo judicial (CF, artigo 5º, inciso LIV), de que só
será considerado culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (CF,
artigo 5º, inciso LVII), de só ser preso em flagrante delito ou mediante ordem fundamentada
de autoridade judiciária (CF, artigo 5º, inciso LXI), de assistência familiar e de advogado,
além de poder permanecer calado durante o seu interrogatório (CF, artigo 5º, inciso LXIII).
No mesmo artigo, inciso LXXV, a Carta Magna estabelece ao Estado o dever de
indenizar o apenado naqueles casos em que ele ficar preso além do tempo definido na
sentença condenatória, situação que ocorre freqüentemente no cenário da execução penal no
Brasil, raríssimas vezes, devidamente indenizada.
2.2.1- Direitos fundamentais e execução penal
Em matéria penal, é a Constituição Federal quem estabelece as regras e princípios a
partir dos quais se efetivarão a legislação, o processo e a execução penal. Qualquer lei que
contrarie as disposições constitucionais não tem validade e deve ser retirada do ordenamento
jurídico, da mesma forma que a investigação, o processo e a execução penal devem ser
praticados de acordo com o que está constitucionalmente previsto, especialmente no que diz
respeito ao mandamento constitucional da dignidade, pedra angular do sistema penal.
21
O cumprimento das penas privativas de liberdade no Brasil é disciplinado pela
Constituição Federal, pelo Código Penal e regulamentado pela Lei 7210/84, Lei de Execuções
Penais (LEP). Todas as normas que instruem a execução penal encontram como limite as
previsões constitucionais relativas aos direitos fundamentais do apenado. O legislador
infraconstitucional, ao estipular qualquer regra referente ao cumprimento da pena de prisão,
deve considerar tais pressupostos, sob pena de que a produção legislativa já tenha um
nascimento eivado de inconstitucionalidade.
Far-se-á, então, uma breve exposição a respeito das regras disciplinadas pela
legislação infraconstitucional no tocante à execução penal para, em ocasião oportuna, analisar
se a construção teórica do sistema penal contempla o mandamento constitucional da
dignidade humana e se o mesmo tem sido observado no cumprimento das penas privativas de
liberdade no Brasil.
2.2.1.1- Regimes penitenciários
Conforme o disposto § 1º do artigo 33 do Código Penal, são três os tipos de regimes
penitenciários a serem aplicados ao condenado: fechado, semi-aberto e aberto. Esta pesquisa
tem como objeto o regime fechado, mas, somente em título de ilustração, registram-se
algumas diferenças entre os três regimes.
No regime fechado, a pena é cumprida em estabelecimento penal de segurança
máxima ou média. No período diurno é previsto o trabalho coletivo e, no período noturno, o
recolhimento individual, ficando restrita, em regra, a saída do interior da penitenciária.
22
No regime semi-aberto, o infrator cumpre a pena em colônia penal agrícola,
industrial ou estabelecimento similar. Este tipo de regime caracteriza-se pelo trabalho diurno,
com vigilância moderada e recolhimento coletivo durante o repouso noturno. A saída do
estabelecimento para freqüentar cursos profissionalizantes é permitida.
No regime aberto, o apenado trabalha ou freqüenta cursos em liberdade durante o dia
e se recolhe em Casa do Albergado ou estabelecimento adequado à noite, sábados, domingos
e feriados. Como há poucas casas especializadas, na prática, o apenado cumpre sua pena em
regime de prisão domiciliar.
Para os condenados femininos e para os maiores de 60 anos a pena deve ser
cumprida em regime especial e em estabelecimento próprio. Às mulheres presas é garantido o
direito de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (CF, artigo 5º,
inciso L) em celas especiais. Trata-se de direito fundamental assegurado pela Constituição
Federal no tocante aos cidadãos com mais de 60 anos e às mulheres que respondem a uma
condenação penal.
2.2.1.2- Espécies de penas
O artigo 32 do Código Penal prevê como espécies de pena as privativas de liberdade,
objeto de estudo deste trabalho, as restritivas de direitos e a de multa.
O artigo 5º da Carta Constitucional, em seu inciso XLVIII, estabelece que “a pena
será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o
sexo do apenado”.
23
A diversificação do sistema carcerário tem previsão constitucional, com finalidade de
proporcionar ao apenado tratamento particularizado, não aplicável a outro cidadão que
responde a processo crime em situação semelhante, seguindo o princípio da individualização
da pena prevista no inciso XLVI do mesmo dispositivo. Trata-se de direito indisponível do
apenado.
Pelas razões expostas, a legislação penal considera como espécies de penas
privativas de liberdade a reclusão e a detenção, conforme dispõe o artigo 33 do Código Penal.
São comuns as dúvidas quanto às diferenças entre as penas de reclusão e detenção. Na
essência, são equivalentes e suas diferenças se destacam no plano de seus efeitos, sendo a
reclusão destinada a crimes mais graves e a detenção para os de resultados menos gravosos.
Segundo o disposto no artigo 33 do Código Penal, a pena de reclusão admite seu
cumprimento tanto no regime fechado, quanto no semi-aberto e aberto, enquanto que a pena
de detenção é prevista para infrações menos graves, sendo vedado o regime fechado para tal
espécie, salvo em caso de regressão. Ou seja, a pena de reclusão admite a possibilidade de o
cumprimento da pena iniciar-se no regime fechado, o que não ocorre na detenção. O regime
fechado só é aplicável aos crimes apenados com detenção em caso de regressão de regime, a
ser oportunamente conceituado.
No âmbito de seus efeitos, as diferenças entre as penas de reclusão e de detenção são
mais visualizáveis. No caso de o fato criminoso ser praticado por inimputável, punível com
reclusão, a medida de segurança aplicada consiste na internação do agente em hospital de
custódia e tratamento psiquiátrico. Se o fato for apenado com detenção, a medida de
segurança será o tratamento ambulatorial.
O efeito civil da perda de pátrio poder, curatela, tutela e poder familiar, decorre
somente de crimes apenados com reclusão, não sendo previsto nos casos de aplicação da pena
de detenção (Jesus, 2002 p.207).
24
Importante considerar que é direito do apenado, decorrente do princípio
constitucional da proporcionalidade, derivado da dignidade humana, que a punição a ser por
ele cumprida tenha um rigor proporcional à gravidade da infração praticada. Considerando
tais pressupostos, assim foram definidas as espécies de pena adotadas pelo ordenamento penal
no Brasil.
2.2.1.3- Regras do regime fechado
No § 2º do artigo 33 do Código Penal, é possível identificar as hipóteses em que o
apenado inicia o cumprimento da pena em regime fechado: condenados à reclusão
reincidentes, qualquer que seja a quantidade de pena imposta e condenados por prática de
crime cuja pena seja superior a oito anos, reincidentes ou não.
Caso a pena não seja superior a 4 anos e as circunstâncias judiciais previstas no
artigo 59 do Código Penal sejam favoráveis ao condenado, em sendo ele reincidente, o regime
inicial será o semi-aberto e não o fechado. Neste caso, o regime inicial será fechado somente
se o réu for reincidente e as circunstâncias judiciais não lhe forem favoráveis.
Conforme já examinado, o cumprimento das penas privativas de liberdade no Brasil
foi regulamentado pela Lei 7210/84, a Lei de Execuções Penais (LEP), que posteriormente
sofreu algumas modificações.
As principais regras dispostas nesta lei sobre o regime fechado estabelecem que a
pena deve ser cumprida em estabelecimento penitenciário (artigo 87), de segurança máxima
ou média, onde o condenado deve trabalhar no período diurno e ficar isolado durante o
repouso noturno, em cela individual com dormitório, aparelho sanitário e lavatório (artigo 88).
25
Segundo o parágrafo único de referido artigo, a unidade celular deve ter por requisitos a
salubridade do ambiente e área mínima de seis metros quadrados. Aqui, inicia-se a inevitável
verificação do enorme distanciamento que existe entre as previsões legais e a realidade do
sistema carcerário brasileiro.
No início do cumprimento da pena, o condenado deve ser submetido a exame
criminológico para individualização da execução da pena (artigo 8º), seguindo o princípio
constitucional estabelecido no artigo 5º, inciso XLVI. Este exame tem por finalidade
classificar os presos, no sentido de aferir as características singulares de cada um,
particularizando a execução no sentido de torná-la mais eficaz no que diz respeito à
reeducação do apenado.
Segundo as disposições legais, que posteriormente sofreu reformas, este exame
deveria ser realizado por uma Comissão Técnica de Classificação existente em cada
estabelecimento prisional, composta por psicólogos e assistentes sociais, no início do
cumprimento da pena e também nos casos de progressão e regressão de regime.
Isto porque a sentença penal condenatória estabelece o regime inicial de
cumprimento da pena. Entretanto, observados alguns critérios, é possível ao preso progredir
de um regime mais gravoso para um outro regime mais suave, sendo vedada a progressão
“por salto”, ou seja, do regime fechado, não se pode progredir diretamente para o aberto, mas
inicialmente para o semi-aberto.
A chamada progressão de regime pode ser aplicada, desde que obedecidos os
requisitos legais estabelecidos pela LEP, conforme disposto no artigo.112: “A pena privativa
de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos
rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da
pena no regime anterior e seu mérito indicar a progressão”.
26
Segundo a LEP, a progressão deveria ser precedida de parecer da Comissão Técnica
de Classificação e de Exame Criminológico, mas, como será examinado, a Lei sofreu
modificações. O Ministério Público, obrigatoriamente, deve manifestar-se acerca da
progressão do sentenciado, uma vez que atua como fiscal da lei.
O artigo 118 da LEP estabelece a obrigatoriedade da regressão de regime para
qualquer regime mais gravoso, quando o condenado pratica falta grave ou crime doloso, ou,
ainda, quando sofre condenação por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da que está
cumprindo, torna incabível o regime aberto ou semi-aberto.
Estas são as disposições da Lei de Execuções Penais que sofreram algumas
modificações com a Lei 10.792/03 que deu nova redação aos artigos 6º e 112. A nova Lei
dispensou o o exame criminológico, para as progressões e regressões de regime, para as
concessões de benefícios e para as conversões de pena.
Portanto, de acordo com a lei vigente, o exame criminológico é exigido apenas para
individualização do tratamento penal, embora, na prática, tal exame não venha sendo
realizado ou, quando realizado, tem sido aplicado de maneira não satisfatória.
O requisito objetivo para a progressão da pena também foi mantido, ou seja, o
condenado deverá ter cumprido ao menos 1/6 da condenação. O requisito subjetivo, o mérito
do apenado, deve ser atestado pelo diretor da penitenciária. Entretanto, mais uma vez, a Lei
foi omissa, não definindo o que seria o “bom comportamento” do apenado.
Polêmica tem sido a discussão em torno da progressão do regime para os crimes
previstos na Lei 8072/90. O artigo 2º desta Lei prevê o cumprimento da pena em regime
integralmente fechado para crimes hediondos, tortura, terrorismo e tráfico ilícito de
entorpecentes. O artigo 1º, § 7º da Lei 9455/97, que trata dos crimes de tortura, dispõe que o
condenado por este crime deve apenas iniciar a pena em regime fechado, permitindo,
portanto, a progressão do regime, o que não ocorre nos demais crimes acima mencionados. Há
27
entendimento de que conferir tratamento diferenciado para crimes de igual gravidade incide
em violação ao princípio da proporcionalidade.
O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da
Lei 8072/90 que estabelece o cumprimento integral em regime fechado para os crimes
previstos nesta Lei.
Os fundamentos da decisão sustentavam-se no fato de que a vedação da progressão
afronta o direito fundamental da individualização da pena e a derrogação tácita de tal
dispositivo pelo § 7º do artigo 1º da Lei 9455/97, que permite a progressão para os crimes de
tortura, equiparado, pela Constituição Federal a crime hediondo, no artigo 5º inciso XLIII.
Entretanto, tal decisão foi proferida em Hábeas Corpus, produzindo efeitos “entre as
partes” o que não impede que outros juízes e tribunais possam decidir em contrário, até
porque o Supremo Tribunal Federal sumulou que a progressão de regime admitida no crime
de tortura não se aplica aos demais crimes hediondos (Súmula 698).
Quando o assunto está relacionado aos direitos dos presos, é de suma importância
lembrar o artigo 38 do Código Penal que dispõe que o apenado, ao ser preso, conserva todos
os direitos não atingidos pela perda da liberdade, devendo ser preservadas sua integridade
física e moral, em observância ao princípio da dignidade humana.
A integridade física e moral dos detentos também é prevista como cláusula pétrea na
Constituição Federal, por tratar-se de direito e garantia fundamental, previstos no artigo 5º,
inciso XLIX da Carta Magna.
Em fidelidade à disciplina constitucional, a Lei de Execuções Penais regulamentou,
em seu artigo 41, diversos direitos dos detentos como alimentação e vestuário, atribuição de
trabalho remunerado, previdência social, descanso e recreação, assistência à saúde, jurídica e
de educação, proteção contra sensacionalismo, entrevista pessoal e reservada com o
advogado, audiência especial com o diretor do estabelecimento, entre outros direitos.
28
A mesma Lei, artigo 183, e o Código Penal, artigo 41, garantem o direito ao
condenado de ser transferido para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos casos em
que a pena for convertida em medida de segurança, por superveniência de doença mental.
Manter um condenado, nestas condições, preso em estabelecimento carcerário, constituiria
flagrante afronta aos princípios constitucionais, em especial, ao princípio da dignidade da
pessoa humana.
Um benefício importante, o benefício da detração, está previsto no artigo 42 do
Código Penal, que consiste em computar-se tanto na pena privativa de liberdade quanto na
medida de segurança o tempo de prisão provisória e administrativa, no Brasil ou em país
estrangeiro, e o de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (LEP, art.66,
III, c).
Segundo André Estefam (2006, p.190), existe uma lacuna na lei que se omite com
relação à admissibilidade da detração para penas alternativas. Para o autor, deve-se suprir
referida omissão com a aplicação da analogia in bonam partem, porque não haveria razão em
admitir a detração para pena mais grave, no caso, a prisão, e vedá-la para as penas
alternativas, o que violaria princípios constitucionais.
Quanto ao trabalho do preso, segundo dispõe a Lei de Execuções Penais, as
atividades devem ser pautadas em alguns critérios como, por exemplo, ter finalidade
educativa e produtiva, ser remunerado, jornada normal de trabalho de 6 a 8 horas diárias com
descanso nos domingos e feriados, desconto de um dia de pena para cada três dias de trabalho
(remição da pena).
Embora o trabalho seja obrigatório ao preso, a Constituição Federal vigente veda,
como cláusula pétrea, o trabalho forçado, em seu artigo 5º inciso XLVII. O trabalho do preso
é obrigatório, conforme a regra do inciso V do artigo 39 da LEP, que dispõe sobre os deveres
29
do preso. Se ele não trabalha, perde os benefícios da remição. Ficam isentos da obrigação
somente o preso provisório e o preso político, para os quais o trabalho não é obrigatório.
Mas a atribuição de trabalho, sua remuneração, previdência social, proporcionalidade
entre o tempo de trabalho, descanso e recreação também estão previstos entre os direitos
estabelecidos aos presos pela mesma Lei em seu artigo 41.
O artigo 39 do Código Penal brasileiro dispõe sobre o trabalho do preso que deve ser
sempre remunerado e sobre o direito de usufruir dos benefícios da Previdência Social. No
mesmo sentido, a Lei de Execuções Penais em seu artigo 41, inciso II, estabelece que
constitui um direito do preso a atribuição de trabalho e sua remuneração. Portanto, o trabalho
é um dever do Estado e um direito/dever do preso. Direito no que diz respeito à remuneração
e remição, e dever na medida em que, recusando-se a executá-lo, comete falta grave, segundo
o estabelecido nos artigos 39, inciso V e 50, inciso VI da LEP.
Segundo as disposições legais, àqueles que trabalham, os valores recebidos devem
ser utilizados na seguinte ordem: primeiro, para indenizar a vítima; segundo, o Estado;
terceiro, sua família; quarto, para seu uso pessoal. Do que restar de seu salário, em regra, não
inferior a ¾ do salário-mínimo, fica como pecúlio. Mas, na realidade, o que efetivamente
motiva o preso a trabalhar é a possibilidade de remição.
Os artigos 31 a 37 da Lei de Execuções Penais disciplinam de que maneira deve ser
realizado este trabalho. O artigo 32 dispõe que, ao se atribuir à atividade laboral ao apenado,
devem ser consideradas suas habilidades pessoais, suas condições físicas, as necessidades
futuras do preso, ao deixar o sistema e as oportunidades oferecidas pelo mercado. No entanto,
esta é a teoria. Na prática, é muito diferente.
Em tese, o trabalho deveria ser um aliado importante no processo de recuperação do
infrator, preparando-o para sua reintegração no mercado de trabalho quando recuperar a
30
liberdade. O trabalho deveria ter como intuito maior desenvolver no preso a idéia de resgatar
sua dignidade.
Quanto ao trabalho externo, a Lei de Execuções Penais, artigo 36, considera-o
admissível somente em serviço e obras públicas, ficando a remuneração por conta da entidade
ou empreiteira a remuneração do preso.
O artigo 37 estabelece como requisito para a concessão deste direito que o preso
tenha cumprido no mínimo 1/6 de sua pena. Importante observar a súmula 40 do STJ, que
considera como tempo de cumprimento de pena aquele cumprido em regime fechado. No que
se refere à prestação de trabalho a entidades privadas, a lei também estabelece como requisito
o consentimento expresso do preso (LEP, artigo 36, § 3º).
No que diz respeito aos limites temporais da pena de prisão. O ordenamento jurídico-
penal brasileiro não reconhece a prisão perpétua. Trata-se de vedação constitucional, prevista
como cláusula pétrea, no artigo 5º inciso XLVII.
Caso o preso tenha mais de uma condenação, suas penas serão “unificadas”,
utilizando terminologia corrente da doutrina, desde que observados alguns critérios
específicos. No Brasil, a pena máxima é de trinta anos, trata-se de regra prática, ainda que o
condenado tenha mais do que este tempo de pena para cumprir. A previsão legal deste limite
encontra-se no artigo 75 do Código Penal que dispõe que “o tempo de cumprimento das penas
privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos”.
Além disso, é preciso observar a regra do § 2º do artigo 75 do Código Penal:
“Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova
unificação, desprezando-se para esse fim, o período de pena já cumprido”.
Assim, se o condenado a trinta anos, que já tenha cumprido vinte anos, sofrer nova
condenação de trinta anos por fato posterior, deverá cumprir mais trinta anos de pena
31
unificada. Não cumprirá os quarenta anos que resultariam da soma de dez que faltavam com
os trinta anos da nova condenação.
Para a concessão de benefícios legais, como o livramento condicional, a
jurisprudência majoritária considera a pena aplicada e não os 30 anos. Por exemplo, um réu
que tenha sido condenado a cem anos de prisão, para adquirir o direito ao livramento
condicional não lhe bastará cumprir 1/3 de trinta anos, mas de cem anos, que foi a pena
aplicada. (art. 83,I CP).
No que diz respeito ao livramento condicional, trata-se também de direito assegurado
ao apenado pela legislação infraconstitucional. O artigo 83 do Código Penal admite esta
possibilidade para as penas privativas de liberdade iguais ou superiores a dois anos. O
dispositivo estabelece que, se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons
antecedentes, basta que tenha cumprido mais de 1/3 da pena. Caso contrário, para a concessão
do benefício, deve ter cumprido mais da metade da pena. No caso de condenação por crime
hediondo, tortura, terrorismo e tráfico de entorpecentes, é exigência legal o cumprimento de
mais de 2/3 da pena, conforme estabelece o inciso V de citado artigo.
A legislação penal também prevê como direito do apenado a possibilidade de
substituição da privação da liberdade por uma das penas restritivas de direitos classificadas
no artigo 43 do Código Penal, com a redação da Lei 9714/98, também chamadas de penas
alternativas. Assim como o livramento condicional, o sursis, o regime aberto, a anistia, o
indulto e a graça, as penas restritivas de direito são medidas alternativas que visam ao
desafogamento das prisões. Trata-se de um rol taxativo, expressamente disposto pelo Código
Penal:
a. prestação pecuniária: consiste no pagamento à vítima, seus dependentes ou
entidade pública ou privada de destinação social de um valor em dinheiro a ser fixado pelo
32
juiz, não inferior a um salário mínimo, nem superior a trezentos e sessenta salários
(ESTEFAM, 2006, p.199);
b. perda de bens e valores: esses valores são equivalentes ao prejuízo causado ou ao
proveito obtido pelo infrator com a prática do crime;
c. prestação de serviços à comunidade: para substituir a pena de prisão superior a seis
meses. Foi prevista para não prejudicar a jornada normal de trabalho do apenado, portanto, é
estabelecida na proporção de uma hora de trabalho em hospitais, creches, escolas,
estabelecimentos públicos, por um dia de condenação;
d. interdição temporária de direitos: são substituições específicas previstas no artigo
47 do Código Penal, compreendendo a proibição de exercer cargos ou funções públicas e
mandatos eletivos, bem como exercer profissões que dependem de habilitação especial,
proibição de freqüentar determinados lugares e suspensão da habilitação para condução de
veículos automotores;
e. limitação de fim-de-semana: prevista no artigo 48 do Código Penal, o apenado
deverá permanecer em casa de albergado aos sábados e domingos por cinco horas diárias.
Ao sentenciar, o Juiz aplica uma pena de prisão prevista na lei e, se observados os
requisitos legais, o cárcere pode ser substituído por uma pena alternativa. Tais requisitos são
estabelecidos pelo próprio Código Penal em seu artigo 44. A conversão da pena privativa de
liberdade em uma pena alternativa, segundo referido dispositivo legal, é possível quando o
condenado não é reincidente no mesmo crime doloso, quando a pena aplicada não é superior a
quatro anos, quando o crime não é praticado com violência ou grave ameaça a pessoa e
quando, qualquer que seja a pena aplicada, a condenação seja por crime culposo.
Além destes requisitos, o juiz deve considerar ainda os elementos subjetivos para a
substituição, ou seja, o mérito do apenado, devendo ser observado se as condições pessoais do
33
condenado indicam a substituição, devendo ele demonstrar que está apto a cumprir a pena
substitutiva.
De acordo com o § 2º do mesmo artigo, a pena de prisão igual ou inferior a um ano
pode ser substituída por multa ou por restritiva de direitos; se superior a um ano, a prisão pode
ser convertida em uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas penas alternativas.
Se as restrições impostas, ou seja, se as penas alternativas não são cumpridas pelo
apenado sem razão justificável, conforme prescritas, a medida se converte em prisão, nos
temos do § 4º de referido artigo. O mesmo ocorre se houver outra condenação por outro
crime, ressalvada a hipótese em que seja possível a aplicação de outra pena alternativa.
Além das penas restritivas de direito, a Lei 9099/95 e a Lei 10259/01 estabelecem
medidas processuais alternativas, como a transação penal e a suspensão condicional do
processo para os crimes de menor potencial ofensivo e para as contravenções penais. Tais
medidas representam uma alternativa para aqueles infratores que têm condições de cumprirem
suas penas em liberdade, o que representa uma contribuição ímpar no sentido de diminuir a
superlotação carcerária.
2.2.1.4.- Sanções disciplinares - Regime disciplinar diferenciado
A Constituição Federal brasileira, conforme já exposto anteriormente, elencou uma
série de diretrizes ao legislador infraconstitucional no tocante à execução penal. Os princípios
que emanam da constituição federal devem ser observados pelos agentes públicos durante
todo o período em que o apenado fica sob a custódia estatal. Assim, as sanções e obrigações
impostas aos presos durante o período de encarceramento devem estar alinhadas aos valores
34
constitucionais, principalmente àqueles que dizem respeito à dignidade da pessoa humana.
Qualquer sanção que represente ofensa à integridade física ou moral dos presos é
incompatível com tal princípio e, por via de conseqüência, inconstitucional à luz do
ordenamento jurídico brasileiro.
Cumpre observar que a legislação penal atribui não apenas direitos aos presos, mas
também deveres. De acordo com o artigo 39 da Lei de Execuções Penais, constituem-se
deveres do condenado: comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença;
obediência aos servidores públicos da instituição e respeito a qualquer pessoa com quem
deverá relacionar-se; respeito no trato com os demais condenados; conduta oposta aos
movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina;
execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; submissão à sanção disciplinar
imposta; indenização à vítima ou a seus sucessores; indenização ao Estado quando possível,
das despesas realizadas com sua manutenção, mediante desconto proporcional da
remuneração do trabalho; higiene pessoal e asseio da cela ou alojamento; conservação dos
seus objetos de uso pessoal. Assim, o descumprimento de tais deveres pode implicar na
aplicação de sanções disciplinares consistentes, conforme disposição do artigo 53 da LEP, em
advertência verbal, repreensão, suspensão ou restrição de direitos, isolamento e inclusão no
regime disciplinar diferenciado.
Segundo dispõe o artigo 50 da LEP, o condenado à pena privativa de liberdade que
participar de movimentos de subversão da ordem interna, fugir, portar instrumentos com
potencial para ofender a integridade física de alguém, provocar acidente de trabalho ou
descumprir seus deveres, comete falta grave, punível com sanções de suspensão ou restrição
de direitos (banho de sol, visitas), isolamento ou inclusão no regime disciplinar diferenciado,
conforme estabelece o artigo 57 da mesma Lei.
35
Este regime, conforme se afere da leitura do artigo 53 da LEP, alterado pela Lei
10792/03, constitui sanção disciplinar destinada àqueles presos que cometerem falta grave por
crime doloso ou por perturbação da ordem interna, àqueles que representam alto risco para a
sociedade ou para o estabelecimento carcerário ou sobre os quais recaiam fundadas suspeitas
de envolvimento ou participação em organizações criminosas, podendo ser aplicado tanto ao
preso provisório, quanto ao condenado (art.52, § 1º e 2º).
Segundo o mesmo dispositivo, o regime disciplinar diferenciado caracteriza-se pelo
recolhimento do preso em cela individual, com direito a duas horas diárias de banho de sol,
duas horas semanais de visita de duas pessoas e duração máxima de trezentos e sessenta dias,
podendo ser reiterado por nova falta grave da mesma espécie até o limite de um sexto da pena
aplicada (art.52, incisos I a IV).
A inclusão do preso em regime disciplinar depende de requerimento do diretor do
estabelecimento prisional e a autorização judicial deve sempre ser precedida de manifestação
do Ministério Público, conforme estabelecem os parágrafos 1º e 2º do artigo 54.
A instituição do regime gerou muita discussão em torno da sua constitucionalidade,
havendo entendimento no sentido de que o regime é muito gravoso e de que configura
verdadeira afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Ao tempo de sua criação, acreditava-se que um endurecimento da disciplina
carcerária seria a melhor forma de conter a violência e as rebeliões que se alastravam nos
estabelecimentos prisionais. Entretanto, segundo os dados da Secretaria de Administração
Penitenciária do Estado de São Paulo, o índice de reincidência no Regime Disciplinar
Diferenciado é de 48%, mais alto do que os percentuais relativos aos outros regimes, o que
parece demonstrar que tornar o regime mais gravoso não tem assegurado maior eficácia social
ao sistema penitenciário paulista, assunto que será discutido oportunamente.
36
II- CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DIREITO PENAL
Expostos os fundamentos constitucionais e os direitos fundamentais assegurados pela
Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional em face do apenado, far-se-á uma
leitura das teorias que informam este sistema, visando à sua compreensão e à identificação da
teoria adotada pelo legislador penal no Brasil.
A doutrina convencional divide as teorias em absolutas, relativas e mistas. Em linhas
gerais, as teorias absolutas atribuem à pena a função de retribuição do mal injusto praticado
pelo infrator por meio de um mal justo (a pena) que se impõe ao condenado. Assim, todas as
doutrinas que concebem a pena como um fim em si mesmas, ou seja, as teorias
retribucionistas são, por conseguinte, absolutas.
Por outro lado, as teorias relativas concebem a pena por seu caráter utilitário, qual
seja, o de prevenir a prática de futuras infrações às normas penais, divididindo-se em duas
versões: prevenção geral e prevenção especial.
Embora esta divisão seja a mais adotada pela maioria dos manuais de Direito Penal
estudados no Brasil, optou-se por seguir o caminho percorrido por Ferrajoli, que trata as
teorias absolutas e relativas como doutrinas de justificação, distinguindo-as das tendências
contemporâneas que oscilam do minimalismo ao abolicionismo penal.
37
1- Doutrinas de justificação
O Direito Penal adotado pela maior parte dos ordenamentos jurídicos da atualidade é
produto da Modernidade, definida pelos historiadores como o período que vai do
renascimento cultural até a Revolução Francesa e os princípios da industrialização inglesa.
Após o grande sono intelectual pelo qual passou a humanidade, no período medieval,
o homem passou a ser observado de forma racional e humanista. Constituiu-se um modelo de
racionalidade que evoluiu para uma série de transformações sociais, políticas, institucionais e
tecnológicas desenvolvidas no mundo ocidental no século XVIII.
Kant definiu este processo como aquele em que a humanidade atinge seu estágio de
maioridade, ou seja, quando o homem faz uso de sua razão sem se submeter a nenhuma
autoridade.
Com a valorização do homem, instalou-se um conjunto de concepções e novas formas
de pensar o mundo e seus fenômenos, enfim, um longo processo que culminou no Iluminismo
e na Modernidade.
Entretanto, a ideologia moderna dominou também no plano econômico e não apenas
na esfera das idéias com a filosofia das luzes. A Europa tornava-se capitalista e o crescimento
das capacidades e das diversas tecnologias intensificava as relações de poder, frustrando boa
parte das promessas iluministas, fundamentadas em princípios de liberdade, igualdade,
fraternidade.
No âmbito do Direito, o positivismo jurídico passou a ser o porta-voz das classes
economicamente favorecidas, constituindo um dos pilares do “garantismo”, fundamentado,
por um lado, no princípio da legalidade, mas abrindo espaço, por outro, a práticas absolutistas,
conforme se aferirá oportunamente.
38
Segundo Ferrajoli (2002, p.29), muitas são as doutrinas e teorias que integram esta
tradição, as quais não são homogêneas entre si, nem tampouco traduzem os ideais iluministas,
informando, paradoxalmente, tendências penais autoritárias e antigarantistas, justificadas pela
legalidade que encerram.
Segundo o autor, a questão central que envolve o garantismo reside na esfera de
validade e de efetividade das normas, na medida em que os modelos normativos são
tendentemente garantistas, enquanto que as práticas operacionais são flagrantemente
antigarantistas, revelando um Direito que, embora válido pela legalidade que encerra, pode
não ser efetivo do ponto de vista fático (2002, p.685).
No caso do Brasil, observando os valores penais expressos pela Constituição Federal
vigente, de acordo com a escala gradativa sugerida por Ferrajoli, constata-se um elevado grau
de garantismo, enquanto que, em se considerando sua prática efetiva, os patamares são
baixíssimos.
Um dos significados de garantismo trazido por Ferrajoli diz respeito à sua
perspectiva filosófico-jurídica, que exige do Estado a justificação de sua atuação com base na
finalidade de garantia dos interesses que tutela (2002,p.685).
No plano penal, uma das questões mais debatidas pelos doutrinadores é exatamente a
que diz respeito à justificação do direito/dever de punir do Estado, dos fundamentos e
finalidades do jus puniendi. Visando a um esclarecimento de tais questões, apresentar-se-ão, a
seguir, as teorias mais discutidas entre os penalistas.
39
1.1 Teorias absolutas - justificação retributiva
A pena sempre traduziu a idéia de vingança, o caráter de retribuição e de expiação,
desde as vinganças (vindictas) praticadas pelos povos primitivos, passando pela justiça do
Talião, pelas ordálias do Direito Germânico até as práticas inquisitivas do Direito Canônico.
Na perspectiva de Ferrajoli, conforme já informado, são teorias absolutas todas
aquelas que possuem uma justificação retributiva (2002, p. 204). Trata-se de uma cultura
muito antiga, que foi se desenvolvendo em diferentes momentos históricos e que ainda
persiste em nossos dias.
Alguns doutrinadores, entre eles Bitencourt (2001, p.106), afirmam que as funções
da pena, historicamente, estão relacionadas ao Estado Absolutista e ao Estado Burguês. No
absolutismo, a pena tinha um caráter de expiação de pecados.Concebia-se que o infrator, ao
desobedecer ao monarca, desobedecia ao próprio Deus. A partir do Iluminismo, o crime
passou a ser visto como uma infração ao pacto social e a pena tinha por finalidade evitar esta
violação. (BITENCOURT, 2001, p.106).
Em linhas gerais, os adeptos das teorias absolutas concebem a pena como “castigo”,
“restauração”, “reparação”, “retribuição”, “vingança”. Pune-se porque a pena é um castigo
merecido pelo infrator pelo mal que praticou. A pena é analisada como um fim em si própria,
de caráter aflitivo, opondo-se a qualquer finalidade utilitária. O caráter da punição é retribuir
um mal injusto praticado pelo infrator com um “mal justo” previsto no ordenamento jurídico
(MIRABETE, 2003, p.244).
Ferrajoli (2002, p.205) informa que a justificação retributiva circunda idéias de
caráter religioso, quais sejam, vingança, expiação e proporcionalidade entre pena e delito. O
caráter laico nasceu com os estudos de Kant e Hegel.
40
Segundo o autor, as teorias absolutas encontraram seu caráter secularizado nos
estudos de Kant e Hegel. Kant concebia a pena como um castigo imposto por uma exigência
ética, sem qualquer conteúdo ideológico, devendo ser aplicada como uma conseqüência
natural do delito. Segundo a concepção kantiana, somente com a aplicação do “mal da pena”
imposto ao “mal do crime” seria possível reestabelecer uma igualdade que reparasse a moral.
Para tanto, Kant adotava os princípios taliônicos em sua tese para determinar a qualidade e a
quantidade da pena (1980, p.50).
Conforme já verificado, quando se discutiu o conceito de dignidade humana, Kant
concebia o homem como um fim em si mesmo, não como instrumento dos desígnios de seus
semelhantes. Assim, a pena deve ser imposta ao culpado pela única razão de ele haver
cometido um crime, porque, na sua concepção, a pena fundamenta-se na infração praticada,
sem qualquer finalidade preventiva. A gravidade do crime é que determina o castigo a ser
imposto ao infrator e por isso a retribuição kantiana tem natureza ética (1980, p.50).
Enquanto a tese kantiana atribuía ao ato de punir uma justificativa ética, para Hegel,
a pena era uma retribuição jurídica. Na concepção hegeliana, ao cometer um crime, o infrator
violava o Direito. A pena, portanto, seria um instrumento para restabelecer o ordenamento
violado (1980, p.50).
De acordo com o que Corrêa Junior e Shecaira (2002, p.130), Hegel adotou o método
dialético em seus estudos sobre a pena. A vontade geral expressa na lei seria a tese; o crime
praticado pelo infrator seria uma negação desta lei, uma antítese; e a pena seria a síntese, ou
seja, a negação da negação do Direito.
Para Ferrajoli, as distinções entre as duas teorias são apenas aparentes porque a idéia
da “retribuição jurídica”, em Hegel, também se baseia no valor moral ligado ao ordenamento
jurídico violado.
Para o autor, ambas as concepções são insustentáveis:
41
Trata-se da sobrevivência de antigas crenças mágicas que derivam de uma confusão entre direito e natureza, vale dizer, a idéia da pena como restauração ou remédio ou reafirmação de uma ordem natural violada, ou ainda daquela religiosa do contrapasso e da purificação do delito por meio do castigo, ou aquelas igualmente não razoáveis da negação do direito por parte do erro e da simétrica reparação deste pelo direito (2002, p. 206).
Zaffaroni, em sua obra Em busca das penas perdidas, trata da “deslegitimação” da
pena retributiva. Para o autor, a indenização material e moral do ofendido é uma forma mais
efetiva de se reparar o prejuízo causado pelo crime do que a opção pelo “castigo”, pela
retribuição.
Defende a idéia de que a retribuição do mal causado pelo crime por um “mal justo”,
que seria a pena, envolve os mesmos problemas do contratualismo, ou seja, poderia funcionar
em uma sociedade igualitária, em que a pena não atingisse apenas as parcelas menos
favorecidas da sociedade, mas a todas as classes sociais.
Para o autor, não é o que ocorre numa sociedade real. As penas retributivas
alcançam apenas a porção marginal da sociedade, restando impunes aqueles que ocupam o
ápice da pirâmide social (2001, p.82).
Ferrajoli, em seus estudos sobre o garantismo penal, estabeleceu uma escala
graduada que oscila entre dois extremos que denomina “direito penal mínimo e direito penal
máximo”. O modelo minimalista assegura uma gama maior de garantias ao cidadão contra o
arbítrio estatal, representação própria dos Estados Democráticos de Direito. Por outro lado, os
modelos que se aproximam do direito penal máximo configuram sistemas próprios dos
Estados absolutistas, autoritários.
O autor afirma que as doutrinas absolutas e as penas retributivistas revelam-se
legítimas apenas para fundamentar modelos não liberais de direito penal máximo, uma
espécie de “talião”, tendo como único objetivo a “troca do mal com o mal” (FERRAJOLI,
2002, p.208).
42
A maior parte dos autores contemporâneos, entre eles Corrêa Junior e Shecaira, não
são partidários do retributivismo, embora alguns entendam que a teoria contribuiu para se
estabelecer regras para a dosimetria penal e a concepção de proporcionalidade. De qualquer
maneira, retribuir “o mal com o mal”, “expiar” o crime, “castigar” o infrator, são modelos
incompatíveis com a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de
Direito.
1.2 Teorias relativas - justificação utilitarista
Em contrapartida às teorias absolutas que justificam a pena por seu caráter
retributivo, as teorias relativas defendem uma fundamentação utilitarista, segundo a qual a
finalidade do ato de punir seria a de prevenir a prática criminosa. A doutrina tradicional
identifica esta tendência com a Escola Clássica.
Segundo Ferrajoli (2002, p.205), as teorias absolutas são quia peccatum, ou seja,
relacionam-se a um tempo passado, na medida em que a pena é voltada a retribuir um mal já
praticado; enquanto que as teorias relativas são ne peccetur, ou seja, dirigem-se a um tempo
futuro, uma vez que a aplicação da pena é orientada a prevenir a possibilidade fática de
acontecer um crime que ainda não aconteceu .
As doutrinas relativas são estudadas em duas perspectivas: prevenção geral e
prevenção especial, concebidas em um sentido negativo e em um sentido positivo. De
qualquer forma, para as justificações utilitaristas, ao contrário das retributivas, as penas não
são consideradas como um fim em si mesmas. Embora os seus adeptos entendam a pena como
um mal necessário, assim como nas doutrinas absolutas, os utilitaristas defendem a idéia de
43
que o ato de punir não esteja orientado a retribuir o crime praticado, mas a prevenir a prática
de novos crimes.
Os manuais de Direito Penal brasileiro informam que, de acordo com a teoria da
prevenção geral, ao se aplicar a pena, promove-se a prevenção de novas práticas ilícitas e esta
finalidade preventiva é dirigida a todos os membros do meio social, enquanto que, segundo a
teoria da prevenção especial, o intuito da prevenção é voltado à pessoa do infrator.
Para os manualistas, a prevenção, analisada sob seu aspecto negativo, tem a
finalidade de “intimidar” a prática de novos delitos, quer em sua versão geral, quando dirigida
a todos os membros da sociedade, quer em sua versão especial, quando dirigida ao infrator,
cujo instrumento, por excelência, é a prisão.
Por outro lado, quando observada sob seu aspecto positivo, relaciona-se à
consciência da vigência da norma. No dizer de Corrêa Junior e Shecaira, em seu sentido
positivo, dirige-se à finalidade de estimular o cumprimento das normas jurídicas, à formação
do conhecimento e necessidade de sua vigência (2002, p.132). No que diz respeito à
prevenção especial, o sentido positivo está relacionado à finalidade educativa e
ressocializadora, alvo de muitas polêmicas, o que será discutido oportunamente.
Em síntese, as correntes utilitaristas sempre atribuíram à pena um propósito comum:
a prevenção de futuros delitos. Entretanto, em breve olhar sobre as teorias defendidas por
aqueles autores que se identificam como “utilitaristas”, é possível reconhecer algumas
nuances que os diferenciam uns dos outros.
Ferrajoli (2002, p.212) observa que, até o final do século XVIII, não havia vertentes
diferenciadas do utilitarismo penal. Somente a partir daí os doutrinadores passaram defini-las
segundo a finalidade preventiva constituir ou não o objeto único da pena. Desde então, foram
definidos os critérios de prevenção geral, prevenção especial, bem como os sentidos positivo e
negativo que, combinados, deram origem a quatro tipos de doutrinas utilitaristas: prevenção
44
especial positiva, prevenção especial negativa, prevenção geral positiva e prevenção geral
negativa.
1.2.1- Prevenção geral positiva
Na maioria dos trabalhos de Criminologia, encontra-se uma divisão da teoria da
prevenção geral positiva em duas vertentes: a fundamentadora, cujos expoentes são Welzel e
Jakobs, e a limitadora, defendida por Hassemer e Roxin.
Convergem os autores no sentido de que a prevenção geral positiva limitadora
vislumbra na pena o caráter de limitar o poder punitivo estatal paralelamente à difusão e
confirmação dos valores contidos na norma penal. O Estado que, ao exercer o jus puniendi,
extrapolar tais limites estará exercendo um poder arbitrário.
Corrêa Júnior e Shecaira, ao explorarem o trabalho de Hassemer, sintetizam-no na
idéia de que a pena pode ser entendida como uma reação estatal voltada à difusão da
consciência social da norma e ao auxílio ao infrator para sua reinserção social, obedecendo
aos critérios de proporcionalidade (2002, p.132).
Segundo os mesmos autores, Roxin, outro expoente da versão limitadora da
prevenção geral positiva, acrescenta à finalidade preventiva da pena a idéia da subsidiariedade
do Direito Penal, questionando a sua legitimação e eficácia no que diz respeito à reintegração
social do apenado, o que aproxima as suas idéias ao minimalismo penal.
A prevenção geral positiva fundamentadora tem como principais defensores Welzel
e Jakobs.
45
Segundo Bitencourt, Welzel vislumbrava uma função social ao Direito Penal,
enquanto que Jakobs repetiu a teoria de Hegel, segundo a qual a pena é a “negação da
negação do Direito”. Desta forma, suas idéias assumiram contornos retribucionistas, pois
concebia a idéia de que após a prática do crime, é necessária a intervenção do Estando,
visando à reforçar para a sociedade que a norma continua vigente (2002, p.86).
Ferrajoli afirma que Jakobs nada mais fez do que repetir a teoria sistêmica de Niklas
Luhmann que justificava a pena como fator de equilíbrio do ordenamento e de fidelidade dos
cidadãos nas instituições, devolvendo à coletividade a confiança abalada pelas infrações. No
plano sociológico, Jakobs em nada inovou a teoria de Emile Durkheim que havia concebido a
pena como instrumento para reafirmar os sentimentos coletivos de solidariedade contra os
agressores, constituindo-se, portanto, como um fator de estabilização social (2002, p.222).
1.2.2- Prevenção geral negativa
Conforme Bitencourt, a teoria da prevenção geral, em sua concepção negativa,
prevê como finalidade da pena a intimidação da coletividade no sentido de atemorizar
possíveis infratores, coibindo-os da prática de quaisquer delitos (1993, p. 115).
Tal concepção coloca o infrator na posição do “bode expiatório”, quando não do
hommo saccer, o “matável não sacrificável”, citado por Aganben, na medida em que o
princípio orientador desta tendência parece ser no sentido de que “os fins justificam os
meios”, o que contraria a concepção kantiana de que cada pessoa constitui um fim em si
mesma.
46
Beccaria e Bentham foram os principais nomes desta doutrina, dentre os
reformadores e pensadores jusnaturalistas do século XVIII.
Segundo os historiadores, foi inspirado pelo contratualismo de Rousseau que
Beccaria escreveu Dei deltiti e delle Penne, obra em que estabeleceu diretrizes para a reforma
penal fundada no princípio utilitarista, defendendo a humanização das penas e o fundamento
do direito de punir. A tendência prevencionista manifesta-se em seu conhecido
posicionamento de que é preferível a prevenção à punição dos delitos (2002, p.101).
Jeremias Bentham adotou, como Beccaria, o utilitarismo da pena, com a finalidade
principal de prevenção dos delitos pela intimidação da coletividade por meio da imposição de
uma pena. Idealizou o Panoptismo, “o olhar que tudo vê”, como a estrutura ideal para o
sistema carcerário, consistente em uma estrutura periférica anelar, dividida em células, tendo,
no centro, uma torre, do interior da qual um vigia, que materializa o olhar do poder estatal,
tudo pode ver no interior das celas, sem nunca ser visto por quem as ocupava. (FOUCAULT,
2003, p.166). O cárater intimidatório pode ser facilmente vislumbrado.
Segundo Michel Foucault (2003, p.79), o verdadeiro objetivo da reforma visava
tornar o poder de punir mais eficaz, diminuindo seu custo econômico e político. A questão
não era punir menos, ao se tentar excluir os suplícios, mas punir melhor e mais eficazmente.
Para tanto, foram idealizadas algumas novas técnicas de punir, baseadas em algumas
regras:
Regra da quantidade mínima: deve existir uma proximidade entre a pena e o
crime, uma "quase-equivalência".
Regra da idealidade suficiente: o corpo do condenado não é o sujeito do
sofrimento, mas objeto de uma representação. O que deve ficar na memória é o que representa
a pena e não a realidade corpórea: "não mais o corpo, a alma".
47
Regra dos efeitos laterais: os efeitos da pena devem ser mínimos para o condenado
e mais intensos para os que a imaginam
Regra da certeza perfeita: devem ser claras as leis que definem os crimes e
prescrevem as penas. Nenhum crime deve ficar impune.
Regra da verdade comum: a verdade do crime será equiparada a uma verdade
matemática e só será admitida após inteiramente comprovada.
Regra da especificação ideal: as infrações devem ser claramente qualificadas e
especificadas, classificadas em um código explícito que defina os crimes e fixe uma pena
(2003, p. 79).
Ocorre que tal concepção utilitarista da pena pode legitimar tendências penais
orientadas à intervenção máxima (“pena proporcional ao delito”), que atendem, antes de mais
nada, aos interesses das classes economicamente favorecidas, punindo com rigor os setores
marginais de nossa sociedade, assunto a ser oportunamente discutido.
Para a teoria da prevenção geral negativa, a pena seria nada mais do que um meio
para garantir a eficácia da lei penal, ou seja, para justificar o Direito Penal. Ela não tem por
finalidade o infrator como indivíduo.
Em uma linha paralela, Feurbach, Romagnosi e Schopenhauer concebiam a pena não
por sua perspectiva paradigmática, como Bentham e Beccaria, mas por um caráter de
“ameaça” contida na Lei Penal. As idéias defendidas por estes autores também têm uma
nuance de “Direito Penal do terror”, na medida em que essa ameaça, ou intimidação, será
mais eficaz, quanto mais severas forem as punições estabelecidas pelo legislador. É o que
informa Ferrajoli (2002, p.225).
Feuerbach, criou uma teoria, a que chamou teoria da coação psicológica, segundo a
qual só é possível a extinção da criminalidade se a pena representar uma ameaça capaz de
coibir a prática criminosa:
48
Entre todas as imagináveis medidas de segurança das ofensas em geral, nenhuma é tão geralmente eficaz como a ameaça de males físicos, com as quais a ação ofensiva vem condicionada. Essa age diretamente de modo contrário ao fundamento último dos desejos antijurídicos e elimina, causando o medo, o mesmo princípio interno do qual aqueles provêm (FERRAJOLI apud FEURBACH, 2002, p. 255).
O autor prenuncia a idéia de que as pessoas deixam de cometer infrações na medida
em que existir uma previsão da aplicação de uma pena para todos os que praticarem condutas
criminosas. Eis a idéia da coação psicológica.
A obra de Giandomenico Romagnosi tem alguns pontos em comum com o
pensamento de Beccaria, entre eles, a idéia de que a pena tem como uma de suas finalidades a
defesa social. Entretanto, Romagnosi contestava a hipótese utilitarista do pacto social. Mas a
idéia principal de Romagnosi é a de que a pena não constitui o únido meio de defesa social.
Entendia que, antes de sua aplicação, deveria ser feito um trabalho preventivo das infrações,
através da melhoria das condições sociais (BARATTA, 1982, p. 34).
Schopenhauer defendia a idéia de que o direito de punir é fundado na lei positiva,
que fixa uma pena, que representa uma ameaça destinada a impedir a sua violação, visando à
segurança da sociedade. Assim, todas as infrações devem ser previstas em lei, positivadas,
encerrando uma ameaça que tem por finalidade a prevenção da criminalidade através de uma
intimidação (FERRAJOLI, 2002, p.256).
Estabelecidas tais considerações, fica latente a idéia de que a prevenção geral em seu
caráter intimidatório até pode justificar a aplicação da pena e, num sentido mais amplo, o
próprio Direito Penal. Entretanto, num Estado Democrático de Direito, o homem deve ser
considerado “como um fim em si mesmo”, conforme a concepção kantiana. Então, o critério
utilitarista, tal e qual o retributivista, parece incompatível com o valor da dignidade da pessoa
humana, na medida em que aquele que infringiu a lei penal receberá uma punição que servirá
como meio de intimidar os demais membros da sociedade a fim de não cometerem infrações.
49
1.2.3- Prevenção especial
Aqui deitam as raízes daquilo que se configurou como “ressocialização”. Conforme
informado anteriormente, a prevenção especial centraliza a finalidade da pena na pessoa do
infrator. A doutrina convencional a concebe em dois sentidos: um sentido positivo e um
sentido negativo, que não necessariamente se excluem entre si.
Claus Roxin, em sua obra Problemas fundamentais de Direito Penal, comentando a
prevenção especial, afirma que a pena atua sobre o infrator “corrigindo o corrigível”,
“intimidando o intimidável”, e “neutralizando o incorrigível e aquele que não é intimidável”,
através da prisão (1993, p.20).
No mesmo sentido, Ferrajoli (2002, p.213) subdivide a prevenção especial em duas
finalidades: uma positiva, ligada à reeducação (ressocialização) do infrator corrigível; e uma
negativa, ligada à neutralização ou eliminação daquele transgressor tido como incorrigível.
A prevenção especial, em seu sentido negativo, está relacionada à exclusão do
infrator do meio social, cujo mecanismo, por excelência é a prisão. No sentido positivo, a
prevenção especial também se concentra no indivíduo que infringe a lei penal, mas concebe a
ressocialização do apenado como objetivo da punição.
Importante observar que a terminologia “ressocialização” tem sido entendida como
uma prática orientada à re-educação do apenado, voltada a atender aos interesses das classes
dominantes. Hoje, a criminologia crítica prefere adotar a expressão “re-inserção social”, ao
referir-se àqueles procedimentos da execução penal que visam a proporcionar condições para
que o apenado retorne à liberdade em condições de conviver no meio social.
As doutrinas que tinham como fundamento a “correção” do infrator atingiram seu
apogeu na passagem do século XVIII para o século XIX, refletindo tendências autoritárias do
50
emergente Estado Liberal e marcando um momento de transição das práticas penais que
coincidem com as experiências terapêuticas do poder, conforme pontua Michel Foucault, em
sua obra Vigiar e punir:
Chegará o dia, no século XIX, em que esse “homem”, descoberto no criminoso, se tornará o alvo da intervenção penal, o objeto que ela pretende corrigir e transformar, o domínio de uma série de ciências e de práticas estranhas – “penitenciárias”, “criminológicas” (2003,p. 63).
Ferrajoli (2002, p. 214) identifica três diferentes orientações da prevenção especial:
as doutrinas pedagógicas da emenda, as doutrinas terapêuticas da defesa social e o projeto
ressocializante da diferenciação das penas.
Pontua o autor que as doutrinas pedagógicas da emenda trazem uma conotação
espiritualista do homem e inspira-se em seu livre arbítrio, traduzindo a idéia de que o Estado
pode não apenas exercer seu direito de punir sobre aquele que infringe a lei penal, mas pode
obrigá-lo a tornar-se “bom”.
A tendência traz implícita a idéia do remorso, da penitência, do sofrimento como
remédio saudável dos pecados, concepções típicas de diversas tradições religiosas, em
especial, da católica. Esta disposição orientou todo o direito penal praticado na Idade Média e
consistia numa reformulação, por São Tomás, da idéia platônica da poena medicinalis, tendo
sido retomada no século XIX por autores como Karl Roeder, Francesco Carnelutti e Ugo
Spirito, e que se encontram, de certa forma, com as doutrinas da retribuição moral
(FERRAJOLI, 2002, p.215).
As doutrinas terapêuticas da defesa social, citadas por Ferrajoli, têm, como germe
embrionário, o pensamento de representantes da Escola Positivista, assim classificada pela
doutrina tradicional, e que iniciou a etapa científica da Criminologia: Lombroso, Ferri e
Garófalo.
51
Em linhas gerais, as doutrinas terapêuticas colocam o infrator como ponto central,
tomando-o como um indivíduo “doente”, razão pela qual deve ser “curado”, e/ou como
“perigoso” e, por isso, deve ser “segregado”. Ou seja, há na pena uma dupla finalidade: cura
e/ou segregação (2002, p.215).
De César Lombroso, tem-se a idéia do criminoso nato, considerado sob o ponto de
vista biológico. Apontam os historiadores penais que ele realizou inúmeras experiências
empíricas com criminosos vivos e mortos, defendendo idéias um tanto exageradas, conforme
aponta Garcia Pablos de Molina:
De acordo com o seu ponto de vista, o delinqüente padece de uma série de estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e sociais (fronte esquiva e baixa, grande desenvolvimento dos arcos supraciliais, assimetrias cranianas, fusão dos olhos Atlas e occipital, grande desenvolvimento das maçãs do rosto, orelhas em forma de asa, tubérculo de Darwin, uso freqüente de tatuagens, notável insensibilidade à dor, instabilidade afetiva, uso freqüente de um determinado jargão, altos índices de reincidência, etc.) (1997, p. 152).
Para Lombroso, o crime é entendido como um fenômeno, portanto, biológico, e o
infrator representa um ser antropologicamente inferior, apresentando características físicas
específicas que o identificam como tal.
De Enrico Ferri, a idéia da pena como instrumento de defesa social e do crime como
fenômeno social. Segundo Pablos de Molina (1997, p.156), Ferri dividiu os criminosos em
nato, louco, habitual, ocasional e passional e defendia a atuação do Estado na prevenção dos
delitos, através de políticas econômicas, sociais e de educação, aplicando a pena com a
finalidade de defesa social, mas sempre com caráter educativo.
Por outro lado, conforme informam os doutrinadores penais, Raffaele Garofalo não
adotava a finalidade correicional da pena, admitindo o seu caráter de segregação, na medida
em que entendia ser necessário eliminar do meio social aquele infrator que não se adaptasse à
vida em sociedade, levando este entendimento ao limite da adoção da pena de morte
(MOLINA, 1997, p.156-157).
52
Na terminologia de Ferrajoli, tratam-se de medidas “higiênico-preventivas,
terapêutico-repressivas, cirúrgico-eliminatórias” e a segregação sempre se dá por “tempo
indeterminado, com revisões periódicas das sentenças e adaptação dos meios defensivos às
categorias antropológicas dos delinqüentes” (2002, p. 215).
Como última orientação correicionalista, o autor relata o projeto ressocializante da
diferenciação das penas. O modelo proposto traz, como inovação, a individualização das
penas, que tinha um caráter “reeducativo”. Franz von Liszt foi seu expoente e elaborou um
modelo em que a pena podia assumir um caráter ressocializador, neutralizador ou
intimidatório, de acordo com os diversos tipos de infratores: “adaptáveis, inadaptáveis ou
ocasionais” (2002, p.216).
Segundo Ferrajoli, a neutralização, em Liszt, é entendida como “servidão da pena”,
com a rígida imposição de trabalho e sanções disciplinares consistentes em penas corporais. A
segregação celular poderia ser combinada com o escuro e com rigoroso jejum (2002, p.217).
As três doutrinas correcionais apresentadas refletem um modelo de Direito Penal máximo,
sem limites, com penas extremamente gravosas, visando à transformação, à neutralização da
personalidade do apenado ou a sua segregação. Nas três tendências, o condenado, não a
natureza do crime praticado, é colocado em primeiro plano ao se estabelecer a quantidade e
qualidade da pena.
Lembrando a fórmula Kantiana de que o homem deve ser tratado como “um fim em
si mesmo”, é possível afirmar que o fim “reeducativo” sustentado por tais tendências busca a
transformação do apenado de acordo com os interesses das classes que detêm o poder
econômico. Este é o significado prático da ressocialização, que em nada lembra os objetivos
de reintegração social do apenado, voltados a proporcionar seu retorno à liberdade em
condições de conviver e de ser respeitado no meio social.
53
2-Direito Penal mínimo
Segundo Ferrajoli, o Direito Penal tem por objetivo impedir o exercício das próprias
razões. No delito, assim como na vingança, ocorre uma violência que é solucionada, via de
regra, pelo uso da força. e ambos constituem-se exercício das próprias razões. No delito, é a
força do réu; na vingança, a força do ofendido. A função da lei penal está voltada ao
monopólio destas forças visando à proteção do fraco contra o mais forte. Na lei penal, o
elemento proibitivo é dirigido a prevenir a prática dos delitos, ou seja, o exercício das próprias
razões expresso pela infração. O elemento punitivo, por sua vez, o exercício das próprias
razões que a vingança expressa (2002, p.270).
O Direito Penal, portanto, é dirigido a proteger os direitos fundamentais tanto do
ofendido quanto do réu, conforme informa o autor:
Garantismo, com efeito, significa precisamente a tutela daquels valores ou direitos fundamentais cuja satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do direito penal, vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e da pessoa do imputado e, consequentemente, a garantia da sua liberdade, inclusive por meio do respeito a sua verdade. É precisamente a garantia destes direitos fundamentais que torna aceitável por todos, inclusive pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o direito penal e o próprio princípio majoritário (2002, p.271).
O garantismo expressa um modelo penal baseado na necessidade de previsão legal
do delito e da pena, na imputabilidade e culpabilidade do autor do delito, na necessidade da
produção probatória de comprovação de autoria e materialidade, num processo dirigido por
um juiz imparcial em procedimentos previamente estabelecidos pela lei. É o modelo que
impõe limites ao poder punitivo do Estado, identificado, por isso, com o Estado de Direito. Os
modelos autoritários, ao contrário, são caracterizados pela ausência de alguns destes limites,
identificando-os, portanto, a Estados absolutos ou totalitários.
54
Ferrajoli chama a estes dois extremos “direito penal mínimo” e “direito penal
máximo”, entre os quais existem diversos sistemas intermediários. O Direito Penal mínimo
pressupõe o máximo de tutela dos direitos dos cidadãos com relação ao arbítrio estatal e a um
ideal de certeza de que nenhum inocente seja punido, certeza esta que é garantida pelo in
dubio pro reo.
O minimalismo penal tem como elemento orientador a utilização cada vez menor da
pena privativa de liberdade, propondo a utilização cada vez maior das penas alternativas. O
modelo representa uma fase transitória, segundo alguns autores, rumo ao abolicionismo penal,
ainda impraticável no contexto social da atualidade, mas de qualquer modo, marcando a
necessidade de se iniciar uma fase de redução do Direito Penal, conforme a informação de
Zaffaroni:
Em nossa opinião, o direito penal mínimo é, de maneira inquestionável, uma proposta a ser apoiada por todos os que deslegitimam o sistema penal, não como meta insuperável e, sim, como passagem ou trânsito para o abolicionismo, por mais inalcançável que este hoje pareça (...) (2001, p.106)
Alessandro Baratta defende uma política de redução do Direito Penal, como forma de
contenção da criminalidade, conforme afirma:
Defesa, antes de tudo, do direito penal em face dos ataques realizados em nossos dias contra as garantias liberais asseguradas nas constituições dos Estados de direito. Defesa, em segundo lugar, em face do próprio direito penal, no que signifique contenção e redução de seu campo de intervenção tradicional e, sobretudo de seus efeitos negativos e dos custos sociais que pesam, particularmente, sobre as camadas mais débeis e marginalizadas do proletariado, e que contribuem, desta forma, para dividi-lo e para debilitá-lo material e politicamente. Defesa, finalmente, através do direito penal, na medida em que, no momento, pode ser ainda considerada como uma resposta legítima ante a falta de alternativas para resolver os problemas sociais, no marco de um modelo integrado (1982, p. 222).
Para o autor, o funcionamento do sistema penal reflete a distribuição desigual de
recursos e de poderes no meio social, bem como as relações de subordinação e de exploração.
Segundo Baratta, a transformação do sistema penal depende de uma transformação de tais
relações, a partir da qual os interesses das classes subalternas possam ganhar espaço.
55
Baratta não acredita que o abolicionismo seja possível na sociedade atual, por isso
seus estudos se reduzem a definir critérios de transição do paradigma vigente para uma futura
superação do sistema penal, considerando-se os custos sociais e os efeitos nocivos do cárcere
(1982, p. 221).
A prisão é vista como um instrumento ineficaz e incompatível com o princípio da
dignidade da pessoa humana, estruturando-se como uma violência legitimada pela legalidade
que a fundamenta, cujas finalidades são irrealizáveis simplesmente porque não foi criada para
cumprir os princípios sobre os quais se constituiu. Por isso, somente deve ser aplicada para
aqueles casos em que seja realmente inevitável, em que não seja viável a utilização de uma
pena alternativa.
Assim, a perspectiva minimalista, amplamente difundida nos países europeus, tem
por base os princípios da descriminalização e da intervenção mínima, segundo o qual, só se
impõe a restrição ou privação de liberdade do acusado naqueles casos extremos em que não
seja possível outra forma alternativa de solução de conflitos (1982, p.219).
De qualquer modo, é importante observar que a aplicação do direito penal mínimo,
como elemento de descriminalização e de contração do sistema penal, implica em grandes
mudanças sociais, ainda que menos radicais do que aquelas que seriam necessárias à
implantação do abolicionismo penal. Por isso, afirma Zaffaroni que o direito penal mínimo é
um “momento do caminho abolicionista” (2001, p.105).
56
3- Doutrina abolicionista
Ao contrário das propostas de justificação do Direito Penal afirmadas pelas doutrinas
retributivistas e utilitaristas da pena, o abolicionismo e o direito penal mínimo têm em comum
a proposta de deslegitimação do sistema penal.
Conforme já analisado anteriormente, o minimalismo penal é entendido pelos
abolicionistas como um trajeto a ser percorrido até que um dia seja possível a convivência
numa sociedade em que os conflitos possam ser solucionados em instâncias alternativas ou
informais, uma vez que a busca é pela supressão de todo o sistema penal.
Segundo Ferrajoli (2002, p.205), a expressão “abolicionismo” comporta inúmeras
vertentes, todas elas negando qualquer justificação à pretensão punitiva do Estado. Afirma o
autor que as mais radicais, como a defendida por Max Stirner, negam qualquer tipo de
coerção, tanto a coerção do Estado como aquela que possa advir do meio social.
Fundamentadas no “desvalor moral dos julgamentos”, por serem realizados “por homens
contra homens”, tratou-se de uma proposta que permaneceu isolada.
Outras contestam a pena por entenderem-na uma medida inútil no combate à
criminalidade, produto de problemas sociais. Escritores anárquicos como Goldwin, Bakunin e
Kropotkin identificam a infração como produto de patologias sociais. Por tal razão, tais
doutrinas defendem a eliminação da pena e do direito penal, porque inúteis, sem fazer
qualquer objeção a outras formas de controle social (2002, p.206).
Na perspectiva ferrajoliana, os modelos de sociedade adaptáveis ao abolicionismo
seriam aqueles da sociedade selvagem, sem regras, ou aquele das sociedades disciplinares,
nas quais os conflitos seriam resolvidos por mecanismos “ético-pedagógicos”, de qualquer
forma revelando uma tendência utópica e impraticável nos termos propostos (2002, p.203).
57
Não obstante a rigidez de tais críticas, Ferrajoli reconhece dois méritos na doutrina
abolicionista: favoreceu a autonomia da criminologia crítica e denunciou a arbitrariedade, os
custos e os efeitos nocivos do sistema penal.
A proposta de Ferrajoli parece tendente ao minimalismo penal e não ao
abolicionismo. Admite os efeitos danosos da prisão mas, ao mesmo tempo, identifica na pena
um instrumento assecuratório do acusado contra os arbítrios de outros meios extra-jurídicos
de controle da criminalidade que poderiam advir como decorrência da abolição penal,
conforme é possível aferir de sua leitura:
Um sistema penal é justificado se, e somente se, minimiza a violência arbitrária na sociedade. E atinge tal objetivo à medida que satisfaz as garantias penais e processuais do direito penal mínimo. Estas garantias se configuram, portanto, como outras condições de justificação do direito penal, no sentido que somente a atuação destas vale para satisfazer-lhes os objetivos justificantes (2002, p.276).
Conforme Zaffaroni (2001, p.98), o abolicionismo penal, representado por Louk
Hulsman, Thomas Mathiesen e Nils Christie, foi amplamente difundido pelos países europeus
nos últimos anos e inspirou os trabalhos de vários autores abolicionistas da atualidade. Seus
trabalhos se diferenciam pela metodologia e pela fundamentação filosófica que orientam suas
propostas.
Hulsman, por exemplo, defendeu a total abolição do sistema penal e sua substituição
imediata por esferas sociais alternativas de solução de conflitos. Mathiesen, seguindo uma
tradição marxista, propôs não apenas a abolição do sistema penal, mas de todas as instâncias
repressivas da sociedade, pois vinculava a existência dos sistemas repressivos à lógica
capitalista. Christie, na mesma linha, observava um caráter destrutivo nas relações do sistema
penal e um corporativismo perigoso nas relações verticais deste sistema. Afirmava que os
excluídos do mercado de trabalho eram fortes candidatos para o sistema punitivo, razão pela
qual seus estudos representaram uma importante contribuição para a compreensão das porções
marginais da sociedade (ZAFFARONI, 2001, p.98).
58
Em sua obra Em busca das penas perdidas – a perda da legitimidade do sistema
penal, Zaffaroni defende a deslegitimação do sistema penal, uma vez que este tem se
configurado como instrumento ineficaz de controle social, preconizando a implantação de
radicais mudanças na sociedade, através de políticas públicas de educação e minimização das
diferenças sociais, antes da total abolição do sistema penal. Por esta razão, sua proposta se
aproxima, em alguns pontos, do minimalismo penal defendido por Baratta.
Para Zaffaroni, a ausência de legitimidade do sistema penal é evidenciada na medida
em que ocorre uma hiper-valoração do plano abstrato em detrimento do concreto. Por tal
razão, os conceitos de “legitimidade” e de “legalidade” confundem-se na prática. Por
legitimidade do sistema penal, entende a “característica outorgada por sua racionalidade”
(2001, p.16). Enquanto o sistema penal extrai sua validade da legalidade formal, observa-se
uma evidente ilegitimidade no exercício do poder:
Isto porque, em sua ótica, o não-emprego dos mecanismos de solução entre as partes
em conflito, coloca o Estado na posição de ofendido, de forma que o sistema penal configure-
se como um exercício de poder verticalizado e centralizador, a demandar respostas das
porções marginais fundamentadas na perda de legitimidade do sistema penal e na supremacia
dos direitos humanos.
Segundo Zaffaroni, o desprestígio dos discursos jurídico-penais não se produziu de
forma abrupta, mas foi fruto de um longo processo. Conforme seu relato, Pasukanis via no
Direito um produto do capitalismo, defendendo a idéia de que os delitos constituem-se
problemas médico-pedagógicos, de forma que, para solucioná-los, não há porque se recorrer
ao sistema penal, perdendo o sentido, portanto, a sustentação da “forma jurídica”. Para os
frankfurtianos, as penas recaem sobre as porções marginais da sociedade, piorando suas
condições de existência e não cumprindo o discurso que as fundamentou. Quinney sustentou a
idéia de que o Direito Penal desapareceria com o advento do socialismo, já que é fruto da
59
sociedade capitalista (2001, p.51-59). No interacionismo simbólico, Zaffaroni destaca a
“teoria da rotulação”, que denuncia a deslegitimação do sistema penal de modo mais evidente:
A tese central desta corrente pode ser definida, em termos muito gerais, pela afirmação de que cada um de nós se torna aquilo que os outros vêem em nós e, de acordo com esta mecânica, a prisão cumpre uma função reprodutora: a pessoa rotulada como delinqüente assume, finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está preparado para essa rotulação e para o reforço desses papéis (...). Com esta descrição, o discurso jurídico-penal ficou irremediavelmente desqualificado pela demonstração incontestável de sua falácia (...) (2001, p.60).
Embora seja partidário da deslegitimação do sistema penal, Zaffaroni não defende
um abolicionismo imediato. Para o autor, antes, é necessário trilhar o caminho do direito
penal mínimo, até que, um dia, seja viável a supressão do sistema penal.
4- Finalidades do cárcere na perspectiva foucaultiana
A discussão em torno da prisão e das finalidades da pena nos remete invariavelmente
ao pensamento e à obra de Michel Foucault. Não obstante tenha sido um crítico mordaz do
sistema prisional, Michel Foucault não pode ser considerado um abolicionista porque sua
discussão é estranha a esta relação. Para o autor, tudo se estabelece em torno das relações
entre saberes e poderes e da idéia de que as transformações sociais não ocorrem de cima para
baixo.
Em sua perspectiva, o poder não está centralizado nas macro-relações, mas nas bases,
onde se concentram os “micro-poderes” resultantes das relações cotidianas inter-pessoais. O
indivíduo está no centro do poder, de tal forma que todas as mudanças que se processam nas
estruturas sociais instituídas pelo saber do homem e no seu modelo de liberdade, estão
60
vinculadas às modificações que ocorrem, ao longo da história, na sua própria maneira de
pensar.
Portanto, seu trabalho não contempla a discussão abolicionista, porque não vislumbra
solução nas macro-relações de poder. Tampouco defende a idéia de aprimorar os mecanismos
da prisão como instrumento de contenção da criminalidade, porque, em sua ótica, o problema
da prisão está em seu próprio fundamento. Simplesmente, não foi criada para funcionar.
É tônica na obra foucaultiana o uso da história para explicar a sociedade. No caso de
“ Vigiar e punir”, o autor percorre a evolução histórica do sistema penal, especialmente no
que diz respeito aos métodos utilizados pelo poder público para reprimir as práticas
criminosas ao longo do tempo.
A sua perspectiva é sempre a das classes marginalizadas da sociedade, entre elas, a
dos loucos e dos encarcerados. Sintetiza as finalidades das instituições destinadas a
internamento qualificando-as como um mecanismo utilizado para eliminar do grupo social os
elementos considerados nocivos e para excluir do ângulo de visibilidade o que não interessa
ser visto, conforme se afere da leitura de A história da loucura:
É evidente que o internamento, em suas formas primitivas, funcionou como um mecanismo social, e que esse mecanismo atuou sobre uma área bem ampla, dado que se estendeu dos regulamentos mercantis elementares ao grande sonho burguês de uma cidade onde imperaria a síntese autoritária da natureza e da virtude. Daí a supor que o sentido do internamento se esgota numa obscura finalidade social que permite ao grupo eliminar os elementos que lhe são heterogêneos ou nocivos, há apenas um passo. O internamento seria assim a eliminação espontânea dos “a-sociais” (2003, p.79).
Para o autor, a estrutura panóptica do sistema penitenciário constitui um “laboratório
do poder”, um mecanismo que aprimora o exercício das coerções sutis de uma vigilância
permanente, de um controle exaustivo por parte do Estado, visando a uma disciplina
hierarquizada, que torne os criminosos “dóceis e úteis” através de um trabalho preciso, com
técnicas e procedimentos especializados.
61
Define a prisão como um “zoológico real”, em que o animal é substituído pelo
homem, produzindo nele a sensação de vigilância e visibilidade contínuas, que asseguram o
funcionamento automático do poder. É “o olhar que tudo vê”, sem ser ele mesmo visto (2003,
p. 168).
Entretanto, cumpre observar que, muito embora sua discussão não contemple solução
nas macro-relações de poder e não ofereça reflexões práticas sobre a supressão do sistema
penal, idéias abolicionistas surgem como inspiração e desdobramento natural da leitura de sua
obra.
62
III. FUNÇÕES DA PENA NO DIREITO BRASILEIRO: TEORIA E
PRÁTICA
Em posse dos fundamentos constitucionais e das teorias da pena, é possível
identificar a fundamentação teórica que orienta o sistema penal no Brasil. A partir deste
levantamento, estabelecer-se-á um confronto entre a teoria e a realidade penitenciária
brasileira, visando a apurar se a execução penal aqui praticada viabiliza a readaptação social
do infrator, ou se tem cumprido um papel meramente retributivo.
Para tal análise, adota-se como parâmetro o sistema carcerário do Estado de São
Paulo em razão de as prisões paulistas abrigarem, hoje, mais da metade da população
carcerária brasileira, o que representa uma amostragem satisfatória para os efeitos da pesquisa
proposta.
1. Fundamentos da prisão
Em regra, os autores que defendem o abolicionismo e o minimalismo penal afirmam
que o problema da prisão está em sua própria origem.
Michel Foucault informa que a prisão, até o final do século XVIII, não tinha a
finalidade punitiva que se apresenta na atualidade. Seu papel era, na realidade, manter os
condenados sob a custódia do Estado, viabilizando a aplicação da pena que lhes fora
efetivamente imposta.
63
Para o autor, a substituição dos suplícios judiciários pela prisão foi fruto de avanços e
retrocessos, acompanhando os processos históricos do poder e do saber a partir dos quais
surgiram as várias instituições sociais, conforme declara:
A forma prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno dele um aparelho completo, de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza (FOUCAULT, 2003, p. 195).
Durante o encarceramento, os presos suportavam verdadeiros suplícios corporais,
trabalhos forçados e todas as outras formas punitivas degradantes e cruéis, até que se
cumprisse, por fim, a pena capital.
Alguns historiadores relacionam sua origem às celas eclesiásticas da Igreja Católica,
instituídas para a punição das infrações religiosas na Idade Média, traduzindo a idéia da
“penitência”, origem da expressão “penitenciária” utilizada hoje.
Foucault esclarece que, na França, a prisão teve origem com as lettre-de-cachet,
utilizadas no regime monárquico-absolutista do século XVIII, que consistiam em uma ordem
do rei determinando alguma conduta dos cidadãos. Outras vezes, consistia em um instrumento
de repressão moral e religiosa e, por fim, havia as lettre-de-cachet com finalidade punitiva,
que resultava na prisão do infrator, de qualquer forma, sempre expressando o poder real:
A prisão, que vai se tornar a grande punição do século XIX, tem sua origem precisamente nesta prática pára-judiciária da lettre-de-cachet, utilização do poder real pelo controle espontâneo dos grupos. Quando uma lettre-de-cachet era enviada contra alguém, esse alguém não era enforcado, nem marcado, nem tinha de pagar uma multa. Era colocado na prisão e nela devia permanecer por um tempo não fixado previamente (2003: 98).
Segundo o relato foucaultiano, até o século XVIII a justiça penal foi marcada por
verdadeiras “ostentações de suplícios”: roda, guilhotina, fogueiras, em cujos excessos se
investia todo o poder do soberano e daqueles que detinham o poder econômico.
64
Foi uma época em que as penas corporais foram levadas aos seus limites, razão pela
qual foi também um período marcado por protestos contra as atrocidades praticadas e por
projetos de reforma das teorias penais.
Com os ideais da reforma penal, a forma punitiva idealizada pelos filósofos era
fundamentada num afrouxamento da execução penal e na conseqüente humanização das
punições, com base no contrato social, conforme relata Foucault:
Na passagem do século XVIII para o século XIX, uma nova legislação define o poder de punir como uma função geral da sociedade que é exercida da mesma maneira sobre todos os seus membros, e na qual cada um deles é igualmente representado; mas ao fazer da detenção a pena por excelência, ela introduz processos de dominação característicos de um tipo particular de poder (2003, p.195).
Com o panoptismo idealizado por Bentham, inicia-se uma fase a que Foucault
chamou de ortopedia social, caracterizada por uma prática disciplinar de vigilância e controle
contínuos:
Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; (...) (2003, p.166).
O panóptico materializou o modelo que norteou as fábricas, hospitais, escolas e
prisões que foram surgindo na passagem do século XVIII para o século XIX, constituindo
uma sociedade a que Foucault chamou “sociedade disciplinar”.
Na concepção foucaultiana, a disciplina é uma forma de poder, que se exerce por um
conjunto de procedimentos e de técnicas, uma “anatomia”, utilizando sua linguagem,
praticadas pelas diversas instituições de internamento como penitenciárias, escolas, hospitais
e fábricas (2003, p.177).
Por tal razão, para Foucault, a prisão não foi criada para promover a contenção da
criminalidade. Serve tão-somente como depósito daqueles indivíduos considerados nocivos ao
65
meio social, os quais são qualificados como força produtiva e sobre os quais recaem todos os
arbítrios do poder:
A grande maquinaria carcerária está ligada ao próprio funcionamento da prisão. Podemos bem ver o sinal dessa autonomia nas violências “inúteis” dos guardas ou no despotismo de uma administração que tem os privilégios das quatro paredes. Sua raiz está em outra parte: no fato, justamente, de que se pede à prisão que seja “útil”. (...). E para essa operação, o aparelho carcerário recorreu a três grandes esquemas: o esquema político moral do isolamento individual e da hierarquia; o modelo econômico da força aplicada a um trabalho obrigatório; o modelo técnico médico da cura e da normalização (2003, p.208)
Em decorrência da pobreza que se disseminou no continente europeu, na Idade
Moderna, com o aumento da criminalidade e dos infratores e com o desenvolvimento do
capitalismo, a mão-de-obra gratuita da população carcerária passou a ser utilizada, de tal
modo que a sua manutenção atendia aos interesses capitalistas, por este duplo aspecto:
segregação e aproveitamento econômico da população carcerária. Este foi um dos principais
fatores relacionados ao desenvolvimento da prisão como forma punitiva, muito mais do que
os ideais de humanização das penas propostos por Beccaria.
2- Finalidades da pena na legislação brasileira
Até o início da colonização do Brasil, o Direito Penal praticado entre as tribos
indígenas aqui existentes baseava-se no talião, com práticas próprias da vingança privada.
Com a chegada dos colonizadores, as relações sociais passaram a ser regidas basicamente de
acordo com o Direito Consuetudinário Português, sendo introduzido, posteriormente, o
período das ordenações, com práticas arbitrárias, cruéis, desproporcionais ao fato e variáveis
de acordo com a classe social do apenado (SHECAIRA, 2002, p.36).
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Segundo Fernando Salla, em As prisões em São Paulo, durante o período das
ordenações, as prisões faziam parte das câmaras municipais, prédios militares e fortes,
normalmente no andar térreo das construções, onde ficavam presos não apenas criminosos,
mas também escravos fugitivos e desordeiros em condições subumanas. A prisão só passou a
ser efetivamente utilizada como pena a partir do Código Criminal do Império em 1830, que
trouxe a forma prisão simples e prisão com trabalho, visando a aproveitar a mão-de-obra do
cárcere (1999, p.41).
Realizando um salto no tempo, a Proclamação da República no Brasil legou ao
universo jurídico o Código Penal de 1890, que estabeleceu a abolição da pena de morte e a
separação classificatória dos presos, reduzindo a pena perpétua ao período de trinta anos,
instituindo os institutos da prescrição e da remição de penas (DOTTI, 1998, p. 55).
Anos depois, com a Constituição Federal outorgada na vigência do autoritarismo do
Estado Novo, ao final da década de 30, viu-se projetado o Código Penal de 1940, em vigência
ainda hoje no ordenamento jurídico brasileiro. O novo diploma adotou outras formas
punitivas acessórias como a perda de função pública e a interdição temporária de direitos, mas
a detenção e a reclusão continuaram sendo a base do sistema de penas.
Em 1984, a legislação penal sofreu algumas modificações. A lei 7209/84 modificou
o Código de Processo Penal, a parte geral do Código Penal e a Lei 7210/84 (Lei de Execução
Penal) passou a disciplinar a pena de prisão. Com a reforma, o artigo 32 do Código Penal
passou a dispor sobre as penas privativas de liberdade, a restrição de direitos e a pena
pecuniária, além de criar o sistema progressivo de cumprimento de penas, o livramento
condicional e o sursis.
Em 1988, com a Constituição Federal previu novas sanções penais, como a perda de
bens e valores. A Lei 9714/98 introduziu novas penas restritivas de direito, ao alterar o artigo
43 do Código Penal, que instituiu a prestação pecuniária, a perda de bens e valores, a
67
prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a interdição temporária de direitos,
a limitação de fim de semana, prevendo a possibilidade da substituição da pena privativa de
liberdade, satisfeitas determinadas condições, pelas novas modalidades.
Não obstante as modificações realizadas na legislação penal brasileira, a prisão
nunca se eximiu da idéia de violência, de retribuição e de segregação daqueles indivíduos
considerados a-sociais. O sistema penitenciário tem sido objeto de vários debates,
representando um dos mais graves problemas sociais da atualidade.
Os elevados índices de reincidência e a realidade que tem sido frequentemente
denunciados pela imprensa suscitam a hipótese de que segregar os infratores nas prisões não
tem sido instrumento eficiente para se atingir os fins sociais previstos na legislação penal.
Hoje, o cumprimento das penas privativas de liberdade é disciplinado pela
Constituição Federal, pelo Código Penal e regulamentado pela Lei 7210/84, a Lei de
Execuções Penais (LEP).
O Código Penal brasileiro dispõe:
O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: I- as penas aplicáveis dentre as cominadas; II- a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III- o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV- a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível (CP, artigo 59).
O artigo 1º da Lei de Execução Penal, por sua vez, destaca: “A execução penal tem
por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado ou do internado".
Da leitura do artigo 59 do Código Penal, apreende-se que, no momento da aplicação
da pena, esta assume um caráter retributivo, no sentido de reprovar o mal do crime, e
utilitarista, constituindo-se uma pena exemplar.
68
Da análise do artigo 1º da Lei de Execução Penal, observa-se firmada, ainda que
formalmente, a finalidade de prevenção especial positiva, no sentido de priorizar a integração
social do apenado.
Na prática, a hipótese é de que a pena de prisão, no Brasil, tem cumprido somente o
caráter retributivo e de prevenção especial negativa, aqui entendida no sentido de promover a
mera clausura do apenado, deportando-o do meio social, “enjaulando-o”, sem a oferta de
condições propícias a sua reintegração social.
Teoricamente, a finalidade das penas privativas de liberdade é a reintegração social
dos egressos, controle e prevenção da criminalidade. Entretanto, existe um enorme vazio entre
a teoria e a realidade. Na prática, as condições humanas e ambientais do cárcere no Brasil
configuram-se como a mola propulsora para a profissionalização criminal dos apenados.
Um dos reflexos do universo interno das prisões é a reincidência. Ao retornarem à
liberdade, os egressos são vítimas freqüentes de preconceitos, porque a comunidade também
reconhece a ineficiência do sistema. Estigmatizados pela prisão, não conseguem emprego e
retornam à criminalidade, muitas vezes prestando serviços para os traficantes que conheceram
no cárcere, para quem devem favores.
No Estado de São Paulo, Estado que abriga mais da metade da população carcerária
brasileira, os índices oficiais de reincidência, conforme apontam os dados da Secretaria de
Administração Penitenciária, apurados pela FUNAP, diferem de acordo com o regime de
cumprimento de pena. O regime disciplinar diferenciado (RDD) apresenta o maior índice,
48%, enquanto que o regime fechado produz 42% de reincidência e o semi-aberto, 37%.
Estes índices já são considerados altos, ainda que não sejam números compatíveis
com a realidade, muito mais pavorosa do que revelam os percentuais. A realidade a que
assistimos em nosso cotidiano, já seria suficiente para demonstrar que a prisão é uma fábrica
de infratores profissionais.
69
Foucault afirmava que a prisão sempre produzirá delinqüentes em razão das
condições a que submete a sua população. Em suas pesquisas, o autor fez um levantamento
histórico visando a apurar quantos daqueles que passaram pelas primeiras penitenciárias e
casas de correção instituídas na passagem do século XVIII para o século XIX, voltaram a
praticar crimes. Os resultados foram apresentados em sua obra Vigiar e punir:
A detenção provoca a reincidência; depois de sair da prisão, se têm mais chance que antes de voltar para ela, os condenados são, em proporção considerável, antigos detentos; 38 % dos que saem das casas centrais são condenados novamente e 33% são forçados; de 1828 a 1834, de cerca de 35.000 condenados por crime, perto de 7.400 eram reincidentes (ou seja, um em cada 4,7 condenados); em mais de 200.000 contraventores, quase 35 mil o eram também (1 em cada 6); no total, um reincidente para 5,8 condenados; em 1831, em 2.174 condenados por reincidência, 350 haviam saído dos trabalhos forçados, 1682 das casas centrais, 142 das 4 casas de correção submetidas ao mesmo regime que as centrais. E o diagnóstico torna-se cada vez mais pesado ao longo de toda a monarquia de julho: em 1835, contam-se 1486 reincidentes em 7.223 condenados criminosos; em 1839, 1749 em 7858; em 1844, 1821 em 7195. Entre os 980 detentos de Loos havia 570 reincidentes e, em Melun, 745 dos 1088 prisioneiros. A prisão, conseqüentemente, em vez de devolver à liberdade indivíduos corrigidos, espalha na população delinqüentes perigosos (2003, p.221).
Com relação à realidade brasileira, a estrutura penitenciária aqui implantada tem
função meramente simbólica do ponto de vista social. Enquanto instituição, tudo parece
funcionar: torres, vigias, grades, o olhar do Estado que “tudo vê”, sem ser visto. Entretanto, ao
se examinar os altos índices de reincidência, vê-se comprovada a tese de Foucault de que as
finalidades da prisão não passam de utopia. No cárcere, o condenado tem sido preparado para
a prática de crimes mais graves, com um alto custo operacional para os cofres públicos.
O Estado, pressionado pela opinião pública e pela mídia, elabora leis, aumenta o rigor
das penas e constrói novos estabelecimentos penitenciários, como tentativa de organizar-se
enquanto poder controlador.
Entretanto, diante dos elevados índices de reincidência, a hipótese é de que o sistema
penitenciário, como se apresenta na atualidade, não é eficaz do ponto de vista social. Não
reintegra socialmente o egresso, ao contrário, serve de degrau para o crescimento na
criminalidade, afrontando, flagrantemente, o princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-
70
se de um sistema que, na realidade, pune quem age corretamente, na medida em que devolve à
sociedade indivíduos especializados no crime.
A fim de comprovar tal hipótese, serão analisados os principais fatores relacionados
ineficácia do sistema no Brasil, adotando-se como parâmetro a estrutura carcerária paulista,
conforme informado anteriormente.
3. Dignidade humana: pedra angular do sistema penal brasileiro
A dignidade da pessoa humana, conforme já analisado nos capítulos precedentes, é a
pedra angular de todo o sistema penal, constituindo-se no fundamento do direito de punir do
Estado. A hipótese é de que este princípio tem sido flagrantemente violado na execução das
penas privativas de liberdade no Brasil.
A integridade física e moral dos detentos são previstas como cláusula pétrea na
Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XLIX . O artigo 38 do Código Penal, em
consonância com os valores constitucionais, dispõe que o preso conserva todos aqueles
direitos não atingidos pela perda da liberdade, como, por exemplo, alimentação suficiente e
vestuário, proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, descanso e recreação,
assistência à saúde, jurídica e à educação.
Teoricamente, ao ser condenado à pena de prisão, o réu tem restrita apenas a sua
liberdade, mas, na prática, o sentenciado é privado de vários direitos fundamentais, em
especial, ao mandamento constitucional da dignidade humana. Os valores preconizados pela
Constituição Federal não são observados na rotina carcerária. A prisão submete o detento a
condições de superpopulação, ócio, promiscuidade e violência, desenvolvendo nele um
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sentimento intenso de revolta e de baixa-estima, incompatíveis com as finalidades de
reintegração social.
A começar pelas instalações carcerárias. A Lei de Execução Penal dispõe que o preso
deve ficar isolado durante o repouso noturno, em cela individual com dormitório, aparelho
sanitário e lavatório (artigo 88). A unidade celular deve preencher os requisitos de salubridade
e possuir área mínima de seis metros quadrados (§ único do artigo 88).
Um breve olhar sobre as instalações da maioria dos estabelecimentos penitenciários
brasileiros permite a constatação de que o encarceramento é incompatível com o valor da
dignidade da pessoa humana. As condições ambientais das celas são péssimas. A elevada
umidade, a precária circulação de ar, a falta de luminosidade e de água são fatores que,
associados à superlotação das celas, fazem do espaço carcerário um local sujo, insalubre e
propício ao desencadeamento de diversas epidemias e enfermidades.
Oferecer instalação higiênica, assistência médica e odontológica adequadas aos
presos, não significa oferecer-lhes “regalias”. São direitos fundamentais dos presos, inerentes
às circunstâncias que viabilizam a sobrevivência humana. Se a reeducação social do apenado
não for possível nestas condições, como o será tratando-o como um animal enjaulado?
4. Superlotação carcerária e escassez de funcionários
Estabelecendo um confronto entre as disposições legais e a realidade, observa-se que
os requisitos mínimos da boa condição penitenciária, preconizados pela legislação penal
brasileira estão longe de serem cumpridos.
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Para esta constatação, basta um breve olhar sobre as prisões existentes no país. No
Estado de São Paulo, os estabelecimentos carcerários estão subordinados à Secretaria de
Administração Penitenciária do Estado. Atualmente, existem cento e vinte unidades prisionais
na capital e interior paulista, divididas em categorias distintas. Em regra, têm capacidade para
abrigar aproximadamente setecentos e cinqüenta presos, número este que, na maioria dos
casos, é ultrapassado em centenas.
Segundo dados oficiais da Secretaria de Administração Penitenciária, a estatística de
junho de 2006 apontou uma população carcerária de cento e quarenta e três mil, trezentos e
oitenta e quatro presos no Estado de São Paulo, número este que distribuído entre as cento e
vinte unidades prisionais existentes aponta claramente o problema da superlotação. Diante
desta superpopulação, a área mínima de seis metros quadrados por preso, estabelecida pelo
artigo 88 da LEP fica num plano imaginário, muito distante da realidade.
De acordo com levantamento de dados da Secretaria Nacional de Segurança Pública,
atualmente há cinco mil, quinhentos e quarenta condenados cumprindo penas em regime
fechado e que já poderiam ser contemplados com o benefício da progressão da pena, passando
ao regime semi-aberto e desafogando os estabelecimentos compactos. Entretanto, estes
apenados continuam a ocupar vagas nas penitenciárias em razão de não havê-las em colônias
penais agrícolas, industriais e similares.
O problema da superlotação carcerária é agravado pela escassez de funcionários.
Trinta mil agentes públicos integram a Secretaria de Administração Penitenciária, revelando
uma média de quatro funcionários para cada preso, sendo que a maior parte exerce funções
administrativas.
O número de agentes penitenciários, que são aqueles que têm um contato mais direto
com os presos, é mínimo se comparado ao número de detentos e o relacionamento entre eles é
muito complicado. Mal-preparados, mal-remunerados e mal-equipados pelo Estado, além de
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conviverem com a tensão comum ao ambiente, têm como rotina diária transitar entre o poder
Estatal e o poder dos grupos formados pela população carcerária.
Cumprindo uma jornada de trabalho desgastante, remunerada com baixíssimos
salários, em horários de folga, ocupam-se com atividades informais para garantir seu sustento
e de sua família. Os funcionários que não se rendem às pressões das organizações criminosas
também não passam de vítimas do sistema. Os demais representam terreno fértil à corrupção,
mecanismo que alimenta o poder das facções que atuam no interior das prisões e um dos
principais fatores que inviabiliza a reabilitação social do infrator.
5. Classificação do apenado e exame criminológico
Quanto à classificação dos presos e ao exame criminológico, a Lei de Execuções
Penais dispõe que os presos devem ser classificados segundo os seus antecedentes criminais e
personalidade, adequando a pena ao condenado e separando os presos reincidentes dos
primários. Assim, o exame criminológico, realizado de maneira adequada, possibilitaria uma
individualização do tratamento penal. Cada estabelecimento penitenciário deveria possuir
uma comissão técnica composta por psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais para tal
finalidade.
Na prática, estas juntas técnicas não existem. Quando existem, os profissionais
acabam ocupando posições antagônicas, uma vez que sofrem cobranças constantes: de um
lado, por parte da sociedade e da instituição prisional que exige deles posturas mais
repressivas, e de outro, da população carcerária, pois de seu parecer depende a manutenção ou
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não do preso no sistema carcerário. Considerada a superlotação, a separação classificatória
dos presos é praticamente inviável na maioria dos estabelecimentos prisionais do país.
Foucault, crítico mordaz do sistema prisional, via no exame um dos mecanismos de
exercício do poder. Para o autor, o sucesso do poder disciplinar da prisão estaria na aplicação
deste procedimento:
Finalmente, o exame está no centro dos processos que constituem o indivíduo como efeito e objeto de poder, como efeito e objeto de saber. É ele que combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora, realiza as grandes funções disciplinares de repartição e classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de acumulação genética contínua, de composição ótima das aptidões (2003, p. 160).
Em sua perspectiva, a disciplina é uma técnica específica do poder que se realiza pela
sanção normalizadora e pela vigilância contínua combinados ao exame, diferenciando os
indivíduos e qualificando-os como força produtiva.
Não obstante a rigidez de sua análise, no contexto carcerário brasileiro, entende-se
que esta classificação seja uma medida essencial no sentido de se evitar o contato de
infratores ocasionais, que praticam crimes menos graves, com aqueles que são “profissionais”
na prática criminosa, minimizando-se os efeitos negativos do cárcere e evitando-se a
reprodução da delinqüência.
6. Assistência médico-psicológica
No que diz respeito à assistência à saúde, a Lei de Execuções Penais dispõe, em seu
artigo 14, sobre a obrigatoriedade de se assegurar este direito ao preso. Na prática, este é mais
um aspecto que descortina as barbáries do sistema.
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O ambiente prisional, em regra, é insalubre, promíscuo e violento o que desencadeia
a disseminação rápida de algumas doenças, como as dermatites, problemas odontológicos,
ortopédicos, infecções gerais e, em especial, as respiratórias.
Conforme demonstram as estatísticas oficiais da Secretaria de Administração
Penitenciária do Estado de São Paulo, o índice de ineficácia do tratamento oferecido nos
estabelecimentos penitenciários é muito elevado. O mais alto é nos casos de AIDS: 92% dos
presos submetidos a tratamento não têm melhora dos sintomas. Em segundo lugar, os
tratamentos ortopédicos: 55 % de ineficácia. As doenças respiratórias vêm em seguida: 47%
dos presos submetidos à assistência médica do estabelecimento não obtêm melhora no quadro.
De acordo com as mesmas fontes, no ano de 2005, ocorreram trezentos e cinqüenta e
oito mortes naturais. Até 31 de maio de 2006 já contamos cento e cinqüenta e três registros.
Embora passíveis de dúvidas, estes números indicam que, no tocante às condições
sanitárias e de assistência médica, o sistema prisional vem falindo em progressões alarmantes.
A saúde emocional dos presos também é constantemente ameaçada em razão das
condições humanas e ambientais das prisões. O ócio, a violência, o medo, a insalubridade do
espaço carcerário são fatores alimentam nos internos um sentimento constante de revolta, o
que é incompatível com qualquer proposta de reeducação social.
Essa idéia pode ser demonstrada pelo número de suicídios cometidos pelos presos.
Segundo aponta a estatística oficial do ano de 2005, foram registrados quatorze suicídios nas
prisões paulistas. Em 2006, até 31 de maio já havia treze registros.
Este cenário fúnebre constitui um dos efeitos mais intensos do panótico. A prisão
encerra práticas que atuam diretamente sobre a “alma” do apenado. Mesmo aquelas
aparentemente inofensivas, são dotadas de grande poder destrutivo. Castigos físicos e
humilhações morais são procedimentos típicos realizados não apenas por agentes públicos que
76
agem com abuso de poder, mas pelos próprios grupos que se formam entre os integrantes da
população carcerária.
Estes fatores desencadeiam diversos distúrbios emocionais que passam da depressão
a verdadeiros surtos psicóticos, agravados pelo uso de substâncias entorpecentes. Com
tratamento psicológico inadequado, quando existente, os apenados optam pela extinção da
própria vida, como forma de se livrar de um castigo que lhe “tripudia” a alma ou como forma
de punir, pela culpa, todos aqueles que, de uma forma ou de outra, sejam “responsáveis” pelo
seu “inferno em vida”. Assim pensam os suicidas.
7. Violência
Um outro aspecto relevante que não se pode desconsiderar ao se fazer uma análise
sobre o sistema prisional diz respeito à violência que se alastra pelas prisões brasileiras. O
ambiente hostil a que são submetidos aqueles que ingressam no sistema prisional afronta
flagrantemente o que está disposto como cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988: a
integridade física e moral dos detentos. Este é um dos principais fatores que fazem do cárcere
um multiplicador de criminalidade.
Segundo dados oficiais da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de
São Paulo, de uma população carcerária de cento e nove mil, cento e sessenta e três presos,
considerada em 2004, houve vinte e nove mortes de natureza criminal e, em 2005, o cárcere
paulista já registrava nada menos que cinqüenta homicídios.
Em 2004, foram registradas quatro grandes rebeliões no Estado de São Paulo. Em
2005, este número foi triplicado: treze grandes rebeliões. Em 2006, até 20 de junho, o cárcere
77
paulista já contava dezessete registros de grandes proporções, totalizando cento e cinqüenta e
nove, quando se computam as de menor porte.
O relacionamento entre apenados e funcionários, em regra, é circundado de violência
ou, no mínimo, de ameaças veladas. Trata-se de uma relação tensa que inviabiliza qualquer
projeto de recuperação da delinqüência e de controle da criminalidade. A prisão torna
inexeqüível a reabilitação social do apenado, alimentando nele um sentimento constante de
revolta e tornando cada vez mais invencível o seu comportamento. Foucault abordou
amplamente esta questão:
Nos últimos anos, houve revoltas em prisões em muitos lugares do mundo. Tratava-se bem de uma revolta, ao nível dos corpos, contra o próprio corpo da prisão. O que estava em jogo não era o quadro rude demais ou ascético demais, rudimentar demais ou aperfeiçoado demais da prisão, era sua materialidade na medida em que ele é instrumento e vetor de poder; era toda essa tecnologia do poder sobre o corpo, que a tecnologia da ‘alma’ – a dos educadores, dos psicólogos e dos psiquiatras – não consegue mascarar nem compensar, pela boa razão de que não passa de um de seus instrumentos. (2003, p. 29).
Para exemplificar a complexa rede de relações e de poderes que se desenvolvem na
comunidade carcerária, observe-se o depoimento pessoal de Z. P. A. S., egresso do sistema,
ao ser indiciado por prática de motim de presos: “na prisão, você é castigado por tudo e por
todos, pelo que fez e pelo que não fez. Começou com um “sangue-bom” colocando fogo no
colchão e mandando todo mundo sair pra fora da cela, dizendo que quem não obedecesse
morreria ali mesmo. Saí da cela e fiquei quieto no pátio para não ser morto pelo colega e hoje
estou aqui sendo punido porque não quis morrer naquele dia”.
O depoimento deste apenado demonstra como vivem os presos e, como muitos, a
carreira do entrevistado começou com pequenos furtos como garantia ou da própria
sobrevivência, em razão do desemprego, ou como conseqüência do círculo vicioso do tráfico
de entorpecentes.
78
Na prisão, em razão da superpopulação, a separação classificatória dos internos,
muitas vezes é inviável. Os que praticaram pequenos delitos acabam tendo contato com
infratores profissionais e aprendem a prática de crimes mais graves.
Buscando a proteção que não encontram na Administração Penitenciária, os
encarcerados agrupam-se entre si e esse agrupamento gera uma violência maior. Como
ocorreu nos primórdios da civilização, o agrupamento entre a população carcerária se dá até
por uma questão de sobrevivência, deflagrando verdadeiras guerras de facções.
Agrupados, o poder dos mais fortes se concentra e se torna mais efetivo. Agregam-
se, organizam-se, criam códigos de ética e de comportamentos, verdadeiras leis que se fazem
cumprir com rigor, mais eficazes e efetivas que as leis de nosso ordenamento jurídico.
Na concepção foucaultiana, a prisão favorece a organização hierarquizada de sua
população em razão das condições de existência a que submete os internos e pelo fato de que
todo o seu funcionamento se dá com abuso de poder. Ao experimentar um sentimento de
injustiça, o caráter do condenado torna-se cada vez mais indomável. Não há como curar
violência com violência.
As péssimas condições humanas e ambientais do ambiente carcerário estão entre os
principais motivos que desencadeiam a violência tanto dos presos contra os funcionários,
quanto dos funcionários contra os presos e destes entre si.
Privar alguém de sua liberdade já é um ato de violência, porém “justificada”, por
tratar-se de uma punição praticada pelo Estado contra um membro da sociedade que
descumpriu o contrato social, infringindo a lei penal. Entretanto, garantir segurança ao meio
social não deveria ser sinônimo de restringir o direito à dignidade humana dos presos.
Desde a segunda metade do século XVIII, surgiram protestos contra a violência
física como forma de punição. Filósofos, juristas e legisladores vêem a necessidade de uma
nova forma de penalizar alguém pela prática criminosa.
79
Beccaria já defendia a moderação das penas, no sentido de que estas somente se
justificariam na medida em que alcançassem a finalidade de prevenir a prática criminosa:
Poderão os gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime (2001, p. 49).
A Lei de Execuções Penais dispõe em seu artigo 45, § 1º que as sanções disciplinares
a serem aplicadas não poderão colocar em risco a integridade física e moral dos apenados.
Não se tem uma estatística oficial que apresente o número de violências praticadas por
agentes públicos penitenciários contra os detentos e nem destes contra os primeiros. Mas
sabe-se que elas ocorrem.
A imprensa, no Brasil, está sempre a denunciar tais excessos. Um episódio marcante
ficou conhecido como “o caso do ônibus 174”, documentário produzido ao vivo no ano de
2000, no Rio de Janeiro, em que a omissão do Estado e a péssima atuação da Polícia fizeram
duas vítimas: a vítima em si do homicídio e o infrator “Sandrão”, sobrevivente do Massacre
da Candelária, que morreu asfixiado quando vários policiais se deitaram sobre ele para
“protegê-lo” da população enfurecida.
Sem contar a desastrosa ação policial que, em 1992, no pavilhão 9 do Complexo
Penitenciário do Carandiru, resultou na morte de 111 detentos, evento mundialmente
divulgado como o “Massacre do Carandiru”, além de tantas outras tragédias que ocorrem no
interior dos estabelecimentos prisionais do Brasil.
Estes são apenas exemplos dos abusos praticados por funcionários despreparados
para o trato com os infratores, sem falar nas últimas rebeliões e nos episódios terríveis que
envolveram o sistema prisional, exaustivamente divulgados pela mídia. Verdadeiras
catástrofes que vitimizaram não apenas a comunidade carcerária, mas vários agentes públicos
e a população em geral, como a super-rebelião liderada pelo PCC em maio de 2006 no Estado
de São Paulo.
80
Os últimos fatos veiculados pela imprensa, a respeito do sistema prisional brasileiro,
representam mais um trágico efeito da superpopulação, do ócio e da violência que se alastram
pelas prisões no Brasil.
8. Trabalho e estudo como perspectivas de reinserção social
O trabalho e o estudo são peças fundamentais para perspectivas de reabilitação
social, ocupando seu tempo na prisão de forma sadia, isto porque a ociosidade gera no preso
um sentimento de inutilidade, incompatível com as finalidades de recuperação.
Contudo, o ócio se alastra pela maioria dos estabelecimentos penais do país e, tanto
no que diz respeito ao trabalho quanto ao estudo, o preso não é motivado a exercer tais
atividades, muito embora, na concepção de agentes públicos despreparados e preconceituosos,
“preso não trabalha porque é vagabundo”. Alguns sim, mas nem todos.
8.1. Estudo
Pesquisa oficial da Secretaria de Administração Penitenciária realizada pela FUNAP
apurou que a situação da educação dentro dos presídios é muito grave: 89% da população
carcerária masculina e 79% da feminina não se motivam aos cursos profissionalizantes
oferecidos na prisão. Até maio de 2006, apenas 16,40% dos presos paulistas participam dos
programas à disposição no sistema.
81
A educação oferecida dentro dos presídios não viabiliza perspectivas futuras. As
condições em que as aulas são ministradas desestimulam tanto os professores quanto a
comunidade carcerária: o material didático é escasso e os locais, improvisados.
Quanto ao grau de escolaridade dos apenados, na ocasião de seu encarceramento, o
último censo penitenciário apontou que 83% dos presos paulistas, possuem apenas ensino
fundamental. Estes dados, de certo modo, refletem a realidade social do brasileiro.
Um dos principais fatores do alto nível de criminalidade é o desemprego e deste, um
mercado de trabalho cada vez mais exigente. Por esta razão, aqueles que não tiveram acesso à
cultura e à educação adequadas são condenados à exclusão.
Conforme revelam os dados oficiais, de um total de cento e um mil, duzentos e
cinqüenta e dois delitos julgados, 59 % foram relativos a crimes praticados contra o
patrimônio. Trata-se de um círculo vicioso: má-formação escolar, desemprego, criminalidade
e aumento da população carcerária. Evidentemente, nem todos os desempregados se entregam
a práticas criminosas, mas desemprego e criminalidade são fatores que estão intimamente
ligados.
8.2. Trabalho
Teoricamente, o trabalho constitui um direito do preso e um dever do Estado, com
finalidade pedagógica, no sentido proporcionar a reintegração social do apenado. Na prática,
as condições humanas e ambientais da prisão não viabilizam esta alternativa.
O trabalho do preso nos estabelecimentos carcerários brasileiros como instrumento
de reeducação social do apenado tem suscitado muitos debates em razão de possível violação
82
do princípio da dignidade humana na exploração desta mão-de-obra e de favorecimento do
Estado no processo de seleção de empresas que contratam estes serviços.
8.3. Inserção do trabalho nas prisões
Segundo Michel Foucault, as primeiras prisões leigas surgiram no século XVI, como
o sistema Rasphuis de Amsterdan. Inaugurado em 1596, foi destinado, em princípio, aos
mendigos e malfeitores. Neste sistema, o trabalho era obrigatório aos presos, remunerado com
um salário e realizado em comum. As celas destinavam-se apenas ao repouso noturno. Com
relação aos horários e obrigações dos presos, a disciplina era rígida e a vigilância, contínua.
(FOUCAULT, 2003, p. 100).
O aprendizado profissional foi implantado na Casa de correção de Gand, na Bélgica,
final do século XVIII. O trabalho penal era considerado como instrumento de correção, mas,
na perspectiva foucaultiana, seu foco era o exercício do poder para dominação das massas e a
utilização econômica dos presos:
Essa pedagogia tão útil reconstituirá no indivíduo preguiçoso o gosto pelo trabalho, recolocá-lo-á por força num sistema de interesses em que o trabalho será mais vantajoso que a preguiça, formará em torno dele uma pequena sociedade reduzida, simplificada e coercitiva, onde aparecerá claramente a máxima: quem quer viver tem que trabalhar (FOUCAULT, 2003, p.100).
Nos Estados Unidos, o modelo de Ausburn, foi inaugurado nas primeiras décadas do
século XIX. Também conhecido por Silent System, o modelo seguia o mesmo paradigma das
casas de correção da Europa com uma inovação: o silêncio absoluto. O trabalho era aplicado
aos detentos em comum nas celas e a vigilância também era permanente (FOUCAULT, 2003,
p.101).
83
A partir do século XIX, as prisões passaram a adotar o sistema progressivo de penas,
o Mark System.. Este sistema foi idealizado pelo diretor de um presídio da Ilha Norfolk, na
Austrália, para onde a Inglaterra encaminhava seus infratores mais perigosos. O modelo
consistia em um sistema de vales, cuja quantidade representava o trabalho e a boa conduta
exercida pelo preso. Para cada dia trabalhado, correspondia um número de vales, do qual eram
descontados os custos para a sua própria manutenção dentro do presídio. Caso o preso tivesse
uma má conduta, perdia um determinado número de vales. (CARVALHO FILHO, 2002, p.
27).
No Brasil, o cárcere só passou a ser efetivamente utilizado como pena a partir do
Código Criminal do Império em 1830. Neste período, foram inauguradas duas Casas de
Correção no Brasil, sendo uma em São Paulo, em 1852 e outra, no Rio de Janeiro em 1850.
Estes dois estabelecimentos tinham, em comum, oficinas de trabalho e um regulamento
baseado no sistema de Auburn (trabalho em silêncio e recolhimento nas celas à noite); eram
destinadas não apenas a presos sentenciados, mas também a presos correcionais, mendigos,
vadios, menores e escravos fugitivos. (CARVALHO FILHO, 2002, p.38).
8.4. Re-inserção social pelo trabalho: mito e realidade
Para Milchel Foucault, as finalidades da prisão são uma utopia, porque o seu
fundamento é a segregação e a utilização do poder como forma de dominação das massas.
Não vislumbra eficácia social num sistema assim. Para o autor, prisão reproduz um modelo
que garante o funcionamento automático do poder.
84
Em sua concepção, o trabalho configura-se como um instrumento de transformação
do infrator em uma peça útil, cujo salário constitui uma “ficção jurídica”, na medida em que
não representa uma recompensa por sua produção, mas uma “técnica que se supõe eficaz”
como meio de correção:
A utilidade do trabalho penal? Não é um lucro; nem mesmo a formação de uma habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder, de uma forma econômica vazia, de um esquema da submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção (2003, p.204).
Não obstante a crítica mordaz que norteia a análise foucaultiana, se não há como
zerar os índices de criminalidade, é necessário, no mínimo, mantê-los em níveis toleráveis,
aprimorando os mecanismos voltados à reabilitação social do apenado.
Sob este aspecto, o trabalho do preso teria importância fundamental. Entretanto, não
é o que acontece, pelo menos no Brasil, porque as atividades de trabalho são atribuídas em
sentido contrário aos fins sociais, agravando os problemas da prisão e gerando inúmeras
polêmicas em torno do assunto.
O cumprimento das penas privativas de liberdade no Brasil foi regulamentado pela
Lei 7210/84, Lei de Execuções Penais (LEP) que traz, entre suas disposições, regras que
disciplinam o trabalho do preso. Entretanto, há uma distância significativa entre as
disposições legais e a realidade.
Segundo a Lei de Execuções Penais, o trabalho do preso deve ser pautado em alguns
critérios como, por exemplo, ter finalidade educativa e produtiva, ser remunerado, jornada
normal de trabalho de 6 a 8 horas diárias com descanso nos domingos e feriados, desconto de
um dia de pena para cada três dias de trabalho (remição da pena).
Cumpre consignar que Constituição Federal vigente veda, como cláusula pétrea, o
trabalho forçado, em seu artigo 5º inciso XLVII. O trabalho do preso é obrigatório, conforme
a regra do inciso V do artigo 39 da LEP, que dispõe sobre os deveres do preso. Se ele não
85
trabalha, perde os benefícios da remição, salvo o preso provisório e o preso político, para os
quais o trabalho não é obrigatório.
Mas a atribuição de trabalho, sua remuneração, previdência social, proporcionalidade
entre o tempo de trabalho, descanso e recreação também estão previstos entre os direitos
estabelecidos aos presos pela mesma Lei em seu artigo 41.
O artigo 39 do Código Penal brasileiro dispõe sobre o trabalho do preso que deve ser
sempre remunerado e sobre o direito de usufruir dos benefícios da Previdência Social. No
mesmo sentido, a Lei de Execuções Penais em seu artigo 41, inciso II, estabelece que
constitui um direito do preso a atribuição de trabalho e sua remuneração. Portanto, o trabalho
é um dever do Estado e um direito/dever do preso.
Àqueles que trabalham, os valores recebidos devem ser utilizados na seguinte ordem:
primeiro, para indenizar a vítima; segundo, o Estado; terceiro, sua família; quarto, para seu
uso pessoal. Do que restar de seu salário, em regra, não inferior a ¾ do salário-mínimo, fica
como pecúlio. Mas, na realidade, o que efetivamente motiva o preso a trabalhar é a
possibilidade de remição.
Os artigos 31 a 37 da Lei de Execuções Penais disciplinam de que maneira deve ser
realizado este trabalho. O artigo 32 dispõe que, ao se atribuir a atividade laboral ao apenado,
devem ser consideradas suas habilidades pessoais, suas condições físicas, as necessidades
futuras do preso, ao deixar o sistema e as oportunidades oferecidas pelo mercado. No entanto,
esta é a teoria. Na prática, é muito diferente.
Em tese, o trabalho deveria ser um item importante no processo de recuperação do
infrator, uma terapia, preparando-o para sua reintegração no mercado de trabalho quando
recuperar a liberdade. O trabalho deveria ser aplicado visando-se a desenvolver no preso a
idéia de resgatar sua dignidade. Entretanto, as atividades relacionadas ao trabalho, hoje,
86
aumentam o sentimento de injustiça, não desenvolve habilidades profissionais, é mal pago e
pouco valorizado. Com raras exceções, não leva em conta as habilidades pessoais do apenado.
Os percentuais apontados pelas estatísticas de 2004, realizada pela FUNAP,
Fundação de Amparo ao Preso, são reveladores desta realidade. Da população carcerária do
Estado de São Paulo, considerada naquele período, 42% não trabalhavam. Dos que
trabalhavam, a metade recebia remuneração de até R$ 20,00 por mês. Apenas 5% recebiam
salário entre R$ 81,00 e R$ 120,00.
O trabalho, nas condições em que vem sendo aplicado, suscita hipótese de
exploração econômica dos presos por parte das empresas que contratam estes serviços. Há
denúncias de que, em muitos casos, não há sequer o cumprimento de regras mínimas de
segurança e de salubridade, ensejando violação clara ao princípio da dignidade humana. Em
tais condições, não há que se falar em re-inserção social pelo trabalho. O que motiva o preso a
trabalhar não são as perspectivas futuras, mas a possibilidade de remição da pena.
87
IV. ANÁLISE DE CASO: PENITENCIÁRIA DE ASSIS – SP.
Com a finalidade de comprovar a hipótese de ser a prisão no Brasil uma pena
meramente retributiva, procurou-se empreender pesquisa empírica em uma unidade
penitenciária, elegendo-se, para tanto, a Penitenciária de Assis como parâmetro.
Os estudos iniciaram-se no ano de 2004, envolvendo aproximadamente 10% da
população carcerária e 10% dos funcionários públicos em atividade, visando a apurar os
diversos aspectos relacionados ao funcionamento do sistema carcerário, seus mecanismos de
reintegração social, o perfil e a origem dos apenados, suas perspectivas futuras e os efeitos da
prisão sobre os encarcerados, bem como o olhar do funcionário público e da comunidade
penitenciária a respeito do sistema como um todo.
1. Primeiro olhar
Após a leitura do trabalho de Michel Foucault, tudo o que possa estar posto em
referência às instituições sociais lembra sua perspectiva acerca do exercício do poder e de
suas práticas disciplinares.
No primeiro passo para adentrar uma penitenciária, o pensamento parece ouvir uma
voz distante: “instituições austeras e completas”. Muralhas, torres, vigias armados. Tudo
lembra o panóptico de Bentham, citado por Foucault (2003, p.165), com seus mecanismos de
vigilância para tornar o corpo “dócil e útil”. Tudo e todos funcionando, numa atividade
88
constante, de forma análoga a todas as instituições que se desenvolveram do século XVII até
o XIX, sejam hospitais, escolas ou prisões.
O primeiro contato é com um agente público que fica na primeira portaria: uma
construção de aproximadamente dois metros quadrados com uma janela aberta, sem grades,
ladeada por dois portões fechados a cadeados.
Um agente penitenciário, educadamente, atende ao visitante e entra em contato, via
interfone, com o interior do presídio, pedindo autorização para a entrada. Mais uma vez, o
pensamento pode viajar em Foucault: “será que este olhar tudo vê?”.
Os cadeados do portão são abertos e o visitante segue caminhando por uma distância
aproximada de duzentos metros até uma segunda portaria. O tempo e o espaço são suficientes
para vir à memória a desastrosa ação policial que, em 1992, no pavilhão 9 do Complexo
Penitenciário do Carandiru, resultou na morte de 111 detentos, evento mundialmente
divulgado como o “Massacre do Carandiru”, a exemplo de tantas outras tragédias que
ocorrem no interior dos estabelecimentos prisionais do Brasil.
Outro portão de ferro. Este com uma abertura bem menor do que a da primeira
portaria. Outro agente penitenciário abre os cadeados viabilizando a entrada a um pequeno
espaço, em que se consegue o mínimo movimento. Detector de metal. Tudo aciona um agudo
estridente-cacofônico: brinco, pulseira, anel e todos estes metálicos adornos femininos que,
depois da primeira experiência, acabam sendo abolidos. Depois deste segundo obstáculo, o
visitante passa por um setor de identificação, onde se é mais uma vez atendido por
funcionários públicos, que cumprem seus papéis.
A presença de torres e muralhas induz a uma viagem imaginária que vai dos
Rasphuis de Amsterdan às Casas de Correção de Gand, lembrando as frases de Vigiar e
Punir: “instituições austeras”, “punição generalizada”, “vigilância hierárquica”, “sanção
normalizadora”. Um grande caminho de poucos metros, muitas fobias e inúmeras indagações.
89
2. Criação da instituição
Segundo registros da unidade, a “Penitenciária de Assis”, foi inaugurada em 07 de
novembro de 1991, durante a gestão do Governador Luiz Antonio Fleury Filho e do Prefeito
Romeu José Bolfarini, idealizada como “Casa de Detenção de Assis”.
Inicialmente, visava à custódia de presos provisórios da região de Assis até
julgamento final. Entretanto, nunca cumpriu a finalidade de somente custodiar presos
provisórios, sendo utilizada como Penitenciária desde a sua inauguração, em razão da
superlotação dos estabelecimentos carcerários do Estado de São Paulo.
Apenas em 1998, por meio do decreto nº 43.277, que tratava da reorganização do
Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo, assinado pelo governador Mário Covas, a Casa
de Detenção passou a ser denominada “Penitenciária de Assis”.
Classificada como instituição de segurança máxima, é destinada, desde então, a
condenados à pena de reclusão em regime fechado. A capacidade do estabelecimento é para
custodiar aproximadamente 750 apenados, assim como o projeto das demais penitenciárias
compactas no Brasil.
3. Perfil do apenado
É necessário despir-se de qualquer idéia pré-concebida tendenciosa à generalização,
quando a questão está relacionada ao complexo universo que envolve o sistema penitenciário.
90
Todos os que estão envolvidos nesta rede de relações têm histórias, experiências, trajetórias e
perspectivas individuais e diferentes entre si, tanto no que se refere aos agentes públicos,
quanto aos presidiários.
No tocante ao perfil do preso da Penitenciária de Assis, características interessantes
podem ser analisadas. Em primeiro lugar, destaca-se que a capacidade do estabelecimento é
para abrigar setecentos e cinqüenta presos.
Atualmente, como reflexo do aumento constante da população carcerária em todo o
país, a Penitenciária de Assis abriga aproximadamente um mil, cento e trinta e um apenados,
administrados por duzentos e oitenta e dois funcionários, de acordo com o relatório de dados
consolidados do programa de reintegração social da unidade no mês de agosto de 2007.
Conforme se pode observar, este número ultrapassou de forma assustadora a
capacidade do estabelecimento. Ou seja, é um campo minado que pode explodir a qualquer
momento, a exemplo do que tem ocorrido na maioria das prisões brasileiras.
Quanto à origem dos apenados, a grande maioria dos entrevistados, 49,5% são
procedentes da grande São Paulo; 30,3% são originários do interior paulista; 11,1%, do litoral
do Estado de São Paulo; 4% originam-se de outros Estados, como Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Paraná e Rio de Janeiro e apenas 5% são da própria cidade de Assis, o que sugere que
a maioria dos sentenciados está segregada de seus vínculos familiares.
91
3.1. Situação processual
Michel Foucault (2003, p.223) afirma, em Vigiar e Punir, que “a prisão é um duplo
erro econômico: diretamente pelo custo intrínseco de sua organização e, indiretamente, pelo
custo da delinqüência que ela não reprime”.
A pesquisa comprova este postulado: 49,5 % dos presos da Penitenciária de Assis
são reincidentes, percentual aproximado do resultado obtido pela estatística oficial realizada
no sistema prisional do Estado de São Paulo, que é de 42%.
Muito embora 50,5 % da população carcerária de Assis tenham se declarado como
sendo réus primários, é necessário considerar que nem todos os presos têm conhecimento de
sua situação processual, sendo que uma parcela considerável não sabe, sequer, quanto tempo
de pena ainda resta para cumprir.
Situação processual %
Réu primário 50,5
Reincidente 49,5
3.2. Trabalho antes da prisão
Questionados sobre a atividade de trabalho antes de serem presos, a maioria
esmagadora dos apenados entrevistados, ou seja, 82,8 %, responderam que exerciam alguma
atividade laboral anteriormente à sua entrada no cárcere.
92
Entretanto, tais resultados parecem contraditórios considerando que,
aproximadamente 90 % dos casos de prisão na Penitenciária de Assis, resultaram de crimes
contra o patrimônio, como roubo, furto, estelionato, apropriação indébita e receptação.
Considerando que 50 % dos entrevistados responderam que o principal fator que leva
alguém à prática criminosa é a baixa-renda e o desemprego, as respostas parecem mais
paradoxais ainda, principalmente num país em que o índice de desemprego atinge proporções
alarmantes, como é o caso do Brasil.
Conforme os dados da Secretaria de Administração Penitenciária relativos ao Estado
de São Paulo, 59 % dos delitos julgados em 2004 estavam relacionados a crimes praticados
contra o patrimônio. Muito embora nem todos os desempregados procurem o caminho do
crime, é de conhecimento geral que a carência de empregos no país é um dos principais
fatores ligados à criminalidade.
3.3. Grau de escolaridade
O problema da educação no Brasil não está apenas relacionado ao acesso à escola,
mas também à qualidade do ensino oferecido, tanto em nível de ensino fundamental e médio,
quanto superior.
A criminologia aponta a educação, ao lado do desemprego e da baixa-renda, como
um dos principais fatores que contribui para a criminalidade. Não é de causar espanto o fato
de que 83% da população carcerária paulista tenham apenas o ensino fundamental.
Entretanto, é preciso lembrar que algumas idéias disseminam-se no meio social e
tendem a ser generalizadas. Uma das mais comuns está relacionada à questão das
93
comunidades marginais das favelas. Não se pode ignorar o fato de que das favelas saem
grande parte daqueles que compõem a comunidade carcerária, mas é lá também que mora a
enorme massa operária que constrói este país.
Se os morros produzem trombadinhas e viciados comandados pelos traficantes, a
classe média também produz outros tantos. Entretanto, a Justiça Penal no Brasil pune com
rigor as classes marginalizadas, deixando muitas vezes impunes aqueles que se beneficiam de
uma melhor condição sócio-econômica e também cultural.
Na Penitenciária de Assis, os resultados apurados entre os entrevistados
demonstraram que, embora 19,2% dos entrevistados tenham iniciado o II grau, somente 5%
deles concluíram o ensino médio. A maioria dos entrevistados, 49,5%, não chegaram a
terminar a 8ª série, conforme se observa no quadro abaixo:
Grau de escolaridade %
Analfabeto 6
I Grau completo 15,2
I Grau incompleto 49,5
II Grau incompleto 19,2
II Grau completo 5
Superior incompleto 4
Superior completo 1
A pesquisa apurou um dado estatístico interessante: quatro dos entrevistados
iniciaram um curso superior, sendo que um deles concluiu a graduação. Esta informação
contraria a visão preconceituosa de que só pobre, negro e analfabeto praticam crimes, mas
confirma a tese de que é esta a parcela da população que vai para a prisão.
94
3.4. Rotina dos internos
A Penitenciária de Assis, a exemplo do que ocorre com a maioria dos
estabelecimentos prisionais do Brasil, depara-se com o problema da superlotação. Sua
população hoje ultrapassa em centenas a capacidade para abrigar setecentos e cinqüenta
apenados.
É de conhecimento geral que a prisão, em regra, gera nos presos muita revolta, incita
a violência, gera grupos dominantes e dominados. Há violência generalizada, instaura-se um
clima constante de tensão, uma ameaça velada, não só entre os apenados, mas também entre
estes, os funcionários e dirigentes.
Não há dados oficiais disponíveis referentes às fugas e às rebeliões ocorridas na
unidade de Assis. Informação extra-oficial dá uma idéia do grau de violência que existe na
prisão. Segundo se pôde apurar das entrevistas, em uma das revoltas, integrantes de uma
facção da população carcerária serrou a cabeça de um colega “dedo-duro”, que foi usada para
simular uma bola, como em um jogo de futebol, sob o aplauso dos demais integrantes do
grupo.
A estrutura carcerária no Brasil não gera um sentimento de confiabilidade, e provoca
extrema insegurança tanto nos presos, quanto nos funcionários. A sociedade, diante dos altos
índices de criminalidade, passa a exigir do poder público uma atuação mais efetiva, tendendo
a uma crença de que se o sistema for mais austero e rigoroso, o problema da criminalidade
será resolvido. Mas, a solução não é tão simplista assim, haja vista que, no Estado de São
Paulo, o maior índice de reincidência se dá no Regime Disciplinar Diferenciado (48%), o
mais rígido do nosso sistema penal. A administração da Penitenciária de Assis tem
consciência desta problemática.
95
O programa de reintegração social do estabelecimento conta com um corpo de sete
psicólogos, três estagiários de Psicologia e seis assistentes sociais. Estes profissionais se
desdobram, sob a orientação do diretor do departamento, para dar um atendimento adequado
aos apenados. Estudam, elaboram projetos e desenvolvem programas, visando a oferecer
melhores condições para atender às finalidades sociais da pena previstas pela nossa legislação.
Apesar da incansável disposição destes agentes públicos, os projetos são
praticamente inviáveis diante da superlotação e dos escassos recursos humanos e materiais
para a concretização dos programas. Em título exemplificativo, a tabela abaixo ilustra os
atendimentos referentes ao mês de agosto de 2007:
Ações continuadas Nº de
presos
atendidos
Procedimentos de inclusão 120
Entrevistas de inclusão 120
Atendimentos a demandas subjetivas 90
Atendimentos a demandas sociais 180
Encaminhamento à Educação 6
Encaminhamento ao Jurídico 40
Encaminhamento à Saúde 14
Proposição de terapêutica prisional 8
Trabalho interno e externo 20
O departamento desenvolve também ações dirigidas aos familiares, como
convalidação de vínculo afetivo, orientação para guarda dos filhos, providências relacionadas
ao registro de nascimento dos filhos, reconhecimento de paternidade, colocação dos filhos em
família substituta, orientação para inclusão em programas sociais e intermediação de vínculos
de uma maneira geral.
96
Entretanto, a carência de recursos humanos e financeiros inviabiliza qualquer projeto
destes profissionais. Para o Estado, basta que os infratores sejam “deportados” da sociedade.
Não obstante o empenho da diretoria de reintegração social da “Penitenciária de Assis”,
observa-se que o descaso dos governantes não instrumentaliza seus projetos.
No que diz respeito ao trabalho, no início da pesquisa, cinco empresas privadas
ofereciam aos presos trabalho remunerado por produção. Em média, os sentenciados recebiam
uma remuneração mensal que variava de R$ 30,00 a R$ 120,00. Não se pode dizer que era
este salário o fator que motivava o preso ao trabalho. O que efetivamente os estimula a
exercer tais atividades é a possibilidade de remição da pena. Segundo o diretor de
reintegração social, evita-se, ao máximo, deixar o preso sem atividade, pois o ócio aliado à
superlotação é um dos principais fatores que inviabiliza os projetos voltados à reintegração do
preso à sociedade. A pesquisa demonstrou que a grande maioria dos entrevistados realmente
exercia alguma atividade laboral na Penitenciária de Assis:
Trabalho do preso %
Exerce algum tipo de trabalho na prisão 81,63
Não exerce nenhuma atividade laboral 16,33
Hoje, apenas 41,4 % dos entrevistados exercem algum trabalho na penitenciária.
Talvez, estes resultados sejam a conseqüência do afastamento de quatro das cinco empresas
que contratavam esta mão-de-obra na Penitenciária de Assis.
O desligamento das contratantes se deu em decorrência das rebeliões ocorridas no
ano de 2006 que resultou em graves prejuízos materiais tanto para as empresas quanto para a
Administração do estabelecimento.
A única empresa que, atualmente, contrata o trabalho dos presos de Assis é a
“Regina”, empresa do ramo de fabricação de artigos para festas, que oferece oportunidades
para aproximadamente cento e cinqüenta apenados.
97
A Fundação Nacional de Amparo ao Preso (FUNAP) administra os trabalhos
executados pelos sentenciados em título de remição de pena. As opções oferecidas no
estabelecimento são as seguintes:
Trabalho do preso entrevistado %
“Regina” 9
Artesanato 7
“Amigo da escola” 6
Limpeza da escola 4
Horta 2
Cozinha 2
Biblioteca 1
Jardinagem 1
Espécie de trabalho não relatada 9,1
Em depoimento pessoal, uma das psicólogas do estabelecimento afirmou ser preciso
resgatar no preso a crença de que existe nele algo além do criminoso e o trabalho é um item
importante neste processo. Afinal, quando o infrator é autuado em flagrante por furto, por
exemplo, várias vezes é chamado de “ladrão”: algumas vezes, por agentes públicos
despreparados para o trato com os infratores, outras, pela população e, finalmente, por sua
sentença condenatória que o declara “criminoso”. Se o sistema penitenciário continuar a tratá-
lo como “bandido”, fatalmente ele retornará à liberdade e praticará novas condutas
criminosas.
De acordo com os dados levantados, 91% dos entrevistados, entendem que os cursos
e trabalhos executados na prisão podem ajudar na reintegração social quando recuperarem sua
liberdade.
98
Entretanto, a população carcerária de Assis tem consciência de que, ao deixar a
estrutura prisional, sofre preconceitos por parte da sociedade. Esta é a visão de 93 % dos
entrevistados.
Indagados sobre a forma de uso da remuneração recebida pelo trabalho exercido, a
maioria respondeu gastar o salário com despesas pessoais. Tal resposta não poderia ser
diferente, considerando os valores recebidos. Uma pequena porcentagem, 2%, informou
investir em “associações”.
Embora não se tenha informação oficial por parte da administração, tampouco uma
declaração expressa por parte dos presos, sabe-se que quase que a totalidade da população
carcerária é afiliada ao PCC, para o qual pagam uma “mensalidade”.
Além das atividades relacionadas ao trabalho, os internos têm acesso ao ensino
médio e a cursos profissionalizantes mantidos pela FUNAP, como de garçons, padeiros,
idiomas, culinária, datilografia, informática, música e carteiro.
Fora dos horários de trabalho e de estudo, são disponibilizados dois horários diários
destinados a atividades de lazer. Embora alguns cursos sejam disponibilizados aos apenados,
parece que o estudo exerce menos motivação do que o trabalho para o preso.
De acordo com os dados levantados, cinqüenta e três dos presos entrevistados
freqüentam cursos na prisão.
Embora o percentual indique que a maioria se envolve em atividades relacionadas à
educação, 46,5 % desta população não se motivam aos estudos, muito embora a parcela
majoritária dos entrevistados, entenda que os cursos e trabalhos executados na prisão podem
ajudar na sua re-inserção social.
Além destes instrumentos, a assistência religiosa também é oferecida na
Penitenciária de Assis. Indagados sobre a religião que freqüentavam anteriormente à prisão, a
maioria respondeu que eram católicos, conforme se verifica pelos resultados obtidos:
99
Religião que freqüentavam antes da prisão %
Budismo 1
Catolicismo 54,5
Espírita 7
Judaísmo 1
Protestantismo 22,2
Umbanda/Candomblé 4
Não professava religião 10,3
Em regra, as igrejas católica e evangélica são as que mais prestam atendimento à
população carcerária. Entretanto, apenas 37,4 % dos entrevistados se inseriram nas pastorais e
outros programas de atendimento religioso oferecidos na Instituição. O número daqueles que
deixaram de professar suas respectivas religiões é bastante elevado e representa 62,6 % das
respostas.
4. DIFERENTES OLHARES SOBRE OS MESMOS PROBLEMAS
No início da pesquisa, foram propostas algumas questões comuns a funcionários e
apenados, guardando-se a proporção de 10% entre os dois grupos entrevistados. Observaram-
se alguns pontos convergentes e outros em que os olhares se diferem no que diz respeito ao
sistema prisional.
100
4.1. Instituição carcerária
De início, procurou-se avaliar o grau de importância atribuído pelos funcionários e
pela população prisional no que diz respeito a algumas medidas, visando à melhoria do
sistema penitenciário enquanto instituição.
Em primeiro lugar, foi proposta a exigência de II Grau completo como requisito
mínimo para ingresso na carreira de agente penitenciário. Ocorre tratar-se de uma medida que
já foi adotada pela Secretaria de Administração Penitenciária. Entretanto, apenas 15,38 % dos
funcionários observaram que essa medida já era vigente. Os percentuais são aproximados,
demonstrando opiniões convergentes entre os dois grupos. A maioria dos funcionários (64,1
%) e apenados entrevistados (66,33 %) concorda que medida é necessária e urgente.
Com relação à implantação de um Conselho Penitenciário, nos moldes dos artigos 69
e 70 da LEP, com finalidade de inspecionar os estabelecimentos penais e fiscalizar a execução
da pena privativa de liberdade, também a opinião majoritária em ambos os grupos é de que se
trata de uma medida necessária e urgente, no sentido de proporcionar uma ampliação da
estrutura funcional do sistema prisional, instrumentalizando o processo de recuperação do
apenado, através de pessoal qualificado e condições materiais essenciais ao trabalho.
Apenas 7% dos funcionários entrevistados manifestaram-se no sentido de que tal
Conselho já existe, tendo havido uma observação de um deles de que “existe, mas não
funciona”. Tal medida é de interesse tanto dos funcionários, quanto da população carcerária
de Assis. Entretanto, um percentual maior de apenados (79,6 %) do que de funcionários
(61,53 %) observa a urgência e necessidade de sua implantação.
Talvez os apenados vejam neste Conselho um dos poucos procedimentos que possam
ter efetividade no sentido de fiscalizar o cumprimento de suas penas, já que o grupo seria
101
formado por membros da comunidade, em conjunto com professores e profissionais da área
de Direito Penal, Processual Penal e Penitenciário, segundo disposição da LEP.
Outra proposição feita aos entrevistados dizia respeito ao desenvolvimento de um
programa de informatização ligando o sistema penitenciário, o Ministério Público e o Poder
Judiciário, no sentido de agilizar as informações entre os três órgãos da execução penal.
Também houve comunhão de idéias entre os funcionários e os encarcerados. A maior parte
dos dois grupos, 84%, entendeu tratar-se de medida necessária e urgente.
Atualmente, 52,5 % dos presos entrevistados não fizeram exame para progressão.
Dos que já fizeram, 47,5 % estão aguardando decisão judicial para concessão do benefício ou
aguardam vagas no regime semi-aberto.
Para os funcionários, esta informatização é importante no sentido de agilizar o
serviço prestado pelos agentes públicos que atuam na administração do presídio. Para os
presos, a medida pode beneficiá-los no sentido de que as decisões proferidas tanto pelo
Ministério Público, quanto pelo Poder Judiciário, no que diz respeito à execução de suas
penas, chegariam imediatamente até o estabelecimento prisional.
A proposição referente à promoção de cursos de reciclagem e aperfeiçoamento dos
diretores e agentes penitenciários, com ênfase nos Direitos Humanos, revelou que a medida
interessa mais aos presos (74,49 %) do que aos funcionários (53,85%), embora a porcentagem
da população carcerária que entende ser a medida desnecessária seja maior entre os presos
(9,18%) do que entre os funcionários (5,12%). Talvez este percentual represente a parcela dos
apenados quase que totalmente descrentes de que algo possa melhorar no sistema quando se
depende da atuação estatal.
102
4.2. Garantias asseguradas pela Lei de Execuções Penais
Num segundo grupo de questões, buscou-se observar o posicionamento dos dois
grupos no que diz respeito a algumas garantias constitucionais e estabelecidas pela LEP aos
apenados.
Em todas as proposições, a diferença percentual dos funcionários e presos, no tocante
à urgência e necessidade da medida, é visivelmente indicativa de que a ótica dos funcionários
é de que o sistema deve ser mais rígido, enquanto que a posição dos presos é de reivindicação
de seus direitos.
Quanto ao atendimento médico e psicológico, a Lei de Execuções Penais, em seu
artigo 14, dispõe sobre o direito do preso à assistência à saúde. A população carcerária da
Penitenciária de Assis é assistida por um grupo de quatro médicos, um dentista, uma
enfermeira e sete psicólogos profissionais concursados pelo Estado.
Dos problemas de saúde citados pelos apenados, destacam-se os seguintes:
Deficiências de saúde %
Não têm problemas de saúde 37,4
Problemas respiratórios 13,1
Problemas digestivos 12,1
Problemas dermatológicos 11,1
Problemas emocionais 11,1
Problemas circulatórios 6
Problemas nos ossos e coluna 3
AIDS 3
Problemas cardíacos 1
Problemas oftalmológicos 1
Problemas renais 1
103
Indagados sobre a assistência médica e psicológica, 92 % dos apenados entrevistados
entendem que o atendimento deve ser aprimorado.
Quanto ao desenvolvimento de programas de trabalho e cursos profissionalizantes,
apurou-se que a maioria da parcela entrevistada da população carcerária de Assis, 91,4%,
vêem no trabalho e nos cursos oferecidos pela Instituição, uma medida capaz de proporcionar-
lhes um retorno à sociedade como cidadãos aptos a ingressarem no mercado de trabalho.
Entretanto, conforme apresentado anteriormente, apenas 41,4 % dos apenados realmente
trabalham na prisão.
No que diz respeito à garantia de acesso ao ensino fundamental, a assistência
educacional assegurada aos presos está disciplinada nos artigos 17 a 21 na LEP. A unidade de
Assis, neste aspecto, é atendida por professores da FUNAP. Neste ponto, 53,85% dos
funcionários e 80,61% dos presos entendem tal acesso ser necessário e urgente.
Para o preso, o acesso à educação é visto como instrumento que pode auxiliá-lo no
seu processo de reintegração social quando retornar à liberdade, a exemplo do que ocorre com
o trabalho.
Quando as entrevistas passaram a tratar dos programas de lazer, as respostas obtidas
dos funcionários mais uma vez acusaram que este grupo entende que o sistema da execução
penal deve ser mais rigoroso.
É comum ouvir-se agente penitenciário dizer que “preso é folgado, não quer
trabalhar e ainda quer lazer, enquanto muitos pais de família, trabalhando honestamente, não
conseguem oferecer as suas famílias todas as regalias que o apenado tem nas prisões”.
Segundo o diretor de reintegração social da unidade, são oferecidos diariamente dois
horários com atividades de lazer. Os presos podem desfrutar destas atividades, desde que não
estejam em horário de estudo ou trabalho.
104
Esta medida alivia a tensão entre os presos. Observando os números, nota-se uma
diferença gritante de posicionamentos entre os dois grupos. Indagados sobre a necessidade e
urgência da medida, 74,49 % dos apenados atribuem grande importância ao desenvolvimento
de programas de lazer, enquanto que apenas 10,26 % dos funcionários compartilham a mesma
opinião.
4.3. Corrupção no sistema penitenciário
A questão proposta não visou a apurar se há ou não corrupção na Penitenciária de
Assis, mas sim avaliar se as medidas de fiscalização e combate à corrupção são entendidas
como necessárias pela população carcerária e pelos agentes públicos.
Aqui, observa-se uma inversão: é maior o número de funcionários do que de presos
que entendem tais medidas como necessárias e urgentes. A maioria esmagadora dos agentes
públicos entrevistados, 97,44%, entende necessário e urgente abolir a corrupção do sistema
prisional.
Entre os apenados, existe um número significativo dos que entendem ser a medida
desnecessária (19,39 %), representando a parcela da população carcerária que tem interesse
em que a corrupção se mantenha viva no sistema para garantir seus interesses dentro do
estabelecimento prisional.
A corrupção, na estrutura da prisão no Brasil, de uma maneira geral, é um poderoso
aliado dos líderes das facções que se constituem dentro da comunidade carcerária. O dinheiro
e as vantagens são oferecidos aos funcionários públicos em troca de alguns favores. Este
105
elemento constitui um dos principais fatores pelo qual a prisão não recupera o infrator, mas
aperfeiçoa-o na prática criminosa.
4.4. Fatores da criminalidade
Apesar de 89,8 % dos apenados terem sido criados junto às respectivas famílias,
13,26 % dos entrevistados afirmam que a má estrutura familiar é o principal fator que leva
alguém à prática criminosa. A metade deles entende que o desemprego e a baixa renda são os
grandes responsáveis pela criminalidade. Contrariamente à posição deste grupo, 43,59% dos
funcionários atribuem à falta de estrutura familiar o principal vetor da prática criminosa.
É possível que uma das principais causas que levam as pessoas a praticarem
infrações seja a desestrutura familiar. Um percentual importante, 24,1 % dos presos
entrevistados, não teve convivência familiar durante a infância e adolescência, sendo que 11,1
% deles passaram pela FEBEM.
Mas é indiscutível também que um dos principais fatores do alto nível de
criminalidade é o desemprego e deste, um mercado de trabalho cada vez mais exigente. Neste
contexto, aqueles que não tiveram acesso à cultura e à educação adequadas, para atender a tais
exigências, são condenados ao desemprego e muitos deles acabam se tornando infratores.
Claro: nem todos os desempregados praticam crimes.
Indagados sobre os crimes já praticados, observa-se um percentual importante de
crimes praticados contra o patrimônio e mediante violência contra a pessoa, conforme se pode
observar com as respostas abaixo relacionadas:
106
Crimes % de
crimes
praticados
pelos
apenados
Roubo 55,5
Porte de arma 33,3
Furto 24,2
Tráfico de entorpecentes 21,2
Latrocínio 14,1
Homicídio 11,1
Receptação 9,1
Estelionato 4
Extorsão mediante seqüestro 2
A este respeito, Olney Queiroz Assis (2002, p.540), em Estoicismo e o Direito:
Justiça, Liberdade e Poder, afirma que, na sociedade capitalista, somos apenas uma força de
trabalho. Portanto, podemos ser considerados “produtos descartáveis”, quando não atendemos
às necessidades de otimização de produção e maximização de resultados:
Estamos inseridos em um mundo paradoxal do excesso e da escassez que é, ao mesmo tempo, barbárie e civilização. A imensa concentração de riqueza, além de sustentar o luxo de uma determinada classe social, financia formas catastróficas de desperdício: as aventuras imperialistas, as guerras, a contaminação ecológica, a destruição da natureza. Mas não podemos sucumbir a essa realidade. Não chegamos ao estágio final da evolução da humanidade. A crise pode não ser apenas do paradigma científico mas de um certo modo de produção que já esgotou todas as suas possibilidades.(2002, p. 540).
As instituições sociais são espelhos do meio social e a falência do sistema carcerário
é um dos reflexos da crise dos paradigmas da sociedade capitalista moderna, que leva a um
modelo de exclusão social e de criminalidade de proporções alarmantes.
107
4.5. Assistência psico-social às famílias dos presos
A maioria do grupo dos presos entrevistados, 64,28% deles, manifestou preocupação
com atendimento psicológico às respectivas famílias. Desta forma, interpreta-se que, para esta
parcela da população carcerária, a família continua sendo o centro de seu processo de
reeducação social.
O percentual de presos entrevistados que julgam a medida desnecessária é quase o
mesmo dos que revelaram problemas na estrutura familiar (14,28%). A grande maioria
entendem a urgência e necessidade da medida.
Importante observar que um número importante de funcionários considera tal
medida desnecessária, ou seja, 17,95%.
4.6. Dignidade humana nas revistas em dias de visitação
Como resultado da corrupção que alimenta as facções que se formam dentro da
comunidade carcerária, surge uma guerra velada, uma concorrência de forças que envolvem
os presos e os agentes públicos que não se corrompem. Esta observação é válida de uma
maneira geral para todos os estabelecimentos carcerários do país.
Sob constante ameaça, é conseqüência natural que estes servidores tenham uma
tendência a intensificar a rigidez na revista, até mesmo por exigência da própria
Administração Penitenciária, que por sua vez está sendo sempre observada pela mídia,
denunciando constantemente a entrada de armas, celulares e substâncias entorpecentes nos
108
estabelecimentos prisionais do país, transportadas pelas visitas de familiares, amigos,
advogados e religiosos.
Em razão de tais circunstâncias, os excessos funcionais praticados pelos funcionários
públicos, ao fazer a revista nos visitantes dos apenados, muitas vezes acabam tipificando
violações ao princípio da dignidade humana, vitimizando, em alguns casos, aqueles
integrantes do círculo de relações dos presos que não mantêm envolvimento com o crime.
Não se está aqui afirmando que tais fatos ocorrem na unidade em estudo. Sob este
aspecto, a pesquisa visou a apurar qual a visão dos funcionários e dos presos a respeito da
garantia de um tratamento mais digno aos visitantes.
Indagados sobre a garantia de que as revistas sejam procedidas com respeito à
dignidade humana e à integridade física dos visitantes, os resultados obtidos demonstraram
que 81,63 % dos apenados entendem a necessidade e urgência da adoção do princípio da
dignidade humana nas revistas aos visitantes.
A maioria dos funcionários entrevistados entendeu que tal medida é realmente
necessária, 87,5 % deles. Entretanto, um percentual importante, 12,5 % deles, entendem ser
esta uma medida desnecessária.
É preciso reverter tal postura, na medida em que o desrespeito à integridade física e
dignidade humana dos visitantes, de maneira generalizada, gera mais revolta e violência
dentro da unidade carcerária, além de em nada contribuir para o combate à corrupção. A
própria Secretaria de Administração Penitenciária admite que a garantia desses princípios e as
boas condições internas em dia de visita implicam em um maior equilíbrio e tranqüilidade na
rotina diária da prisão.
109
4.7. Classificação da população carcerária
A atual gestão da Secretaria de Administração Penitenciária tem procurado
especializar as unidades prisionais por tipo de delito. Assim, por exemplo, a Penitenciária de
Paraguaçu Paulista abrigaria em seu maior percentual os apenados por prática de homicídio, a
de Osvaldo Cruz, os condenados por estupro e atentado violento ao pudor. Em Assis, os
apenados por crimes contra o patrimônio, furto e roubo, representam a porção majoritária da
população carcerária.
Segundo informações obtidas junto à instituição, esta classificação apresenta duplo
aspecto: ao mesmo tempo em que se evita que os apenados por pequenos crimes tenham
contato com traficantes e assaltantes mais experientes, prevenindo-se a especialização na
prática criminosa, por outro lado, pode ocorrer de o apenado cumprir sua pena em um
estabelecimento prisional que dificulta, pela distância, o contato com seus vínculos familiares,
que muitas vezes pode fazer uma grande diferença em seu processo de reeducação social.
Em razão desta segregação dos vínculos familiares, um número considerável, 31,3 %
dos presos entrevistados, não recebem visitas na prisão; 19,2% recebem menos de uma vez
por mês; 29,3 % são visitados apenas uma vez por mês; 14,1% duas vezes a cada trinta dias e
somente 6 % são visitados toda semana. Daqueles que recebem visitas, 49,5% são mais
frequentemente visitados pela companheira e 24,2% pelos pais.
O ideal seria que cada unidade carcerária tivesse condições para fazer esta
classificação internamente, não só por tipo de delito, mas por grau de periculosidade e
também por reincidência/primariedade.
A classificação dos presos é importante em vários aspectos, entre os quais são
apontados como principais o fato de se evitar a chamada profissionalização do crime, a
110
diminuição da violência interna e a dificuldade de formação de facções dentro da população
carcerária. Entretanto, dada a superlotação e a precariedade das instalações na maioria das
unidades prisionais no Brasil, tal medida é impraticável.
Sobre esta questão, a maior parte dos funcionários entrevistados, 69,23 %, entende
que tais medidas são necessárias e urgentes, enquanto que um percentual importante dos
representantes da população carcerária entende que tal procedimento é desnecessário, 37,75%.
Essa postura dos presos pode ser um indicativo de que realmente a separação não lhes é
interessante, na medida em que a classificação pode diluir determinados grupos que exercem
controle e proteção no interior do cárcere.
4.8. Prisão e seus efeitos
A eficácia social da prisão no sentido de recuperação do infrator e de devolvê-lo à
liberdade em condições de convívio na comunidade são as principais finalidades das penas
privativas de liberdade previstas pela legislação penal brasileira.
Indagados sobre os efeitos da prisão, os percentuais apurados entre os entrevistados,
no que diz respeito ao combate à criminalidade, à reintegração social do apenado e às penas
alternativas, apresentaram resultados interessantes.
Nenhum funcionário, entre os entrevistados, entende ser eficaz a pena de prisão
como vem sendo aplicada. Um percentual importante (46,15 %) demonstra acreditar que o
sistema pode ser eficaz, caso torne-se mais rigoroso. Outra parcela significante dos
funcionários entende que o sistema, como está, é ineficaz, e deve oferecer melhores condições
de reintegração para o apenado (38,46 %).
111
De qualquer maneira, a postura geral dos entrevistados é de que a pena de prisão,
conforme vem sendo aplicada, não tem eficácia no combate à criminalidade e à reintegração
social do preso.
Quanto aos apenados, a grande maioria dos entrevistados vê no cárcere um
instrumento ineficaz e incompatível com suas finalidades ressocializadoras (71,43%). Apenas
uma minoria dos entrevistados considera a eficácia no sistema (11,22 %).
Com relação às penas alternativas, observa-se que os funcionários entendem que a
eficácia de um sistema punitivo depende de seu rigor. Para a maioria dos entrevistados
(61,53%), a pena alternativa não funciona de uma maneira geral, quer por ser muito leve, de
acordo com seu entendimento, quer por não haver fiscalização. Os que vêem nas penas
alternativas uma forma punitiva eficaz entendem-na eficiente somente para os crimes
praticados sem violência (28,20%).
Para os presos, as penas alternativas representam forma punitiva mais eficaz do que a
prisão. Entretanto, o “código de ética”, que vige entre os apenados por crimes praticados
contra o patrimônio, a grande maioria da população carcerária de Assis, dispõe que criminoso
violento deve ser punido com mais rigor, razão pela qual a posição majoritária é de admitir a
pena alternativa somente para os crimes praticados sem violência (40,81%).
Indagados sobre as perspectivas futuras, alguns dos entrevistados mantêm a
esperança de um amanhã promissor, com muito trabalho e longe da criminalidade como o
depoimento de um dos apenados:
Os meus objetivos: é sair e voltar trabalhar na mesma impresa que eu estava trabalhando no dia que eu vim preso num porte de arma. E cuidar da minha família, que minha família é tudo de mais precioso que eu tenho em minha vida. Porém quando eu vinho preso eu estava de carteira resistrada. O meu patrão so deu baixa na minha carteira para eu receber auxilio reclusão. Mais eu saindo meu emprego esta garantido em nome de Deus. Como eu também tenho algumas profições. Apesar de eu esta em uma prisão, mais no meu conciente eu não faço parte do crime. (sic)
112
Outros se mostram agradecidos à Instituição pelos cursos que frequentaram durante o
período de encarceramento. Acreditam que os ofícios aprendidos possam viabilizar seu
processo de reintegração social para quando recuperarem a liberdade:
Eu vou trabalha com artesanato porque agradeço muito a deus ter aprendido esta profisão. Pinto quadros e decoro vidros. Agradeço o diretor da penitenciaria (...). Faço qualquer tipo de artesanato. (sic)
Há ainda aqueles que atribuem suas condições de vida na prisão à situação financeira
que não lhes permite um acesso adequado à Justiça:
Moro na ala A cela 18 à mais de um ano. Já estou nas condições de montar um regime semi-aberto + não tenho condições financeiras de pagar um defensor particular, os da casa, não querem me ajudar + Deus é mais e quando eu conseguir sair desse lugar eu pretendo resgatar todos meus docomentos e atualizar minha carteira de motorista e trabalhar de motorista de ônibus pois é o que eu sei fazer e vou lutar para conseguir e poder cuidar da minha esposa Liliane e meus filhos que Deus me deu. Sem + só precizo de uma ajuda em nome de Jesus. Eu errei sim + já paguei pelo meu erro agora quero uma chance de provar para mim mesmo que sou capaz de viver sem querer fazer o mau para com os meus próximos. (sic)
Algumas declarações sugerem que a experiência vivida na prisão foi difícil, razão
pela qual não pretendem voltar:
Pretendo aproveita bem essa nova oportunidade e cuida de minha família e não cometer os mesmos erros. E que sirva de lição para meus filhos, pois jamais vou querer que eles passa pelo que passei e passo até hoje. (sic)
O sentimento de exclusão social e a consciência de que deixam o sistema prisional
estigmatizados pelo cárcere manifesta-se também em diversos discursos:
Eu pretendo continuar fazer o que eu fazia antes; trabalhar. Apesar que quem está entrevistando vai achar que é a mesma de sempre: “sempre eles nunca fez nada”. Mas resumindo vou continuar trabalhando mas o sistema que eu considero mesma coisa que uma faculdade do crime e que não recupera ninguém. Mas eu estou adqurindo experiência porque sei que a sociedade é bonita por fora e podre por dentro e trata nós como lixo, também não vou generalizar todos. Pretendo ser um cidadão trabalhador, mas se a “sociedade” tratar eu mal e dou a eles tratamento “vip” a eles, só que eu não sou igual a todos que anda no berço da inginorancia a cada dia que passa adquiro mais experiência, porque se um dia eu voltar para o crime não vou ser tratado como ladrão e sim como “corrupto” e isso a sociedade não vê, mas para eu chegar a esse patamar é estudando, trabalhando e adquirindo experiência. Esta é essa minha visão que eu tenho do mundo dos excluídos. (sic)
113
Outros sugerem um arrependimento em relação aos atos que praticaram e que os
levaram à prisão:
Tenho emprego fixo, mas por precisão eu dei cabeçada e estou até hoje, e sou músico e compositor e já perdi boa parte da minha vida trancado, sem poder mostrar o talento que adiquiri na infância e até hoje eu luto pra que um dia eu possa vir mostrar o meu talento quando me encontrar la fora perante a sociedade. Sem mais. Obrigado. (sic)
Nos presos de idade mais avançada, esse arrependimento vem acompanhado de um
sentimento intenso de desesperança:
Adentrei no sistema penitenciário em 22/2/1979 – saí em 4/2000 – tinha eu 19 anos – estou agora com 48 anos não vividos. Que resta-me a mais do que o prenúncio da cova. A certeza de não ter vivido e de que o que se tem a viver: é a velhice, a decreptude... Estou exaurido de todas as fantasias e sonhos que a mim se tornaram seqüelas da inconseqüência. Quero apenas vivenciar meus laços familiares, viver minha pouca vida que a tenho. Nada mais tenho ou posso perder, desperdiçar. Liberta que será tamém.O senhor será meu pastor: nada me faltará – aprendi na carne – no cerne, - a lição. (sic)
Há ainda aqueles que demonstram um alto grau de revolta contra o sistema prisional
e a sociedade de maneira generalizada. Sentem-se injustiçados e não assumem a autoria das
condutas que o levaram ao cárcere:
Pretendo conduzir minha vida ao sair do “sistema prisional” de forma progressiva e onesta. Buscar à cada dia educação, trabalhar para dar o pão de cada dia a minha casa como sempre fiz. Quero me formar em “bacharel de Direito” e futuramente poder revindicar muitos direitos da cidadania, pois nosso sistema de governo “faz as leis”. Só que diversos órgãos como por exemplo algumas “varas de execuções locais”, como essa em que encontro-me, fazem “mau” uso dessas “leis” acredito que para benefício próprio. Pos todos apresentam na mídia um “sistema penitenciário superlotado”. Sabe porque? Porque as “leis de execução penal” não são cumpridas. Não implantam educação nas cadeias, trabalhos dignos e ainda por cima nos tiram até os direitos de “presos” estarmos perto de nossos familiares. Querem reeducar alguém? Eu respondo, não querem! Muito pelo contrario, o governo quer construir mais 193 penitenciárias até o fim do ano que vem. Segundo eles para dar “início ao combate da superlotação nos presídios”. Quanto vão lucrar nestas obras superfaturadas? Alguém sabe responder se amanhã o objetivo deles não é colocar nestas unidades prisionais os meus filhos? Ou os seus Advogada? É... Os seus, você está podendo educar! Já os meus... Vou finalizar, pois até por criticas pode ser que eu venha sofrer mais retaliações nesse “sistema corupto” que é designado verbas para tudo, mas infelizmente desde que nos jogam dentro desse “inferno” nos tiram além dos direitos a dignidade e nosso liberalismo. Quem dirá nossos utilitários do dia-a-dia como: alimentação, frutas, legumes, uma caneca, uma colher, um cochão, calsa, camiseta, lençóis, sabonete, creme dental,
114
toalha. Caso trabalhe, nos roubam nossos direitos de receber ¾ do salário e INSS, que também é lei. Peço o favor a senhorita que deve conhecer estes advogados da unidade. Pois formulei pedidos de defesa que vou protocolar no fórum. Só quero que me devolvam carimbados. (sic)
Transcreve-se, abaixo, a opinião de um dos presos entrevistados que, talvez, possa,
grosso modo, resumir parte da problemática da pena de prisão:
Para que qualquer medida reeducativa atinja o objetivo desejado, é extremamente necessário que seja extirpado todo tipo de corrupção por parte do sistema penitenciário (agentes). Devem ser construídas unidades onde todos obrigatoriamente terão que trabalhar e receber pagamento justo, que o possibilite a sustentar a família. O estudo tem que ser obrigatório. Todos os que cometerem infrações dentro do sistema, precisam ter tratamento diferenciado durante todo o cumprimento da pena. Por outro lado, os que realmente querem uma oportunidade e mostram isto através do bom comportamento dentro do estabelecimento penal, devem ter como recompensa os julgamentos de benefício em prazo recorde. No regime semi-aberto deve haver continuidade de oportunidade, bem como oportunidade garantida por lei para trabalhar, estudar ou efetuar qualquer atividade lícita ao reeducando em questão, isto no seio da sociedade. (sic)
Estes depoimentos podem confirmar a hipótese de que o sistema prisional precisa
ser repensado, a fim de que sejam minimizados seus efeitos negativos, até que um dia seja
viável uma sociedade sem prisão. Este é um dos grandes desafios do sistema penal do mundo
contemporâneo, carente de novos paradigmas.
5. Último olhar
A História atravessa um período de mudanças de paradigmas nas relações de poder,
que se deve, em parte, à globalização que desestruturou o modelo sócio-político vigente. Tais
transformações demandam reflexões éticas em torno do Direito, dos valores que vigem na
sociedade contemporânea e, neste contexto, do significado da pena de prisão na realidade
social brasileira.
115
O modelo carcerário, na realidade, pune quem age corretamente, na medida em que
devolve ao meio social indivíduos especializados na arte do crime. Este é um dos grandes
paradoxos da realidade carcerária no Brasil: privar a liberdade do apenado, para depois
devolvê-lo à sociedade sem condições de ser livre.
Os resultados obtidos em Assis demonstraram os mesmos problemas existentes na
maioria das prisões paulistas: a pena de prisão não contribui para recuperar o infrator, nem
para diminuir os índices de criminalidade.
No que diz respeito à superpopulação, a realidade penitenciária assisense reflete a
realidade paulista. No início da pesquisa, a instituição abrigava aproximadamente 750
apenados. Hoje há mais de 1000 presos na unidade. O problema é agravado, considerando que
há apenas 282 funcionários na instituição e que a maior parte deles exerce funções
administrativas.
O mesmo é possível afirmar quanto ao grau de escolaridade: 83% dos presos
paulistas possuem apenas o ensino fundamental; 4% deles mal sabem escrever o próprio nome
e apenas 1% freqüentou os bancos universitários. Em Assis, apenas 24,2 % dos presos
entrevistados tiveram acesso ao II grau; 15,2% completaram o ensino fundamental e o índice
de analfabetismo também é aproximado do percentual paulista, ou seja, 6%.
Outra questão analisada foi com relação às estruturas de poder que se desenvolvem
no espaço carcerário. Os apenados não reconhecem no cárcere a autoridade do Estado.
Submetem-se à liderança dos grupos mais fortes e procuram se agregar àqueles que detêm o
poder para assegurar sua proteção.
Também no que diz respeito à reincidência, a Penitenciária de Assis reflete um
número aproximado dos índices do Estado de São Paulo. Segundo a resposta dos
entrevistados, 49,5 % deles são reincidentes. A estatística estadual aponta um percentual de
116
42 % para o regime fechado de cumprimento de pena, demonstrando que grande parte
daqueles que passam pela prisão voltam a praticar crimes, o que denuncia sua ineficácia.
Em linhas gerais, observou-se com as entrevistas que a ótica dos funcionários é de
que o sistema deve ser mais rígido para se tornar eficaz, enquanto que a postura dos apenados
é de reivindicação de seus direitos. Nenhum entre os funcionários entrevistados entende ser
eficaz a pena de prisão nos moldes em que vem sendo praticada.
Há o entendimento geral de que diminuir a superlotação carcerária é uma das mais
urgentes medidas necessárias para amenizar os efeitos negativos da segregação. Inicialmente,
é necessário reservar prisão somente para aqueles casos em que realmente a prisão seja
imprescindível e, para estas hipóteses, criar instrumentos capazes de minimizar seus
resultados nocivos.
Se, por um lado, é necessário reservar a prisão apenas para aqueles crimes em que
não haja outra forma punitiva aplicável, por outro, é necessário reavaliar os seus mecanismos
pedagógicos para os casos em que ela seja inevitável. De nada adianta manter infratores
presos se o cárcere não propicia condições mínimas de atendimento às finalidades sociais da
pena.
Defende-se a idéia de que é necessário combater a superlotação carcerária.
Entretanto, é preciso consignar que não basta criar novas penitenciárias. É necessário reduzir
o número de infratores que são encaminhados e mantidos nas prisões, com um melhor
acompanhamento de execução da pena, haja vista que há casos em que, mesmo cumprido o
tempo de segregação, o apenado continua encarcerado por absoluta falta de controle do
estabelecimento penal, por carência de vagas no regime semi-aberto ou por morosidade da
Vara de Execuções.
O desenvolvimento de programas de informatização ligando o sistema penitenciário,
o Ministério Público e Poder Judiciário, agilizaria as informações e representaria uma
117
contribuição ímpar para o desafogamento das prisões com um melhor acompanhamento da
execução penal.
É unânime a opinião de que a separação classificatória dos presos também é
indispensável para se evitar que infratores ocasionais se “especializem” pelo convívio com
infratores “profissionais”. Neste sentido, é urgente um investimento em capacitação técnica de
profissionais para realização adequada do exame criminológico, tanto para a classificação dos
presos, quando ingressam no sistema prisional, quanto para a concessão de benefícios aos
mesmos.
No tocante ao trabalho como instrumento pedagógico, trata-se de assunto que tem
gerado muitos debates porque, embora esteja previsto na legislação penal, não tem a sua
forma regulamentada. Muitas discussões surgem em torno do tema, entre elas, questiona-se
sobre a possibilidade de que estas relações gerem vínculos empregatícios. Os
posicionamentos não são unânimes.
Os que defendem a exclusão do trabalho do preso do rol das atividades consideradas
entre aquelas que constituem relações de emprego, justificam seu posicionamento no artigo 28
da Lei de Execuções Penais que dispõe que o trabalho realizado pelo apenado não está sujeito
às normas da Consolidação das Leis do Trabalho, é instituído com o caráter de dever e tem
finalidade educativa.
Por outro lado, observando o trabalho do preso, verifica-se que a relação estabelecida
entre o apenado e as empresas que se utilizam desta mão-de-obra preenche todos os requisitos
de uma relação trabalhista. O trabalho é prestado com continuidade. O contrato que as
empresas firmam com a FUNAP, responsável pelas contratações, são, em regra, válidos por
cinco anos, prorrogáveis. Ou seja, tem habitualidade. O preso tem subordinação pelo menos
técnica e econômica com relação às empresas que oferecem serviços aos presidiários. O
trabalho é oneroso, embora remunerado com salários simbólicos, prestado pessoalmente pelo
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preso, por conta alheia e não por conta própria, sendo o risco da atividade integralmente do
empregador.
Apesar de preencher todos os requisitos essenciais para configurar um contrato de
trabalho, as relações que envolvem os presos não estão regulamentadas e a sua não
regulamentação pode favorecer explorações por parte dos empresários. Afinal, o custo desta
mão-de-obra é muito atrativo para as empresas, vai ao encontro dos interesses capitalistas e da
materialização da “mais valia”, muito embora seja inegável a importância da participação das
empresas nos estabelecimentos penais durante a execução das penas.
A pesquisa realizada na Penitenciária de Assis apurou que apenas 41,4 % dos presos
entrevistados exercem algum trabalho na penitenciária. Isto significa que nem mesmo a idéia
de remição da pena estimula a grande maioria dos internos ao exercício das atividades
laborais.
Talvez, estes resultados se devam também ao afastamento de quatro das cinco
empresas que contratavam esta mão-de-obra na Penitenciária de Assis, o que diminuiu o
número de vagas. O desligamento das contratantes se deu em decorrência das rebeliões
ocorridas no ano de 2006 que resultou em graves prejuízos materiais tanto para as empresas
quanto para a Administração do estabelecimento, comprovando a hipótese de que a população
carcerária não é composta somente por sujeitos vitimizados pelo sistema.
O trabalho nas prisões não cumpre sua função educativa porque não desperta no
preso a idéia de que é possível ter uma vida digna longe da criminalidade. Também neste
aspecto a pena privativa de liberdade opera na contramão de suas finalidades.
Enquanto não é viável uma sociedade sem prisão, é urgente aprimorar seus
mecanismos pedagógicos para os casos em que ela for insubstituível. No que diz respeito ao
trabalho do apenado, é necessária uma regulamentação destas atividades a fim de que, regidas
119
ou não pela CLT, elas sejam atribuídas em observância ao princípio da dignidade humana, a
fim de cumprirem sua função social.
Cumpre ressaltar que, juridicamente, a prisão atinge apenas a liberdade do indivíduo.
O trabalho está fora desta relação. Com exceção da liberdade, todos os outros direitos e
garantias do preso lhe devem ser assegurados.
Entretanto, sublinha-se que é indiscutível a importância do papel que as empresas
exercem no ambiente prisional. Não é justo que sofram prejuízos materiais como vem
ocorrendo em decorrência das rebeliões. Tais perdas acabam desencadeando o afastamento
dos empresários e, consequentemente, ocasionando a diminuição do número de vagas para as
atividades laborais.
Os cursos oferecidos na prisão também não motivam a população carcerária por não
ensejarem perspectivas futuras e as atividades de lazer são mal dirigidas, não despertando o
interesse na participação.
O desenvolvimento de atividades artísticas e esportivas também poderia contribuir
para o equilíbrio não só do mundo interno do apenado, mas para a estabilidade de toda a
comunidade carcerária.
Entretanto, esta não é a opinião dos agentes públicos. A grande maioria defende a
idéia de que “preso tem que ser tratado com rigidez, porque praticou um mal à sociedade, não
gosta de trabalhar e ainda quer programa de lazer”, utilizando expressões típicas dos agentes
penitenciários de uma maneira geral, sem referência específica aos funcionários da
Penitenciária de Assis. Esta é uma postura equivocada. Não é possível vislumbrar mudanças
de comportamento sem que se considere o mínimo de humanidade que pré-existe ao caráter
criminoso de cada apenado.
Qualquer projeto de readaptação social deveria considerar as diferenças entre os
internos. Entretanto, os integrantes da população carcerária são tratados como um todo
120
igualitário, desprezando-se as particularidades de cada um e a complexa rede de poderes e
saberes que se desenvolve em sua estrutura.
O medo e o mau-treinamento dos agentes públicos agravam o problema e favorecem
a organização hierarquizada da população prisional, com poder efetivo o suficiente para
afrontar a gerência do Estado, menos organizado e mal aparelhado.
Os agentes públicos, em regra, assumem uma postura meramente defensiva. São
precariamente capacitados para enfrentar o meio carcerário, e, principalmente, para educar
infratores, pois acabam agindo com excessos o que acaba gerando mais violência dentro das
prisões.
Nos moldes atuais, os egressos saem estigmatizados do cárcere, porque a sociedade,
por razões evidentes, não tem um sentimento de confiabilidade com relação ao sistema
penitenciário. Em liberdade, não conseguem a inserção no mercado de trabalho e acabam por
reincidir no crime.
Embora a dureza da análise foucaultiana nos leve a um certo ceticismo, é preciso
buscar perspectivas de melhoria das condições ambientais nas penitenciárias brasileiras até
que elas possam ser substituídas por propostas mais condizentes com a dignidade da pessoa
humana.
Como está, não dá para continuar. O cenário caótico do sistema prisional brasileiro
ultrapassa o limite das grades. Dentro e fora, vive-se um momento de extrema restrição de
direitos e garantias fundamentais, como conseqüência do colapso do cárcere como
instrumento de recuperação do apenado e de controle da criminalidade. A falta de dignidade
humana que impera dentro do cárcere reflete-se no meio social sob a forma de violência,
medo e insegurança.
A estrutura de poder que se desenvolve nos grupos formados pela massa carcerária
extrapola os limites das grades. Aciona poderes externos estatais e paraestatais. Dentro e fora
121
das grades vivemos um momento de extrema restrição dos direitos fundamentais em
conseqüência da falência do sistema.
Simbolicamente, o eco dissonante do detector de metais das penitenciárias ressoa as
contradições do poder. Idéias foucaultianas refletem a realidade: “arte das distribuições”,
“composição de forças”, “organização das gêneses”, “disciplina hierarquizada”, “utopia
ressocializadora”.
Indagado sobre uma possível solução para a crise do sistema, em entrevista ao
colunista Ronaldo Jabor, divulgada no jornal “O globo” de 26/01/2007, “Marcola” citou
Dante: “Lasciate ogna speranza voi che entrate. Percam as esperanças. Estamos todos no
inferno”.
Quisera fosse esta a descrição da viagem meramente imaginária guiada por Virgílio
pelas trevas. Mas não é. Nem “Divina comédia”, nem o lugar subterrâneo da alma dos mortos:
eis o inferno em vida da sociedade brasileira, a exposição circunstanciada dessa humana
tragédia.
122
CONCLUSÃO
Esta pesquisa visou a investigar o modelo de execução penal praticado no Brasil, sob
o enfoque do princípio da dignidade da pessoa humana. Para tanto, percorreram-se quatro
etapas:
No primeiro capítulo, abordou-se este princípio na Constituição Federal e na
legislação penal em face do apenado. Observou-se que, do ponto de vista teórico, há
consonância entre a norma constitucional e a norma infra-constitucional, sugerindo que o
problema da prisão não está relacionado a sua disposição legal.
No segundo capítulo, realizou-se uma leitura das teorias que informam este sistema,
visando a sua compreensão e à identificação da teoria adotada pelo legislador penal no Brasil.
Para concretização destes objetivos, partiu-se do estudo das doutrinas absolutas e relativas,
bem como das tendências contemporâneas graduadas entre o minimalismo e o abolicionismo
penal.
Após a revisão bibliográfica de tais doutrinas, foi possível identificar que a teoria
adotada pelo ordenamento brasileiro tem suas raízes tanto na prevenção especial, explícita no
artigo 1º da Lei de Execuções Penais, quanto na teoria retributiva, expressa no artigo 59 do
Código Penal. Ou seja, apresenta como finalidade a idéia de retribuir o “mal injusto”
praticado pelo infrator com um “mal justo”, a pena, previsto pelo Direito, assim como a
prevenção dos delitos pela ressocialização do apenado.
Percorridas as duas primeiras etapas, no terceiro e quarto capítulos, realizou-se uma
análise a respeito da prática carcerária no Brasil, visando-se a apurar se a execução penal
viabiliza a readaptação social do infrator ou se assume um caráter meramente retributivo, uma
123
vez que os princípios da boa condição penitenciária, idealizados pelos reformadores penais no
século XVIII, encontram-se expressos na nossa legislação penal.
Para tanto, foram utilizados dados estatísticos da Secretaria de Administração
Penitenciária do Estado de São Paulo, adotado como parâmetro por abrigar mais da metade da
população carcerária brasileira, e de uma pesquisa empírica realizada na Penitenciária de
Assis, envolvendo 10% da população carcerária e 10% dos funcionários públicos da
instituição.
Com este procedimento, foi possível analisar os aspectos subjetivos relacionados às
experiências pessoas dos internos, os diferentes olhares acerca do sistema prisional, bem
como se estabelecer um confronto entre as disposições legais e a realidade prisional brasileira.
Após o desenvolvimento da pesquisa, constatou-se que:
1º - Existe um enorme distanciamento entre a teoria e a prática. Não obstante a
finalidade “ressocializadora” prevista pelo ordenamento jurídico, a pena de prisão no Brasil
assume um caráter meramente retributivo o que a torna ineficaz do ponto de vista social e
incompatível com as finalidades previstas pela lei, considerando as péssimas condições
ambientais a que são submetidos os internos, a denunciar flagrante afronta ao princípio da
dignidade da pessoa humana. Tal hipótese foi demonstrada com os dados relativos ao Estado
de São Paulo, apurados pela FUNAP, que revelaram um índice de 42% de reincidência,
considerando o regime fechado de cumprimento de pena. Embora passível de dúvidas, este
percentual demonstra que uma parcela significativa daqueles que passam pelo sistema
prisional voltam a praticar crimes, denunciando a ineficácia do sistema. Utilizando-se de
procedimento analítico e empreendendo-se pesquisa de abordagem quantitativa, apuraram-se
dados na Penitenciária de Assis que coincidem com os percentuais no Estado de São Paulo.
Segundo a resposta dos entrevistados, 49,5% deles são réus reincidentes.
124
2º - O sistema prisional brasileiro encontra-se em verdadeiro caos. No espaço
carcerário, desenvolveu-se uma complexa rede de micro-poderes e saberes, estruturada em
facções e organizações criminosas, melhor planejadas e equipadas que o próprio Estado.
3º - A prisão é a forma punitiva típica do sistema capitalista porque exclui da
visibilidade os problemas sociais compondo um mero depósito de sujeitos, em sua imensa
maioria composto por excluídos do sistema capitalista. O cárcere, no Brasil, inviabiliza o
controle da criminalidade na medida em que, não funcionando, parece funcionar. A
superlotação dos estabelecimentos carcerários a ociosidade a que são submetidos os internos,
a impossibilidade de uma classificação adequada, a promiscuidade, a violência e a corrupção
são os grandes responsáveis pela profissionalização criminal do sentenciado.
4º - O ambiente prisional favorece a ordem hierarquizada da população carcerária em
organizações criminosas que envolvem não apenas os infratores, mas também os grandes
chefes do staff, os quais, na maioria dos casos, permanecem impunes de seus crimes.
5º - A deficiência de políticas públicas voltadas ao atendimento dos principais
problemas sociais brasileiros, como a má distribuição de renda, a miséria, o desemprego e a
péssima qualidade dos serviços oferecidos de saúde e de educação está diretamente
relacionada à criminalidade e, conseqüentemente, ao congestionamento de nossas prisões que
cumprem meramente o papel de depositárias de nossas mazelas sociais.
6º - O problema central da prisão tem origem em seus próprios fundamentos, mais
especificamente, na segregação. Esta forma punitiva não atende às finalidades que
fundamentaram sua instituição. Por tal razão, deportar pessoas para o interior das grades não
tem sido e nunca foi instrumento eficaz de controle da criminalidade, uma vez que as
condições subumanas a que são submetidos os apenados inviabilizam qualquer projeto neste
sentido.
125
7º - O trabalho o estudo e o lazer são aplicados de maneira não satisfatória, razão
pela qual não são instrumentos eficazes no sentido de viabilizar perspectivas futuras de
inserção social do egresso. Estigmatizado pelo cárcere, volta a praticar crimes.
8º - Existe um consenso entre a maior parte dos agentes públicos de que um
endurecimento do regime seria a forma mais apropriada de se controlar a criminalidade. Esta
é também a opinião da sociedade de uma maneira geral. Entretanto, não é o que demonstram
os dados oficiais: o regime disciplinar diferenciado, o mais rígido do nosso sistema penal,
apresenta o maior índice de reincidência: 48%.
9º - Há uma grande diversidade de sujeitos no ambiente carcerário. Alguns,
vitimizados pelo sistema e outros que representam um risco efetivo ao meio social. Por isso, a
extinção do cárcere também não se apresenta como uma solução que possa trazer resultados
práticos imediatos, até porque a sociedade, no momento, não comporta a abolição do sistema
penitenciário. Não há, no contexto atual, alternativa diversa para aqueles infratores
considerados “perigosos”. Portanto, o abolicionismo penal ainda permanece como um projeto
para longo prazo, num plano imaginário, ainda muito distante da nossa realidade.
10º - Defende-se um início da retração do Direito Penal, ou seja uma proposta
próxima àquela vislumbrada pelo minimalismo penal, apresentado no segundo capítulo, com a
descriminalização de algumas condutas de pequeno potencial ofensivo e com o uso reservado
do cárcere somente para casos imprescindíveis, até que um dia seja viável a total extinção da
pena de prisão. Neste trajeto, é urgente e necessário repensar seus mecanismos pedagógicos a
fim de minimizar as conseqüências danosas da segregação e de manter os índices de
criminalidade em níveis, pelo menos, toleráveis.
126
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