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Instrumento de trabalho

Instrumento de trabalho - missiologia.org.br · Sair do egoísmo, do comodismo e do apego às coisas, e acreditar que temos muito a contribuir, colocando nossas forças e dons a serviço

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  • Instrumento de trabalho

  • c2

  • Instrumento de trabalho3 Congresso Missionrio Nacional

    Palmas, TO, 12 a 15 de julho de 2012

    Tema:Discipulado missionrio: do Brasil para um Mundo

    secularizado e pluricultural, luz do Vaticano II

    Lema:Como o Pai me enviou, assim eu vos envio (Jo 20,21)

    Pontifcias Obras Missionrias (POMBrasil)

  • Instrumento de trabalho 3 Congresso Missionrio Nacional.Tema: Como o Pai me enviou, assim eu vos envio (Jo 20,21)Lema: Discipulado missionrio: do Brasil para um Mundo secularizado e

    pluricultural, luz do Vaticano II

    Direo: Pe. Camilo PaulettiDiretor Nacional das POM do Brasil

    Textos: Irmo Israel Jos Nery, fsc;Pe. Paulo Suess;Pe. Estevo Raschietti, sx.

    Colaboradores: Pontifcias Obras Missionrias (POM), Comisso Episcopal Pastoral para a AoMissionria e a Cooperao Intereclesial, Comisso Episcopal para a Amaznia,Comisso Episcopal da Misso Continental, Conselho Missionrio Nacional(Comina), Conferncia dos Religiosos do Brasil (CRB), Centro Cultural Missio-nrio (CCM), Arquidiocese de Palmas (TO).

    Reviso: Prof Susana Marques Rodrigues de Oliveira

    Diagramao: Jovailton Vagner

    Impresso: Grfica e Editora Amrica

    Tiragem: 15 mil exemplares

    Fevereiro de 2012

    Pontifcias Obras MissionriasSGAN 905 Conj. B 70790-050 Braslia DFCaixa Postal: 3.670 70089-970 Braslia DFTel.: (61) 3340-4494 Fax: (61) [email protected] www.pom.org.br

  • Sumrio

    Apresentao ........................................................................................................................................................5

    3 Congresso Missionrio Nacional .........................................................................................................................7

    Programao ......................................................................................................................................................11

    Um pouco de histria ..........................................................................................................................................14

    O secular e pluricultural no qual nos cabe ser Discpulos Missionrios ......................................................................15

    Discipulado missionrio do Brasil para o mundo luz do Vaticano II e do magistrio latino-americano ......................37

    Discpulos missionrios e missionrias ad gentes do Brasil para o mundo.................................................................61

  • Como o Pai me enviou, assim eu vos envio (Jo 20,21)Vivemos num processo de rpidas mudanas e transformaes que afe-

    tam a todos, em todos os nveis. Somos convidados e desafiados a fazernossa parte como Igreja missionria. Para refletirmos juntos sobre nossa ca-minhada neste mundo secularizado e pluricultural, promovemos o 3 Con-gresso Missionrio Nacional, em Palmas, TO, nos dias 12 a 15 de julho de2012.

    Nesse propsito, estamos unidos a todos os pases do nosso continenteque se preparam para a celebrao do CAM 4 COMLA 9, que acontecerna Venezuela nos dias 26 de novembro a 01 de dezembro de 2013 e que tercomo tema: Discpulos Missionrios de Jesus Cristo num mundo seculari-zado e pluricultural.

    Depois de muitos esforos, chegamos at vocs com o instrumento detrabalho para o 3 Congresso Missionrio Nacional, que pretende nos ajudara preparar e viver este momento.

    Neste subsdio vamos encontrar: as motivaes para o Congresso, osobjetivos, a programao, a organizao, um pouco da histria e a reflexodos nossos assessores.

    O Irmo Nery se debrua sobre o tema do CAM 4 COMLA 9, que en-foca a misso no mundo secularizado e pluricultural. Retoma a histria desdea cristandade at o mundo contemporneo. Apresenta questionamentos edesafios, assim como alguns encaminhamentos.

    Por sua vez, Pe. Paulo Suess nos aproxima de nossa realidade brasileirade discpulos missionrios para o mundo, iluminados pelo Conclio VaticanoII e pelos documentos latino-americanos: nos apresenta quem o mestre equem somos ns; retoma o Deus do xodo no AT, Eu sou aquele que sou,e o conecta com o Evangelho de So Joo; faz-nos sentir a profunda e belaherana do Vaticano II e os nossos compromissos como Igreja missionria.

    Enfim, Pe. Estevo Raschietti nos fala sobre os discpulos missionriosalm-fronteiras e da importncia da misso ad gentes para a caminhada daIgreja no Brasil: A Igreja peregrina por sua natureza missionria (AG 2).

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    Apresentao

  • Apresentando os aspectos essenciais da misso, ele chama a ateno sobreo perigo de achar que temos preocupaes suficientes ao nosso redor: issoacaba sufocando o impulso de sair e de se doar.

    nesse clima de busca e de esperana, que somos motivados a vivereste tempo presente, confiando no Esprito do Senhor. Nossa missionariedadefaz a diferena! Temos que atear fogo, fazer surgir um novo ardor, a foraque impulsiona a se lanar ao mundo! Sair do egosmo, do comodismo e doapego s coisas, e acreditar que temos muito a contribuir, colocando nossasforas e dons a servio para um outro mundo possvel.

    Pe. Camilo PaulettiDiretor das Pontifcias Obras Missionrias

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  • 3 Congresso Missionrio Nacional

    Palmas, TO, 12 a 15 de julho de 2012

    O mandato de pregar o Evangelho no se esgota com a solicitude pelaporo do Povo de Deus confiada aos cuidados pastorais, nem com o envio de

    qualquer sacerdote, leigo ou leiga fidei donum. O referido mandato deveenvolver toda a atividade da Igreja particular, todos os seus sectores, em

    suma, todo o seu ser e operar (...).

    Isto exige que estilos de vida, planos pastorais e organizao diocesana seadqem, constantemente, a esta dimenso fundamental de ser Igreja,

    sobretudo num mundo como o nosso em contnua transformao.

    E o mesmo vale para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades deVida Apostlica e tambm para os Movimentos eclesiais: todos os elementos

    que compem o grande mosaico da Igreja devem sentir-se fortementeinterpelados pelo mandato de pregar o Evangelho para que Cristo seja

    anunciado em toda a parte.

    (Mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial das Misses de 2012)

    MOTIVAOA caminhada dos Congressos Missionrios Nacionais (CMNs) chega

    sua terceira etapa. Pensados e realizados em vista da convocao aos Con-gressos Americanos e Latino Americanos Missionrios (CAMs COMLAs),os CMNs propuseram-se como forte momento de reflexo, animao e arti-culao em torno da natureza missionria da Igreja e de suas tarefas evan-gelizadoras prioritrias no mundo de hoje, com enfoque na misso ad gentes.

    O 1 Congresso Missionrio Nacional foi realizado em Belo Horizonte,MG, de 17 a 20 de julho de 2003, em preparao do CAM 2 COMLA 7 naGuatemala. O local desse evento nos remeteu celebrao do V CongressoMissionrio Latino-americano (COMLA 5), que aconteceu de 18 a 23 de julhode 1995. Nesta ocasio, refletimos sobre os fundamentos trinitrios da Misso,a gratuidade da Missio Dei, o protagonismo dos pobres e dos outros, o papel

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  • das pequenas comunidades e a articulao missionria da grande comunidade.O impulso do tema geral expressava o testemunho tocante e proftico da Igrejada Guatemala e de toda a Amrica Central: Anunciar o evangelho da paz apartir da pobreza, da alteridade e do martrio. Resumimos, ento, os nossoscompromissos em trs palavras-chave: gratuidade, comunidade, projeto.

    O 2 Congresso foi realizado em Aparecida, SP, a um ano de distncia, eno mesmo local os bispos do Continente se reuniram para celebrar a V Con-ferncia Geral do Episcopado Latino Americano. A Conferncia de Aparecidamarcou o passo, o tom e o tema do 2 CMN em vista do CAM 3 COMLA 8na cidade de Quito, no Equador, em agosto daquele ano. Refletimos e parti-lhamos juntos sobre as diversas perspectivas do discipulado-missionrio entreparquia missionria, misso continental e misso ad gentes. Fizemos memriados 40 anos da Conferncia de Medelln, onde encontramos o DNA da mis-sionariedade latino-americana, a partir da opo pelos pobres. Aprofundamoso sugestivo tema do CAM 3 COMLA 8, Misso ad gentes como misso paraa humanidade, luz do ensinamento do Vaticano II.

    Em Belo Horizonte, redescobrimos o fundamento trinitrio da misso,particularmente sua origem no Pai e seus desdobramentos na misso do Filhoe do Esprito. Em Aparecida, sentimos perpassar, a partir das celebraes eem todos os momentos dos trabalhos, a presena de Nossa Senhora, medos pobres e dos povos, como uma caracterstica profunda enraizada na tra-dio missionria do Continente. Ela presidiu o Congresso junto a seu FilhoCrucificado, e ao povo sofrido que nela deposita todas suas angstias e es-peranas, e que acolheu em suas casas os participantes do Congresso. O tremda f e da misso, dirigido pelo olhar de Maria e pilotado pelos leigos e leigas,convocou religiosas e religiosos, bispos e presbteros, incorporando-os marcha: um sinal claro que expressa como se edifica a Igreja e como procedea misso a partir do continente.

    O 3 Congresso Missionrio Nacional ser realizado em Palmas, TO, amais jovem das capitais de estado, uma das mais jovens arquidioceses doBrasil. O tema do CAM 4 COMLA 9, a ser celebrado na Venezuela em 2013,nos convida a refletir sobre a misso da Igreja num mundo secularizado epluricultural, a 50 anos do Conclio Vaticano II. Voltam a ressoar em ns aspalavras da Evangelii Nuntiandi: a ruptura entre o Evangelho e a cultura

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  • sem dvida o drama da nossa poca (EN 20). Por isso preciso chegar aatingir e como que a modificar pela fora do Evangelho os critrios de julgar,os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, asfontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentamem contraste com a Palavra de Deus e com o desgnio da salvao (EN 19).

    A Igreja se encontra hoje numa situao de dispora diante da fragmen-tao e da multiculturalidade do mundo atual. A hegemonia das tradies re-ligiosas em determinados territrios deixou lugar ao pluralismo possvel,graas s encruzilhadas proporcionadas por tecnologias, mercados, mobili-dades humanas e aglomeraes urbanas. Nesse contexto, a misso ad gentesamplia por inrcia seu mbito de ao. Antigamente, na mentalidade da cris-tandade, ela coincidia com a misso ad extra, em territrios culturalmente nocristos. Hoje, parece impor-se como realidade em qualquer lugar, particu-larmente nos contextos de antiga tradio crist.

    Mais do que tudo, o anncio do Evangelho aos povos precisa escolherurgente e decididamente o caminho do dilogo intercultural, inter-religiosoe inter gentes. A Encclica Ecclesiam Suam de Paulo VI (1964), na poca doConclio, j expressava de maneira contundente essa necessidade:

    Nem a guarda nem a defesa so os nicos deveres da Igreja quantoaos dons que possui. Dever seu, inerente ao patrimnio recebido de Cristo, tambm a difuso, a oferta, o anncio: Ide, pois, ensinar todos os povos(Mt 28,19). Foi a ltima ordem de Cristo aos seus Apstolos. Estes, j como simples nome de Apstolos, definem a prpria misso indeclinvel. Aeste interior impulso da caridade, que tende a fazer-se dom exterior, dare-mos o nome, hoje comum, de dilogo (ES 37).

    O 3o Congresso Missionrio Nacional quer ser um momento propciopara refletir sobre a caminhada missionria em nosso pas, celebrar as graasque recebemos, agradecer a criatividade e os sacrifcios das nossas testemu-nhas na f e, particularmente, aprender a dialogar profeticamente com todos,alm do mundo que nos rodeia, alm de toda fronteira.

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  • OBJETIVO GERAL Assumir a dimenso universal da misso, neste mundo secularizado e

    pluricultural, guiados pelo Esprito, a servio do Reino, luz do Conclio Va-ticano II e da caminhada da Igreja na Amrica.

    OBJETIVOS ESPECFICOSn Preparar o CAM 4 COMLA 9;n Refletir a misso permanente da Igreja no Brasil, neste mundo secu-

    larizado e pluricultural, em todas as suas dimenses;n Acolher prticas missionrias significativas a servio dos pobres e de

    dilogo com os outros;n Fortalecer os projetos missionrios ad gentes da Igreja do Brasil;n Incentivar a cooperao intereclesial;n Articular os organismos e as foras missionrias;n Despertar vocaes missionrias;n Celebrar a caminhada da dimenso missionria.

    TEMA: DISCIPULADO MISSIONRIO DO BRASIL PARA UMMUNDO SECULARIZADO E PLURICULTURAL, LUZDO VATICANO II.

    EIXOS: Secularizao: a misso diante de um mundo seculari-zado e pluricultural;

    Vaticano II: relevncia missionria do Conclio VaticanoII, a 50 anos da abertura;

    Ad Gentes: a Igreja no Brasil e o compromisso com amisso ad gentes.

    LEMA: COMO O PAI ME ENVIOU, ASSIM EU VOS ENVIO.

    MUTIRES DE REFLEXO:4 grandes mutires de reflexo, que por sua vez se subdividiro em

    oficinas e grupos: n Infncia, adolescncia e juventude missionria;n Leigos e leigas;n Religiosos e religiosas;n Ministrios ordenados.

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  • PROGRAMAONos congressos anteriores o trecho de Lc 24,13-35, os discpulos de

    Emas, foi o motivo bblico condutor de todo o evento. Desta vez escolhemosAt 8,26-40, o encontro sugestivo entre Felipe e o etope. Os dias do 3 CMNficam estruturados desta maneira: Dia do caminho (At 8,26-28); Dia do en-contro (At 8,29-31); Dia da partilha (At 8,32-35); Dia do compromisso (At8,36-38).

    Quinta feira 12 de julho de 2012 DIA DO CAMINHO14h00 18h00 Credenciamento e acolhida dos participantes18h00 19h30 Sesso de Abertura

    Sexta feira 13 de julho de 2012 DIA DO ENCONTRO08h00 08h30 Orao08h30 10h00 Painel temtico

    Olhar sobre o mundo secularizado e pluricultural noqual nos cabe ser discpulos missionrios.

    10h00 10h30 Intervalo10h30 12h00 Conferncia

    Discipulado missionrio do Brasil para um mundosecularizado e pluricultural, luz do Vaticano II

    14h00 15h30 Mutires de reflexo Exposies temticas15h30 16h00 Intervalo16h00 17h30 Mutires de reflexo Debate em grupos18h00 19h00 Missa nos mutires

    Sbado 14 de julho de 2012 DIA DA PARTILHA08h00 08h30 Orao08h30 10h00 Mutires de reflexo Partilha e testemunhos10h00 10h30 Intervalo10h30 12h00 Mutires de reflexo Snteses e concluses

    14h00 15h30 Painel de experincias missionrias significativas

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  • 15h30 16h00 Intervalo16h00 17h30 Painel de experincias missionrias significativas

    19h00 20h00 Nas parquias, missa Confraternizao e mo-mento cultural

    Domingo 15 de julho de 2012 DIA DO ENVIO08h00 08h30 Orao08h30 10h00 Sesso de encerramento: apresentaes dos muti-

    res10h00 10h30 Intervalo10h30 12h00 Celebrao final e envio missionrio

    PARTICIPANTESO 3o Congresso Missionrio Nacional conta com a participao de mais

    de 600 pessoas. Os convidados so os delegados dos Conselhos Mission-rios Diocesanos (COMIDIs), de Instituies e Organismos missionrios en-gajados na animao missionria de suas Igrejas. Cada Regional da CNBB,por meio de seu Conselho Missionrio Regional (COMIRE), ter disposioum nmero de vagas proporcional ao nmero de suas dioceses, e comps ogrupo de participantes de acordo com sua prpria realidade eclesial.

    Convida-se a escolher pessoas que saibam debater e levar contribuiesaos temas propostos, de modo que o resultado da reflexo conjunta seja re-presentativo da caminhada missionria das diversas Igrejas.

    Por isso, a indicao e a inscrio dos participantes dever seguir crit-rios bem definidos, alm de uma composio heterognea entre presbteros,religiosos/as e leigos/as, representantes de instituies, assessores e coorde-nadores de pastoral e bispos da Dimenso Missionria dos Regionais.

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  • ORGANIZAO1. O COMINA, atravs de sua equipe executiva e dos coordenadores

    dos Regionais, promove este evento, assume sua conduo e convocaos participantes.

    2. A Presidncia do Congresso ser constituda por:

    Presidente de honra: DOM PEDRO BRITO GUIMARES, Arcebispode Palmas, TO;

    Presidente do Congresso: DOM SRGIO BRASCHI Bispo de PontaGrossa, PR, e Presidente do Conselho Missionrio Nacional (COMINA)

    Presidente executivo: PE. CAMILO PAULETTI Diretor das PontifciasObras Missionrias (POM);

    Vice Presidente: IR. MRIAN AMBROSIO Presidente da Confernciados Religiosos do Brasil (CRB);

    Coord. da Assessoria: PE. ESTEVO RASCHIETTI, SX Secretrio Exe-cutivo do Centro Cultural Missionrio (CCM);

    Secretrio Executivo: PE. FBIO GLEISER Coordenador do ConselhoMissionrio Diocesano de Palmas.

    3. A Arquidiocese de Palmas responsvel pela organizao da infra-estrutura, do alojamento, da alimentao, do transporte, do creden-ciamento, da acolhida, da animao, da liturgia, do bem-estar/sade,da segurana, da limpeza e da superviso.

    4. Uma equipe da CRB se encarregar da secretaria do evento.

    5. A divulgao do evento e o contato com rgos de imprensa tmcomo responsvel o Pe. Jaime Patias, IMC, Diretor da Revista Misses.

    6. Os recursos financeiros sero garantidos pelos organismos e insti-tuies ligadas ao COMINA e pelos participantes.

    Braslia, DF, 21 de fevereiro de 2012

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    Um pouco de histriaA caminhada eclesial e missionria da Igreja na Amrica Latina rumo a

    uma progressiva, responsvel e original abertura universal ficou profundamentemarcada pelos Congressos Missionrios Latino-Americanos (COMLAs).

    Os COMLAs tiveram origem nos Congressos Missionrios Nacionaisdo Mxico. Foram promovidos pelas Pontifcias Obras Missionrias (POM) eorganizados com a colaborao co-responsvel das Conferncias Episcopais.

    O Mxico foi um dos primeiros pases da Amrica Latina a organizar-se na dimenso missionria. At 1977, j havia realizado seis CongressosMissionrios Nacionais.

    Nesse ano, celebrava-se o 7 Congresso Missionrio Nacional mexicano,em Torren.

    Por iniciativa do Card. Agnelo Rossi, ento Prefeito da Congregao paraa Evangelizao dos Povos, enviado especial do Papa para o evento, foram con-vidados ao Congresso os bispos responsveis de Comisses Missionrias dasrespectivas conferncias episcopais e os Diretores Nacionais das PontifciasObras Missionrias de vrios pases latino-americanos, que lhe imprimiram umcarter quase continental, lanando-se a proposta de repetir a experincia emnvel de Amrica Latina, a cada cinco anos. O congresso de Torren tornou-se,assim, o 1 Congresso Missionrio Latino-Americano (COMLA 1).

    No ano de 1999, por ocasio do 6 COMLA em Paran (Argentina), oCongresso abriu suas fronteiras a todo o Continente Americano, tornando-se assim o CAM 1 (Primeiro Congresso Missionrio Americano).

    No prximo ano, nos dias 26 de novembro a 1 de dezembro de 2013,na Venezuela, estaremos unidos a todos os pases do nosso continente parao CAM 4 COMLA 9.

    1977 COMLA 1, Torren (Mxico)1983 COMLA 2, Tlaxcala (Mxico)1987 COMLA 3, Bogot (Colmbia)1991 COMLA 4, Lima (Peru)1995 COMLA 5, Belo Horizonte (Brasil)1999 COMLA 6/CAM 1, Paran (Argentina)2003 COMLA 7/CAM 2, Cidade da Guatemala (Guatemala)2008 COMLA 8/CAM 3, Quito (Equador)

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    O secular e pluricultural no qual nos cabeser Discpulos Missionrios

    Irmo Nery, fsc*

    IntroduoO CAM 4 COMLA 9 acontecer em novembro de 2013 em Maracaibo, Ve-

    nezuela. O tema: Discpulos missionrios de Jesus Cristo, a partir da Amrica, nummundo secularizado e pluricultural, com o lema: Amrica Missionria partilha tua F.

    Dois eventos de cunho internacional marcam a preparao deste grandeCongresso em Maracaibo na Venezuela: o primeiro Simpsio Missionrio In-ternacional, celebrado em janeiro de 2011, em Caracas, Venezuela, que abordouo tema Secularizao, presente e futuro, desafio para a misso; e o segundoSimpsio Missionrio Internacional, na cidade do Panam, entre os dias 23 e27 de janeiro de 2012 com o tema: Pluriculturalidade, presente e futuro, desafiopara a misso e o lema: E passaram para a outra margem (Jo 6,17).

    As Pontifcias Obras Missionrias do Brasil (POM) e o Conselho Missio-nrio Nacional (COMINA) promovero, nos dias 12 a 15 de julho de 2012,em Palmas, TO, como parte da preparao ao CAM 4 COMLA 9, o TerceiroCongresso Missionrio Nacional, com o tema Discipulado missionrio: doBrasil para um Mundo secularizado e pluricultural, luz do Vaticano II.

    Celebraremos, a partir de outubro de 2012, os 50 anos do inicio do ConclioVaticano II (1962-1965), um precioso fruto da docilidade de Joo XXIII e de grandeparte da Igreja Catlica ao Esprito Santo. No dizer do Padre Manoel Godoy:

    Era preciso reencontrar o caminho do dilogo da Igreja com a socie-dade, que havia sofrido uma ruptura drstica com o advento da modernidadee do positivismo. Eram tempos da emergncia da secularizao. Hoje, o de-safio se desloca para o aprendizado difcil da convivncia num mundo plural.A Instituio Catlica j no mais a nica instituio religiosa produtora debens simblicos capaz de oferecer codificao global s relaes humanas.1

    1 GODOY, Manoel: Conclio Vaticano II: balano e perspectivas luz dos seus 40 anos, in Revista EclesisticaBrasileira, REB, n 259, Editora Vozes, Petrpolis, 2005

    * Irmo Israel Jos Nery, Irmo Nery, como mais conhecido, lasalista, autor de dezenas de livros, consideradouma das maiores referncias da catequese no Pas.

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    Cabe, neste texto preparatrio ao Terceiro Congresso MissionrioNacional, apresentar algumas reflexes sobre o mundo secularizado epluricultural, com seus desafios e oportunidades para os Discpulos Mis-sionrios na Amrica e, a partir da Amrica, para o mundo. Dividimos otexto em trs partes: 1) Cristandade, secularizao e secularismo; 2) Omundo pluricultural em que estamos mergulhados; 3) Alguns encami-nhamentos.

    1. Cristandade, secularizao e secularismo

    1.1 A CRISTANDADEDo final do sculo IV ao sculo XII, com fortes consequncias posterio-

    res, e que em parte at hoje ainda perduram em alguns lugares, aconteceuuma profunda impregnao de tudo na sociedade pelo cristianismo. Duranteum longo perodo da histria ocidental, mormente na Idade Mdia, reinouplenamente a cristandade2, que fez as pessoas e grupos terem, como umaatitude quase espontnea e natural, o hbito de se referir a Deus. Tudo partiado sagrado, girava e se desenvolvia nele. Nada tinha sentido sem refernciaa Deus e religio.

    O cristianismo, depois de muito perseguido pelo imprio romano, al-canou a liberdade com o Edito de Tolerncia, em Milo, decretado pelo im-perador Constantino, em 313 dC. Mais tarde, o imperador Teodsio I, oGrande, (347-395), declarou, em 380, o cristianismo como a religio oficialdo Imprio Romano. Estabeleceu-se, da em diante, a unio oficial entre ocristianismo e o Estado, que, aos poucos, se solidificou durante quase dezsculos, chegando a tal ponto que interferir com a religio crist era tambminterferir com o Estado. Para garantir proteo contra toda e qualquer possi-bilidade de intento de mudana, tanto no modo de pensar como de agir, ini-ciativas foram tomadas pelo Estado e pelo cristianismo. O ponto mais alto

    2 H duas cristandades. A cristandade oriental, Igreja Ortodoxa, que comeou a se desmembrar da Igreja de Romaem 395 e culminou com a separao em 1054, quando era Patriarca de Constantinopla, Miguel I, Cerulrio (1000-1059); e a cristandade ocidental, que dominou o ocidente, particularmente a Europa, at o sculo XII e continuoua influenci-lo fortemente por todo o primeiro milnio da era crist.

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    deste pacto aconteceu com a Inquisio.3 As pessoas suspeitas de propor al-guma mudana no pensamento, nas convices, nas cincias e na estruturasocial e religiosa passaram, ento, a ser perseguidas, presas, torturadas e as-sassinadas. Foi, sem dvida, uma pgina horrvel na histria do ocidente, prin-cipalmente para a religio crist.

    LIBERDADE DE CONSCINCIA, DE PENSAMENTO E DE ESCOLHAMas, do sculo XIII em diante e a semente se encontra nos escritos do fran-

    ciscano Frei Guilherme de Ockham (1285-1347)4 , a filosofia e o estilo de vida nodia-a-dia comearam a abrir espao para a possibilidade da distino terica e pr-tica entre direito natural e direito sagrado, entre o profano e o sagrado. As coisasdeste mundo, do tempo do aqui histrico-geogrfico, da vida de todos os seres, eespecialmente do ser humano, tm em si mesmas sentido, valor e cidadania, mesmosem referncia explcita a Deus e sem o aval da religio. Ockham, em sua polmicacom o Papa Joo XXII, redigiu vrios ensaios defendendo a tese de que a autoridadedo lder limitada pelo direito natural e pela liberdade dos liderados, e que isto estafirmado nos Evangelhos. Ele denunciava abertamente aqueles que, em nome dareligio, usurpavam o livre arbtrio, a liberdade de pensamento e de escolha do serhumano. E ele afirmava que a liberdade humana dom de Deus e da natureza,como, alis, a religio crist ensina; e conclua que, se assim, evidentemente a li-berdade precisa ser respeitada primeiramente pelo Papa. Evidentemente, como erade se esperar, a situao dele com a Igreja hierrquica tornou-se muito difcil.

    SECULARIDADE DESTE MUNDOA partir de Ockham foi acontecendo, aos poucos, um resgate do esquecido

    contedo da palavra ain, muito importante na cultura grega, e que foi tradu-

    3 Inquisio (inquirir, indagar, investigar, interrogar judicialmente). A Santa Inquisio ou Santo Ofcio tinha comoobjetivo instaurar oficialmente um processo jurdico contra as pessoas que no aceitavam a doutrina e a moral daIgreja Catlica, e puni-las. Os suspeitos de heresia representavam uma ameaa autoridade clerical e do Estado,e a Inquisio era um recurso para impor fora a supremacia catlica, fazendo calar e mesmo exterminando osque no aceitavam o que a Igreja ensinava.

    4 Guilherme de Ockham (1285-1347), frade franciscano, considerado o ltimo grande filsofo medieval, j na transio parao pensamento renascentista. Trabalhou em Oxford, em Avinho e em Munique, sempre fugindo da perseguio da hierarquiacatlica, que o acusava de ser um herege pelas idias veiculadas em seus livros com fortes crticas ao poder do Papa.

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    zida para o latim pelo termo saeculum (o que do mundo) termos usadospara expressar que as realidades deste mundo tm valor, com isso, a humani-dade ocidental, at ento toda imbuda da religio, passava a conviver com cres-centes grupos de pessoas que lidavam com as realidades deste mundo, massem necessariamente referi-las a Deus e autoridade da religio, porque essasrealidades seculares ensinavam, de modo especial, que a liberdade humana temem si mesma valor, utilidade e leis especficas no grande concerto do cosmos.

    Aos poucos, apesar dos conflitos inerentes s novidades, o mundo ocidentalfoi incorporando, como natural e normal, a secularidade de tudo o que existe. Eesta assimilao foi facilitada pelo fato de a secularidade, em si, no excluir a pos-sibilidade de divindade e de religio. Hoje, no sculo XXI, j no se atribui signifi-cado religioso s realidades deste mundo, nem sequer s doenas e s catstrofesnaturais, antes interpretadas como castigos de Deus. As cincias esto a para darexplicaes aos fenmenos da natureza e para avanar na pesquisa em buscados segredos e mistrios de tudo o que existe no macro e no microcosmos.

    1.4 O SECULARISMO E O ATESMOMais tarde, porm, especialmente nos sculos XVII e XVIII, com a in-

    fluncia dos enciclopedistas franceses5 e, de modo especial, de alguns filso-fos como Descartes, Hobbes, Montesquieu, e, acima de todos, Emanuel Kant,a cidadania da secularidade foi levada aos pncaros. De fato, os filsofos do

    5 O Iluminismo, iniciado na Inglaterra, na Holanda e na Frana, nos sculos XVII e XVIII, foi um movimento culturalque fez avanar as idias da liberdade, especialmente da liberdade poltica, econmica, cultural e religiosa. Filsofose economistas exaltavam e impulsionavam a luz do conhecimento racional. O matemtico Decartes (1596 - 1650)foi quem antecipou, no sculo XVII, as idias que alguns pensadores iluministas ingleses, como John Locke e IsaacNewton, desenvolveram tendo grande aceitao na Frana do sculo XVIII. Estas idias foram assumidas e desenvolvidaspor Voltaire (1694 - 1770), o maior dos filsofos iluministas franceses, e um dos maiores crticos do Antigo regimee da Igreja. Ele defendia ferrenhamente a liberdade de pensamento e de expresso e previa que a partir dos ideaisiluministas aconteceria uma grande revoluo na Frana. No campo poltico, a maior influncia foi de Montesquieu(1698-1755), que propunha a diviso do poder em executivo, legislativo e judicirio, mantendo-se, porm, em equi-lbrio permanente. Jean Jacques Rousseau (1712-1778) distinguiu-se por criticar a burguesia e a propriedade privada.O auge do iluminismo poltico e filosfico na Frana aconteceu quando seus princpios foram colocados em prticapor meio da Revoluo Francesa (1789-1799). Cf. HIMMELFARB, Gertrude: Os caminhos para a modernidade Ed. Realizaes, 2011, que destaca a proeminncia dos filsofos britnicos iluministas sobre os iluministas franceses.

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    iluminismo (a razo humana autnoma e independente a luz de tudo e atudo ilumina) passaram a endeusar a razo, estimulando o ser humano aousar, pensar e agir por si mesmo, sem autoridade alguma acima da razosoberana, principalmente, a do poder religioso.6

    Abria-se, assim, com esta ousadia do endeusamento da razo e da liber-dade e tambm da crena no poder da cincia, da tecnologia e da indstria o caminho para uma novidade na considerao das realidades deste mundo,de tudo o que existe, isto , o secularismo. Mais que aceitar o valor em si detudo o que existe, introduziu-se a separao, a mais clara possvel, entre o sa-grado e profano, particularmente no terreno do pensamento, da cincia, dapoltica e da economia, assim como da organizao democrtica do Estado.

    Nascem assim os Estados polticos com a separao entre religio e Es-tado, entre Igreja e Estado. Esta situao denominada, tambm, de laicismo,marcado pela liberdade de conscincia, a igualdade entre os cidados e a va-lorizao da total independncia da poltica em relao religio. Quase sem-pre este ltimo item traz consigo forte desvalorizao da religio. Esta posiod margem, aos poucos, rejeio do sagrado, da divindade, da religio,enfim, de Deus. Em alguns casos, chega-se a respeitar os que crem em al-guma divindade e tentam viver segundo suas crenas, preservando-se, porm,qualquer possibilidade de influncia e interferncia da religio no Estado.7

    E o passo seguinte, em relao rejeio da religio, no podia ser outrodo que o atesmo, isto , o esforo para provar que Deus no existe e que areligio no tem sentido, uma iluso, pois construda e administrada apartir de e sobre uma iluso. Mais que isso, a religio no apenas intil,

    6 Emanuel Kant (1724-1804), filsofo prussiano dos mais influentes no mundo ocidental, ensina que o ser humanoprecisa guiar-se por sua prpria razo, sem deixar-se enganar por crenas, tradies e opinies alheias. com estaousadia de pensar e agir, diz ele, que acontecer a grande libertao da menoridade humana, deixando de seruma criana e tornando-se consciente da sua fora e inteligncia para fundamentar a sua prpria maneira de agir,sem estar submisso a doutrinas, leis ou tutela de outra pessoa ou grupo.

    7 A respeito do humanismo secular, ver os livros do filsofo e fundador do Council of Secular Humanism, Paul Kurtz,e publicados por Prometheus Books: a) The Transcendental Temptation; b) Forbidden Fruit: The Ethics of Humanism;c) Living Without Religion: Eupraxophy; d) In Defense of Secular Humanism. Cf.http://www.dantas.com/ateismo/def_hs.htm.

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    mas prejudicial ao ser humano e ao universo, pois dificulta e impede que arazo avance na conquista do saber e que a cincia desvende os segredosdo universo e da vida humana.8

    Esta postura radical levou alguns regimes polticos a uma ferrenha per-seguio religiosa, a exemplo da Revoluo Francesa, a primeira a aplicar naorganizao social e poltica os princpios da filosofia iluminista, levando guilhotina no apenas a liderana religiosa, mas tambm a liderana poltica,cientfica e cultural (o Antigo Regime), no compatvel com os ideais do ilu-minismo. Mais e mais pessoas e grupos passaram a acreditar que o ser hu-mano deixaria de crer em Deus e de referir-se a uma religio, pois estariamsuperados pela cincia e pela tecnologia, que a tudo respondia e, mais ainda,tinha possibilidade de criar o paraso aqui na terra.

    O resultado, porm, foi o fracasso total destas promessas messinicas,como o comprovam as duas guerras mundiais, as ditaduras polticas, a mer-cantilizao de tudo, inclusive da vida humana e da religio. As desastrosasconsequncias esto s claras como o vazio interior do ser humano, domi-nado pelos dolos do ter, do poder, do prazer, do dinheiro e do consumo.Em seu discurso no Encontro das Religies, em Assis, alm de denunciar vee-mente o uso da religio para legitimar a violncia, o terrorismo e as guerras,assim Bento XVI falou no dia 1 de novembro de 2011:

    A adorao do dinheiro, do ter e do poder revela-se uma contra-re-ligio, na qual j no importa o homem, mas s o lucro pessoal. O desejode felicidade degenera num anseio desenfreado e desumano como se ma-nifesta, por exemplo, no domnio da droga com as suas formas diversas.A esto os grandes que com ela fazem os seus negcios, e depois tantosque acabam seduzidos e arruinados por ela tanto no corpo como na alma.

    8 A Revista Veja, de 25/12/2002, s pginas 116-120, inicia sua reportagem sobre A sobrevivncia da f comesta sntese: Deus foi morto no sculo XIX e os matadores so conhecidos. Karl Marx, Charles Darwin, FriedrichNietzsche e Sigmundo Freud, para ficar nos nomes mais grandiosos, elaboraram teorias para o mundo e para a na-tureza humana que prescindiam das explicaes tradicionalmente oferecidos pela religio. Mais do que prescindiam:competiam com elas, com todas as vantagens oferecidas pela lgica e pela irreversvel marcha da histria. Os sereshumanos, que desde a noite dos tempos se perguntavam de onde viemos e para onde vamos, j podiam buscarrespostas fora da esfera divina.

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    A violncia torna-se uma coisa normal e, em algumas partes do mundo,ameaa destruir a nossa juventude. Uma vez que a violncia se torna umacoisa normal, a paz fica destruda e, nesta falta de paz, o homem destri-se a si mesmo. A ausncia de Deus leva decadncia do homem e do hu-manismo.

    Mesmo com os avanos inimaginveis da cincia e da tecnologia, nadaest satisfazendo, num razovel mnimo humano, a sede de felicidade, paz,segurana, amor, sentido para a vida e para o mundo. E uma das consequn-cias deste vazio est no crescimento das vias de fuga, principalmente o com-plexo mundo da droga, da explorao sexual, do devaneio via internet e daocupao da vida com espetculos fugazes (cine, grandes shows, CDs, DVDs,dolos da arte e da comunicao...).

    1.5 O RETORNO DA BUSCA DO HUMANUM E, PORTANTO, DATRANSCENDNCIA

    Nestes ltimos anos o atesmo militante teve manifestaes de granderepercusso, sobretudo, por envolver cientistas e intelectuais de renome.9

    Estes reacionrios, porm, esto ainda no passado, especialmente no sculoXIX, j que a partir da Segunda Guerra Mundial, apesar da forte influnciamarxista e de alguns filsofos, intelectuais e cientistas existencialistas ateus, aabertura ao transcendente foi se firmando. J a partir de meados do sculoXX, o predomnio da racionalidade, da frieza, dos nmeros, dos resultadosmensurveis e da aceitao apenas do que comprovado cientificamente despao para expresses antes nada aceitas pelas empresas, pelas organiza-es sociais, pelos governos. Eis alguns exemplos: alma da empresa, missosocial da empresa, ecologia dos negcios, responsabilidade social das em-presas, resgate da tica pblica, combate pobreza e misria, respeito

    9 VIDIGAL DE CARVALHO, Jos Geraldo: O fenmeno do atesmo no mundo de hoje, disponvel em http://www.cons-ciencia.org/ateismovidigal.shtml, acessado dia 15/12/2011. Quanto aos principais escritores ateus militantes nomomento referimo-nos a trs deles: 1. DAWKINS, Richard: a) Deus, um delrio (Companhia das Letras, 2006); b)O capelo do diabo (Companhia das Letras, 2005); c) Desvendando o Arco-ris (Companhia das Letras, 2000); 2.HARRIS, Sam: a) The End of the Faith (O fim da f), ainda no traduzido; b) Carta a uma nao crist (Companhiadas Letras, 2006); 3. HITCHENS, Christopher: Deus no grande, Ediouro, Rio de Janeiro, RJ, 2007.

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    e reconhecimento da alteridade e da diversidade sexual, luta contra a vio-lncia domstica e social e contra a pedofilia e a explorao sexual, assimcomo contra o trfico de pessoas, as ditaduras de todos os tipos, os terroris-mos e corrupo poltica, econmica e cultural, etc.

    Em tudo isso, sem dvida, a preocupao com o humanum, com os va-lores, com a cidadania e com a capacidade de trabalho em equipe, vem au-mentando em todas as partes, como uma necessidade em cada pessoa, grupoe organizao social. E por mais que empresas e muitas mdias permaneamainda acorrentadas busca do lucro, custa do sofrimento das pessoas e danatureza, e outras exploram a seu favor a luta pelo humanum, percebe-seque a priorizao da vida, da pessoa humana, da comunidade humana e dobem estar fsico, psquico, social e religioso de cada ser humano se torna evi-dente.

    1.6 O RETORNO SACRALIDADEMas, no corao da modernidade racional, cientfica e secular, surgem

    correntes de novas sacralidades. crescente o interesse por bruxas, videntes,astrlogos, adivinhos, pastores, lderes religiosos, especialmente mobilizado-res de grandes massas, igrejas das mais diversas denominaes e gruposprocurando foras divinas na natureza (montanhas, cristais, cascatas, grutas). grande o sucesso da literatura e dos filmes com bruxas, vampiros e seressobrenaturais (Harry Potter, Crepsculo, Avatar e outros tantos) e cultos adolos tais como Elvis Presley, Michael Jackson, entre outros. Vimos comomeros romances e novelas, com falsos fundamentos histricos espertamentemanipulados, mexem fortemente com as pessoas, tais como o Cdigo DaVinci, Anjos e Demnios, Maria Madalena. E, no Brasil, Paulo Coelho a re-ferncia para este tipo de literatura.

    No universo do mundo cristo, ao mesmo tempo em que as igrejas tra-dicionais perdem adeptos, elas so vistas, por pessoas que transitam na mo-dernidade a caminho da ps-modernidade, como demasiadamenteformatadas em ritos, hierarquias eclesisticas, muita burocracia, formalidade,clericalismo, doutrina e moral rgidas, sacramentalizao, cerebralizao dareligio crist e estrutura pastoral medieval. Enquanto isso acontece, novasigrejas e grupos cristos experimentam um vertiginoso crescimento. Eles

  • mexem fortemente com a emoo, com a vida do dia-a-dia, especialmentecom o sofrimento, o desemprego, a doena, com os desejos humanos, a fomee sede de felicidade, do muito valor ao poder de Deus sobre o demnio eos males, destacam os milagres e a recompensa pela generosidade na doaode dinheiro e bens para Deus.

    O trnsito entre as Igrejas crists, especialmente da Igreja Catlica paraas demais denominaes religiosas crists e pseudocrists, tem assustandode modo especial a Igreja Catlica, que vem procurando ir s causas e buscarsolues. E uma das causas mais graves, j detectada, que uma alta por-centagem de catlicos formada por pessoas no convertidas a Jesus Cristo,ignorante de sua f, sem convices slidas em termos de tica, moral, valorescristos, e so religiosamente infantis. No havendo compromisso com JesusCristo, com a Comunidade Eclesial e com a Misso Salvfica, esses catlicosesto, na verdade, disponveis a quem lhes oferecer alguma alternativa reli-giosa que implique converso e compromisso.

    No caso especfico do Brasil, a imensa maioria da populao, pelomenos 160 milhes de brasileiros sobre um total de 190 milhes, se declaracatlica, mas, na verdade, significa pouco em termos de vibrao por JesusCristo, engajamento na Igreja e na Misso e, consequentemente, em termosda transformao social de nosso pas, luz dos valores do Evangelho. Apartir desta dura realidade, o Documento de Aparecida e a Misso Continen-tal propem a urgente necessidade de se oferecer a todos os catlicos, par-ticularmente aos adultos e aos jovens, a chance para que realizem ourenovem seu encontro pessoal intransfervel com Jesus Cristo, e vivenciemum srio processo de converso, para serem, efetivamente, discpulos mis-sionrios segundo o corao do Senhor.10

    1.7 O EMBATE ENTRE SECULARIZAO, SECULARISMO ESTATAL E A RESSACRALIZAO NO MUNDO CONTEMPORNEO

    O retorno ao sagrado nestes ltimos tempos no eliminou os ideais e aprxis dos que lutam por uma sociedade secular e mesmo laica, secularista,que v alm da secularidade das coisas. O que se quer, na verdade, que a

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    10 Ver no Documento de Aparecida a Primeira Parte: A vida de nossos povos hoje, sobretudo os nmeros 98 e100 etodo o Captulo VI: O caminho de formao dos discpulos missionrios (DAp 204 346).

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    religio, qualquer uma, mas de modo especial o cristianismo, no tenha as-cendncia nem competncia ou fora sobre o universo complexo e envolventeda economia, da poltica, da cincia, da educao e da cultura.11 Neste embate,o cristianismo, que antes dominara no ocidente em todas as esferas humanas,reluta em reconhecer a realidade em que se encontra e se esfora por abrirespao numa sociedade que, mais e mais, demonstra que no precisa paranada da religio para firmar-se como uma unidade nacional a servio dopovo, especialmente de interesses pessoais e de grupos e corporaes,mesmo que em desrespeito frontal tica e moral.

    No caso do Brasil, um pas de forte matriz cultural crist, predomina naorganizao poltica e econmica a secularidade, pois segue um modelo dedemocracia que d espao religiosidade e religio, mesmo com grandesmanifestaes pblicas. , sim, crescente a construo de um estilo de Estadodemocrtico, totalmente autnomo em relao religio, sendo que suas ins-tituies educativas, sanitrias, culturais devem, em coerncia com seus prin-cpios, ser regidas por uma organizao prpria sem influncia e interfernciada religio. O Brasil, pelo que se deduz de sua histria, pode at chegar pri-vatizao da religio (como prtica religiosa privada), portanto, sem manifes-taes religiosas em pblico e em espaos pblicos; mas dificilmente cairianuma organizao estatal secularista, de rejeio da religio e, menos ainda,de estilo ateu militante, com proibio da religio e, at mesmo, com perse-guio religiosa.

    Neste complexo contexto secular e, por vezes, secularista, assiste-se auma crescente mundanizao das religies e igrejas, especialmente quantoa vestes, linguagem, ritos, lugares, tempos, estilos de culto, com amplo usode shows miditicos e do mercado religioso, etc. H tambm lderes religiosos

    11 Eis uma sntese sobre o tema no artigo O que Humanismo Secular? Fritz Stevens, Edward Tabash, Tom Hill,Mary Ellen Sikes, Tom Flynn: Os Humanistas Seculares no dependem de deuses ou outras foras sobrenaturaispara resolver seus problemas ou oferecer orientao para suas condutas. Em vez disso, dependem da aplicao darazo, das lies da histria, e experincia pessoal para formar um fundamento moral e tico e para criar sentidona vida. Humanistas Seculares veem a metodologia da cincia como a mais confivel fonte de informao sobre oque factual ou verdadeiro sobre o universo que todos partilhamos, reconhecendo que novas descobertas sempreestaro alterando e expandindo nossa compreenso deste, e possivelmente mudaro tambm nossa abordagem deassuntos ticos. Cf. http://www.dantas.com/ateismo/def_hs.htm, acessado em 15/12/2011.

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    que assumem tranquilamente uma certa teologia da prosperidade, e quefazem da religio um negcio empresarial e um espao de ascenso poltica,econmica, cultural, seguindo o modelo de qualquer grande empresa de ne-gcios do mundo capitalista. Ao zelo, quase irracional, de buscar novos adep-tos a todo custo, se soma o interesse de mais ingresso econmico, decrescimento a olhos vistos de sinais de poder, tais como megatemplos, ocu-pao de espao no rdio e na TV e aumento do negcio com produtos re-ligiosos, alm de forte presena na poltica e na arte, mormente por meio deespetculos musicais religiosos e grandes concentraes de massa e passea-tas.

    Neste complexo universo da secularidade, do secularismo, do atesmoe do pluralismo, preciso uma referncia ao fundamentalismo. Alm do jpropalado fundamentalismo em correntes islmicas, algumas incluindo emseus ensinamentos treinamentos e prticas como o assassinato e o terro-rismo, h diversos fundamentalismos tambm no mundo cristo. Mas omundo ateu tem revelado ultimamente seu lado fundamentalista, que temsuscitado polmica, como ocorrido no Brasil, em importante jornal, com odebate, em novembro e dezembro de 2011, com artigos de Ives Gandra Mar-tins, Daniel Sottomaior, Hlio Schwartsman, Cotardo Calligaris e outros.12 bom lembrar aqui a frase conclusiva do Documento A Interpretao da Bbliana Igreja13 de 1993:

    A abordagem fundamentalista perigosa, pois ela atraente para aspessoas que procuram respostas bblicas para seus problemas da vida. Ofundamentalismo convida, sem diz-lo, a uma forma de suicdio do pen-samento. Ele coloca na vida uma falsa certeza, pois ele confunde incons-cientemente as limitaes humanas da mensagem bblica com a substnciadivina dessa mensagem.

    Toquemos, tambm, nem que seja de leve, na questo do mundo ur-

    12 Cf. SHWATISMAN Fundamentos do atesmo, in Folha de So Paulo, A2-Opinio, 10/12/2011; CALLIGARIS, Contardo:Sentidos do fundamentalismo in Folha de So Paulo E-21 Ilustrada, 15/12/2011.

    13 PONTIFCIA COMISSO BBLICA: A Interpretao da Bblia na Igreja. Ed. Paulinas, SP, 1993.

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    bano, que, no caso do Brasil, congrega mais de 80% da populao brasileirae vive crescente onda secular. Nele, no que se refere Igreja Catlica, as Pa-rquias tradicionais tm cada vez menos fiis nas missas dominicais e nasdiversas pastorais. O domingo, no universo da cidade, dia de descanso, delazer, de ficar em casa e de encontrar amigos ou de fugir para outros locais.Feriados religiosos se tornam apenas feriados sem nada de religio. enormeo contingente de jovens que no comparecem s missas. E, em algumas si-tuaes urbanas, o apelo religioso j nem mais existe ou muito tnue e noexerce atrao, ainda mais quando frente do rebanho esto pastores alie-nados da realidade e da linguagem do mundo de hoje, acomodados numasagrada rotina que no lhes permite nem ver o esvaziamento dos templos emuito menos mudar para adaptar, encarnar, inculturar a f e suas mediaes.

    Questionamentos

    1. O que significa ser discpulo missionrio numa sociedade quemais e mais dispensa Deus, dispensa religio, manipula Deus e asfestas religiosas tradicionais em funo do comrcio e do con-sumo?

    2. Como ser testemunha da f crist, profeta, missionrio neste con-texto de secularizao e de secularismo?

    3. Que sugestes propor para a misso do discpulo missionrioneste mundo em mudana e que no d valor religio, no caso,ao cristianismo, Igreja?

    2. O mundo plural em que estamos mergulhados

    2.1 A DIVERSIDADE: RIQUEZA E DESAFIOS Basta abrir os olhos, ter os ouvidos atentos, sentir os odores, testar os

    sabores, tocar as formas e conviver com a natureza, com sua quase infinitabiodiversidade, mas, sobretudo, com pessoas para comprovar que, nesteimenso universo no qual habitamos, coisas e situaes, pensamentos e ati-tudes, pessoas e o que elas so e realizam so distintas entre si, diferentes,

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    portanto, formam uma pluralidade em convivncia e interao permanentes.Ao ser humano, consciente da pluralidade de tudo o que existe, cabe a tarefanada fcil, porm necessria, de perceber, analisar, reconhecer, aceitar e tole-rar... a existncia do diferente e dos diferentes e, como consequncia, procurarmodos de convivncia pacfica com realidades, situaes, pensamentos e pos-turas as mais distintas e at mesmo contraditrias.

    A pluralidade do dia-a-dia se manifesta de modo espontneo, mas tam-bm propositadamente organizado pelo poder do pensamento e da ao hu-mana, especialmente nas esferas do pensamento, da arte, das ideologias, dopoltico, do governo e, tambm, do mundo filosfico e religioso. E a existnciae a convivncia da heterogeneidade tnica, social, cultural, ideolgica, poltica,artstica e religiosa, que garante a pluralidade e por ela sustentada e prote-gida, apresentam-se como uma enorme riqueza para este mundo, particu-larmente para o ser humano e, ao mesmo tempo, como um no menosenorme desafio de como sabiamente acolher esta realidade complexa e bemtrabalh-la em seu favor e em favor da vida com qualidade para o PlanetaTerra.

    No campo da poltica, a hegemonia da monarquia e especialmente daditadura vem sendo substituda pelo pluralismo de propostas que motivame incentivam a participao dos cidados e das cidads, de maneira pessoal,grupal e em massa, em busca da corresponsabilidade pelos destinos da casa,da rua, do bairro, da associao, do sindicato, da empresa, da cidade e doEstado. O ideal democrtico, aos poucos, foi assimilado pela maioria das pes-soas, apesar de pases e grupos insistirem no sistema poltico hegemnicoideolgico e partidrio. Nestes ltimos anos, avassaladora a onda de ma-nifestaes no mundo todo, especialmente no mundo rabe, contra as dita-duras e a favor da democracia. Nesse sentido, um sistema governamentalpluralista no funciona como monoplio ou oligarquia de um partido ou deum setor social, mas sim constri o poder e os destinos das organizaessociais e do pas a partir do dilogo, da consulta, do debate, da participaodas mais deferentes propostas. esta, portanto, no campo poltico, uma dasriquezas do pluralismo. Ele permite espao para diferentes ideologias, formasde governo, modos de eleio, vigilncia dos cidados sobre os eleitos emesmo participao nas decises, na aplicao do que foi decidido, cobrana

  • e avaliao.Mas h outros campos em que o pluralismo mostra ser de grande utili-

    dade. o caso, por exemplo, da filosofia, que at tem uma corrente denomi-nada monismo, que defende a realidade como uma s, com manifestaesvariadas, mas secundrias. No entanto, a filosofia, por si, considera a totalidadedo mundo como uma composio complexa de realidades interdependentes,inter-relacionadas e em constante interao. A busca de resposta s grandesquestes humanas, que sempre acompanham a existncia (de onde vim, paraonde vou, se a vida e o mundo tm sentido, o mal, o mistrio da morte, etc.)tem encontrado em todas as partes do mundo respostas diferentes, contras-tantes, contraditrias, dando origem a grande pluralismo filosfico.

    2.2 A QUESTO DO PLURALISMO RELIGIOSONo o caso aqui de entrar no complexo e rico mundo da arte em todas

    as suas manifestaes musicais, pictricas, teatrais, arquitetnicas e outras,uma das mais fortes comprovaes do pluralismo entre os seres humanos.Mas importante, dentro do tema que estamos tratando, falar um poucosobre o pluralismo religioso. Segundo a grande antroploga e pesquisadoracientfica Margareth Mead14, uma das provas mais candentes de que achadosarqueolgicos so de seres humanos ou a eles se referem , sem dvida, si-nais de culto religioso, pois nenhuma outra criatura neste mundo tem con-dies de ligao com o sagrado, e fazem manifestaes religiosas. Todareligiosidade natural humana e todas as religies em qualquer povo ao longoda histria expressam a busca incansvel do ser humano, no tanto de com-provao da existncia de um ou mais deuses e outros seres do alm-mundo,mas de manter com ele e eles um relacionamento amigvel, pacfico, muitasvezes motivado pelo medo, pela conscincia da fragilidade, pelo mistrio da

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    14 Margareth Mead (1901-1978), antroploga americana, que se dedicou especialmente a pesquisas em Bali, umailha da Indonsia, no Pacfico Oeste, em Samoa e na Ilha de Tau. Distinguiu-se em temas relacionados mulher e sexualidade, preocupada em provar as influencias biolgicas e culturais no comportamento dos adolescentes, so-bretudo das adolescentes. Em seus artigos, conferncias e livros, Margareth sempre fazia aplicaes para a sociedadeamericana. Tinha pertinentes denncias relacionadas com a educao, a adolescncia, a sexualidade, as condutassociais, os direitos da mulher e a falta de cuidado com a natureza. Sexo e Temperamento em Trs sociedades Pri-mitivas foi um dos livros mais influentes de Margareth Mead.

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    gerao da vida no ventre materno, pelo enigma da morte, pela busca de umsentido para a vida e para o mundo e especialmente para o sofrimento e amorte.

    A conscincia religiosa, que foi se expandindo e se diversificando emexpresses verbais (oraes, cantos, discursos, gritos, clamores), em gestos ecoreografias (inclinaes, elevao dos braos, danas) em escritos, vestimen-tas, ritos e organizaes, tambm recorreu ajuda de drogas alucingenas,a oferendas e a sacrifcios sangrentos de animais e tambm de seres huma-nos. Ela est segura de ser a expresso mediadora do contato humano como divino e da manifestao divina ao ser humano. As religies tematizadas eestruturadas se diversificaram segundo as diferentes reas geogrficas e cul-turais do mundo. Mas, na verdade, elas todas constituem partes de umagrande sinfonia em construo no sonho humano da unidade de todos osseres humanos num mesmo Deus e numa mesma fraternidade religiosa.

    evidente, portanto, que neste contexto plural religioso fique muito di-fcil aceitar que apenas uma tradio religiosa, por mais perfeita que seja oujulgue ser, pretenda ser toda a verdade, a nica religio e que no permita aexistncia de outras. Isso simplesmente porque se esta religio se julgar anica estar descartando um dom do verdadeiro Deus para toda a humani-dade, que exatamente a beleza da diversidade, da alteridade, do pluralismo,um Deus que, portanto, acolhe em sua infinita bondade e misericrdia todasas religies e manifestaes religiosas que o ser humano, na sinceridade desua conscincia, acredita ser para ele o melhor caminho para a comunhocom a divindade e para a construo de um mundo justo e solidrio.

    A existncia do pluralismo religioso acarreta o pluralismo teolgico, quetem como base a aceitao de que todas as religies so caminhos teis parase chegar ao conhecimento de Deus e para se obter a salvao (cf. Tm 4,4).Esse dado fundamental para se poder falar e se poder trabalhar o DilogoReligioso entre todas as religies, j que, sem a acolhida do diferente, no hcomo construir compreenso mtua, tolerncia, fraternidade e busca de ca-minhos de unio em vista do bem da humanidade. As prprias religies de-nominadas reveladas isto , com base nos escritos da Bblia ou SagradaEscritura, ou seja, o Judasmo, o Cristianismo e o Islamismo que aceitam eadoram o mesmo nico Deus uno, o Deus de Abrao, Isaac, Jac, dos Pa-

  • triarcas e de Jesus Cristo tratam este mesmo Deus com nomes diferentes eo cultuam de modos distintos. Alm disso, cada religio se considera comoforma vlida de unio com Deus e de cooperao com Ele na construo domundo a partir dos ideais da justia, da fraternidade e da paz.

    Nesta questo admirvel a histrica mudana ocorrida na Igreja Ca-tlica, j durante o Conclio Vaticano II, quando estudou, aprovou e publicoudocumentos especficos quanto Igreja e s religies no crists (Nostra Ae-tate), e a Liberdade Religiosa (Dignitatis Humanae). As tentativas de aproxi-mao e de efetivo dilogo religioso com as religies foram e ainda sotmidas, com umas poucas manifestaes de grande repercusso como osdois Encontros das Religies em Assis, uma com o Papa Joo Paulo II, e ooutro como o Papa Bento XVI. Neste ltimo, em 2011, que marcou os 25 anosda primeira iniciativa do gnero, sob liderana do Papa Joo Paulo II, com-pareceram ao encontro 300 representantes religiosos e acadmicos, prove-nientes de 50 pases: cristos de vrias denominaes, assim como judeus,muulmanos, hindus, budistas, representantes de religies africanas e asiti-cas e at agnsticos.

    Questionamentos

    1 Por que h, entre muitos discpulos missionrios, insegurana, re-ceio e at medo diante do crescente pluralismo religioso domundo de hoje?

    2. O que deveria marcar a presena e ao do discpulo missionriono mundo plural, sobretudo, em termos religiosos?

    3. Alguns encaminhamentos

    3.1 A SECULARIDADE ABERTA AO SAGRADO O Livro da Sabedoria, escrito por volta do ano 50 aC, logo no seu incio,

    numa linguagem utpica e de profunda f, diz que Deus criou tudo para a exis-tncia, e as criaturas do mundo so sadias: nelas no h veneno de morte, nemo mundo dos mortos reina sobre a terra, porque a justia imortal (Sb 1,14-15).

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    Para cumprirmos, como discpulos missionrios, a misso de evangelizaro mundo secular essencial uma atitude de despojamento, de encarnao(cf. Fl 2,5-11) e de escuta obediente ao Esprito Santo, para entrar na intimi-dade deste mundo secular, e a descobrir as sementes do Verbo15, isto , es-paos e situaes, ilaes e achegas que possibilitam e revelam que nocorao mesmo deste mundo secular h abertura ao sagrado. Com isso, re-conhece-se com mais facilidade a distino sadia e positiva entre o secular eo sagrado, mas que no tem nada a ver com diviso e com oposio entreum e outro.

    Ler com olhar crtico e luz da f crist os sinais dos tempos, to gri-tantes nas mais diversas situaes do universo e do agir humano, nos ajudaneste processo de encarnao-redeno neste mundo secular, isto , fazeracontecer nele Jesus Cristo. esta a posio clara assumida pelo Conclio Va-ticano II, especialmente na Constituio Pastoral Gaudium et Spes. Alis, o pri-meiro pargrafo deste importante documento j sintetiza a nova posio daIgreja em relao ao mundo:

    As alegrias e as esperanas, as tristezas e as angstias dos homensde hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, so tambmas alegrias e as esperanas, as tristezas e as angstias dos discpulos deCristo; e no h realidade alguma verdadeiramente humana que no en-contre eco no seu corao. Porque a sua comunidade formada por ho-mens, que, reunidos em Cristo, so guiados pelo Esprito Santo na suaperegrinao em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem dasalvao para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se reale intimamente ligada ao gnero humano e sua histria. (GS,1)

    3.2 PLURALISMO E LIBERDADE O ser humano, alm do pluralismo que lhe natural por fazer parte da

    diversidade da criao do universo, gera e alimenta outro tipo de pluralismo,que fruto do uso que faz da sua liberdade. Mas a liberdade de algum, por

    15 A expresso semina verbi, que j aparece por volta do ano 150 d.C, foi muito usada pelos Padres da Igreja paradizer que nas religies no crists h verdades e realidades boas, ss, santas e que os cristos devem acolher. En-tretanto, a histria mostra que telogos e o prprio magistrio da Igreja, por sculos e sculos, nem por isso se in-teressaram pelas religies, mas, antes, as combateram com energia.

  • si mesma, est condicionada liberdade dos outros, pois qualquer ato hu-mano tem suas consequncias, o que acarreta responsabilidade. A liberdadepessoal, portanto, no total, pois implica responsabilidade pessoal e social.Um falso conceito de liberdade no aceita que ela tenha limites o que emsi contraditrio, j que o ser humano , por natureza, limitado e vive numcontexto que lhe revela as limitaes da convivncia social e do prpriomundo.

    Para gerir sua liberdade, o ser humano, ao longo da histria, sentiu anecessidade de uma filosofia de vida, com tica e moral, leis e autoridade,que, por sua vez, exigiu um processo educativo no sentido de compreendere viver a liberdade tanto pessoal como social. Sem isso, as diferentes liberda-des estariam em constante conflito, pois no levariam em conta a alteridade,os limites, a responsabilidade por seus atos e a convivncia prazerosa entreas pessoas, num ambiente positivo de ateno humana aos outros e de res-peito legtima autoridade.

    O aprendizado humano a respeito do uso da liberdade foi e continuasendo difcil e muitas vezes dramtico, trgico. A facilidade com que pessoase grupos caem na intolerncia face ao diferente, gerou muitas e muitas vezesa no aceitao do pluralismo poltico, cultural e religioso. Ainda hoje existemsituaes de discriminao, perseguio, priso e morte por questes polti-cas, culturais e religiosas. , sem dvida, uma tarefa necessria e indispensvelaprender a conviver com o diferente em termos de opes polticas, culturais,filosficas e religiosos. O cristianismo tem muito a ensinar e praticar nestesentido, com seu patrimnio histrico herdado de Jesus Cristo, do Manda-mento Novo da fraternidade, que d primazia vida, dignidade humana, liberdade com responsabilidade e convivncia no amor, na solidariedade,na justia e na paz.

    3.3 A NECESSIDADE DE UMA NOVA EVANGELIZAONo ano em que celebraremos, em outubro de 2012, o Snodo sobre a

    Nova Evangelizao, importante recordar que em 1975, na Exortao Apos-tlica Evangelii Nuntiandi (EN), fruto do Snodo de 1974, sobre Evangelizao,o Papa Paulo VI denunciava a falta de evangelizao explcita das pessoas eda cultura, e a consequente separao f e cultura e f e vida como graves

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  • problemas da Igreja Catlica.

    A evangelizao no seria completa se ela no tomasse em conside-rao a interpelao recproca entre Evangelho e vida concreta, pessoal esocial dos homens. por isso que a evangelizao comporta uma mensa-gem explcita, adaptada s diversas situaes e continuamente atualizada:sobre os direitos e deveres de toda a pessoa humana e sobre a vida fami-liar, sem a qual o desabrochamento pessoal quase no possvel, sobre avida em comum na sociedade; sobre a vida internacional, a paz, a justia eo desenvolvimento; uma mensagem sobremaneira vigorosa nos nossosdias, ainda, sobre a libertao (EN 29).

    A ruptura entre o Evangelho e a cultura sem dvida o drama danossa poca, como o foi tambm de outras pocas. Assim, importa envidartodos os esforos no sentido de uma generosa evangelizao da cultura,ou mais exatamente das culturas. Estas devem ser regeneradas medianteo impacto da Boa Nova. Mas um tal encontro no vir a dar-se se a BoaNova no for proclamada (EN 20).

    Diante da realidade do mundo em mudana preciso, sem dvida, reverem profundidade o significado de misso e de evangelizao e, consequen-temente, de discpulo missionrio. E Paulo VI d orientaes que so essen-ciais para a misso:

    Para a Igreja no se trata tanto de pregar o Evangelho a espaos geo-grficos cada vez mais vastos ou populaes maiores em dimenses demassa, mas de chegar a atingir e como que a modificar pela fora do Evan-gelho os critrios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse,as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida dahumanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus ecom o desgnio da salvao (EN 19).

    A Boa-Nova proclamada pelo testemunho da vida dever, mais tardeou mais cedo, ser proclamada pela palavra da vida. No haver nuncaevangelizao verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, oreino, o mistrio de Jesus de Nazar, Filho de Deus, no forem anunciados(EN 22).

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  • O Documento de Aparecida colocou como essencial para ser discpulomissionrio o encontro pessoal com Jesus Cristo vivo e o processo de con-verso. O cristo segue acima de tudo uma pessoa, j que a f crist no resultado de uma deciso tica, mas do encontro com um acontecimento,com uma pessoa, Jesus Cristo. Aparecida retoma e coloca no seu devidolugar a misso. No h como ser discpulo sem ser missionrio e no hcomo ser Igreja sem que ela seja missionria. Esse princpio da missionari-dade est enraizado na prpria Santssima Trindade. Jesus foi claro ao dizerque, assim como o Pai o havia enviado para salvar o mundo, ele estava en-viando seus discpulos para esta mesma misso (cf. Jo 20,21). Cabe-nos re-pensar a nossa misso diante dos desafios e oportunidades que o mundode hoje nos apresenta. O discpulo missionrio que zela pela misso de seuentorno mais prximo sabe que, pela fora da Palavra, dos Sacramentos e desua participao da vida da Igreja, , em si, missionrio sem fronteiras (cf. DAp376), pois cidado do mundo, cidado do infinito, como expressa to bemuma cano do Padre Zezinho scj. E missionariedade implica adeso incon-dicional a Jesus e a seu projeto salvfico, entrega e despojamento, prontidoe generosidade, obedincia vontade do Pai, a exemplo de Jesus.

    3.4 O DEUS UNITRINO E A DIVERSIDADE RELIGIOSAAo longo de toda a Sagrada Escritura, ns cristos descobrimos a infinita

    e multiforme sabedoria de Deus Pai e Filho e Esprito Santo, em si mesmo,mltiplo e uno, portanto, comunidade de trs pessoas distintas, na unidadede uma s natureza, a divina; um Deus que a mais perfeita comunidade noamor circulante, mas que, ao mesmo tempo, se difunde e se irradia numamultiplicidade quase infinita de criaturas que embelezam o universo.

    A criatura preferida de Deus, o ser humano, carrega dentro de si umacentelha do divino, pela infuso nela da Ruach de Deus, isto , o sopro, ohlito do prprio Deus unitrino, que faz desta criatura imagem e semelhanado prprio Deus. Por meio desta fora interior da sua Ruach, o ser humano,desde seus primeiros momentos na face da terra, busca incansavelmente en-contrar-se e unir-se com Deus. A saudade de Deus, de quem veio a Ruach e,ao mesmo tempo, o desejo incontido de encontr-lo e a Ele unir-se, faz doser humano um eterno buscador de Deus, portanto, articulador de caminhos

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  • para encontrar Deus, dando, assim, origem s mais diferentes expresses re-ligiosas ao longo da histria humana. A f crist nos diz que o Deus bblico criador, providente, redentor e santificador atua na histria por meio demediaes distintas e diversificadas, inclusive no que se refere religio (re-ligare = ligar novamente com Deus; re-legere = reler a vida, a histria, omundo a partir do Deus revelado).

    O privilgio do cristianismo de ser, conviver e atuar a partir da experin-cia do prprio Filho de Deus, encarnado na histria humana e que veio parasalvar a todo ser humano e a todos os seres humanos, lhe concede exata-mente as necessrias condies para acolher, como dom de Deus, a diversi-dade de religies. E lhe concede tambm o poder de estabelecer com todaselas, respeitando-as no estgio em que esto, caminhos de dilogo, coope-rao e unio, em vista da glria de Deus que, segundo Santo Irineu de Lio, o ser humano vivo e feliz e cuja glria ver Deus, ser de Deus, convivercom Deus, a servio dele para no mundo estabelecer seu Reino.

    3.5 A LUTA PELA VIDA, PELA DIGNIDADE HUMANA E A OPOPELOS POBRES

    Numa civilizao em mudana, dominada pela violncia contra as pes-soas e contra o planeta terra, pelo esvaziamento da tica e da moral, pelafalta de respeito vida, em todas as suas formas, pelo desrespeito dignidadehumana e pela escravizao de milhes de pessoas, de um lado ao consu-mismo e de outro lado fome e misria, medidas fundamentais de salvaoso urgentes. Primeiramente a luta pela vida, e vida de qualidade. precisoque acontea a unio do maior nmero de pessoas, grupos e instituies nagrande tarefa mundial de salvar o restinho de humanidade que ainda existeno corao do ser humano, em todas as partes do mundo. Esta unio pelohumanum forosamente se dedicar incansavelmente a favor da dignidadehumana e a favor da libertao e promoo dos pobres, famintos, sedentos,enfermos, nmades, excludos sociais e escravizados pelas drogas e pelaideologia do terrorismo.

    O assim chamado Evangelho dos Cristos Annimos, o captulo 25,31-46,do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus, sem dvida a plataformapara a solidariedade entre todas as culturas, filosofias, religies, polticas epessoas de boa vontade: Venham, abenoados de meu Pai. Recebam como

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  • herana o Reino que meu Pai lhes preparou desde a criao do mundo. Poiseu estava com fome e vocs me deram de comer; eu estava com sede e vocsme deram de beber; eu era um estrangeiro e vocs me receberam em suacasa; eu estava sem roupa e vocs me vestiram; eu estava doente e vocs cui-daram de mim; eu estava na priso e vocs foram me visitar. Todas as vezesque vocs fizeram isto a um dos menores de meus irmos, foi a mim que ofizeram.

    Para o discpulo missionrio, a luta pela vida, pela dignidade humana,pela libertao de qualquer forma de pobreza, misria, escravizao e injustia parte do seguimento de Jesus Cristo. No h possibilidade de ser cristosem a evanglica opo pelos pobres e sem o compromisso pela evanglicatransformao da sociedade. E, para isso, consequentemente ele se coloca,pela f, em atitude de dilogo e de cooperao para somar foras com todasas pessoas, acima de religies, ideologias, polticas, para a grande misso dehumanizar as pessoas, as relaes pessoais e interpessoais, as relaes entreos povos, culturas, religies, filosofias. E o discpulo missionrio, exatamenteporque cr que um outro mundo possvel, profeta de esperana, semea-dor de sonhos e utopias, que vo se concretizando em pequenas e grandesdoses, de um mundo justo, solidrio, fraterno e de paz.

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    Reflexo:

    1. O que voc destaca como importante no texto?

    2. Em sua vida voc j viveu situaes semelhantes? Quais?

    3. O que voc sugere para melhorar a conscincia missionria emnossas comunidades?

  • Discipulado missionrio do Brasil para o mundo luz do VaticanoII e do magistrio latino-americano

    Paulo Suess*

    A estrutura desta colocao est no tema indicado: (1) discipulado mis-sionrio a partir da identidade de Jesus, (2) imperativos e contextualizaodesse discipulado luz do Conclio Vaticano II e do magistrio latino-ameri-cano e, por fim, (3) relevncia desse discipulado missionrio para o mundoatravs de uma converso pastoral permanente.

    1. Discipulado, missionariedade, seguimentoDiscpulos (as) so aprendizes do Mestre (Rabbi) e seguidores de seu cami-

    nho. O discipulado aponta para dois aprendizados diferentes: um, atravs de umarelao de proximidade, empatia e mstica com Jesus; outro, atravs do segui-mento como caminhar histrico e experincia vivencial no mundo sem ser domundo: O discpulo bem formado ser como o mestre (Lc 6,40), enviado no Es-prito Santo por Jesus, como Jesus foi enviado pelo Pai (cf. Jo 20,21): Todos serodiscpulos de Deus (Jo 6,45). O discipulado nos coloca num processo de formaopermanente no qual procuramos saber quem o Mestre e quem somos ns. apergunta sobre nossa identidade. Trata-se de uma identidade dinmica queemerge do envio histrico e da misso salvfica e libertadora do Mestre. A abran-gncia do tema exige certa concentrao em alguns pontos essenciais.

    1.1. Quem o Mestre?O Evangelho de S. Joo coloca na palavra de Jesus sete expresses cris-

    tolgico-soteriolgicas de autoidentificao. Elas lembram a revelao de Java Moiss no Horeb. No incio da libertao de Israel, um Deus sem templo esem pompa revela na sara ardente a sua identidade: Eu sou aquele que sou(Ex 3,14). Semelhante autoidentificao de Deus encontra-se no Dutero-Isaas (Is 40-55) que, no incio da libertao do cativeiro babilnico, fala da

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    * Pe. Paulo Suess, doutor em Teologia, trabalhou na Amaznia, assessor teolgico do CIMI e do Comina, foi presidenteda Associao Internacional de Missiologia (IAMS) e professor de ps-graduao em Missiologia.

  • esperana de um novo xodo: Eu, que sou o Deus de Israel, no vou medescuidar deles (Is 41,17). Nas expresses de autorrevelao, que so imagensque descrevem a vida a partir de certa penria histrica (escravido, deserto,exlio), Jesus revela que, na simplicidade desta proposta de vida, ser, ter edoar coincidem. O divino Mestre no aquilo que Ele tem ou representa.Ele aquilo que Ele d na unidade com o Pai. Ele dom de Deus (Jo 3,16;6,32). Na cruz fala o Deus despojado da sara ardente. Em seu dom oferecidopela vida do mundo Jesus Messias revela o Pai e a misso que ele do Pai re-cebeu: Eu sou o po da vida (6,35.32.48), a luz do mundo (8,12), a porta(10,7.9), o bom pastor (10,11.14), a ressurreio e a vida (11,25), o caminho,a verdade e a vida (14,6), a videira (15,1.5).

    1.1.1. Eu sou o po da vida (Jo 6,35). Na sada da escravido, na passagem para a Terra Prometida, os israe-

    litas sofreram perodos de fome e receberam de Deus po do cu. O novoman, o po eucarstico, simbolizado pelo po que se ganha pelo trabalhoe que se reparte pela doao da vida. A multiplicao e partilha do po noscolocam num contexto pascal (6,1-13) e eucarstico. Jesus aquele que sedeu num movimento de descida e entrega, de encarnao e oblao, povivo que desceu do cu [...], entregue pela vida do mundo (6,51). O caminhoda misso descida do cu e subida para Jerusalm. Nesses dois movimentosse realiza o dom de si mesmo. Deus revela a sua face precisamente na figurado Servo sofredor que partilha a condio do homem abandonado por Deus,tomando-a sobre si (Spe salvi, 43; cf. Is 53).

    O mistrio da comunho trinitria, que a origem da misso na Igreja,tem seu ponto alto na Eucaristia, que o princpio e projeto da misso docristo (DAp 153). Aparecida estabelece uma ligao entre o po de cada diae o po eucarstico, exortando que os pobres, que vivem privados do poque sacia a fome, no sejam tambm privados da Eucaristia, po de vidaeterna, alimento substancial dos discpulos e missionrios (DAp 25). Noexiste algo mais material que o po, produto do trabalho humano, e maismaterialmente insignificante que a hstia sagrada. O isto--o-meu-corpoda Missa lembra o Corpo de Cristo, prostrado nas ruas das nossas cidades.Aparecida lembrou a palavra de Joo Crisstomo: Querem em verdade hon-rar o corpo de Cristo? No consintam que esteja nu. No o honrem no templo

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  • com mantos de seda enquanto fora o deixam passar frio e nudez (DAp 354).S depois de saciar o povo com po e peixe, Jesus fala do po que desceudo cu e revela, que ele o po da vida (Jo 6,1-13.45).

    1.1.2. Eu sou a luz do mundo (Jo 8,12)Por ser a luz verdadeira, que vindo ao mundo a todos ilumina (Jo 1,9),

    Jesus anuncia a sua misso universal como iluminao e esclarecimento. Je-sus o Messias que Jav chamou para o servio da justia: Eu te encarregueide seres a aliana do meu povo e a luz das naes, para abrires os olhos aoscegos (Is 42,6s), a fim de que minha salvao chegue at os confins da terra[...] e para dizeres aos presos em crcere escuro: `Vinde para a luz! (Is 49,6.9).A misso de Jesus anunciar e iniciar o novo xodo da humanidade. A curado cego de nascena (Jo 9,1ss) simboliza a cegueira pr-batismal das pessoas.Ela significa dependncia de outrem e desconhecimento da realidade em suaprofundidade material e espiritual. A luz de Cristo ilumina o caminho daqueleque o segue pelo mundo afora. Os Padres da Igreja entendiam o seguimentode Jesus Aparecida fala do discipulado missionrio como exigncia dobatismo que constitui a natureza missionria (AG 2, 6, 35; DAp 213) e clareiaos rumos da misso. O ver precede o julgar e o agir.

    Na Igreja primitiva, os batizados foram chamados os iluminados e obatismo, festa da iluminao. No rito batismal, os nefitos recebem uma vela,acesa no Crio Pascal, smbolo da insero no mistrio da morte e ressurreiode Cristo. A imagem da luz aponta para a misso crist: ser luz do mundo.Na Concluso do Decreto Ad gentes, os padres conciliares e o papa sadamos missionrios e fazem votos que a claridade de Deus, que resplandece naface de Cristo Jesus, pelo Esprito Santo a todos ilumine (AG 42.2).

    1.1.3. Eu sou a porta (Jo 10,7.9)A porta, no contexto da misso de Jesus, significa acesso vida, por

    conseguinte, abertura, vigilncia, discernimento e limite. No muro nem cor-tina. Jesus no foi pedreiro, para fazer muros fechados; foi carpinteiro quesabia que portas podem ser abertas e fechadas, para dentro e para fora. Ar-ticula introverso com extroverso. Para dentro a porta, que Jesus, abrepara se conhecer a si mesmo. Para fora, ela nos d acesso ao mundo para

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  • ver e conhecer os outros e a realidade do mundo. Conhecer, na linguagembblica, significa amar e encontrar a Deus, que precede todos os caminhosda misso.

    A imagem da porta lembra novamente o xodo e a Pscoa: a liberdadede ir e vir para experimentar a vida e a legitimidade do acesso de Jesus spessoas e pelas pessoas, que o buscam com corao sincero, talvez sem co-nhec-lo, a Ele (cf. LG 16). Como novo Moiss, o Mestre prope sadas e mos-tra novos territrios e arepagos que aguardam responsabilidade esolidariedade. Ele no porteiro, mas porta experimentada na passagem. Seussinais sejam curas ou convites para um novo relacionamento como aosalvfica-libertadora so todos sinais de abertura atravessados pelo feta(abre-te). O convite salvfico da libertao dirige-se a todos, mas a graa doconvite da porta aberta, que Jesus, no substitui o esforo da prpria pas-sagem. A graa, tampouco, um mecanismo que iguala as injustias de la-dres e assaltantes (10,8) aos mritos de confessores e mrtires. No fim, nobanquete eterno, no se sentaro mesa indistintamente os malvados juntocom as vtimas, como se nada tivesse acontecido (Spe salvi, 44). Na porta,imagem do Messias-Jesus, coincidem e coexistem, numa dialtica densa, mi-sericrdia e justia, graa e vigilncia, limites de abertura e fechamento, inti-midade mstica e extroverso social. A porta no d passagem para umcaminho linear. Na coincidncia de opostos, entre sair e entrar, permite en-contrar vida em abundncia (10,10).

    1.1.4. Eu sou o bom pastor (Jo 10,11.14)A comunidade do quarto Evangelho compreendeu a imagem do bom

    pastor a partir de profecias do Antigo Testamento (cf. Ez 34; Sl 23). O Se-gundo Zacarias (Zc), por exemplo, fala do pastor abatido (Zc 13,7) e do lutopor aquele que foi traspassado (Zc 12,10). Para encontrar em nossa culturaurbana de hoje o Sitz im Leben da imagen do bom pastor temos, muitas ve-zes, de abandonar o imaginrio das pastagens verdes e ir ao matadouro. Aimagem de Jesus Messias como bom pastor no se associa ao mercado ouao abate. Ele que se deixa abater pela vida das ovelhas: O bom pastor da vida por suas ovelhas (10,11). Ele as conhece e as ama. O conhecimento,que na linguagem da bblia uma forma de amor, recproco: Eu sou o bom

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  • pastor. Conheo as minhas ovelhas e elas me conhecem (10,14). S a quemama as ovelhas e as conhece, Jesus diz: Cuida das minhas ovelhas (Jo 21,17).O bom pastor no um profissional que trabalha pelo salrio como um ca-pataz de fazenda. Ele arrisca a sua vida pelos seus amigos (cf. 15,13). Jesusno quer l nem carne das ovelhas, mas d a sua carne seu corpo paraque elas tenham vida. E Ele deseja essa vida para todos, para que haja ums rebanho e um s pastor (10,16). Com a imagem do bom pastor, o evan-gelista explica a morte de Jesus na radicalidade da knose, no desprendimentoda prpria vida, iniciado pela encarnao (pr-existncia) e pleno na ressur-reio. Por encargo do Pai, Jesus enviado como bom pastor que tem o po-der de dar e receber a vida (cf. 10,18). O discurso sobre o bom pastor,enraizado no discurso trinitrio do envio, est articulado com o discurso so-bre o po da vida. Po e pastor existem para a vida do mundo. Os discur-sos sobre a vida tm como pano de fundo a cruz e a ressurreio, cujarepresentao simblica e real se realiza na Eucaristia. Jesus, que d livre-mente a sua vida (10,17s) como bom pastor, tambm transforma o ato deviolncia exterior da crucificao num ato de oblao em liberdade, que Elefaz de si mesmo em favor dos outros. Jesus no d algo , mas d-se a simesmo. Ele d a vida.1

    O discipulado missionrio realiza sua misso num dar e receber. Quemno sabe dar fica sufocado, no pela carncia de recursos, mas pelo excessode seus dons e bens no partilhados. Quem s sabe dar, mas no receber,transforma a sua vida numa casa queimada (burn out!), da qual sobram ape-nas algumas fachadas.

    1.1.5. Eu sou a ressurreio e a vida (Jo 11,25) No contexto da ressurreio de Lzaro, que o stimo sinal do Messias

    no quarto Evangelho, Jesus se declara ressurreio e vida.2 o sinal datransformao da morte em vida para os que acreditam na Palavra que se fez

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    1 RATZINGER, Joseph/BENTO XVI. Jesus de Nazar I. So Paulo, Planeta, 2007, p. 241s.

    2 Os outros seis sinais so: transformao da gua em vinho (Jo 2), cura do filho do funcionrio real (Jo 4,46-54),cura de um paraltico (Jo 5,1-18), multiplicao dos pes (Jo 6,1-15), Jesus caminha sobre as guas (Jo 6,16-21), cura de um cego (Jo 9,1-7).

  • carne. Novamente, o Mestre diz de si o que Ele d e resume a sua misso napalavra vida; vida como expresso e fruto da f e transformao profundaque permeia o Evangelho de Joo desde a transformao da gua em vinho,nas bodas de Can (Jo 2). A voz forte com que Jesus chama Lzaro parafora do sepulcro ecoa com a voz com que o Enviado do Pai chama a todosos que nEle acreditam vida. Ressurreio no uma promessa para depoisda morte fsica. A ressurreio novo modo de existir no mundo. Estamosno centro do kerigma missionrio: com a ressurreio de Jesus, o ltimo ini-migo, a morte, foi destrudo. Para que Deus seja tudo em todos (1Co15,26.28), a vida histrica foi requalificada na coincidncia de f, amor e es-perana em cada instante. A ressurreio nos permite viver a densidade domomento presente na celebrao eucarstica que, na memria, abraa o pas-sado, e, no mistrio sacramental, representa o futuro. Mas a ressurreio tambm ruptura, por instantes significativos, do espao e do tempo histricospelo definitivo que atravessa esses espaos como relmpago e brisa suave.Com outras palavras: presena e passagem de Deus, percebida como graa em momentos biogrficos e histricos do discpulo que compreende suavida como misso.

    1.1.6. Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6) A verdade e vida so caminhos, no doutrinas ou metas. So histricas

    na sua potencialidade de serem historicamente acolhidas. A verdade est nocaminhar com Jesus. A verdade, do mesmo modo que o prprio Deus, noest no cu como lugar de chegada. Para Deus no existe lugar nem tempo.O cu como espao imaginrio da presena divina est em ns. O que im-porta andar com e estar em Jesus, que Verdade e Vida. A linearidade dachegada se dissolve na ciranda trinitria do caminho (Jesus), da verdade (Pai)e da vida (Esprito). Aquele que foi enviado e ressuscitado pelo Pai sopra sobreos discpulos e os envia, no Esprito Santo, ao mundo (cf. Jo 17,18; 20,19). ComJesus, no caminhamos na direo da verdade, mas na verdade. Com Ele,tampouco, caminhamos na direo da vida, mas na vida. Ele o itinerrio dasalvao j realizada. O discpulo missionrio assume esta salvao nEle jrealizada desde o batismo no decorrer de sua vida. O caminho no a dis-tncia entre dois pontos geogrficos. O caminho no conduz a algo exterior

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  • aos discpulos, mas um processo de tomada de conscincia de sua situaoexistencial: salvo em Cristo, sua vida se torna anncio e partilha de sua vidacheia de graa e, ao mesmo tempo, est atravessada por alienao, corrupoideolgica, pecado estrutural e pessoal. Nessa compreenso, o caminho temuma dimenso temporal, no geogrfica. Jesus no o caminho que afasta,mas que eterniza pela suspenso do tempo. Os poucos momentos da nossavida que nos permitem perceber o fim ou a parada do tempo so momentosde profunda transformao e antecipao da verdadeira dimenso do Cami-nho-Jesus: presena, alegria profunda, transparncia, gratido e gratuidade,despojamento, simpatia social e luz csmica.

    Ao caminhar no Esprito, o povo de Deus se liberta da ditadura dos finspreestabelecidos. Essa identidade de Jesus com o caminho era algo to mar-cante para os primeiros cristos, que eles se autodenominavam os do Ca-minho (At 9,2). E So Paulo, ao lembrar-se como, antes de sua converso,perseguia os cristos, podia dizer: Persegui at a morte este Caminho (At22,4). O especfico do cristianismo o caminho e no a meta. A meta se revelaem cada passo do caminho. E se essa meta no estiver em cada passo, tam-pouco estar na reta final. A plenitude do tempo uma meta construda pormuitos passos, um sentido forjado nas estaes da luta e do sofrimento, dafesta e da esperana. No caminho se realiza, historicamente, a opo pelospobres. O caminhar sempre um caminhar despojado na simplicidade e napobreza.

    O ser caminho de Jesus tem tambm uma dimenso eclesiolgica. AIgreja peregrina uma Igreja pobre, sem distrbios circulatrios causadospela vida sedentria. Uma Igreja instalada facilmente cai nas malhas de es-truturas pesadas e doutrinas complicadas que aprisionam o Esprito. UmaIgreja em caminho uma Igreja simples e transparente. Quem vai longe, econfia no Senhor da histria, de poucas coisas necessita. As mos estendidasao outro so mos livres. Redimido somente aquilo que foi assumido (Pue-bla 400). Assumir, porm, significa aproximar, despojar, encontrar e caminharjunto.

    1.1.7. Eu sou a videira (Jo 15,1.5)O discurso da videira reflete a situao do discipulado depois da partida

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  • do Mestre. Pressuposto do discipulado a permanncia em Jesus. Ele no s Caminho. tambm videira implantada na terra. O discpulo como oramo que brota da videira. Sua condio de vida ser ramo e galho na rvoreda vida que Jesus. A imagem da videira radical e extrema, concreta emstica. O discipulado uma ramificao divina. Na videira enraizada estnovamente presente o mistrio da encarnao do Prlogo do quarto Evan-gelho: A Palavra se fez carne (Jo 1,14), o mistrio trinitrio do amor e enviopelo Pai (Jo 15,9), o mistrio da oblao do amor maior daquele que d avida por seus amigos (15,13) e o mistrio da unio: o verdadeiro pastor, que porta, caminho e eucaristia (cf. 6,56), aponta para o futuro escatolgico peloqual promete que haver um s rebanho (Jo 10,16). A expresso videira ver-dadeira inclui a possibilidade de haver videiras enganadoras, caminhos fal-sos, portas erradas, po que no sacia. A diversidade das ovelhas no podeser confundida com a diferena existente entre ovelhas e lobos, entre videirae espinheiro, entre luz e trevas. A diversidade das denominaes religiosasnas periferias das nossas cidades no pode ser confundida com a diversidadedos cartis de droga que, atravs de obras beneficentes, se fazem lobos re-vestidos com peles de cordeiro.

    A videira a imagem da permanncia do discpulo em Jesus. Permanecerem Jesus significa permanecer em Deus, que amor, e dar muitos frutos. Avida que circula atravs da unidade firmada entre vinha (Deus), videira (Jesus)e ramo (discpulo) pode ter sentido e ser fecunda. A imanncia teolgica pro-duz emanncia ou, como diramos hoje, ao mesmo tempo xtase festivo(pelo vinho!) e relevncia social. A identidade do discpulo no est garantidapela Lei, mas pelo amor maior (15,12), vivido atravs da permanncia em Je-sus. Ela possibilita a firmeza do discipulado na misso e os frutos no mundo,apesar da hostilidade desse mundo, descrita no mesmo captulo (15,18-27).No amor h reciprocidade, na hostilidade no. Jesus ensina a dar a vida pelomundo inimigo. No s os discpulos so Seus amigos. Tambm o mundoinimigo , sem saber, um mundo amado por Deus. A imagem da videira noprope a purificao do mundo, porm, a permanente purificao da prpriavideira, dos ramos sem frutos, sem uvas, sem vinho, sem doao. a dimen-so eclesiolgica da videira que pode ter ramos secos, infrutferos e sufocan-tes. Doutrinas, tradies e discpulos podem tornar-se galhos grandes, porm

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  • secos e sem verdadeira pertena videira: A prpria grandeza do homembem como das instituies deve ser extirpada; o que se tornou demasiadogrande deve de novo ser reconduzido simplicidade e pobreza do Senhor.Somente atravs de semelhantes processos de morte que a fecundidadepermanece e se renova.3 Permanecer na videira verdadeira significa perse-verar no discipulado missionrio do Messias Jesus.

    O Evangelho de Marcos, representando os Sinticos, sintetiza a identi-dade teolgica do quarto Evangelho com poucas palavras: Depois que Joofoi preso, Jesus veio para a Galileia, proclamando a Boa-Nova de Deus: Com-pletou-se o tempo, e o Reino de Deus est prximo. Convertei-vos e credena Boa-Nova (Mc 1,14s). Comea algo novo, sem demonstrao de poder,mas atravs de sinais: expulso dos demnios, sinais de reconciliao, decura, de libertao e ressurreio. O pobre Messias do quarto Evangelho, quenunca fala daquilo que ele tem, mas o que ele , revela-se em Lucas e Mateus,por exemplo, como amigo dos pobres e dos doentes, dos pecadores e dosimpuros, dos perdidos e dos marginalizados.

    1.2. Qual a identidade dos (as) discpulos (as)?O que caracteriza o discpulo a permanente busca de conformidade

    com a misso do Mestre. Prioridade absoluta dessa misso gerar vida, nocom meios sofisticados, mas atravs do despojamento da prpria vida. O dis-cipulado dos seguidores de Jesus vai alm de aprendizes da Tor ou do ca-tecismo. O Messias Jesus exige mais de seus discpulos: Se algum vem amim, mas no me prefere a seu pai e sua me, sua mulher e seus filhos, seusirmos e suas irms, e at a sua prpria vida, no pode ser meu discpulo(Lc 14,26). Os que o Mestre chamou para serem pescadores de homens, ime-diatamente, deixaram as redes e o seguiram (Mc 1,18).

    Aos que pediram sentar-se na glria sua direita, Jesus respondeu: Po-deis beber o clice que eu vou beber (Mc 10,38)? O discpulo obedece aochamado de Jesus imediatamente, sem ponderar condies ou exigir prazospara concluir obras piedosas: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos;mas tu vai e anuncia o Reino de Deus. [...] Quem pe a mo no arado e olhapara trs no est apto para o Reino de Deus (Lc 9,60.62). Discipulado na

    453 RATZINGER, Joseph/BENTO XVI. Jesus de Nazar I, l.c. p. 226.

  • comunidade vivencial com o Mestre significa seguimento de Jesus, despoja-mento e knose: Se algum quer vir aps mim, renuncie a si mesmo, tome asua cruz e siga-me (Mc 8,34)! O discpulo se torna testemunha de vida e doa-dor da vida na grande tribulao (Ap 7,14).

    No decorrer do tempo, o discipulado no apontou mais p