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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Intermeio Revista Pós em Educação

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REVISTA DO PROGRAMA DEPÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO - UNIVERSIDADE FEDERALDE MATO GROSSO DO SULEducação Musical

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  • UNIVERSIDADE FEDERALDE MATO GROSSO DO SUL

    REVISTA DO PROGRAMA DEPS-GRADUAO EM EDUCAO

  • Clia Maria Silva Correa OliveiraReitora

    Fabiany de Cssia Tavares SilvaCoordenadora do Programa de Ps-Graduao

    em Educao

    REVISTA DO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SULCaixa Postal 549 - Fone (67) 3345-7616CEP 79.070-900 - Campo Grande-MS

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

    Joo Ricardo Filgueiras TogniniVice-reitor

    lcia Esnarriaga de ArrudaDiretora do Centro de Cincias Humanas e Sociais

    CONSELHO CIENTFICO NACIONAL

    Prof. Dr. Alda Junqueira Marin - PUC/SPProf. Dr. Antnio Carlos Amorim - UNICAMPProf. Dr. Gizele de Souza UFPRProf. Dr. Maria Vieira Silva - UFUProf. Dr. Miguel Chacon - UNESP MarliaProf. Dr. Vera Maria Vidal Peroni - UFRGSProf. Dr. Regina Tereza Cestari de Oliveira UCDBProf. Dr. Soraia Napoleo Freitas UFSMProf. Dr. Yoshie Leite Ussami Ferrari UNESP/PPProf. Dr. Ronaldo Marcos de Lima Arajo UFPAProf. Dr. Geovana Mendona Lunardi Mendes UDESCProf. Dr. Laura Cristina Vieira Pizzi - UFAL

    CONSELHO CIENTFICO INTERNACIONAL

    Profa. Dra. Natrcia Alves Pacheco - Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao - Universidade do Porto. Porto, Portugal

    Profa. Dra. Maritte de Haan - Utrecht University - Faculty of Social Sciences Langeveld - Institute for the Study of Education and Development in Childhood and Adolescence Heidelberglaan 1 Netherlands. Holanda.

    Profa. Dra. Pilar Lacasa - Universidad de Alcal de Henares - UAH - Facultadde Documentacin, Aulario Maria de Guzmn. Madrid, Espanha.

    Prof. Dr. Jos Carlos Morgado - Instituto de Educao Universidade do Minho. Braga, Portugal.

    Prof. Dr. Jaime Caiceo Escudero - Universidad Santiago de Chile, Santiago, Chile.

    Profa. Dra. Ligia Ochoa Sierra - Universidad Nacional de Colombia

    CONSELHO EXECUTIVO

    Prof. Dr. Fabiany de Cssia Tavares Silva PRESIDENTEProf. Dr. Alda Maria do Nascimento OsrioProf. Dr. Eurize Caldas PessanhaProf. Dr. David Victor-Emmanuel TauroProf. Dr. Margarita Victoria RodrguezProf. Dr. Maria Adlia MenegazzoProf. Dr. Shirley Takeco GobaraProf. Dr. Sonia da Cunha Urt

  • Revista do Programa de Ps-Graduao em EducaoUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul

    Editora Cientfica ResponsvelFabiany de Cssia Tavares SilvaDoutora em Educao: Histria, Poltica, Sociedade (PUC/SP)[email protected]

    A reviso lingustica e ortogrfica de responsabilidade dos autores

    Os abstracts so de responsabilidade do Prof. Dr. David V- E Tauro

    EdioPPGEdu UFMS

    Projeto Grfico, Editorao Eletrnica, Impresso e AcabamentoEditora UFMS

    Tiragem1.000 Exemplares

    InterMeio tem seus artigos indexados na: Bibliografia Brasileira de Educao (Brasilia, INEP)

    Instituto Brasileiro de Cincia e TecnologiaGEODADOS www.geodados.uem.br

    Os artigos devem ser encaminhados para:REVISTA INTERMEIOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO - CCHS/UFMSCidade Universitria - Caixa Postal 549 - Cep: 79.070-900 Campo Grande-MSSite: www.intermeio.ufms.brE-mail: [email protected]: (67) 3345-7616 - 3345-7618

    Revista publicada com recursos da

    Ficha Catalogrfica elaborada pela Coordenadoria De Biblioteca Central/UFMS

    InterMeio : revista do Programa de Ps-Graduao em Educao / Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. v. 1, n. 1 (1995) . Campo Grande, MS : A Universidade, 1995 .

    v. : il. ; 21 cm.

    SemestralSubttulo anterior: revista do Mestrado em EducaoISSN 1413-0963

    1. Ensino superior Peridicos. I. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

    CDD (20) 378.005

  • DOSSIEDUCAO E MSICA:

    DILOGOS NA CONTEMPORANEIDADE

    A CONFUSO CRIATIVA DA EDUCAO MUSICAL Keith Swanwick

    Traduo: Marcus Vincius Medeiros Pereira Reviso tcnica: Ceclia Cavalieri Frana

    CURRCULO ESCOLAR E EDUCAO MUSICAL: UMA ANLISE DAS POSSIBILIDADES E DESAFIOS PARA O

    ENSINO DE MSICA NA ESCOLA BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADESergio Figueiredo

    A LEI 11.769/2008 E A MSICA NA EDUCAO BSICA: QUADRO HISTRICO, PERSPECTIVAS E DESAFIOS

    Maura Penna

    EDUCAO BSICA E EDUCAO MUSICAL: FORMAO, CONTEXTOS E EXPERINCIAS FORMATIVAS

    Claudia Bellocchio

    ESCOLA, CULTURA, DIVERSIDADE E EDUCAO MUSICAL: DILOGOS DA CONTEMPORANEIDADE

    Lus Ricardo Silva Queiroz

    MODOS DE PENSAR A EDUCAO MUSICAL ESCOLAR: UMA ANLISE DE ARTIGOS DA REVISTA DA ABEM

    Luciana Del-Ben

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  • SENTIDOS DE UMA PEDAGOGIA MUSICAL NO PROGRAMA ESCOLA ABERTA:

    AS LGICAS DA CULTURA ESCOLARHelena Lopes da Silva

    DEMANDA CONTNUA

    CURRCULO INTEGRADO DE CURSOS PROFISSIONALIZANTES: REFLEXES A PARTIR DE BASIL BERNSTEIN Adriana Carla Monteiro Valena de Alencar e

    Laura Cristina Vieira Pizzi

    A REPETNCIA ESCOLAR UMA FORMA DE EXCLUSO?Suziane de Santana Vasconcellos

    TENDNCIAS E CONCEPES NO CONTEXTO DO MUNDO IMPERIAL: A EDUCAO INCLUSIVA EM FOCOSilvio Carlos dos Santos, Arlei Peripolli,

    Marilu Palma de Oliveira e Soraia Napoleo Freitas

    TESES E DISSERTAES DEFENDIDAS NO PROGRAMATrabalhos defendidos no 1 semestre de 2012.

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    216

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  • A perspectiva de que a Msica contribui com a Educao est fundada na composio deste Dossi, desde a busca pela compreenso e anlise dos dilogos que esto sendo propostos para a educao musical, passando pelos aportes de uma didtica da msica at uma teoria musical do currculo. Neste contexto, estamos visitando a possvel problemtica reapresentada na afirmao de que a rea da Msica sempre se preocupou em compreender os processos de transmisso cultural, que ocorrem nos diversos grupos sociais, dentro e fora das instituies escolares. Problemtica essa que se alimenta da sempre presente indagao: educamos para a msica ou atravs da msica ? Como ponto de partida para tal compreenso e anlise temos o texto de Keith Swanwick (IOE Londres) intitulado A CONFUSO CRIATIVA DA EDUCAO MUSICAL, tra-duzido por Marcus Vincius Medeiros Pereira com a reviso tcnica de Ceclia Cavalieri Frana. Neste texto, o autor apresenta algumas consideraes sobre a reviso da produo no campo da educao musical entre os anos de 1930 e 2012, reunida na coleo Music Education, no qual reflete as mltiplas pers-

  • pectivas sobre a natureza, o valor e a prtica do ensino de msica, incluindo: a gama de definies para a educao musical, a importncia de perspectivas tericas, a relao entre ensino e aprendizagem, a avaliao das prticas em sala de aula, a natureza controversa da educao musical, e a aprendizagem formal e informal. Na sequncia, CURRCULO ESCOLAR E EDUCAO MUSICAL: uma anlise das possibilidades e desafios para o ensino de msica na escola brasileira na contemporaneidade, de autoria de Sergio Figueiredo (UDESC), constri a partir de elementos da legislao educacional e da literatura especfica da rea de educao musical, anlises e reflexes sobre as possibilidades e os desafios para a efetiva implementao da Lei 11769/08, pela qual a msica passa a ser contedo curricular obrigatrio na educao brasileira, o que implica a definio de projetos pedaggicos que envolvem a reorganizao curricular e a incluso da msica como contedo. Ainda, no universo de anlise da Lei 11.769 de 2008, encontramos Maura Penna (UFPB) analisando as possibilidades de expanso da presena de msica em sala de aula, assim como os desafios decorrentes, demonstrando como, tanto no quadro da Educao Artstica, implantada pela Lei 5692/71, quanto com a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacio-nal / LDB, de 1996, a msica est submetida ao campo mais amplo e mltiplo do ensino das artes, em artigo intitulado A LEI 11.769/2008 E A MSICA NA EDUCAO BSICA: quadro histrico, perspectivas e desafios. J Claudia Be-llochio (UFSM) tendo, como pano de fundo, a Lei 11.796/08, nos aproxima da educao musical na educao bsica a partir de reflexes entrelaadas com perspectivas da formao de professores em EDUCAO BSICA E EDUCAO MUSICAL: formao, contextos e experincias formativas. Partindo da concep-o antropolgica de cultura, da funo social da escola e das interaes que permeiam a msica como prtica cultural, ESCOLA, CULTURA, DIVERSIDADE E EDUCAO MUSICAL: dilogos da contemporaneidade, de Lus Ricardo Silva Queiroz (UFPB) analisa perspectivas acerca do ensino de msica na educao bsica, evidenciando possibilidades e caminhos para a educao musical escolar, considerando as mltiplas diversidades que marcam o ensino de msica nesse contexto. Em MODOS DE PENSAR A EDUCAO MUSICAL ESCOLAR: uma anlise de artigos da revista da ABEM, Luciana Del-Ben (UFRGS) investiga como se configuram os modos de pensar a educao musical escolar, construdos por pesquisadores e estudiosos no campo da educao musical. Para a realizao da pesquisa, esse objetivo foi desdobrado nas seguintes questes: quais so as

  • dimenses dos fenmenos educativo-musicais escolares representadas nesses modos de pensar? Que finalidades so atribudas ao ensino e aprendizagem de msica na escola? Que tipos de asseres ou proposies caracterizam es-ses modos de pensar?; quais dados as apoiam?; como so fundamentadas ou justificadas? Finalizando, Helena Lopes da Silva (UEMG) discute as concepes de educao musical presentes nas atividades da Escola Aberta Chapu do Sol, Porto Alegre-RS, a partir do cruzamento dos discursos e prticas dos participantes envolvidos com o Programa Escola Aberta (UNESCO/MEC), em SENTIDOS DE UMA PEDAGOGIA MUSICAL NO PROGRAMA ESCOLA ABERTA: as lgicas da cultura escolar. Este programa tem como objetivo principal a diminuio da violncia entre os jovens considerados em situao de vulnerabilidade social atravs da abertura dos portes da escola comunidade para atividades de lazer, cultura e educao durante os finais de semana.

    Na sesso Demanda Contnua encontramos Adriana Carla Monteiro Va-lena de Alencar (IFAL) e Laura Cristina Vieira Pizzi (UFAL) analisando o processo de implantao do currculo integrado de uma escola agrotcnica federal em Alagoas (AL), com um sculo de existncia, e que atualmente faz parte dos Campi do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) em CURRCULO INTEGRADO DE CURSOS PROFISSIONALIZANTES: reflexes a partir de Basil Bernstein. Para esta pesquisa as autoras desenvolveram uma abordagem qualitativa do Estudo de Caso, tendo como objetivo analisar o processo de integrao do cur-rculo do Curso de Agropecuria a partir do referencial terico de Basil Berns-tein. Em seguida, somos convidados leitura de anlises sobre o fenmeno da repetncia em A REPETNCIA ESCOLAR UMA FORMA DE EXCLUSO? Neste texto Suziane de Santana Vasconcellos (UERJ) nos apresenta um estudo de caso etnogrfico realizado na 1 srie do Ensino Fundamental de uma es-cola pblica do estado do Rio de Janeiro, a partir da perspectiva de docentes e alunos(as) de uma classe de repetentes. Classe essa, criada exclusivamente no ano de 2008, para atender alunos que passaram pela experincia da repe-tncia, entre uma a cinco vezes. Fechando esta sesso, TENDNCIAS E CON-CEPES NO CONTEXTO DO MUNDO IMPERIAL: a educao inclusiva em foco, de Silvio Carlos dos Santos, Arlei Peripolli, Marilu Palma de Oliveira e Soraia Napoleo Freitas (UFSM), pretende a partir do mal-estar e desassossego do processo de globalizao da sociedade, problematizar o entrecruzamento

  • possvel entre a educao inclusiva e o Mundo Imperial emergente. Nesse sen-tido, tece ideias e (re)significaes para um fazer pedaggico que oportunize novas configuraes para o autoconhecimento do espao escolar, (re)pensan-do intervenes que beneficiem a todos os alunos e, deste modo, compreen-der a representao do professor, da escola como ambiente da diversidade, do currculo e da avaliao sob o olhar da legislao vigente.

    Fabiany de Cssia Tavares Silva, Manoel Camara Rasslan

    & Marcus Vinicius Medeiros Pereira

  • Keith SwanwickUniversidade de [email protected]

    Recentemente, eu fui convidado para organizar uma coleo de textos em Educao Musical, uma publicao de quatro volumes constituda por 85 captulos e artigos (SWANWICK, 2012). Esta foi uma grande oportunidade de revisitar o campo da educao musical e revisar uma enorme quantidade de trabalhos publicados entre 1930 e 2012. Este artigo , at certo ponto, baseado nesta experincia juntamente com meu prprio envolvimento profissional com a rea ao longo do tempo. O ttulo, A Confuso Criativa da Educao Musical, reflete as mltiplas perspectivas sobre a natureza, o valor, e a prtica do ensino de msica. Estimulado por esse envolvimento eu irei, aqui, revisitar algumas das questes recorrentes provocadas pelos autores que contriburam para a coleo. Estas questes incluem: a gama de definies para a educao musical, a importncia de perspectivas tericas, a relao entre ensino e aprendizagem, a avaliao das prticas em sala de aula, a natureza controversa da educao musical, e a aprendizagem formal e informal.

    Basta um momento de reflexo para nos lembrarmos que a educao musical mais complicada do que a maior parte das disciplinas escolares. Para comear, a msica mais socialmente imbricada do que, digamos, matemtica, cincia ou lnguas; permeando como s ela sabe fazer o espectro social que vai da discoteca igreja, do rap pera. tambm mais complexa do ponto de vista organizacional, com mltiplas fontes de financiamento, envolvendo uma

    1 The Creative Muddle of Music Education. Traduo de Marcus Vincius Medeiros Pereira; Reviso Tcnica de Ceclia Cavalieri Frana.

  • ampla gama de diferentes tradies musicais, e professores com uma grande variedade de experincia profissional. Alm disso, educao musical pode significar diferentes coisas dependendo do contexto. Ns podemos facilmente identificar pelo menos cinco vertentes principais:

    (a) Em muitos pases, a maior parte do ensino de msica ocorre em escolas regulares, como parte integrante do currculo. Algumas vezes obriga-tria para crianas at cerca de 13 anos de idade, depois se tornando uma atividade optativa. Seja em um programa de performance, como na Gr-Bretanha ou em locais influenciados por ela como a sia, ou em cursos preparatrios para exames formais aos 16 e 18 anos de idade.

    (b) Conjuntos musicais, bandas e coros, acontecem tanto em escolas como em comunidades locais. Em muitos pases estes grupos esto, geralmente, fora da escola e das grades horrias das faculdades, mas ainda contribuem significativamente para a vida social e esttica das escolas e da sociedade. Na Amrica do Norte e em outros lugares, bandas e coros podem ser constitudos dentro dos currculos e grades horrias do ensino mdio. O ensino instrumental e vocal nas esco-las frequentemente um adendo aula de msica do currculo escolar e pode ser ensinado por instituies do governo ou privadas de ensino instrumental ou por professores visitantes temporrios. Esta vertente do ensino de msica pode acontecer dentro e fora dos edifcios escolares e geralmente fora da grade horria escolar. Os diferentes instrumentos e os distintos estilos musicais requerem uma variedade de professores e recursos que so tanto complexos quanto caros para se providenciar.

    (c) A Educao Musical especialmente suscetvel a projetos de alto nvel financiados, a exemplo de: Sing Up, Musical Futures, ou In Har-mony um esquema baseado no El Systema venezuelano, variaes dos quais so encontrados ao redor do mundo. H vrios outros esquemas envolvendo msica de todos os tipos, frequentemente como forma de interveno social para jovens desfavorecidos. Estas iniciativas especiais tendem a despertar um alto nvel de interesse poltico e miditico.

    (d) Aulas particulares de msica podem ser ligadas a preparao para exames oficiais e complementam qualquer uma das outras vertentes.

  • Parece bvio que um professor pode mover-se entre vrias dessas verten-tes. De fato, qualquer pessoa pode, de certa forma, trabalhar em todas elas. Qual deve ser, ento, seu foco central como um msico / professor? Quais princpios orientadores devem ser adotados; como julgar o que musical e pedagogicamente apropriado; qual teoria da msica embasa o seu trabalho? Alguns colegas podem ter problemas com a ideia de teoria, como se ela fosse, de alguma forma, oposta prtica. Contudo, teorias so construes inevitveis das mentes humanas, uma vez que todos buscamos explicaes ou procura-mos por princpios de organizao, por algum tipo de perspectiva atravs da qual possamos interpretar a experincia e planejar o futuro. De outra forma, ns dificilmente sobreviveramos. Como veremos mais tarde, teorias no so uma desnecessria perda de tempo; na verdade, no existe nada mais prtico e til do que uma boa teoria, e nada to perturbador como uma teoria ruim. Educadores musicais no esto isentos disso.

    Uma perspectiva bem estabelecida na rea da Educao Musical aquela

    que v os alunos como herdeiros de valores e prticas culturais, com a necessi-dade de dominar habilidades e informaes relevantes para participar no fazer musical. As escolas e faculdades so obviamente agentes importantes neste processo de transmisso. A tarefa dos educadores musicais principalmente a de iniciar os estudantes nestas tradies musicais reconhecidas. Esta uma posio que foi at pouco tempo comumente aceita e ainda hoje bastante influente. Ela refora o valor do canto, do aprendizado de um instrumento, da alfabetizao musical e da familiaridade com um repertrio de boa msica. Um claro exemplo trazido por Kodaly e seu Choral Method (KODALY, 1874, p. 80). Esta proposta altamente estruturada desenvolve a musicalidade atravs do canto, e os estudantes devem ser iniciados em msica de qualidade in-questionvel, comeando neste caso com as tradies folclricas da Hungria e caminhando em direo melhor msica da tradio clssica europia.

    Na atmosfera menos rigorosa de muitas escolas, os professores ainda sentem que as crianas devem, pelo menos, entrar em contato com a boa msica, devem ter alguma ideia de como a notao musical funciona, devem adquirir alguma habilidade visual e auditiva para reconhecer instrumentos e conjuntos

  • instrumentais, e devem conhecer alguns msicos mais importantes e suas obras. As crianas so incentivadas a escolher um instrumento musical, ganhando, dessa forma, um acesso direto s tradies valorizadas. Os professores do ensino regular e os professores universitrios que enxergam as coisas dessa forma tendem a con-siderar-se primeiro como msicos, e apenas em segundo lugar como professores. Um pensamento caracterstico desta teoria tradicional a crena no valor das competies e nos esquemas formais de avaliao. De todas as artes, a msica a mais rigorosa e frequentemente examinada. H, inclusive, os chamados exames de teoria musical, que no so teoria no sentido usual, mas que se preocupam principalmente com as convenes da notao musical.

    Tal perspectiva muito poderosa e extremamente atraente. Seus valores so compartilhados por muitos pais e polticos. Professores que foram musical-mente treinados a tocar violino dentro da tradio ocidental, ou a tocar sitar na tradio indiana, por exemplo, esto particularmente bem preparados e confiantes para passar seu conhecimento e habilidades dentro dessas fronteiras tradicionais. Os objetivos do ensino so razoavelmente claros e os critrios de avaliao so conhecidos. H objetivos e procedimentos educacionais aceitos. Por exemplo, no ensino de violino, existe uma longa linha que se estende desde Suzuki e Rolland, passando por Doflein e outros, at o pai de Mozart e mais alm. Pequenas discordncias podem existir em relao ao mtodo particular de instruo e ao melhor material que poderia ser utilizado, mas raramente a discordncia se d em torno dos objetivos.

    Porm, esta perspectiva no se adequa a muitas salas de aula contempor-neas, onde pode existir uma grande diversidade cultural e pouca tolerncia ao cnone da herana ocidental. Nesses casos, possvel at que o professor esteja com a cabea em outro lugar, talvez pensando no prximo ensaio ou apresentao de um grupo instrumental, onde possa fazer um trabalho de verdade.

    Ao longo dos anos 1960, paradigmas alternativos emergiram na rea. Um deles privilegiou a criatividade das crianas ao invs das tradies herdadas. Na Inglaterra, durante os ltimos anos da dcada de 1960 e no incio da dcada de 1970, um influente defensor desta proposta foi John Paynter. No Cana-d, Murray Schafer ocupou uma posio similar, enquanto que, nos Estados Unidos, algumas das implicaes para o currculo musical das escolas foram articuladas no Manhattanville Music Curriculum Program (THOMAS, 1970, p. 540). Os fundamentos dessa viso nos fazem ver as crianas como inventores

  • musicais, improvisadores, compositores; ou a fim de incentivar algo chamado auto-expresso, ou como uma forma de entender como a msica realmente funciona, esta com mais fora que a anterior. O papel do professor de msica transforma-se de um diretor musical para o de um facilitador do trabalho dos alunos; estimulando, questionando, aconselhando e ajudando, mais do que mostrando ou dizendo o que fazer. H tambm um foco maior no processo, mais do que no produto musical. Apesar de muito til, esta perspectiva foi acusada por alguns de ter trazido consigo o risco da falta de objetivos. A grande virtude da teoria de educao musical centrada na criana que somos encorajados a olhar e ouvir com mais ateno o que os estudantes realmente fazem.

    Uma terceira e mais recente teoria da educao musical insiste em ajudar os alunos a estabelecer e encontrar suas razes culturais em outras tradies, inicialmente nas msicas afro-americanas que tm permeado o mundo como o jazz e, posteriormente, na disponibilidade crescente das msicas oriundas de uma multiplicidade de comunidades. Se que possvel falar em uma cultura comum do nosso tempo, seria aquela que sustentada e transmitida pelos meios de comunicao como rdio e televiso e que agora est armazenada em minsculos equipamentos portteis que quase todos os jovens carregam consigo. salutar observar a quanta msica ns temos acesso dessa forma, sem a necessidade de qualquer instruo formal.

    Mais recentemente, Lucy Green chamou nossa ateno para a maneira informal pela qual os msicos de rock aprendem. Estas so bastante diferentes daquelas adotadas pela educao tradicional ou formal, na qual as pessoas geralmente aprendem pela msica notada que foi escolhida pelo professor ou pelo currculo, envolvendo a superviso de um adulto num curso seqencial e estruturado (GREEN, 2001, # 364). As atividades de composio, performance e apreciao esto frequentemente separadas na instruo formal, ao passo que os msicos de rock escolhem sua prpria msica, aprendem em grupos de amigos, muitas vezes de forma aleatria, comeando por peas inteiras tiradas de ouvido, dispensando a notao e transmitida oralmente.

    Nem sempre necessrio um professor para que a aprendizagem ocorra.

    Toda pessoa viva necessariamente um contnuo aprendiz, absorvendo informa-

  • o e se adaptando ao meio ambiente. Aprender uma atividade cotidiana e raramente problemtica. As dificuldades surgem quando ensino e aprendizagem so organizados em horrios ou quando o contedo do processo de ensinoa-prendizagem determinado por um currculo estruturado, por uma matriz de avaliao ou pelas expectativas de outras pessoas diante do aprendiz, como, por exemplo, pais ou avaliadores. Sob estas circunstncias, a inclinao natural para aprender pode transformar-se em uma sensao de presso externa ou tornar-se confusa e uma verdadeira chatice.

    Jerome Bruner identificou as energias naturais que sustentam a aprendizagem espontnea, motivao intrnseca que prevalece no aprendizado cotidiano. Essas energias naturais so a curiosidade, a competncia, a imitao dos outros e a reciprocidade social (BRUNER, 1966, p. 125-127). As escolas, diz Bruner, geral-mente no conseguem reunir estas energias. Ns podemos ver que, geralmente, a curiosidade no despertada ou estimulada nas tradicionais aulas e ensaios instrumentais ou vocais. muito tentador tentar conduzir todas as coisas dizendo e mostrando aos estudantes como a msica deve ser, qual dedilhado funciona melhor, qual velocidade, dinmica e articulao devem ser mais apropriados. Mas a crtica musical envolve julgamento e explorao, mais do que simplesmente separar o certo do errado. Por exemplo, o que aconteceria ao carter expressivo de uma passagem se a executarmos mais rpido ou mais devagar, mais forte ou mais suave, mais ou menos legato, com acentos mais ou menos marcados, se reequilibrarmos a linha do baixo? Estimular a curiosidade implica em deixar um espao aberto para a descoberta, a escolha, a tomada de decises, a explorao pessoal.

    A competncia uma rea da motivao intrnseca que, poderamos pensar, seria reforada por um ensino estruturado. Mas sabemos que priorizar a competncia em detrimento da compreenso intuitiva pode ser contraprodu-cente, especialmente se um professor tem uma concepo limitada daquilo que a experincia musical pode realmente ser. Esta parece ter sido a experincia do crtico e amante da msica, Bernard Levin, que, ao ter aulas de violino quando pequeno, achou a experincia decididamente ingrata, ele se queixa do fato de que muitas crianas caem nas mo de professores que no tem ideia do que a msica realmente .

    Por dois anos e meio eu trabalhei com essa coisa triste chamada msica sem sequer aprender o nome de um nico compositor, ou mesmo descobrir que estas pessoas existiam. (LEVIN, 1981, p. 4)

  • Uma pressa irrefletida para ensinar algo pode algumas vezes impedir o aprendizado: esta observao de Levin um exemplo de que um professor pode acreditar-se ensinando quando, na realidade, este no o caso. Porque ningum neste exemplo parece estar aprendendo, ou, pelo menos, est aprendendo de forma negativa que a msica algo triste. A situao pode ser bem diferente quando a msica compreendida como uma atividade rica e cheia de sentido e quando um conceito mais amplo de competncia inclui as habilidades das tradies essencialmente orais, por exemplo, no jazz, pop, rock e nas diferentes variedades de msica folclrica ou tnica ao redor do mundo.

    Imitar os outros fundamental para o aprendizado musical informal, mas certamente essencial em todo o fazer musical, o que, antes de tudo, uma atividade social. possvel dar mais lugar para a imitao em contextos mais formais? Um aluno ouve frequentemente a apresentao de outros alunos ou ouve s suas composies? Eles discutem o que os outros esto fazendo e o por-qu? Eles vo a eventos musicais? O professor um exemplo de comportamento musical sensvel? Existe oportunidade para tocar em grupos, encorajando-se a reciprocidade social?

    O aprendizado musical pode envolver vrias atividades; cantar, tocar, mover, ouvir aos outros, imitar, falar sobre, ensaiar, apresentar-se, e improvisar. Uma forma convencional de se analisar estas atividades musicais agrup-las em categorias maiores: Composio (incluindo arranjos e improvisaes); Aprecia-o (escuta sensvel); e Perfomance. Cada uma destas tem diferentes implicaes para a autonomia dos estudantes e abrem espao para a tomada de deciso.

    Quando compomos, ou improvisamos, provvel que julgamentos musi-cais mais abrangentes estejam sendo feitos: decises na ordenao da msica no tempo e no espao musical, bem como a articulao da performance. Em outro extremo, ouvintes podem tomar poucas decises, alm de escolher par-ticipar ou no, ou ainda filtrar a msica selecionando-a ou rejeitando-a. Claro que existem formas no-verbais de relatar e expressar ideias sobre msica, incluindo a movimentao corporal e o desenho. Mas estas so interpretaes atravs de outros meios, para alm do prprio fazer musical. claro que como ouvintes que nosso repertrio de modelos musicais ampliado, quando ns podemos encontrar msicas que ns no somos ainda capazes de executar e no podemos compor. Executar um repertrio j existente geralmente oferece grandes possibilidades de tomada de deciso. Mesmo o trabalho com a notao

  • permite aos cantores e intrpretes uma certa liberdade para decidir como a msica deve ser tocada. Muito depende do tamanho do grupo: quanto maior o grupo, menor o espao para decises individuais. Recentemente, enquanto tocava trombone em uma orquestra, este autor foi repreendido pelo maestro por ter ideias!

    bvio que os indivduos tm diferentes disposies e vrias inclinaes. Novamente, o exemplo de Bernard Levin, que odiou ter sido forado a ter aulas de violino quando pequeno. Mas na sua adolescncia, ele reencontrou o real valor da msica como um vido ouvinte. Assim, por exemplo, podemos encontrar em uma famlia uma criana que toca e canta em todas as oportu-nidades que aparecem, enquanto a outra evita toda forma de performance musical, tendo desistido de tocar um instrumento, mas que gasta grande parte de seu tempo compondo msica no seu computador e postando suas peas na internet. No entanto, outro irmo pode preferir relacionar-se com msica atravs dos seus fones de ouvido ou no ambiente social de uma discoteca. Tal diversidade no um problema quando, para as pessoas, possvel escolher, eleger uma atividade musical. Mas todo currculo musical, especialmente quando obrigatrio, deve levar em considerao todas as trs modalidades que possa oferecer aos estudantes as oportunidades de se relacionar com a msica cada um sua maneira.

    Uma questo predominante na literatura a avaliao dos alunos. H

    aqui uma tendncia de se igualar mais com melhor. Por exemplo, uma tpica escala de cinco pontos pode ser oferecida para nveis de dificuldade na performance, indo do muito fcil, passando pelo moderadamente fcil, at o difcil. Difcil geralmente parece ser aquilo que tem mais coisas: mais notas, mais escalas, mais acidentes na armadura de clave, mais mudanas de compasso, mais variaes de padres rtmicos, mais velocidade e mais pginas. Termos como tcnicas limitadas contrastando com tcnicas expandidas e vrias exigncias interpretativas confirmam a impresso que o progresso musical frequentemente visto como quantitativo mais do que qualitativo, no importando quo simples ou complexo, tecnicamente fcil ou difcil, curto ou longo um trecho possa ser.

  • Qualquer modelo vlido e confivel de avaliao precisa de levar em conta duas dimenses: o que os alunos esto fazendo e o que esto aprendendo. Ns podemos substituir a palavra compreenso por resultados da aprendiza-gem. A compreenso o resduo da atividade. o que fica conosco quando a atividade acaba, o que levado embora mas pode ser reativado quando a atividade retomada. Compreenso musical revelada em atividades, mas, de certa forma, est alm delas numa segunda dimenso. Ento ns podemos dizer que algum um bom msico, mesmo quando ele no est realmente fazendo msica naquele momento. Sabemos que eles so susceptveis de trazer sua compreenso musical para a prxima atividade musical, qualquer que ela seja.

    Aqui necessrio apresentar minha prpria teoria da compreenso e educao musical, um projeto que foi minha preocupao durante a escrita de vrios livros. Em resumo: msica compreendida quando materiais sonoros so percebidos ou controlados, quando so combinados para criar nuances expres-sivas, gestos que so, por sua vez, ligados a relaes de repetio e mudana, o que ns conhecemos por forma musical. Alm destes elementos observveis, pode surgir um forte sentido de valor pessoal e cultural, chamado diferentemente de epifania, transcedental, espiritual, rasa2, edificante, fluxo e, sim,

    2 Rasa, na esttica Hindu, significa sabor, sentimento ou emoo: considerada como uma das qualidades fundamentais da msica erudita, dana e poesia.

    Figura 1 - Espaos para tomada de decises.

  • uma experincia esttica (SWANWICK, 1999). Estas so respostas profundas que esto acima de uma linguagem musical particular, do contexto cultural, de uma atividade especfica, de qualquer mtodo de ensino, do conjunto de materiais didticos, ou do repertrio musical. Elas so altamente subjetivas e difceis de observar. Mas muitos dos elementos observveis da compreenso musical so de fato qualidades observveis, no sentido de que possvel per-ceber quando esto ou no presentes ao avaliarmos a educao musical bem como o trabalho de um aluno.

    O seguinte diagrama uma tentativa de resumir e mostrar a relao entre as atividades musicais e as qualidades que abrangem a compreenso musical, um modelo extrado de uma publicao anterior (SWANWICK, 1994, p. 161).

    Figura 2 - Matriz Modalidades x Produtos da Aprendizagem.

    Ao avaliarmos qualquer transao em educao musical, digamos, uma aula de msica na educao infantil, ensaios de coros ou bandas, ou uma aula de instrumento, o avaliador deve perguntar quantas dessas estrelas esto pre-sentes. Por exemplo, a atividade focada na estrela inferior esquerda ainda na modalidade da performance ou outras produtos da aprendizagem esto envolvidos? A composio ou a apreciao evidente? Se no, podemos nos perguntar por que no? Quanto mais rica a atividade, mais estrelas sero visveis,

  • ento, maiores chances h de envolvimento significativo dos estudantes, cada um tendo suas diferentes maneiras de se relacionar com a msica. De forma similar, ao avaliar a produo musical e s respostas dos alunos, podemos iden-tificar a atividade ou as atividades, mas tambm, precisamos estar alertas para as camadas interativas dos produtos da aprendizagem, da compreenso musical.

    E a compreenso pode ser mais profundamente afetada pela atividade na qual o indivduo est engajado e este pode se sentir mais estimulado em uma modalidade do que em outra. Por exemplo, um talentoso improvisador que requisitado a executar uma msica complexa escrita por outra pessoa pode se sentir constrangido e sob presso, incapaz de apresentar ideias musicais de uma maneira coerente. Da mesma forma, um intrprete erudito fluente com um repertrio memorizado pode se sentir perdido se convidado a compor ou improvisar (tocar de ouvido) e pode, sob estas condies, no ser capaz de revelar ou ampliar suas, de outra forma, indubitveis habilidades musicais.

    A Educao Musical tende a ser controversa em tempos crticos como

    durante a formulao de polticas educacionais. As razes para isso incluem a forte dimenso social da msica e a lealdade que os diferentes tipos de msica despertam atravs das faixas etrias, etnias e grupos sociais. De todas as disci-plinas escolares, a msica a mais imersa na cultura, tendo como paralelo mais prximo o ensino religioso nos Estados. Nos dois ltimos volumes da coleo publicada, h artigos que se dedicam s controvrsias do currculo em msica. Estas tendem a emergir mais claramente durante a formulao das prescries curriculares, ou na forma de um Currculo Nacional, ou, no caso dos Estados Unidos, os National Standards. Frequentemente, e em particular nos Estados Unidos, a legislao ou o currculo para as escolas tem sido recebido positiva-mente e encarado como uma forma de protege-la como uma disciplina escolar. Uma contribuio de Paul Lehman defende que documentos como os National Standards dos Estados Unidos oferecem oportunidades para legitimar e tornar pblico o valor da msica.

    No Reino Unido, na poca da formulao do Currculo Nacional, as coisas foram bastante diferentes, como mostram os artigos escritos na poca por Gam-mon e Shepherd / Vulliamy, e que se encontram na coleo, representando as

  • perspectivas tanto da educao musical quanto da sociologia. Esta controvrsia em torno do currculo produziu sua prpria verso do debate viso esttica x viso prtica sobre o lugar da discusso em torno da tradio ocidental clssica em relao s outras tradies musicais. Tambm exps conceitos bem dife-rentes sobre o que significa conhecimento musical. Estes estavam articulados mais claramente nos chamados objetivos a atingir. O comit organizador, o Conselho do Currculo Nacional, tentou produzir uma teoria tradicional do conhecimento musical que eles resumiram assim (NATIONAL CURRICULUM COUNCIL, 1992, p. 92):

    Objetivo1 Executando e CompondoO desenvolvimento da habilidade de executar e compor msica

    Objetivo 2 Conhecimento e compreensoO desenvolvimento do conhecimento e da compreenso da histria e da teoria da msica, incluindo a habilidade de ouvir e apreciar msica.

    Esta uma teoria muito limitada a respeito do conhecimento musical. A compreenso, aqui, separada da ao musical e confinada aos fatos, ao conhecimento de histria e teoria. Composio e Execuo parecem ter se tornado atividades que no envolvem reflexo, nas quais a compreenso no adquirida nem demonstrada. Alm disso, na redao da segunda meta, a balana pendeu fortemente para o conhecimento factual sobre msica, em vez do conhecimento propriamente musical. Isto provavelmente teria o efeito de aumentar a quantidade de informao factual e desconectada dentro de uma disciplina j restrita a um pequeno espao de tempo no currculo escolar.

    Em resposta a tudo isso, foi sugerido pelo presente autor, em um fax crucial e fortuitamente cronometrado para o Secretrio de Estado da Educao, que as Metas deveriam ser reescritas e que os elementos prticos do currculo deveriam ser reforados especificando-se um peso maior em seu favor.

    Objetivo 1 Executando e CompondoO desenvolvimento da habilidade de executar e compor msica com compreenso.

    Objetivo 2 Ouvindo e apreciandoO desenvolvimento da habilidade de ouvir e apreciar msica, incluindo o conhecimento de histria da msica.

  • Em um comunicado imprensa, o Secretrio do Estado comentou que o argumento era mais em relao embalagem do que substncia, mas admitiu que a aquisio de conhecimento e compreenso no devia estar separada das atividades prticas. Por esta razo ele disse que alterou o ttulo do segundo objetivo, e acrescentou uma descrio mais detalhada de ambos objetivos de acordo com as sugestes recebidas. Esta declarao d alguma indicao do nvel de compreenso que sustenta esta viso particular de conhecimento musical e triste notar que, no currculo de arte, o fazer ficava separado do conhecimento e da compreenso, como se nada tivesse sido aprendido a partir do debate na rea da educao musical.

    Uma comparao entre essas formulaes revela profundas diferenas nas teorias de conhecimento musical. Histria da Msica ou da Arte so abordadas de maneira muito mais rica pelas portas e janelas abertas por determinadas peas e performances, pelos encontros com pinturas e esculturas especficas. De outra forma, no seria uma histria da msica ou da arte, mas a histria de msicos e artistas, suas vidas e tempos histricos, a cronologia dos instrumentos musicais, tcnicas de gravao ou uma coleo de formas musicais ronds, fugas, blues ou de gneros artsticos impressionista, cubista e assim por diante.

    Muitos autores questionaram a relao entre a instruo formal particular,

    escolas ou faculdades e o fazer musical das comunidades. E o fazer musical nas comunidades bastante significativo. Por exemplo, nos anos 1980, em sua pesquisa sobre o fazer musical em uma cidade relativamente nova da Inglaterra (Milton Keynes, com uma populao em torno dos 100.000 habitantes), Ruth Finnegan encontrou msica em 92 escolas, mas tambm em vrios outros luga-res. Havia oito bandas de msica, 100 coros, 200 pequenas bandas incluindo pop, rock, folclricas, jazz quatro orquestras clssicas e inmeros grupos de cmera. O fazer musical estava presente em muitas das 70 igrejas. Estas ativi-dades no estavam localizadas geograficamente em comunidades claramente definidas. Ao contrrio, havia caminhos musicais, mltiplas estradas atravs de vrias escolhas musicais feitas por cada pessoa (FINNEGAN, 1989, p. 162). Um caso extremo desses caminhos pode ser observado no artigo A msica est no nosso sangue: os msicos muulmanos Gujarati no Reino Unido de John

  • Baily, que descreve um processo de osmose numa tradio aparentemente imutvel, onde jovens apenas pegam a msica no ar (BAILY, 2006, p. 448). Isto tambm representa um desafio, tanto para estes msicos como para os sistemas escolares, em que msica e educao musical podem ser atividades problemticas para muitos islmicos.

    A msica pode, de fato, reforar os valores culturais locais, mas tambm pode ir alm. Pode ser tanto um espelho e uma janela reforando as identidades de grupos culturais, mas tambm abrindo novos caminhos, servindo ao futuro bem como conservando o passado.

    medida que eu traava a evoluo do pensamento e da prtica atravs do processo de organizao da Coleo Music Education (Major Themes in education), muitas coisas tornaram-se evidentes. Em primeiro lugar, os primeiros autores eram quase todos homens e seus textos consistiam, quase todos, em captulos de livros. E eles vieram com um zelo quase missionrio para estabe-lecer fortes credenciais para a educao no campo das artes, com justificativas filosficas como as de Louis Arnaud Reid, Harry Broudy, Bennett Reimer e John Paynter. Em uma perspectiva psicolgica, ns encontramos no trabalho de Carl Seashore e outros um compromisso com a definio e com o teste da habilidade musical, s vezes chamadas de talentos (Seashore e Kwalwa-sser), inteligncia (Wing) ou aptido (Gordon). Neste trabalho, parecia assumir-se que a habilidade musical, como a inteligncia, era universal uma afirmao problemtica. Tambm, muito do que figurava como importante no fazer musical e na compreenso musical parecia ser deixado de fora da maior parte dos testes: conscincia do carter expressivo e de sua organizao numa forma coerente. Estas no so meras propriedades subjetivas, mas podem ser identificadas e discutidas, e certamente devem fazer parte de todo processo efetivo de ensinoaprendizagem musical. A psicologia da msica foi alm das definies de testes de habilidade, o que pode ser observado nas contribuies de John Sloboda, David Hargreaves e muitos outros. Publicaes mais recentes na coleo mostram um aumento significativo das contribuies das mulheres, nas pesquisas qualitativas e em estudos de caso de todos os tipos de msica sendo realizados e compreendidos em um rico espectro de contextos culturais.

    O ensino em escolas ou faculdades nunca poder abarcar a crescente gama de instrumentos e estilos. H tambm educadores musicais cujas atividades vo

  • alm das definies usuais professores generalistas e especialistas. Eles podem at nem se reconhecerem como professores, preferindo-se ver como msi-cos, desejando apenas compartilhar com os outros sua forma de fazer msica. O futuro da educao musical depende do reconhecimento desta diversidade musical e de uma colaborao mais ntima entre as instituies formais e os mundos musicais alm dos portes da escola.

    Por muito tempo, ansiei por um mundo menos complicado, onde existisse talvez uma via principal atravs do campo da educao musical. Hoje, eu acre-dito que a confuso criativa tem seu valor, oferecendo muitas vias alternativas para a compreenso musical. Entretanto, um papel importante de escolas e faculdades pode ser o de dar o devido valor s mltiplas possibilidades musicais existentes em nossas vrias comunidades. Isto incluir a garantia de acesso para todos e a responsabilidade pela garantia de qualidade; certificando-se de que h oportunidades para todos e que o processo de ensinoaprendizagem seja avaliado e embasado em uma rica vivncia musical. Espero que estejam tambm fundamentados nos princpios pedaggicos que eu apresentei no livro Ensi-nando Msica Musicalmente (SWANWICK, 1999): o cuidado com a msica como uma forma expressiva, um discurso simblico; o respeito pelo discurso musical dos alunos; e o cuidado pela fluncia na troca de ideias musicais. Pois, no obstante as perspectivas (teorias) muitas vezes contestadas, parecem existir alguns valores comuns (hesito em dizer universais). Entre eles, est o sentido de que a msica uma manifestao importante daquilo que ser humano, e que a educao musical depende de uma via dupla de transmisso musical entre alunos e professores da maneira mais rica possvel.

    Resumo: O texto apresenta algumas consideraes sobre a reviso da produo no campo da educao musical entre os anos de 1930 e 2012, reunida na coleo Music Education (Major themes in Education) (2012), recentemente publicada. Neste sentido, o ttulo do artigo reflete as mltiplas perspectivas sobre a natureza, o valor e a prtica do ensino de msica, incluindo: a gama de definies para a educao musical, a importncia de perspectivas tericas, a relao entre ensino e aprendizagem, a avaliao das prticas em sala de aula, a natureza controversa da educao musical, e a aprendizagem formal e informal. Por fim, o texto ressalta o valor desta con-fuso criativa, que acaba por oferecer uma rica diversidade de alternativas para a compreenso musical, garantindo oportunidades para todos ao mesmo tempo em que exige responsabilidade pela qualidade do processo de ensinoaprendizagem.

    Palavras-chave: Educao Musical, Perspectivas Tericas, Prticas de ensino em msica.

  • Abstract: This text presents some considerations about the scientific production in Music Education between 1930 and 2012, which was organized in the recently published collection Music Edu-cation (Major Themes in Education) (Swanwick, 2012). The title, The Creative Muddle, reflects these multiple perspectives on the nature and value of music and the practice of music teaching. The article revisits some of the recurring issues, prompted by contributors to the collection. These include: the range of settings for music education; the importance of theoretical perspectives; the relationship between teaching and learning; evaluating classroom transactions; the controversial nature of music education; formal and informal learning. Finally, the text emphasizes the value of this creative muddle, which provides many alternative pathways to musical understanding, ensuring opportunities for all while requiring accountability for the quality of the teaching-learning process.

    Keywords: Music Education, Theoretical Perspectives, Music Teaching Practices.

    Swanwick, K. (ed.) Music Education. Major Themes in Education. London and New York: Rout-ledge, 2012.

    Kodaly, Z. The selected writings of Zoltan Kodaly. London: Boosey and Hawkes, 1874.

    Thomas, R.B. Manhattanville Music Curriculum Project Synthesis; a structure for music edu-cation. New York: Bardonia, N.Y., Media Materials, inc., 1970.

    Bruner, J. S. Toward a theory of instruction. Harvard University Press, 1966.

    Levin, B. Conducted Tour. London: Hodder and Stoughton, 1981.

    Swanwick, K. Teaching music musically. London and New York: Routledge, 1999.

    Swanwick, K. Musical knowledge: intuition, analysis and music education. London and New York: Routledge, 1994.

    National Curriculum Council, Consultation report. York, England, 1992.

    Finnegan, R. The hidden musicians: music-making in an English town. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.

    Baily, J. Music Is In Our Blood: Gujarati Muslim Musicians in the UK. Journal of Ethnic and Migration Studies, vol. 32, n. 2, 2006. p. 257-270.

    Recebido em 15/04/2013Aprovado em 25/05/2013

  • Sergio FigueiredoUniversidade Estadual de Santa Catarina (UDESC)[email protected]

    A educao musical na escola brasileira tem ocupado um grande espao de discusso a partir da aprovao da lei 11769/2008 que trata da obrigato-riedade da msica como contedo curricular obrigatrio na educao bsica (BRASIL, 2008). Os sistemas educacionais brasileiros deveriam, a partir desta nova lei, adaptar seus currculos de forma a atender a obrigatoriedade apontada no texto legal.

    No entanto, a implementao desta obrigatoriedade da msica na escola brasileira caminha a passos lentos e at hoje, no ano de 2013, ainda verificamos uma ausncia significativa de aes especficas que garantam o cumprimento da lei, oportunizando a todos os brasileiros que passam pela escola, experincias musicais em seu processo formativo escolar. Os desafios para a implementao da lei 11769/08 so vrios e dependem, de uma forma geral, de aes pontuais, respeitando os diversos contextos educacionais brasileiros.

    Os desafios que confrontamos na atualidade refletem, de alguma maneira, diferentes formas de pensar sobre o papel da msica e das artes em geral - na escola. Tais formas de pensar originam prticas escolares mais ou menos

  • consistentes, de acordo com as perspectivas adotadas para o ensino das artes nos contextos escolares. Consequentemente, a diversidade de entendimentos sobre as artes, sua funo e sua presena na formao escolar gera tambm uma diversidade de aes que correspondem s expectativas previstas nos currculos escolares com relao s vrias reas de conhecimento.

    Este texto busca analisar e discutir elementos relacionados educao musical brasileira trazendo antecedentes histricos que evidenciam, de forma direta ou indireta, a situao das artes na escola brasileira na contemporanei-dade. A partir destes elementos relacionados histria da educao musical brasileira pretendemos refletir sobre a situao atual, especialmente no que se refere aos desafios para a implementao da lei 11769/08 de forma plena, em todo o territrio nacional e que tal implementao garanta a qualidade da educao musical desejada para a escola de educao bsica no Brasil.

    A partir de uma reviso de literatura na rea de educao musical, mais especificamente aquela que trata de legislao educacional, polticas pblicas e currculo para a educao bsica, o texto seleciona questes que sintetizam desafios contemporneos para a educao musical na escola brasileira e a implementao da lei 11769/08. Longe de esgotar a discusso, e assumindo e respeitando a diversidade cultural brasileira, este texto pretende alargar as reflexes sobre o tema da msica na escola a partir das anlises apresentadas, vislumbrando possveis indicadores para o encaminhamento de aes que possam concretizar uma educao musical democrtica, acessvel a todos os brasileiros que passam pela escola.

    O ensino de msica na escola brasileira pode ser observado a partir de

    distintos momentos histricos que evidenciam a presena desta prtica na formao escolar. Evidentemente cada momento histrico apresenta singu-laridades que se manifestam nas vrias atividades humanas. As aes curri-culares, portanto, tambm apresentam singularidades que esto diretamente relacionadas com concepes de mundo e de ser humano, concepes estas que enfatizam, negligenciam ou ignoram reas do conhecimento na organi-zao curricular em favor de uma forma especfica de conceber e praticar o currculo escolar.

  • As artes em geral no currculo escolar raramente ocuparam posies de relevncia, quando comparadas a outras reas do conhecimento escolar, consideradas fundamentais e essenciais para a formao escolar. Esta falta de relevncia pode ser observada a partir da descontinuidade de aes, ausncia das artes no currculo em diversos contextos, ausncia de profissionais espe-cializados nas diferentes linguagens artsticas atuando na escola, carga horria reduzida, inadequao de espaos fsicos, funes pretendidas para estas reas no currculo, entre outros elementos.

    Cabe ainda destacar que a msica nem sempre esteve vinculada rea de artes nos currculos, havendo momentos especficos onde estas experincias se constituam como atividades distintas no currculo escolar. Ao se traar uma linha do tempo nota-se que, desde o sculo XIX at os dias de hoje, a msica esteve presente nos currculos escolares, com diversas abordagens. Portanto, discutir a msica na escola na contemporaneidade significa tambm refletir sobre as perspectivas adotadas ao longo do tempo que, de alguma forma, indicam diferentes concepes, sendo que algumas delas podem ainda estar subjacentes s concepes e aes atuais com relao msica na escola.

    No sculo XIX a msica esteve presente na escola de forma obrigatria, como evidencia o Decreto 1331-A de 17 de fevereiro de 1854 (BRASIL, 1854). Antes mesmo desta data, possvel identificar diversas experincias de educa-o musical relacionadas atuao dos Jesutas no Brasil com suas propostas educacionais. A obrigatoriedade da msica na escola naquele perodo da edu-cao brasileira primeira metade do sculo XIX - comprova a existncia de elementos musicais como parte da formao educacional geral dos estudantes. O contedo expresso no prprio decreto mencionado enfatiza a leitura musi-cal e o uso da voz. No objetivo deste texto a discusso sobre a pertinncia destes contedos musicais na formao escolar, mas fica evidente a presena de elementos musicais aplicados a todos os indivduos na escola.

    importante destacar que a escola no sculo XIX era acessvel para uma parcela muito limitada da populao brasileira. Ao identificarmos a presena da msica na formao escolar daquele tempo significa, tambm, identificarmos o carter elitista da educao musical que s estava disponvel para uns poucos privilegiados que frequentavam a escola. Neste sentido, a histria nos ensina que este carter elitista vem sendo superado a partir da responsabilidade do Estado brasileiro com relao gratuidade da educao, viabilizando escola

  • para todos os cidados, reduzindo imensamente o carter exclusivo da edu-cao no passado. Evidentemente o conceito de excluso vai alm do acesso escola, mas inclui, tambm, diversos fatores sociais, econmicos e culturais imbricados nas polticas educacionais de cada tempo. Nesta direo, pensar em educao musical na escola para todos amplifica esta vertente inclusiva na experincia escolar, onde todos os que passam pela escola poderiam ter acesso tambm aos bens artsticos e culturais produzidos pela humanidade. Em sntese, a msica na escola tambm refora o carter inclusivo da educao porque viabiliza o contato e a experincia como o mundo sonoro organizado em diversos tempos e em diferentes culturas ao longo da histria, incluindo a produo contempornea. A msica contribuiria, portanto, para ampliar a viso de mundo, j que a experincia musical est presente em todas as culturas humanas, o que por si s j representa um elemento extremamente relevante para os seres humanos.

    Alem deste decreto, no final do sculo XIX outro decreto (BRASIL, 1890) trata da formao especfica para os professores que deveriam ensinar msica na escola. importante verificar este aspecto relacionado ao ensino de msica que, at os dias de hoje, ainda representa um grande desafio educacional. Re-alizar experincias musicais como cantar em um coral, tocar um instrumento, participar de uma banda, de uma orquestra, de um grupo de rock, por exemplo, no significa automaticamente estar preparado para ser professor de msica. Para o senso comum, a habilidade de tocar um instrumento, por exemplo, j significaria a condio para ensinar este instrumento, desconsiderando as questes pedaggicas envolvidas nos processos de aprendizagem e ensino. Desta forma, o referido decreto salienta um ponto fundamental que precisava ser tratado naquele momento histrico, ou seja, a formao especfica para o professor de msica. Tal preocupao com a formao de profissionais para o ensino de msica tambm assunto atual, representando um dos principais desafios para a educao musical brasileira.

    Na primeira metade do sculo XX podemos destacar o Canto Orfenico, idealizado e organizado por Heitor Villa-Lobos, como atividade musical escolar dirigida para todos. A ideia do canto coletivo j vinha sendo concretizada no contexto europeu e sua aplicao no Brasil correspondia a uma srie de anseios educacionais e sociais preconizados pelo ento governo de Getlio Vargas (HENTSCHKE; OLIVEIRA, 2000, FUKS, 2007; OLIVEIRA, 2007). O gigantismo

  • praticado atravs das grandes aglomeraes corais realizava parte do ideal socialista da poca, cantando e celebrando a Ptria brasileira. Evidentemente o projeto de educao de um pas est diretamente relacionado com os ideais polticos de um momento histrico, refletindo ideologias vigentes ou desejadas. Villa-Lobos, atravs do Canto Orfenico, contribuiu para o desenvolvimento de uma educao musical apoiada nos ideais polticos de seu tempo, sendo gra-dualmente enfraquecida esta ao na medida em que novos modelos polticos e sociais foram ocupando espao no contexto brasileiro.

    Em 1932 tornou-se obrigatrio o ensino do canto orfenico nas escolas do Rio de Janeiro. Para tanto, foi necessria a criao de um centro de formao de pro-fessores que os capacitasse a ministrar a nova disciplina. criou-se ento a Sema, (Superintendncia da Educao Musical e Artstica), como parte da Secretaria de Educao e cultura do Distrito federal. Sob o comando de Villa-lobos, essa agn-cia tinha em trs pontos centrais as diretrizes pedaggicas da prtica orfenica: a disciplina, o civismo e a educao artstica. (NORONHA, 2011, p. 89).

    Para Villa-Lobos o primeiro objetivo do canto orfenico era o civismo, ou seja, atravs do canto seriam evidenciadas as relaes com a Ptria, a va-lorizao daquilo que era considerado nacional; a este objetivo esto ligadas as obras musicais dirigidas para temas cvicos e tambm aquelas do folclore brasileiro, que tambm foram objeto de pesquisa por parte de Villa-Lobos. O segundo objetivo do Canto Orfenico era o desenvolvimento da disciplina, considerando que a experincia musical em grupo desenvolve diversas atitudes externas e internas ao indivduo que participa de tal experincia. O terceiro objetivo estava ligado educao artstica, ou seja, atravs do canto em grupo seria possvel desenvolver um potencial artstico, necessrio para todos os seres humanos. Para o cumprimento destes objetivos foram recrutados e preparados professores para atuarem nas escolas, evidenciando, novamente, a necessidade de profissionais preparados para o ensino de msica na escola.

    O Canto Orfenico significou uma longa experincia para a educao musical brasileira entre as dcadas de 1930 at o final da dcada de 1950 - e at hoje so mencionados diversos aspectos daquela prtica, alguns elogiosos e outros bastante crticos com relao ao modelo criado e desenvolvido por Villa-Lobos. Desta experincia podemos destacar a abrangncia nacional do projeto, envolvendo escolas e estudantes de todo o Brasil. A marca do Canto Orfenico distinta para muitos educadores que gostariam de reaplicar o mo-delo de Villa-Lobos aos dias de hoje. No h dvidas quanto pertinncia de

  • um projeto que possui contedos especficos de msica, que prepara professores para atuar dentro de uma metodologia comum e que produz materiais didticos especficos para serem utilizados no desenvolvimento do trabalho. No entanto, necessrio que se compreenda o contexto histrico e educacional daquela poca, o que, de certa forma, inviabiliza a simples transposio de um modelo passado para os dias atuais. Aqui se refora a questo essencial que decorre da aprovao da lei 11769/08: que tipo de educao musical se espera para a escola brasileira nos dias atuais? Certamente possvel concordar com a impor-tncia do canto coletivo para o desenvolvimento de diversas aes relacionadas educao musical, mas no como nico modelo ou como o mais adequado para a educao musical no Brasil de hoje, considerando a diversidade de contextos educativos em que se desenvolvem projetos de educao musical. Portanto, as respostas ao questionamento sobre a educao musical brasileira ps lei 11769/08 devero ser construdas a partir dos contextos especficos onde o ensino de msica ser ministrado.

    A partir da lei 5692 de 1971 foi estabelecida a educao artstica como

    rea a ser includa no currculo escolar (BRASIL, 1971, art. 7). A partir desta legislao, outros documentos foram produzidos, definindo as reas con-templadas pela educao artstica: Artes Cnicas, Artes Plsticas, Desenho e Msica (BRASIL, 1979, 1982). A formao do professor de educao artstica foi estabelecida inicialmente como uma licenciatura curta, com durao de dois anos, onde se apresentava elementos das 4 reas artsticas previstas. Com esta formao aligeirada a ideia era formar rapidamente professores para atuarem nas escolas, de acordo com a nova legislao. A licenciatura curta habilitava os professores para atuao no chamado 1 grau, correspondente aproximadamente ao Ensino fundamental de hoje. A partir desta licencia-tura curta, as instituies de ensino superior criaram as licenciaturas plenas dirigindo a formao para uma das 4 reas especficas da educao artstica. Assim, os dois primeiros eram voltados para uma formao geral em todas as artes, e outros dois anos eram dedicados a uma especializao em uma das linguagens. Os diplomas da licenciatura plena indicam claramente que o curso de Licenciatura em Educao Artstica, com habilitao em uma

  • das 4 reas artsticas. A licenciatura plena tambm autorizava o professor a ministrar aulas no 2 grau, equivalente ao atual ensino mdio.

    A situao descrita para a formao do professor de educao artstica gerou, num primeiro momento a noo de que um professor poderia lidar com todas as reas artsticas, j que recebia formao em todas elas. Mas preciso considerar o tipo de formao que seria possvel num perodo de 2 anos, onde os estudantes deveriam ser preparados com relao experincia com cada linguagem artstica, alm das questes pedaggicas referentes ao ensino das artes na escola. No difcil imaginar a ineficincia desta proposta, considerando o tempo e abrangncia da formao para a educao artstica. Assim se estabeleceu a prtica da polivalncia para as artes, onde um nico profissional passou a ser responsvel pelo ensino de todas as reas artsticas na escola.

    A licenciatura plena em educao artstica indica a possibilidade do profes-sor se especializar em uma das linguagens artsticas, trazendo mais consistncia e relevncia para o desenvolvimento de atividades para os quais estaria melhor preparado. No entanto, mesmo com a licenciatura plena, os profissionais da educao artstica mantiveram a prtica da polivalncia para as artes, por razes diversas. A presso dos administradores escolares na manuteno do modelo onde um professor seria responsvel por todas as reas tem um fundo econ-mico evidente: um professor custa menos do que 4 professores. Outra razo tambm poderia estar relacionada com o hbito de se fazer um pouco de cada linguagem artstica na disciplina de educao artstica, de forma superficial, sem maiores compromissos com o desenvolvimento de habilidades e competncias relativas a cada linguagem artstica. necessrio tambm destacar a precariedade da formao oferecida nos cursos de licenciatura em educao artstica que tinham que lidar com um enorme desafio para formar profissionais capacitados para o exerccio profissional.

    As crticas a este modelo da polivalncia para as artes esto amplamen-te divulgadas na literatura especfica. Barbosa (2001, p. 48) considera que a polivalncia uma verso reduzida e incorreta do princpio da interdiscipli-naridade que foi desenvolvida em escolas norte-americanas, mas introduzida no Brasil de forma distorcida. Fonterrada (2005) enfatiza a falta de preparao dos professores de educao artstica com relao s expectativas educacionais da poca. Duprat (2007) lastima que a educao artstica produziu efeitos

  • devastadores que perduram at os dias atuais. Outros autores tambm de-senvolvem anlises crticas com relao educao artstica e polivalncia, evidenciando a insuficincia deste modelo para o ensino das artes (Figueiredo, 2004a, 2004b, 2007, 2009a; Fonterrada, 2005; Hentschke e Oliveira, 1999; Penna, 2002, Tourinho, 1993).

    Este assunto referente polivalncia no est presente apenas num recorte histrico que identifica o momento da implantao da educao artstica em 1971 como o incio de um modelo cuja eficincia altamente discutvel pelas razes expostas anteriormente. A polivalncia continua presente em diversos sistemas educacionais, mesmo depois de tantas crticas a este modelo, e mesmo depois da extino da educao artstica pelo menos como nomenclatura nos textos legais, como discutiremos a seguir.

    A Lei 9394/96 - a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

    - trouxe diversas mudanas para a educao brasileira, incluindo novos indica-dores para as reas de artes no currculo escolar. O novo texto legal extinguiu a expresso educao artstica, o que poderia ser entendido como uma mudana relativa presena das artes no currculo escolar.

    O artigo 26 da LDB de 1996, em seu pargrafo 2o, estabelece que o ensino da arte constituir componente curricular obrigatrio, nos diversos nveis da educao bsica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos (BRASIL, 1996). Este texto, da forma como est apresentado merece consideraes. O artigo 26, de onde se extrai a citao acima, per-tence ao conjunto de indicaes originalmente dirigidas para os currculos do ensino fundamental e do ensino mdio, sugerindo que o ensino de arte, portanto, seria obrigatrio nestes dois perodos da educao bsica ensino fundamental e ensino mdio. No entanto, o pargrafo 2o do artigo 26 trata dos diversos nveis da educao bsica, o que significa a educao infantil, o ensino fundamental e o ensino mdio. Esta falta de clareza no texto com relao ao perodo de obrigatoriedade do ensino da arte no currculo escolar foi resolvida com nova redao aprovada pela lei 12796 de 2013, onde o artigo 26 estabelece:

  • Os currculos da educao infantil, do ensino fundamental e do ensino mdio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos. (BRASIL, 2013)

    O novo texto aprovado em 2013 esclarece, definitivamente, que o ensino da arte deve estar presente em todos os nveis da educao bsica, ou seja, na educao infantil, no ensino fundamental e no ensino mdio. Cada um destes nveis possui caractersticas especficas, pois tratam de diferentes faixas etrias, da participao de diferentes profissionais da educao, incluindo professores pedagogos e professores especialistas, com organizao curricular especfica adequada para cada um destes nveis.

    A partir deste esclarecimento no texto legal, o ensino da arte tambm po-deria ser includo a partir de diferentes perspectivas, com distintos profissionais. Na educao infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, predominan-temente atuam professores habilitados em cursos de pedagogia, cuja funo lidar com todas as reas do conhecimento escolar. Nesta perspectiva, este pedagogo tambm poderia incluir a msica, considerando a obrigatoriedade da arte no currculo, mas evidentemente preciso formao adequada para assumir tambm esta tarefa na prtica pedaggica dos anos iniciais da escola. Este assunto vem sendo debatido na literatura da rea de educao musical que, em geral, detecta fragilidades nos cursos de pedagogia com relao formao em artes, de um modo geral, e em msica, de maneira particular (BELLOCHIO, 2001, 2003; SOUZA, 2002; DINIZ; DEL BEN, 2006; BEAUMONT; BAESSE; PATUSSI, 2006, FIGUEIREDO, 2002, 2003, 2005, 2008, 2009b; WERLE; BELLOCHIO, 2009). Ao mesmo tempo a literatura indica resultados positivos de cursos de msica oferecidos para pedagogos ou para estudantes de pedagogia, o que demonstra a possibilidade de preparao musical para os profissionais que atuaro nos anos iniciais da escola (FIGUEIREDO; BELLOCHIO, SOUZA, 2008; FIGUEIREDO; DIAS; MACHADO; SILVA, 2006; QUEIROZ; MARINHO, 2007; FIGUEIREDO, 2007).

    Professores que atuam nos anos iniciais da escola, habilitados nos cursos de pedagogia, poderiam se tornar aliados no desenvolvimento de atividades musicais na escola, a partir de formao adequada durante o curso univer-sitrio e tambm em aes de formao continuada. A ideia do pedagogo

  • compreendendo e atuando em atividades musicais na escola no significa a substituio de um profissional especializado em msica. Resultados de pesquisas reforam que o trabalho colaborativo entre especialistas e peda-gogos pode ser positivo, onde cada um desempenha uma funo especfica (GODOY; FIGUEIREDO, 2005; FIGUEIREDO; SILVA, 2005; FIGUEIREDO, 2006; WERLE; BELLOCHIO, 2009).

    A presena de professores especialistas em diversas reas do conhecimento escolar nos anos finais do ensino fundamental e no ensino mdio uma prtica corrente nos sistemas educacionais brasileiros. O ensino da arte tambm conta com especialistas para estes perodos escolares e aqui se apresenta um ponto que o texto legal ainda no esclareceu de forma suficiente, permitindo diversas interpretaes. No passado os cursos de educao artstica ofereciam habilita-es especficas, mantendo algum tipo de formao nas vrias reas de artes previstas para aquele momento histrico. A partir de 1996 no se emprega mais a expresso educao artstica, indicando algum tipo de mudana. No entanto, para muitos sistemas educacionais a partir de 1996 apenas o nome da disciplina educao artstica foi modificado para arte, mantendo exatamente o modelo da polivalncia praticado a partir de 1971. importante destacar que no perodo da educao artstica de 1971 a 1996 as reas artsticas definidas eram artes cnicas, artes plsticas, desenho e msica, e a partir de 1996, com a nova lei e os documentos complementares elaborados a partir do novo texto legal, as reas artsticas passam a ser: artes visuais, dana, msica e teatro (ver BRASIL, 1997, 1998). Portanto, o modelo anterior no poderia ser aplicado integralmente, em princpio, porque as reas no so as mesmas em sua totalidade. O professor habilitado em educao artstica, no teve formao em dana, por exemplo. Este seria mais um elemento a ser considerado, observando que a nova lei de 1996 no tratava apenas de uma mudana de nomenclatura.

    Outro elemento que refora a mudana desejada em termos de ensino da arte na escola est na publicao das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduao, que so apresentadas separadamente, indicando di-retrizes especficas para as artes visuais (BRASIL, 2009) para a dana (BRASIL, 2004b), para a msica (BRASIL, 2004a) e para o teatro (BRASIL, 2004c). No existe mais a possibilidade de se formar um professor polivalente nas artes de acordo com a legislao brasileira em vigor, o que significa que o ensino da arte na escola estar a cargo de profissionais habilitados para reas especficas,

  • o que indica a necessidade de reviso de currculos ou da redistribuio das diferentes linguagens artsticas ao longo da educao bsica.

    Dois outros pontos merecem destaque nesta anlise da LDB de 1996 no que refere ao ensino da arte no currculo da educao bsica. O primeiro ponto se refere liberdade e autonomia outorgada aos sistemas educacionais para a elaborao de seus projetos polticos e pedaggicos. Assumindo esta liberdade de organizao, diversos sistemas educacionais ainda mantem a prtica da polivalncia para as artes, o que em termos legais no estaria incorreto, considerando a autonomia dos sistemas. como se a polivalncia fosse uma escolha, entre outras, a ser aplicada no contexto educacional. Enquanto h professores com diplomas de educao artstica atuando nas escolas, a ideia da polivalncia parece ganhar fora, j que tais professores, em grande parte, foram formados no modelo polivalente e atuam desta ma-neira nas escolas. No entanto, os novos egressos das licenciaturas especficas em cada linguagem artstica esto se deparando com diversos desafios, ao serem obrigados a atuar com todas as reas de artes ou sendo impedidos de assumir vagas nos sistemas de ensino porque no possuem um diploma de educao artstica.

    Os cursos de licenciatura na atualidade formam professores especficos nas diferentes linguagens artsticas e os sistemas educacionais precisam se adaptar a esta situao. Os cursos universitrios foram reformulados a partir das anlises dos resultados da polivalncia e das reivindicaes realizadas durante dcadas, desde a implementao da educao artstica em 1971. A grande crtica po-livalncia est relacionada superficialidade com que so tratados os assuntos das diversas linguagens artsticas, portanto, para combater a superficialidade preciso aprofundar cada rea especfica. Estas mudanas nos currculos univer-sitrios, assim como nos diplomas emitidos pelas instituies de ensino superior, ainda no atingem de forma clara as administraes educacionais que ainda solicitam professores polivalentes em seus quadros docentes, ou que nas provas de concurso pblico mantm a noo da polivalncia, exigindo conhecimentos de todas as reas artsticas, quando os candidatos egressos dos novos cursos de licenciatura especfica no esto aptos a responderem tais questes. Assim, fundamental a articulao entre as instituies de ensino universitrio e as instituies de educao bsica, atravs das secretarias de educao, para que a reorganizao curricular, a definio de projetos pedaggicos, a contratao

  • de professores, entre tantos outros fatores, possam estar alinhados suficiente-mente para promover cada vez mais qualidade no ensino da arte na escola, respeitando a habilitao dos professores.

    O artigo 62 da LDB de 1996 tambem deve ser lembrado para trazer tona a questo da formao exigida para os profissionais da educao. A licen-ciatura plena o curso exigido para atuao na educao bsica, no havendo qualquer indicao da necessidade de ligao direta entre a rea de formao e a rea de atuao na escola. Num exerccio elementar de lgica, o licenciado em matemtica deveria atuar na rea de matemtica na escola, assim como o licenciado em histria deveria atuar na rea de histria. Seguindo esta mesma lgica, para ser professor de msica na escola deveria ser necessria a licencia-tura em msica. Na prtica nem sempre isto acontece, j que diversos sistemas educacionais brasileiros ainda sustentam a prtica da polivalncia, considerando que o professor licenciado em educao artstica deve tambm lidar com msica, independentemente de sua formao. No entanto, diversos professores atuam fora de sua rea de formao por diversas razes, como a falta de profissionais disponveis na escola, interesse do professor em outra rea de conhecimento, formao paralela universidade, para dar alguns exemplos. A rea de artes muitas vezes assumida por profissionais sem formao especfica que atuam nestas reas por interesse prprio, possuindo ou no formao especfica para tal. Um exemplo pontual sobre esta situao pode ser encontrado em Chia-relli (2012) exemplificando a situao do ensino de msica no contexto da escola de tempo integral em Santa Catarina. Esta situao, frequente na rea de artes, no to comum com a rea de matemtica, por exemplo, e aqui se reforaria a ideia de hierarquia curricular, onde algumas reas so conside-radas mais relevantes do que outras. Nesta hierarquia, as artes ocupam lugar de pouco destaque, funcionando mais como passatempo ou ornamentao para as atividades comemorativas do calendrio escolar. Neste sentido, quem tem habilidades e interesse em trabalhos relacionados com arte pode assumir a disciplina de arte na escola, independentemente de formao especfica. A questo da licenciatura como formao obrigatria para atuao bsica significa uma valorizao do profissional da educao, que preparado e se dedica ao magistrio nos diversos nveis escolares. Um passo adiante seria uma maior definio da compatibilidade entre a formao universitria e a atuao do profissional na escola.

  • O texto da lei 9394/96 vem sendo modificado, adaptado, de acordo com as necessidades de atualizao das definies legais. Modificaes no texto legal so possveis e necessrias. A lei 11769 aprovada em 2008 um exemplo de modificao do texto da LDB de 1996 para tratar de assuntos referentes msica no currculo. Esta lei o assunto apresentado a seguir.

    Em 2006 foi deflagrado um movimento nacional cujo objetivo era a

    discusso da msica na escola. Todos os detalhes deste movimento vm sen-do amplamente discutidos e relatados na literatura, como por exemplo em Figueiredo (2009, 2010) e por Pereira (2010). Digno de nota a participao da Associao Brasileira de Educao Musical ABEM neste processo.

    A primeira definio neste processo que culminou com a aprovao da lei 11769/2008 foi em favor de uma pauta nica: a necessidade de aprimoramento do texto legal, estabelecendo claramente a msica como parte do currculo escolar. O texto da LDB de 1996, como j discutido anteriormente, garante a obrigatoriedade do ensino da arte na educao bsica sem definir que artes seriam includas, quantas horas, que profissionais atuariam no ensino destas artes, e assim por diante. Todas estas questes de certa forma poderiam ser respondidas pelos prprios sistemas educacionais ao assumirem a liberdade e a autonomia permitida pela legislao em vigor (BRASIL, 1996, art. 8 e 15). No entanto, o hbito de se compreender o ensino da arte no modelo polivalente, a resistncia a mudanas, o baixo status das artes no currculo hierarquizado, a ausncia de profissionais da rea de msica nas escolas, so fatores que de certa forma impedem ou dificultam o exerccio da autonomia e da liberdade dos sistemas educacionais.

    O movimento pela msica na escola entendeu que havia a necessidade de mudana no texto legal e diversos profissionais da msica e da educao trabalharam junto ao Congresso Nacional para a mudana no texto legal de forma a incluir a msica como parte obrigatria na formao escolar. Assim a lei 11769 foi aprovada em 2008:

    Art. 1o O art. 26 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte 6o:

  • Art. 26. ......................................................................................................... 6 A msica dever ser contedo obrigatrio, mas no exclusivo, do componente curricular de que trata o 2o deste artigo. (NR)Art. 2o (VETADO)Art. 3o Os sistemas de ensino tero 3 (trs) anos letivos para se adaptarem s exigncias estabelecidas nos arts. 1o e 2o desta Lei.Art. 4o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicao. (BRASIL, 2008)

    Desta forma a msica passou a integrar o texto legal com esta incluso de um pargrafo no artigo 26, esclarecendo, de certa forma, que o ensino de arte inclui obrigatoriamente a msica como contedo curricular. Algumas conside-raes se fazem necessrias a partir do novo texto aprovado:

    1- O artigo 26 da LDB de 1996 ganhou maior detalhamento. O texto anterior indicava o ensino de arte como componente obrigatrio e agora iden-tifica a msica como um destes componentes. As demais reas de artes esto se movimentando, tambm, para que sejam includas novas linhas no texto legal, garantindo a especificidade de cada linguagem artstica.

    2- A msica contedo obrigatrio, mas no exclusivo, ou seja, o mo-vimento em favor da msica na escola reconhece a existncia de outras artes que tambm deveriam fazer parte da formao escolar. Em nenhum momento se tentou estabelecer algum tipo de hierarquia entre as artes, onde a msica teria alguma primazia em relao s outras reas. A rea de msica defendeu e conquistou um espao no texto legal e espera-se, com esta lei, a presena mais significativa da msica no currculo de todas as escolas brasileiras, garantindo o acesso democrtico experincia musical como parte essencial na formao escolar.

    3- O pargrafo 2o da lei foi vetado, e tratava da indicao de profissionais especficos para o ensino de msica na escola. A justificativa para o veto se baseou em duas argumentaes, sendo uma delas plausvel, e outra bastante controversa. O que plausvel no veto o fato de que para nenhuma rea do conhecimento existe a indicao da obrigatoriedade de formao especfica. O artigo 62 da LDB, como j discutido anteriormente, destaca a obrigatoriedade da licenciatura plena para atuar na educao bsica. Entendeu-se, como justi-ficativa do veto, que no haveria razo para esta indicao especfica para uma rea, sendo que nenhuma outra rea teria a mesma prerrogativa. Se a msica obrigatria, podemos entender que quem vai ensinar msica o licenciado

  • em msica. Por diversas razes, esta lgica no se configura em grande parte dos sistemas educacionais brasileiros, com o deslocamento de professores para atuao em reas diferentes de sua formao. A questo mais polmica do veto se refere a uma justificativa para a no exigncia de profissionais com formao especfica, considerando que msicos consagrados estariam impossibilitados de atuar na escola, mesmo tendo competncia musical inquestionvel. Esta justificativa presente no veto contradiz o artigo 62 da prpria LDB de 1996, que exige a formao na licenciatura para atuao na educao bsica, indepen-dentemente das habilidades individuais dos indivduos ou quanto os mesmos so ou no famosos ou consagrados em uma determinada rea. Portanto, esta justificativa do veto est em discordncia com a prpria legislao em vigor. De qualquer forma, a justificativa anterior que iguala todas as reas do conhe-cimento escolar, sem definir que licenciatura seria necessria para atuao na escola, parece pertinente, considerando que os sistemas educacionais definiro as regras para contratao de profissionais. O que se espera que um licenciado em matemtica atue na rea de matemtica, que o licenciado em msica atue na rea de msica. Este um dos grandes desafios a serem superados pelas razes j discutidas anteriormente.

    4- Os 3 anos letivos para adaptao lei pelos sistemas educacionais j se esgotaram e algumas mudanas podem ser verificadas no cenrio nacional. Por exemplo, j possvel consultar editais de concurso pblico que solicitam profissionais especficos da rea de msica para atuao na escola. No entanto, ainda preciso muita ao para que se possa afirmar que a msica est efetiva-mente garantida na escola brasileira como parte da formao escolar oferecida para todos os alunos a partir da nova legislao. Diversos editais ainda solicitam professores de educao artstica, numa perspectiva polivalente, e isto precisa ser repensado, garantindo a presena de profissionais das reas especficas para atuao na escola. Digno de nota que o cumprimento da lei no fiscalizado necessariamente. Ainda existem sistemas educacionais que sequer conhecem o teor da nova lei e ainda no estabeleceram qualquer ao para sua implemen-tao. Outros sistemas consideram que no h o que mudar, j que a disciplina de arte tem alguns contedos de msica e assim a lei est sendo cumprida.

    Os desafios para a implementao da lei 11769/08 so vrios e os obs-tculos devero ser vencidos gradualmente. Diversos autores vm discutindo os limites e as possibilidades de implementao da nova lei (ver, por exemplo,

  • PENNA, 2008; SOBREIRA, 2008), apresentando vrios pontos de vista que indicam a complexidade da situao escolar para que efetivamente a msica esteja presente no currculo.

    A mudana de mentalidade um fator fundamental para que se avance em termos da msica na escola, principalmente levando-se em considerao a qualidade deste ensino de msica que se espera na educao bsica para todos os estudantes. Esta mudana de mentalidade depende de argumentaes e de orientaes claras sobre como fazer esta incluso da msica, como respeitar o ensino da arte como um todo na escola, como elaborar editais que garantam a especificidade de cada linguagem artstica, e assim por diante. O Conselho Nacional de Educao est atuando diretamente nestas questes referentes implementao da lei 11769/08, realizando audincias pblicas nas diferentes regies brasileiras com o objetivo de ouvir administradores, professores, pro-fissionais da educao em geral, estudantes de licenciatura sobre os desafios e as aes necessrias para que a msica passe a fazer parte do currculo. No Rio de Janeiro, em dezembro de 2012, ocorreu uma primeira reunio envolvendo representantes do CNE, professores, administradores educacionais, polticos, que discutiram limites e possibilidades da lei, estabelecendo algumas metas para a regulamentao deste processo de implementao da lei. Em 2013 sero reali-zadas reunies em todas as regies brasileiras com o objetivo de buscar subsdios para as orientaes que regulamentaro a implementao da lei 11769/08.

    A partir das consideraes apresentadas ao longo deste texto possvel verificar que, apesar dos avanos proporcionados pela lei 11769/08 incluindo a msica como contedo curricular obrigatrio na educao bsica, preciso assumir desafios que se apresentam nos dias de hoje. Ou seja, para que a msica esteja efetivamente presente no currculo escolar, acessvel para todos os estudantes de forma consistente e significativa, diversas aes precisam ser realizadas nos diversos sistemas educacionais brasileiros.

    O primeiro grande desafio retoma a questo da polivalncia para as artes, assunto que tem permeado as discusses sobre o ensino das artes na escola h vrias dcadas, e que ainda precisa ser enfrentado de forma objetiva. A lei

  • 11769/08 trouxe tona discusses importantes para o ensino das artes na escola ao estabelecer a msica como contedo obrigatrio. Ao estabelecer tal obriga-toriedade, a lei no detalha de que maneira esta rea ser includa, que tipo de professor seria responsvel pela msica na escola, qual seria a carga horria destinada ao ensino de msica e como estas atividades seriam distribudas ao longo da educao bsica, dividindo espaos com outras linguagens artsticas. De certa forma, como j discutimos anteriormente, a liberdade e autonomia dos sistemas educacionais poderia responder a todas estas questes, mas o hbito, a tradio e os vnculos com a prtica polivalente oferecem um grande obstculo para que se assuma com autonomia e liberdade as decises sobre a insero da msica no currculo escolar. Portanto, este desafio est ligado s concepes sobre o ensino da arte na escola e s consequentes aes decor-rentes de tais concepes.

    As vagas para a rea de arte na escola tambm oferecem desafios a serem enfrentados. Tradicionalmente um nico professor tem sido recrutado para atuar com todas as linguagens artsticas. Diversos editais de concursos pblicos ainda solicitam formao em educao artstica, impedindo os egressos dos cursos de licenciatura especficos em cada linguagem artstica de participarem dos processos de seleo para as vagas destinadas rea de arte. O entendi-mento que se mantem fortemente arraigado em diversos contextos que arte um conjunto de reas que deve ser administrado por um nico profissional, reforando um modelo amplamente discutido e considerado insuficiente para produzir experincias significativas com as artes na escola.

    A presena de profissionais especializados na rea de msica nas esco-las fator determinante da qualidade que se espera com esta formao. Ao definir diretrizes curriculares nacionais para cada uma das reas da arte, a prpria legislao indica claramente a possibilidade de se aceitar nos concur-sos pblicos todos os candidatos com formao nas diferentes modalidades artsticas, o que significaria a possibilidade de administrar a formao em cada rea com profissionais capacitados em uma especialidade artstica para a realizao deste trabalho na escola. Se o que se espera que seja oferecida educao musical de qualidade na escola fundamental que sejam contrata-dos profissionais capacitados para tal exerccio profissional. A licenciatura condio essencial para o cumprimento da legislao vigente e se esperamos uma educao musical com qualidade na escola preciso investir em um

  • maior nmero de vagas para licenciados em msica atuarem nos diferentes sistemas educacionais brasileiros.

    A disponibilidade de profissionais licenciados para atuao na escola ainda um grande desafio. Se por um lado desejamos mais vagas para os licen-ciados em msica, parece que ainda no dispomos de professores de msica interessados e comprometidos com a educao bsica. Em pesquisa realizada com quase 2000 estudantes de cursos de licenciatura em msica em todo o pas (FIGUEIREDO; SOARES, 2010, 2012), os resultados apontam para dificuldades reais no preenchimento de vagas, caso elas estejam disponveis em diversos con-textos. Menos de 30% dos participantes da pesquisa deseja atuar na educao bsica, o que evidencia novos desafios a serem enfrentados ao se vislumbrar um futuro prximo para a educao musical na escola. Enquanto advogamos em favor da msica na escola e do maior nmero de vagas especficas para professores de msica nos deparamos com limites como a falta de interesse e compromisso com o ensino de msica na educao bsica. Este resultado demonstra a necessidade de convencimento no apenas dos administradores educacionais para que tomem medidas que garantam a presena de professores de msica na escola, mas tambm preciso convencer os prprios estudan-tes de licenciatura em msica sobre a importncia e a relevncia do trabalho musical na educao bsica. Tal situao coloca em evidencia o desinteresse pela educao bsica com seus inmeros desafios, o que tem afastado muitos egressos das licenciaturas de vrias reas da atuao na escola regular. No caso da msica, muitos egressos das licenciaturas continuam preferindo a atuao em outros ambientes educacionais, como as escolas de msica e conservatrios, projetos sociais ou o ensino privado, contribuindo, de alguma forma, para a educao musical em diversos contextos, mas no para todos os indivduos. Neste sentido, defendemos ainda mais a presena da msica no currculo escolar como forma de acesso democrtico a todos os estudantes.

    Em sntese, precisamos de mais vagas, mais professores, mais comprometi-mento com a educao bsica em termos de msica. Para que estas demandas sejam contempladas na escola contempornea preciso construir uma nova mentalidade sobre a relevncia da msica na formao escolar. Para construir uma nova mentalidade preciso desconstruir diversos mitos em torno da apren-dizagem e do ensino de msica que ainda persistem nos ambientes escolares como, por exemplo, a questo do talento que apenas estaria disponvel para

  • alguns indivduos e o entendimento de que a experincia musical s se concre-tiza e tem valor a partir do estudo de instrumentos musicais tradicionais. A ex-perincia mu