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1 INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA Aspectos relevantes e polêmicos: a natureza jurídica da norma que trata de imunidade e da constituição e funcionamento da entidade e sua eficácia; o alcance da imunidade tributária; os requisitos para o gozo da imunidade tributária: a finalidade essencial da entidade imune; a vedação de remuneração de dirigentes, o prévio requerimento; o Ato Declaratório e o alcance da suspensão da imunidade. José Hable 1 PALAVRAS-CHAVE: Imunidade. Entidades Beneficentes de Educação e Assistência Social. Aspectos relevantes e polêmicos. Lei Complementar. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 2. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA 2.1 O conceito de imunidade 2.2 As normas concessivas de imunidade tributária 2.2.1 a natureza jurídica da norma que trata de imunidade e da constituição e funcionamento da entidade 2.2.2 a eficácia da norma imunizante 2.3 O alcance da imunidade tributária 2.3.1 a espécie de tributo 2.3.2 o conteúdo econômico 2.4 Os requisitos para o gozo da imunidade tributária 2.4.1 ser instituição de educação ou assistência social 2.4.2 ser entidade sem fins lucrativos 2.4.3 conteúdo econômico relacionado às finalidades essenciais 2.4.4 cumprimento aos requisitos infraconstitucionais 3. O RECONHECIMENTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA 3.1 O atendimento aos requisitos descritos em lei 3.1.1 a não distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título 2.3 a remuneração dos dirigentes 3.1.2. a aplicação integral, no País, dos recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais 3.1.3. a manutenção da escrituração das receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão 3.2 A remuneração dos dirigentes da entidade 3.3 Os procedimentos administrativos para a concessão da imunidade 3.3.1 a exigência de prévio requerimento e de ato declaratório 3.3.2 o alcance e a suspensão da aplicação do benefício fiscal CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 JOSÉ HABLE, Auditor Fiscal da Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais. Mestre em DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO. Pós-graduado em DIREITO TRIBUTÁRIO. Graduado em DIREITO, ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS e AGRONOMIA. Professor de pós-graduação e graduação. Autor de livros. Site: www.josehable.adv.br

INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSISTÊNCIA … · forma de sua Constituição, onde vêm previstos os seus objetivos fundamentais, entre os quais, os de “erradicar a pobreza

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INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Aspectos relevantes e polêmicos: a natureza jurídica da norma que trata de imunidade e da constituição e funcionamento da entidade e sua eficácia; o alcance da imunidade tributária; os requisitos para o gozo da imunidade tributária: a finalidade essencial da entidade imune; a vedação de remuneração de dirigentes, o prévio requerimento; o Ato Declaratório e o alcance da suspensão da imunidade.

José Hable1 PALAVRAS-CHAVE: Imunidade. Entidades Beneficentes de Educação e Assistência Social. Aspectos relevantes e polêmicos. Lei Complementar.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 2. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

2.1 O conceito de imunidade 2.2 As normas concessivas de imunidade tributária

2.2.1 a natureza jurídica da norma que trata de imunidade e da constituição e funcionamento da entidade 2.2.2 a eficácia da norma imunizante

2.3 O alcance da imunidade tributária 2.3.1 a espécie de tributo 2.3.2 o conteúdo econômico

2.4 Os requisitos para o gozo da imunidade tributária 2.4.1 ser instituição de educação ou assistência social 2.4.2 ser entidade sem fins lucrativos 2.4.3 conteúdo econômico relacionado às finalidades essenciais 2.4.4 cumprimento aos requisitos infraconstitucionais 3. O RECONHECIMENTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

3.1 O atendimento aos requisitos descritos em lei 3.1.1 a não distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título 2.3 a remuneração dos dirigentes 3.1.2. a aplicação integral, no País, dos recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais 3.1.3. a manutenção da escrituração das receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão

3.2 A remuneração dos dirigentes da entidade 3.3 Os procedimentos administrativos para a concessão da

imunidade 3.3.1 a exigência de prévio requerimento e de ato declaratório 3.3.2 o alcance e a suspensão da aplicação do benefício fiscal CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1JOSÉ HABLE, Auditor Fiscal da Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal. Conselheiro e Presidente do Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais. Mestre em DIREITO INTERNACIONAL ECONÔMICO. Pós-graduado em DIREITO TRIBUTÁRIO. Graduado em DIREITO, ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS e AGRONOMIA. Professor de pós-graduação e graduação. Autor de livros. Site: www.josehable.adv.br

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INTRODUÇÃO Hodiernamente verifica-se que o fenômeno da globalização

aumentou as disparidades de oportunidade de vida, e a unificação dos padrões de consumo permanece concentrado num pequeno número de países, onde também há uma distribuição compartilhada de modo desigual, demonstrando um abismo cada vez maior entre ricos e pobres, ao trazer a grande desigualdade que há entre os países, uns por demais ricos e outros de extrema pobreza.

Nesse contexto de interferências e integração de mercados entre os Estados-nação, surge uma comunidade internacional, com um novo perfil, mais atuante e interessada em assuntos, que há pouco tempo eram tratados apenas no âmbito interno de cada Estado.

Com isso, o Estado moderno é pressionado a voltar, a todo instante, mais atenção aos interesses da sociedade, e novos desafios aparecem quando Ele deixa de atuar apenas no campo interno, e passa a ocupar posição em temas que envolvem questões e problemas além de sua fronteira, como os relacionados aos direitos humanos, em especial à extrema pobreza, fruto, por vezes, da desinformação, analfabetismo e ausência de assistência social, que afetam a todos.

A “pobreza e a desigualdade humana são tão antigas quanto à humanidade e sempre vieram acompanhadas de fortes sentimentos morais.”2 Estratégias e políticas de redução da pobreza estão sendo implementadas com mais ou menos êxito em diversas partes do mundo. Verifica-se assim que o desafio de combater a extrema pobreza, assim como a desigualdade social, não se limita a uma visão espacial localizada, o que faz extrapolar as fronteiras de um Estado-nação, interferindo diretamente no modo de pensar e agir de cada governante, na busca de uma solução, por vezes globalizada.

2 SCHWARTZMAN, Simon. Notas sobre o paradoxo da desigualdade no Brasil. Mimeo. Texto apresentado no Rio Workshop “On Inequality”, Rio de Janeiro, 3 a 6 de julho, 2001. Disponível em: http://www.schwartzman.org.br/simon/paradoxos.htm Acesso em: 20 jan. 2013.

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Sabe-se que o Brasil é um país marcado por profundas desigualdades e mundialmente conhecido como um país de grande desigualdade social.

O Estado, por sua vez, nasceu da necessidade de instituir uma sociedade justa e que pudesse oferecer o bem comum a todos, de forma universal e soberana, e que atuasse em todos os seus limites territoriais. E o povo, como um dos elementos formadores do Estado, escolhe e legitima seus representantes, ao dar-lhes poderes constitucionais e políticos.

Nesse andar, legitimados pelo poder constituinte originário, os representantes do povo brasileiro promulgaram a Constituição Federal de 1988 (CF/88). Assim, criado o Estado, é preciso pensá-lo na forma de sua Constituição, onde vêm previstos os seus objetivos fundamentais, entre os quais, os de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (CF/88, art. 3º, III).

A superação da pobreza, da desigualdade e da exclusão social no Brasil são desafios que extrapolam a capacidade de um único nível de governo, no caso o federal, requerendo a adoção de políticas que incorporem todos os entes da federação além da iniciativa privada, no intuito de atender às demandas dos segmentos excluídos.

A organização social, no entanto, tem um custo, e não há como o Estado pretender desempenhar funções sociais sem recursos financeiros, que na sua grande parte advém da arrecadação de tributos. O Tributo, assim, como condição da própria existência da sociedade pacificamente organizada, passa a ser a principal fonte de recursos para o financiamento dos serviços públicos de um país, caso típico do Brasil.

Defende-se, ainda, que um dos motivos para que o Brasil seja marcado por profundas desigualdades está no seu ineficiente e injusto Sistema Tributário, que contribui para a perpetuação e o aprofundamento das desigualdades sociais. Nesse sentido, diz-se que a carga tributária brasileira é bastante elevada e o sistema tributário injusto, por ter uma forte predominância de tributos que estão

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embutidos no preço final dos bens e serviços, penalizando ainda mais a população de menor renda.

Por outro lado, o Estado, mesmo com toda arrecadação tributária à sua disposição, tem dificuldades para desempenhar sozinho as funções discriminadas na CF/88 como necessárias ao bem comum de sua população. No intuito, então, de suprir ou complementar essas atividades essenciais, vem a Lei Maior e institui um instrumento, a imunidade tributária, que, entre outras funções, tem o poder de atrair a iniciativa privada, para promover e incentivar atividades sociais, como as voltadas à educação e à assistência social, entre outros.

No presente trabalho, pretende-se estudar o instituto da imunidade tributária das entidades de educação e assistência social, expondo e analisando seus aspectos relevantes e polêmicos, relacionados principalmente sobre a natureza jurídica e eficácia da norma imunizante; o alcance do instituto no que se refere ao tributo e ao conteúdo econômico; os requisitos constitucionais e infraconstitucionais necessários à sua concessão e os procedimentos utilizados pela Administração no reconhecimento da imunidade.

Em síntese, far-se-á uma abordagem teórica do tema, segundo a doutrina e jurisprudência, no intuito de dar respostas a vários questionamentos levantados, que surgem quando se está diante do referido tema, tais como:

1. qual é a natureza jurídica e eficácia das normas que tratam sobre imunidade tributária e sobre a constituição e o funcionamento da entidade alcançada pelo instituto?

2. qual é o alcance do instituto da imunidade no que se refere ao tributo e ao conteúdo econômico?

3. quais são os requisitos constitucionais e infraconstitucionais a serem atendidos pela entidade para o fruição da imunidade tributária?

4. qual a atual interpretação dada pelo STF sobre a expressão “relacionados com as finalidades essenciais da entidade”?

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5. qual é o significado da expressão “não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título”? e se a vedação a remuneração dos dirigentes é uma forma de distribuição de renda, a qualquer título?

6. a vedação de remuneração dos dirigentes da entidade imune trata-se de requisito para a concessão de benefício fiscal ou para a constituição e funcionamento da entidade?

7. qual é o alcance dado na análise e suspensão da aplicação do benefício fiscal?

8. o não cumprimento da exigência de requerimento prévio e de ato declaratório do Poder Público tem o condão de suspender o gozo da imunidade tributária?

2. A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA O Estado, para promover o bem comum, exerce funções

que são custeadas com recursos financeiros que advém de diversas origens, entre as quais, da imposição tributária, sendo o tributo a principal fonte de recursos para o financiamento dos serviços públicos no Brasil

Pelo princípio da universalidade, descrito no art. 19, da CF/88,3 todo aquele que pratica um ato, descrito na lei como fato gerador de uma obrigação tributária, deverá ser tributado igualmente, sem qualquer tipo de distinção, exceto os casos previstos na norma legal.4

Sabe-se, no entanto, que mesmo estando à disposição do Estado toda a arrecadação dos tributos, tem Ele dificuldades para desempenhar as atividades sociais necessárias ao bem comum de sua população. Prevendo essa impossibilidade, o constituinte inseriu na Carta Magna o atributo da imunidade tributária, que, entre outras 3 BRASIL. CF/88. “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.” 4 FERREIRA, Marcelo Dias. O IPTU e a informalidade urbana. A tributação da posse em AEIS como ferramenta de regulação do mercado informal de terras. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1955, 7 nov. 2008 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11905>. Acesso em: 18 jun. 2013.

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funções, tem o poder de atrair o setor privado, para cooperar e colaborar com o Estado nessa missão, suprindo suas deficiências em determinados setores sociais, a exemplo da educação e da assistência social.

2.1 O conceito de imunidade Imunidade tributária é um tema que vem previsto na

CF/88, no Título VI, do Capítulo I, nomeado na Seção II, que trata das limitações do poder de tributar. O termo imunidade é derivado do latim immunitas, que se referia às isenções de taxas oferecidas aos senadores romanos. Immunitas significa liberação de munus, com o significado de dispensar os encargos, ônus, que denota um privilégio ou prerrogativa.5

Sendo uma exclusão ao poder de tributar, a imunidade tributária é um privilégio constitucional, em que ocorre a impossibilidade da incidência tributária (não-incidência), por não existir disposição legal que preveja a ocorrência do fato gerador do tributo, buscando a proteção de determinados valores, considerados pelo constituinte como fundamentais.

Como fenômeno de natureza constitucional,6 independente do termo utilizado no texto constitucional, “é vedado ...” (art. 150, VI); “são isentas ...” (art. 184, § 5º e art. 195, § 7º); “não incidirá ...” (art. 153, § 3º, III e § 4º, II, art. 155, § 2º, X), sempre que a própria CF/88 estiver exonerando ou impedindo a imposição tributária, segundo entendimento já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF),7 está-se a tratar de imunidade, uma vez que a incidência tributária é excluída diretamente pelo comando constitucional. 5 MORAES, Bernardo Ribeiro. A Imunidade e seus Novos Aspectos. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados, São Paulo, n. 164, maio/jun. 1998, p. 9. 6 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 22 ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 682. 7 BRASIL. STF. ROMS n° 22.192-9, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª Turma, in DI de 19.12.96. Nesse sentido, também o RE 168.110-DF, rel. Min. Moreira Alves, 04/04/2000, ao trata do art. 184, § 5º da CF/88, que dispõe: “§ 5º - São isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária.” Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jun. 2013.

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Assim, por exemplo, no § 7º do art. 195, da CF/88,8 há uma atecnia incorrida pelo constituinte ao chamar de isenção uma providência que impede a instituição de tributo, o que já se sabe ser imunidade, segundo entendimento do STF.

2.2 As normas concessivas de imunidade tributária As imunidades tributárias são instituídas na CF/88 por

razões de interesse geral, tanto religioso, econômico, social como político, e buscam excluir a atuação do poder de tributar do Estado.9

2.2.1 a natureza jurídica da norma que trata de

imunidade e da constituição e funcionamento da entidade Dispõe a CF/88:

Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

A CF/88, ao utilizar as expressões atendidos os requisitos da lei e exigências estabelecidas em lei, dispostas nos seus artigos 150, VI, “c” e 195, § 7º, embora não tenha definido expressamente a natureza jurídica da lei, se ordinária ou complementar, reclamou por uma lei de natureza complementar, nos termos do art. 146, II, acima exposto, por estar se tratando de uma limitação constitucional ao poder de tributar.10

Este é o entendimento do STF,11 que assim ementou: 8 BRASIL. CF/88. “Art. 195. (...) § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 01 jun. 2011. 9 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 700. 10 Há doutrinadores que entendem ser lei ordinária. Nesse sentido, Oswaldo Othon e Carlos Valder do Nascimento. Imunidade tributária , Caderno de Pesquisas Tributárias – nova série, n. 4. Coord. de Ives Gandra, São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Revista dos Tribunais, 1998, p. 348 e 736, respectivamente. 11 BRASIL, STF, AI 740563 AgR / SP. Rel: Min. LUIZ FUX. Primeira Turma. Julgamento: 02/04/2013. DJe-077 DIVULG 24-04-2013 PUBLIC 25-04-2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jun. 2013.

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Ementa: (...) 4. O art. 12, § 1º da Lei nº L. 9.532/97, lei ordinária, excluiu da imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável. 5. Ofensa ao art. 146, II, da Constituição Federal, que determina competir à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. (grifos não do original)

Por outro lado, o STF12 já decidiu também e é pacífica a jurisprudência na direção de que a CF/88 “remete à lei ordinária as normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade assistencial imune” e que o Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos é “mero reconhecimento, pelo Poder Público, do preenchimento das condições de constituição e funcionamento” da mesma.

Nesse sentido, por exemplo, tem-se a edição da Lei ordinária nº 8.742/1993, que dispõe sobre a organização e funcionamento da Assistência Social e a Lei ordinária nº 12.101/2009, que disciplina sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, e elenca, no seu art. 3º, os requisitos legais a serem atendidos para a concessão da certificação ou sua renovação.

Desse modo, ao tratar de imunidade a norma terá natureza complementar, e ao se referir à constituição e funcionamento da entidade imune, a natureza da lei será ordinária.

2.2.2 a eficácia da norma imunizante Tendo em vista ser um fenômeno constitucional, todos os

casos de imunidade tributária estão expressos na CF/88, e assim, via de regra, vem ela prescrita em norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.13 Isto significa que a norma não está a depender de leis ou decretos que a regulamentem, e ainda prescinde de qualquer 12 BRASIL. STF. AgR no RE 428.815/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, Julgado em 7.6.2005, DJ 24.06.2005. “(...) A Constituição reduz a reserva de lei complementar da regra constitucional ao que diga respeito "aos lindes da imunidade", à demarcação do objeto material da vedação constitucional de tributar; mas remete à lei ordinária "as normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune". Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jun. 2013. 13 CARRAZZA, R. A. Obra citada, p. 687.

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procedimento tendente a reconhecê-la, a exemplo da imunidade recíproca, prevista na alínea “a” do art. 150, VI, e a concedida às operações com livros, jornais ou periódicos, descrita na alínea “d”, do art. 150, VI, ambos da CF/88.

Contudo, no que se refere à imunidade tributária disposta na alínea “c”, do art. 150, VI, mais especificamente das instituições de educação e de assistência social, as normas que a regem são de eficácia contida e aplicabilidade condicionada,14 pois exige-se uma efetiva comprovação do atendimento às exigências infraconstitucionais, conforme reza a própria CF/88, ao exigir que sejam “atendidos os requisitos da lei” (CF/88, art. 150, VI, “c”, in fine,) e que “atendam às exigências estabelecidas em lei” (CF/88, art. 195, § 7º, in fine).

Desse modo, a imunidade tributária, no que se refere às instituições de educação e de assistência social, é uma imunidade subjetiva, ou seja, “condicionada” ou “condicionável” para a sua fruição, ao atendimento de requisitos infraconstitucionais.

2.3 O alcance da imunidade tributária A CF/88 dispõe:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. (...) Art. 195. (...) § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

14 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário . 17ª ed. Rev. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 192.

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2.3.1 a espécie de tributo Nota-se pelo disposto no art. 150, VI, “c”, que a limitação

constitucional ao poder de tributar refere-se tão-somente à espécie de tributo denominada imposto, que tem como fato gerador uma situação que não se conecta a nenhuma atividade específica do Estado dirigida ao contribuinte, isto é, sendo o imposto um tributo não-vinculado a uma atuação estatal, não está atrelado a uma contraprestação.15 Nesse sentido, não há qualquer impedimento constitucional para a Fazenda Pública exigir, por exemplo, taxas ou contribuições de melhoria das entidades relacionadas como imunes.

Já a imunidade constante do art. 195, § 7º, refere-se tão-somente ao tributo denominado contribuição para a seguridade social.

2.3.2 o conteúdo econômico Verifica-se, ainda, nos dizeres do art. 150, VI, “c”, que a

vedação de instituir impostos limita-se tão somente ao conteúdo econômico relacionado ao patrimônio, renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social.

Trata-se assim de uma proibição constitucional para a instituição de impostos sobre o patrimônio das entidades de educação e assistência social, assim como sobre a renda por elas recebida e o serviço por elas prestado.

São considerados impostos sobre o patrimônio, o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR (CF/88, art. 153, VI), de competência da União; o Imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos – ITCD (CF/88, art. 155, I), e Imposto sobre propriedade de veículos automotores - IPVA (CF/88, art. 155, III), ambos de competência dos Estados e Distrito Federal; e o Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU (CF/88, 15 BRASIL. CTN, “Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.”

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art. 156, I) e Imposto sobre transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição - ITBI (CF/88, art. 156, II), de competência dos Municípios e Distrito Federal.

O imposto sobre a renda alcançado pela imunidade é o Imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza – IR (CF/88, art. 153, III), de competência da União.

Considera-se renda de uma entidade todo o montante de rendimentos, a qualquer título, que a sustente, podendo ir desde a manutenção do prédio, o pagamento de empregados da limpeza, até o de professores, assistentes, no desenvolvimento da atividade fim.

E por fim, sobre o serviço por elas prestado, a imunidade refere-se ao Imposto sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar – ISS (CF/88, art. 156, III), de competência dos Municípios e Distrito Federal.

Ao se falar em gratuidade na prestação de serviços pressupõe a existência de recursos para financiá-la, e uma das formas de obtê-los poderá estar também o emprego de seu patrimônio na produção de rendas.

2.4 Os requisitos para o gozo da imunidade tributária Quando a CF/88 limita o poder de tributar do Estado a

determinadas entidades, essa desoneração não é concedida de forma gratuita e aleatória. Ou seja, para serem beneficiárias da imunidade, as entidades devem cumprir diversas exigências previstas na própria Constituição ou em lei infraconstitucional de natureza complementar.

2.4.1 ser instituição de educação ou assistência social Inicialmente há se colocar que o primeiro requisito a ser

cumprido para que o beneplácito constitucional da imunidade tributária

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possa ser alcançado é a entidade ser considerada perante os órgãos públicos como uma instituição de educação ou de assistência social, nos termos da legislação regente.16

O Poder Público, na promoção do bem comum, edita normas para regulamentar, organizar e controlar todas as atividades que dizem respeito ao interesse social público, assim como tem em sua estrutura órgãos, com competência para fiscalizar, controlar as entidades atuantes e agir quando necessário. Desse modo, obedecendo a todo um processo legislativo, comandado por representantes de toda sociedade, foram editadas leis ordinárias federais, a exemplo das Leis ordinárias nº 8.742/1993 e nº 12.101/2009, que fixam normas gerais sobre a constituição e o funcionamento das entidades de educação e de assistência social, e que estabelecem determinados requisitos necessários para que a entidade seja assim considerada e possa como tal funcionar.

É preciso, assim, que a entidade cumpra todos os requisitos legais formais constitutivos necessários para que seja considerada instituição de educação ou de assistência social, e seja então autorizado o seu funcionamento pelo Poder Público.17

2.4.2 ser entidade sem fins lucrativos Considerada como instituição de educação ou de assistência

social, nos termos da legislação regente, para que a entidade possa almejar a imunidade tributária, é necessário também que seja uma

16 HABLE, José. Terceiro Setor e Tributação 4, in: “A certificação das entidades beneficentes de assistência social e a imunidade tributária”, org. de José Eduardo Sabo Paes, Brasília: Editora Forense, ano 2011, p. 105. 17 BRASIL. CF/88. “Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as NORMAS GERAIS à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;” (grifamos). E ainda: “Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”

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entidade sem fins lucrativos, exigência essa estabelecida na própria CF/88. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado18 doutrina:

Não ter fins lucrativos não significa, de modo nenhum, ter receitas limitadas aos custos operacionais. Elas na verdade podem e devem ter sobras financeiras, até para que possam progredir, modernizando e ampliando suas instalações.

Já Aires Barreto e Paulo Ayres Barreto19 expõem: É instituição sem fins lucrativos toda entidade que não tenha por objetivo distribuir os seus resultados, nem o de fazer retornar seu patrimônio às pessoas que a instituíram. Para que sejam classificadas como “sem fins lucrativos”, é mister que as instituições preencham dois requisitos: a) não distribuam lucros (mais correto seria dizer seus superávits); e b) não revertam seu patrimônio às pessoas que as criaram. Preenchidos esses pressupostos, tem-se instituição sem fins lucrativos. (grifos não do orginal)

Desse modo, pode-se admitir o lucro, pois a ausência de fins lucrativos não implica necessariamente prestação gratuita de serviços.20 Porém, não pode haver a distribuição ou apropriação dos resultados entre seus sócios, dirigentes ou empregados, pois todo e qualquer rendimento da entidade deve ser revertido integralmente aos seus objetivos sociais, no fomento da própria atividade que desempenha.21

2.4.3 o conteúdo econômico relacionado às finalidades

essenciais Sendo a instituição reconhecida perante os órgãos públicos

como uma instituição de educação ou de assistência social, e classificada sem fins lucrativos, por si só não basta para ser beneficiada pela imunidade tributária, pois além desses requisitos, é preciso cumprir os ditames que se encontram no próprio texto constitucional, 18 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário . 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 199. 19 BARRETO, Aires e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 20 CARRAZZA, R. A. Obra citada, p. 743. 21 HABLE, Jose. Terceiro Setor e Tributação 3, Tema: “Imunidade Tributária das Entidades de Interesse Social – com ênfase na Remuneração dos dirigentes”, sob a coordenação de José Eduardo Sabo Paes e Coordenador Adjunto José Hable. Brasília: Editora Fortium, ano 2009, p. 76

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que é a perseguição de suas finalidades essenciais, sem os quais não há se falar em gozo dessa ordem,22 conforme dispõe o § 4º do art. 150, da CF/88:

Art. 150. (...) § 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. (Grifos não do original).

A entidade assim pode desenvolver diversas atividades, essenciais ou não, porém somente serão agraciadas pela exclusão constitucional ao poder de tributar quando praticar aquelas atividades descritas como essenciais, direcionadas ao interesse da sociedade.

Pode-se extrair então que a imunidade tributária terá o seu alcance ampliado ou diminuído dependendo da interpretação atribuída à expressão “relacionados com as finalidades essenciais das entidades”.

Quanto ao alcance da mencionada expressão há diversas correntes doutrinárias e jurisprudenciais que procuram defini-lo, com interpretações, desde a mais restritiva até a mais flexível.

A primeira corrente, com uma interpretação mais restritiva, defende que a entidade somente estará imune, se o seu patrimônio, renda ou serviços, estiverem diretamente relacionados com a razão de ser da entidade, isto é, vinculados à essência da atividade protegida constitucionalmente da incidência de impostos.23

A segunda corrente, com um posicionamento mais flexível, entende que a expressão deve ter uma interpretação finalística, no sentido de que a definição de a entidade ser alcançada ou não pela imunidade tributária está na destinação que é dada à renda ou rendimento auferido pela atividade desempenhada, e não pela análise de sua procedência.

E é nesse sentido mais amplo que o STF vinha firmando seu entendimento jurisprudencial, observando-se a destinação do 22 CARRAZZA, Roque Antônio. Obra citada, p. 735. 23 GRECO, Marco Aurélio. Imunidade Tributária . Coord. Ives Gandra da Silva Martins. Imunidades Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 718. Doutrina: “Se uma renda veio de uma atividade não relacionada com as finalidades essenciais da entidade, não haverá imunidade, ainda que venha a ser aplicada segundo as exigências do CTN.”

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rendimento, da renda ou do patrimônio no desempenho da atividade determinada pela Constituição. Nesse entender, há julgados do STF24 afastando, por inconstitucionalidade, pretensões de entes tributantes que buscam exigir impostos sobre o patrimônio, renda e serviços que decorram da exploração de atividades econômicas, não relacionados com a finalidade essencial da entidade imune, desde que o respectivo rendimento se reverta às suas finalidades essenciais.25

Hodiernamente, observam-se julgados do STF26 menos flexíveis, a saber:

Ementa: IMUNIDADE – INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO – IMÓVEIS LOCADOS E NÃO EDIFICADOS – INEXISTÊNCIA. Consoante dispõe o artigo 150, § 4º, da Constituição Federal, as instituições de educação apenas gozam de imunidade quando o patrimônio, a renda e os serviços estão relacionados a finalidades essenciais da entidade. Imóveis locados e lotes não edificados ficam sujeitos ao Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU. (grifos não do original)

A terceira corrente, mais moderada, desaprova a interpretação restritiva do alcance da expressão ora em estudo, porém coloca limitações ao entendimento mais ampliado e flexível.

Essa linha de estudo, além de colocar o limite à não-agressão ao princípio da livre concorrência, defende a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade quando da análise do reconhecimento da imunidade, ressaltando que “o entendimento mais aberto ou flexível não significa exegese ilimitada ou absoluta.”27 24 BRASIL. STF. RE nº 218.503-8/SP, publicado no DJ de 29/10/99 – ISS sobre o preço cobrado em estacionamento de veículos. RE 243.807/SP, publicado no DJ 28/4/2000 - Imposto de Importação e IPI na importação de “bolsas para coleta de sangue” a serem utilizadas na prestação de serviços específicos da entidade, e RE nº 237.718, publicado no DJ de 6/9/2001 - IPTU no caso de aluguel de imóvel para terceiros, entre outros. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 06 jul. 2013. 25 Esse entendimento está sagrado na Súmula 724, firmado em sessão Plenária de 26/11/2003: “Súmula 724 – Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.” (grifos não do original) 26 BRASIL. STF. AI 661713 AgR / SP. Rel. Min. DIAS TOFFOLI. Relator p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 19/03/2013. Órgão Julgador: Primeira Turma. DJe-099 DIVULG 24-05-2013 PUBLIC 27-05-2013. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jul. 2013. 27 CASTRO, Aldemário Araújo. In O condicionamento das imunidades tributárias presente na cláusula constitucional das “finalidades essenciais” . José Eduardo Sabo (org.). Terceiro setor e tributação. Brasília: Fortium Editora, 2006, p. 24. Escreve o autor: “Vislumbramos, ainda, na aplicação do princípio da razoabilidade, outro importantíssimo elemento de limitação ao entendimento mais amplo.” Obra citada, p. 25.

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É o que se pode observar em julgados recentes do STF, em que se ementa:

Ementa: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. TERRENO BALDIO OU VAGO. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE ENTENDE NÃO HAVER PROVA DA DESTINAÇÃO DO BEM ÀS FINALIDADES ESSENCIAIS DA ENTIDADE PROTEGIDA. CONTRA-ARGUMENTO PELA APLICAÇÃO DE PRESUNÇÃO ABSOLUTA E LINEAR. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. Nestes autos, é incontroversa a aplicabilidade da imunidade tributária a todo o patrimônio, renda ou serviços da entidade protegida, se aplicados em suas finalidades essenciais. A mera titularidade do bem imóvel não fixa presunção absoluta e irretorquível de que terreno baldio ou vago está sendo utilizado para atender as finalidades constitucionalmente salvaguardas pela imunidade tributária. (...) Agravo regimental ao qual se nega provimento.28 (grifos não do original)

E ainda: Ementa: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROPÓSITO MODIFICATIVO. EXCEPCIONALIDADE AUSENTE. ALEGADA CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO QUE TOMA COMO PREMISSA A VINCULAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA À ATIVIDADE ESSENCIAL DA ENTIDADE PROTEGIDA. APLICAÇÃO AO PRODUTO DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS PARA AFASTAR O IOF. 1. (...) 2. O benefício não será aplicável, dentre outros motivos, se ficar constatado (i) desvio de finalidade ou (ii) risco à concorrência e à livre iniciativa. (...) Recurso de embargos de declaração rejeitado.29 (grifos não do original)

Exige-se, assim, além da verificação da concorrência desleal, e se os resultados das atividades secundárias são revertidas às finalidades essenciais da entidade imune, a aplicação de outros princípios, como o da proporcionalidade e da razoabilidade, evitando-se assim a ocorrência de abusos no exercício do aludido beneplácito

28 BRASIL. STF. AI 758316 AgR / PR. Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 25/09/2012. Segunda Turma. DJe-211 DIVULG 25-10-2012 PUBLIC 26-10-2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jun. 2013. 29 BRASIL. STF. RE 259976 AgR-ED/RS. Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA. Julgamento: 19/10/2010. Segunda Turma.DJe-217 DIVULG 11-11-2010 PUBLIC 12-11-2010. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jun. 2013.

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constitucional, sob o risco de se estar desvirtuando, “a olhos nus”, o verdadeiro sentido constitucional da expressão estudada.30

2.4.4 cumprimento aos requisitos infraconstitucionais E por fim, as imunidades dispostas no art. 150, VI, “c”,31

assim como no art. 195, § 7º,32 por se referirem a norma de eficácia condicionada, estão sujeitas expressamente ao atendimento a exigências descritas em lei de cunho complementar, como se verá no item 2.1 deste trabalho.

3. O RECONHECIMENTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Nos termos da CF/88, a vedação constitucional é uma

imunidade subjetiva, ou seja, “condicionada” ou “condicionável” ao preenchimento de determinados requisitos infraconstitucionais, sob pena de ficar impedida de gozar do beneplácito constitucional. E nesse andar, a imunidade tributária, em regra, não é reconhecida automaticamente, fazendo-se necessário, por vezes, que o interessado a requeira junto à autoridade administrativa competente, que apreciará a situação objetivamente, mediante a comprovação cabal de todas as condições legais exigidas, reconhecendo ou não a imunidade tributária, por meio de ato administrativo.

3.1 O atendimento aos requisitos descritos em lei

30 HABLE, José. Terceiro Setor e Tributação 2, in: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO, a aplicação integral, no País, de seus recursos na manutenção de suas finalidades essenciais, org. de José Eduardo Sabo Paes, Brasilia: Fortium, 2008, p. 95. 31 BRASIL. CF/88. “Art. 150. (...) é vedado (...): VI - instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (grifos não do original) 32 BRASIL. CF/88. “Art. 195. (...) § 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. (grifos não do original)

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Conforme já exposto, a CF/88, no seu art. 146, II, confere competência à lei complementar (LC) para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. A LC que faz a vez é a Lei nº 5.172, de 1966,33 que, pelo Ato Complementar nº 36, de 13 de março de 1967, recebeu a denominação de Código Tributário Nacional - CTN, e que foi acolhida pela CF/88, em seu art. 34, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,34 como lei complementar em sentido material. Assim, é o CTN que regula as limitações constitucionais ao poder de tributar, ao apresentar no seu art. 14, em numerus clausus, os requisitos a serem observados, in verbis:

“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.” (Grifos não do original). 3.1.1 a não distribuição de qualquer parcela de seu

patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título Esse dispositivo, em outras palavras, está a determinar que

os excedentes da entidade devem ser aplicados na própria instituição, não podendo serem distribuídos, a qualquer título, nem como lucros, nem como dividendos aos seus fundadores, administradores ou mantenedores.

Este requisito apenas confirma exigênca já posta na CF/88, de que a entidade não pode ter fins lucrativos, como bem descrevem

33 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25/10/1966. CTN. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2007. 34 BRASIL. CF/88. ADCT “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. (...) § 5º - Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos § 3º e § 4º.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 22 jul. 2007.

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Aires Barreto e Paulo Ayres Barreto,35 ao afirmarem que “para que sejam classificadas como “sem fins lucrativos”, é mister que as instituições preencham dois requisitos: a) não distribuam lucros (...); e b) não revertam seu patrimônio às pessoas que as criaram.”

Busca-se, com isso, coibir a distribuição disfarçada de lucros a pessoas físicas ou jurídicas e de benefícios que possam comprometer a própria finalidade da entidade. Doutrina, nesse sentido, Hugo de Brito Machado:36

Cuida-se de requisito de natureza substancial da maior importância, porque permite a interpretação adequada do que deve entender por ausência de fins lucrativos que, como já anteriormente dito, não quer dizer impossibilidade de lucrar. (...) Uma forma comum de distribuição disfarçada de resultados em entidades sem fins lucrativos consiste no pagamento de serviços prestados por sociedade civis ou comerciais integradas por dirigentes da entidade imune. (...) se o serviço não é efetivo, ou o preço pago não corresponde ao usual no mercado, com certeza estará caracterizada distribuição disfarçada de lucros ou patrimônio.

Uma das grandes discussões na doutrina e jurisprudência de nossos tribunais paira na questão de a remuneração de dirigentes das entidades alcançadas pela imunidade ser ou não uma forma de distribuição de renda, a qualquer título, e assim estar contida no requisito disposto do art. 14, I do CTN. Esse requisito será estudado no item 2.2 deste trabalho.

3.1.2. a aplicação integral, no País, dos recursos na

manutenção dos seus objetivos institucionais Outro requisito a ser observado pela entidade, para não ser

alcançada pela tributação de impostos, sobre o seu patrimômio, renda ou serviços, está na aplicação integral, no País, dos seus recursos, segundo dispõe o art. 14, II, do CTN. 35 BARRETO, Aires e BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades Tributárias: Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, São Paulo, Dialética, 1999, p. 23. 36 MACHADO, H. B. Comentários ao Código Tributário Nacional, 2ª ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 230/231

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Hugo de Brito Machado37 defende que as entidades beneficiárias da imunidade “podem e devem ter sobras financeiras, até para que possam progredir, modernizando e ampliando suas instalações.” E assim, havendo essas sobras, cabe ao bom administrador tomar todas as medidas necessárias para a sua multiplicação, empregando-as em investimentos, a exemplo das aplicações financeiras, para que possa obter os recursos suficientes para a ampliação de suas instalações, sem os quais, não haveria como formar as reservas capazes de manter o equilíbrio financeiro das entidades, facilitando assim o pleno alcance de seus fins.38

Partindo-se de uma interpretação mais restritiva ou literal do texto constitucional, dentre as finalidades essenciais de uma entidade de educação, por exemplo, está a promoção e o incentivo à educação, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa. E assim, tudo que for efetuado dentro deste desiderato estaria alcançado pelo conceito de imunidade, desde os recursos relacionados ao patrimônio, renda ou serviço da entidade, sejam integralmente aplicados no País, na manutenção de suas finalidades essenciais.

Na interpretação finalística, mais flexível, no entanto, argúi-se que o depósito de recursos em conta bancária, independentemente do tipo de aplicação, tendo como único propósito evitar a perda do valor real da moeda, e desse modo proteger o patrimônio, desde que preordenados ao atendimento das finalidades essenciais das pessoas jurídicas não prejudica a fruição da imunidade.

O STF,39 pacificou a questão em debate, nos seguintes termos:

Ementa: (...) está em sintonia com a jurisprudência firmada por esse Egrégio Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Emb. Decl. Em RE nº 183.216, Rel.: Min. Marco Aurélio ('DJ' 02.06.2003, p. 12), em que ficou consignado que as aplicações financeiras efetuadas por entidades sem fins lucrativos com a finalidade de se evitar a perda do poder

37 MACHADO, H. B. Obra citada, 1998, p. 199. 38 CARRAZZA, R. A. Obra citada, pp. 742/745. 39 BRASIL. STF. RE 228525 / SP. Rel. Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 29/05/2002. DJ 02/08/2002. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 22 maio 2013.

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aquisitivo da moeda têm em conta o objetivo social que lhes são próprios, não caracterizado, por conseguinte, o investimento financeiro atuação fora do previsto no ato de constituição. (grifos não do original)

Recentemente tem-se o seguinte julgado do STF,40 que ementa:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADE DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 150, VI, “C”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXTENSÃO DA REFERIDA IMUNIDADE ÀS APLICAÇÕES FINANCEIRAS. POSSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF alcança todos os bens das entidades assistenciais de que cuida o referido dispositivo constitucional, além de suas aplicações financeiras. (...)5. NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental. (grifos não do original)

3.1.3. a manutenção da escrituração das receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão

Esse requisito está a exigir da entidade que mantenha os

seus livros de escrituração contábil em perfeita ordem e clareza, pois é por meio deles que são fornecidos os dados para gerar as demonstrações financeiras e os balanços patrimoniais da pessoa jurídica, assim como informações à Administração tributária.

Sabe-se que os beneficiados pela imunidade são obrigados a cumprir as obrigações acessórias, que são obrigações de fazer, no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos,41 como a emissão de notas fiscais, escrituração dos livros fiscais, etc., porquanto

40 BRASIL. STF. AI 749009 AgR / SP. Rel. Min. LUIZ FUX. Julgamento: 13/03/2012. Primeira Turma. DJe-064 DIVULG 28-03-2012 PUBLIC 29-03-2012. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 22 maio 2013. 41 BRASIL. CTN. “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. (...) § 2º A obrigação acessória decorrente da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. (...) Art. 194. A legislação tributária, observado o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação. Parágrafo único. A legislação a que se refere este artigo aplica-se às pessoas naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, inclusive às que gozem de imunidade tributária ou de isenção de caráter pessoal.” (grifamos)

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a imunidade alcança apenas a obrigação principal, que tem por objeto o pagamento do tributo.

É por meio desses documentos, assim, que a Administração terá condições de analisar o cumprimento dos requisitos necessários à fruição do beneplácito constitucional, evitando com isso fraudes na manipulação de informações contábeis, a fim de mascarar a distribuição de lucros ou do patrimônio, entre outros.

Neste sentido, Hugo de Brito Machado42 afirma que “a exigência de escrituração idônea de receitas e despesas é a exigência de um instrumento, ou meio para a aferição de que a entidade realmente atende aos demais requisitos, especialmente da ausência de fins lucrativos.”

3.2 A remuneração dos dirigentes da entidade É comum o entendimento, em especial nas administrações

tributárias, que remunerar dirigentes pelos serviços prestados às entidades seria uma forma de distribuição de renda, a qualquer título, e assim essa vedação estaria contida no requisito disposto do art. 14, I do CTN. Pode-se citar como exemplo a Lei n°. 5.040, de 1975, que dispõe sobre o Código Tributário do Município de Goiânia, que assim dispõe:

Art. 8º. Para efeito do disposto no art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal e no art. 7º., III, desta Lei, considera-se imune a instituição de educação e de assistência social (...) e que atendam aos seguintes requisitos: (Art. 8º., com redação da Lei Complementar n°. 128, de 01/12/2003) I. Não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; (Inciso I, com redação da Lei Complementar n°. 128, de 01/12/2003) (grifos não do original)

Contudo, diversos estudos doutrinários demonstram que remunerar dirigente ou administrador da entidade é muito diferente de distribuir rendas ou lucros, porquanto remuneração não é distribuição e muito menos de patrimônio ou renda, pois ninguém distribui salários, fruto de um trabalho, se assim comprovado, a não ser que tenha o 42 MACHADO, H. B. Comentários ao Código Tributário Nacional, 2ª ed. São Paulo, Atlas, 2007, p. 232.

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intuito de forjar uma distribuição disfarçada de renda, que cabe à Administração demonstrar.

Assim, a análise desse requisito exige da Administração uma efetiva comprovação do seu atendimento que será apresentado nas demonstrações financeiras relativas ao balanço patrimonial da entidade, bem como de informações contábeis.

No que se refere à essa inovação imposta pelo legislador ordinário, Roque Carrazza43 defende que não há impedimentos para remuneração justa dos quadros da entidade, nesses dizeres:

A ausência de intuito lucrativo exige que os recursos auferidos venham reinvestidos na própria instituição educacional. Não impede, porém, a remuneração justa de seus quadros. (grifos não do original)

Geovane44 cita ainda em seu artigo, que há no STF o RE nº 93.463-4/RJ,45 em que se tem a seguinte ementa:

Ementa: Imunidade tributária dos estabelecimentos de educação. Não a perdem as instituições de ensino, pela remuneração de seus serviços, desde que observem os pressupostos dos incisos I, II e III do art. 14 do CTN. (grifos não do original)

Esse requisito vem também disposto em diversas normas legais de natureza ordinária, tanto federal, estadual quanto municipal, a exemplo da lei ordinária federal nº 9.532, de 1997, que elenca no § 2º do seu art. 12, alínea “a”, a seguinte exigência para usufruir da imunidade: “a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados;”.

Cabe ressaltar que a mencionada Lei está sendo questionada, quanto à sua constitucionalidade, pela Ação Direta de

43 CARRAZZA, R. A. Obra citada, p. 734. 44 SILVA, Geovane Basilio da. Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento Científico: Imunidade Perante o Art. 150, VI, "c" da Constituição Federal de 1988. FISCOSoft On Line. Elaborado em 10/2008. Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/a/4bcb/instituicoes-de-pesquisa-e-desenvolvimento-cientifico-imunidade-perante-o-art-150-vi-c-da-constituicao-federal-de-1988-geovane-basilio-da-silva . Acesso em: 20 jun. 2013. 45 BRASIL. STF. RE nº 93.463-4/RJ, de 16 de abril de 1982 (publicado no DJ em 14 de maio de 2002). Rel. Min. Cordeiro Guerra. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 01 jun. 2013.

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Inconstitucionalidade nº 1.802-3/DF,46 sob a alegação, entre outras, de ofender à reserva de lei complementar.

Segundo entendimento do STF, apenas a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento das entidades imunes é que podem estar disposto em lei ordinária. E assim, os requisitos dispostos no art. 12, da Lei nº 9.532/97, que tratam de requisitos para o gozo da imunidade tributária, reclamam de lei complementar. Como lei ordinária que é, a validade, assim como a eficácia, da Lei ordinária nº 9.532/97, ofende dispositivo constitucional.

Por outro lado, tem-se ainda a Lei orgânica da assistência social, Lei ordinária nº 8.742/1993, que prescreve requisitos e critérios legais necessários ao funcionamento das entidades e organizações de assistência social.47 Sua regulamentação, pelo Decreto nº 2.536/1998, dispunha sobre a concessão do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos,48 onde disciplinava que para fazer jus ao Certificado não poderia haver percepção de remuneração de seus diretores e sócios, entre outros.

Assim, o legislador ordinário, ao exigir a vedação de remuneração para os cargos administrativos da entidade, como requisito para a concessão do certificado, estava a tratar de matéria relacionada à constituição e funcionamento da entidade.

46 BRASIL. STF. ADI 1802-3/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Data de julgamento 27/08/1998, DJ 13-02-2004. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em: 26 maio 2013. 47 UNIÃO. Lei nº 8.742, de 1993. “Art. 9º O FUNCIONAMENTO das entidades e organizações de assistência social depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social, ou no Conselho de Assistência Social do Distrito Federal, conforme o caso. § 1º A REGULAMENTAÇÃO desta lei definirá os CRITÉRIOS de inscrição e FUNCIONAMENTO das entidades com atuação em mais de um município no mesmo Estado, ou em mais de um Estado ou Distrito Federal. (...) Art. 18. Compete ao Conselho Nacional de Assistência Social: (...) III - observado o disposto em REGULAMENTO, estabelecer procedimentos para concessão de registro e certificado de entidade beneficente de assistência social às instituições privadas prestadoras de serviços e assessoramento de assistência social que prestem serviços relacionados com seus objetivos institucionais; IV - conceder registro e certificado de entidade beneficente de assistência social. Foi dada nova redação ao inciso pela Lei 12.101/2009 (destacamos) 48 UNIÃO. Decreto nº 2.536, de 1998. “Art. 3 Faz jus ao Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social a entidade beneficente de assistência social que demonstre, cumulativamente: (...) VIII - não perceberem seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores, benfeitores ou equivalente remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;”

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Com a nova redação dada pela Lei nº 12.101/2009,49 ao inciso IV, do art. 18 da Lei 8.742/93, no entanto, o requisito de não percepção de remuneração dos dirigentes passou a ser necessário tão somente para a fruição de isenção previdência, nos termos do seu art. 29.50

E nessa direção, então, a condição da não percepção de remuneração pelos dirigentes deixou de ser um requisito para a obtenção de certificado, e passou somente a ser uma exigência para o gozo da “isenção”, diga-se imunidade tributária, das contribuições, o que significa afirmar que os requisitos dispostos no art. 29, da Lei nº 12.101/2009, não se referem mais à constituição e ao funcionamento das entidades imunes e sim tão somente à discriminação dos requisitos para o gozo de benefício fiscal, o que torna da mesma forma sua validade e eficácia duvidosas, por flagrante vício de inconstitucionalidade, ao estarem estabelecidos em lei ordinária.51

3.3 Os procedimentos administrativos para a concessão

da imunidade A imunidade tributária das instituições de educação e de

assistência social, conforme já exposto, está pautada em norma de eficácia contida e aplicabilidade condicionada ao atendimento de requisitos infraconstitucionais, porquanto se exige uma efetiva comprovação do atendimento às exigências contidas em lei.

Nesse sentido, segundo a legislação de vários entes da federação, para que a imunidade tributária seja reconhecida é preciso 49 UNIÃO. Lei nº 12.101/2009. Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social; regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social; altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993, entre outros. 50 UNIÃO. Lei nº 12.101/2009. “Art. 29. A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à ISENÇÃO do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos: I - não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;” (destacamos) 51 HABLE, Jose. Terceiro Setor e Tributação 4, in: “A Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social e a Imunidade Tributária”, sob a coordenação de José Eduardo Sabo Paes. Brasília: Editora Forense, ano 2011, p. 113.

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antes que o interessado cumpra determinadas exigências que nem sempre estão presentes, em norma constitucional ou complementar, para só então após uma análise da Administração, ser concedida ou não, por meio de um ato administrativo.52

3.3.1 a exigência de prévio requerimento e de ato

declaratório É comum encontrar nas administrações tributárias

procedimentos administrativos cancelando a imunidade tributária porque a entidade não efetuou o requerimento prévio para a sua concessão, assim como por não possuir o ato declaratório. Nesse sentido, a legislação tributária de entes federativos,53 a exemplo do Distrito Federal, vem dispondo que o reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não geral está a depender de requerimento formulado pelo interessado, e seu reconhecimento se dará por ato declaratório, nos termos da Lei nº 4.567/2011:54

Art. 64. O reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não geral dependerá de requerimento formulado pelo interessado ou por seu representante, no qual se comprovem os requisitos legais exigidos.

52 HABLE, José. Terceiro Setor e Tributação 2, in: A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO, a aplicação integral, no País, de seus recursos na manutenção de suas finalidades essenciais, org. de José Eduardo Sabo Paes, Brasilia: Fortium, 2008, p. 93. 53 Entre outros, dispõe a legislação do Município de Fortaleza, “Art. 334 - É vedado ao Município instituir impostos sobre (Art. 150, Constituição Federal): (...) III - patrimônio e os serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os seguintes requisitos (Art. 14 da Lei Federal nº 5.172, de 25.10.66 - Código Tributário Nacional): (...) Art. 337 - A isenção, quando não concedida em caráter geral, ou a imunidade tributária constitucional , na hipótese do inciso III do Art. 334, será efetivada, em cada caso, por despacho da Autoridade Administrativa, em requerimento no qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei para sua concessão (Art. 35 da Lei nº 4.144/72). (grifamos). Disponível em: http://www.sefin.fortaleza.ce.gov.br/legislacao/gerados/cons_procfiscal_benefiscais.asp. acesso em 13 jul. 2013. No mesmo sentido, a Lei n°. 5.040, de 1975, que dispõe sobre o Código Tributário do Município de Goiânia, que estabelece: “Art. 7º. Por força de disposições constitucionais, são imunes aos impostos municipais: (...) III. O patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos do art. 8º. (...) § 8º. As instituições previstas no inciso III, deverão requerer na Secretaria Municipal de Finanças, a Declaração de Reconhecimento de Imunidade Tributária. 54 DISTRITO FEDERAL. Lei n° 4.567, de 09 de maio de 2011. Dispõe sobre o processo administrativo fiscal, contencioso e voluntário, no âmbito do Distrito Federal e dá outras providências. Disponível em: http://www.fazenda.df.gov.br. Acesso em: 20 jul. 2013.

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§ 1º Os benefícios fiscais poderão ser reconhecidos a partir de dados cadastrais fornecidos por órgãos da administração pública direta ou indireta. (...) Art. 67. O reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não geral se dará por Ato Declaratório ou por Despacho de Reconhecimento, na forma da legislação. (grifos não do original)

Por esses dispositivos, verifica-se que o reconhecimento de benefícios fiscais de caráter não geral está a depender de requerimento formulado pelo interessado, sem o qual não lhe será concedido, podendo, no entanto, haver a possibilidade de ser reconhecido a partir de dados cadastrais fornecidos por órgão público. E ainda que o seu reconhecimento dar-se-á por Ato Declaratório ou por Despacho de Reconhecimento.

O benefício de caráter não geral, a exemplo da isenção especial, é concedido, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, com base em requerimento no qual o interessado faz prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei.55 Em realidade, esses procedimentos (requerimento, preenchimento e cumprimento de requisitos) são necessários ao deferimento do benefício e não ao seu reconhecimento que é dado pela lei, segundo doutrina Souto Maior Borges.56

Já no que se refere ao benefício fiscal de caráter geral, que é aquele que indica uma abrangência, e que pode ser usufruído por todos aqueles que se encontrem numa situação descrita na norma legal, independe de ser requerido.57 E nesse sentido, consideramos que a imunidade é um privilégio de caráter genérico, por ser concedido a todos que se encontrem numa situação descrita na CF/88.58

55 É o que dispõe o CTN, "Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão." 56 BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias, São Paulo: Sugestões literárias, 1998, p. 156/157. 57 Já definia Ruy Barbosa Nogueira que "a isenção concedida em caráter geral pode ser gozada por todos aqueles que se encontrem na situação descrita pela lei, independentemente de requerimento". In Curso de Direito Tributário , 10ª edição, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 3. 58 HABLE, Jose. Terceiro Setor e Tributação 5, in: “Procedimentos Administrativos Para o Reconhecimento da Imunidade Tributária: Necessidade de Requerimento prévio do Interessado e

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Em sendo assim, na concessão de benefício de caráter não geral, torna-se necessário que o interessado apresente requerimento, por meio do qual vai demonstrar o seu interesse e o preenchimento e cumprimento dos requisitos descritos em lei, para que possa então desfrutar do benefício.

Porém, no que se refere à concessão da imunidade tributária condicionada, não há se exigir o mesmo procedimento porquanto, mesmo sendo necessário o cumprimento de requisitos legais, nos termos do art. 150, VI, “c”, da CF/88, a imunidade tributária é um benefício fiscal de caráter geral,59 o que dispensa, por si só, a exigência de requerimento prévio, e, ainda, o mais relevante, não há contemplação desse requisito em norma complementar, para que possa ser exigido para a sua concessão.

Com o requerimento prévio do interessado, os trabalhos do órgão fiscalizador quanto aos procedimentos de análise, deferimento e concessão são facilitados, contudo, esse requisito diz respeito às atividades desenvolvidas pelo Poder público, não podendo reverter-se em uma obrigação ao administrado,60 pois não pode haver vinculação do reconhecimento da imunidade tributária a qualquer ato administrativo, segundo entendimento firmado pelo STJ.61

Do mesmo modo, podemos falar do ato declaratório, que é apenas um ato administrativo, que só declara, reconhecendo um direito já existente, sem nada acrescentar à natureza ou aos efeitos daquele.62 do Ato Declaratório do Poder Público”, sob a coordenação de José Eduardo Sabo Paes. Brasília: Editora Forense, ano 2012, p. 92. 59 O Decreto nº 33.269/11 dispõe: “Art. 95. O reconhecimento de imunidade e de benefício fiscal de caráter não geral dar-se-á por Ato Declaratório.” Assim, apesar de o Decreto incluir a imunidade no capítulo II, que trata do PROCESSO DE RECONHECIMENTO DE BENEFÍCIO FISCAL DE CARÁTER NÃO GERAL, vem ele colocando as duas expressões imunidade e benefício fiscal de caráter não geral, o que demonstra o entendimento de que a imunidade não é um benefício de caráter geral. 60 HABLE, Jose. Terceiro Setor e Tributação 5, in: “Procedimentos Administrativos Para o Reconhecimento da Imunidade Tributária: Necessidade de Requerimento prévio do Interessado e do Ato Declaratório do Poder Público”, sob a coordenação de José Eduardo Sabo Paes. Brasília: Editora Forense, ano 2012, p. 94. 61 BRASIL. STJ. REsp 779783/DF. Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 07/12/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 22/02/2007 p. 167. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 15 de jul. 2012. 62 AKSELRAD, Moisés. Processo administrativo tributário, Caderno de Pesquisas Tributárias – nova série, n. 5, Coord. de Ives Gandra. São Paulo: Centro de Extensão Universitária/Revista dos Tribunais, 1999, p. 411. Ato constitutivo pode ser definido como aquele ato que cria uma situação jurídica nova.

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Relevante, por fim, informar que, não obstante haja o entendimento da presença de vícios de inconstitucionalidade, nas normas de natureza ordinária, enquanto estiver a lei no mundo jurídico, é válida e deve ser observada por todos a quem alcance, não podendo órgão administrativo deixar de aplicá-la, sob a alegação desses vícios.

3.3.2 o alcance e a suspensão da aplicação do benefício

fiscal Nota-se comumente, no âmbito administrativo, que em

havendo violação a um dos requisitos descritos no art. 14 do CTN, tem-se a anulação do ato declaratório e o cancelamento da imunidade de todos os impostos relacionados ao patrimônio, renda ou serviços da entidade, exigindo-se os impostos devidos retroativamente aos 5 anos anteriores à data da constatação da infração.

Dispõe, no entanto, o CTN: Art. 14. (...) § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício. (grifamos)

Por esse dispositivo complementar, depreende-se que no momento em que for verificado o descumprimento de algum dos requisitos dispostos no art. 14 do CTN, a autoridade competente poderá suspender a aplicação do benefício, ou seja, a aplicação do beneplácito constitucional será suspensa até que sejam sanadas as irregularidades que lhe deram causa.

Não se está assim a tratar de cancelamento, quebra ou cassação do gozo da imunidade, conforme vem dispondo o art. 68, da Lei distrital nº 4.567/11,63 e sim, de suspensão de benefício já existente, e que após sanadas as irregularidades, ou deixarem de inexistir, pode o interessado continuar a usufruir da imunidade tributária, sujeitando-se, a qualquer momento, a novas análises pelo 63 DISTRITO FEDERAL. Lei nº 4.567/11. “Art. 68. O benefício fiscal será cassado sempre que se verificar o descumprimento das condições para a sua fruição.”

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setor responsável. Ou seja, para que possa ser suspenso o benefício deve a autoridade administrativa fiscalizar e analisar o cumprimento dos requisitos, determinando a extensão do benefício tanto no que se refere ao prazo quanto aos tributos alcançados.

No que se refere ao alcance tributário da suspensão do benefício, entendemos que a análise do reconhecimento da imunidade deve ser efetuada para cada tipo de imposto e conteúdo econômico, ou seja, no caso do IPTU ou do IPVA, por exemplo, para cada imóvel ou veículo, respectivamente. Assim, se um dos imóveis, ou veículo, da entidade não está sendo utilizado para as suas finalidades essenciais, ou a destinação do rendimento, da renda ou do patrimônio não está retornando às atividades essenciais, apenas este imóvel, ou veículo, será alcançado pela tributação do IPTU ou IPVA.

Quanto à extensão relacionada ao período da suspensão (anterior e posterior à análise), essa se restringe ao período fiscalizado e analisado pela autoridade competente, tendo como início da suspensão a data da prática da infração, segundo prescreve o § 5º do art. 32 da Lei nº 9.430/96,64. Assim, por exemplo, em sendo analisada apenas a contabilidade do exercício de 2013, de determinada entidade, e constatada irregularidade, a suspensão do gozo da imunidade tributária estará restrita ao exercício ou ano-calendário de 2013, a não ser que o referido descumprimento tenha repercutido os seus efeitos para os exercícios seguintes, o que deve ser assinalado pela auditoria responsável, até para fins da ampla defesa e do contraditório do infrator.

Com fundamento, assim, nos dizeres do próprio art. 14, § 1º do CTN, em sendo estabelecido que, na falta de cumprimento dos requisitos legais, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício, fica clarividente que, a suspensão permanecerá até que cesse a sua causa, devendo ter um período temporal de referência, ou seja, o período em que ocorreu a infração, no caso o ano-calendário, e a 64 UNIÃO. Lei n. 9.430, de 1996. “Art. 32. A suspensão da imunidade tributária, em virtude de falta de observância de requisitos legais, deve ser procedida de conformidade com o disposto neste artigo. (...) § 5º A suspensão da imunidade terá como termo inicial a data da prática da infração.” (grifamos)

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especificação do tributo alcançado, com a verificação, caso a caso, se houve repercussão dos efeitos da irregularidade para os exercícios seguintes.65 CONCLUSÃO

O trabalho pautou-se no estudo do instituto da imunidade tributária das entidades de educação e assistência social, disposta nos artigos 150, VI, “c” e 195, § 7º, da CF/88, expondo seus aspectos relevantes e polêmicos, que são enfrentados por quem se envolve no dia a dia com a matéria.

A imunidade tributária, como limitação ao poder de tributar, é um fenômeno constitucional, e assim todos os casos de imunidade tributária estão expressos na CF/88.

Destarte, conforme indagações apresentadas no início deste estudo, conclui-se:

1. A natureza jurídica da norma que trata sobre imunidade tributária, nos termos do art. 146, II, da CF/88, reclama lei complementar, a exemplo do CTN, que disciplina, nos termos do seu art. 14, os requisitos infraconstitucionais a serem observados.

Já no que se refere à natureza jurídica da norma que trata sobre a constituição e o funcionamento da entidade imune, segundo entendimento do STF, a CF/88 remete essa matéria à lei ordinária, a exemplo da Lei nº 8.742/1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social e da Lei nº 12.101/2009, que disciplina sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, entre outros. 65 O Decreto distrital nº 33.269/11 exige que no pedido de reconhecimento do benefício contenha a (III) especificação do tributo e o (IV) período de referência. Decreto nº 33.269/11. “Art. 84. O requerimento de que trata o art. 83 deverá ser protocolizado nas repartições fiscais de atendimento ao contribuinte da Subsecretaria da Receita da Secretaria de Estado de Fazenda e conterá, no mínimo: I – identificação do interessado; II – tipo do benefício; III – especificação do tributo; IV – período de referência.” No mesmo sentido, a Instrução Normativa n.º 113, de 1998, que dispõe sobre as obrigações de natureza tributária das instituições de educação: “Art. 15. A suspensão da imunidade tributária, em virtude de falta de observância de requisito legal, previsto nesta Instrução Normativa, deve ser procedida de conformidade com as disposições deste artigo. § 5.º A suspensão da imunidade aplicar-se-á em relação a todo o ano-calendário em que for constatada a irregularidade que lhe deu causa. (grifos não do original)”

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Quanto à eficácia da norma imunizante, via de regra, vem a imunidade prescrita em norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata. Contudo, no que se refere à imunidade tributária das instituições de educação e de assistência social, as normas que a regem são de eficácia contida e aplicabilidade condicionada, porquanto exige-se uma efetiva comprovação do atendimento às exigências infraconstitucionais, conforme reza a própria CF/88, ao exigir que sejam “atendidos os requisitos da lei” e que “atendam às exigências estabelecidas em lei”.

2. O alcance do instituto da imunidade no que se refere ao tributo, segundo estabelece o art. 150, VI, está delimitado à espécie de tributo denominada imposto, sendo que o seu conteúdo econômico limita-se tão somente ao patrimônio, à renda ou aos serviços prestados pelas instituições de educação e de assistência social, nos termos da alínea “c”, do inciso VI, do art. 150 da CF/88.

Por sua vez, a imunidade constante do art. 195, § 7º, refere-se ao tributo contribuição para a seguridade social.

3. Para que as entidades de educação e assistência social possam ser beneficiárias da imunidade tributária, necessário que atendam diversas exigências previstas na própria Constituição ou em lei infraconstitucional de natureza complementar.

A CF/88 estabelece os seguintes requisitos: a) ser instituição de educação ou assistência social; b) ser entidade sem fins lucrativos; c) o alcance limitado ao tributo imposto, sobre o patrimônio, a renda e os serviços e que estejam relacionados com as finalidades essenciais da entidade; e d) sejam atendidas determinadas exigências infraconstitucionais.

Os requisitos infraconstitucionais, por sua vez, estão dispostos na lei complementar nº 5.172/1966, que recebeu a denominação de CTN, e que exigem: a) a não distribuição de qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; b) a aplicação integral, no País, dos recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; e c) a manutenção da escrituração das receitas

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e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

4. A atual interpretação dada pelo STF sobre a expressão “relacionados com as finalidades essenciais da entidade” leva em consideração a destinação do rendimento, da renda ou do patrimônio no desempenho da atividade da entidade determinada pela CF/88, havendo, no entanto, julgados recentes menos flexíveis, no sentido de apenas gozarem de imunidade quando o patrimônio, a renda e os serviços realmente estiverem relacionados a finalidades essenciais da entidade.

5. A expressão “não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título” apenas confirma exigência já posta na CF/88, de que a entidade não pode ter fins lucrativos, e determina assim que os excedentes da entidade devem ser aplicados na própria instituição, não podendo ser distribuídos, a qualquer título, aos seus fundadores, administradores ou mantenedores.

A vedação de remuneração dos dirigentes, por sua vez, não é uma forma de distribuição de renda, a qualquer título, pois remunerar dirigente ou administrador da entidade é muito diferente de distribuir rendas ou lucros, porquanto remuneração não é distribuição e muito menos de patrimônio ou renda, pois ninguém distribui salários, fruto de um trabalho, se assim comprovado.

6. Diversas normas legais de natureza ordinária, a exemplo da Lei ordinária federal nº 9.532/1997 e da Lei nº 12.101/2009, vêm dispondo como requisitos para a concessão de benefício fiscal a vedação de remuneração dos dirigentes da entidade imune. Outras normas, como a Lei orgânica da assistência social, Lei nº 8.742/1993, prescrevem a mencionada vedação como um requisito para a constituição e funcionamento das entidades imunes.

Tratando de hipótese de imunidade tributária, nos termos da CF/88, exige-se Lei complementar e se assim não for está-se a ofender dispositivo constitucional.

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7. O alcance e a análise do reconhecimento da imunidade devem ser efetuados para cada tipo de imposto e conteúdo econômico (patrimônio, renda ou serviço). Quanto à extensão relacionada ao período da suspensão do beneplácito constitucional, essa deve se restringir ao período fiscalizado e analisado pela autoridade competente, a não ser que haja repercussão de seus efeitos para outros exercícios, tendo como início da suspensão a data da prática da infração.

8. O não cumprimento de exigência de requerimento prévio e de ato declaratório não tem o condão de suspender o gozo da imunidade tributária, pois a imunidade tributária, além de ser um benefício fiscal de caráter geral, o que dispensa, por si só, a exigência de requerimento prévio, não há previsão dessa exigência em norma de natureza complementar, para que possa ser cobrada à sua concessão. Da mesma forma pode-se afirmar quanto ao ato declaratório, que é apenas um ato administrativo, que reconhece um direito já existente, sem nada acrescentar à natureza ou aos efeitos daquele.

Destarte, qualquer condição ou exigência disposta em norma legal para a fruição da imunidade tributária somente pode ser exigida se estiver em norma de cunho complementar. E nesse entendimento, toda norma que contenha requisitos não previstos em lei de natureza complementar tem sua validade e eficácia duvidosas, por ofensa a dispositivo constitucional. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AKSELRAD, Moisés. Processo administrativo tributário, Caderno de

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