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INSTRUÇÃO 61 L. C. Vinholes Este texto foi extraído da tese de doutoradoTrês peças aleatórias de L. C. Vinholes numa abordagem pedagógica para criança: análise, criação de atividades musicais e site de Lilia de Oliveira Rosa, UNICAMP, 2011. Vinholes foi convidado a participar de uma reunião no estúdio do Grupo de Música Nova do pianista Tomohisa Nakajima, no bairro de Shibuya, em Tóquio, para a comemoração da passagem do ano de 1961/1962 e, sabendo de antemão que outros músicos da vanguarda japonesa estariam presentes, aproveitou o encontro para mostrar aos amigos uma coleção de cem cartões gráficomusicais. Os cartões, no tamanho de doze centímetros de cada lado, foram divididos em quatro grupos de vinte e cinco cartões cada um da seguinte maneira: sete cartões riscados com uma linha longa, sete com uma linha curta, sete com um ponto bem no centro e quatro em branco (o silêncio). O compositor explicou a forma de manuseio dos cartões quanto à leitura musical relativa dos gráficos desenhados e as mudanças de posição das linhas curta e longa, ou seja, quando na horizontal a leitura corresponde a um som curto e longo quaisquer, e na vertical a leitura corresponde a um menor ou maior grupo de sons/notas quaisquer, respectivamente. Cada grupo de 25 cartões foi entregue a quatro instrumentistas presentes – flauta transversal, violino, trompa e uchiwadaiko, uma espécie de tambor sem caixa de ressonância utilizado pelos budistas –, e outras quatro pessoas participaram como colaboradores que se posicionaram em frente ou ao lado dos instrumentistas para a exibição dos cartões. A experiência musical durou por mais de meia hora, tendo sido registrada por fotos e fita magnetofônica com gravação de cerca de cinco minutos, cujo evento se transformou num acontecimento histórico na vida do compositor e da música brasileira devido ao novo procedimento técnico utilizado na elaboração da peça. Além de a peça apresentar um procedimento composicional totalmente inusitado, o embaralhamento de uma coleção de cem (100) cartões com escrita não convencional, a Instrução 61, para quatro instrumentos quaisquer (1961), é a

Instrução 61 - L. C. Vinholes

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Instrução 61

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INSTRUÇÃO 61 ­ L. C. Vinholes  

 Este texto foi extraído da tese de doutoradoTrês peças aleatórias de L. C. Vinholes numa 

abordagem pedagógica para criança: análise, criação de atividades musicais e site de  

Lilia de Oliveira Rosa, UNICAMP, 2011. 

 

Vinholes foi convidado a participar de uma reunião no estúdio do Grupo de                         

Música Nova do pianista Tomohisa Nakajima, no bairro de Shibuya, em Tóquio,                       

para a comemoração da passagem do ano de 1961/1962 e, sabendo de antemão                         

que outros músicos da vanguarda japonesa estariam presentes, aproveitou o                   

encontro para mostrar aos amigos uma coleção de cem cartões gráfico­musicais. 

Os cartões, no tamanho de doze centímetros de cada lado, foram divididos                       

em quatro grupos de vinte e cinco cartões cada um da seguinte maneira: sete                           

cartões riscados com uma linha longa, sete com uma linha curta, sete com um ponto                             

bem no centro e quatro em branco (o silêncio). 

O compositor explicou a forma de manuseio dos cartões quanto à leitura                       

musical relativa dos gráficos desenhados e as mudanças de posição das linhas                       

curta e longa, ou seja, quando na horizontal a leitura corresponde a um som curto e                               

longo quaisquer, e na vertical a leitura corresponde a um menor ou maior grupo de                             

sons/notas quaisquer, respectivamente.  

Cada grupo de 25 cartões foi entregue a quatro instrumentistas presentes –                       

flauta transversal, violino, trompa euchiwa­daiko, uma espécie de tambor sem caixa                       

de ressonância utilizado pelos budistas –, e outras quatro pessoas participaram                     

como colaboradores que se posicionaram em frente ou ao lado dos instrumentistas                       

para a exibição dos cartões. 

A experiência musical durou por mais de meia hora, tendo sido registrada por                         

fotos e fita magnetofônica com gravação de cerca de cinco minutos, cujo evento se                           

transformou num acontecimento histórico na vida do compositor e da música                     

brasileira devido ao novo procedimento técnico utilizado na elaboração da peça. 

Além de a peça apresentar um procedimento composicional totalmente                 

inusitado, o embaralhamento de uma coleção de cem (100) cartões com escrita não                         

convencional, a Instrução 61, para quatro instrumentos quaisquer (1961), é a                     

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primeira peça aleatória no Brasil e de originalidade sem precedentes na história da                         

música ocidental. 

A primeira peça aleatória brasileira proporcionou ao intérprete a plena                   

liberdade de escolhas do material sonoro, dando­lhe o papel de criador ou coautor                         

da música, resgatando algo que no passado da música tradicional já havia existido                         

como, por exemplo, o papel de improvisador no período barroco (baixo contínuo) e                         

no classicismo (cadências), mas que desapareceu a partir do período romântico.  

Muito consciente de seu processo de criação musical, Vinholes tencionou                   

provocar questionamentos sobre os conceitos relacionados ao fazer artístico e                   

musical, no contexto da cultura e da sociedade da época ou, ainda, como ele                           

mesmo afirmou, “superar o dualismo, a dicotomia tradicional autor versus                   

intérprete”. 

A Instrução 61 propôs não somente um repensar sobre o fazer musical no                         

âmbito do binômio compositor­intérprete, mas contemplou a figura do público na                     

construção de sua música criando a figura do colaborador. 

O colaborador é uma pessoa qualquer escolhida entre o público para                     

embaralhar e manusear os cartões que serão lidos pelos instrumentistas. Para o                       

compositor Vinholes, permitir a inclusão de pessoas leigas no próprio processo de                       

criação musical é uma questão de princípio ou coerência de idéias. 

A música resultante do procedimento técnico criado por Vinholes                 

caracteriza­se pela composição coletiva a partir do trinômio               

compositor­instrumentista­público e, consequentemente, a criação musical           

constrói­se a partir da maior ou menor habilidade, entendimento e interação. 

Esse posicionamento do compositor despertou a atenção da pesquisadora                 

para a possibilidade de trabalhar com asInstruçõesem classes de musicalização de                         

crianças, transformando­as em ferramenta pedagógico­musical para estimular o               

gosto pela música, pela criação, pela prática e fruição de peças contemporâneas ou                         

novas escutas. 

No âmbito pedagógico, a idéia dasInstruçõese o princípio filosófico embutido                       

nela – qualquer pessoa ou criança pode fazer música sem qualquer conhecimento                       

musical – são aspectos a serem levados em consideração pelo educador, pois,                       

além de possibilitar a inclusão de todos ao fazer musical dentro da sala de aula,                             

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permite ao indivíduo a realização de uma ação ou atividade criadora em sua vida.                           

“Cai por terra”, por exemplo, a idéia preconceituosa de que somente os talentosos                         

ou os superdotados podem “compor” ou criar música. 

 

Partitura 

 

Para Instrução 61, para quatro instrumentos quaisquer, são necessários 100                   

cartões quadriculados, divididos em quatro grupos de 25, um grupo para cada                       

instrumento respectivamente. 

Em cada grupo de 25 cartões, 7 tem uma linha longa, 7 uma linha curta, 7 um                                 

ponto e 4 estão em branco. 

As linhas, quando na posição horizaontal, e o ponto, leia­se um único som. 

As linhas, quando na posição vertical, leia­se grupos de sons. 

Quando na posição horizontal, a linha longa, em relação a curta, tem maior                         

duração e vice­versa. 

Quando na posição vertical, a linha longa, em relação a curta tem maior                         

número de sons agrupados e vice­versa. 

O ponto é sempre som isolado de duração a mais curta possível. 

Os cartões em branco são pausas=silêncios=ausência de sons. 

A relatividade entre os valores acima estabelecidos e as alturas e                     

intensidades dos sons ficam na dependência do momento. 

Cada executante de um instrumento terá à sua frente um colaborador para                       

mostrar­lhe os cartões, baralhados a fim de gerar possibilidades para a criação da                         

obra. 

A ordem e o tempo de exposição depende, direta e exclusivamente, de quem                         

os manipula. 

O trabalho (“a composição”) a ser realizada pode ser de qualquer duração.