Upload
dinhhanh
View
230
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PE D RO MARCE LO PASCHE D E CAMPO S
IN QUISIÇÃO, MAGIA E SOCIEDAD E
Belém, 1763-1769
D isser t ação apresen tada ao Curso de Pós-G raduação em H istór ia da Universidade Federal F luminense, como requisito parcial para ob tenção do G rau de Mest re. Área de Concent ração: H istór ia Social das I déias.
Orientador: Profª. Drª Lana Lage da Gama Lima
N ITE RÓ I
1995
2
- ABREVIATURAS
ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa
BNRJ-SM - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - Seção de Manuscritos
HGCB - História Geral da Civilização Brasileira
IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
3
- ÍN D ICE -
PEDRO MARCELO PASCHE DE CAMPOS 1
NITERÓI 1
1995 1
CAPÍTULO 1 15
- INQUISIÇÃO, CRISTÃOS-NOVOS E REFORMAS - 15
I - A IMPLANTAÇÃO DO TRIBUNAL: QUESTÕES RELIGIOSAS E DE
ESTADO 15
- Muito Além de Questão de Fé, um Assunto de Estado. 21
II - INQUISIÇÃO NO CONTEXTO DAS REFORMAS 25
- A Normatização dos Cristãos Velhos 26
CAPÍTULO 3 54
- POLÍTICA POMBALINA E INQUISIÇÃO - 54
I - PANORAMA DO PORTUGAL PRÉ-POMBALINO 54
- Breve Histórico da Governação Pombalina 54
- Ação de Pombal: fortalecer o poder real... 57
4
- ...E Subjugar as Oposições. 61
II - POMBAL, OS JESUÍTAS E A INQUISIÇÃO 68
- Contra os Jesuítas 69
-Inquisição e Estado 80
CAPÍTULO 4 92
- A VISITAÇÃO EM SEU CONTEXTO - 92
I - GRÃO-PARÁ: OCUPAÇÃO E COLONIZAÇÃO 92
- A Política Pombalina no Pará 95
II APORTA O VISITADOR 102
- Explicando a Visitação 105
- Os Pecados de Belém do Pará ante o Visitador 109
CAPÍTULO 5 116
-AS ARTES MÁGICAS PARAENSES- 116
I - ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES 116
II - CONJUROS E FEITIÇARIAS 120
-Magia Divinatória 120
- De Amores Danados e Artes Encantatórias 125
- Bichos e Sevandijas 132
- Mandingas e Patuás 141
III PACTOS DEMONÍACOS 144
IX - BIBLIOGRAFIA 153
5
E assim vieram os governadores, preocupados com a
ordem, os padres, preocupados com as almas, e os
inquisidores, preocupados em conciliar as almas com a
ordem.
Emanuel Araújo, O Teatro dos Vícios.
6
IN TRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como tema a análise das relações entre magia e sociedade no
Pará setecentista, através do Livro da Visitação inquisitorial, ocorrida naquela região no
século XVIII. Interessa, aqui, a investigação das bases do funcionamento de tal relação, isto é,
a aplicabilidade e função desempenhada pela magia dentro do universo maior da mentalidade
religiosa paraense, e como esta se inseria na vida social.
Dentre as visitas inquisitoriais ao Brasil, a paraense permanece sendo a menos
estudada. Suas denúncias e confissões, episodicamente, são mencionadas em outros estudos
que utilizam fontes inquisitoriais. Contudo, a visita setecentista continua sendo pouco
freqüentada por nossa historiografia, não possuindo escritos que lhe sejam totalmente
dedicados - excetuando-se os textos do Prof. José Roberto do Amaral Lapa, responsável pela
localização em Portugal, na década de 1960, do Livro da Visitação1.
Ocorrida na segunda metade do século XVIII, quando a Inquisição há muito já
havia deixado de fazer uso deste expediente, a visita paraense chama a atenção, devido às suas
peculiaridades. Uma delas é sua realização tardia, num momento em que institucionalmente o
1 Responsável t ambém pela publicação do manuscrito inquisito r ial, J. R. A. Lapa escreveu A I nquisição no Pará in Bole tim Internac ional de Bibliog rafia Lus o -Bras i le ira ,
vo l. X, n º 1, Lisboa, Fundação Calouste-G ulbenkian , jan-mar 1969; a comunicação O D iabo , um bom companheiro? apersen tada ao I Congresso In ternacional e Luso-Brasileiro sobre a Inquisição , São Paulo , 1987 (mimeo) - publicada, com alt erações, sob o t ítulo D a necessidade do D iabo (imaginár io social e co t id iano no Brasil do século XVI I I ) in Res g ate : Revist a in terdiscip linar de cultura do Cent ro de Memória da UN I CAMP, Campinas, 1990, vo l.1, pp .39-55. D o mesmo autor encont ra-se, ainda, o estudo in t rodutór io presen te na publicação do Livro da Vis i tação .
7
Tribunal perdia forças e autonomia, até se transformar em Tribunal Régio, totalmente
submisso à Coroa lusitana.
Some-se a isso um outro fator: a demorada permanência do visitador em terras
paraenses. Os registros do Livro da Visitação abrangem o período entre 1763 e 1769, muito
mais longo do que os costumeiros dezoito meses que, em média, costumava durar uma visita
inquisitorial2.
Tanto tempo de duração, porém, gerou um pequeno número de apresentações
à Mesa inquisitorial. Apenas 46 pessoas procuraram o visitador, quer seja para confessar ou
para denunciar: uma soma incrivelmente pequena, para aquela que foi a mais longa visita
inquisitorial em terras brasílicas. Este número é realmente reduzido, se comparado com o
volume de confissões e denúncias gerado pelas duas visitas anteriores.
Os delitos confessados e denunciados constituem um elemento de interesse à
parte. A visita paraense muito pouco tratou de judaísmo, contrariando as tendências
repressivas da Inquisição portuguesa, em vigor desde sua instalação no século XVI. O foco
das evidências recaiu sobre as práticas mágicas, como o curandeirismo, as adivinhações, as
orações amorosas e os pactos com o Diabo. A magia aflorou na visitação paraense, com uma
força e pujança até então jamais vistas em visitas anteriores.
Em instigante estudo, Carlo Ginzburg atenta para o fato de que a descoberta
dos arquivos da Inquisição como importante documentação histórica é (...) um fenômeno
tardio 3. A preocupação dos primeiros pesquisadores era, em meados do século XIX, com o
funcionamento da máquina inquisitorial, bem como com a história cronológica do Tribunal.
Tal tipo de estudos, em sua maior parte, tinha por objetivo deplorar a barbárie e o
obscurantismo inquisitoriais. Como é o caso, por exemplo, de dois clássicos que são, ainda
hoje, de suma importância para o estudo da Inquisição portuguesa: as obras de Alexandre
Herculano e José Lourenço D. de Mendonça & Antonio Joaquim Moreira4.
2 Francisco Bethencour t , Inquis ição e Contro le Soc ial , ex. mimeo, 1986, pag. 8. 3 Car lo G inzburg, O inquisidor como an t ropólogo: uma analogia e as suas implicações
in A Micro -H is tória , Lisboa/ D ifel; Rio de Janeiro / Bert rand Brasil, 1991, pag. 203. 4 Alexandre H erculano , H is tória da Orig em e do E s tabe lec imento da Inquis ição em
Portug al (1852), Lisboa, E uropa-América, s.d ., 3 vo ls. José Lourenço D . de Mendonça
8
Contudo, foi somente no presente século, graças à influência do grupo dos
Annales, que as fontes inquisitoriais foram, por assim dizer, definitivamente descobertas .
Com a valorização das camadas sociais menos favorecidas, dos grupos sociais e do homem
comum como objeto de pesquisa histórica, cada vez mais historiadores passaram a utilizar as
fontes inquisitoriais. Isto porque elas fornecem janelas que permitem o estudo de visões de
mundo, rituais, atitudes e crenças que, não fosse o fato de terem passado pelo crivo repressor
do Santo Tribunal, estariam definitivamente fora de nosso conhecimento5.
No que tange aos estudos utilizando fontes inquisitoriais em Portugal e no
Brasil, nota-se uma predominância do tema judaico nos debates. O delito mais perseguido pela
Inquisição portuguesa foi também o que mais estudos gerou. A historiadora Anita Novinsky
assinala o fato de que no Brasil, após os estudos pioneiros de eruditos desbravadores como
Rodolfo Garcia e Capistrano de Abreu, publicados no início do século XX - e que foram os
primeiros a utilizar fontes inquisitoriais manuscritas -, nada mais foi feito por longo espaço de
tempo6.
Assim permaneceu o estado das investigações em fontes inquisitoriais, dentro
da historiografia brasileira, até a virada entre as décadas de 1960-70. Nessa época, quando
foram realizados e publicados estudos importantes como o da própria Anita Novinsky sobre
cristãos-novos e Inquisição na Bahia - inspirado no estudo de cunho marxista de Antonio José
Saraiva, que inaugurou uma nova era na historiografia inquisitorial portuguesa7 -, além do
estudo de Sonia Aparecida Siqueira. Este último, apesar de apresentar avaliações criticáveis no
e António Joaquim Moreira, H is tória dos Princ ipais Ac tos e Proce dimentos da Inquis ição em Portug al , Lisboa, Imprensa N acional/ Casa da Moeda, 1980. Cur ioso caso de um livro-denúncia moderno é a obra de Frédéric Max, Pris ione iros da Inquis ição , Porto Alegre, L&PM, 1991 (a data do copyright é 1989). N o out ro pó lo da discussão (embora não menos cur ioso) est á um livro que sob o pretexto da cont extualização isen ta, faz d iscreta defesa e apologia do Tribunal: ver João Bernardino G arcia G onzaga, A Inquis ição em s eu Mundo , São Paulo , Saraiva, 1993.
5 Sobre a valor ização das classes menos abastadas enquanto ob jeto de pesquisa h istór ica, e a ut ilidade das fon tes inquisito r iais, ver Jim Sharpe, A H istór ia vist a de baixo in Peter Burke (org.), A E s crita da H is tória , São Paulo , UN E SP, 1992, pp . 39-62, e Barto lomé Bennassar , Inquis i tion E s pag no le Comme Sourc e pour l H is to ire des Mentali té s , mimeo, 12p .
6 Anit a N ovinsky, Cris tãos N ovos na Bahia , São Paulo , Perspect iva, 1972, pag. 14. 7 Antonio José Saraiva, Inquis ição e Cris tãos -N ovos , Lisboa, E stampa, 1985.
9
que tange à religiosidade colonial e suas relações com o Santo Ofício, traz abundantes e
precisas informações sobre a organização, funcionamento e estrutura do Tribunal no Brasil8.
É durante a década de 1980 que a influência da Nouvelle Histoire, filha direta dos
Annales, traduz-se em pesquisas que utilizam fontes documentais da Inquisição portuguesa.
Os trabalhos seminais de Lana Lage, Laura de Mello e Souza, Luiz Mott e Ronaldo Vainfas9,
por exemplo, trazem em si a renovação metodológica preconizada pelo movimento francês,
no trato com as fontes inquisitoriais. A começar pelos temas de pesquisas e pelo tratamento
qualitativo das fontes, estes trabalhos vêm influenciando, atualmente, diversas investigações
que fazem uso de documentação inquisitorial, entre as quais se insere esta pesquisa.
Em importante artigo, Bartolomé Bennassar chama a atenção para o uso das
fontes inquisitoriais no âmbito da História das Mentalidades. Marca o fato de que este tipo de
história enfatiza as fontes judiciárias, justamente porque elas permitem atingir, ainda que
indiretamente, as classes populares - os mudos da História -, dando-lhes voz10. Os
interrogatórios inquisitoriais trazem à luz, efetivamente, a palavra das pessoas comuns que,
não fosse esta ocasião de exceção, estaria perdida. Estas fontes, segundo Jim Sharpe,
permitem que o historiador consiga chegar tão próximo às palavras das pessoas, quanto
consegue o gravador do historiador oral 11
Isto se explica pela razão de ser e funcionamento do Tribunal. Para extirpar as
heresias e comportamentos desviantes, o Santo Ofício possuía uma maneira própria de
proceder - o chamado estilo inquisitorial que, sumariamente, consistia em três etapas: o
conhecimento do delito, a partir da denúncia ou confissão, onde eram levantados todos os
dados possíveis sobre o delito, o praticante (inclusive a vida pessoal sua e de sua família) e
cúmplices; a exposição do delito, onde as faltas eram apregoadas ao público nos Autos-de-Fé;
8 Sonia Aparecida Siqueira, A Inquis ição Portug ues a e a Soc ie dade Co lonial , São Paulo , Át ica, 1978.
9 Como, por exemplo , os t rabalhos de Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão Pe lo Aves s o , Tese de D outoramento apresen tada à USP, 1991; Laura de Mello e Souza, O D iabo e a T erra de Santa Cruz , São Paulo , Companhia das Let ras, 1987; Ronaldo Vainfas, Trópico dos Pe cados , Rio de Janeiro , Campus, 1990. D estaque especial deve ser dado à obra de Luiz R. B. Mot t , p rofundo conhecedor das fon tes inquisito r iais lusit anas.
10 Bennassar , op . cit ., pag. 1. 11 Sharpe, op. cit ., pag. 48.
10
finalmente, a expiação da culpa, através do cumprimento da pena imposta, o que acarretava a
reconciliação com o grêmio da Igreja.
Para o estudo aqui proposto, a primeira etapa é a que possui maior interesse,
na medida em que consiste na pesquisa biográfica dos acusados e envolvidos, bem como na
busca pelas descrições mais minuciosas possíveis dos delitos - que constam dos processos e,
também, dos livros de visitação. Graças ao detalhismo inquisitorial, presente nos depoimentos,
o estudioso da feitiçaria no Brasil colonial (entre outros temas) consegue relatos com razoável
exatidão dos rituais e práticas mágicas. As descrições de danças, cânticos, preces e objetos de
culto constituem-se em minuciosas etnografias das práticas oriundas da religiosidade popular,
possibilitando ao historiador um conhecimento detalhado desses atos.
O trabalho com documentação inquisitorial, contudo, requer alguns cuidados.
O pesquisador que adentra o universo de tais fontes deve estar sempre acautelado e
prevenido, pois não são poucas as armadilhas que lhe são próprias.
Ao traçar o panorama de uma nova história , que é fruto dos Annales, Peter
Burke menciona o fato de que os maiores problemas para os novos historiadores (...) são
certamente aqueles das fontes e métodos . Um dos problemas mencionados por Burke assalta
a todos aqueles que trabalham com fontes inquisitoriais: é o de tentar reconstruir as
suposições cotidianas, comuns, tendo como base os registros do que foram acontecimentos
extraordinários nas vidas do acusado (sic): interrogatórios e julgamentos 12.
Isto porque um depoimento frente à Mesa inquisitorial era, não poucas vezes,
fruto de uma situação de opressão e terror - propositalmente provocado pelo Tribunal. Por
este fato, deve-se ter em mente, sempre, o contexto singular no qual estas fontes foram
produzidas. Há um jogo desigual de poder, onde o inquisidor leva uma nítida vantagem sobre
o depoente, e no qual o esforço do primeiro em extrair deste último uma verdade é, não
poucas vezes, bem sucedido. Em função da situação opressora, e até mesmo em virtude de
algumas passagens pelos aparelhos de tortura, o réu falsearia a verdade e entregar-se-ia,
cumprindo assim o papel que, esperava-se, ele representasse. Segundo Ginzburg, neste caso os
processos inquisitoriais apresentam uma estrutura textual monódica, onde as respostas dos
12 Pet er Burke, Abertura: A N ova H istór ia, seu passado e seu futuro in Burke (org.), pag. 25.
11
réus são meros ecos às questões e à mentalidade dos inquisidores13. Para Ginzburg, cabe ao
historiador a sensibilidade de captar, para lá da superfície aveludada do texto, a interação sutil
de ameaças e medos, de ataques e recuos 14. Há, então, que ser feita uma crítica interna a este
tipo de documentação para que, introjetando-se no contexto desigual da produção desta fonte,
o historiador possa melhor entender a estrutura textual que ela apresenta - podendo, assim,
compreendê-la.
Esta dissertação se divide em cinco capítulos. No primeiro deles, são
abordadas as relações entre Inquisição, Estado, cristãos-novos e reformas em Portugal. A
análise se volta para o contexto de instalação do Santo Ofício lusitano, bem como suas
relações com a Coroa. Também é analisada a repressão aos cristãos-novos, pedra de toque da
inquisição portuguesa, e a ampliação às atividades do Tribunal, ocorrida com o advento da
Reforma católica, que levou a uma maior repressão aos delitos dos cristãos velhos, como
crimes morais e feitiçaria.
O capítulo 2 estuda a repressão à magia, dando destaque à atuação inquisitorial.
Analisa também a repressão à bruxaria ocorrida na Idade Moderna, bem como os elementos
do conceito de bruxaria. Por fim, o capítulo se volta para a repressão à bruxaria e a difusão das
teorias demonológicas na Península Ibérica, principalmente em Portugal - onde, conforme
teremos oportunidade de ver, tais idéias não grassaram com a mesma força que no resto do
continente.
O terceiro capítulo focaliza o impacto do governo pombalino sobre Portugal,
de um modo geral, e a Inquisição em particular. A análise recai sobre a campanha movida pelo
Marquês sobre o Tribunal, que culminou com a elevação deste último, em 1763, à categoria de
majestade, sendo transformado em tribunal régio. O capítulo ainda analisa a campanha de
expulsão e eliminação da Companhia de Jesus, que é de fundamental importância para que
entendamos o contexto paraense, objeto das atenções do quarto capítulo.
O penúltimo capítulo traça um histórico da ocupação paraense, e dimensiona
sua importância nos planos pombalinos. Área de muitos investimentos e alvo de preocupações
13 G inzburg., op . cit ., pag. 208. 14 I dem, pag. 209.
12
da Coroa lusa, o Grão-Pará acolheu o último visitador inquisitorial a pisar o solo brasileiro.
Uma análise dos motivos que impulsionaram esta visitação e dos delitos nela recolhidos, bem
como dos denunciantes e confitentes, fecha o capítulo.
No quinto e último capítulo, adentramos o misterioso e intrigante terreno da
magia paraense. Amores proibidos e malditos, feitiços tenebrosos, evocações de espíritos e
adivinhações. Por fim, a magia surge à nossa frente, e o capítulo se dedica a analisá-la,
traçando suas características e peculiaridades. Aqui, chegamos aos depoimentos ouvidos pelo
visitador: as decepções, temores, traições e desejos lascivos dos paraenses de duzentos e trinta
anos atrás pulsam aos nossos olhos, de uma maneira perturbadora. Através dos depoimentos,
podemos visualizar cerimônias de cura e tenebrosos pactos com o Diabo, dando-lhes, por
fugazes instantes, vida e movimento.
13
O percurso desta dissertação não foi trilhado de forma solitária. Diversas
pessoas possuem sua cota nos méritos que esta dissertação venha a conseguir, graças à
amizade, conhecimento, paciência e interesse manifestados durante este percurso.
À CAPES agradeço o financiamento que tornou possível a esta pesquisa
materializar-se e deixar de ser apenas uma idéia.
Gostaria de patentear aqui meu mais profundo agradecimento ao grupo N. C.
N. de estudos históricos, formado por colegas de profissão e ideal, cuja presença constante foi
de fundamental importância para a execução deste trabalho: Maria Bernardete O. Carvalho,
Alvaro Senra, Wagner C. Menezes, Alexandre C. Costa e Kátia A. Chagas.
Gostaria de agradecer à Profa. Vânia Leite Fróes, que também acompanhou
esta pesquisa desde seus primórdios, pelas críticas atentas e importantes sugestões
bibliográficas. Os amigos e colegas Célia Borges e Renato P. Brandão, foram responsáveis por
momentos de grandes descobertas historiográficas e divertidas manhãs de prosa; a Célia
agradeço, ainda, importantes livros e textos enviados de Além-mar. A Mário Jorge Bastos e
Guilherme Pereira das Neves agradeço pela franquia a textos preciosos, que muito
contribuíram para o desenrolar desta dissertação, bem como a elucidantes conversas. Ao
amigo febiano Luís Felipe da Silva Neves, o reconhecimento pelo companheirismo e a paciência
com que, diversas vezes, aturou meus dilemas de pesquisa.
A Luiz Mott agradeço pela amizade e solicitude manifestadas desde o início
desta pesquisa, e pela paciência em responder aos meus intermináveis apelos. Referência
obrigatória para aqueles que estudam a Inquisição portuguesa, a ele agradeço indicações e
empréstimos de fontes e bibliografia.
A Francisco José Silva Gomes agradeço a amizade, a constante disponibilidade
e a disposição em, como avaliador, assistir de perto os resultados finais deste trabalho, que é
um pouco fruto de suas reflexões.
Gostaria de patentear minha especial gratidão ao Prof. Carlos Roberto
Figueiredo Nogueira, inspirador confesso de muitos momentos deste estudo, pela presença na
banca examinadora.
14
A Lana Lage, grande amiga que tenho a sorte de ter como orientadora,
agradeço o afeto, a atenção e as discussões - que não foram poucas - ao longo destes anos
todos. Esta dissertação é um pequeno fruto de seu trabalho, e espero que esteja à altura dele.
À minha família, e em especial a meus pais, agradeço os sacrifícios, a paciência
e a compreensão pelos longos períodos de ausência, nos quais eu estava longe de seu convívio,
debruçado sobre histórias de pessoas que morreram há tanto tempo.
A Maristela Chicharo de Campos agradeço o fato de ser mais que esposa.
Amiga, colega de profissão, cúmplice, revisora e crítica implacável, a ela dedico este trabalho,
com a promessa de pagar com juros os momentos de ausência, frutos das agruras da pesquisa.
Finalmente, agradeço a todos aqueles que não atrapalharam - assim fazendo,
ajudaram muito.
15
CAP Í T U LO 1
- I N Q U I SI ÇÃO , CRI ST ÃO S-N O VO S E RE F O RMAS -
I - A I MP LAN T AÇÃO D O T RI BU N AL: Q U E ST Õ E S RE LI G I O SAS E D E E ST AD O
N a P en ín su la I b ér ica, a I n qu isição d it a m o d e rn a (em
co n t rap o sição à I n qu isição m ed ieval) su rgiu em p r im eiro lugar n a E sp an h a,
em 1438, e p o st er io rm en te em P o r tugal (1536). Segun d o An t ô n io Jo sé
Saraiva, as d uas m ais im p o r t an t es p ecu liar id ad es d o San to O fício ib ér ico
resid iam n o s seus réus - jud eus co n ver t id o s ao cr ist ian ism o , em sua
esm agad o ra m aio r ia - e em sua relação co m o E st ad o ab so lu t ist a, em p ro l d o
qual agia e a quem t am b ém est ava sub o rd in ad o , vist o que o s I n qu isid o res
G erais eram n o m ead o s p elo s reis15.
N a gênese de ambos Tribunais está a questão dos judeus
conversos (denominados marranos em E spanha, e cristãos-novos em Portugal).
Reprimidos e expulsos de Castela em 1492, num processo que não cabe aqui
remontar, os judeus encontraram acolhida no Portugal dos últ imos anos do
reinado de D . João I I , onde t iveram as maiores facilidades de
15 Antonio José Saraiva, Inquis ição e Cris tãos -N ovos , Lisboa, E stampa, 1985, pag. 19.
16
estab elecim en t o . Agin d o d est e m o d o , E l-Rei co n quisto u , sab iam en te,
im p o r t an te cab ed al cu ltu ral e eco n ô m ico . Vult o sas quan t ias fo ram gast as,
p elas m ais r icas fam ílias jud aicas cast elh an as, p ara assegurar in gresso em
P o r t ugal16. I sto, sem falar no poderio financeiro hebraico, que ajudava a
Coroa com emprést imos e financiamentos de viagens e expedições
marít imas17. Além de tamanho poderio monetário, os judeus expulsos de
Castela ainda representavam um aumento significat ivo na mão-de-obra
qualificada do reino português: afinal, eram armeiros, médicos, artesãos,
enfermeiros, ast rólogos e outros profissionais que ingressavam no país.
Apesar de uma já existente posição ant i-judaica por parte da população em
geral a Coroa portuguesa recebeu os judeus expulsos de E spanha, o que
obviamente agravou ant igos preconceitos. Além disso, o rei Fernando não via
com bons olhos o deslocamento dos judeus castelhanos para Portugal, e
pressionou a Coroa lusa no sentido de expulsá-los.
A pressão ant i-judaica sobre Portugal, encetada por Castela,
tomou novo impulso após a morte de D . João I I . D . Manuel, seu sucessor,
relutou até o momento em que viu incluída em seu contrato de casamento
com D . Isabel - filha dos reis católicos -, assinado em 1496, uma clara e
rígida cláusula. Segundo o texto do documento, o rei comprometer-se-ia a
expulsar todos os elementos hebraicos do reino. D . Manuel, diante da
perspect iva de casamento com a herdeira dos Reis Católicos - fato de suma
importância para os planos de unificação das monarquias ibéricas - acedeu a
16 Alexandre H erculano , H is tória da Orig em e E s tabe le c ime nto da Inquis iç ão em Portug al , Lisboa, E uropa-América, s.d ., vo l. I , pp . 67-68.
17 Mar ia José P imenta Ferro Tavares, Judaís mo e Inquis iç ão , Lisboa, Presença, 1987, pag. 27.
17
t al co n d ição sine qua non. . Co n t ud o , D . Man uel r ealizo u um a exp ulsão d e
fach ad a: em d ezem b ro d e 1496, o rei lan ça um a p ro visão n a qual o rd en a a
saíd a d o s jud eus n ão co n ver t id o s - co m p razo d e d ez m eses p ara que est es se
r et ir assem . A t át ica d e D . Man uel fo i segurar o s jud eus o m áxim o p o ssível,
lim it an d o p o r to s d e em b arque, seqüest ran d o b en s e r ealizan d o co n versõ es
fo rçad as18. Uma outra forma de integração forçada encontrada pelo monarca
foi, em 1497, o batismo forçado de todas as crianças judias menores de 14
anos, que foram por sua vez ret iradas de suas famílias originais e entregues a
famílias cristãs19. A reação popular também, por seu lado, possuiu momentos
de adversidade, como no motim contra os cristãos-novos em Lisboa, em
1504, ou as desordens em É vora no ano seguinte, quando foi demolida a
sinagoga.
E sta situação de conversões e integrações forçadas fez, deste
modo, com que fosse inserida em Portugal, para além da divisão social
baseada na t rifuncionalidade de ordens (dividida em guerreiros, clérigos e
t rabalhadores), uma estrat ificação social baseada em castas, regida pelo
critério de pureza religiosa - quem era ou não cristão-novo20: quem possuía ou
não sangue converso nas veias.
A campanha pela instalação de um tribunal da Inquisição em
Portugal veio a tomar impulso no reinado de D . João I I I (1521-1557). Por
volta de 1530, o rei enviava instruções a seu embaixador em Roma, para que
fosse pedida uma bula que estabelecesse o Tribunal em terras lusas. D . João
18 Saraiva, op . cit ., pp . 32-34. 19 I dem, pag. 34.
18
queria um a I n quisição régia: ao rei cab er ia a in d icação d o I n quisid o r G eral -
ao p ap ad o cab er ia ap en as a co n f irm ação d est a n o m eação - b em co m o d o s
in qu isid o res e d em ais o f iciais; o I n qu isid o r G eral t er ia am p lo s p o d eres, e
t o t al in d ep en d ên cia face às au t o r id ad es d io cesan as, f ican d o o s b isp o s
p ro ib id o s d e atuar em causas relat ivas à h eresia. O s I n qu isid o res G erais
t am b ém p o d er iam p ro cessar e co n d en ar eclesiást ico s sem co n su lt as ao s
resp ect ivo s p relad o s, além d e - en quan t o d elegad o s d o p ap a - t erem p o d eres
p ara im p o r exco m un h õ es reservad as à San t a Sé, e susp en d er as im p o st as
p elo s p relad o s d io cesan o s. Segun d o Mar ia J. P . F . T avares, "era a I n qu isição
régia, m o d ern a, que D . Jo ão I I I so licit ava ao p ap a" , e que t in h a in sp iração
d iret a n a I n qu isição cast elh an a21. O papa Clemente VII , por outro lado,
impulsionado por grandes doações dos conversos, recusou, e expediu em
1531 a bula Cum ad N ihil Mag is . N este documento, que era uma alternat iva
aos pedidos de D . João I I I o inquisidor era nomeado pelo Papa. Tal
inquisidor t inha, por ordem papal, autoridade limitada, não estando acima da
dos bispos, os quais estariam, por sua vez, habilitados a invest igar as
heresias. E sta bula não sat isfez o rei, e Fr. D iogo da Silva - confessor real e
indicado para o cargo de Inquisidor G eral - não aceitou o cargo,
"verossimilmente por pressão do rei", na opinião de Saraiva22.
Com a morte de Clemente VII e a ascensão de Paulo I I I as
negociações - e as pressões - cont inuaram. D e um lado, a Coroa não media
esforços em at ingir seus objet ivos; de outro, o ouro judaico comprava
20 Francisco Bethencour t , O Imag inário da Mag ia , Lisboa, Pro jecto Universidade Abert a, 1987, pag 67.
21 Tavares, op . cit ., pp . 126-127. Ver t ambém Saraiva, op . cit ., pag. 47. 22 Saraiva, op . cit ., pag. 48.
19
seguid as b u las, in d u lto s e p erd õ es p ap ais. Co n tud o , a Co ro a p o r t uguesa - que
t in h a um fo r t e aliad o n a p esso a d e Car lo s V - ven ce a querela. D est a fo rm a,
um a o u t ra b u la Cum ad N ih i l M ag is fo i exp ed id a em 1536 - est ab elecen d o
d ef in it ivam en t e a I n qu isição em P o r tugal, em b o ra ain d a n ão sen d o d o t o t al
agrad o d a Co ro a. Mas d est a vez, F r . D io go d a Silva aceito u o cargo . O m arco
d o efet ivo in ício d a I n qu isição m o d ern a em P o r tugal, p o rém , fo i a b u la
Me ditatio Co rd is , d e 1547. P reced id a d e um p erd ão geral d o p ap a,
aco m p an h ad a d a susp en são d o co n f isco d e b en s p o r d ez an o s, a m en cio n ad a
b u la co n fer ia à I n qu isição p o r tuguesa p o d eres sem elh an t es ao T r ib un al
cast elh an o , co m o o p ro cesso sigilo so e a ju r isp rud ên cia p ar t icu lar . T al
m ed id a fo i aco m p an h ad a d e um en d urecim en t o n as p o siçõ es reais: fo i
em it id o , p ela I n qu isição , o p r im eiro ro l d e livro s p ro ib id o s, e o m o n arca
im p ed e o s cr ist ão s-n o vo s d e d eixarem o rein o sem a sua p erm issão p o r um
p er ío d o d e t r ês an o s.
A in st alação d o San t o O fício em P o r tugal r ep resen t o u um
o b stácu lo à livre ação d o p ap ad o . O T r ib un al co n st it u ía um a b ar reira, n a
m ed id a em que o I n qu isid o r G eral, n o m ead o p elo rei, exercia um p o d er
sup er io r ao d o s b isp o s - r ef rean d o in t ro m issõ es in d esejáveis d a San t a Sé,
at r avés d o ep isco p ad o . E a Co ro a co n seguiu , t am b ém , um in st rum en t o p ara a
cen t ralização d o p o d er r eal, b em co m o p ara um co n t ro le m ais efet ivo d o p aís.
O T r ib un al era um n o vo m ecan ism o d e in t egração e co n t ro le so cial -
ef icien t íssim o , p o is agia t an to n o t o p o quan t o n a b ase d a so cied ad e - co m o
t an to s o u t ro s que su rgir am n est e m o m en t o d e reo rgan ização d a I greja e d e
co n st it u ição d o m o d ern o E stad o ab so lu t ist a.
20
U m a vez assen tad o e em fun cio n am en t o , o San t o O f ício p asso u a
vascu lh ar , at r avés d e seus visit ad o res, o t er r it ó r io p o r tuguês, at in gin d o
lo calid ad es p r in cip ais e p er ifér icas, co n t ro lan d o sist em at icam en te o in t er io r
d o p aís at ravés d e sua red e d e fun cio n ár io s. Ap ó s 1590, assist e-se a um a
virad a n a ação in qu isit o r ial: o s visit ad o res p assam a esquad r in h ar as ilh as e
co lô n ias d e u lt r am ar 23. Através das visitas e da ampliação constante da rede
de comissários e familiares do Santo O fício, a Inquisição se espalhou por
todo o vasto império português, at ingindo regiões tão distantes quanto Brasil,
Japão e O rmuz24.
A vasta abrangência de ação e a eficiência do sistema de
informações/ comunicações de que o Santo Ofício dispunha tornavam sua presença uma
realidade cotidiana na sociedade portuguesa (incluídas as colônias). Quando não ocupadas
diretamente pelo inquisidor em visitação, as cidades conviviam no seu dia a dia com outros
elementos da rede inquisitorial - os comissários e familiares do Santo Ofício, entranhados no
seio das comunidades, vigiando e recebendo denúncias. Isto fazia com que, efetivamente, não
houvesse lugar onde o longo braço do Santo Ofício não chegasse. Uma vez consolidado em
termos funcionais, o organismo inquisitorial estava, efetivamente, disseminado pelo corpo
social, constituindo assim eficaz instrumento de vigilância e controle. Ao incentivar a delação -
através da garantia de anonimato para os denunciantes -, o Santo Ofício acionava um
mecanismo de auto-policiamento do próprio corpo social, gerando um clima de insegurança e
desconfiança generalizadas. A rigor, todos estavam passíveis de denúncias - e processos -, bem
como todos os indivíduos constituíam-se em potenciais denunciantes. O temor causado pela
onipresença do aparelho inquisitorial era garantia de sujeição - complementado por outros
elementos da práxis inquisitorial, tais como o sigilo processual, os sermões e os autos da fé.
23 Francisco Bethencour t , Inquis ição e Contro le Soc ial , Lisboa, 1986, ex. mimeo., pp . 3ss.
24 Ver BN RJ-SM, cod. 25, 2,1-2, onde se encont ram, na correspondência en t re o Tribunal de G oa e o de Lisboa, documentos relat ivos a visit as inquisito r iais nos do is últ imos locais mencionados, bem como à China.
21
- Muito Além d e Q uestão d e F é, um Assun t o d e E stad o .
N o s p r im ó rd io s d o est ab elecim en t o d a I n qu isição p o r t uguesa
est ava, co m o o b servam o s, a quest ão d as relaçõ es en t re I greja e E st ad o . I st o
f ica m uit o claro ao an alisarm o s o co m p licad o jo go d ip lo m át ico en t re D Jo ão
I I I e o p ap ad o . E ra, d e um lad o , o r ei a querer um a I n quisição sub m issa à sua
p esso a, co m au t o n o m ia face a Ro m a e ao clero lusit an o - e p o d eres
suf icien tes p ara ign o rá-lo e, se fo sse o caso , p un i-lo . D e o u t ro lad o , est ava o
p ap a a n egar , o quan to p o d ia, co n cessão d e t al I n qu isição , p o r sab er d as
d if icu ld ad es que est a t r ar ia à ação d o p ap ad o em P o r tugal. P erm ean d o est e
em b at e, h avia ain d a o s sucessivo s in d u lt o s e p erd õ es r égiam en te co m p rad o s
p elo s jud eus e co n verso s jun t o ao p ap ad o - o que d ava n o vo alen to às
n egat ivas d a San t a Sé, t o rn an d o a b at alh a d ip lo m át ica ain d a m ais d ilat ad a. Ao
rei, p r in cip alm en t e, in t eressava t al in st rum en t o d e co n t ro le d a so cied ad e
co m o um to d o - in clusive d a p ró p r ia n o b reza, um a vez que n ão h avia
d ist in çõ es so ciais p ara a ação d o T r ib un al25.
Uma vez em funcionamento efet ivo, Inquisição e Coroa - e
também, em muitos momentos, o papado - agiram segundo diretrizes comuns,
quer na repressão aos cristãos-novos, quer na implantação das diretrizes do
processo de reformas t rident ino ou, ainda, na vigilância e controle social.
22
N ão h á co m o n egar um a fo r t e im b r icação en t re I n qu isição e E st ad o : um a
sum ár ia an álise cur r icu lar d o s I n qu isid o res G erais lu sit an o s, in sp irad a em
p ro p o sta feit a p o r Bar t o lo m é Ben n assar p ara o est ud o d a I n qu isição
esp an h o la, assim o m o st ra26. D urante os t rês séculos de existência da
Inquisição portuguesa, seu posto máximo foi ocupado sucessivamente por
membros do Conselho de E stado, minist ros, e - durante a União Ibérica -
vice-reis como Alberto, Arquiduque de Áustria, inquisidor entre 1586 e 1593.
Passaram pelo cargo membros variados da nobreza, e até mesmo um rei - D .
Henrique, filho de D . Manuel, nomeado Inquisidor G eral por seu irmão D .
João I I I em 1539, permanecendo no cargo até mesmo enquanto regente (
1562-1568) e, posteriormente, rei de Portugal (1578-1580)27. Tamanha
permeabilidade ocorria também no que tange às relações entre a carreira no
aparelho de E stado e a carreira eclesiást ica, e serve como indício irrefutável
do alto grau de clericalização da sociedade portuguesa - principalmente de
suas elites -, que será tão acirradamente combatido pela polít ica pombalina,
posteriormente.
Contudo, apesar de tamanha int imidade entre Inquisição e
E stado, a primeira nunca esteve, pelo menos até a metade do século XVIII ,
diretamente a serviço dos objet ivos polít icos da Coroa portuguesa, de modo
diverso do que ocorreu em E spanha. Bennassar, ao invest igar as relações
entre Inquisição e E stado espanhóis, demonstra como este últ imo direcionava
25 Bethencourt , op . cit ., pag. 9. 26 Bar to lomé Bennassar , I nquisit ion espagnole au service de l E tat in Revue
H is torique , n . 15, pags. 38 e 40. 27 Ver a relação e um breve curriculum dos I nquisidores G erais em José Lourenço D . de
Mendonça e António Joaquim Moreira, H is tória dos Princ ipais Ac tos e
23
as açõ es d o T r ib un al. Segun d o Ben n assar , a I n qu isição em E sp an h a n ão se
lim ito u a ser ap en as um a "exp ressão d o cato licism o m ilit an t e" , um t r ib un al
p uram en t e religio so . O San to O fício atuo u co m o um in st rum en t o p o lít ico d a
Co ro a, agin d o segun d o suas d em an d as e n ecessid ad es, p er segu in d o o s
segm en t o s so ciais que co n viessem à co n jun tura p o lít ica, su jeit o que est ava às
d iret r izes em an ad as d o t ro n o 28.
Q uando, porém, examinamos as ações da inquisição portuguesa,
notamos que aqui tal submissão e uso do Tribunal por parte do E stado não
ocorreu plenamente. N ão obstante o Inquisidor G eral ser nomeado pelo rei,
seus atos eram totalmente independentes - e ele não podia ser dest ituído,
possuindo assim uma considerável autonomia de ação. Inquisição e E stado
agiam, isto sim, afinados por objet ivos semelhantes - afinal, não devemos
olvidar aqui o fato de tratarmos com um E stado confessional -, tais como a
implantação do modelo t rident ino de pensamento e comportamento, por
exemplo29. Choques e conflitos, evidentemente, ocorreram. E m Portugal, o
Santo O fício - longe de ser um aparelho de E stado ou de Igreja - era, na
verdade, uma terceira potência, interagindo com as outras duas, possuindo
inegável peso no sistema polít ico de então.
Proce dime ntos da Inquis ição em Portug al , Lisboa, I mprensa N acional/ Casa da Moeda, 1980, pp . 124-128.
28 Bennassar , op . cit ., pag. 36. 29 Podemos enquadrar o E stado confessional no que Francisco José Silva G omes
denomina de modalidade constantiniana de cristandade, por remeterem ao modelo constan t in iano de imbr icação en t re Igreja e E stado . N est e sist ema, os do is elementos est avam em regime de un ião : o E st ado assegurava à I greja presença pr ivilegiada na sociedade (...) const ituindo-a (...) em aparelho de hegemonia do sist ema , enquanto a Igreja assegurava ao E stado e aos grupos/ classes dominantes a legit imação da sua hegemonia e dominação . Ver Francisco J. S. G omes, Cris tandade Medieval - A Igreja e o Poder : represen tações e d iscursos, conferência profer ida na I Semana de E studos Medievais (20-24 de setembro de 1993) na Universidade de Brasília, ex. mimeo, pag. 2. Agradeço penhoradamente ao autor o acesso facult ado ao t exto desta conferência.
24
25
I I - I N Q UI SI ÇÃO N O CO N T E XT O D AS RE F O RMAS
Desde o momento de sua instalação, conforme observamos, a quase totalidade
dos réus do Santo Ofício ibérico consistia de judeus convertidos ao cristianismo. Com efeito,
os delitos dos cristãos-novos constituíam maioria nas listas de condenações30. Contudo, após a
segunda metade do século XVI, com o advento das diretrizes emanadas do concílio de Trento
(1545-1563), foi ampliada a jurisdição do Santo Ofício. Graças aos esforços do concílio
tridentino em reformar e normatizar atitudes, idéias e crenças dos fiéis e clero católico, a
atuação inquisitorial acaba voltando-se também para os cristãos velhos - isto é, o conjunto de
pessoas que não tinham parentesco judaico conhecido. Deste modo, passaram a ser mais
intensamente reprimidos pelo Santo Ofício os crimes de blasfêmia, bigamia, defesa da
fornicação, sodomia e feitiçaria: práticas que, com o esforço de implantação das medidas de
Trento, chocavam-se com as diretrizes normatizadoras que a Igreja procurava implantar.
30 Tais delitos est ão minuciosamente list ados no Monitório de 1536, que leva a assinatura de D . D iogo da Silva. Ver Colle c torio s das Bullas e Breves Apos to licos , Cartas Alvarás e Provis õe s Reaes , e out ros papeis, em que se contêm a inst ituição e pr imeiro progresso do Sancto O fficio em Por tugal, Lisboa, nas Casas da Sancta Inquisição , 1596. Mar ia J. P . F . Tavares apresen ta, em obra já cit ada, uma t ranscr ição da versão
26
- A N o rm at ização d o s Cr ist ão s Velh o s
O s p ro cesso s d e refo rm as religio sas d o sécu lo XVI t iveram um a
am p litud e m uit o m aio r d o que a sim p les d em arcação d e f ro n teiras en t re
cat o licism o e p ro t est an t ism o . F ru to s d e um p ro cesso d e lo n ga d uração , cu jas
r aízes se en co n t ram n a Baixa I d ad e Méd ia, as r efo rm as cató lica e p ro t est an t e
t iveram o b jet ivo s co m un s - n ão o b st an t e at uarem p o r vias d iver sas31.
Simultaneamente às reformas religiosas propriamente ditas, ocorreu um
esforço no sentido de reformar idéias, costumes, valores morais - enfim, a
cultura da população - esforço este efet ivado por ambos pólos da Reforma.
E ste movimento, segundo Peter Burke, consist iu "na tentat iva de suprimir, ou
pelo menos purificar muitos itens da cultura popular t radicional" - arcaica e
profundamente arraigada no cotidiano do povo -, vista pelos reformadores
como o espaço do paganismo, das licenciosidades, dos vícios32.
O s reformadores católicos e protestantes, eclesiást icos ou leigos
pertencentes às elites cultas, t rabalharam por suprimir a cultura e
religiosidade tradicionais - de caráter oral e sincrét ico, característ icas da
sociedade medieval. Atacavam o magismo das prát icas devocionais cristãs,
manuscr it a deste Monitór io , às páginas 194-199 - com uma sér ie de d iscrepâncias em relação ao t exto impresso mencionado .
31Para est a d iscussão das profundas raízes das Reformas cató lica e pro testan te (e t ambém para o sign ificado de t ais t ermos), ver Jean D elumeau, E l Cato lic is mo de Lutero a Vo ltaire , Barcelona, Labor , 1973 (pr incipalmente o capítulo 2); N .S. D avidson , A Contra-re forma , São Paulo , Mar t ins Fontes, 1991 e Brenda Bolton , A Reforma na Idade Média , Lisboa, E dições 70, 1986.
27
b em co m o o t eat ro religio so p o p u lar , fest as - t id as co m o o casiõ es d e p ecad o -
, can to s e d an ças. Burke co n clu i que est e p ro cesso fo i, p o r f im , o em b at e
en t re d uas ét icas (o u m o d o s d e vid a) r ivais . Segun d o ele, "a ét ica d o s
refo rm ad o res est ava em co n f lit o co m um a ét ica t r ad icio n al m ais d if ícil d e se
d ef in ir , p o is t in h a m en o s clareza d e exp ressão " - p o rque n ão est ava
r igid am en te co d if icad a, sen d o algo in fo rm e e var iável ao sab o r d e
co n jun turas so ciais e geo gráf icas33. Tais ét icas, deve-se acrescentar, não
estavam isoladas entre si. Conforme demonstram Carlo G inzburg, Mikhail
Bakht in e Roger Chart ier, exist ia um movimento intenso de t rocas entre os
diferentes estratos culturais, permeáveis a influências recíprocas34. O que
exist ia era uma intensa comunicação entre tais estratos, sendo que os
costumes e idéias perpassavam-lhes, sendo retrabalhados e modificados
segundo as necessidades e o contexto dos diferentes estratos culturais - que
variavam, também, de região para região. N as palavras de Carlo G inzburg,
temos, por um lado, dicotomia cultural, mas, por outro, circularidade,
influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica,
part icularmente intenso na primeira metade do século XVI 35
O resultado destes processos de reformas, segundo Burke, foi o
contrário do que inicialmente esperavam os reformadores: ao invés de
eliminar a cultura t radicional e de espalhar um modelo de comportamento e
32 Peter Burke, Cultura Popular na Idade Moderna , São Paulo , Companhia das Let ras, 1989, pp . 232-233.
33 I dem, pag. 237. 34 Ver Carlo G inzburg, O Que i jo e os Ve rmes , São Paulo , Companhia das Let ras, 1987,
pp . 20-25; Mikhail Bakht in , A Cultura Popular na Idade Média e no Renas c ime nto , São Paulo / H ucit ec; Brasília/ E dUnB, 1993; Roger Char t ier , A H is tória Cultural , Lisboa/ D I FE L; Rio de Janeiro / Bert rand Brasil, 1990.
35 G inzburg, op . cit ., pag. 21.
28
id éias, un ifo rm izan d o cu ltu ralm en te p o vo e elit es, t al cam p an h a n o rm at iva
levo u a um a sep aração ain d a m aio r en t re a cu ltu ra d o p o vo e a cu lt u ra d as
elit es, que fo ram m ais r áp id a e ab ran gen t em en te at in gid as p elas r efo rm as,
t en d o in co rp o rad o seus p receit o s co m m aio r p ro fun d id ad e36.
E ste não foi um processo de curta duração e de aceitação passiva
por parte dos fiéis a serem reformados. Houve resistências, no que diz
respeito à cultura t radicional - inclusive, aqui, no campo das prát icas
religiosas. O esforço aculturador, na E uropa, se estendeu ao longo dos
séculos XVII e XVIII . N o campo da reforma católica, o concílio de Trento
inaugurou uma era que só foi terminar com o concílio do Vaticano I I , em
196237.
O Tribunal do Santo O fício da Inquisição foi, no campo da
reforma católica, um dos mais importantes instrumentos desta grande
empreitada remodeladora. Moldando crenças e comportamentos por meio da
int imidação e da violência - elementos fundamentais daquilo que Bennassar
chamou de "pedagogia do medo"38 -, o Santo O fício exibia nos autos-de-fé os
elementos de conduta desviante, mostrando à massa dos fiéis quão terrível
36 Idem, pag. 265. 37 D elumeau, op . cit ., pag. 6. 38 Ver Bennassar , Modelos de la mentalidad inquisito r ial: métodos de su pedagogía del
miedo in Ángel Alcalá (org.), Inquis ic ión E s paño la y Me ntalidad Inquis i torial , Barcelona, Ar iel, 1984, pp . 174-182.
29
era o cast igo p ara quem afro n t asse o s p ad rõ es d a n o rm a. At ravés d a exib ição
d o er ro , d ifun d ia o m o d elo d e co n d u ta r et a, ed ucan d o a p o p ulação 39.
D urante o Século XVII , afinada com as diretrizes de Trento, a
Inquisição ibérica avança na repressão aos delitos dos cristãos velhos, que
iam contra o que pregava o concílio. D este modo novos delitos, morais e
doutrinários, entraram em pauta. Apesar de não haver, para a Inquisição
portuguesa, a abundância de estudos quantitat ivos que existe para a
espanhola, podemos inferir , através das pesquisas recentemente feitas, um
redirecionamento da atuação inquisitorial, evidenciada pelo acréscimo, aos
processos dos cristãos-novos (que se mantiveram em ritmo constante), dos
processos de bigamia, feit içaria, proposições errôneas - como a defesa da
afirmação de que fornicar não era pecado - e blasfêmias, além do próprio
luteranismo (que não tomou vulto expressivo na península Ibérica)40. I sto,
sem falar que a Inquisição voltou seus severos olhos para a disciplinarização
do próprio clero - como também desejava o concílio tridentino -, o que se
reflet iu nas condenações de eclesiást icos por sodomia, feit içaria e
solicitação41. O concílio de Trento definiu as novas normas para o fiel
católico. O Santo O fício, através da repressão e da difusão de idéias a ferro e
fogo foi um dos principais responsáveis pelo processo de modelagem de um
novo t ipo de crente, normatizado de acordo com o que pensara o concílio.
39 Cf. Luiz N azário , O julgamento das chamas: autos-de-fé como espetáculos de massa in Anita N ovinsky e Mar ia Luíza Tucci Carneiro (orgs.), Inquis ição , Rio de Janeiro / E xpressão e Cultura; São Paulo / E D USP, 1992, pp . 525-546.
40 E sta virada na at ividade inquisito r ial é demonst rada, para o caso de E spanha, at ravés de estudos que fazem proveitosa ut ilização de t écn icas quant it at ivas, como o de Jean Pierre D edieu, Les quat re t emps de l I nquisit ion , in Bennassar (org.), L Inquis i tion E s pag nole , Par is, Marabout , 1982, pp . 13-39.
30
- Co ntra o Cris tian is m o T radic io n al
N o cam p o d a vivên cia religio sa, o co n cílio d e T ren to en cet o u
am p lo e m assivo co m b ate ao que Jo h n Bo ssy e K eit h T h o m as ch am am d e
"cr ist ian ism o t rad icio n al" 42, no qual a sociedade se achava imersa. O campo
religioso permeava e envolvia todos os aspectos da vida. D aí uma grande
int imidade entre os fiéis e a esfera do sagrado - inclusos aqui os elementos a
ela referentes. D onde se entende uma at itude int imista na relação entre
crentes e santos - reflet ida na iconografia e estatuária à época, que era
planejada no sent ido de propiciar tão próximo contato. Segundo Bossy, tais
relações se baseavam no trinômio violência-conflito-negociação43, tendo a
devoção objet ivos materiais e imediat istas. Buscava-se, através do culto e dos
rituais, auferir a intercessão dos santos para obter proteção para as colheitas,
41 Sobre esta facet a da repressão Inquisito r ial, ver a t ese de Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão Pe lo Ave s s o , apresen tada à Universidade de São Paulo em 1991, 3 vo ls., mimeo.
31
em viagen s, p ara m o rad ias, o u m esm o p ara ap lacar sua fú r ia - que p o d ia ser
alt am en t e d est ru t iva, co m o f ica p at en te n est a cit ação d e William T yn d ale
(in ício d o sécu lo XVI ):
O que se p ro curava, n o cr ist ian ism o t rad icio n al, era a in t im id ad e
co m o s san to s; b uscava-se m esm o t razê-lo s p ara o m ais p ró xim o círcu lo
fam iliar , ad o t an d o co m eles r elaçõ es d e co m p ad r io sui generis - co m o , p o r
exem p lo , ao b at izar um a cr ian ça co m o n o m e d e d eterm in ad o san to ,
co n sagran d o -a assim a ele e, co n seqüen tem en t e, p o n d o -a so b sua p ro t eção 45.
O s santos também eram solicitados para cuidar de eventualidades cotidianas
tais como doenças, sumiços de objetos etc. Mas, segundo K. Thomas, o culto
dos santos era apenas uma faceta do magismo que caracterizava a Igreja
medieval46. As bênçãos, rituais e sacramentos eclesiást icos eram t idos como
possuidores de propriedades mágicas, que podiam ser ut ilizados pelos fiéis. A
Igreja pré-t rident ina era vista como um "repositório de poderes
sobrenaturais, que podiam ser dist ribuídos aos fiéis para auxiliá-los em seus
problemas do cotidiano"47. O impacto das Reformas e da Inquisição, neste
sentido, foi de desvincular o profano do sagrado, e eliminar a int imidade
existente entre este e os fiéis.
E sta forma religiosa também poderia ser chamada de
"religiosidade popular". Contudo, surge aqui um problema: esta religiosidade
42 John Bossy, A Cris tandade no Oc idente , Lisboa, E dições 70, 1990 (pr incipalmente a pr imeira par t e) e Keith Thomas, Re lig ião e o D ec línio da Mag ia , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991 (cap ítulos 2 e 3).
43 Bossy, op . cit ., pag. 26. 44 Apud K . Thomas, op . cit ., pag. 36. 45 Bossy, op . cit ., pag. 32. 46 Thomas, op . cit ., pag. 38.
32
é p o p ular p o rque p rat icad a p elo "p o vo " , o u seja, as m en o s ab ast ad as cam ad as
so ciais? T al id éia cai p o r t er ra se t iverm o s em m en t e que p esso as d e t o d o s o s
n íveis so ciais - m esm o d ep o is d o s p ro cesso s d e refo rm as religio sas -
co n t in uavam im erso s n est e t ip o d e religio sid ad e. A id éia classist a d e um a
" religio sid ad e p o p ular" em relação o p o sta à d e um a cu lt u ra o u religio sid ad e
"d e elit e" o u "erud it a" p erd e razão d e ser , quan d o an alisad a so b est a ó t ica - e
in clusive so b o p r ism a d a religio sid ad e p araen se. Ro ger Ch ar t ier , ao
equacio n ar o p ro b lem a d a cu lt u ra p o p ular em estud o so b re t exto s e leit u ras
n o An t igo Regim e, ch ego u à co n clusão d e que t al o p o sição r ígid a n ão p o ssu i
p er t in ên cia. O que h á, segun d o o au to r , são "p rát icas p ar t ilh ad as que
at ravessam o s h o r izo n t es so ciais" . A est a d ivisão rad ical en t re p o p ular e
erud ito , "que m uit as vezes d ef in ia o p o vo (...) co m o o co n jun to d aqueles que
se sit uavam fo ra d o s m o d elo s d as elit es" , Ch ar t ier p refere "o in ven t ár io d as
d ivisõ es m últ ip las que f ragm en tam o co rp o so cial" . I st o é: além d a d ist in ção
só cio -eco n ô m ica, o p esqu isad o r d eve levar em co n t a as d iferen ças sexuais,
t er r it o r iais e r eligio sas, en t re o u t ras48. D esta forma, a religiosidade combatida
pelo concílio de Trento só pode ser chamada de "popular" se posta em
oposição à religião estabelecida pela Igreja - esta, por sua vez, "erudita"
porque baseada nos cânones sacramentados pela reforma católica. A dist inção
se desloca: de um critério socioeconômico, passamos a pensar em termos de
algo estabelecido e normativo, em contraposição a um conjunto de crenças e
ritos que estão fora da ortodoxia doutrinária da Igreja.
47 I dem, pag. 40. 48 Roger Char t ier , Textos, impressos, leituras in op . cit , s.d ., pag. 134.
33
CAPÍTULO 2
- IN Q UISIÇÃO E MAG IA -
I - IN Q UISIÇÃO E BRUXARI A
As o n d as d e rep ressão à b ruxar ia e feit içar ia n ão p o d em ser
en t en d id as fo ra d o co n texto cro n o ló gico que lh es d eu o r igem . T rat am o s aqu i
d a em ergên cia d o m un d o m o d ern o o cid en t al, co m to d as as suas
p ecu liar id ad es: as cr ises d o sécu lo XI V, as n avegaçõ es e d esco b r im en to s, a
in ven ção d a im p ren sa, as r efo rm as religio sas e a co n st it u ição d o E st ad o
ab so lu t ist a. Jean D elum eau , em im p o r t an te estud o so b re o m ed o n o
O cid en t e, m o st ra co m o h o uve um a escalad a d e t em o res, m o t ivad o s p elo
fun est o sécu lo XI V. G raças a um a co n jun t ura que in clu i o d esagregar d o
feud alism o , as o n d as d e p est e, avan ço d o s tu rco s, o cism a d a I greja o cid en t al,
a G uer ra d o s Cem an o s, e as d iver sas revo lt as u rb an as e cam p o n esas fo m es e
cat aclism as, o s t em o res m ud aram d e d ireção . O s t eó lo go s p assaram a b uscar
34
n o so b ren at ural e n o ap o calíp t ico a exp licação p ara t am an h a co n f luên cia d e
d esgraças: d est e m o d o , assist im o s a um a m ud an ça: d e m ed o s d e fen ô m en o s
n at urais p ara t em o res escato ló gico s, ap o calíp t ico s49. Tais temores também
abrangiam supostos inimigos da cristandade, que atacavam orquestrados por
um inimigo supremo: Satã. O sent imento geral - que tomou vulto a part ir do
século XIV, principalmente - era o de que havia uma conspiração universal
para a derrocada da cristandade. Conspiração esta levada a efeito pelos
demônios, muçulmanos, turcos, leprosos, judeus, mulheres - e as bruxas.
Segundo D elumeau, tais medos - e a idéia de conspiração a eles associada -
t inham origem nas elites culturais, principalmente nos setores eclesiást icos: a
part ir daí, at ravés de um processo de difusão, at ingiam a sociedade como um
todo.
D entre estes temores em constante escalada, dois deles se faziam
notar especialmente: um, relacionado ao próprio arquiteto da conspiração,
isto é, Satã; o outro, concernente àqueles que - acreditava-se então - obravam
em favor e nome do Príncipe das Trevas. D elumeau identifica estes agentes
como sendo os idólatras ameríndios, os muçulmanos, judeus e bruxas50.
49 Um in teressan te estudo sobre movimentos milenar ist as e apocalíp t icos do f inal da Idade Média é o de N orman Cohn, N a Senda do Milênio , Lisboa, Presença, 1981.
50 Jean D elumeau, H is tória do Medo no Oc idente , São Paulo , Companhia das Let ras, 1990 - especialmente os cap ítulos de 6 a 12.
35
- A Co n s p iraç ão U nive rs al
An t es d e an alisar m ais p ro fun d am en t e a b ruxar ia, faz-se
n ecessár ia um a in vest igação so b re aquele que era sua razão d e ser e que era o
resp o n sável p o r t o d o s o s m ales que af ligiam o s cr ist ão s: Sat ã.
O s p ap éis at r ib u íd o s ao D iab o so freram alt eraçõ es n o d eco r rer
d o t em p o . Seguin d o a t r ad ição jud aico -cr ist ã vem o s que, n o Velh o
T est am en t o , D eus é t id o co m o o resp o n sável p o r t o d as as co isas, b o as e m ás.
Segun d o N o rm an Co h n , o s in fo r tún io s eram p un içõ es en viad as p o r D eus p ara
aqueles que t r an sgred issem suas leis . Sat ã ain d a n ão su rgira exercen d o as
fun çõ es que t r ad icio n alm en t e lh e são at r ib u íd as51. A figura do tentador se
manifestará no livro das Crônicas , onde Satã influencia a D avid, fazendo
com que ele realize um censo do povo eleito - mensurando, assim, a obra do
Senhor, que por si só é algo inquest ionável ou isenta de qualquer avaliação
por parte dos simples mortais (I , 21). N o texto das Crônicas reza que
"Levantou-se, po is, satanás cont ra I srael e incitou D avi a refazer o
recenseamento de I srael" 52
o que despertou a ira de D eus, incomodado pela presunção do
rei poeta, insuflado por Satã. Q uando abordamos a literatura judaica dos
séculos I I a.C. até I d.C., encontramos uma demonologia plenamente
51 N orman Cohn, The myth of Sat an and h is human servant s in Mary D ouglas (ed .), Witchcraft , London, Tavistock, 1971, pp . 4-5.
52 Bíblia Sag rada , Rio de Janeiro , G amma, 1982.
36
d esen vo lvid a, o n d e Sat ã e sua co r t e d e an jo s caíd o s co m b atem co n t ra D eus.
Co h n at r ib u i est a id éia ao co n t at o co m a religião ir an ian a - o n d e, segun d o
reza a t r ad ição m azd eíst a, ap ó s um co m b at e en t re as facçõ es d e Ah ura Mazd a
(cr iad o r d o m un d o d e luz e verd ad e) e Ah r im an , in co rp o ração d o m al, est e
ú lt im o fo ra d er ro t ad o , sen d o co n f in ad o ao rein o d as so m b ras, e segu id o p elo s
d aevas (que eram o s an t igo s d euses, que p assaram a ser visto s co m o
d em ô n io s m aléf ico s)53. Visto por Z aratustra como a personificação do mal,
Ahriman é, segundo J. B. Russel, "o primeiro diabo claramente definido"54.
O crist ianismo recebeu, em segunda mão, a influência desta
doutrina iraniana - através da demonologia judaica, a qual foi totalmente
incorporada pela nova religião55. O s E vangelhos, radicalizando uma
concepção dualista que divide todas as coisas com base em uma opção entre
Cristo e Satã, t razem diversas menções a este combate entre o bem e o mal.
O D iabo, a part ir de então, torna-se o Inimigo por excelência, combatendo
Jesus, seus discípulos e apóstolos, bem como os seguidores destes, "t ramando
incessantemente a ruptura da fidelidade ao Senhor e pondo a perder os seus
corpos e almas". A part ir daí, o mundo será part ilhado entre Cristo e Satã56.
As campanhas de evangelização e conversãos dos adeptos do paganismo
greco-romano, por sua vez, vão contribuir com um grande enriquecimento do
imaginário demonológico cristão, graças a uma interpretação negativa de
elementos do paganismo, por parte da religião agora dominante. E sta, por sua
vez, via-se às voltas com uma evangelização de fiéis que quase sempre não
53 Cohn, op . cit ., pag. 7. 54 Jeffrey Burton Russel, O D iabo , Rio de Janeiro , Campus, 1991, pags. 48 e 86. 55 Carlos Rober to F . N ogueira, O D iabo no Imag inário Cris tão , São Paulo , Át ica, 1986,
pag. 17.
37
ab an d o n avam seus an t igo s cu lto s e cren ças, assim ilan d o en sin am en to s n o vo s
co m as an t igas co n vicçõ es - is t o , quan d o t ais assim ilaçõ es n ão eram já feit as
p elo s p ró p r io s m issio n ár io s cat equ izad o res. Além d isso , a d o u t r in a cr ist ã
assim ilo u ao s seus d em ô n io s as co n cep çõ es p agãs d as d ivin d ad es in fern ais57.
É nos séculos XI-XII que, segundo D elumeau, Satã irá surgir em
cena massivamente. É neste momento que a figura iconográfica do D iabo
toma forma, sendo pictoricamente representado ou esculpido58. Mas é a part ir
do século XIV que Satã lança o seu grande ataque. A cristandade encontrava-
se como que obsidiada pela figura do G rande Inimigo. Para D elumeau, esta
obsessão vai se manifestar, na iconografia, em uma vasta gama de imagens
infernais, e na idéia fixa das armadilhas e tentações de que Satã faz uso, na
intenção de perder os seres humanos59. A violência das torturas e tormentos
do Inferno transborda na Iconografia, e o Satã medieval - que assustava mas
t inha lá seus ares de comicidade, que por muito tempo persist iu no
imaginário popular, como uma figura até benfazeja e enganável60 - torna-se
pujantemente violento, terrível, assustador. N este primeiro alvorecer da
Idade Moderna, os conceitos e imagens satânicas da Idade Média assumiram
'uma coerência, uma importância e uma difusão jamais alcançadas"61. O
G rande Tentador estava presente em todos os aspectos da vida, e tudo que
acontecia poderia ser obra sua - para cast igar os homens ou para seduzi-los,
levando-os à perdição.
56 Idem pag. 18. 57 I dem, pp . 26-31. 58 D elumeau, op . cit ., pag. 239. 59 I dem, pag. 240. 60 N ogueira, op . cit ., pag. 76. 61 I dem, pag. 73.
38
O m ed o d o D iab o to m ava fo rm a sist em at izad a n as o b ras d e
d em o n o lo gia que, graças à im p ren sa, t in h am gran d e d ivu lgação - o que fazia
aum en t ar ain d a m ais o m ed o . E st as ed içõ es at in giam am p la gam a d o p úb lico
leito r , quer fo sse at ravés d e p esad o s t r at ad o s o u d e p ub licaçõ es "p o p ulares" ,
d e custo m en o s elevad o 62. As informações aí contidas alcançavam um público
ainda mais amplo de analfabetos, na medida em que eram lidas em voz alta
para as pessoas, ou citadas em prédicas e sermões, difundindo assim tais
idéias demonológicas63.
A literatura demonológica apresentava aos leitores um vasto
arsenal informativo, contendo tudo o que ele devia saber a respeito do
Maligno: como ele se apresenta, de que modo age no sentido de tentar e
perder a humanidade, quais as armadilhas que ele apronta, como diagnosticar
a ação do demônio, etc. Rossel Hope Robbins enumera 33 t ítulos de tratados
demonológicos publicados entre 1475 e 1540 (entre livros alemães, franceses,
italianos e espanhóis); D elumeau conta (deficientemente, segundo o próprio)
16 t ítulos de diversas nacionalidades, entre 1659 e 164764. Tendo em conta
que estas obras possuem sucessivas reedições, ficamos impressionados com
seu alcance através do tempo: somente o Malleus Maleficarum , ícone maior
da literatura de caça às bruxas e inspirador de tantas obras posteriores, teve
81 edições na E uropa entre 1486, data de sua primeira edição, e 1669, quando
62 Ver , a est e respeito , Lucien Febvre e H enr i-Jean Mart in , O Aparec imento do Livro , São Paulo , UN E SP/ H UCI TE C, 1992, cap ítulos 4 e 8.
63 Sobre a d ifusão das idéias at ravés das prát icas de leit ura, ver Roger Char t ier , Textos, impressos, leituras in A H is tória Cultural , Lisboa/ D IFE L, Rio de Janeiro / Ber t rand Brasil, s.d . D o mesmo autor , ver As prát icas da escr it a na H is tória da Vida Privada , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991, vo l. 3, pp . 113-161.
64 Rossel H ope Robbins, T he E nc yc lope dia o f Witchcraft & D emono log y, N ew York, Bonanza, 1981, pp . 145-147; D elumeau, op . cit ., pag. 248.
39
já ar refecia a o n d a p ersecu t ó r ia65. Através de sermões e prédicas, catecismos e
da citada literatura demonológica, o afã de desmascarar o D iabo, bem como o
pânico a ele relat ivo, foram se disseminando por todo o corpo da cristandade.
O D iabo era, então, mais uma dura realidade presente no
cot idiano à época. Já escrevera Lutero que "somos corpos sujeitos ao diabo, e
estrangeiros, hóspedes no mundo no qual o diabo é príncipe e o D eus"66. Por
isso, as desgraças e decepções eram atribuídas ao D iabo. As tempestades,
t rovões, más colheitas, as doenças, em tudo era visto o dedo do adversário,
que cast igava a humanidade pelas suas iniqüidades, ou procurava perdê-la.
Por ser incorpóreo, o D iabo podia tomar a forma que lhe aprouvesse para se
aproximar das pessoas, e podia estar em todos os lugares. E também é graças
a esta incorporeidade que ele pode obrar diversos prodígios. D iz o Malleus
que o D iabo, por tomar diversas formas, pode estar em diversos locais e
conjurar os elementos da natureza; ele também tem poderes para desfazer a
obra de D eus até onde este lhe permita67.
Contudo, Satã não estava desacompanhado nesta empreitada
aviltante. Contava com o apoio de uma legião de demônios e de agentes
humanos. Q uanto aos primeiros, o discurso demonológico afirmava estarem
disseminados por todos os lados. Francesco Maria G uazzo ident ifica, em seu
Compendium Maleficarum , seis t ipos de demônios: os que residem no fogo,
e não têm contato com os homens; os do ar, que estão ao redor dos homens e
podem tomar consistência física, tornando-se visíveis e sendo causadores de
65 Robbins, op . cit ., pag. 337. 66 Apud D elumeau, op . cit ., pag. 251.
40
t o rm en tas e t em p estad es; o s t er rest res, que vivem n as f lo rest as, cavern as e
m esm o en t re o s h o m en s; o s d em ô n io s aquát ico s, r esp o n sáveis p elo s
afo gam en t o s e n auf rágio s, b em co m o p ela vio lên cia d o m ar - h ab it an t es d e
r io s, lago s e m ares; o s sub ter rân eo s, que vivem em gru t as e cavern as,
causan d o t er rem o to s, erup çõ es e ab alo s n o s alicerces d as casas; p o r f im , o s
d em ô n io s d as t r evas, que n ão sup o r t am a luz e só se lo co m o vem e
m an ifest am n a m ais co m p let a escur id ão 68.
A quantidade de demônios existentes é de uma ordem assombrosa:
demonólogos que dedicaram-se ao censo das hostes infernais calcularam que existiriam entre 6
e 7 milhões de demônios. Alphonsus de Spina em seu Fortalicium Fidei (1467) chegou à
astronômica cifra de 133 milhões de demônios. E todos eles obrando em prejuízo da
cristandade69! Devido a tal quantidade de seres infernais, surgiu a idéia de que cada homem, ao
nascer, seria acompanhado de um deles, que o tentaria por toda a sua vida - o que, por outro
lado, acarretou na noção de que haveria um anjo da guarda para cada indivíduo, justamente
para protegê-lo de tal tentador vitalício70
A humanidade, contudo, t inha algo mais a temer, além desses
servos incorpóreos de Satã: havia também os seus aliados humanos. E les
podiam estar em qualquer lugar, podendo - em teoria - ser qualquer pessoa.
Infilt rados no seio da cristandade, podiam implodi-la a part ir de seu próprio
interior. Por outro lado, eram ident ificáveis e estavam ao alcance de uma
vingança imediata - que fornecesse aos homens um paliat ivo para a
impotência ante os adversários imateriais.
67 H einr ich Kramer & Jakob Sprenger , Malle us Male ficarum , Rio de Janeiro , Rosa dos Tempos, 1991, questão I , pp . 49-63.
68 F rancesco Maria G uazzo , Compendium Male fic arum (1608), Apud Robbins, op . cit ., pp . 132-133.
69 E ram exatos 133 306 668 demônios. Apud Robbins, op . cit ., pag. 130. 70 D elumeau, op . cit ., pag. 257. Ver t ambém Keith Thomas, Re lig ião e o D ec línio da
Mag ia , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991, pag. 382.
41
A idéia de que estes agentes de Satã viviam infiltrados no seio das sociedades é
tão antiga quanto o próprio cristianismo. O que variava, ao sabor das conjunturas, era a
identificação do membros desta quinta-coluna dos infernos. A Igreja primitiva os associava
aos pagãos; com o passar do tempo, aqueles que professavam idéias e crenças discordantes da
ortodoxia cristãs também foram ligados a essa proposição. Na Idade Média, esta idéia está
associada aos hereges, judeus, muçulmanos. Na França do século XII, por exemplo,
acreditava-se uma característica dos hereges - segundo aqueles que os perseguiam - a adoração
do Diabo encarnado em alguma forma física - um gato negro, um sapo, um bode ou homem -,
elemento que depois foi incorporado pelo discurso contra a bruxaria. E no século XIV, após o
rumoroso processo contra os templários, a bruxaria começou a ser associada à heresia71.
- A Caça às Bruxas (ou: a his tória de um conce ito)
A idéia que fazemos atualmente a respeito da bruxa - uma mulher
velha e feia, que possui poderes sobrenaturais malignos, que anda em contato
com os demônios e vai voando numa vassoura ao Sabbat - levou muito tempo
para cristalizar-se. Brian P. Levack, em estudo sobre a caça às bruxas na
E uropa moderna, mostra como a grande repressão só foi possível a part ir do
momento em que o discurso erudito cristalizara a imagem da bruxa - através
71 Cohn, op . cit ., pp . 7-11.
42
d o que o au to r d en o m in a "co n ceito cum ulat ivo d e b ruxar ia" - b em co m o
en co n t rava-se p ro n to t o d o um ap arat o ju r íd ico e p ro cessual72.
O que houve foi um grande processo - encetado principalmente
pelas elites eclesiást icas, mas que encontrou eco na magistratura civil e entre
os segmentos letrados de um modo geral - de demonização e detração de
crenças e prát icas part iculares, que se encontravam dispersas. Tais crenças,
que viriam a estar no bojo dos processos de bruxaria, possuíam origens
arcaicas e com ramificações as mais diversas possíveis, conforme demonstrou
o historiador italiano Carlo G inzburg em estudo de fôlego sobre o sabbat73.
Assim era com a crença no "exército furioso" de espíritos que, à noite, errava
pelas estradas desertas em companhia de D iana; bem como no caso dos
lobisomens, e também da Lâmia, um espírito vampiresco que raptava crianças
pequenas para sugar seu sangue. Tais crenças possuíam origem pré-cristã,
remontando ao paganismo greco-romano e mesmo além, e subsist iam graças
ao caráter precário e sincret izante da crist ianização da E uropa - sendo que
manifestavam-se com maior vigor nas zonas rurais e locais mais afastados dos
grandes centros, onde o crist ianismo era apenas um fino verniz que recobria
o mais pujante paganismo74.
D a censura e de uma at itude em grande parte complacente para
com os magos e feit iceiros de aldeia - que prat icavam adivinhações,
curandeirismos e magia propiciatória de um modo geral -, característ ica da
72 Bian P . Levack, A Caça às Bruxas , Rio de Janeiro , Campus, 1988, especialmente o cap ítulo 2.
73 Car lo G inzburg, H is tória N oturna , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991. 74 Robert Muchembled, Sorceller ie, culture populaire et chr ist ianisme au XVIe siècle in
Annales , 28 année, 1, jan-fev. 1973, pp . 264-284.
43
I greja d a alt a I d ad e Méd ia, p asso u-se a um a in to lerân cia cad a vez m ais
acir rad a. A I greja sem p re t ivera um a relação am b ígua co m a m agia: en quan t o
sua d o ut r in a d ava ên fase n o p o d er d e in t ercessão d o s san to s, e, d et r im en t o d a
p ura p rát ica d a m agia, seus f iéis e m esm o o clero viam n o r it ual e seus
ap arato s um ar sen al d e p o d eres m ágico s, p assíveis d e co n juro e d e ap licável
às m ais d iver sas circun st ân cias. I n clusive, est a fo i a t ô n ica d a cat equese d a
E uro p a, e m esm o em m o m en to s p o st er io res. Co exist iam , en t ão , d o is t ip o s d e
m agia: um , " legalizad o " e p resen t e n o s r it o s e sacram en t o s d a I greja; o u t ro ,
f ru t o d e um p ro cesso d e ap ro p r iação d est es m esm o s elem en t o s p o r p ar t e d o s
f iéis e d o clero - est e, n ão ap ro vad o p ela d o u t r in a cr ist ã. A I greja d a alt a
I d ad e Méd ia, p o rém , segu ia a o p in ião d o Cano n E pis c o p i , que af irm ava ser a
feit içar ia um cr im e o n ír ico o u im agin ár io 75.
Contudo, à medida em que a Igreja buscava reformular a própria
doutrina e liturgia, foi encetada uma campanha para eliminação do magismo,
tanto no seio dos rituais como entre os fiéis76. A esta at itude de
endurecimento para com as prát icas mágicas soma-se o processo de repressão
às heresias a part ir do século XII . A pouco e pouco - na medida em que a
t ratadíst ica demonológica se concret izava, e também de acordo com o
espocar de diversos focos de movimentos herét icos - a prát ica de magia foi
sendo associada e confundida com a heresia por inquisidores e magistrados,
tomando assim, aos poucos, sua forma clássica - a que está nos manuais
demonológicos e regimentos inquisitoriais. À medida em que a cristandade se
debat ia com o aumento do poder de Satã, a crença na bruxaria se firmava e
75 Robbins, op . cit ., pag. 74.
44
co n so lid ava, ao s p o uco s, n o im agin ár io euro p eu . N o sécu lo XI V, co m a b u la
Su pe r I l liu s Spe c u la (1326) d o p ap a Jo ão XXI I , a feit içar ia era asso ciad a à
h eresia, t o rn an d o -se um d elito d e alçad a in qu isito r ial, a ser r ep r im id o p elo
fam o so T r ib un al. An t es, a feit içar ia era p un id a p elo p o d er p úb lico , que via a
m agia m aléf ica co m o um a co n d ut a an t i-so cial, t al co m o o ro ub o e o
h o m icíd io .
E o que fazia co m que a b ruxar ia - d iferen tem en t e d a feit içar ia
o rd in ár ia (que co n sist ia n o recurso a o raçõ es e r it uais p ara o alcan ce d e
o b jet ivo s m at er iais im ed iat o s) - fo sse vist a co m o h eresia? O p o n t o
d iferen ciad o r era o segu in t e: at r avés d e um p act o , n o qual se co m p ro m et ia a
servir e ad o rar Satã - ro m p en d o o s laço s co m Cr ist o e a I greja, e in co r ren d o
assim n o cr im e d e latria, segun d o o Man ual d o s Inq uis ido re s 77 - em troca de
poder, riquezas e gozos materiais, a bruxa passava a conspirar, ao lado do
Maligno, contra a espécie humana. Todo o poder da bruxa advém do D iabo, e
ela só tem acesso a ele por meio do pacto. Kramer e Sprenger, no Malleus
Maleficarum , afirmam peremptoriamente que
"É inút il argumentar que todo efeito das bruxar ias é fan tást ico ou
ir real [ao cont rár io do que afirmava o Canon E pis c opi ], po is não
poder ia ser realizado sem que se recorresse aos poderes do D iabo: é
necessár io , para t al, que se faça um pacto com ele, pelo qual a b ruxa
de fato e verdadeiramente se to rna sua serva e a ele se devota - o que
não é feito em estado onír ico ou ilusór io , mas sim concretamente: a
b ruxa passa a cooperar com o D iabo e a ele se une. Pois aí reside
toda a f inalidade da bruxar ia..." 78.
76 Keith Thomas, op . cit ., p r incipalmente o cap ítulo 3. 77 N icolaus E ymerich , op . cit ., pag. 55. 78 Malleus ..., pag. 57. Comentár io meu.
45
E st a argum en tação rep resen t a um co n sid erável en d urecim en t o d e
p o siçõ es, em relação ao Can o n . E n d urecim en t o t ão gran d e que f ica p at en te já
n a p r im eira quest ão d o M alle u s - que segue, em sua est ru t u ra, a fo rm a d e um
d eb at e retó r ico - , o n d e é af irm ad o que "crer em b ruxas é t ão essen cial à fé
cat ó lica que sust en tar o b st in ad am en t e o p in ião co n t rár ia h á d e t er vivo sab o r
d e h eresia" , e cu ja argum en t ação co m eça just am en t e co m um a vio len ta cr ít ica
ao Cano n E p is c o p i 79!
O pacto demoníaco era, então, o cerne da crença na bruxaria. Foi
graças a ele que a feit içaria - antes vista como uma prát ica anti-social devido
ao malefic ium , - isto é, a magia prejudicial passível de punição pela just iça
laica - passou a ser associada à heresia. Segundo Levack, "no sentido mais
pleno da palavra, uma bruxa era tanto uma prat icante de magia maléfica,
como uma adoradora do D iabo, e o pacto era a maneira através do qual
ambas as formas de at ividade mais claramente se relacionavam"80.
79 Idem, pag. 49. 80 Levack, op . cit ., pag. 33.
46
O p acto era t am b ém aquilo que co n fer ia um carát er co n sp irat ivo
às açõ es d as b ruxas. Ao ar ran carem d as b ruxas co n f issõ es d e co n t rato s
d em o n íaco s, ju ízes e in qu isid o res co n seguiam a evid ên cia ir r efu t ável d e que
o s acusad o s faziam , co n scien t em en te, p ar t e d e um a im en sa co n sp iração .
D esta fo rm a, é sin to m át ico o que escreve, n o sécu lo XVI I , o jesu ít a
Alexan d re P er ier - r en o m ad o m issio n ár io , co m est ad as n o Brasil - em sua
o b ra in t it u lad a D e s e ng an o d o s P e c ado re s :
" É co isa sab id a aq u e le d an o e m ale f íc io q u e f azem n o m u n d o , q u ase
em t o d as as n açõ es , aq u e las d ep r avad as m u lh er es a q u e vó s ch am ais
vu lgar m en t e f e it ice ir as o u b r u xas . E stas desgraçadas como têm arrenegado
a fé pelo contrato feito com o D emônio, a quem têm vendido a sua alma, ficam
conseguintemente inimigas do gênero humano, principalmente católico, e por
isso procuram faz er-lhe o mal que podem.. ." 81
Contudo, além do pacto demoníaco, o conceito de bruxaria
engloba outros elementos - decorrentes, todos eles, deste contrato infernal
entre a bruxa e o D iabo. Um deles é o malefic ium - a magia maléfica, a qual
já mencionamos anteriormente. O malefic ium era, antes, at ribuído aos
feit iceiros. E le podia se manifestar das mais diversas formas: desde uma dor
de cabeça provocada, segundo se acreditava, por mau-olhado, até uma geada
conjurada por bruxas, que arrasasse as plantações. N a bula Summis
D es iderantis Affectibus , de 1484, em que o papa Inocêncio VII I lança
oficialmente a campanha de repressão à bruxaria, estão arrolados alguns atos
t ípicos das bruxas. D iz o texto que elas
81 Alexandre Perier , D es e ng ano dos Pe cadore s , Lisboa, Miguel Manescal da Costa, 1765, pp . 316317. G r ifo meu.
47
" ... t êm assass in ad o c r ian ças a in d a n o ú t er o d a m ãe , a lém d e
n o vilh o s , e t êm ar r u in ad o o p r o d u t o d a t e r r a , as u vas d as v in h as , o s
f r u t o s d as ár vo r es , e m ais a in d a: t êm d es t r u íd o h o m en s , m u lh er es ,
b es t as d e car ga, r eb an h o s , an im ais d e o u t r as esp éc ies , p ar r e ir as ,
p o m ar es , p r ad o s , p as t o s , t r igo e m u it o s o u t r o s ce r eais ; e s t as p esso as
m ise r áveis [as b r u xas] a in d a af ligem e at o r m en t am h o m en s e
m u lh er es , an im ais d e car ga, r eb an h o s in t e ir o s e m u it o s o u t r o s
an im ais co m d o r es t e r r íve is e las t im áve is e co m d o en ças a t r o zes , q u er
in t e r n as , q u er ext e r n as ; e im p ed em o s h o m en s d e r ealizar o a t o
sexu al e as m u lh er es d e co n ceb er em , d e t a l fo r m a q u e o s m ar id o s n ão
vêm a co n h ecer as esp o sas e as esp o sas n ão vêm a co n h ecer o s
m ar id o s ." 82
E is aqui, resumidos, os diversos t ipos de malefic ium . Podemos
concluir que eles estavam ligados a ameaças à sobrevivência humana - seja
enquanto reprodução da espécie (através dos bloqueios às relações conjugais
ou à fert ilidade), ou enquanto subsistência, na medida em que as bruxas
danificam e destroem tanto bens materiais quanto meios de sustentação. Além
do pacto e do malefic ium , o conceito de bruxaria incluía elementos outros
como a demonolatria, a crença na capacidade da bruxa em se metamorfosear
em animais (geralmente insetos ou bichos de pequeno porte, como ratos,
gatos e cães), a crença na ida e part icipação no sabbat (e, ligada a este
elemento, a crença de que as bruxas voavam) - e sua difusão através de
t ratados e obras que procuravam incent ivar os julgamentos t iveram um efeito
devastador, tanto ao nível das mentalidades e crenças quanto no fomento à
repressão.
82 In Malleus ..., pp . 44-45.
48
49
- A Re pre s s ão
E m seu co n sagrad o est ud o , K eit h T h o m as exp lica a gran d e o n d a
d e rep ressão à b ruxar ia co m o f ru to d e um a co n jun ção d e fat o res: p r im eiro , a
elab o ração e p o st er io r im p o sição d e um d iscu rso d em o n o ló gico erud ito ;
segun d o , um a gran d e in seguran ça p o r p ar t e d o s f iéis em geral, p r ivad o s d a
p ro t eção m ágica o ferecid a p elo cr ist ian ism o t rad icio n al - que, co m o n o t am o s,
so freu um p o d ero so p ro cesso d e f ilt r agem p o r p ar t e d as refo rm as religio sas - ;
em vir tud e d est e fat o r , o s h o m en s t er iam f icad o in d efeso s f ren t e às p rát icas
d e m ale fic iu m - co n t ra as quais est avam im un es an ter io rm en te, d evid o ao
am p aro m ágico o ferecid o p elo s r it uais d a I greja. A co n jun ção d est es fato res é
que t er ia favo recid o o esp o car d e sucessivas o n d as rep ressivas, t an t o em
lo calid ad es d e cred o cató lico quan to p ro t est an t e83. Tais ondas, em seu
conjunto, é que formam o que se convencionou chamar de grande caça às
bruxas.
E sta explicação dá conta do fato de a perseguição ter início antes
das reformas religiosas - em virtude da crescente pressão do discurso erudito,
que encontrava alguma ressonância entre as camadas populares. Ajuda
também a explicar o porque da fúria repressora que teve seu auge entre os
séculos XVI-XVII (1560-1650), tanto do lado católico quanto do protestante
(neste, inclusive, com muito maior força e virulência): ao ret irar o aparato
50
m ágico que im p regn ava a cren ça cr ist ã, as r efo rm as d eixaram livre um cam p o
o n d e o d iscurso d em o n o ló gico - que já fazia fo rça p ara se im p o r - p ô d e
f in alm en te t r iun far . T rat am o s, aqu i, d a d ifusão d est as id éias n o seio d as
cam ad as d a p o p ulação que n ão p er t en ciam às elit es let r ad as.
A p ar t ir d e t al co n f luên cia, p o vo e m agist rad o s en t raram em
sim b io se d e cren ças, e at uaram co n jugad am en t e. O s p r im eiro s esp reit an d o ,
d en un cian d o e às vezes t o m an d o p ara si a just iça; o s ú lt im o s, p un in d o
efet ivam en te, ju lgan d o e co n d en an d o at ravés d e um a m áqu in a jud iciár ia que
era alim en t ad a p elas d en ún cias d o p o vo . E st a co n jugação d e p o n t o s d e vist a
fez co m que o s p rat ican t es d e m agia e feit içar ias, an t es vist o s co m o
"d esclassif icad o s religio so s" , n a o p in ião d e F ran cisco Bet h en co ur t , fo ssem
t ran sfo rm ad o s t am b ém em "d esclassif icad o s so ciais" 84
83 Thomas, op . cit ., especialmente o cap ítulo 15. 84 F rancisco Bethencour t , O Imag inário da Mag ia , Lisboa, Pro jecto Universidade
Abert a, 1987, pag. 22.
51
II O CO N TE XT O IBÉ RICO
As o n d as d e rep ressão á b ruxar ia fo ram m ais in t en sas,
p r in cip alm en t e, n o s lugares o n d e o m o d elo d em o n o ló gico elab o rad o p elo s
seto res let rad o s t eve um a d ifusão m ais só lid a. Ard eram b ruxas em fo gueiras
in glesas, f r an cesas, alem ãs, e su íças, en t re o u t ras. T ais o n d as rep ressivas
var reram p er io d icam en t e a E uro p a, d e um m o d o geral, en t re o s sécu lo s XV e
XVI I I , vin d o a p erd er fô lego e f in alm en te ext in gu ir -se n o sécu lo XVI I I .
A P en ín su la I b ér ica, p o rém , ap resen t o u sin gu lares
p ecu liar id ad es, n o que t an ge à in serção n o m o vim en to m aio r , euro p eu , d e
rep ressão à b ruxar ia. Co m p aran d o co m o ut ro s p aíses euro p eus, o n úm ero d e
execuçõ es p o r b ruxar ia em P o r t ugal e E sp an h a é m ín im o , p ara n ão d izer
52
in sign if ican te. Muit o p o ucas b ruxas fo ram - co m p arat ivam en t e falan d o -
queim ad as n a P en ín su la I b ér ica85.
I sto é devido a uma série de fatores. O primeiro - e o mais
patente dentre eles - é a excessiva atenção dada, pela Inquisição ibérica num
todo, ao problema dos judeus conversos. Preocupada em rastrear e punir os
delitos dos judaizantes, os Tribunais portugueses e espanhóis não enfat izaram
a repressão à bruxaria.
A tal peculiaridade soma-se o fato de que a Península Ibérica foi
afetada em menor intensidade pelo discurso demonológico que grassava por
todo o continente europeu, impulsionando a caça às bruxas. Inclusive, para
Portugal, não há uma produção demonológica no sent ido clássico do termo -
algo como os famosos t ratados como o Malleus e outros congêneres.
Segundo Laura de Mello e Souza, os elementos demonológicos não possuem
uma tratadíst ica própria em Portugal, aparecendo dispersos ao longo da
literatura religiosa86. Tais elementos se encontram pulverizados entre os
manuais de confessores, catecismos e tratados de teologia moral - os quais,
segundo Bethencourt , por usarem uma argumentação baseada no comentário
aos dez mandamentos, aos sete pecados capitais e aos sacramentos, discutem
a feit içaria no âmbito do primeiro mandamento, o "amar a D eus sobre todas
as coisas"87 Q uando da repressão às at ividades demoníacas, os inquisidores
lusos estavam mais preocupados em rastrear o pacto e a adoração ao D iabo
85 Bethencour t apresen ta uma relação dos processados por feit içar ia, magia e bruxar ia pelos Tribunais inquisito r iais lusit anos no século XVI . O número de acusados de bruxar ia é insign ifican te. Cf. Id. ibid. , pp . 302-307.
86 Laura de Mello e Souza, O conjunto : a América d iabólica in Infe rno Atlântico , São Paulo , Companhia das Let ras, 1993, pag. 24.
53
d o que em b uscar evid ên cias d e p ar t icip ação n o sab b at 88. A fraca difusão do
conceito de bruxaria fez com que seus elementos surgissem de forma dispersa
nos processos ibéricos de feit içaria, nunca apresentando um todo consistente.
Para o caso espanhol, a situação apresenta poucas variantes.
Carlos Roberto F. N ogueira mostra que, não obstante a atuação de
inquisidores que possuíam contato mais próximo com a literatura
demonológica clássica, o conceito de bruxaria possui pouca penetração em
território espanhol. Acreditando que as bruxas vinham da vizinha França, os
espanhóis não davam aos casos de bruxaria o tratamento que era dispensado
em outros locais. Segundo o autor, faltaram em E spanha "uma perseguição e
uma doutrinação sistemática" que pudessem levar a "uma 'bruxomania'
generalizada"89.
87 Bethencour t , op.c i t. , pag. 20. 88 Laura de M. e Souza, E m torno de um mito : a elipse do sabá in op. c i t. , pag. 167. 89 N ogueira, A Mig raç ão do Sabbat , t exto inédito , mimeo, pag. 7. Agradeço , aqui, a
gen t ileza do autor em franquear-me o acesso a est e estudo .
54
CAPÍT U LO 3
- PO LÍTICA PO MBALIN A E IN Q UISIÇÃO -
I - PAN O RAMA D O P O RT UG AL PRÉ -PO MBALIN O
- B re ve H is tó ric o d a Go ve rnaç ão P o m balin a
No século XVIII, Portugal vivia uma situação de defasagem em relação ao
resto da Europa e, em certa medida, face à Espanha. Defasagem esta que ocorria ao nível da
cultura, das idéias, da política e economia. Era como se em Portugal as mudanças custassem a
acontecer.
Portugal ocupou posição de ponta no desenvolvimento político, econômico e
social da Europa no início da Idade Moderna, graças a um precoce processo de
"modernização" que teve em seu bojo os progressos da navegação, a expansão ultramarina, a
55
formação do Estado absolutista, estando na vanguarda dos acontecimentos no período que vai
de fins do século XV a princípios do XVI90.
Contudo, por um processo histórico cuja discussão foge ao âmbito desta
pesquisa, encontramos esse florescimento como que cristalizado. A Península Ibérica - e,
notadamente, Portugal - encalacrara-se em si mesma contra quaisquer novidades vindas de
fora, que eram imediatamente associadas, pelo pensamento eclesiástico vigente, à heterodoxia
e à heresia. Tudo que vinha do exterior constituía-se em potencial ameaça à ordem
estabelecida. Este casticismo, "francamente dominante nos círculos dirigentes", possuía
aversão a qualquer tipo de novidade européia e, paradoxalmente, cultivava o exotismo do
Oriente91.
Uma combinação entre os instrumentos de manutenção da ortodoxia -
notadamente, a Companhia de Jesus e a Inquisição - e o Estado atuou no sentido de proteger
Portugal contra tudo aquilo que o desviasse das diretrizes do concílio tridentino, bem como
contra a "modernidade" que trazia em si o espírito matemático e naturalista, a secularização e
o racionalismo - elementos que, em Portugal, foram rejeitados a priori92. Segundo Francisco
Falcon - autor de obra já tida como clássica para o estudo do período pombalino -, o resultado
deste fechamento é
"Uma visão do mundo completamente toldada, ensimesmada, fechada ao
exterior, mais distante do que nunca da 'teoria do progresso' que avança além-Pirineus: visão
essa que se afirma e fortalece na medida exata em que se contrapõe ao outro, o herege, o
estrangeiro; fato que irá justificar plenamente, aos seus olhos, a autodefesa com os aparelhos
repressivos, políticos e ideológicos, de que dispõe93.
90 Sobre este f lo rescimento , ver H is tória de Portug al vo lume 3 - N o Alvorec er da Modernidade , coordenação de Joaquim Romero Magalhães, Lisboa, E ditor ial E stampa, s.d .
91 H is tória de Portug al vo l 4 - O Antig o Re g ime , Lisboa, E ditor ial E stampa, s.d ., pag. 24.
92 Francisco José Calazans Falcon , A É poca Pombalina , São Paulo , Át ica, 1982, pp . 149ss. Ver t ambém A. H . de O liveira Marques, H is toria de Portug al , Cid . Mexico , Fondo de Cultura E conomica, 1984, v. 1, pag. 300. O concílio de Tren to encont rou resist ências das monarquias absolut ist as no que t ange, p r incipalmente, à just iça eclesiást ica e à subordinação ep iscopal a Roma. E m Portugal t ambém não fo i d iferen te, t endo as medidas t r iden t inas, apesar de ráp ida aceit ação , uma implan tação morosa. Ver H is tória de Portug al v. 3, pag. 291.
93 Falcon, op . cit ., pag. 154.
56
Portugal parara no tempo, permanecendo estacionado na mentalidade
tridentina, perdendo o avanço dos acontecimentos no todo europeu. Ainda segundo Falcon, é
somente no século XVIII que esta situação mudará. Os esforços de mudança apresentam-se
ainda timidamente sob o reinado de D. João V (1706-1750), porém assumem força total no
reinado de D. José I (1750-1777), procurando abrir Portugal (ainda que tardiamente) à
modernidade européia.
57
Concluindo: é um Portugal dominado pelo pensamento eclesiástico - mais
palpavelmente materializado pela massiva presença da Companhia de Jesus no controle da
educação, da produção cultural e ideológica (bem como seu extenso poderio econômico);
iluminado ainda pelas insistentes chamas dos autos-de-fé que teimavam em afugentar do país
uma importante e endinheirada burguesia cristã-nova; enfraquecido no que tange ao poder real
e administrativo, que D. José herda de seu antecessor, em 1750. E é contra estas estruturas e
concepções arcaizantes da sociedade portuguesa que o Marquês de Pombal irá se bater,
lançando mão de uma série de ações que visavam fortalecer interna e externamente Portugal,
levando-o a um lugar mais destacado no concerto das nações do século XVIII.
- Ação de Pombal: fortalecer o poder real. . .
Um dos pontos-chaves da política pombalina foi a centralização do poder real,
que vinha enfraquecido desde o final do reinado de D. João V, devido à doença do monarca -
que o afastara do controle mais próximo do Estado. À medida em que tal ocorria, a
aristocracia estreitava laços com o setor burocrático, participando mais efetivamente nas
tomadas das decisões do Estado, enquanto notava-se um declínio da importância política da
burguesia mercantil tradicional (que ocorreu justamente quando esta vinha de um período de
ganhos, propiciados pelo comércio).
58
Com este enfraquecimento do poder real afrouxou-se também o sistema
colonial, na medida em que a presença da Coroa era sentida com menos rigor. Tal fato se
refletia na evasão das rendas do Estado através de contrabandos, sonegações e descaminhos94.
É neste contexto que D. José I ascende ao poder, e com ele Sebastião José, que
posteriormente (quando adquiriu maior proeminência política, após o terremoto de 1755)
passou a encetar esforços no sentido de fortalecer e reestruturar o poder da Coroa, o que
redundaria, diretamente, no aumento de seu próprio poder pessoal. Pombal encarnaria em
Portugal aquilo que, posteriormente, veio a ser chamado de "despotismo ilustrado" ou
"esclarecido"95.
Em busca do aumento do poder real, Sebastião José foi fundamentar-se em
antigo preceito da realeza: o direito divino dos reis. Segundo este, o poder vem diretamente de
Deus, sem passar por qualquer tipo de intermediário humano; assim sendo, a mais ninguém o
monarca deve prestar contas dos seus atos (tão somente a Deus)96. Tal idéia descarta, de início,
a subordinação - característica do absolutismo tradicional - da Coroa à Igreja e à lei comum,
fundada nos costumes e tradições97. Seguindo, pois, esta linha de raciocínio, chega-se à
conclusão de que o rei, então, possui autonomia e prerrogativas inclusive em assuntos de foro
eclesiástico. O monarca é defensor e protetor da Igreja, provedor do bem estar material e
espiritual dos seus súditos.
Devemos levar em conta que este processo de reforço do poder real - para cuja
execução Pombal não mediu conseqüências nem obstáculos - foi contemporâneo à adoção
mais firme, por parte do Marquês, de duas práticas a princípio excludentes e contraditórias: o
iluminismo e o mercantilismo.
É, mais uma vez, Falcon quem mostra o contexto do surgimento do
iluminismo em Portugal, que nos princípios do século XVIII ostentava "o esplendor barroco
da corte joanina e o fanatismo devoto", sustentados financeiramente pela enxurrada aurífera
94 Idem, pp . 371-373. 95 Marques, op . cit ., v.1, pag. 404. Ver t ambém Falcon , D es potis mo E s c larec ido , São
Paulo , Brasiliense, 1987. 96 António Leit e, "A ideologia pombalina: despot ismo esclarecido e regalismo" in VV.AA.,
Como interpre tar Pombal? Lisboa/ Brotér ia; Por to / Livrar ia A.I ., 1983, pag. 31.
59
advinda do Brasil. A contraposição a tal estado de coisas traduz-se no fenômeno do
estrangeiramento, isto é, uma outra perspectiva adquirida por lusitanos que, em contato com
outras nações, idéias, e realidades européias, quer através de estadias e missões diplomáticas,
ou através do contato com estrangeiros, contraiam idéias e atitudes diversas da maioria
comum de então. O choque entre a abertura de visão dos estrangeirados e os castiços era
inevitável. Estes, por sua vez, acreditavam
"numa ident idade portuguesa 'natural' , legível na t radição , peran te a
qual a ún ica at itude po lít ica legít ima era a de uma cont ínua
morigeração , ist o é, uma permanente vigília cont ra a inovação
cont ranatura (nas leis, nos costumes, nos t rajes) e de um constan te
esforço de repr ist inação de uma ident idade - racial, cultural e po lít ica
- p r imeva, a do 'est ilo severo por tuguês an t igo '" 98.
O iluminismo luso nasceu da união de pessoas que representavam uma
corrente de idéias - ainda em formação, quando do reinado de D. João V - "visceralmente
hostil ao provincianismo cultural e político, ao império da escolástica e ao terrorismo
inquisitorial"99, características do casticismo. A partir daí, ensaiaram-se as tentativas de
penetração deste pensamento no seio da sociedade portuguesa, com base em reformas nas
ciências, na educação, na medicina e na justiça. Neste processo destacaram-se, por um lado, a
Academia Real de História Portuguesa (fundada em 1720), que incentivava a pesquisa e o
progresso em diversos campos do conhecimento, como as artes, engenharia e medicina; e, por
outro, os oratorianos no campo da educação100, quebrando o monopólio jesuítico, porém não
o eclesiástico.
No plano econômico, o governo pombalino optou pela adoção de uma política
mercantilista de caráter monopolista. Para livrar Portugal do jugo do comércio inglês e
recuperá-lo do baque sofrido com a queda da produção aurífera brasileira, Pombal investiu no
equilíbrio da balança comercial através do incremento das exportações e controle das
97 Marques, op . cit ., v. 1, pag. 403. 98 H is tória de Portug al , vo l. 3, pag. 19. 99 Falcon, A É poc a ..., pp . 203-204. 100 O prest ígio dos orator ianos, devemos lembrar , vinha já desde o reinado de D . João V.
Pombal perseguiu a congregação do O ratór io devido à sua oposição ao regalismo.
60
importações - procurando, para suprir a escassez de bens industrializados da Inglaterra,
incentivar a indústria nacional. Pombal também recorreu à constituição de companhias de
comércio privilegiadas (Companhia do Oriente, fundada em 1753; do Grão-Pará e Maranhão,
em 1755; de Pernambuco e Paraíba, em 1756) para reforçar o comércio com as colônias e
reestruturar o sistema colonial que, como foi notado, achava-se abalado desde o fim do
reinado de D. João V101.
O mercantilismo monopolista adotado por Pombal deve ser entendido no seio
do processo de incremento do poder do Estado encetado pelo Marquês. Devido a este caráter
do desenvolvimento econômico, o Estado tornou-se parceiro comercial por excelência, o que
fica patente no caso das companhias de comércio, onde são firmadas alianças entre o Estado e
o capital burguês mercantil, notadamente cristão-novo.
Contudo, na segunda metade do século XVI I I os orator ianos realmente ob t iveram êxito no magistér io .
101 Marques, op . cit ., v. 1, pp . 386-387.
61
- . . .E Su bju g ar as O po s iç õ e s .
Como temos demarcado, as ações concretas de Pombal, no sentido de realizar
a inserção de Portugal no concerto das nações do século XVIII, são de reafirmação do poder
real, reorganização do Estado e recrudescimento dos laços coloniais, através de uma maior
circulação comercial e arrecadação fiscal102. Para tal empreitada, Pombal devotou-se à
eliminação de qualquer oposição ao fortalecimento do poder real, fosse ela oriunda de pessoas,
grupos ou instituições, servindo-se de diversas estratégias, que às vezes chegavam à rude
violência. Na esfera da política interna Pombal empenhou-se sobretudo em três frentes de
ação, visando a nobreza, o clero e a burguesia mercantil.
A mais imediata batalha de Pombal foi travada contra a aristocracia senhorial.
Este setor da nobreza, tradicional porque possuidor de antigas linhagens que remontavam à
mais pura nobiliarquia lusitana, estava diretamente ligado à posse da terra e dos mais altos
cargos administrativos e eclesiásticos. Devido a esta predominância, este grupo veio sofrendo,
desde o início do período pombalino, uma política sistemática de humilhações e intrigas por
parte do Marquês, que esperava apenas uma oportunidade para dobrar definitivamente tão
incômodos adversários.
Assim foi com a campanha contra os "puritanos", setor fechado da alta
nobreza que prevalecia-se da pureza de sua linhagem, atestada pelo fato de que estavam todos
ligados ao Santo Ofício através da familiatura, o que, devido aos meticulosos exames
genealógicos exigidos era prova de "limpeza de sangue", além de oferecer ao seu titular grande
status social e privilégios comuns ao cargo103. Alexandre de Gusmão porém, mostrou através
de pesquisas genealógicas, que até mesmo este grupo não estava livre de possuir em suas veias
102 Falcon, A É poc a ..., pag. 374. 103 D aniela Buono Calainho , E m N ome do Santo Ofíc io , D isser t ação de Mest rado
apresen tada à Universidade Federal do Rio de Janeiro , 1992, pag. 31.
62
sangue cristão-novo, pondo assim por terra a arenga de pureza genealógica feita pelos assim
chamados "puritanos"104.
Há, entre os estudiosos do período pombalino, quem explique esta campanha
contra a nobreza tradicional através dos rancores de um passado ligado à pequena nobreza,
por parte do Marquês105. Todavia, por trás deste rancor de classe, deve ser lembrado o fato de
que a aristocracia tradicional, desde o início do reinado de D. José, votou contra o Marquês
reformador e seus colaboradores uma indisfarçada hostilidade, na medida em que as reformas
em prol do reforço do poder do rei iam direto contra a autonomia e prestígio político que
desfrutavam tais nobres106. Por outro lado esta nobreza, que governava Portugal através da
corte, do sistema educacional e dos privilégios no comércio com o Brasil, apresentava-se agora
como opositora a Pombal. Este, por sua vez, era um baluarte da promoção, ainda que um
tanto tardia em relação ao resto da Europa, da burguesia, na opinião de José Augusto
França107.
Porém, como foi assinalado, Pombal esperava uma oportunidade para
desfazer-se do incômodo que esta nobreza senhorial trazia. A chance veio através de um
atentado que feriu o soberano em 1758 - afastando de vez D. José das decisões do reino e
oferecendo a Pombal uma oportunidade ímpar de aplicar profundo golpe na nobreza. Após
rumoroso processo que passou à história como o "dos Távora", e que durou três meses, foram
levados ao cadafalso o Duque de Aveiro, a Marquesa e os Marqueses (pai e filho) de Távora, o
Conde de Autouguia e diversos serviçais das casas de Aveiro e Távora, uma vez que Pombal
conseguira implicá-los no crime de lesa-majestade. Além disso, diversos outros nobres foram
presos ou fugiram, por causa das repercussões do caso. Ao ceifar a fina-flor da aristocracia
tradicional em espetáculo sangrento em praça pública, Pombal consegue dobrá-la. E
aproveitando a oportunidade oferecida pelo processo, procurou implicar os jesuítas no
complô, o que não se sustentou por absoluta falta de provas108. A nobreza de corte que restara
104 Falcon, A É poc a ..., pags. 325 e 377. 105 Como é o caso de uma b iógrafa de Pombal. Ver August ina Bessa-Luís, Sebas tião Jos é ,
Rio de Janeiro , N ova Fronteira, 1990. 106 Falcon, A É poc a ..., pag. 377. 107 José Augusto França, Lis boa Pombalina e o I luminis mo , Lisboa, Livrar ia Bert rand,
s.d ., pags. 228 e 232. 108 Marques, op . cit ., v.1, pag. 418; Visconde de Carnaxide, O Bras i l na Adminis traç ão
Pombalina , São Paulo / Companhia E ditora N acional; Brasília/ Inst ituto N acional do Livro , 1979, pag. 11 e Falcon , A É poca ..., pp . 377 ss.
63
de tal expurgo, segundo um irado Visconde de Carnaxide, "incensava o Conde de Oeiras com
baixa e servil bajulação", mostrando assim sua submissão a Pombal109.
Tal golpe na nobreza tradicional da dinastia de Bragança foi sucedido pela
promoção de uma nobreza renovada, oriunda dos escalões de funcionários burocráticos, mais
aptos ao novo estilo e ritmo do Estado pombalino; da pequena nobreza,de onde o próprio
Pombal saíra, devemos lembrar, e dos setores mercantis. Inclusive, um indício significativo da
nova importância da burguesia mercantil no jogo de poder é o enobrecimento da atividade
comercial, firmado em alvará de 1757110.
A nobreza tradicional foi decaindo em importância e prestígio, e Pombal
encarregou-se de perseguir e dizimar os dois grupos que ainda possuíam alguma força: os
fidalgos rurais -muitos deles voluntariamente exilados no campo, por ocasião das perseguições
movidas por Pombal - e a aristocracia envolvida com negócios e cargos ultramarinos. Desta
forma, assistiu-se a uma ampla renovação dos quadros aristocráticos, durante o reinado de D.
José. Nos vinte e sete anos que durou tal governo, foram outorgados 23 títulos novos, e
extintos outros tantos. Segundo Oliveira Marques, "de uns 70 títulos existentes em 1750,
foram renovados 23"111.
Outra frente da ação pombalina consistiu nos embates contra o clero. Dado o
peso da Igreja, dominante em todos os campos da sociedade portuguesa, era de se esperar a
ocorrência de tal conflito. Afinal, a autonomia do clero e o sucesso de sua atuação, presente
com eficácia desde os mais microscópicos níveis da sociedade, como as comunidades e
famílias, até o âmbito das relações internacionais, devia-se aos diversos privilégios que possuía,
e que lhe valiam posição preponderante na estrutura social portuguesa. O poder da Igreja
chegava a tal ponto que sobrepujava, em termos de identificação, o da nacionalidade:
" 'Português' e ' cató lico ' to rnam-se (...) iden t idades inseparáveis. Mas,
como os meios de produção da iden t idade cató lica eram muito mais
eficazes e abrangentes do que os mecanismos de produção de uma
109 Carnaxide, op . cit ., pag. 15. 110 Colec ção das Le is , D ec re tos e Alvarás que Compre ende m o Fe liz Re inado de l Rey
Fide lis s imo D . Jos é I N os s o Senhor, Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1771, tomo I .
64
id en t id ad e gen t ílica (nationalis) o u r e in íco la , o q u e se p assava e r a q u e ,
d e fa t o , a cat o lic id ad e m in ava co n t in u am en t e es t as ú lt im as" 112.
O clero possuía grande autonomia, advinda de sua elaborada e rígida rede
organizacional. Contava com justiça própria, isenções fiscais, isenção do serviço militar; suas
propriedades eram consideradas locais de imunidade, para efeitos de justiça comum. A Igreja
era, por sua vez, extremamente rica, dominando terras e cidades, como propriedades
eclesiásticas ou como senhorios, na Metrópole e nas colônias; dominava a educação,
moldando "as formas de pensamento características da ideologia dominante", que continha a
marca do clericalismo113. Somado a estes fatores, vem o fato de que a alta cúpula do clero
constituía-se num "braço" eclesiástico da aristocracia, uma vez que a grande parte dos seus
membros originava-se de casas nobres, continuando, assim, em uma outra esfera, os embates
de Pombal contra esse grupo114.
Para reduzir a influência do elemento clerical e manietá-lo ao seu esquema de
poder, Pombal fez uso de um regalismo exacerbado, que reafirmava as prerrogativas do
monarca como mantenedor do bem estar espiritual dos seus súditos. Na própria
documentação real, o soberano apresenta-se como "protetor e defensor" da Igreja nos reinos e
senhorios de Portugal, colocando o Trono acima de todas as outras instituições, enquanto
guardião da paz e bem-estar social, afirmando que
" ...como Rei, Senhor Soberano , que na t emporalidade não reconhece
na t erra superior , toda a livre independência, sem a qual nem a
Monarquia, nem a sociedade civil dos povos, que à s ombra do trono
devem g ozar de tranqüi lo s o s s eg o , nem ainda o mesmo estado
eclesiást ico puderam até agora, nem poderão subst ituir ..." 115.
A questão, aqui, era de secularização do poder. Havia que se defender a
autonomia da Coroa face à Igreja, cujo poder era imenso. O que estava em jogo, então, era a
rejeição a uma "concepção sacral da sociedade, isto é, a visão da sociedade civil à imagem e
111 Marques, op . cit ., v. 1, pp . 396-397. 112 H is tória de Portug al vo l. 3, pag. 21. 113 Cit ação de Falcon , A É poc a ..., pag. 81. Ver t ambém H is tória de Portug al, vo l. 3,
pag. 287. 114 E n t re 1701 e 1750, cerca de um terço dos filhos da nobreza, t an to homens quanto
mulheres, ingressava na vida eclesiást ica. Ver H is tória de Portug al, vo l. 3, pp . 366-367.
115 Lei de 2/ 04/ 1768, in Cole cção das Le is ..., t omo I I . G rifo meu.
65
semelhança da sociedade eclesiástica (...) a visão do Estado como braço secular da Igreja"116.
Tratava-se, em outras palavras, do processo de secularização da sociedade temporal, da
redefinição das relações entre sacerdotium e imperium, com a proeminência e tutela deste
último sobre o primeiro.
O regalismo pombalino, de pleno acordo com sua práxis política, visava retirar
o máximo possível da influência do papado sobre a Igreja portuguesa, subordinando-a
diretamente à tutela da Coroa. Este processo levou, inclusive, a episódios extremos como a
expulsão do Núncio Apostólico de Portugal e, conseqüentemente, à ruptura de relações com a
Santa Sé, em 1760. Este regalismo por pouco não acarretou a constituição, em Portugal, de
uma Igreja nacional de direito (porque o foi de fato), que fosse submetida ao rei e
independente administrativamente do papado. O estudioso António Leite atribui tal regalismo
a uma influência da política religiosa de Inglaterra, onde Pombal estivera a serviço dos
negócios portugueses, entre 1738 e 1744, bem como à influência do Jansenismo, corrente
contrária à dos jesuítas, a quem acusavam de laxismo moral. Os jansenistas também eram
adeptos de doutrinas regalistas, sendo hostis ao papado117.
Os fatos evidenciam a estratégia do primeiro-ministro de D. José, que era de
eliminar a influência e autonomia política do clero em seu sentido mais amplo, imprimindo um
ritmo mais intenso ao processo de secularização do Estado português. A idéia de Pombal era
submeter de fato a Igreja à Coroa, o que encontra interessante marco na elevação do Tribunal
do Santo Ofício à categoria de Majestade, através do Alvará de 20 de maio de 1769, que
eqüivaleu à total submissão da Inquisição como aparelho de Estado118.
Para esvaziar o poder do clero, Pombal procurou dividi-lo internamente,
investindo nas rivalidades entre as ordens religiosas;fortaleceu o poder do episcopado em
detrimento de sua obediência à Roma, subordinando-o à Coroa através de nomeações régias;
procurou esvaziar financeiramente a Igreja (vide o confisco de bens da Companhia de Jesus,
após sua expulsão de Portugal), o que seria providencial face ao estado combalido em que se
achavam as finanças da Coroa; suprimiu em grande parte a abrangência do sistema
116 José Sebast ião da Silva D ias, "Pombalismo e t eor ia po lít ica" in Cultura, H is tória e Fi lo s o fia , vo l. 1, 1982, pag. 48.
117 Leit e, op . cit ., pp . 38-43. 118 Cole cção das Le is ..., t omo I I .
66
educacional religioso, retirando primeiro aos jesuítas, e depois aos eclesiásticos em geral, o
monopólio da educação e cultura em Portugal, entre outras medidas119.
A última frente de ação diz respeito à burguesia mercantil, que Pombal tratou
de promover. A promoção desta parcela da sociedade estava ligada diretamente ao esforço
pombalino para retirar a economia portuguesa do jugo inglês, consolidado pelo tratado de
Methuen (27/ 12/ 1703), em que Portugal comprometia-se a fornecer, com exclusividade,
vinhos em troca da mesma exclusividade na compra dos bens manufaturados ingleses120. O
tratado dava o monopólio de tráfico e carregamento à marinha britânica, que influía mesmo
nas viagens entre os portos portugueses, tornando Portugal e suas colônias uma grande
feitoria britânica121.
A ação prática de Pombal consistiu em reduzir ao máximo possível o poderio
comercial inglês, através de restrições as mais diversas. Incentivou e protegeu a indústria lusa,
cujo desenvolvimento, originado com a crise econômica de finais do século XVII e guiado
principalmente pelo pensamento colbertista de Duarte Ribeiro de Macedo, em seu Discurso
Sobre a Introdução das Artes no Reino (1675), foi porém cerceado graças ao fim da crise
econômica (1692) e a descoberta de ouro no Brasil (1693-1695)122. Pombal procurou
incrementar o desenvolvimento das indústrias já existentes, como a dos lanifícios, e introduziu
em Portugal outras novas, como a de refino de açúcar123. No âmbito comercial, procurou
monopolizar o comércio interno e ultramarino, através da utilização da prática mercantilista de
119 Falcon, A É poc a ..., pp . 407-408. 120 Colecç ão dos Tratados , Conve nç ões , Contratos e Atos Públicos Ce le brados E ntre
a Coroa de Portug al e as Mais Po tênc ias D es de 1640, Lisboa, Imprensa N acional, 1856-1858, 8 vo ls., vo l. 2, pp 192-207.
121 D iversos autores concordam em que o domínio inglês fo i um dos pr incipais mot ivos para as reformas pombalinas. Assim descreve o Visconde de Carnaxide: N ão fo i o impulso const rut ivo a mola que impeliu a quase to talidade dest as reformas. O que as determinou fo i o desejo de cort ar , aos ingleses, a in fluência que t inham sobre o nosso comércio , e aos jesuít as, o domínio que exerciam sobre a consciência pública , op . cit ., pag.2. Penso que, ao invés de jesuít as , ser ia mais acer t ado o uso da expressão
clero . O h istor iador João Lúcio de Azevedo t ambém at r ibui papel fundamental ao domínio inglês: Pôr t ermo a est a forçada vassalagem da nação ao comércio br it ân ico (...) fo i o pensamento dominante de Sebast ião José de Carvalho , na sua po lít ica econômica , É pocas de Portug al E c onômico , Lisboa, Livrar ia Clássica E ditora, 1973, cap ítulo VI I e pag. 432.
122 Marques, op . cit ., pp . 380-382. 123 Azevedo , op .cit ., pag. 432.
67
companhias de comércio - isto tudo, como seria de se esperar, sob veementes reações de
comerciantes e diplomatas ingleses.
O que nos interessa, neste momento, é o fato de que esta política de Pombal
levou a uma ascensão da burguesia lusitana - mais sensivelmente em seu setor mercantil - que,
embora não tomasse aos estrangeiros a hegemonia do comércio exterior, passou a ter uma
importância que não tivera até então124. Dentro da estratégia pombalina, a burguesia mercantil
atuava como parceira do Estado, injetando capital (principalmente) nas companhias de
comércio. A burguesia, desta maneira, foi protegida e incentivada pelo Estado, o que pode ser
percebido através do alvará de 5 de janeiro de 1757, que eleva ao enobrecimento a atividade
comercial125. E, no âmbito desta proteção à burguesia, estava inserida uma política de
tolerância face a endinheirado setor que corria para o exterior, devido à acirrada repressão
inquisitorial: os cristãos-novos. É com o fito de proteger o elemento converso da burguesia
que Pombal lança mão de uma legislação protecionista, que será em momento oportuno
analisada. Por ora basta afirmar que esta legislação tem como marcos o Alvará de 2 de maio de
1768, que ordena a destruição das fintas dos cristãos-novos (que constituíam fator gerador de
infâmia e mácula genealógica) e a Carta de Lei de 26 de maio de 1773, onde é abolida a
distinção entre cristãos-novos e velhos126. Obviamente a segregação e o preconceito não
desapareceram, continuando presentes, embora de forma escamoteada, no cotidiano
português127. Vale notar apenas mais um fato significativo: esta legislação tolerante -
principalmente a lei de 1773 - ocorre justamente num momento em que a ascensão da
burguesia, inclusive com sua parcela cristã nova, gera fortes reações entre o setor aristocrático.
É Pombal, mais uma vez, a afrontar a nobreza.
Eis aqui, sumariamente expostos, os dados gerais e as linhas-mestras da ação
pombalina: submissão da nobreza e do clero, ascensão da burguesia, combate ao domínio
comercial inglês, combate à crise econômica. Para tamanho esforço, Pombal aumentou o
poder do rei - o que, no fundo, significava aumentar seu próprio poder - e
eliminou/minimizou quaisquer resistências.
124 Marques, op .cit ., pp . 400-401. 125 Cole cção das Le is ..., t omo I . 126 I dem, tomos I I e I I I . 127 Falcon, A É poc a ..., pag. 368.
68
Podemos concluir, então, que a política pombalina, no afã de modernizar o
Estado português, procurou lançar mão, paradoxalmente, de elementos arcaicos, tais como o
mercantilismo colonial monopolista, e modernos - assim eram as idéias e a práxis iluministas
que guiaram o Marquês e seus colaboradores.
O mercantilismo e a ilustração - dois conceitos que, a princípio, soam
antagônicos - foram as pedras de toque da política pombalina de modernização, unindo o
arcaico ao moderno. E é nesse contexto que devemos inserir o progressivo controle da
Inquisição por parte de Pombal.
I I - PO MBAL, O S JESUÍTAS E A INQ UISIÇÃO
Vimos, em linhas gerais, o projeto regalista de Pombal em relação à Igreja.
Observamos algumas etapas deste processo, bem como umas poucas estratégias de ação do
Marquês, além de notarmos a enorme importância e peso do clero no Portugal que seria
reformado.
Encetaremos, doravante, a análise de dois aspectos cruciais da política
pombalina em relação à Igreja - análise esta que será de fundamental importância para que
69
melhor se entenda a contextualização da visitação inquisitorial ao Grão-Pará. Os dois aspectos
que estudaremos são: a aniquilação da Companhia de Jesus, e a submissão do Santo Ofício ao
aparelho de Estado.
- Contra os Jesuítas
Bastante controverso, dentro da historiografia pombalina, é o
tema da campanha de aniquilação da Companhia de Jesus. E xistem diversas
explicações para os motivos de tal supressão, que variam de pesquisador a
pesquisador - nuances estas motivadas, inclusive, por filiações e posturas
ideológicas e religiosas.
Francisco Falcon enquadra a luta contra os jesuítas em uma
estrutura ampla, que abrange o nível polít ico-cultural-ideológico. Segundo
Falcon, a querela ant ijesuít ica expressa a rejeição ao domínio da Igreja - que,
como foi visto, t inha em seu corpo dirigente um "braço clerical" da
aristocracia - em todos os níveis, principalmente o polít ico. Representou
ainda o enfrentamento da "nova ordem" pombalina, secularizada e ilustrada,
contra a "velha ordem" lusa, clerical até a medula, t ípica do "atraso" em que
vivia Portugal:
"O combate an t ijesuít ico fo i a luta em pro l da afirmação de uma
autor idade real, civil, laica, sobre uma autor idade eclesiást ica que
viera at é en tão mantendo e ampliando sua in fluência e seu cont ro le,
dos mais completos por sinal, por in termédio de seus homens e de
suas idéias, sobre a sociedade e o E stado , moldando-os à sua
imagem, p lasmando-os segundo seus pr incíp ios, sua ideo logia, e
70
m an t en d o v igilân c ia in cessan t e co n t r a t o d o s e co n t r a t u d o q u e se
co n s t it u ís se em am eaça a u m a t a l h egem o n ia" 128.
Seguindo, pois, as idéias de Falcon, conclui-se que o problema
era a eliminação do difusor de um modelo mental/ ideológico/ cultural
arcaico, que suprimia a possibilidade modernizadora em Portugal. Igualmente
digno de nota é o fato de que o E stado redefinia sua posição, impondo-se à
mentalidade dominante, fazendo com que os conflitos, paulat inamente,
crescessem em intensidade. E sta foi uma decorrência natural do processo de
secularização do E stado e sociedade lusos, iniciado ainda no reinado de D .
João V e enfat izado no reinado de D . José I .
Segundo o estudioso António Leite, o motivo da campanha de
supressão à Companhia de Jesus teria sido a
"oposição que sobretudo aqueles religiosos manifestavam cont ra as
idéias menos or todoxas, ou mesmo francamente heterodoxas dos
jansenist as e dos regalist as" 129.
Trata-se aqui, certamente, de resistência à polít ica do E stado
para com a Igreja.
A Companhia de Jesus, realmente, ramificava suas at ividades e
constituía-se em elemento de peso nos mais variados aspectos da sociedade
portuguesa. A começar por uma notável proeminência no campo da educação,
onde a ordem era senhora absoluta até 1708, ano em que, por concessão
régia, foi reconhecido às escolas oratorianas o mesmo s tatus desfrutado
pelos colégios jesuít icos. N ão obstante tal fato, o peso da Companhia de
128 Idem,pp . 424-425. 129 Leit e, op . cit ., pag. 53.
71
Jesus n a ed ucação co n t in uava a ser p red o m in an t e n o P o r t ugal d o sécu lo
XVI I I . A o rd em co n t in uar ia, ain d a p o r algum t em p o , p lasm an d o a fo rm ação
cu ltu ral e in t elect ual d as elit es p o r tuguesas.
As reaçõ es m ais en érgicas - e efet ivas - ao gran d e p o d er d e fo go
d o s in acian o s n o que t an ge ao b in ô m io ed ucação / cu ltu ra t iveram lugar
d uran te o p er ío d o p o m b alin o . E m co n t rap o sição ao esquem a p ed agó gico
jesu ít ico , P o m b al ad o t a o Ve rdad e iro M é to d o d e E s tud ar, d o P e. An t ô n io
Vern ey (um ex-in acian o que en gro ssara as f ileir as d o O rat ó r io ), cu ja p ro p o st a
é d e um a ed ucação lib eral, eclét ica e cr ist ã - b em d e aco rd o co m a t em át ica
o rat o r ian a, e d ivergen t e d a jesu ít ica. F o i est e p r im eiro ch o que que ab r iu
p assagem p ara um co m b ate m ais efet ivo à Co m p an h ia. N as p alavras d e
F alco n , "o que est ava em jo go (.. .) era a quest ão d e sab er quem , af in al d e
co n t as, a I greja o u o E stad o , d et erm in ar ia o s m ét o d o s e o s co n t eúd o s d o s
p ro cesso s ed ucat ivo s" 130. E ssa ruptura representou a derrocada de um grupo
de intelectuais, sintonizado com a aristocracia senhorial, e que deveria ser
substituído por outro, mais de acordo com o novo perfil do E stado luso.
Falcon lembra a importância deste embate pelo controle da educação, pois
este consist ia "a base (...) da formação das mentalidades, mais ainda, da
formação dos intelectuais: os dois aspectos a serem transformados, uma vez
libertos da tutela dos jesuítas"131.
E foi a part ir do choque no campo da educação que o combate
ant ijesuít ico adquiriu maior extensão, part indo para outros aspectos - o
130 Falcon, A É poc a ..., pag. 209. 131 I dem, pag. 430.
72
p o lít ico e o eco n ô m ico . N o que d iz r esp eit o a est e ú lt im o , a o rd em era um a
p o t ên cia d e p r im eira gran d eza. Seus b en s, en t re m ó veis e im ó veis, so m avam
cab ed al co n sid erável, t an t o n o rein o quan t o n as co lô n ias. N estas, in clusive, a
p ro sp er id ad e d a o rd em era m aio r ain d a, o que p o d e ser at est ad o p ela gran d e
quan t id ad e d e en gen h o s, fazen d as e ald eam en t o s co n t ro lad o s e exp lo rad o s
p elo s in acian o s132. Tal bonança material t razia, a reboque, considerável
influência polít ica - tanto no reino quanto nas colônias, obviamente. E m
Portugal, esta influência reflete-se no singular fato de que foi com a ajuda do
confessor real, pe. José Moreira - um jesuíta - que o futuro Marquês de
Pombal (então o ainda semi-obscuro Sebast ião José de Carvalho e Melo)
entrou, em 1750, para o serviço da Coroa133. N o Brasil, o poderio secular da
Companhia de Jesus é traduzido pelas queixosas palavras do governador do
estado do G rão-pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, ao
seu irmão - que era ninguém menos que o próprio primeiro-ministro de D .
José I . Furtado escrevera que os religiosos "se fizeram senhores absolutos
deste grande estado" e que "cada religião [i. e., ordem religiosa] destas forma,
em si mesma, uma república"134 emperrando, destarte, o progresso material e
a colonização daquela região. Já havia passado o tempo em que a milícia dos
Soldados de Cristo agia em sincronia com os interesses da Coroa portuguesa,
132 Um ligeiro parên tesis: no G rão-Pará do século XVI I I , destoando da pobreza geral dos colonos, encont ra-se a prosper idade das t er ras jesuít icas, cujas aldeias e fazendas eram as ún icas empresas a progredirem efet ivamente naquele r incão da co lônia. Apenas no G rão-Pará - onde a in fluência da Companhia de Jesus mais se fazia sen t ir -, à época da expulsão , em um levantamento parcial, os jesuít as possuíam 25 fazendas de gado , 3 engenhos e uma o lar ia (sem contar as rendas advindas dos aldeamentos). Cf. Manoel N unes D ias, "E st ratégia "pombalina de urbanização do espaço amazônico" in Como Inte rpre tar Pombal?, pp . 321-323. E ste aspecto da questão jesuít ica será analisado mais detalhadamente em capítulo poster ior .
133 H élio de Alcântara Avellar , H is tória Adminis trativa do Bras i l , D ASP - Cent ro de D ocumentação e Informát ica, 1970, vo l. V, pp . 18-19.
73
co lo n izan d o alm as e t er ras: o s jesu ít as, n est es n o vo s t em p o s, t o rn aram -se
p er igo so s co n co r ren tes e ad versár io s d o E stad o lusit an o .
P o m b al en cet o u , en tão , um a guer ra sem quar t éis co n t ra a
Co m p an h ia d e Jesus que, d e aco rd o co m d iverso s estud io so s, t eve seu in ício
co m a resist ên cia ap resen t ad a, p o r p ar t e d o s in acian o s, ao T rat ad o d e Mad r i,
f irm ad o em 1750 co m a E sp an h a, e que d em arcava as f ro n t eiras ao su l d o
Brasil, e que ren d eu um co n f lit o arm ad o en t re o s d o is p aíses135. A part ir deste
episódio, nota-se o surgimento de uma polít ica de descrédito e
enfraquecimento paulat inos dos jesuítas. Assim é que Pombal procurará
implicar os inacianos em qualquer ato de desordem social, como os distúrbios
populares ocorridos no Porto, em 1757. Mas a querela só assumiu ares de
guerra declarada após a tentat iva de regicídio em 1758 - quando Pombal
tentou, infrut iferamente, ligar os inacianos ao atentado136.
A campanha nsist iu no emprego de uma legislação opressiva,
bem como no uso de uma incansável máquina de propaganda. E clesiást icos e
intelectuais ligados a Pombal produziram uma verdadeira enxurrada de cartas,
opúsculos, panfletos e livros onde atacavam a Companhia de Jesus de todas
as maneiras possíveis. O monumento maior desta campanha difamatória é
sem dúvida a obra int itulada D edução Cronológ ica e Analítica (1767-1768),
134 Marcos Carneiro de Mendonça (comp.), A Amazônia na É poca Pombalina, t omo 3ª, Rio de Janeiro , I H G B, s.d ., pag. 154.
135 Colle cç ão dos Tratados ..., vo l. 3. D ent re os estudiosos que concordam com a idéia de a resist ência ao t rat ado de limites est ar na gênese da querela an t ijesuít ica, ver a obra do Visconde de Carnaxide, já cit ada, pag. 16; Avellar , op . cit ., pp . 25-26; António Leit e, op . cit ., pag. 50.
74
d e Jo sé d e Seab ra e Silva, cu ja au t o r ia, p o rém , é p o r vezes at r ib u íd a ao
p ró p r io P o m b al, co m a ajud a d e co lab o rad o res137.
N o campo das medidas de efeito mais imediato e prát ico, Pombal
ret irou aos missionários do N orte do Brasil - dos quais a esmagadora maioria
era de jesuítas - a jurisdição temporal sobre as aldeias indígenas, tolhendo-os
também dos benefícios advindos da intermediação do comércio com os
indígenas (o que significou minar economicamente a Companhia). N o mesmo
ano em que ret irava este poder aos jesuítas - para ut ilizarmos de maior
precisão, é no mesmo dia (6 de junho de 1755) -, Pombal inst ituiu a
Companhia G eral do G rão-Pará e Maranhão, com o fito de bloquear a
at ividade comercial dos religiosos, bem como incrementar a colonização e o
progresso material da região N orte do Brasil, cuja situação precária dera ao
seu governador motivos para tantas queixas138.
O próximo grande golpe ocorre também em terras do N orte
brasileiro - grande palco da rixa entre Pombal e a Companhia de Jesus,
justamente por ser este o local onde o poder desta últ ima mais resistências
opunha à Coroa portuguesa. Ao mesmo tempo em que tomou aos inacianos a
administração temporal dos aldeamentos indígenas, at ravés da lei de
6/ 6/ 1755, Pombal implementou uma polít ica de substituição do modelo de
organização social jesuít ico, que é manifestada através do D irectório dos
136 O Visconde de Carnaxide é quem t rata do assunto em termos de guerra declarada. Ver op . cit ., pag. 16.
137 D eduç ão Crono lóg ica e Analí tic a , dada à luz pelo D r . José Seabra da Silva, Lisboa, O fficina de Miguel Manescal da Costa, 1767-1768, 3 vo ls.
138 Leis de 6 e 7/ 6/ 1755 in Colecç ão das Le is ..., t omo I .
75
Ín d io s d o Grão -P ará e M aran hão 139. N este D irectório está o programa de
"saneamento" das antigas aldeias jesuít icas, a começar pelo seu próprio
s tatus : as aldeias devem ser t ransformadas em vilas, e devem ter o governo
entregue aos chefes indígenas, auxiliados "pelos juízes ordinários, vereadores
e mais oficiais de just iça"140; o uso da língua geral deve ser proibido, ficando
os índios obrigados a aprender o português - procurando acabar, assim, com
o monopólio da comunicação com os índios exercido pelos jesuítas 141, entre
outras medidas.
Após ret irar dos religiosos a administração temporal dos
aldeamentos indígenas - mão-de-obra cuja exploração levou a um conflito
protagonizado pelos inacianos, de um lado, e os colonos (representados por
Francisco Xavier de Mendonça Furtado) de outro142 -, Pombal, através de lei
de 3 de setembro de 1759, expulsa a Companhia de Jesus do reino de
Portugal e colônias, assegurando para o combalido erário real os bens
confiscados à ordem, que são
"Todos os bens t emporais consist en tes em móveis (não dedicados
imediatamente ao culto d ivino), em mercadorias de comércio , em
fundos de t er ras, e casas, e em rendas de dinheiros" 143.
Aquisição esta deveras importante, dada a riqueza dos inacianos
tanto em bens móveis quanto imóveis, e as dificuldades pelas quais passava o
tesouro real, esvaziado com o decréscimo da produção aurífera brasileira e
139 D irec torio que s e de ve obs e rvar nas Povoaç ões dos Indios do Pará, e Maranhão enquanto Sua Mag e s tade não mandar o c ontrário , Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1758. H á um exemplar inser ido em Colecç ão das Le is . . . , t . I .
140 I dem, pag. 1. 141 I dem, pp . 4-5. 142 Falcon, A É poc a ..., pag. 379. 143 Alvará de 25/ 12/ 1761, in Colecç ão das Le is ..., t . I I .
76
co m as sucessivas d esvan tagen s ad vin d as d a d esigual r elação co m ercial an glo -
lusit an a que est ava, n as p alavras d e J. Lúcio d e Azeved o , "n o sign o d e
Met h uen " ; aliad o s a excessivo s gasto s d a p ró p r ia Co ro a lusa144.
Após a supressão da ordem em Portugal, Pombal começou uma
campanha junto ao papado - coadunada por França e E spanha - para
conseguir sua ext inção. Como o Sumo Pontífice, por motivos que punham em
jogo sua própria autoridade enquanto chefe da Igreja, mantivera-se surdo aos
rogos do Marquês, arranjou-se um pretexto para que fossem cortadas, por
parte de Portugal, as relações com a Santa Sé - que consist iu na recusa do
N úncio Apostólico em prestar homenagem ao casamento da infanta D . Maria,
em 1760. G raças ao ato de não acender as luzes de sua fachada em
comemoração às bodas da futura rainha (em protesto contra a polít ica
regalista e que vinha sendo prat icada), o N úncio fora expulso de Portugal,
acompanhado de uma "decorosa, e competente escolta militar"145, e as
relações com Roma foram rompidas.
D urante o tempo em que as relações com a Santa Sé ficaram
interrompidas, o próprio Marquês constituíra-se chefe da Igreja portuguesa,
sendo que as decisões pert inentes à vida religiosa passaram a ser de
competência do episcopado que, graças à polít ica regalista do primeiro-
minist ro josefino, estava subordinado à Coroa. Segundo J. Lúcio de Azevedo,
144 A expressão é o t ítulo do cap ítulo VI I de É poc as de Portug al E c onômico . Para a questão do confisco de bens como um paliat ivo para os apuros financeiros da Coroa lusit ana, ver pe. Manoel Antunes, "O Marquês de Pombal e os jesuít as" in Como Inte rpre tar Pombal?, pag. 132, e Carnaxide, op . cit . , pag. 59.
145 "Car ta que por ordem de Sua Majestade escreveu o Secretár io de E stado D . Luiz da Cunha ao Cardeal Acciaio lli para sair da cort e de Lisboa" (14/ 6/ 1760) in Colecç ão das Le is ..., t omo I .
77
"a auto n o m ia religio sa d a n ação era, p o d e-se d izer , co m p let a, e o m in ist ro
o n ip o t en te, em tud o a ela r esp ect ivo , suger ia, in t ervin h a e d isp un h a" . O au t o r
lem b ra ain d a as r esist ên cias, p o r p ar t e d a p o p ulação e d e f ração d o
ep isco p ad o , a est a p o lít ica, em vir tud e d o fo r t e "esp ír it o ro m an ist a" a
im p regn ar o cat o licism o p o r t uguês, o que, co m t o d a cer t eza, fo i o
r esp o n sável p ela n ão cr iação d e um a I greja n acio n al em P o r tugal146.
N este meio tempo, enquanto exercia as funções de chefe da
Igreja portuguesa, Pombal cont inuava a agir em prol da ext inção da ordem
inaciana. Ignora, proscreve e anula, por lei de 6 de maio de 1765, o Breve
Apostolicum Pascendi , no qual Clemente XII I afrontava Pombal ao rat ificar
a Companhia de Jesus. N a lei, Pombal ordena rigorosas punições a quem siga,
possua o texto ou difunda o Breve147. E m 1766 os esforços diplomáticos de
Pombal junto às cortes de França e E spanha surt iram efeito, e as t rês
potências se uniram na campanha Adesão esta que, segundo Carnaxide, teria
custado uma considerável soma ao tesouro português148. Assim, as t rês Coroas
lançaram-se conjuntamente a uma formidável campanha diplomática junto a
Clemente XII I , que permanecia irredut ível. N este ínterim é publicada, em
Portugal, a célebre D edução Cronológ ica e Analítica, onde os jesuítas são
acusados - desde a sua entrada em Portugal - de todas as mazelas, atrasos e
desgraças que o país sofria, denunciando assim os erros em que incorriam os
146 J. Lúcio de Azevedo, O Marquê s de Pombal e s ua É poca , Rio de Janeiro , Anuár io do Brasil, 1922, pag. 286.
147 Lei de 6/ 5/ 1765 in Colec ção das Le is ..., t omo I I . 148 Carnaxide, op . cit ., pag. 18.
78
"p erver t id o s e d ep ravad o s religio so s" (co m o P o m b al co m um en t e d esign ava o s
in acian o s)149.
D ada a inflexibilidade do papa, Pombal maturou a idéia de,
at ravés do uso de t ropas portuguesas, francesas e espanholas, forçar o
pont ífice a extinguir a Companhia de Jesus, conforme fica patente no
seguinte trecho:
"Como parece que será necessár io , (...) se reduzir a Cúr ia de Roma
pela via da força à razão , que dela se não pode esperar , já por meios
mais suaves: D evendo ocupar-se as t emporalidades do E stado
E clesiást ico e da Cidade de Roma, com as armas, como é muito
fácil..." 150.
Proposta que não encontrou eco nos aliados de Portugal. E m
1768, morre Clemente XII I . O novo papa, cardeal G anganeli (que assumiu em
1769 o nome de Clemente XIV), tomou a si o compromisso de ext inguir a
Companhia de Jesus, face às ameaças de não-reconhecimento de sua
autoridade por parte das três Coroas. D esta maneira, através da Bula
D ominus Redemptorum , de 21 de julho de 1773, ficava extinta a
Companhia, fundada em 1540 por Ignácio de Loyola.
As relações entre Portugal e a Santa Sé foram reatadas em 1769,
por ocasião do compromisso assumido por Clemente XIV. Segundo o
Visconde de Carnaxide, "o núncio Conti foi recebido no reino com
manifestações extraordinárias de regozijo, tanto oficiais, como espontâneas,
vindas do povo". E D . José, "liberto do susto de andar desgarrado da Igreja
149 Ofíc io do Marquês de Pombal (2/ 5/ 1759), BN RJ-SM, cod. 48,13,49. 150 Ofíc io do Conde de Oe iras a Aire s de Sá e Me lo (1767) apud Carnaxide, op. c i t .,
pag. 20.
79
ro m an a" , co n fere a Seb ast ião Jo sé o t ít u lo d e Marquês d e P o m b al151.
Terminava, desta maneira, a breve experiência - ainda que não declarada - de
uma Igreja nacional portuguesa. Acabava também a Companhia de Jesus: a
princípio elemento importante na colonização, parceira do E stado, bast ião da
Contra-Reforma; posteriormente, incômodo adversário polít ico e econômico,
concorrente da Coroa na empreitada do comércio colonial. Representante do
poderio polít ico da Igreja, que a todo custo deveria ser reduzido e subjugado.
Resquício, também, de um tempo obscurant ista e de atraso - assim como a
Inquisição - que não t inha mais lugar no projeto pombalino de levar Portugal
às luzes do século, e ao progresso.
151 Carnaxide, idem, pag. 21.
80
- In qu is iç ão e E s tado
Vim o s, em cap ít u lo an ter io r , o p ro cesso d e in st alação d o San t o
O fício em P o r tugal, co m suas im p licaçõ es so ciais , p o lít icas e eco n ô m icas.
D evem o s, p o r o u t ro lad o , lem b rar que ser ia p o r d em ais in gên uo
p en sar que a in st alação d o T r ib un al n ão en co n t ro u resist ên cias, quer em
P o r t ugal quer em E sp an h a. As vo zes co n t rár ias à in st alação d o San to O fício
fo ram silen ciad as p o r seu fo r t e ap arelh o rep ressivo : Ricard o G arcia-Cárcel
af irm a que, um a vez sup r im id as, p ela p ró p r ia I n qu isição , as cr ít icas
esp an h o las, r est aram o s clam o res d e au t o res est ran geiro s, viajan tes o u en t ão
p ro t est an t es em f ran ca cam p an h a an t i- in qu isito r ial152.
E m Portugal, as opiniões contrárias ao Tribunal foram mantidas
em segredo por seus part ícipes, geralmente diplomatas e indivíduos que
ultrapassaram os Pirineus. António José Saraiva destaca para o século XVII ,
além de Antônio Vieira, o Marquês de N isã (embaixador em Paris), Francisco
de Souza Coutinho (outro embaixador) e D uarte Ribeiro de Macedo (autor do
D iscurso Sobre a Introdução das Artes no Reino ) como opositores do
Tribunal e da perseguição por este movida contra os cristãos-novos como
atesta a correspondência destes personagens153. Também no século XVII foi
redigido um célebre documento, int itulado N otíc ias Recônditas do Modo
81
d e P ro c e de r a Inq uis iç ão c o m o s s e u s P re s o s , d a au t o r ia d e P ed ro Lup in a
F reire, an t igo n o t ár io d o T r ib un al, o n d e são n ar rad o s o s p ro ced im en to s
carcerár io s d o San to O fício , co m o fo rm a d e d em o n st rar o r igo r e a crueld ad e
d o T r ib un al p ara co m o s Cr ist ão s-n o vo s. T al t ext o gero u in t en sas
co n t ro vérsias, n a m ed id a em que fo ra p ub licad o p elo gran d e ad versár io d o
T r ib un al, o jesu ít a An tô n io Vieira, que p ro vavelm en t e lh e d era um reto que
co m seu est ilo t o d o esp ecial - o que lh e valeu a at r ib u ição d a au to r ia d e t al
livro -d en ún cia154.
Porém, é no século XVIII que as crít icas se fazem sentir mais
fortemente. Influenciados pelas idéias iluministas, que viam a Inquisição e os
macabros espetáculos dos autos-de-fé como indícios da mais crassa barbárie,
foram surgindo escritos que materializavam as crít icas. N o pensamento
lusitano, a Inquisição, além de vista como um elemento de atraso cultural, é
também atacada na qualidade de um arcaísmo que entravara o progresso
material do país. Tais idéias encontram-se expressas no Testamento Político
de D . Luís da Cunha (escrito entre 1747 e 1749), nas Cartas de Luís Antônio
Verney155, e no D iscours Pathétique (1756) do Cavaleiro de O liveira, mais
tarde convert ido ao protestantismo e queimado em efígie pela Inquisição156.
Tais escritos revelam as idéias que grassavam entre alguns setores da elite
culta e esclarecida, principalmente entre os estrang eirados , que, graças ao
152 Ricardo G arcia-Cárcel, Oríg enes de la Inquis ic ión E s paño la , Barcelona, Península, 1976, pag. 17.
153 António José Saraiva, Inquis ição e Cris tãos -novos , Lisboa, E stampa, 1985, pag. 198. 154 Ver António José Saraiva, op . cit ., cap ítulo I V. 155 Ver Falcon , A É poca ..., pags 257 e 355, respect ivamente. 156 Saraiva, op . cit ., pag. 197.
82
co n t ato co m id éias n o vas so b ret ud o em F ran ça e I n glat er ra t r aziam p ara
P o r t ugal um a o p in ião co n t em p o rân ea an t i- in qu isit o r ial.
P o r o casião d a ascen são d e D . Jo sé I ao t ro n o , a I n qu isição já
n ão d esen vo lvia suas at ivid ad es n o m esm o r it m o feb r il d e o u t r as ép o cas.
Ap esar d e ain d a t em id a p elo p o vo , so fr ia cr ít icas p o r p ar t e d e d iver so s
seto res d as elit es, e o n úm ero d e co n d en açõ es ia d ecain d o co m o p assar d o
t em p o . O s t r ib un ais d o San to O fício em P o r tugal, em seu co n jun t o - is to é,
Lisb o a, É vo ra e Co im b ra, f izeram o s segu in t es n úm ero s d e co n d en açõ es
d uran te o sécu lo XVI I I , at é a execução d o P e. Malagr id a, em 1761 - a ú lt im a
p en a cap it al ap licad a p ela I n qu isição lusit an a157:
157 D ados ext raídos de José Veiga Torres, Uma longa guerra social: os r itmos da repressão inquisito r ial em Por tugal in Revis ta de H is tória E conómica e Soc ial , 1, 1978, pp 66-68
83
Condenados pelo Santo Ofício Português ao L ongo do Século
X V III
AN O S Lis bo a É vo ra Co im b ra T O T AL
1700-1709 538 262 336 1136
1710-1719 433 187 414 1034
1720-1729 450 221 549 1220
1730-1739 434 120 404 958
1740-1749 428 200 147 775
1750-1759 219 254 161 634
1760-1767 126 75 11 212
N o t am o s, ao an alisar o s n úm ero s d e co n d en ad o s, que est es
p o ssuem , ao lo n go d o sécu lo XVI I I , um a t en d ên cia d ecrescen te, in t er ro m p id a
p o r um a b rusca elevação n o s an o s d e 1720-1729, an o s d e b rusca reação d o
m o r ib un d o T r ib un al, p ara Jo sé Veiga T o r res, e esp ecialm en t e d if íceis p ara a
co m un id ad e cr ist ã n o va d o Rio d e Jan eiro e d as Min as G erais158. N o restante,
a queda de ritmo da at ividade inquisitorial é evidente, se acentuando
bruscamente durante o reinado de D . José I . Tal refreamento se manifesta
84
co m m aio r fo rça, p r in cip alm en t e, d e 1760 em d ian t e, quan d o o San to O fício
já se en co n t rava sub m et id o ao Marquês d e P o m b al.
Co n tud o , m esm o que f ran cam en te d eclin an te e d esacred it ad a
face à so cied ad e euro p éia, a I n qu isição ain d a im p un h a t em o r e r esp eit o
p eran t e o p o vo p o r t uguês. Co n t in uava a servir co m o m eio d e co n t ro le so cial
e, n o en ten d er d e F alco n , "era um a in st it u ição que a m o n arqu ia n ão se
p o d er ia d ar ao luxo d e ext in gu ir " 159. Pombal não poderia prescindir do
Tribunal, devido a suas at ividades policialescas e sua bem organizada e
funcional estrutura. Adotou, aqui, uma via diferente da eliminação (a qual
usou contra os inacianos): preferiu a dominação lenta e segura, uma vez que
o Tribunal poderia ser-lhe ainda de muita valia.
Pombal via, como "estrangeirado" que era, o Santo O fício como
um fóssil do atraso, enquistado no seio de Portugal e at ravancando-lhe o
desenvolvimento. Suas idéias Pombal sobre o Tribunal, bem como as novas
atribuições que este teria, uma vez reformado, foram inspiradas em dois
autores e suas obras: o Cardeal da Cunha (no Testamento Político ) e Verney
(em suas Cartas ). Para o primeiro, a Inquisição era responsável pela penúria
de Portugal, uma vez que fora ela quem provocara a fuga da endinheirada
burguesia cristã nova, enriquecendo, assim, outros reinos; foi também o
Tribunal quem criou um clima de insegurança face aos possíveis invest idores
158 I dem, pag. 58. A respeito dos cr ist ãos-novos f luminenses, ver Lina G orenstein Ferreira da Silva, Inquis ição no Rio de Jane iro Se tece ntis ta: D isser t ação de Mest rado apresen tada à USP, São Paulo , 1993, especialmente pag. 153.
159 Falcon, A É poc a .., pag. 441.
85
estran geiro s. A p ro f ilaxia reco m en d ad a p elo Card eal n ão é a d e ext in ção d o
T r ib un al, e sim sua r efo rm a p o is, n as p alavras d e F alco n , "h á o u t ras id éias
p o lít icas e r eligio sas que est ão a exigi-la" 160. À medida em que preconiza uma
polít ica de tolerância para com os cristãos-novos - segundo a qual o Santo
O fício perderia sua principal razão de ser, uma vez que fora instalado em
Portugal (não devemos esquecê-lo) por causa da questão judaica -, o Cardeal
afirma que a Inquisição deve se voltar para outras esferas de ação, como por
exemplo as idéias perniciosas ao E stado, agindo contra os "que abraçam
novas opiniões, ou errôneas ou herét icas"161. E prossegue:
"O s inquisidores são necessár ios para não deixarem ent rar em
Portugal a var iedade de seit as de que os out ros países são afligidos
pela liberdade que os homens t êm de ler e escrever , d iscursar e
impr imir o que cada um quer ou o seu vicioso juízo lhe insp ira, com
a desgraça de que t an to mais novas são as op in iões, t an to mais voga
t êm os livros que as t razem" 162.
Verney, por sua vez, também advoga uma polít ica de tolerância
para com os cristãos-novos, tendo em vista a sangria de capitais que estes
provocavam com sua saída de Portugal. Também associava o Santo O fício à
barbárie e atraso econômico/ cultural, e pedia a reforma do Tribunal, através
da promulgação de um novo Regimento, onde fosse subst ituído o processo
inquisitorial pelo comum, que providenciasse o fim dos autos-de-fé e sua
submissão ao poder civil, rogando diretamente ao Marquês de Pombal para
que este tomasse as rédeas da situação163.
160 Idem, pag. 257. 161 D . Luís da Cunha, Tes tame nto Po lí tico , São Paulo , Alfa-Ô mega, 1976, pag. 80. 162 D . Luís da Cunha, Ins truções Inéditas a Marco Antônio de Aze vedo Coutinho ,
apud. Falcon , A É poca ..., pag. 328. 163 Saraiva, op . cit ., pag. 201.
86
O p ro cesso d e sub m issão d o San to O fício fo i en t ab u lad o em
d uas f ren t es: um a, a sub m issão d a I n qu isição ao p o d er d o rei, o que se
co ad un ava p len am en te co m a p o lít ica regalist a ad o tad a p o r P o m b al; o u t ra, a
sup ressão d a d ist in ção en t re cr ist ão s-n o vo s e velh o s, o u seja, a r et ir ad a d a
p ed ra d e to que d a ação in qu isit o r ial.
P o m b al to m o u d iversas m ed id as que iam co n t ra a d iscr im in ação
d o s co n verso s em P o r t ugal. E m it iu , em 1768, um alvará o rd en an d o a
ap reen são e d est ru ição d o s ró is co m o s n o m es d o s cr ist ão s-n o vo s que h aviam
co m p rad o p erd õ es e o u t ro s b en ef ício s ao rei - e que eram usad o s co m o
m at er ial d e d ifam ação gen ealó gica - , cu jo s o r igin ais fo ram d est ru íd o s,
r est an d o ap en as có p ias d e d úb ia co n f iab ilid ad e. D est a m an eira, são t ir ad o s o s
créd ito s a t ais ró is , t o rn an d o -se
" T o d as as lis t as igu alm en t e r ep r o vad as p o r D ir e it o , e in d ign as d e
t e r em o m en o r cr éd it o ; n ão só p o r aq u e les v ic io so s o r igin ais , d o n d e
p r o ced er am ; m as t am b ém p o r se r em t r es lad o s d e t r es lad o s , e
t e r ce ir as , q u ar t as , e q u in t a có p ias ext r aíd as sem fé ju d ic ial, n em
fo r m a d e ju ízo ( . . . ) ; a lém d e q u e h aven d o -se q u e im ad o o s m esm o s
v ic io so s o r igin ais , se r ed u z ir am as so b r ed it as có p ias a t e r m o s d e
f icar em im p o ss íve is as co n fe r ên c ias d e las" 164.
O referido Alvará proscrevia ainda a guarda e ut ilização de tais
listas, que deviam ser entregues ao E rário Real para serem destruídas "com
grande pesar dos eruditos", na opinião de A. J. Saraiva165.
164 Alvará de 2/ 5/ 1768 in Cole cção das Le is ..., t omo I I . 165 Saraiva, op . cit ., pag. 205.
87
E m 25 d e m aio d e 1773 é d ad o o c o u p d e g râc e n as leis
d iscr im in ató r ias: at r avés d e Alvará em it id o d o P alácio d a Ajud a, é elim in ad a a
d ist in ção en t re cr ist ão s-n o vo s e velh o s, que h avia sid o in st it u íd a, segun d o o
t ext o , n o "go vern o in feliz d e E l Rei d o m H en r ique" p elo s sem p re p erver t id o s
e d ep ravad o s jesu ít as, que visavam tão so m en t e o fo m en t o d a d eso rd em
so cial166. Uma vez anulada a discriminação, o Alvará ordena a republicação e
execução das leis de D . Manoel (1 de março de 1507) e de D . João I I I (16 de
fevereiro de 1524), que proibiam tal dist inção, e manda reincorporá-las às
O rdenações do Reino. O Alvará também limita a extensão da infâmia dos
condenados, restringindo-a aos seus netos. Anula a legislação discriminatória
anterior e manda punir os que, de sua promulgação em diante, usassem a
expressão "cristão-novo", ordenando que tais pessoas
"Sendo eclesiást icas, sejam desnaturalizadas, e perpetuamente
ext erminadas dos meus reinos (...), como revoltosas e per turbadoras
do sossego público ; para neles não mais poderem ent rar : sendo
seculares nobres, percam pelo mesmo (cont ra eles provado) todos os
graus de nobreza que t iverem, e todos os empregos, o fícios e bens da
minha Coroa, e o rdens de que forem providos, sem remissão alguma:
e sendo peões, sejam publicamente aço it ados e degredados para o
Reino de Angola por toda a sua vida" 167.
E sta lei teve seu complemento em uma outra, datada de 15 de
dezembro de 1774, onde filhos, netos e até os condenados pela Inquisição
(desde que não fossem hereges impenitentes) eram declarados hábeis para
166 Alvará de 25/ 5/ 1773, in Cole cção das Le is ..., t omo I I I . 167 I dem.
88
o cup ar cargo s p úb lico s - in clusive (iro n ia d as iro n ias) d en t ro d a p ró p r ia
h ierarqu ia in qu isit o r ial168.
Houve reações a estas leis, como casos de irmandades que
recusavam aceso aos ex-cristãos-novos. Mas ainda aqui a vontade pombalina
foi mais forte, obrigando as inst ituições recalcit rantes a alterarem seus
estatutos. Pombal conseguira varrer o preconceito da legislação - embora não
da práxis social onde, apesar de tamanho esforço, a mal-disfarçada
intolerância continuava a dar a tônica das relações pessoais -, abrindo o
caminho para a ascensão de uma rica burguesia mercantil. N as palavras de A.
J. Saraiva,
"O que sucedia é que os homens mais in formados e clar ividentes,
sobretudo aqueles que puderam 'abr ir os o lhos' no est rangeiro , se
davam conta de uma realidade que não era já a dos t empos de D .
João I I I e p rocuravam so luções adequadas à nova situação . O modo
de vida senhor ial, assim como a sua base econômica, t inham-se
to rnado subalt ernos e arcaicos num país cada vez mais dominado pela
burguesia mercant il, e a mentalidade burguesa t endia a sair da
clandest in idade para se to rnar dominante" 169.
Pombal, na tarefa de trazer a si o controle do Santo O fício, agiu
com sut ileza: procurou colocar pessoas a si submissas em cargos-chaves do
Tribunal. Uma primeva tentat iva foi a nomeação de D . José, filho bastardo de
D . João VI - meio-irmão do monarca, portanto - para o cargo de Inquisidor
G eral, no longínquo ano de 1758. D . José (o inquisidor) foi, porém, ret irado
do cargo em 1760, devido à sua recusa em se tornar um testa-de-ferro do
168 Lei de 15/ 12/ 1774 in Colec ção das Le is ..., t omo I I I . 169 Saraiva, op . cit ., pag. 201.
89
P rim eiro Min ist ro d e seu real m eio -irm ão 170. Após a renúncia, e por um
interregno de dez anos, permaneceu vacante o cargo de Inquisidor G eral,
sendo o Tribunal gerido pelo Conselho G eral do Santo O fício, que contava,
entre seus membros, com a figura de Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão
do Marquês de Pombal e que dirigia, a part ir do Conselho, o Tribunal de
acordo com os desejos de Sebast ião José.
Findo este intervalo, é nomeado Inquisidor G eral D . João Cosme
da Cunha: agostiniano, bispo de Leiria, arcebispo de É vora, cardeal, membro
do Conselho de E stado, Regedor das Just iças e pau-mandado do Marquês, D .
Cosme foi nomeado - única e exclusivamente por delegação real - em 1769,
permanecendo no cargo até 1783171.
Simultaneamente a este controle indireto do Tribunal, Pombal
lançou mão de todo um aparato legislat ivo a fim de enlaçar, de todas as
maneiras, o Tribunal e subordiná-lo de fato e de direito à Coroa. E m Lei de
1768 é criada a Real Mesa Censória, ocasião na qual é t irado à Inquisição o
poder de censura dos livros - que o Tribunal costumava usar inclusive no
sentido de coibir a entrada de escritos regalistas e laicizantes em Portugal.
O grande golpe, contudo, é dado com o Alvará de 20 de maio de
1769, que confere ao Santo O fício o t ítulo de majestade , com isso alçando-o
170 José Lourenço D . de Mendonça e António Joaquim Moreira, H is tória dos Princ ipais Ac tos e Procedimentos da Inquis ição em Portug al , Lisboa, Imprensa N acional/ Casa da Moeda, 1980, pag. 127.
171 Luís A. de O liveira Ramos, "A I nquisição pombalina" in Como Inte rpre tar Pombal?, pag. 113.
90
à cat ego r ia d e T r ib un al Régio - co isa que, co m o vim o s, já aco n tecia d e fat o
h á algum t em p o . A argum en tação é surp reen d en tem en t e sim p les: um a vez que
o s t r ib un ais d a co r t e r ep resen tam a p esso a d o r ei,
" fo r am sem p r e , e são t r a t ad o s p o r M ajestade, e d e q u e sen d o o
Co n se lh o G er al d o San t o O f íc io u m d o s t r ib u n ais m ais co n ju n t o s , e
im ed iat o s à Min h a Real P esso a, p e lo seu in s t it u t o , e m in is t ér io . . ."
já que o monarca era o mantenedor do bem-estar espiritual dos seus súditos. A
seqüência é, então, lógica: cabe ao rei
"Por bem ordenar , que ao dito Conselho G eral se fale, escreva e
requeira por Majestade, como se prat icou sempre inalt eravelmente
com os do is Tribunais da Mesa de Consciência e O rdens, e da Bula
da Cruzada..." 172
O próximo passo foi dotar o Tribunal de um Regimento que
caracterizasse os novos tempos vividos. O Reg imento de 1774, segundo
Saraiva, "limita-se a legalizar e a sistematizar a situação já de fato criada"173.
As novidades introduzidas com este Regimento foram muitas: o processo
inquisitorial é substituído pelo da just iça comum; acabam os autos-de-fé
públicos; a pena de morte só pode ser aplicada com beneplácito régio; a
existência de pacto com o D emônio e, conseqüentemente da feit içaria são
negadas devido ao fato de não se acharem provas concretas de que o D iabo
aceitara o trato174.
D oravante, a Inquisição perseguirá, declaradamente, os inimigos
do E stado absolutista português: maçons, livres-pensadores, jesuítas - enfim,
172 Alvará de 20/ 5/ 1769 in Cole cção das Le is ..., t omo I I . H á t ambém um exemplar do Alvará em BN RJ-SM, cód. 25,2-9, doc. 63. E xpressões em it álico no or iginal.
173 Saraiva, op . cit ., pag. 206. 174 Cf. Reg imento do Santo Ofíc io da Inquis iç ão dos Re inos de Portug al , Lisboa,
O fficina de Miguel Manescal da Costa, 1774.
91
o s "h erét ico s d e f ilo so f ia" , cu lp ad o s d e cr im es d e o p in ião 175. É a razão de
E stado que guiará assumidamente a ação inquisitorial, como fica claro na
aplicação de torturas - proscritas no novo Regimento, mas aplicáveis nos
casos que afetem a estabilidade polít ica do reino176.
O Santo O fício, que com os jesuítas - sempre eles! - const ituiu o
maior pilar do atraso e do obscurant ismo em Portugal, estava domado. D ócil,
curvou-se à razão de E stado e se tornou um instrumento de implantação das
Luzes em Portugal - defensor, segundo Saraiva, da
"religião católica, concebida como um culto público expurgado de
toda a superst ição popular bem como de inquietação míst ica,
compat ível com o racionalismo laico , út il na medida em que
cont r ibuía para a un idade dos súditos, sob a égide do poder real
abso luto" 177.
E assim seguiu a Inquisição até 1821, fenecendo constante e
paulat inamente, claudicante fantasma de um sombrio passado, que já não
mais causava tanto medo ao povo.
175 A expressão se encont ra em Ramos, op . cit ., pag. 114. 176 Cf. Re g ime nto . . . , Livro I I , t ít ulo I I I , pp . 54-59. Para a reorien tação da at itude
inquisito r ial segundo a razão de E stado , ver Falcon , "I nquisição e poder: o Regimento do Santo O fício da Inquisição no contexto das reformas pombalinas (1774)" in Anita N ovinsky e Mar ia Luiza Tucci Carneiro (orgs.) Inquis ição , Rio de Janeiro / E xpressão e Cultura; São Paulo / E D USP, 1992, pp . 116-139.
177 Saraiva, op . cit ., pag. 207.
92
CAP ÍT U LO 4
- A VISIT AÇÃO E M SE U CO N T E XT O -
I - G RÃO -P ARÁ: O CU P AÇÃO E CO LO N I Z AÇÃO
No século XVIII, o Pará foi objeto de muitos e importantes investimentos por
parte do governo pombalino. Nota-se, então, uma campanha definida para povoar e guardar
as terras do Norte do Brasil - que constituíam um todo à parte, no conjunto mais amplo da
administração colonial.
Área de inegável importância estratégica, a região Norte esteve sempre ligada a
conflitos e negociações de limites e fronteiras. Por outro lado, careceu de um povoamento
mais efetivo por parte dos portugueses, crescendo à sombra das fortalezas da região.
A história do Norte brasileiro, inclusive do Estado do Grão-Pará e Maranhão
bem como da região amazônica, de um modo geral, está diretamente relacionada à expulsão
dos franceses, que no século XVI haviam se instalado em terras maranhenses. Uma vez
combatidos e expulsos os franceses, liderados por La Ravardière, teve início a ocupação
portuguesa daquela região. Como a Amazônia era uma área despovoada, Alexandre de Moura,
comandante da operação de expulsão dos franceses, destacou uma tropa para ocupação
daquela região, limite natural entre as possessões de Portugal e Espanha178. Chefiados pelo
Capitão Francisco Caldeira de Castelo Branco, seguiram cento e cinqüenta homens, mais dez
peças de artilharia e três embarcações, acompanhados ainda de dois franceses que já
conheciam a região, servindo de pilotos auxiliares. Em 1616, a expedição erigiu, na baía de
178 Capist rano de Abreu, Capítulos de H is tória Co lonial , Belo H or izonte/ I t at iaia; São Paulo / E D USP, 1988, pp . 109-112.
93
Guajará, uma casa forte, denominada Presépio. Estava dado o primeiro passo para a ocupação
do Pará179.
A partir deste primeiro núcleo, teve início um contato mais efetivo, por parte
dos portugueses, com os índios tupinambás - os quais, por sua vez, já tiveram relações com os
franceses, embora estes não fundassem um estabelecimento na área que viria a se tornar o
Pará. Castelo Branco procurava atrair-lhes a amizade e confiança, presenteando-os com
ferramentas, fazendas e outras utilidades. Contudo, a política portuguesa para com os índios
foi de submissão à força, respaldada pelo terror advindo de execuções massivas e violentas,
que afetaram a povoação indígena180. Castelo Branco fez, ainda , construir habitações
permanentes e uma igreja Matriz, projetando assim a cidade que foi posta sob a guarda
espiritual de Nossa Senhora de Belém.
Para a catequese dos índios e o provimento das necessidades espirituais dos
colonos, em 1617 chegaram ao Pará, oriundos da Província de Santo Antônio, um grupo de
franciscanos181. Liderados por Frei Antônio de Merciana, o grupo se instalou no sítio do Una,
dando início à evangelização dos índios.
Não obstante os esforços de ocupação, a região esteve sempre com a ameaça
de invasão a rondar-lhe a paz. O primeiro grande passo para a consolidação da conquista da
Amazônia foi dado pelo rei Filipe III, que institucionalizou o Estado do Maranhão em 1621.
Desligado do Governo Geral do Brasil, o Estado era composto das capitanias do Pará e
Maranhão, tendo capital em São Luís, núcleo fundador da antiga France Équinoxiale. Após tal
ato, observaram-se arremetidas contra os invasores holandeses, franceses e ingleses presentes
2 Sérgio Buarque de H olanda (dir .), H is tória Ge ral da Civi lizaç ão Bras i le ira , Rio de Janeiro , D ifel, 1985, T . I , vo l1, pp . 258-259.
180 Adler H omero Fonseca de Cast ro , Guerra e Soc ie dade no Bras i l Co lonial , D isser t ação de Mest rado apresen tada à UFF, N iteró i, 1995, pag. 194.
181 E mbora a pr imeira missão na região t enha sido franciscana, o p ioneir ismo na en t rada do G rão-Pará e Maranhão coube aos jesuít as, que se an teciparam até mesmo aos capuchinhos franceses que lá chegaram em 1612. O s indícios da presença jesuít ica remontam a 1607. Ver Car los de Araújo Moreira N eto , O s pr incipais grupos missionár ios que atuaram na Amazônia brasileira en t re 1607 e 1759 in E duardo H oornaert (coord.), H is tória da Ig re ja na Amazônia , Pet rópolis, vozes, 1992, pag. 63.
94
na região, seguidas de um investimento em fortificações na área182. Terminada a União Ibérica,
D. João IV põe fim ao Estado do Maranhão, mas volta atrás em 1654.
Por carecer de uma colonização mais efetiva, a região foi alvo de continuadas
campanhas de estímulo à imigração por parte da Coroa. Nestas campanhas, levadas a cabo
através da divulgação de numerosos folhetos propagandísticos, o Pará e o Amazonas eram
apontados como alternativas para a Índia, sendo vistos como uma terra de promissão. O
Norte do Brasil despontava como local produtor de especiarias, graças à abundância do
gengibre, da canela e da pimenta; acreditava-se ainda ser possível encontrar metais preciosos;
outros fatores de atração eram suas terras abundantes e a natureza exuberante183. A
propaganda ressaltava as potencialidades agrícolas daqueles rincões, bem como a necessidade
de ocupá-los e aproveitá-los.
Malgrado não terem atraído as atenções de muitos colonos portugueses - a
ponto de ocupá-las como desejava a Coroa - as terras do Norte brasileiro tiveram expressiva
presença de missões eclesiásticas. Após os franciscanos, primeiros missionários a chegar na
Amazônia. chegaram as missões jesuíticas, que lá já haviam estado anteriormente.
O estabelecimento missionário definitivo dos inacianos no Pará ocorreu em
1636, quando Luís Figueira, que esteve na campanha de expulsão dos franceses, chegou a
Belém, vindo do Maranhão. Em 1640 chegam os mercedários, trazidos a convite do capitão-
mor do Pará, D. Pedro Teixeira, estabelecendo-se em Belém. De lá, prosseguiram suas
atividades nos rios Urubu e Negro. Estabelecidos em S. Luís em 1616, em 1627 os carmelitas
chegam a Belém, recebendo uma casa, doada pelo capitão-mor D. Bento Maciel Parente184.
A presença das missões religiosas foi, por um lado, de grande utilidade aos
planos da Coroa. Pacificando e catequizando os índios, os clérigos facilitaram a expansão do
domínio português e da colonização. Os missionários atentavam ao projeto da Coroa lusitana
182 Ver Manoel N unes D ias, E st ratégia Pombalina de urbanização do E spaço Amazônico in V.V.A.A., Como Inte rpre tar Pombal?, Lisboa/ Brotér ia; Porto / Livrar ia A.I ., 1983, pp . 301-302.
183 Ângela D omingues, Viag e ns de E xploraç ão Ge og ráfic a na Amazónia em Finais do Século XVIII , Lisboa, I nst ituto de H istór ia de Além-Mar, F .C.S.H .-U.N .L., 1991, pag. 12
184 Moreira N eto , op . cit ., pp . 67-96.
95
de dilatar a fé e o Império. O monarca D. Pedro II, em 1680, chega a afirmar que o objetivo
de sua política amazônica era
Ao propagarem a fé mata adentro, os missionários levavam também a presença
do Estado português. Tal atividade, por outro lado, gerou problemas com os colonos brancos,
principalmente no que tange à questão da mão-de-obra indígena, como teremos oportunidade
de observar.
- A Polít ica Pombalina no Pará
Em 1750, início do reinado de D. José I, a situação do Norte brasileiro não
havia mudado em relação ao que era no século XVII. A conjuntura ainda se encontrava
agitada: além da assinatura, neste ano, do Tratado de Madrid, que anulava o Tratado de
Tordesilhas e redefinia os limites entre as possessões portuguesas e espanholas, a região ainda
tinha a ameaça de soldados, contrabandistas e salteadores ingleses, franceses e espanhóis a
tirar-lhe o sono186.
Os problemas de ocupação territorial que grassavam no século anterior ainda
continuavam: Portugal possuía uma vasta área, que não era controlada de fato. Escassamente
povoada, a região Norte possuía poucos núcleos de ocupação branca , portuguesa: além de
Belém, existiam ainda as vilas do Cametá, da Vigia, do Caieté e de Gurupá. Tal número de
povoações contrasta com a quantidade de aldeamentos religiosos: sessenta e três, ao todo.
Destes, dezenove foram fundados pelos jesuítas, quinze pelos carmelitas, nove pelos
franciscanos de Santo Antônio, sete aldeias dos frades da Conceição, dez aldeias dos frades da
Piedade e três aldeias dos Mercedários.
185 Anais da Biblio te ca N ac ional, vo l. 66, 1º par t e, Rio de Janeiro , 1948, pag. 53.
96
A política pombalina para a região é encaminhada no sentido de implantar com
maior veemência a presença do Estado português na região. Tal objetivo visava ser atingido
através da (mais uma vez) promoção da colonização do Norte. Pombal também irá procurar
desenvolver economicamente aquela área de grande importância estratégica, o que minimizaria
os perigos de saques e invasões.
O Estado do Grão-Pará e Maranhão possuía autonomia própria em relação ao
resto do Brasil, e tinha uma administração desvinculada do vice-reinado brasileiro, estando em
ligação direta com a Metrópole.
Uma prova da importância da região dentro do plano político pombalino é o
envio, pelo próprio Marquês, de seu irmão ocupando as funções de Governador do Estado do
Grão-Pará e Maranhão, em 1751 - acompanhando a mudança da capital, de S. Luís para
Belém. Era época da demarcação de fronteiras, que foram estabelecidas pelo Tratado de
Madrid, bem como de reforço militar da região. Francisco Xavier de Mendonça Furtado chega
ao Pará com objetivos bem definidos: fazer um levantamento o mais amplo possível da
situação do Estado, e implantar as diretrizes pombalinas.
Os relatos a respeito da situação material paraense que chegavam até Pombal
não deveriam mesmo ser muito animadores. Área de ocupação predominantemente indígena,
o Pará, como vimos, contava com poucos núcleos portugueses de povoamento. A economia
estava baseada na coleta de gêneros do sertão, na pesca, caça, agricultura itinerante e em uma
pecuária rudimentar. A exploração das drogas do sertão, como o cacau, a baunilha, canela,
madeiras duras e resinas, era feita com o emprego da mão-de-obra indígena187. A economia
dos colonos paraenses era basicamente de subsistência, não havendo atividade econômica
multiplicadora de riqueza social. As famílias estavam entregues à própria sorte, carecendo de
mão-de-obra para a lavoura em tamanhas extensões de terra. Tão baixa produtividade se
refletia no estado de pobreza e miséria em que se encontrava a população. Esta situação se
encontra refletida na amargura presente nas linhas de Francisco Xavier, dedicadas a seu
poderoso irmão:
186 D ias, op . cit ., pag. 315. 187 D ias, op . cit ., pag. 307.
97
Tais misérias, contudo, podem levar a algo mais grave: a perturbação da
própria ordem paraense. Este é um dos temores do governador, pois ele sabe que por causa da
penúria
O estado de pobreza contrastava violentamente com a prosperidade material
das missões religiosas na região. Empresas comerciais bem sucedidas, os aldeamentos
religiosos destoavam na paisagem geral da miséria paraense. As ordens religiosas tornaram-se
oásis de prosperidade naquelas terras tão desafortunadas.
Isto, devido ao fato - era esta a grande questão entre colonos e religiosos - de
as missões serem as grandes monopolizadoras da mão-de-obra indígena. A prática dos
descimentos - que significava, a princípio, trazer, por meios pacíficos e pela persuasão os índios
para o grêmio da Igreja e para a fidelidade ao rei de Portugal - revelou-se por demais lucrativa.
O processo de descimento incluía a pacificação e a mudança dos índios: do sertão para uma
comunidade onde todos vivessem sob a mesma fé, recebendo instruções doutrinárias e
trabalhando pela coletividade. Para conseguir tal intento, os missionários não mediram
esforços: penetraram a fundo na cultura e na religião destes povos, dominando-lhes inclusive a
língua - e neste mister ninguém foi tão hábil quanto os inacianos190. Tal prática, a princípio,
estava plenamente de acordo com a política de propagação da fé e do império adotada pela
Coroa lusitana.
Os problemas com os colonos começaram a surgir a partir do momento em
que a servidão indígena somente prosperava nas missões. Estas, por sua vez, assumiam
francamente seu caráter comercial. Nas palavras de J. Lúcio de Azevedo:
Os conflitos não tardaram a acontecer. Os próprios jesuítas chegaram a ser
expulsos da região do Pará em 1661, e as representações e queixas dos colonos eram
constantes. Porém o Regimento das Missões (1686), que marcou a volta dos inacianos ao
188 A Amazônia ..., pag. 84. 189 I d , ib id . 190 É de Luiz Figueira a Arte da Líng ua Bras í lica (1621), onde são desvendados os
segredos do tupi. Ver E duardo H oornaert , O breve per íodo profét ico das missões na Amazônia brasileira (1607-1661) in H is tória da Ig re ja. . . , pag.124.
191 J. Lúcio de Azevedo, Os Jes uítas no Grão-Pará , Coimbra, Universidade de Coimbra, 1930, pag. 235.
98
Estado, lhes era plenamente favorável. O Regimento, segundo J. Lúcio de Azevedo,
entregava aos jesuítas não só o governo espiritual das aldeias, senão também o temporal e o
político 192. Os índios ficavam obrigados às aldeias, sem que possam delas sair para viverem
em outra parte por nenhuma razão que seja 193
Quase um século depois, Francisco Xavier de Mendonça Furtado se queixa das
conseqüências políticas destas medidas:
Este estado de coisas, segundo Francisco Xavier, estaria interferindo até
mesmo na ordem social. Uma vez que os religiosos não ensinavam o português para os índios,
preferindo utilizar a gíria inventada para confusão e total separação dos homens em notório
prejuízo da sociedade humana , isto é, a língua geral, os colonos por sua vez,
Além disso, os religiosos eram ainda acusados de obrar a falência dos
comerciantes particulares, a fim de ficar com o monopólio do comércio das drogas do
sertão196. Em suma, tamanha prosperidade incomodava muito o governo temporal, e todos os
males da região acabavam imputados aos jesuítas.
As medidas pombalinas não tardaram em surgir. O incremento à colonização
se manifestou na criação de povoações em locais estratégicos, próximos às regiões fronteiriças,
e às rotas fluviais - afinal, não devemos esquecer que estamos no período de demarcação de
fronteiras. Outra frente de ação foi o incentivo ao desenvolvimento das potencialidades
agrícolas e da pecuária. Francisco Xavier de Mendonça Furtado veio a incrementar as culturas
do algodão, anil, café, tabaco, arroz, cravo, pimenta e canela197.
Por esta época, conforme tivemos oportunidade de verificar em momento
anterior deste estudo, Pombal encontrava-se francamente empenhado em sua campanha de
derrocada dos jesuítas. Tal campanha acabou tendo desdobramentos também no Pará. O
192 Idem, pag. 187. 193 A Amazônia. . . , pag. 68. 194 I dem, pag. 66. 195 I dem, pag. 67. 196 I dem, pp . 72-73. 197 Ângela D omingues, op . cit ., pag. 14.
99
Marquês tomou atitudes concretas e drásticas para acabar com o predomínio das missões - e
principalmente dos jesuítas no Estado - e na colônia, de um modo geral.
Uma destas medidas foi a lei de 6 de junho de 1755, na qual as aldeias
indígenas - que são parte do patrimônio da Coroa e, por força do Regimento das Missões
estavam sob administração dos religiosos - são requisitadas e governadas pelo poder civil198. O
baque foi duro, e gerou protestos dos religiosos - tanto formais, que se traduziram em petições
e representações, principalmente por parte dos jesuítas, quanto através do púlpito199.
Outra medida foi a instituição, no dia seguinte à lei de libertação dos índios, da
Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, criada com o intuito de desenvolver a região e
açambarcar o monopólio comercial religioso. Através do capital privado e estatal, a idéia
básica era incentivar o desenvolvimento urbano, econômico e social do Norte brasileiro - o
que ajudaria a promover também a burguesia comercial portuguesa, a quem Pombal tanto
prezava200. Tal empresa agiu em duas frentes: a primeira contra a influência dos religiosos nos
negócios seculares e no comércio, de um modo geral. A segunda, contra os mercadores
volantes estrangeiros, que estavam a serviço da Inglaterra. A criação da Companhia também
justificou e incrementou um maior investimento em segurança, uma vez que ela abriu novas
frentes de expansão capitalista e enriqueceu as rotas atlânticas201
A Companhia do Grão-Pará também tinha por finalidade agilizar as
importações e a entrada da economia do Estado do Grão-Pará e Maranhão no comércio
atlântico, o novo eixo do sistema colonial português202. A Companhia de Comércio também
serviria para agilizar a importação de escravos africanos, solução encontrada para o problema
da mão-de-obra indígena203.
198 Colec ção das Le is , D ec re tos e Alvarás que Compre ende m o Fe liz Re inado de l Rey Fide lis s imo D . Jos é I N os s o Senhor, Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1771, tomo I .
199 D ias, op . cit ., pag. 324. 200 Sobre a Companhia de Comércio , ver António Carreira, A Companhia Geral do Grão-
Pará e Maranhão , São Paulo , Companhia E ditora N acional, 1988, 2 vo ls. 201 D ias, op . cit ., pag. 332. 202 D ias, op . cit ., pag. 326. Ver t ambém Ângela D omingues, op . cit ., pag. 14. 203 Ver A Amaz ônia. . . , pag. 28.
100
Grande golpe no poderio dos religiosos foi a promulgação, em 1758, do
Diretório dos Índios. Complementar à lei de 1755, o Diretório foi o golpe de misericórdia
no domínio dos religiosos sobre os indígenas. A partir de sua promulgação, os aldeamentos
seriam extintos, assim como uma série de medidas em relação aos índios foram tomadas. Uma
delas dizia respeito ao governo das aldeias: estas, daí em diante, deveriam ser governadas
pelos respectivos principais . Uma vez que estes ainda eram, segundo o Diretório, bárbaros,
incultos e incivilizados - em virtude, inclusive, do prolongado convívio com os religiosos - o
texto do documento manda que as aldeias - transformadas agora em vilas, e sujeitas à
administração direta da Coroa - sejam governadas por diretores nomeados pelo governador204.
Outra das determinações expressas no Diretório é a urgente integração do indígena no
conjunto da sociedade daqueles rincões, transformando-o em súdito e cidadão. Para tal, manda o
Diretório que se proíba o uso da língua geral, sendo esta substituída pelo português, ensinado
o mais rapidamente possível205. Habilita os índios a títulos honoríficos, considerando a
igualdade, que tem com eles na razão genérica de vassalos de Sua Majestade 206 e incentiva
inclusive o casamento de colonos brancos com as índias - uma forma inteligente de procurar
legitimar as relações inter-raciais entre os colonos e as índias207.
Os missionários, sob pesados protestos, se retiraram dos aldeamentos,
carregando tudo o que podiam de valor208. A ação do Diretório foi, posteriormente, ampliada
para o resto da colônia - sendo acompanhada pela expulsão, em 1759, dos jesuítas
Graças à injeção de capital advinda da Companhia Geral do Pará e Maranhão, a
Coroa enfatizou a defesa do Norte brasileiro, levantando fortalezas, que seriam também
núcleos de povoação. Estas fortalezas significavam um melhor patrulhamento da fronteira e
uma vigilância mais rigorosa sobre o contrabando para território de domínio espanhol. Um de
seus objetivos era também o de barrar o avanço dos espanhóis pela região de Mojos e pelo rio
Madeira, bem como vigiar os franceses, que desciam a costa atlântica vindos de Caiena209.
204 D irec torio que s e D eve Obs e rvar nas Povoaç ões dos Indios do Pará, e Maranhão em quanto Sua Mag es tade não Mandar o Contrario , Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1758, pag. 1.
205 I dem, pp . 3-5. 206 I dem, pag. 35. 207 I dem, pag. 36. 208 D ias, op . cit ., pag. 330. 209 I dem, pp 335-342.
101
O fim do governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado não significou o
término dos investimentos da colonização na área. Pombal ainda manteria por muito tempo
seus olhos voltados para aquela região. Uma das evidências de tal atenção é o fato de ter sido
enviado para lá um visitador do Santo Ofício - que, a esta altura dos acontecimentos, era um
Tribunal já completamente submisso ao jogo de poder do todo-poderoso Marquês.
102
I I AP O RT A O VI SI T AD O R
Corria o ano de 1763. Chega ao porto de Belém a nau que traria o novo
governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, D. Fernando da Costa de Ataíde Teive.
Com ele, chega o Pe. Giraldo José de Abranches. Esta era, para a sociedade paraense, uma
ocasião especial, de expectativas e ansiedades. Afinal, não é todo dia que chega um novo
governador. Muito menos, acompanhado de um visitador do Santo Ofício. Após um intervalo
de 143 anos, o Brasil voltava a abrigar tão alto emissário inquisitorial210. E quem era, afinal,
este visitador?
Giraldo José de Abranches nasceu no bispado de Coimbra, na freguesia de
Nossa Senhora da Natividade, e foi batizado em 21 de outubro de 1711, sendo filho de
lavrador. Cursou a Universidade de Coimbra entre 1731 e 1737, bacharelando-se em Sagrados
Cânones e exercendo a advocacia. Foi, posteriormente, nomeado comissário da Bula da Santa
Cruzada, Comissário do Santo Ofício, Provisor e Vigário Geral do Bispado de São Paulo,
onde passou pouco tempo, em virtude de desentendimentos com o bispo. Após sua saída de
S. Paulo, Giraldo se dirigiu a Mariana, em 1748. Lá, nosso visitador exerceu as funções de
Arcediago e, posteriormente, de Vigário Geral, sendo também Juiz de Casamentos e Resíduos.
210 A pr imeira visit ação t eve in ício em 1591, sob responsabilidade de H eitor Fur tado de Mendonça, abrangeu os est ados da Bahia e de Pernambuco, se est endendo até 1595. A
103
Em 1752, envolveu-se novamente em confusões, desta vez com o bispo e o Cabido de
Mariana - ocasião em que, por ordem episcopal, ficou preso por três dias. Em 1754 volta a
Portugal. Morando em Lisboa, em 1760 pleiteou junto à Inquisição o cargo de Deputado do
Santo Ofício - o que conseguiu neste mesmo ano. Torna ao Brasil em 1763, em Belém, como
visitador inquisitorial, comissionado para visitar os Estados do Pará, Maranhão, Rio Negro, e
mais terras adjacentes - constando, contudo, através das denúncias e confissões, que tenha
permanecido enquanto visitador apenas em Belém211,
A cidade que recebeu Pe. Giraldo possuía, à ocasião, mais de dez mil
habitantes212. A população era composta por brancos, negros, indígenas e mestiços, sendo
marcantes a escassez de mulheres brancas e a abundância de militares na região. A cidade,
grande, de ruas bem alinhadas, casas alegres, (...) em pedra e alvenaria, além de igrejas
magníficas , dava ao visitante a impressão de estar na Europa213.
Uma vez desembarcado, o visitador se instalou no Hospício de S. Boaventura.
Dali, seguindo a praxis inquisitorial, apresentou suas credenciais às autoridades competentes:
o bispo, o ouvidor, representantes da Câmara, chefes militares. O visitador, ainda segundo o
costume inquisitorial, providenciou as provisões de nomeação dos seus assistentes mais
diretos: notário, meirinho e demais auxiliares - um solicitador e dois homens da vara214. Seu
próximo passo foi, uma vez montada a equipe da visita, se apresentar enquanto visitador,
como era recomendado no Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640, então ainda
em vigor. Assim, em 20 de setembro de 1763, Giraldo José de Abranches se apresentou ao
bispo do Pará, D. Frei João de S. José Queiroz - o qual, como teremos oportunidade de
examinar, aguardava apenas o momento de regressar à Lisboa, sob o peso de graves acusações
segunda, a cargo do licenciado Marcos Teixeira, t eve seu campo de atuação limitado à Bahia, durando de 1618 a 1620.
211 Livro da Vis i tação ..., pp . 39-47. 212 D ias, op . cit ., pag. 363. 213 Q uem se sent iu assim t ransportado fo i Charles-Marie de La Condamine, que descreveu
t al sen t imento em sua Viag e m pe lo Rio Amazonas , Rio de Janeiro / N ova Fronteira; São Paulo / E D USP, 1992, pag.107.
214 E sta documentação se encont ra no Livro da Vis i tação do Santo Ofíc io da Inquis ição ao E s tado do Grão-Pará e Maranhão , t exto inédito e apresen tação de José Rober to do Amaral Lapa, Pet rópolis, Vozes, 1978, pp . 115-120.
104
- e ao Senado da Câmara de Belém (três dias depois de sua apresentação ao Bispo). Ambos,
bispo e autoridades, segundo o ritual de praxe, leram as credenciais e se comprometeram, por
juramento, em ajudar o visitador. Mais uma vez, tomava forma o rito de sujeição das
autoridades principais ao Santo Ofício - uma característica da pedagogia inquisitorial, que
desta forma dava a entender que todos os poderes lhe estavam sujeitos, e a Inquisição tomava
a posse simbólica da sociedade215.
Em 25 de setembro de 1763, era feito o Auto de Publicação dos Editos da Fé e
da Graça, com o ritual prescrito no Regimento: procissão solene - com a presença das
principais figuras e autoridades locais - e sermão na igreja da Sé. Nesta ocasião, foram feitos os
juramentos das autoridades - governador e capitão-general, ouvidor, juiz de fora, vereadores,
escrivão da Câmara, alcaide, meirinhos e do povo, que também se submetia ao Santo Ofício.
Em todos estes juramentos, as pessoas se comprometiam a facilitar ao máximo o trabalho do
visitador, não obstruindo a ação do Santo Ofício e colaborando naquilo que fosse necessário.
Foram, nesta ocasião, afixados na Sé os Editos e o Alvará da visitação, que estava pronta para
começar.
215 Ver Francisco Bethencour t , Inquis ição e Contro le Soc ial , Lisboa, ex. mimeo, 24p .
105
- E xplic ando a Vis i taç ão
Neste momento, cabe uma questão, que se faz cada vez mais premente: por
que a Inquisição teria enviado um visitador ao Pará, quando havia mais de um século que ela
abandonara tal expediente?216 E mais, por que justamente naquela região?
José Roberto do Amaral Lapa, que descobriu , na década de 1960, o Livro da
Visitação paraense no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, afirma que o
desregramento moral da sociedade paraense poderia ter sido perfeitamente o motivo da
visitação . Segundo Lapa, a visita teria ainda a missão de verificar o alcance da influência
material e espiritual da Companhia de Jesus, bem como diminuir o suposto poderio
econômico dos cristãos-novos no Norte da colônia217.
As escassas denúncias - e inexistentes confissões218 - de práticas judaicas nesta
visitação constituem uma clara evidência de seu caráter pombalino. A hipótese de um controle
sobre o poderio econômico dos cristãos-novos no Norte não se sustenta, na medida em que
levamos em conta a política de incentivo e proteção de Pombal face aos cristãos-novos.
Empenhado em atrair o capital da burguesia cristã nova - inclusive, para empreitadas como a
Companhia Geral do Grão-Pará -, Pombal não mandaria um visitador para reprimir tais
pessoas, ainda mais quando lançava um aparato legislativo que tinha por finalidade eliminar a
distinção entre cristãos-novos e velhos, como foi visto anteriormente neste trabalho.
Por outro lado, somos levados a crer que a visitação ultrapassou a simples
verificação da influência material e espiritual da Companhia de Jesus, como afirma Lapa.
216 Q uanto ao abandono das visit ações, est e se deu na medida em que a rede administ rat iva de familiares e comissár ios do Santo O fício est ava consolidada. Ver Bethencour t , op . cit ., pag. 7.
217 Livro da Vis i tação ..., pp . 26-28. 218 Tal quant if icação será analisada em momento poster ior deste t rabalho .
106
A Inquisição tem uma função normatizadora da ortodoxia a cumprir em terras
paraenses. Creio que a visitação não foi realizada tendo como finalidade a verificação da
influência jesuítica na região. A visita teve a função de substituir, face aos colonos e índios, um
modelo religioso. Uma vez que os inacianos - difusores da ortodoxia cristã tridentina - haviam
sido retirados da região, seu modelo religioso, que tanto desagradava às autoridades lusitanas,
foi substituído. Também tridentino, o catolicismo do Pará pós-jesuítico está ligado aos planos
da Igreja característica do período pombalino, de regime acentuadamente regalista. A
catequese seria redimensionada, bem como a organização das comunidades dos fiéis: uma vez
que os antigos aldeamentos foram elevados à categoria de Vilas pela administração pombalina,
estas foram paroquializadas. A catequese jesuítica - que soa tão hermética nas queixas dos
colonos e do governador Francisco Xavier M. Furtado por seu caráter segregacionista,
exclusivista e por não reconhecer língua e Estado portugueses, entre outras coisas -, é então
substituída por um outro modelo de evangelização, baseado nos moldes regalistas. Tal modelo
foi difundido de forma abrangente, não se restringindo apenas aos antigos aldeamentos
jesuíticos, mas também perpassando toda a sociedade. O que houve, por fim, foi a
substituição de um modelo religioso tridentino voltado para a ênfase da ortodoxia da fé, que
caracterizava os inacianos, por um outro, também tridentino, mas de cunho regalista,
direcionado para uma redefinição das relações entre Igreja e Estado - devendo a primeira estar
separada da administração política e submetida às diretrizes emanadas do trono.
Tal hipótese vem a ser confirmada pela presença, na região, de indivíduos
pessoalmente indicados pelo Marquês para ocuparem o trono episcopal - do mesmo modo
que acontecia com os membros do Conselho Geral do Santo Ofício, ou mesmo com o
Inquisidor Geral -, como o bispo D. Fr. João de S. José Queiroz, e o próprio visitador
inquisitorial, indicado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, então Secretário da
Marinha e dos Negócios Ultramarinos219.
A outra hipótese de Lapa - e que propositalmente deixamos por último - diz
respeito ao desregramento moral da sociedade paraense como principal motivo da visitação.
219 Livro da Vis i tação . . . , pag. 48.
107
Com efeito, encontramos na correspondência de Francisco Xavier de
Mendonça Furtado um amplo descontentamento a este respeito. O governador se queixa,
sempre que pode, de que toda esta gente [a população paraense] é ignorante em ínfimo
grau 220. E afirma, desgostoso, que
Finalmente - cúmulo dos absurdos! - o governador denunciava a queda maior
da fé católica, afirmando que os índios não apenas estavam sem conversão, como
Tais situações de ignorância e relaxamento, contudo, não são privilégio
paraense. No que tange a este aspecto, as queixas sempre foram generalizadas na colônia, e
hoje possuímos uma vasta gama de estudos históricos a este respeito223.
Uma outra situação de confusão e relaxamento que, sem dúvida, atrairia muito
mais as atenções de Pombal, a ponto de este enviar à colônia uma tão anacrônica visitação, é a
do bispado paraense. Criado em 1719, sua história é marcada por confrontos doutrinários e de
jurisdição com as ordens missionárias; tais conflitos, invariavelmente, tinham como temática
principal a exploração da mão-de-obra indígena e a autonomia das missões, no que tange à
administração secular e à catequese dos índios224. Na época do governo pombalino, estes
confrontos recrudescem, principalmente contra os jesuítas. Os bispos, ligados a Pombal e por
ele indicados, tomavam o partido da Coroa no combate às missões religiosas, e agiam de
acordo com a política regalista preconizada por Pombal, que era no sentido de tolher o
poderio da cúria de Roma sobre a Igreja lusitana225.
220 A Amazônia ..., pag. 84. 221 I dem, pag. 321. 222 I dem, pag. 64. 223 N ão en t rarei aqui nos detalhes desta d iscussão . O leito r a encont rará melhor
encaminhada - e de forma mais abrangente - no excelen te estudo de E manuel Araújo , O Teatro dos Víc io s , Rio de Janeiro , José O lympio , 1993. Ver t ambém a t ese de Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão pe lo Aves s o , Tese de D outoramento apesentada à Universidade de São Paulo , 1991, 3 vo ls. Por f im, remeto o leito r à far t a obra de Luiz Mot t , que mapeia como poucos caminhos t ão sinuosos da moralidade brasileira colonial.
224 Carlos de Araújo Moreira N eto , Reformulações da missão cató lica na Amazônia en t re 1750 e 1832 in H is tória da Ig re ja. . . , pag. 228. Sobre estes conflitos, ver t ambém Jorge Couto , As visit as pastorais às missões da Amazônia: focos de conflitos en t re os jesuít as e o 1º b ispo do Pará (1724-1733) in Anais do X Simpós io N ac ional de E s tudos Mis s ione iros , UN IJUÍ , s.d ., pp . 231-249.
225 Ver Lana Lage da G ama Lima, A reforma t r iden t ina do clero no Brasil co lonial: est rat égias e limitações in Cong res s o Inte rnac ional de H is tória - Mis s ionaç ão Portug ues a e E nc ontro de Culturas , Atas, vo l I I , separata, Braga, 1993, pp . 548-549.
108
O quarto bispo paraense, D. Fr. João de S. José Queiroz, chegou à região em
1760, ou seja, ainda no calor da expulsão dos inacianos. Antijesuítico, logo se envolveu nestes
acontecimentos. Sua prosa satírica e ferina, por outro lado, ajudaram-no a granjear inimigos,
os quais eram por ele ridicularizados em sermões e escritos em geral. Em virtude disto, o
bispo se encontrava imerso em uma rede de acusações e querelas, à época da chegada do
visitador. Em Lisboa o bispo era, entre outras coisas, acusado de extorsão226, e também de
sustar as obras da Sé. No Pará seria denunciado ao visitador, por seus inimigos locais, por
queimar papéis referentes ao Santo Ofício227.
Politicamente isolado e em desgraça, o bispo foi chamado de volta a Portugal
por Pombal, devendo regressar na mesma nau que trouxera o visitador. Através de provisão
régia de 27 de novembro de 1763, Giraldo foi nomeado Vigário Capitular, ocupando a Sé que
vacara com a partida de D. Fr. João de S. José Queiroz228.
Dono, por sua vez, de uma também tumultuada biografia - tendo se envolvido
em brigas em Mariana e São Paulo -, Giraldo permaneceu como bispo-inquisidor até 1772. O
fato de haver sido indicado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado constitui forte indício
de afinidade entre o visitador e a política de Pombal.
Creio, então, que Giraldo, por ser uma pessoa vinculada ao projeto pombalino
- e por ter amizades de tanto peso, como o irmão do Marquês - tornou-se a pessoa
encarregada de implantar - enquanto visitador inquisitorial e bispo - o modelo do catolicismo
regalista de Pombal229, reestruturando a diocese e realizando as funções de controle social
inerentes à Inquisição. Mantinha-se, desta forma, o domínio pombalino sobre a diocese e a
formação de consciências.
A visitação, por sua vez, foi aqui utilizada claramente como um instrumento
político de vigilância e controle - uma vez que tal expediente já havia sido abandonado pelo
Santo Ofício há muito tempo. Pombal, senhor todo-poderoso também da Inquisição, foi
226 António Baião , E pis ódios D ramáticos da Inquis iç ão Portug ue s a , Lisboa, Seara N ova, 1973, vo l. 3, pag. 189.
227 I dem, pag. 192. 228 Livro da Vis i tação ..., pag. 56. 229 Sobre Igreja pombalina e t emas afins, remeto o leito r para o cap ítulo an t er ior deste
t rabalho .
109
buscar esta prática, anacrônica para o século XVIII, devido ao grande peso simbólico e
opressor que uma visitação inquisitorial ainda possuía sobre o povo.
A hipótese de reorganização da diocese, por fim, ganha maior solidez na
medida em que constatamos que Giraldo permaneceu acumulando as funções de bispo-
inquisidor até 1772. Foi neste ano que chegaram a Belém o novo governador, João Pereira
Caldas, e o novo bispo, D. Fr. João Evangelista Pereira da Silva. A prolongada visita
inquisitorial tem seu último registro datado do ano de 1769; o inquisidor ainda permaneceu
por mais três anos no Pará, exercendo as funções de vigário capitular - o que nos dá uma idéia
da importância de sua permanência. No desempenho destas funções, contrariando seu
passado de confusões com os representantes do poder secular, Giraldo agiu sem grandes
atritos com o governador ou seus representantes230.
- Os Pecados de Be lém do Pará ante o Vis itador
Ao longo dos seis anos daquela que foi a mais demorada visita inquisitorial ao
Brasil, o visitador recebeu em sua sala, para confessar, denunciar ou fazer as duas coisas
simultaneamente, 46 pessoas. Uma quantidade muito pequena, se comparada com o volume
de denúncias/ confissões gerado nas visitações anteriores: nestas, o volume de culpas era tal
que as denúncias e confissões foram separadas em dois livros231. As apresentações da visita
paraense foram distribuídas da seguinte forma, através dos anos de sua ocorrência:
ANOS 1763 1764 1766 1767 1769
230 Livro da Vis i tação ..., pp . 56-58. 231 O leito r in teressado poderá consult ar os livros destas visit ações, que estão publicados.
110
QUANT 22 14 06 02 02
Ao analisarmos o quadro de incidência de denúncias/ confissões por ano,
notamos que a maior parte de idas à Mesa inquisitorial ocorreu no primeiro ano da visita.
Destas 22 denúncias/ confissões, 21 aconteceram no período da graça - isto é, um mês após a
afixação do Edito da Fé, que iniciava a visita. Neste período, o Santo Ofício acenava com um
tratamento benévolo para os que confessassem seus pecados: isentava do confisco de bens, do
tormento e da pena capital232. O Edital da Graça fora afixado em 25 de setembro de 1769, e o
período da graça estaria em vigor até 2 de novembro de 1763.
Das 21 apresentações ocorridas no período da graça, notamos um fato digno
de relevo: 14 eram denúncias, e 9 confissões233. Tal característica pode ser vista como um
indício de que povo paraense demonstra, desta forma, um certo desconhecimento da regra do
período da graça, que concedia benesses para atrair confitentes, em busca da autodenúncia.
Também mostra um eficaz funcionamento da pedagogia intimidadora do Tribunal - que
levava as pessoas a procurarem a mesa da visitação para denunciar, mostrando-se, desta forma,
zelosos para com a Inquisição e a fé, bem como merecedores das boas graças do inquisidor -
precavendo-se contra possíveis denúncias contra si próprias. Este segundo fator pode,
portanto, ser interpretado como um indício da força que o Santo Ofício ainda possuía
enquanto instituição coercitiva; a pedagogia do medo inquisitorial ainda funcionava a contento, na
medida em que tantas pessoas iam espontaneamente denunciar, mal começada a visita234.
N o q u e t a n g e a o s e n v o l v i d o s n a v i s i t a ç ã o , p o d e m o s
c o n s t a t a r d i v e r s o s f a t o r e s d e s i n g u l a r i n t e r e s s e . U m p r i m e i r o
d a d o é o d a d i v i s ã o s e x u a l e d o e s t a d o c i v i l d a s p e s s o a s
r e l a c i o n a d a s n a v i s i t a . E n t r e d e n u n c i a n t e s , d e n u n c i a d o s e
232 Sônia Siqueira, A Inquis ição Portug ue s a e a Soc ie dade Co lonial , São Paulo , Át ica, 1978, pag. 196.
233 E stes números ocorrem porque 2 confit en tes t ambém procuraram a Mesa da I nquisição para denunciar .
234 Ver Bennassar , Modelos de la mentalidad inquisito r ial: métodos de su pedagogía del miedo in Ángel Alcalá (org.), Inquis ic ión E s paño la y Me ntalidad Inquis i torial , Barcelona, Ar iel, 1984, pp . 174-182
111
c o n f i t e n t e s , n o t a m o s p r e p o n d e r a n t e p a r t i c i p a ç ã o m a s c u l i n a .
T e m o s , a q u i , 4 7 i n d i v í d u o s d o s e x o m a s c u l i n o ( 2 2 c a s a d o s , 1 8
s o l t e i r o s , 2 v i ú v o s e 5 s e m e s p e c i f i c a ç ã o ) , e 1 7 d o s e x o
f e m i n i n o ( 8 c a s a d a s , 4 v i ú v a s , 4 s o l t e i r a s , 1 s e m
e s p e c i f i c a ç ã o ) .
O s h o m e n s d e n u n c i a m - e t a m b é m c o n f e s s a m - m a i s
d o q u e a s m u l h e r e s ( s ã o 1 5 c o n f i t e n t e s d o s e x o m a s c u l i n o
c o n t r a q u a t r o m u l h e r e s c o n f i t e n t e s ) . E n t r e o s d e n u n c i a n t e s ,
s ã o 2 2 i n d i v í d u o s d o s e x o m a s c u l i n o c o n t r a 7 d o s e x o
f e m i n i n o . F o r a m d e n u n c i a d o s 1 7 h o m e n s e 6 m u l h e r e s - c o m
u m a r e s s a l v a : e x i s t e m d i v e r s o s c a s o s d e p e s s o a s q u e f o r a m
d e n u n c i a d a s m a i s d e u m a v e z , p o r d i f e r e n t e s d e n u n c i a n t e s .
E n c o n t r a m o s t a m b é m p e s s o a s q u e c o m p a r e c e r a m à M e s a
i n q u i s i t o r i a l p a r a d e n u n c i a r m a i s d e u m i n d i v í d u o , e p e s s o a s
q u e p r o c u r a r a m o v i s i t a d o r p a r a f a z e r c o n f i s s õ e s
a c o m p a n h a d a s d e d e n ú n c i a s . H á , p o r f i m , o u t r o d a d o d i g n o
d e r e l e v o : o s h o m e n s c o m p a r e c e r a m a n t e o v i s i t a d o r p a r a ,
m a j o r i t a r i a m e n t e , d e n u n c i a r o u t r o s h o m e n s . E n t r e e s t e s , 1 6
d e n u n c i a r a m o u t r o s d e s e u m e s m o s e x o p o r p e c a d o s d i v e r s o s ,
e n q u a n t o a p e n a s 6 d e n ú n c i a s m a s c u l i n a s s e d i r i g i r a m c o n t r a
m u l h e r e s . N o q u e t a n g e a o s e x o f e m i n i n o , t a l c a r a c t e r í s t i c a
s e r e p e t e : e n c o n t r a m o s 5 d e n ú n c i a s v o l t a d a s c o n t r a o u t r a s
m u l h e r e s , e a p e n a s d u a s c o n t r a h o m e n s .
T a l p r e p o n d e r â n c i a d o s h o m e n s p o d e s e r e n t e n d i d a
n a m e d i d a e m q u e l e v a m o s e m c o n t a a c a r ê n c i a d e m u l h e r e s ,
p r i n c i p a l m e n t e e u r o p é i a s , n a r e g i ã o ( e , p o r o u t r o l a d o , a
a b u n d â n c i a d e i n d i v í d u o s d o s e x o m a s c u l i n o , p r i n c i p a l m e n t e
d e v i d o a o f a t o d e a á r e a q u e t r a t a m o s s e e n c o n t r a r
f o r t e m e n t e m i l i t a r i z a d a , c o n f o r m e j á f o i a q u i r e f e r i d o ) .
112
R e p r e s e n t a n t e s d e t o d a s a s v a r i e d a d e s é t n i c a s d a
s o c i e d a d e p a r a e n s e c o m p a r e c e r a m d i a n t e d o v i s i t a d o r : s ã o
r e g i s t r a d o s b r a n c o s ( o s m a i s n u m e r o s o s e n t r e o s h o m e n s ,
q u e r c o m o d e n u n c i a n t e s o u c o n f i t e n t e s ) , n e g r o s , í n d i o s ( o s
m a i s d e n u n c i a d o s e n t r e o s h o m e n s ) , m u l a t o s e m a m e l u c o s .
E n t r e a s m u l h e r e s , o m a i o r n ú m e r o d e d e n u n c i a n t e s é
c o n s t i t u í d o p o r m u l a t a s , e a s n e g r a s s ã o a s m a i s d e n u n c i a d a s .
E n c o n t r a m - s e a i n d a m e s t i ç a s e c a f u s a s , e p o u c a p a r t i c i p a ç ã o
d e m u l h e r e s b r a n c a s - u m a o u t r a p i s t a a r e s p e i t o d e s u a
e s c a s s e z n a q u e l a s p a r a g e n s t ã o l o n g í n q u a s .
P e r a n t e a M e s a i n q u i s i t o r i a l d e s f i l o u t a m b é m u m a
v a r i e g a d a g a m a d e p r o f i s s õ e s . S ã o m i l i t a r e s ( e m m a i o r
p r o p o r ç ã o d e i n c i d ê n c i a ) , l a v r a d o r e s , e s c r a v o s , f a z e n d e i r o s ,
c a r p i n t e i r o s , a l f a i a t e s , d i r e t o r e s d e í n d i o s , c o s t u r e i r a s ,
b i s c a t e i r o s , s e n h o r e s d e e n g e n h o e o u t r o s t a n t o s . D e v i d o a o
f a t o d e a r e g i ã o a b r a n g i d a p e l a v i s i t a ç ã o s e r , r e i t e r a m o s , u m a
z o n a e s t r a t é g i c a , t o r n a - s e c o m p r e e n s í v e l t a l i n c i d ê n c i a d e
m e m b r o s d a s t r o p a s 235.
U m d o s p o n t o s q u e t o r n a m a v i s i t a ç ã o p a r a e n s e
ú n i c a , n o c o n j u n t o d a s v i s i t a s i n q u i s i t o r i a i s a o B r a s i l , r e f e r e -
s e a o s d e l i t o s c o n f e s s a d o s e d e n u n c i a d o s , c o m o p o d e m o s
o b s e r v a r n o a n e x o I V , a o f i n a l d e s t e t r a b a l h o .
E m u m a a n á l i s e d e t a i s d e l i t o s , n o t a m o s e s c a s s o
n ú m e r o d e d e n ú n c i a s ( u m t o t a l d e t r ê s ) r e l a t i v a s à s p r á t i c a s
d o s c r i s t ã o s - n o v o s . T a i s d e n ú n c i a s , i n c l u s i v e , n ã o s ã o d i r e t a s
e f o r m a i s . N i n g u é m , n e s t a v i s i t a ç ã o , f o i d i r e t a m e n t e
d e n u n c i a d o p o r s e r j u d e u o u p o r j u d a i z a r . O s d e n u n c i a n t e s
113
p r o c u r a m o v i s i t a d o r p a r a r e l a t a r o u t r o s d e l i t o s , c o m o
s a c r i l é g i o s e b l a s f ê m i a s , e a c a b a m , p e r i f e r i c a m e n t e ,
m e n c i o n a n d o a f a m a d e j u d e u q u e s e u d e n u n c i a d o t e r i a , o u d e
a l g u m a n t e p a s s a d o d e s t e . C o m o f o i o c a s o d o l a v r a d o r
C a e t a n o d a C o s t a , q u e s o u b e p o r t e r c e i r o s q u e u m c e r t o
I z i d r o , J u i z d e Ó r f ã o s d a v i l a d o C a m e t á , a n d a v a a a ç o i t a r
u m a i m a g e m d e C r i s t o c r u c i f i c a d o , q u e p a r a t a l f i m e r a
d e p e n d u r a d o e m u m a g o i a b e i r a . E m s u a d e n ú n c i a , C a e t a n o
m e n c i o n o u a c o n s t a n t e f a m a q u e h á d e s e r o d i t o I z i d r o
j u d e u . C o n t u d o , p a r e c e q u e o i n q u i s i d o r , a g i n d o
p o m b a l i n a m e n t e , d e u p o u c a a t e n ç ã o à h i s t ó r i a d e C a e t a n o : a
d e n ú n c i a é b r e v e , n ã o h a v e n d o a s i n q u i r i ç õ e s d e p r a x e s o b r e
a r a z ã o q u e m o t i v o u a d e l a ç ã o , s o b r e a f a m a e c o s t u m e s d o
d e n u n c i a d o , e n e m l h e f o r a m d a d a s a s h a b i t u a i s r a t i f i c a ç õ e s
d e c r é d i t o , p r á t i c a c o m u m d a s v i s i t a ç õ e s i n q u i s i t o r i a i s - p a r a
a u f e r i r e m o u n ã o c r e d i b i l i d a d e a u m a d e n ú n c i a 236.
O u t r a d a s d e n ú n c i a s o n d e e n c o n t r a m o s m e n ç ã o a
j u d a í s m o é a q u e J o s é d a C o s t a f a z d e s e u v i z i n h o , o a l f e r e s
d e i n f a n t a r i a T o m á s L u i z T e i x e i r a . S e g u n d o J o s é , e m 1 7 4 2 ,
T o m á s t e r i a j o g a d o , e m c i m a d e u m a p r o c i s s ã o d e m e n i n o s d o
c o l é g i o q u e c a n t a v a d e b a i x o d e s u a j a n e l a , u m v a s o d e
i m u n d í c i e s f é t i d a s e a s q u e r o s a s . P o i s b e m : o v a s o c a i u e m
c i m a d e u m a n d o r , q u e a n t e s d o a t e n t a d o s e e n c o n t r a v a muito
bem asseado e armado com oito velinhas de cera, e dentro (...) uma imagem perfeita do
Senhor crucificado . O vaso de imundícies teve o efeito de uma bomba de fragmentação:
O resultado foi que Tomás se retirou da janela de onde cometera o
malcheiroso bombardeio, e os meninos ficaram a clamar contra ele de judeu até que desfeita
ali a procissão se retirou cada um para sua casa, ficando o denunciante e os presentes
indignados com a conduta tão anti-social do alferes sacrílego237.
235 Para uma relação mais completa das profissões, ver anexos I e I I . 236 Livro da Vis i tação ..., pp . 228-229. 237 I dem, pp . 168-171.
114
Tamanha escassez de denúncias relativas a práticas judaicas pode, seguramente,
ser vista como um indício da política de tolerância pombalina para com os cristãos-novos, o
que vem a contrariar a hipótese de que a visitação seria motivada pela necessidade de se
controlar o poderio econômico dos elementos judaicos na colônia. Na visita paraense, mais
que o fato de judaizar - o qual não foi, em momento algum, mencionado em nenhuma das
denúncias -, importam os atos escabrosos e anti-sociais, que são o verdadeiro motivo das
delações. A a u s ê n c i a d e d e n ú n c i a s c o n t r a j u d a i z a n t e s n ã o é f a t o r
d e e s t r a n h e z a o u b i z a r r i a h i s t ó r i c a , c o m o p o d e r - s e - i a p e n s a r
à p r i m e i r a v i s t a . T a l a u s ê n c i a é , a n t e s d e m a i s n a d a , i n d í c i o
d e q u e o s t e m p o s v i v i d o s s ã o o u t r o s , d e t o l e r â n c i a e
i n t e g r a ç ã o d o s c r i s t ã o s - n o v o s , e q u e a o S a n t o O f í c i o j á n ã o
p r e o c u p a v a m a o s d e l i t o s j u d a i c o s . P e r a n t e o v i s i t a d o r , o u t r o s
t i p o s d e d e l i t o s j o r r a r a m a o s b o r b o t õ e s .
Também encontramos, ao longo do Livro da Visitação, delitos comuns às
visitas anteriores - e plenamente ligados à virada que Trento propiciou à atuação da Inquisição,
quando esta passou também a reprimir os pecados morais dos cristãos velhos. É assim que
encontramos diversos casos de blasfêmias, bigamia e sodomia - um destes últimos, inclusive,
protagonizado por um clérigo, o frade Manoel do Rosário. Missionário carmelita, o frade, em
12 de outubro de 1763 confessou ao visitador ter praticado o pecado nefando, em ocasiões
diferentes, com duas índias - uma já falecida e outra, na época, com doze anos de idade -
residentes na fazenda do Camarã, na Ilha de Marajó, propriedade dos carmelitas238. Tal fato é
apenas uma das evidências de quanto o clero colonial tinha de pré-tridentino, no que tange ao
comportamento moral e social, levando uma vida que pouco lhes diferenciavam do comum
dos fiéis - o que foi um dos grandes objetivos da reforma do clero no Brasil setecentista,
estudada por Lana Lage239.
Contudo, a grande ênfase da visita paraense recai sobre as
denúncias/ confissões relativas a práticas mágico-religiosas. Estas estavam - assim como em
toda a colônia - profundamente arraigadas na vida cotidiana. Vivenciada na mais pura
mentalidade religiosa pré-tridentina, a magia interpenetrava a religião católica, sendo vista
238 Idem, pp . 147-150. 239 A este respeito , ver Lana Lage, A Confis s ão ..., especialmente o cap ítulo in t itulado A
reforma do clero co lonial .
115
como apoio e meio de solução para as dificuldades do dia-a-dia, tais como doenças, sumiços
de objetos e acidentes vários.
A fim de melhor organizar o estudo, podemos reunir as práticas mágicas
presentes no Livro da Visitação em quatro grupos:
A magia divinatória, onde encontramos desde o uso de adivinhações simples
(as chamadas sortes ) até a invocação de espíritos para a obtenção direta de informações;
A magia amorosa, onde se encontra grande incidência de orações dedicadas a
santos católicos, acompanhadas ou não de gestos rituais, e também outras práticas, tais como
cartas de toque e pactos com o Diabo;
Magia de cura, com rezas, rituais de contra-feitiçaria e catimbó;
Magia de proteção, representada basicamente pela confecção de bolsas de
mandinga.
Assim podemos dividir as práticas mágicas da visitação paraense. Tais feitiços e
conjuros serão, de agora em diante, objeto de nossas atenções. Convido o leitor, pois, a se
embrenhar neste terreiro de magia, amores danados e maldições.
116
CAP Í T U LO 5
-AS ARTE S MÁG ICAS PARAE N SE S-
I - ALG UMAS Q UE STÕ E S PRE LIMIN ARE S
A partir deste momento, passaremos a mergulhar mais a fundo na magia
presente no cotidiano e na mentalidade religiosa paraenses. Com isso, torna-se necessário que
especifiquemos alguns parâmetros.
O primeiro deles está ligado à magia propriamente dita. Devemos, aqui, tomar o
cuidado de não adotar inteira ou acriticamente noções de magia que foram elaboradas tendo
por base estudos de outras sociedades e de outros sistemas culturais, alheios ao que
investigamos agora. Tais modelos são úteis se utilizados com comedimento e critério, e isto é
o que pretendo fazer para o estudo do sistema mágico-religioso paraense. Os grandes
esquemas aplicativos ou as definições que cabem em qualquer objeto-tempo-lugar devem ser
evitados pois, nas palavras de Carlos R. F. Nogueira, as bases do pensamento mágico diferem
de sociedade para sociedade, ou mesmo de um grupo social para outro . O autor prossegue,
afirmando que não existe uma magia, existem magias, tantas quanto forem os sistemas
culturais 240. O que procurarei neste estudo é caracterizar esta magia, traçando seus atributos e
procurando revelar sua unicidade, dentro do todo colonial brasileiro.
Creio que, no caso paraense, a magia e as diversas formas pelas quais ela se
manifesta não estão, de modo algum, desvinculadas da religião praticada diariamente. Pelo
contrário, a magia é parte integrante da religiosidade paraense. Os relatos constantes do Livro
240 Car los Rober to F . N ogueira, Bruxaria e H is tória , São Paulo , Át ica, 1991, pag. 15 - gr ifo do autor .
117
da Visitação não apontam, em momento algum, para uma desvinculação entre uma e outra -
o que vem a confirmar as idéias de Carlos Roberto F. Nogueira, para quem
Magia, no âmbito paraense, bem como no todo colonial, não está desvinculada
de religião. Contudo, a fim de uma melhor operacionalização de nossa investigação, faz-se
necessária uma conceituação que lhe seja específica. Para este caso, encontramos em
Malinowski uma definição de considerável aplicabilidade para nosso estudo. Para ele, magia é
A magia, segundo Malinowski, serve ao homem como um anteparo à
impotência, desespero e ansiedade cotidianos, pois é usada como um instrumento de ajuda
para superar sua falibilidade e limitações, permitindo que este
Esta característica é confirmada pela análise das denúncias/ confissões de
práticas mágicas constantes do Livro da Visitação, onde encontramos o homem em
constante luta face a males físicos frente aos quais ele não possui muitos recursos, ou mesmo
no desespero de reconquistar um amor perdido.
A magia se manifesta na forma do conjuro, do feitiço - que é onde os poderes
contidos na magia são acionados e direcionados para o fim que se deseja alcançar. O cerne do
feitiço é a repetição correta da fórmula e do ritual, os quais habilitam qualquer um que os
conheça a praticá-los, no entender de Keith Thomas244. Isto fica patente quando, na visitação
paraense, como teremos oportunidade de observar fartamente, encontramos casos de
ensinamentos de conjuros que não exigem poderes sobrenaturais por parte do oficiante.
Diversos feitiços amorosos, por exemplo, têm eficácia garantida mediante a simples execução
correta das preces e do ritual; não requerem prática nem tampouco habilidade do praticante.
Tudo o que estas cerimônias requerem limita-se apenas à obediência estrita à sua fórmula.
Uma vez aprendido o conjuro, o praticante é, por sua vez, livre para ensiná-lo a terceiros,
241 Idem, pag. 14. 242 Bronislaw Malinowski, Magia, ciência, religião in Mag ia, Ciênc ia e Re lig ião ,
Lisboa, E dições 70, 1988, pag. 90. A ap licabilidade desta noção de Malinowski f icará bastan te clara à medida em que, em breve, passemos a analisar a magia paraense.
243 I dem, pp . 92-93. 244 Keith Thomas, Re lig ião e o D e c línio da Mag ia , São Paulo , Companhia das Let ras,
1991, pag. 376.
118
formando assim uma ampla rede de difusão de tais práticas, passível de ser atestada através da
leitura das denúncias e confissões245.
Uma outra noção que auxiliará a presente análise é a de religião como sistema
cultural. Segundo Clifford Geertz, a cultura rege o comportamento do homem. Ela o diferencia
do resto dos animais, cujas atitudes e reações ante o mundo estão codificadas na forma de
instinto. A cultura se apresenta como um código de ordenação e controle de atitudes e
experiências incorporado em símbolos. Graças a isto, ela torna o mundo e a vida passíveis de
compreensão pelo homem, livrando-o de um possível caos de emoções, sensações e atos.
Devido à cultura, o homem possui uma visão ordenada daquilo que o cerca: tudo o que é
novo e estranho, fora dos padrões culturais, é culturalizado e simbolizado , tornando-se
assim passível de explicação e aceitação, entrando deste modo em uma ordem lógica de
pensamento246. Cultura, para Geertz, é então um padrão de significados transmitido
historicamente, incorporado em símbolos 247. Os sistemas culturais, ou seja, os mecanismos
pelos quais determinado grupo social elabora um código de compreensão do mundo e da
realidade que o cerca, são, devemos lembrar, variáveis geográfica e cronológicamente.
Para Geertz, a religião é uma das manifestações da cultura. O autor entende a
primeira como
Na qualidade de sistema cultural, a religião oferece uma ordenação e
simbolização do mundo, auxiliando os indivíduos e as comunidades na tarefa de compreensão
da existência, por um viés que transcende os fatores puramente materiais. Desta forma, a
religião e a experiência religiosa ajudam o homem a compreender e aceitar, por exemplo, o
infortúnio e a dor, conferindo-lhes sentido, culturalizando -as, através de uma visão
metafísica da vida, legitimada e concretizada, isto é, tornada real e factível através da própria
autoridade do sistema religioso, presente no cotidiano das pessoas.
245 O s anexos I e I I são , neste caso , p rofundamente elucidat ivos, por most rarem as pessoas que ensinaram e aprenderam orações e conjuros bem como, na medida do possível, seus endereços - o que vem ajudar na visualização desta rede social de so lidar iedades, atuant e quer seja na indicação do curandeiro ou no ensino de rezas.
246 Clifford G eer tz, A Inte rpre taç ão das Culturas , Rio de Janeiro , G uanabara, 1989, pp . 13-41.
247 I dem, pag. 103. 248 I dem, pp . 104-105.
119
Tendo este raciocínio como ponto de partida, podemos então traçar o papel da
magia dentro de um sistema religioso: ela é uma das formas de apreensão da realidade objetiva
e dos fatos da vida, como os infortúnios, os nascimentos, a morte, a chuva, as colheitas. Neste
sentido, a magia possui um papel duplo: ao mesmo tempo em que ela torna compreensíveis
tais fatos, oferece uma alternativa para interferir em seu transcurso, ou propiciá-lo de maneira
positiva para quem dela se recorre. Podemos, deste modo, compreender a mentalidade
religiosa, magista, presente no Livro da Visitação, manifestada nas confissões e denúncias
relativas à prática de magia, as quais passamos agora a analisar.
120
I I - CO N JU RO S E F E I T I ÇARI AS
-Magia D ivin ató r ia
A prática de adivinhação sempre foi, no Ocidente cristão, associada ao Diabo.
Proscrito pelas autoridades eclesiásticas, o conhecimento de coisas vetadas ao homem comum,
como o destino das almas após a morte, o futuro, ou mesmo coisas mais prosaicas e
cotidianas, como o paradeiro de objetos sumidos ou a obtenção de informações sobre pessoas
que estivessem afastadas das comunidades, foi inevitavelmente associado à bruxaria. Em 1587
George Gifford escreveu que a bruxa é
A legislação lusitana também procurou reprimir as práticas divinatórias. O
Título III das Ordenações Filipinas menciona as pessoas que adivinham através da água, de
249 Apud Rossel H ope Robbins, The E nc yc lope dia o f Witchcraft & D e monolog y, N ew York, Bonanza, 1981, pag. 546, gr ifo meu.
121
cristais, espelhos, espadas e outros objetos, penalizando aquele que incorresse nestas práticas
com açoites públicos, multa e degredo para o Brasil250.
Este tipo de magia era praticado através de diversos rituais, chamados
comumente em Portugal de sortes . No âmbito paraense, as finalidades para as quais estas
sortes se prestavam diziam respeito ao conhecimento do futuro, de fatos que ocorressem em
locais distantes, a detecção do paradeiro de pessoas e objetos.
A prática divinatória com maior incidência na visitação paraense é a do balaio,
utilizado para detectar autores de furtos e responsáveis por sumiços de pequenos objetos.
Dela, encontramos cinco casos: dois confessados, e os restantes denunciados. A prática
consistia no seguinte: espetava-se a ponta de uma tesoura em um balaio. O consulente
segurava em um dos anéis da tesoura, o praticante em outro, ficando o balaio dependurado.
Feito isto, o praticante pronunciava uma oração, geralmente evocando a São Pedro e a São
Paulo, enquanto o consulente enumerava as pessoas de quem suspeitasse. Ao ser pronunciado
o nome do culpado, o balaio se alteraria de alguma forma, comumente girando, ou caindo ao
chão. Manoel Pacheco Madureira, para identificar o autor do furto de uma camisa sua, rezou
que por São Pedro, por São Paulo, pela porta de Santiago, fulano furtou tal coisa , enquanto
nomeava os suspeitos251. Marçal, pedreiro e escravo do Chantre da Sé, recorreu diversas vezes
ao balaio para detectar o autor do furto de cinco patacas de um velho feitor do engenho no
qual residia, e também quem roubara duas varas de algodão da preta Gregória252. A também
escrava Maria Francisca - residente na casa de seu senhor, na Rua Formosa - utilizou, de igual
modo, o balaio para descobrir o autor do furto do dinheiro de alguns escravos seus
conhecidos, tendo sido denunciada por isso253.
O balaio não é uma exclusividade paraense. Laura de Mello e Souza menciona
a ocorrência deste tipo de adivinhação em Pernambuco, no século XVI254. Também
encontramos menções à prática do balaio em terras lusas: no século XVI, Brites Frazoa
utilizou a prática para detectar o ladrão que roubara uma camisa de sua cliente, conjurando a
250 Cf. Laura de Mello e Souza, O D iabo e a Te rra de Santa Cruz , São Paulo , Companhia das Let ras, 1987, pag. 157. Ver t ambém José Pedro Paiva, Práticas e Crenç as Mág icas , Coimbra, Minerva, 1992, pag. 40.
251 Livro da Vis i tação do Santo Ofíc io da Inquis ição ao E s tado do Grão-Pará , Pet rópolis, Vozes, 1978, pag. 238.
252 I dem, pp . 156-158. 253 I dem, pp . 141-144. 254 Laura de Mello e Souza, op . cit ., pag.158.
122
Deus, São Pedro e São Paulo255. Keith Thomas também relata o uso do balaio na Inglaterra do
século XVI, sendo este praticado sem muitas alterações em relação a Portugal e Brasil: o
mesmo procedimento em relação ao balaio e à tesoura, a invocação a São Pedro e São Paulo -
fortuitamente, a Deus -, e a nomeação dos culpados256.
Também se recorria à adivinhação para obter conhecimentos a respeito de
coisas futuras. Assim foi com Isabel Maria da Silva, residente à rua de S. João, que no dia 29
de outubro de 1763 procurou a Mesa da visitação para confessar culpas pertencentes ao
conhecimento do Santo Ofício . Isabel contou ao inquisidor que aprendera, anos atrás, a
fazer uma sorte chamada de São João , que segundo a confitente, tinha o poder de revelar o
destino das pessoas. A sorte deveria ser realizada, como já diz o seu nome, na noite de S. João,
sendo necessários um ovo e um copo com água. O praticante deveria quebrar o ovo e lançar
clara e gema na água,
Isabel confessou ter praticado este ritual de hidromancia por três anos
consecutivos, dois no estado de solteira, e um sendo já casada com Domingos da Silva,
capitão do regimento de Belém. Na primeira vez, desejava saber o futuro de um estudante
conhecido seu, o qual sintomaticamente a confitente não se lembra o seu nome nem dos de
seu pai . Segundo a confitente, o ovo desenhou a figura de uma igreja com um altar e um
clérigo rezando missa, indicando uma carreira eclesiástica para o rapaz - o que, conforme o
relato, veio a acontecer. A segunda vez foi para saber se determinada moça, a qual Isabel não
sabia nome, endereço ou nenhum outro dado identificador, casaria com homem do reino, ou
seja, português, ou não. Lançado na água, o ovo desenhou a figura de um navio, indicador de
que o futuro marido da consulente haveria de chegar por mar, ou seja, viria do reino - o que
veio, também, a confirmar-se. A última ocasião confessada foi para saber a mesma coisa para a
parda Nazária: como a gema do ovo, porém, não formou a imagem de um navio no copo com
água, Isabel inferiu então que Nazária casar-se-ia com um homem daqui mesmo, como na
realidade sucedeu 257. Tal prática ainda soa familiar nos dias de hoje, onde nos deparamos
com rituais semelhantes para as noites de S. João e de Sto. Antônio. Encontramos ainda
255 Francisco Bethencourt , O Imag inário da Mag ia , Lisboa, Pro jecto Universidade Abert a, 1987, pag. 47.
256 Thomas, op . cit ., pag. 184. 257 Livro da Vis i tação . . . , pp . 181-186.
123
referências a ela no Portugal do século XVII, onde Vitoria Pereira, conhecida como a
Vianeza adivinhava o destino de pessoas que estivessem ao mar através do ovo e da água.
Ficando o ovo a flutuar por sobre a água, era sinal de que as pessoas estavam a salvo, e as
embarcações estavam a navegar seguras 258.
No caso deste tipo de adivinhação, fica patente a função interpretativa do
praticante. Da mesma forma que o augure romano, era ele quem detinha a chave da
interpretação dos sinais codificados, enviados pelas forças sobrenaturais consultadas. O
praticante transformava tais sinais em mensagens inteligíveis sobre o destino ou as questões
que interessavam aos consulentes, através da interpretação das formas assumidas pelo ovo em
contato com a água. Tais formas de adivinhação augurais, diga-se de passagem, são também
encontradas em Portugal desde tempos muito remotos - vestígios das passagens dos romanos
e suevos por aquelas paragens259.
As adivinhações de Isabel, bem como suas culpas perante o Santo Ofício, não
paravam nas sortes inocentes. Em 26 de outubro de 1763, três dias antes de sua apresentação
à Mesa da Inquisição, portanto, Isabel tinha sido denunciada ao visitador por Josefa Coelho.
Esta, por sua vez, disse saber, através de outras pessoas que testemunharam os fatos, que
Isabel tinha o costume de invocar espíritos para obter conhecimento de diversas coisas. Josefa
narrou ao visitador que Isabel punha-se no centro da sala de sua casa começava a invocar por
cantigas a três pretinhos ou diabretes , que então surgiam dos cantos da casa, dançando ao
som das ditas cantigas , e respondiam às suas perguntas. Segundo a denunciante, Isabel não
possuía uma boa reputação: em suas palavras,
Isto tudo, somado ao fato de que Isabel não frequentava a missa, nem
mandava dizê-la em sua casa260. Com base nestes dados, podemos imaginar as intenções de
Isabel, ao apresentar-se frente ao visitador: procurar cair nas boas graças do inquisidor,
provavelmente já sabendo ter sido denunciada por tão pesadas práticas. Se teve realmente esta
idéia, Isabel não foi muito feliz: as denúncias renderam-lhe um processo pela Inquisição de
Lisboa.
258 Paiva, op . cit ., pp . 130-131. 259 Luís Chaves, Costumes e t radições vigentes no século VI e na actualidade in Brac ara
Aug us ta , VI I I , pp . 243-277. Sobre magia romana, ver Ugo E nr ico Paoli, U rbs , Barcelona, Iber ia/ Joaquin G il, s.d ., pp . 289-302.
260 Livro da Vis i tação . . . , pp . 182-184.
124
Encontramos, ao analisar estas denúncias de invocações de xerimbabos ou
diabretes , grandes semelhanças com os demônios familiares, contribuição inglesa para a
teoria clássica da bruxaria. Enviados por Satã às bruxas para lhes prestarem pequenos serviços
e fazerem adivinhações, tais demônios assumiam, corriqueiramente, a forma de pequenos
animais de estimação como cachorros, gatos, ratinhos e mesmo sapos e moscas, e eram
alimentados pelas bruxas com carne e, até mesmo, seu próprio sangue261. Os espíritos
invocados por Isabel Maria da Silva parecem ter esta mesma função, na medida em que eram
convocados para prestarem informações e, sintomaticamente, eram também designados como
xerimbabos, antiga forma tupi de tratamento para animais de estimação, em vigor até hoje no
Norte brasileiro. Tal denominação nada mais faz do que assemelhar ainda mais os pretinhos
paraenses aos familiares medievais ingleses. A negritude desses espíritos é também um outro
fator digno de nota, na medida em que reflete uma das caracterizações do Diabo e sua corte
no contexto colonial: aqui, o Diabo é negro, numa conceituação pejorativa e aviltante da
escravidão262.
Também encontramos, no Livro da Visitação, adivinhações oníricas, como
no caso de Maria Joana de Azevedo. Maria confessou ao visitador que, através de sonhos,
pudera ter ciência do paradeiro da alma de uma pessoa conhecida sua263.
Uma outra modalidade de magia cognitiva era a consulta a espíritos para
diagnoses e detecções de feitiços, nas sessões de curandeirismo, as quais analisaremos em
momento posterior deste trabalho.
261 Robbins,op . cit ., pp . 192-193. Ver t ambém Thomas, op . cit ., pag. 362. 262 Car los Rober to F . N ogueira, A Outra Face de Satã , t exto inédito , 20p . Agradeço ao
autor a gent ileza de me franquear o acesso a est e t exto . 263 Livro da Vis i tação ..., pag. 256.
125
- D e Am o res D an ado s e Ar tes E n can tató r ias
Uma outra categoria presente no Livro da Visitação é a da magia praticada
com fins amatórios que, em uma quantificação dos delitos mágicos confessados e
denunciados, ocupa o lugar de maior incidência. Encontramos, em nossa fonte principal, um
leque amplo de práticas que buscavam, através dos mais diversos meios, conquistar amores,
ou recuperar as paixões rompidas. A manipulação e alteração das vontades humanas, seja para
gerar ódios ou o amor, é uma das características mais marcantes das práticas de feitiçaria, bem
como é um dos poderes comumente atribuídos às bruxas. Dentre estas, encontramos o
clássico exemplo da Celestina, alcoviteira conhecedora de diversos feitiços voltados para as
artes do sexo264 Porém, em que consistia a magia amorosa encontrada no Livro da Visitação?
Tais práticas constituíam-se, em sua quase totalidade, de orações fortes. Tais
orações eram preces com sentido propiciatório, executadas acompanhadas ou não de rituais e
gestos, já conhecidas da Inquisição portuguesa.
Marcel Mauss, ao estudar a prece, diz que esta pode assumir diversas formas,
desempenhar diversas funções e manter inalterada sua natureza. Assim, a prece teria
participação no rito e na crença do sistema religioso. Nas palavras de Mauss, a prece
E é com o aspecto misto de rito propiciatório e evocação mística que
encontramos as orações de amor no universo religioso paraense. Tais orações eram, em sua
totalidade, dedicadas a santos católicos, principalmente a S. Marcos e S. Cipriano.
A São. Marcos estão dedicadas a maioria das orações de amor presentes no
Livro da Visitação. As preces se tornam verdadeiros encantamentos rituais, na medida em
que devem ser conjuradas aliadas a uma elaborada rotina de gestos. Elas evocam o santo,
relembrando elementos pertinentes à sua lenda, e suplicam-lhe a concessão do favor almejado,
264 Fernando de Rojas, A Ce le s tina , Porto Alegre, Sulina, 1990.
126
que é a conquista do amor de uma mulher. O ajudante de ordenança Manoel Nunes da Silva
confessou ao visitador uma das mais completas orações a São Marcos, no todo do Livro da
Visitação, cujo texto - com momentos do mais inspirado lirismo, por sinal - é o seguinte:
A evocação inicia com a nomeação do santo, o evangelista São Marcos de
Veneza, local para onde, vindos de Alexandria, foram levados o que se acreditavam serem seus
restos mortais. Estes foram guardados, então, na igreja dedicada ao santo267. A análise do
simbolismo presente na oração revela alguns dados interessantes. Laura de Mello e Souza
lembra que na mentalidade popular, o atributo de São Marcos era marcar 268, tornando assim a
pessoa alvejada pela oração especial, de alguma maneira. Tal atributo é notado na oração
praticada por Maria Joana de Azevedo, que dizia ...São Marcos te marque, São Marcos te
amanse... 269. E é ainda Laura de Mello e Souza quem recorda a associação do touro - animal
símbolo de virilidade e fertilidade masculina - à representação pagã de S. Marcos, cujas festas
possuíam aspectos agrícola e pastoril e às vezes coincidiam com feiras de gado . Deste modo,
segundo a historiadora, torna-se possível entender que São Marcos (...) fosse invocado por
feiticeiros (...) para patrocinar e tornar mais férteis os amores ilícitos 270. Por fim, um último
dado interessante: em sua biografia, consta que São Marcos morreu em Alexandria, acusado de
magia, o que lhe valeria a habilitação para atender a tal espécie de rogativa.
A oração continua com a invocação do Espírito Santo e da Hóstia Consagrada,
elementos de culto católicos que teriam a faculdade de confirmar o suplicante no coração da
mulher desejada. Tais invocações demonstram uma apropriação, por parte dos fiéis, do poder
mágico atribuído a símbolos e rituais consagrados pela Igreja, o que era uma das características
mais marcantes do cristianismo tradicional, pré-reformas271.
Há também, nesta oração, o aspecto da evocação da lenda referente ao santo,
expressado pela menção à subida aos montes e ao amansamento de touros bravos através de
palavras. Encontramos, aqui, a prece como uma mistura de rito propiciatório e evocação
265 Marcel Mauss, A prece in Marce l Maus s , compilação de Rober to Cardoso de O liveira, São Paulo , Át ica,1979, pag. 104.
266 Livro da Vis i tação ..., pag. 240. 267 D onald At twater , D ic ionário dos Santos , Rio de Janeiro , Ar t E ditora, 1991, pag. 199.
Jorge Campos Tavares, D ic ionário de Santos , 2ª ed ., Por to , Lello & I rmão, 1990, pag. 100.
268 O p . cit ., pag. 233, em it álico no or iginal. 269 Livro da Vis i tação . . . , pag. 252. 270 Laura de Mello e Souza, op . cit ., pag. 234.
127
mítica, o que pode ser reparado ainda em outra oração, confessada por Maria Joana de
Azevedo (um raro caso paraense de mulher que confessa orações para atingir o amor dos
homens), onde se menciona que
Nota-se, nestes casos, uma imbricação entre dois sentidos da prece: o ritual,
onde ela é uma evocação de forças exteriores (no caso, os santos) com o fito de propiciar
determinado objetivo, seja ele espiritual ou material; o mítico, onde rememora e fixa eventos
mitológicos que são, desta forma, preservados do esquecimento (ou são usados para
reafirmação do credo religioso). Nas orações que analisamos, o mito é um elemento a mais na
invocação de forças superiores, reforçando o que é pedido.
S. Cipriano, o outro santo a quem são dirigidas orações amorosas, não é menos
interessante enquanto objeto de estudos. Sua oração possui, de maneira idêntica à de S.
Marcos, uma linearidade textual, apresentando poucas variantes entre os diferentes relatos
feitos ao inquisidor. A jovem Maria Joana de Azevedo, que aos 16 anos foi apresentar-se à
Mesa do Santo Ofício, impressiona pela quantidade de orações que sabia em tão tenra idade:
ao todo, confessou onze. Inserida neste vasto repertório, está a mais completa oração a S.
Cipriano encontrada na visitação paraense:
Esta oração mostra uma confusão, ocorrida em relação a dois Ciprianos. O
primeiro, cujos elementos biográficos estão mencionados na prece, é S. Cipriano de Cartago,
bispo e mártir. Falecido em 258 d.C., sua comemoração ocorre a 16 de setembro. Não
obstante ter levado uma vida devassa até sua conversão em 246, a partir deste momento
passou a exibir comportamento exemplar, que o levou ao episcopado de Cartago e à glória de
ter reorganizado a Igreja em África. Em virtude destes feitos, é nomeado bispo. arcebispo e
confessor de (...) Jesus Cristo , sendo invocado por sua santidade274.
A confusão vai se patenteando quando percebemos, através da leitura do Livro
da Visitação, quais eram as intenções das pessoas que recorriam a esta prece: a (re)conquista
de um amor ilícito. Tais atribuições estão na esfera de competência de outro Cipriano, o de
271 Bethencour t , op . cit ., pag. 72. Ver t ambém Luís Chaves, op . cit ., pp . 259-267. 272 Livro da Vis i tação . . . , pag. 252. 273 Livro da Vis i tação , pag. 255. 274 At twater , op . cit ., pp . 72-73; Tavares, op . cit ., pag. 39.
128
Antioquia. Também martirizado, este Cipriano possuía fama de feiticeiro de alto coturno, que
usou de seus poderes na tentativa de seduzir Justina, jovem e virtuosa cristã. Como a magia negra,
à qual se dedicava, não lhe concedeu os favores que requisitava da donzela, Cipriano acabou
por converter-se ao cristianismo. Deste modo, foi aceito pela amada, e com ela viveu os gozos
do martírio. Sua comemoração ocorre, significativamente, a 26 de setembro, data muito
próxima da comemoração do Cipriano de Cartago275. A utilização de artes mágicas e de
invocações na busca do amor são, deste modo, atributos do Cipriano de Cartago, ex-mágico e
posteriormente, mártir. A estudiosa Jerusa Pires Ferreira trabalha com a hipótese de que a
Igreja cooptou este santo-bruxo cuja oração era bastante difundida em Portugal, de apelo
irremediavelmente popular, dando um cunho cristão à lenda do povo276. O que estas orações
demonstram, em última análise, é uma confusão entre os dois Ciprianos, onde se roga ao de
Cartago determinadas coisas - e também em circunstâncias - próprias das atitudes do Cipriano
de Antioquia. Segundo Laura de Mello e Souza, não se encontra, no conjunto da
documentação inquisitorial referente à colônia, alusões às preces a S. Cipriano fora do Grão-
Pará277.
Por fim, dentro do conjunto das orações de amor, encontramos aquelas
dirigidas às Três Estrelas - reminiscência de um arcaico costume de culto a elementos da
natureza278, difundido em Portugal. Nestas orações, o praticante evocava às três estrelas para
que lhe favorecessem os objetivos:
Assim rezava Maria Joana de Azevedo. Também fez uso desta oração Manoel
Pacheco de Madureira, que se apresentou ao visitador em 4 de novembro de 1765. Seu caso,
aliás, é bastante ilustrativo: além de confessar que praticara o balaio, Manoel relatou que
mantivera relações amorosas com uma sobrinha de sua falecida esposa (o que ele não contou é
se o caso teve lugar enquanto esta ainda era viva). A moça, por instâncias de seus confessores,
que lhe negavam absolvição enquanto vivesse em pecado, rompeu o caso amoroso, levando
275 At twater , I dem, pag. 73; Tavares, Id ., ib id . 276 Ferreira, Jerusa Pires, O Livro de São Cipriano , São Paulo , Perspect iva, 1992, pp . 1-
2. 277 Laura de Mello e Souza, op . cit ., pag. 232. 278 Chaves, op . cit ., pag. 265. 279 Livro da Vis i tação , pag. 257.
129
Manoel ao desespero. Segundo o confitente, foram utilizados todos os meios (...) de
palavras , sem que com isso fosse dobrada a vontade da ex-amante. Desolado, Manoel
Munido de paciência e perseverança, o deprimido Manoel não se fez de
rogado: para garantir a eficácia dos conjuros, rezou as três preces umas trezentas vezes,
pouco mais , olhando fixamente para a mulher, toda vez que esta surgia em seu caminho280. O
resultado não foi o esperado: Manoel não conseguiu - nem mesmo gastando todo o seu fôlego
repetindo tantas vezes as orações - reconquistar o amor perdido. Sua história teve um
desfecho ainda mais dramático, o qual teremos chance de verificar mais adiante.
Devemos levar em conta um último fator: estas orações faziam invocações a
santos da Igreja, com a finalidade de propiciar ligações amorosas. Porém, que tipo de ligações
eram estas? Para que eram solicitados tais santos, um ligado a ritos de fertilidade pagãos, outro
envolvido com rituais de magia negra?
Diferentemente de Santo Antônio, São João, ou S. Gonçalo do Amarante,
tradicionalmente procurados por sua habilidade em propiciar o casamento segundo as
normas da Igreja281, as orações de amor paraenses que evocavam santos católicos possuem um
único objetivo: o favorecimento de intercursos carnais ilícitos - quer sejam a fornicação
simples ou o adultério. Não há aplicações para estas preces fora dos pecados relativos ao sexto
e ao nono mandamentos da Igreja. O soldado Manoel José da Maia, de 26 anos de idade,
confessou ter aprendido a oração de São Marcos para o fim de conseguir uma certa mulher
casada, e outra viúva . O índio atanásio, que ensinou a oração,
Exceção à regra é o caso de Manoel Nunes da Silva, que aprendera certa
oração de S. Marcos para conquistar uma mulher com quem desejava casar-se. A oração não
foi bem sucedida com a pretendida, e Manoel atribuiu o fracasso à dúvida que tinha em sua
eficácia - depositar fé na oração é um dado importante para as práticas que analisamos.
Contudo, ao mudar de residência, Manoel contraiu ilícita amizade com certa índia casada que
morava em distância de um quarto de légua , e que não ia visitá-lo com a constância que este
280 Idem, pp . 237-239 281 Ver G ilber to Freyre, Cas a-Grande e Se nz ala , Rio de Janeiro , Record, 1989, pp . 246-
247. 282 Livro da Vis i tação ..., pag. 201. G r ifo meu.
130
desejava. Manoel então usou a oração, e muitas vezes vinha ela [a índia] só sem [o confitente]
a ir buscar 283. Para esta adúltera fornicação o santo trabalhava, voltando a regra a prevalecer.
As preces amatórias, porém, não se limitavam apenas àquelas de S. Marcos, S.
Cipriano e das Três Estrelas. Encontramos, no Livro da Visitação, um exemplo - ainda que
isolado - de oração recorrendo a elementos sagrados cristãos. Sagrados demais, uma vez que
eram invocados pedaços do próprio corpo de Cristo. Quem fazia uso desta oração - o leitor, a
esta altura, não precisaria de balaios ou ovos em copos d água para adivinhar - era Maria Joana
de Azevedo. Segundo ela, uma das formas de atrair os afetos da pessoa desejada era
pronunciar as seguintes palavras:
Encontramos, nesta oração uma intimidade muito grande com Cristo e sua
mãe, que sevidencia na medida em que são ofertados, pela suplicante, elementos pertencentes
ao próprio corpo dos santos. Tal fato remonta àquilo que Mikhail Bakhtin chamou de
vocabulário de praça pública característico da cultura renascentista, onde era comum
mencionar ou jurar sobre membros e partes do corpo divino285. Em relação ao leite da Virgem
Maria, afirma Luiz Mott que este, na devoção popular lusitana era particularmente poderoso
contra as ciladas do diabo 286.
As orações que até agora analisamos eram, na maioria das vezes,
acompanhadas de um esquema de gestos rituais. Nelas, gesto e palavra se conjugavam em um
só rito. A prece enquanto rito é uma atitude tomada, um ato realizado diante das coisas
sagradas que se dirige à divindade e à [sua] influência, (...) consiste em movimentos materiais
dos quais se esperam resultados 287. Assim é que encontramos uma rotina ritual padronizada,
a ser praticada concomitantemente ao recitar das preces. O suplicante encara a mulher que
deseja conquistar e a fita, mesmo que de longe, enquanto reza, faz cruzes com as mãos ou os
pés, etc.
283 Idem, pag. 241. G r ifo meu. 284 I dem,pag. 251. 285 Mikhail Bakht in , A Cultura Popular na Idade Média e no Re nas c imento , São
Paulo / H ucit ec; Brasília/ UnB, 1993, pag. 167. 286 Luiz Mot t , Mar ia, virgem ou não? Q uat ro séculos de contestação no Brasil in O Sexo
Pro ibido , Campinas, Papirus, 1988, pag. 159. 287 Mauss, op . cit ., pag. 103.
131
O soldado mameluco Lourenço Rodrigues, por exemplo, aprendera com
Domingos Nunes uma oração de São Marcos, a qual devia ser recitada fazendo cruzes com a
cara 288. Já Maria Joana de Azevedo, ao praticar uma de suas orações de São Marcos - ao todo,
ela sabia quatro versões da prece -,
O ritual não se detinha aí. A oficiante começou, com o auxílio de um graveto, a
traçar cruzes no solo, pisadas com seu pé esquerdo no recitar da prece. Maria Joana utilizou
esta oração para si, e também para ajudar no casamento de uma amiga sua, abandonada por
um noivo fugidio289. A busca da encruzilhada, tida como local privilegiado para a prática de
magia por ser visto como ponto de transição mística entre o mundo dos vivos e o dos mortos;
o traçado de símbolos a serem pisados, e os encantamentos recitados à meia-noite remetem
diretamente à magia greco-romana, associada posteriormente às teorias clássicas de feitiçaria
européias, que de Portugal passaram ao Brasil290.
Com as teorias vieram, também, as crenças e práticas, as quais mantiveram-se
no seu estado original, conforme efetuadas em Portugal. Este patamar de pureza das práticas
lusitanas se manteve praticamente inalterado durante os primeiros decênios da colonização
brasileira, passando depois a sofrer modificações devido ao contato com diversas crenças,
oriundas de variadas matrizes culturais291.
O acompanhamento ritual, contudo, às vezes se excedia e beirava a bizarria,
como no caso de Manoel Nunes da Silva, que procurou as orações com finalidades
matrimoniais. A oração rezada por Manoel tinha um elemento sui generis, e que talvez fosse a
fonte de sua eficácia uma vez que, segundo o confitente, ela realmente surtiu efeito num
momento posterior. O tempero especial da oração estava justamente no acompanhamento
de gestos rituais, a serem realizados durante o recitar da prece. Manoel confessou que ao rezar,
entre outras coisas, ficava com os braços abertos em cruz, encostado com o peito e rosto em
288 Livro da Vis i tação , pag. 245. 289 I dem, pag. 253. 290 Sobre a magia greco-romana, ver Julio Caro Baro ja, As Bruxas e o Seu Mundo ,
Lisboa, Vega, 1978, pp . 47ss. N o que se refere à encruzilhada como ponto de encont ro ent re do is mundos, ver Bethencour t , op . cit , pag. 109.
291 Cf. Laura de Mello e Souza, O enraizamento : circular idade de culturas e crenças - Brasil, 1543-1618 in Infe rno Atlântico , São Paulo , Companhia das Let ras, 1993, pp . 47-57.
132
alguma porta ou janela fronteiras à casa da mulher desejada292. Uma vez assumida esta posição,
Manoel ficava a fazer cruzes com a bacia 293 - o que, como já havia mencionado o confitente,
era tiro e queda!
- Bichos e Sevandijas
Dentre as práticas mágicas representadas no Livro da Visitação, aquelas
ligadas à cura são as que se manifestam, em termos quantitativos, com maior proeminência.
Agindo na esfera da contra-magia, os curandeiros paraenses empregavam um amplo arsenal de
rezas e procedimentos rituais altamente sincréticos, que incluíam de práticas indígenas até os
exorcismos da Igreja.
A importância do curandeirismo no seio da sociedade paraense - ou a colonial,
de um modo geral - não deve ser estranhada. Tal fator deve ser entendido tendo-se em mente
o quadro da medicina no Brasil setecentista. A medicina colonial, baseada em sangrias,
purgativos e ventosas, era praticada por boticários e barbeiros, efetivos oficiantes da arte de
curar. Tal medicina mostrava-se de uma ineficácia dolorosamente atroz. Devemos também
levar em conta a falta de praticantes diplomados nas artes de cura, bem como de hospitais e
boticas que atendessem à população.
Nota destoante em tal ordem de coisas eram as enfermarias e boticas da
Companhia de Jesus. Os inacianos, até a data de sua expulsão, mantiveram em seus colégios
diversas enfermarias, as quais, em muitos lugares, eram o único local de atendimento médico à
292 Portas e janelas possuem um simbolismo, no qual são vist as como pontos de passagem ent re o mundo humano e o cósmico , e en t re o profano e o sagrado . Possuem também ligações simbólicas com a vulva e a penet ração sexual. Sobre t al simbolismo, ver Bethencour t , op . cit ., pag. 110.
293 Livro da Vis i tação . . . , pp . 239-242.
133
população, como no caso de Belém do Pará no século XVIII294. Além disso, estes
missionários também se destacaram enquanto estudiosos das propriedades curativas de ervas
brasílicas, utilizadas pelos pajés.
A escassez de médicos e hospitais já auxiliaria a explicar a força do
curandeirismo, amplamente baseado nas plantas nativas originalmente conhecidas pelos
indígenas. Devemos somar a isto a mentalidade religiosa vigente entre a população. Esta,
como temos visto, estava profundamente ligada aos parâmetros do cristianismo tradicional, e
trazia em si uma ordenação mágica do mundo objetivo. Numa época em que as condições de
vida não eram as da mais perfeita salubridade, e onde as expectativas de longevidade não eram
altas, as moléstias eram enquadradas como algo cujas origens eram sobrenaturais - como, por
exemplo, no caso de um feitiço -, e nesta esfera deviam ser combatidas. Daí o recurso a
praticantes de rituais mágicos, tais como benzedeiros, curandeiros e mesmo aos exorcismos da
Igreja, na busca da cura.
É com base nestes fatores que podemos compreender o papel social dos
praticantes da magia de cura no conjunto da visita paraense. Os curandeiros, no Livro da
Visitação, podem ser divididos em dois grupos: de um lado, os que exerciam tal mister como
forma de sustento, profissionalmente ; de outro, os que eventualmente praticavam os rituais
de curandeirismo. Um outro indício da importância social dos curandeiros reside na enorme
quantidade de pessoas que são, nas denúncias/ confissões referentes a este tipo de magia,
mencionadas como pacientes ou testemunhas. Tal fator evidencia o trânsito e conhecimento
dos curandeiros, principalmente os profissionais na sociedade paraense. As pessoas
relacionadas em tais relatos pertencem aos mais variados setores da sociedade, passando por
autoridades, lavradores, até pessoas de posição mais humilde.
Um dos curandeiros profissionais com ampla clientela - a maior desta visitação
- foi a índia Sabina. Ex-cativa, dona de paradeiro incerto, ela foi denunciada por três pessoas.
Denunciada aos quarenta anos de idade, Sabina possuía uma vasta carteira de clientes, entre os
quais se incluíam um governador, ouvidores e tesoureiros. Contudo, Sabina não atendia
294 Lycurgo Santos F ilho , H is tória Geral da Medic ina Bras i le ira , São Paulo , H ucit ec/ E D USP, 1991, vo l 1, pp . 117-118.
134
apenas às pessoas de posição mais destacadas na sociedade paraense. Eclética, visitava também
lavradores, sapateiros, militares e quem mais lhe requisitasse os serviços.
Sabina agia no âmbito da contra-feitiçaria: as doenças de todos os seus
pacientes eram frutos de feitiços, e cabia à Sabina detectá-los e anulá-los.
A atuação de Sabina obedecia a uma rotina padrão: ao chegar no local onde
estava o paciente, ela constatava a existência do feitiço, o qual era imediatamente localizado -
dentro da casa do enfermo ou nos seus arredores - e exibido aos presentes. Assim foi com
João de Abreu Castelo Branco, governador do Pará. Sendo chamada para tratar do governante
doente, Sabina ao chegar pediu uma faca,
Sabina dissera ainda que aquele feitiço não era para Castelo Branco, e sim para
um outro, que já havia morrido.
O lavrador Manoel de Souza Novais, experimentando na sua família e
escravatura grandes mortandades advindas, no seu entender, de feitiços - uma vez que
encontrava embrulhos com coisas desconhecidas em suas árvores de cacau - tentou de tudo,
até mesmo os exorcismos da Igreja. Não vendo resultado algum, mandou buscar Sabina. A
atuação da índia foi fulminante:
Com efeito, aí foi achado
Era, pois, pela detecção da causa dos males - em boa parte, feitiços - que se
caracterizava esta etapa da ação de Sabina.
Depois, a índia partia para a contra-magia própriamente dita, que consistia na
anulação do malefício. Para isso, ela se utilizava de procedimentos indígenas que Claude
d Abbeville já havia reparado nos curandeiros tupinambás: o sopro nas partes doentes e a
sucção de feitiços do corpo do paciente297. Tal como no caso de Caetana Tereza, esposa do
lavrador Domingos Rodrigues, moradores em Belém, na Rua da Rosa. Constatando o
enfeitiçamento de Caetana, obra e graça de uma índia que esta abrigava em casa, Sabina
295 Livro da Vis i tação ..., pp . 172-173. 296 I dem, pp . 165-166. 297 Claude d Abbeville, H is tória da Mis s ão dos Padre s Capuchinhos na i lha do
Maranhão , Belo H orizonte/ I t at iaia; São Paulo / E D USP, 1975, pag. 253.
135
retirara os feitiços do solo, de acordo com seu padrão de atuação. Isto feito, a curandeira
requisitou
Sabina, sincréticamente, pediu água benta, e metendo nela a mão fora com os
dedos dentro da boca da doente e dela extraíra um lagarto . Nem com isso a doente
melhorou, o que veio a acontecer graças ao auxílio dos exorcismos da Igreja, recomendados
por Sabina298. No caso do governador Castelo Branco houve uma deposição parecida: após as
defumações, três bichos saíram de seu corpo.
Findos estes procedimentos característicos das pajelanças indígenas, Sabina
recebia seu pagamento - ganhou em certa ocasião uma peça da Bretanha de Manoel de
Souza Novais299 - e se retirava, deixando atrás de si seus intrigados clientes. Sabina era tida
como uma pessoa misteriosa, pois gerava opiniões contraditórias por onde passava. Quando o
visitador perguntou a Raimundo José de Bitencourt, um ex-paciente convertido em
denunciante, morador ao pé da igreja de São João sobre a opinião que este tinha a respeito
da fama e procedimentos de Sabina, ouviu que
A mesma idéia não tinha Domingos Rodrigues, que afirmou conhecer Sabina
Não era apenas Sabina, contudo, que agia profissionalmente no âmbito da
magia de cura. O preto José, solteiro, nação mandinga, escravo de Manoel de Souza, também
vivia do curandeirismo. Possuidor de uma ampla relação de pacientes, José trabalhava com
base em sucos de ervas, defumadouros, sopros e sucções. Ele não perdia tempo em serviço:
chamado para ver uma escrava do carpinteiro Manoel Francisco da Cunha, logo ao chegar viu
um bicho que havia sido expelido pela doente, e foi dizendo que ela ainda tinha mais dentro
de si . Imediatamente começou a agir: praticou uma adivinhação, após a qual afirmou que a
escrava sobreviveria. A seguir, pronunciando palavras desconhecidas pelo denunciante,
preparou uma beberagem à base de ervas, que deu à enferma (depois, outras duas seriam
preparadas, a serem ministradas em diferentes momentos do dia). Após as beberagens, José
enterrou uma espiga de milho no quintal e retornou, para assistir à deposição, por parte da
enferma, de mais três bichos,
298 Livro da Vis i tação ..., pp . 171-172. 299 I dem, pag. 166. 300 I dem, pag. 270. 301 I dem, pag. 174.
136
Em outra ocasião, José utilizou seus rituais de sucção e ervas para curar a
mulher de Manoel F. da Cunha. Insatisfeito, por ter ganho não mais que uma pataca do
carpinteiro, José foi se queixar com uma outra cliente: a esposa de Elias Caetano, familiar do
Santo Ofício, para quem curava uma escrava. A ela, José disse que o sovina havia de morrer
primeiro que a dita sua mulher 303. Curioso, neste caso, é o fato de um curandeiro estar, a
trabalho, na casa de um agente da Inquisição, o que demonstra que nem mesmo os agregados
do Tribunal deixavam de compartilhar a mentalidade religiosa comum.
Um caso de prática efetiva e constante de curandeirismo encontrado no Livro
da Visitação é o de Ludovina Ferreira, denunciada por duas vezes no ano de 1763. Ludovina,
mulher branca, viúva e de aproximadamente 60 anos, morava atrás do Rosário dos Pretos , e
possuía um modo todo especial de agir. A mulata Inês Maria, moradora na rua de S. Vicente,
contou ao visitador que por volta de 1743 Mariana Barreto, uma conhecida sua, se encontrava
padecendo de hemorragias. Para curar os sangramentos chamaram Ludovina que, mal entrou,
saiu a apalpar o ventre da enferma. Feito isso, Ludovina iniciou um ritual de pajelança:
Evidenciado o enfeitiçamento, Ludovina voltou em outra noite, para dar
continuidade ao tratamento. Desta vez, contudo, não viera só: trazia dois índios em sua
entourage, um dos quais, chamado Antonino, era conhecido da denunciante. Ludovina, os
índios e a enferma se recolheram a um cômodo escuro da casa, e lá começaram a cantar e
tanger suas maracas. O resultado foi que
Uma vez cessados tais barulhos, começaram outros, feitos pelos tais índios ou
demônios . Ouviram-se vozes, que eram interrogadas por Ludovina a respeito da cura da
paciente. O ritual se repetiu por diversas noites, até que em uma delas o índio Antonino caiu
sem sentidos como morto na casa da paciente, sendo lá deixado por Ludovina, que somente
no dia seguinte foi ressuscitá-lo com o auxílio de orações.
Uma lembrança a denunciante guardou daqueles bulhentos rituais, que
aconteciam invariávelmente à meia-noite: a de diversas vozes de entidades consultadas
302 Idem, pp . 137-138.Laura de Mello e Souza t ranscreve az orra como rã. Ver O D iabo ..., pag. 174, no ta 60.
303 Livro da Vis i tação ..., pag. 139. 304 I dem, pag. 159.
137
dizendo que a enferma não haveria de sobreviver, o que se confirmou em breve espaço de
tempo305.
Menos traumática foi a experiência que Constança Maciel, viúva do cabo de
canoas Manoel Tomás, teve com Ludovina. Estando, por volta de 1730, em casa de uma
amiga doente para auxiliar no tratamento, Constança viu chegar, à meia-noite, Ludovina
acompanhada de sua troupe, agora acrescida de sua filha Inácia. Ludovina seguiu a rotina de
sempre: cânticos ritmados pelas maracas, o cômodo escuro, as vozes das entidades
sobrenaturais - acompanhadas pelos costumeiros assovios e estrondos. Desta vez, contudo, os
acontecimentos se desenrolaram de maneira diferente: Ludovina, avisada pelos pajés ou
demônios , detectara os feitiços, causa dos padecimentos da enferma, e procedera à sua
anulação. Também nesta ocasião o índio Antonino se estatelara como morto - ou como em
transe -, pernoitando no local do tratamento, sendo de lá retirado por Ludovina no dia
seguinte. Restou à denunciante a impressão de que tanto a dita Ludovina como a referida sua
filha Inácia e o dito índio Antonino têm familiaridade e trato com o demônio , em virtude dos
prodígios que obravam306.
Ludovina e sua equipe, contudo, não eram os únicos a praticarem estes
procedimentos indígenas de cura e adivinhação - os quais, segundo Laura de Mello e Souza, só
são encontrados na visita paraense307. O índio Antonino foi denunciado por praticar, como
autônomo, estes mesmos rituais308. Casos semelhantes são os da preta Maria, denunciada por
Domingos Rodrigues309, e o do índio Domingos de Souza, denunciado por Manoel Portal de
Carvalho, alferes e proprietário da fazenda onde este trabalhava. Manoel, intrigado com a
notícia [de que se] fazia algumas operações suspeitas contra a religião católica um índio (...)
do serviço da mesma sua fazenda , que era Domingos, principiou uma pequena investigação
em sua propriedade. Sem alegar, em sua denúncia, qualquer ligação com o Santo Ofício,
Manoel agira como se dele fizesse parte: entrou a interrogar diversas pessoas que
testemunharam as sessões de Domingos, para fazer um completo relatório ao visitador.
À semelhança de Ludovina, Domingos oficiava seus rituais acompanhado de
uma equipe, composta de sua esposa Bernardina, da mulata Lourença e da cafusa Tereza.
305 Idem, pp . 158-161. 306 I dem, pp . 175-178. 307 Laura de Mello e Souza, O D iabo ..., pag. 269. 308 Livro da Vis i tação ..., pag. 211.
138
Porém, suas pajelanças tinham uma característica que lhes diferenciavam das demais: uma
vez na presença do paciente, Domingos cobria o próprio corpo com penas, e dava início ao
tratamento310.
O curandeirismo presente no Livro da Visitação se manifestava, também, na
qualidade de orações praticadas por curandeiros ocasionais, que agiam como tal no momento
em que surgisse a oportunidade. Estas pessoas faziam uso de orações destinadas à cura males
específicos, que não possuíam aplicações em outros casos. Estas orações, em sua maioria,
apelavam para o poder mágico de elementos e santos da Igreja, invocando-os ou implorando a
cura em seu nome. Tais orações, ainda, refletiam antigas crenças relativas ao poder curativo
das palavras, principalmente as consagradas, como nomes de santos e de objetos da Igreja311.
José Januário da Silva, procurador de causas por profissão, era um destes
curandeiros eventuais. A 12 de outubro de 1763, portanto durante o período da graça, J.
Januário procurou o visitador para confessar diversas orações de cura de seu conhecimento.
Entre outras coisas, Januário se acusou de saber curar o quebranto, que se manifestava por meio
de sinais de febre, quebramento de corpo e dores de cabeça . Do quebranto, por sinal
existem menções antigas, e sua cura era bastante difundida no Portugal seiscentista312. Para
eliminar tal moléstia, Januário se aproximava do enfermo e sem lhe por a mão o benzia com
ela no ar, formando uma cruz , voltada para o corpo do paciente (Januário mencionou
também o uso de um terço de sua propriedade para os mesmos fins). Enquanto fazia as
cruzes, que não possuíam número certo, Januário recitava repetidamente a seguinte oração:
fulano, com dois te deram, com três te tirem em nome de Deus e da Virgem Maria , rezando
depois um Padre Nosso, uma Ave Maria e um Gloria Patri , oferecendo tudo à paixão e
morte de Cristo. Tal cura foi usada umas oitenta vezes, e Januário menciona o sucesso da
oração em muitos pacientes.
Januário, porém, não curava apenas quebranto: ele declarou ao visitador que
sabia curar mau-olhado, através de uma oração que também utilizava o sinal da cruz e os
309 Idem, pag. 247. 310 I dem, pp . 222-224. 311 Bethencour t , op . cit ., pag. 56. 312 Paiva, op . cit ., pp . 88-92.
139
santos católicos, praticada incontáveis vezes. Confessou também conhecer um ritual singular,
para curar uma moléstia chamada simplesmente o sol, que se manifestava com dores de cabeça:
Januário estendia um guardanapo sobre um bofete ou qualquer outra parte e com a mão
estendida fazia cruzes com as palavras do credo principiando a fazê-las (...) de uma ponta do
guardanapo até a outra ponta ao viés e concluindo também ao viés nas outras duas pontas ,
dizendo as seguintes palavras (pronunciadas nas pontas do guardanapo): creio(...) Deus padre
(...) todo (...) poderoso . Finda esta etapa preparatória, Januário dobrava o guardanapo e
tendo preparada uma ventosa de vidro cheia d água o punha sobre sua boca, assim como o
tinha dobrado e depositava tudo sobre a cabeça do enfermo, fazendo cruzes e pronunciando
o sol e a lua tiram-se com o sinal da cruz , enquanto rezava um Pai Nosso e uma Ave Maria,
oferecendo tudo à paixão e morte de Cristo. Tal prática continua a ser levada a efeito
atualmente, e dela encontramos menção em Câmara Cascudo313. Voltando a Januário, este
afirma, por fim, o caráter amador de tais curas: disse o confitente que nem por ele [a cura do
sol] nem pelas acima ditas pediu em nenhum tempo satisfação, porém se lhe mandavam
alguma coisa o aceitava por esmola 314.
A mameluca Domingas Gomes da Ressurreição, ex-escrava, também procurou
o visitador para confessar orações de cura. Entre outras, Domingas confessou ter aprendido a
cura para o quebranto e a erisipela de sua senhora, que por ter recebido o cordão de S.
Francisco havia sido proibida pelos seus confessores de praticá-las. Contra a erisipela devia-se
pegar uma faca, e com ela tocar a parte enferma, fazendo cruzes e dizendo Rosa branca
contente [corto-te?] , seguido de Rosa negra corto-te , Rosa encarnada corto-te , e Rosa
esponjosa corto-te . Por fim, deveria dizer: requeiro-te da parte de Deus e da Virgem Maria
se tu és fogo selvagem, ou erisipela, não maltratas [sic] a criatura de Deus , e rezar um Pai
Nosso e uma Ave Maria. Domingas ainda curava, do mesmo modo que José Januário,
diversos outros males. Tais orações lhe foram ensinadas por diversas pessoas diferentes,
inclusive eclesiásticas, como o caso de um frade leigo de S. Bento, com quem aprendera uma
oração contra o mau olhado diferente daquela que usava J. Januário. Pondo os dedos em
forma de cruz sobre o rosto do doente, deveria dizer as seguintes palavras, enquanto formava
313 Luiz da Câmara Cascudo, D ic ionário do Fo lc lore Bras i le iro , Rio de Janeiro , E diouro , s.d ., pag. 828. Laura de Mello e Souza, em O D iabo . . . , t ambém menciona, à página 178, a persist ência desta prát ica.
314 A extensa confissão de Január io est á no Livro da Vis i tação ..., pp .150-156.
140
cruzes com as mãos: Jesus Cristo te lindrou, (...) Jesus Cristo te criou, (...) Jesus Cristo te diz:
olha quem de mal te olhou 315.
315 Idem, pp . 179-182.
141
- Man d in gas e P atuás
Os sistemas religiosos, em sua maioria, possuem a crença de que certos objetos
podem armazenar poderes sobrenaturais, utilizados na vida cotidiana como fonte de proteção
e bem-estar. Com o cristianismo não foi diferente. A Igreja medieval, inclusive, investiu no
poder mágico dos santos e de suas relíquias, no afã conquistar novos adeptos316.
No caso do cristianismo pré-reformas, encontramos acentuadamente casos de
diversos objetos cultuados como fontes de poderes sobrenaturais. Tais itens eram usados
como amuletos pelos fiéis, que procuravam guardá-los em casa ou trazê-los junto a si. Dentre
estes objetos aos quais eram atribuídos poderes mágicos, encontramos os vestígios da
passagem de santos pela Terra, tais como roupas, residências, pertences pessoais e mesmo
restos físicos. Uma outra categoria era a dos elementos de culto da Igreja, aos quais eram
atribuídos grande poder místico. Deste modo, as imagens de santos, a hóstia, o próprio missal,
ou mesmo a pedra do altar onde são celebradas as missas tornaram-se objeto de cobiça e uso,
por parte dos fiéis, através da confecção de amuletos. Estes, por sua vez, eram condenados
como práticas de conjuro e feitiçaria, bem como por estarem associados ao paganismo317.
Uma das manifestações de tal mentalidade religiosa, encontrada na visita
paraense, é a confecção de amuletos em forma de bolsa, contendo elementos de culto da
Igreja, como a hóstia e a pedra d ara. Estas bolsas visavam proteger seu portador contra males
físicos, bem como propiciar-lhe bonança material - como, por exemplo, sucesso com o sexo
oposto. Segundo Laura de Mello e Souza, tais bolsas tiveram amplo uso no Brasil do século
XVIII, com destaque para a região Norte, e representam a mais sincrética forma de magia
colonial318.
Encontramos, no Livro da Visitação, denúncias referentes ao roubo de
material litúrgico para a confecção das bolsas, sendo que uma delas possui lances de
investigação dignos de um romance policial. O diretor dos índios da vila de Beja, Raimundo
316 Thomas, op . cit ., pp . 35-37. 317 Chaves, op . cit ., pags. 257 e 270.
142
José Bitencourt, em 12 de abril de 1764 contara ao visitador ter, há aproximadamente quinze
dias, suspeita do comportamento do índio Lázaro Vieira. Dando asas à sua veia detetivesca,
Raimundo, acompanhado de sua esposa, aproveitou a ausência do índio para entrar em sua
casa e revistar seus pertences. Fizeram, então, uma grave descoberta: dentro de um caixote
onde Lázaro guardava suas coisas, foi achado um embrulho que, uma vez aberto, revelou
conter
As surpresas - e descobertas - não pararam aí. Ato contínuo, logo acharam no
mesmo embrulho sete bocadinhos de pedra do tamanho de botões pequeninos , que estava
envolto em um pedaço de tafetá encarnado . Precavidos, Raimundo e esposa colocaram o
embrulho de volta no caixote, para que não desconfiasse o dito índio quando se recolhesse
para casa . Contudo, não deixaram de agir: logo no dia seguinte, Raimundo voltou à casa de
Lázaro acompanhado de dois padres. Estes confirmaram que o embrulho continha pedra
d ara.
Passado mais um dia, Raimundo e os padres foram à igreja, onde constataram
ter sido quebrado um pedaço da pedra sobre a qual eram rezadas as missas, tendo sido
colocado um pedaço de tijolo em seu lugar de modo que, sob a capa, não houvesse alterações
na aparência que despertassem a desconfiança do vigário. Agora, só faltava descobrir o
culpado do roubo. Este foi logo achado: era o índio Joaquim, sacristão, de vinte e poucos anos
de idade. Presssionado, Joaquim confessou ter roubado hóstias e pedra d ara, que distribuiu
para outros índios. O sacristão ainda citou os nomes de seus receptadores: eram eles
Domingos Gaspar, sargento-mor da povoação (que também recebera uma hóstia); nosso já
conhecido Lázaro; Mathias, morador na casa do próprio denunciante e a um outro índio, cujo
nome Raimundo desconhecia (estes só receberam cacos de pedra). Interrogando o sacristão
sobre as virtudes da pedra, Raimundo ficou sabendo que
A própria hóstia é elemento de cobiça, utilizada para práticas de magia, e seu
roubo não era feito somente por sacristãos inescrupulosos. Diversos fiéis aproveitavam o
momento da comunhão para conseguir a partícula consagrada, retirando-a de sua própria boca
318 Laura de Mello e Souza, O D iabo ..., pp . 210-211.
143
e guardando-a com outras finalidades. Tal foi o caso de Antônio Rois, que após a comunhão
tirou a hóstia da boca e guardou-a na algibeira, sendo preso por isso em 1765319.
As práticas mágicas da visitação paraense, contudo, não se esgotam aqui. A
visita setecentista, para além da abundância de denúncias e confissões de feitiçarias, é
caracterizada pelo comparecimento massivo do Grande Inimigo. Presente em diversas
ocasiões, o Diabo deixa sua marca no cotidiano paraense, sendo às vezes tão requerido quanto
os santos da Igreja.
319 AN TT, Inquisição de Lisboa, caderno do promotor n º 128. E ste caso não consta do Livro da Vis i tação , apesar de ocorr ido na mesma época. Agradeço à gent ileza de Luiz Mot t o acesso a est e documento .
144
I I I P ACT O S D E MO N Í ACO S
Ao analisarmos a visitação paraense, dois fatores saltam aos olhos. Um deles, é
a ausência de casos de judaísmo. O outro, a abundância dos casos de feitiçaria. Dentro destes
últimos, há ainda um outro elemento que merece destaque: a presença do Diabo, constante no
cotidiano do Norte brasileiro.
No Livro da Visitação abundam casos de pessoas que evocaram o Diabo, seja
para pedir-lhe favores ou até mesmo acertar tenebrosos pactos. No âmbito da magia amorosa,
o Grande Inimigo concorre com os santos experts no assunto, S. Marcos e S. Cipriano.
Observa-se, na visita paraense, uma intensa requisição dos serviços do Demo enquanto
entidade ligada mais à malícia do que ao malefício320, uma vez que ele era evocado com a
intenção de propiciar conquistas amorosas. Nosso já conhecido Manoel Pacheco de
Madureira, depois de provavelmente haver ficado sem fôlego recitando tantas vezes suas
orações de amor - e desiludido pela ineficácia delas - perdeu a compostura. Desesperado com
a ardente paixão que lhe abrasava a alma, resolveu radicalizar. Sendo levado pela mais forte
tentação que lhe podia fazer o demônio , por duas vezes o invocou, dizendo Satanás,
abranda-me o coração de fulana! E nem assim conseguiu. Depois do fiasco, vendo que a
320 N ogueira, A Outra Fac e ..., pag. 9.
145
separação não tinha volta, Manoel tratou de buscar o remédio de sua alma aos pés de três
confessores , os quais lhe negaram absolvição até que fosse procurar o visitador321.
Melhor sucedido foi o alfaiate João Mendes Pinheiro, de 20 anos de idade à
época de sua apresentação ao visitador. O alfaiate aprendera um lavatório infalível com um
índio, que também se chamava João que, após matar com um tiro sua esposa, fugira e passara
a residir na fazenda do Padre Custódio Alvares Roxo322. João Mendes contou ao visitador que,
em certa ocasião, conversava com o índio, mencionando-lhe o desejo que tinha de conseguir
para fins torpes e desonestos a uma índia solteira que morava em um sítio vizinho , que lhe
recusava o afeto porque ela lhe dizia que ele confitente não era capaz . O índio não se fez de
rogado: seguido de João Mendes, foi para a mata, onde procurou uma certa árvore pequena
chamada tavarataseú, a qual costuma crescer sempre aos pares. Arrancando uma das árvores
que encontraram, dirigiram-se para o rio, onde o índio instruiu a João Mendes para que este
raspasse a casca da raiz com sua faca, misturasse com as folhas e com elas se banhasse,
enquanto dizia Diabo, jura-me fiar de ti, me lavo com estas folhas para fulana me querer
bem .
João Mendes tomou três vezes o banho encantatório, repetindo o conjuro a
cada uma delas. O resultado não se fez esperar: logo na noite seguinte aos lavatórios, a índia
saíra de casa para bater na porta de João Mendes, que não pensou duas vezes: a recolheu para
dentro, e logo ambos ofenderam a Deus , ficando no alfaiate a certeza de que isto aconteceu
graças ao Tinhoso e aos lavatórios, porquanto antes desta diligência não pudera conseguir a
dita índia, fazendo para isso (...) excessos, e depois tão facilmente a veio conseguir 323.
Neste caso, nota-se uma imbricação entre a magia indígena, manifestada pela
procura de determinada árvore que cresce acompanhada apenas de mais uma da sua espécie,
formando um tipo de casal, e o cristianismo, manifestado pela invocação do Diabo.
Em um outro caso do Livro da Visitação, podemos notar uma confusão de
ordem diferente. O índio Alberto Monteiro, carpinteiro, morador na Rua das Flores, se
apresentou em 1766 para confessar uma prática de magia amorosa. Pressionado por seu
321 Livro da Vis i tação ..., pag. 238. 322 O padre Custódio , an t igo vigár io geral do G rão-Pará era, assim como seu irmão, o
chant re Lourenço Alvares Roxo de Porfir io , comissár io do Santo O fício , t endo sido habilit ado ao comissar iado em 1764. D evo esta in formação à gent ileza de Luiz Mot t .
323 Livro da Vis i tação ..., pp . 208-209.
146
confessor, que agindo de acordo com os interesses inquisitoriais lhe negava a desobriga
quaresmal324, Alberto procurou a Mesa da Inquisição. Uma vez em frente ao visitador relatou
que cobiçara, para fins de trato ilícito uma índia casada. Tentou de todos os meios para
conquistá-la, e não conseguiu. Uma vez que não dobrava a forte vontade de seu objeto de
desejo, mais fortemente tentado fez com o demônio pacto expresso . O pacto, que Alberto
relatara ao confessor, era pronunciado em língua indígena, sendo que iniciava com a palavra
Jurupari. Traduzindo o pacto para o português (o Livro da Visitação não menciona se a
tradução é obra da Mesa inquisitorial ou do próprio confitente), temos o seguinte: Diabo, se
tu fizeres a minha vontade permitindo-me dormir com esta mulher, eu te prometo fazer-te o
que tu quiseres, e me podes levar contigo 325. Encontramos, nesta confissão, os elementos do
contrato demoníaco clássico: a conquista de benesses materiais, em troca da servidão e
danação da alma do pactuante326, que se deixará levar pelo Demo.
Por outro lado, nota-se aqui uma confusão entre o Diabo cristão e entidades
indígenas. Jurupari, originalmente concebido pela mitologia tupi como entidade legisladora e
mantenedora da justiça327 sofreu, graças à ação da catequese católica, um processo de
demonização, sendo associado ao Diabo. Esta é a etapa final de um processo de fusão e
justaposição de crenças e idéias, característico da situação colonial. A mistura de diferentes
matrizes culturais - no caso em questão o lusitano, o indígena e o africano - levou, segundo
Carlos Roberto Nogueira, a um reordenamento de crenças e idéias, formando um vasto
quadro sincrético 328. Tal processo acarretou uma descaracterização e reinterpretação de
diversas formas e figuras religiosas, como o Diabo cristão - que perdeu os atributos
demoníacos essenciais à sua caracterização européia 329 -, e Jurupari, transformado no próprio
Diabo.
Voltemos, então, à história de Alberto Monteiro, nosso candidato a Fausto
tupiniquim. Sem ter obtido qualquer resposta do Diabo, após ter pronunciado tão direto
324 A desobr iga quaresmal era a ocasião onde devia ser feit a a confissão anual obrigatór ia, exigida pelo concílio de Trento . Para maiores detalhes, ver Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão Pe lo Aves s o , Tese de D outoramento apresen tada à USP, 1991, vo l. 2.
325 Livro da Vis i tação ..., pag. 246. 326 Sobre os elementos do pacto , ver Robbins, op . cit ., pp 369-379. 327 Cf. Câmara Cascudo, op . cit ., pp . 495-497. 328 N ogueira, A Outra Fac e ..., pag. 11. Sobre o processo de demonização das culturas
amer índias, ver t ambém Laura de Mello e Souza, O conjunto : América d iabólica in Infe rno Atlântico , pp .21-46.
329 N ogueira, A Outra Fac e ..., pag. 11.
147
pacto, Alberto sentiu no mesmo tempo um grande abalo dentro do coração , e passou a
temer um castigo divino. Contudo, perseverou: repetiu o pacto, e mais uma vez sentiu o tal
abalo. Vendo que não conquistava a mulher cobiçada, Alberto ficou desconfiado de que o
demônio lhe não queria fazer o que lhe pedia, ou de que não tinha poder algum para o fazer .
Existe, contudo, um detalhe sarcástico nesta história: apesar de tamanho fiasco do seu pacto
diabólico, Alberto depois veio a conquistar a mulher que desejava - não por obra e graça do
Diabo, mas sim por virtude das diligências que fizera para o dito fim 330.
Outro que ficou desconfiado das capacidades do Tinhoso foi o sargento
Ignácio Pereira. Ao perder consideráveis somas no jogo, manifestou o desejo de se encontrar
com o Diabo, a fim de pessoalmente lhe pedir ajuda. Contudo, uma vez que Ignácio
e o Diabo não aparecera, o confitente ficou então convencido de que
O ressabiado Inácio contou ainda, que lendo sobre a eternidade num livro
espiritual, alumiado pelo Espírito Santo veio a conhecer os seus erros, e logo entrou a detestá-
los , procurando um confessor - que prudentemente lhe enviou para a Mesa da Inquisição331.
O Diabo, contudo, não era apenas invocado por meio de palavras. O ferreiro
Crecêncio de Escobar, logo nos primeiros dias da visitação, procurou o inquisidor para
denunciar Adrião Pereira, que já se encontrava naquela região na condição de degredado pelo
Santo Ofício. Segundo Crecêncio, Adrião lhe pedira para transcrever uma carta de tocar, e pela
tarefa lhe pagaria três milréis (sic) . Segundo Adrião, tal carta possuía a virtude de conquistar
qualquer mulher com a qual fosse tocada. O denunciante, então, copiou o texto, que se
encontrava escrito em latim; começou a ficar desconfiado a partir do momento em que
percebeu que repetidas vezes aparecia a palavra Diabo ao longo da carta. Espantado, perguntou
de novo a Adrião qual era a finalidade da carta, tendo ouvido a mesma resposta: conquistar
mulheres. Finda a transcrição, Adrião pegou o papel e nele desenhou duas figuras como de
homens e outra de uma faca de ponta, e outra de uma pistola e abaixo de todas estas figuras
escreveu seu nome , guardando a seguir as cartas na algibeira.
330 Livro da Vis i tação ..., pp . 246-247. 331 I dem, pp . 229-231.
148
A evocação do Diabo, neste caso, está inserida dentro de uma prática de magia
de contato, efetivada pelo toque entre a carta e a mulher desejada. Tal categoria magista, que
atribuía poderes sobrenaturais à palavra escrita, não era desconhecida no Portugal setecentista,
e mesmo antes, quando diversas pessoas já haviam sido punidas por realizarem tais atos332.
Percorrendo as denúncias e confissões do Livro da Visitação paraense,
notamos que o Diabo servia, do mesmo modo que os santos católicos, como recurso último
face a uma situação de impotência e desesperança. Os amores malditos podiam acabar em
pactos demoníacos - Manoel Pacheco Madureira que o diga -, pois nem sempre os santos
resolviam tais questões a contento. Esta recorrência ao Diabo para resolver assuntos de amor
vem, como já foi mencionado, de sua ligação com a malícia, para além do malefício. Sedutor
por excelência, o Diabo era chamado para que ajudar os homens no afã de seduzir a mulher
desejada. Neste aspecto, o Demo é evocado enquanto contrapartida ao sexo sacralizado e
procriador apregoado pela teologia; propiciador da satisfação da luxúria, o Diabo ajuda no
sexo ilícito e sem fins de procriação - fora do casamento segundo as regras da Igreja333.
Companheiro próximo na vida cotidiana, o Diabo surge na visitação paraense com uma força
que não tivera em nenhuma das visitações anteriores, que para cá vieram em busca de cristãos-
novos.
Uma vez que a visita setecentista não foi realizada com o intuito de caçar
judaizantes, compreende-se este aflorar demoníaco, ocorrido às vésperas do último
Regimento da Inquisição, promulgado em 1774. Por uma estranha ironia, neste Regimento,
ficava descartada a possibilidade de existência da bruxaria e do pacto demoníaco, taxados
como fruto do charlatanismo, da histeria ou da loucura. Isto, devido a um simples motivo:
uma vez que o pacto consistia em um contrato entre um mortal e o Diabo, e nunca ninguém
provara que o infernal contratante aceitara ou não o negócio, não havia como assentar sua
332 Bethencour t , op . cit ., pag. 69. 333 Luiz Mot t , E tnodemonologia: aspectos da vida secual do D iabo no mundo íbero-
amer icano (séculos XVI ao XVII I ) in E s cravidão , H omos s e xualidade e D emono log ia , São Paulo , Í cone, 1988, pag.124.
149
validade334. Deste modo, o cerne do modelo clássico de bruxaria, que nunca vingara em
Portugal com a mesma força que no resto da Europa, era descartada. O relegar para segundo
plano das idéias demonológicas representava, certamente, um sinal dos novos tempos.
334 Re g ime nto do Santo Offic io da Inquis ição dos Re inos de Portug al, Lisboa, na O fficina de Miguel Manescal da Costa, 1774, Tit . XI .
150
- CO N CLU SÃO -
A visita paraense, interessantíssimo e vasto objeto de estudos, não é, como
poderia parecer à primeira vista, um enigma historiográfico. Suas características destoantes da
atuação inquisitorial lusa - a extemporaneidade, o longo tempo de duração, o teor dos delitos
confessados/denunciados - tornam-se compreensíveis, na medida em que situamos a visita em
um contexto histórico mais amplo.
A ocorrência da visitação ao Pará se encontra diretamente ligada aos planos do
Estado português para aquela região. A visita foi realizada num momento de crucial
importância, tanto para o Tribunal quanto para o Norte brasileiro. No caso da Inquisição, esta
vivia os momentos mais importantes de um processo de dominação que lhe submetia
diretamente ao Estado português, conduzido com mão de ferro pelo Marquês de Pombal. O
Norte brasileiro, por sua vez, era alvo das principais atenções do poderoso Marquês, à época:
todos os esforços eram feitos no sentido de incrementar o desenvolvimento e a presença
portuguesa na região, estratégicamente importante devido à zona fronteiriça que demarcava
limites com as posses espanholas. Um outro fator importante deve ser lembrado: havia poucos
anos, a Companhia de Jesus - maior potentado econômico e mais forte ordem missionária da
região - havia sido expulsa, deixando em seu rastro um vazio econômico, religioso e político
que era necessário preencher.
A visitação, muito além de reprimir os desvios morais paraenses, estava
inserida nos planos pombalinos de reformas para a região. A grande evidência disto é a
escolha do visitador, Pe. Giraldo José de Abranches: indicado para o cargo por Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, que além de ex-governador do Estado do Grão-Pará e
151
Maranhão, era irmão do Marquês de Pombal, Giraldo acumulou também as funções de vigário
capitular, responsabilizando-se pela condução do bispado paraense até 1772.
Bispo-inquisidor, Giraldo representava naquela região uma Igreja afinada com
as práticas regalistas do Estado português. Neste sentido, a visitação teve por objetivo a
sedimentação da implantação deste modelo regalista, substitudo das práticas exclusivistas da
Companhia de Jesus, que chocavam-se contra a linha adotada pela Coroa lusa.
No campo dos delitos confessados e denunciados, a visita paraense também
apresenta características especiais. Um fato marcante é a ausência de denúncias ou confissões
formais de práticas judaicas. As poucas menções concernentes a tais delitos no Livro da
Visitação referem-se à ascendência ou reputação de pessoas que foram denunciadas por
outras culpas. Isto não é motivo de estranhamento, se levarmos em conta que o Santo Ofício
agia de acordo com a política de tolerância pombalina, que acabou por eliminar a distinção
entre cristãos novos e velhos. Os tempos eram outros, e o furor anti-semítico da atividade
inquisitorial cedia lugar a uma tolerância face aos elementos judaicos da população, importante
fonte de capital que interessava a Pombal preservar em território português.
À ausência dos delitos judaicos corresponde uma explosão de confissões e
denúncias de práticas mágicas em proporção nunca vista nas visitas anteriores. A análise dos
relatos destes rituais mostra o quanto a mentalidade religiosa paraense estava impregnada de
magismo. A utilização das práticas mágicas ocorria nas mais diversas circunstâncias do
cotidiano: saúde, amor, conhecimento. Auxiliar precioso nas dificuldades da vida, instrumento
de superação das limitaçõs humanas a magia não encontrava barreiras: elementos das mais
diversas camadas sociais a praticavam ou procuravam seus oficiantes, como fica patente no
caso das clientelas de curandeiros profissionais paraenses, como a índia Sabina e o preto José.
Analisando o teor das denúncias e confissões relativas à magia, nota-se uma
forte presença de elementos indígenas, mesclados a práticas européias e africanas - o que se
explica devido à composição social paraense. Os rituais indígenas de cura, principalmente,
destacam a magia paraense do todo colonial: as pajelanças de Ludovina Ferreira, do índio
Antonino e de Domingos Rodrigues são únicas, com suas invocações de espíritos, defumações
e sucções.
152
Outra característica específica desta visita foi a intensa presença do Diabo,
pactuando com os míseros mortais e propiciando amores malditos. A visitação setecentista
está salpicada de contratos com o Diabo. No momento em que o discurso demonológico
clássico - responsável pelo acender de inúmeras fogueiras no continente europeu - perdia
força e crédito, encontramos um aflorar de pactos demoníacos na visita paraense. Cerne da
crença na bruxaria, o pacto demoníaco surge com bastante expressividade na visitação
setecentista, num momento em que era desacreditado pelas Luzes em toda a Europa, inclusive
em Portugal - o que fica evidente no Regimento da Inquisição de 1774.
Os fatores que analisamos ao longo de nossa pesquisa evidenciam o quanto a
religiosidade paraense ainda estava longe do ideal reformista oriundo do concílio tridentino.
As denúncias e confissões do Livro da Visitação mostram, em toda a sua pujança, a vivência
do catolicismo tradicional no Pará setecentista. Uma forma religiosa calcada nos aspectos
mágicos da existência, onde o sagrado serve aos assuntos profanos do dia a dia, onde homens,
santos e demônios convivem e interagem entre si.
153
I X - BI BLI O G RAF I A
- F O N T E S MAN USCRI T AS
- AN T T , I n quisição de Lisb o a: cadern o do p ro m o to r n º 128.
- BN RJ, Seção de Man uscr it o s.co d . 25,2,1-9; 48,13,49.
- F O N T E S I MP RE SSAS
- d ABBE VI LLE , Claude - H is tó ria da Mis s ão do s P adre s Capuc h inho s na
I lha do M aranhão (1614), t r ad . p o r t ., Belo H o r izo n t e/ I t at iaia; São
P au lo / E D U SP , 1975.
154
- AVE LLAR, H élio de Alcân t ara - H is tó ria Adm I nis trativa do B ras i l ,
D ASP - Cen t ro de D o cum en tação e I n fo rm át ica, 1970, vo l.V.
- B ÍB LIA Sag rada , Rio de Jan eiro , G am m a, 1982.
- BO RG E S D E CAST RO , Visco n d e de (Jo sé F er reira Bo rges de Cast ro ,
co m p ilado r ) - Co le c ç ão do s T ratado s , convenções e actos publicos
celebrados entre a Coroa de Portugal e as mais potências desde 1640 , Lisb o a,
I m p ren sa N acio n al, 1856-1858, 8 vo ls.
- CO LE CÇÃO das Le is , D e c re to s e Alvaras que Co m pre e nde o F e liz
Re Inado de l Re y F ide li s s im o D . Jo s é I N o s s o Se nho r, Lisb o a, N a
O ff icI n a de Miguel Ro dr igues, 1771-1793, 3 to m o s.
- CUN H A, D . Luís d a - T e s tam e nto P o lí t i c o , São P aulo , Alfa-O m ega, 1976.
- D IRE CT O RIO que s e D e ve O bs e rvar nas P o vo aç õ e s do s I nd io s do
P ará, e Maranhão E m Q uanto Sua Mag e s tade não m andar o
Co ntrario , Lisb o a, n a O ff icin a de Miguel Ro dr igues, 1758.
- E YME RI CH , N ico laus - Manual do s Inqu is ido re s (1376), co m
co m en tár io s de F ran cisco P eñ a (1578), t r ad . p o r t ., Rio de
Jan eiro / Ro sa do s T em p o s; Brasília/ E dU n B, 1993.
- F RE I RE , P ed ro Lup in a - N o t ícias r ecô n d it as do m o do de p ro ceder da
I n quisição co m seus p reso s I n O bras E s c o lh idas do P adre Anto nio
Vie ira , Obras várias I I , Lisb o a, E d . Sá da Co sta, 1951.
- K RAME R, H ein r ich & SP RE N G E R, Jako b - O Marte lo das F e i tic e iras
(M alleus M aleficarum, 1484), t r ad . p o r t ., Rio de Jan eiro , Ro sa do s
T em p o s, 1991.
- LA CO N D AMI N E , Ch ar les-Mar ie de - Viag e m P e lo Am az o nas (1735-
1745), seleção de t exto s, I n t ro dução e n o t as de H élèn e Min guet , t r ad .
p o r t ., Rio de Jan eiro / N o va F ro n teira; São P au lo / E D U SP , 1992.
155
- LIVRO da Vis i taç ão do Santo O fíc io da Inquis iç ão ao E s tado do Grão
P ará (1763-1769), T ex to Inédito e apresentação de José R oberto do A maral
L apa, P et ró p o lis, Vo zes, 1978.
- ME N D O N ÇA, Marco s Carn eiro d e (co m p .) - A Am az ô nia na E ra
P o m balina : correspondência Inédita do governador e capitão-general do E stado
do G rão Pará e M aranhão Francisco X avier de M endonça Furtado, 1751-
1759 , Rio de Jan eiro , I H G B, 1963, 3 vo ls.
- P E RI E R, Alexan dre - D e s e ng ano do s P e c ado re s , ne c e s s ário a to do
g ê ne ro de pe s s o as , u ti l í s s im o ao s m is s io nário s , e ao s pre g ado re s
de s e ng anado s , que s ó de s e jam a s alvaç ão das alm as , 5ª ed .,
Lisb o a, n a O ff icin a de Miguel Man escal da Co sta, 1765.
- RE GIME N T O do Santo O fíc io da Inqu is iç ão do s Re ino s de P o rtug al ,
o rden ado ... p elo ... Sen h o r Cardeal da Cun h a, Lisb o a, N a O ff icin a de
Miguel Man escal da Co sta, 1774.
- RO JAS, F ern an do de - A Ce le s t ina : t r agico m éd ia de Calist o e Melib éa,
t r ad . p o r t ., P o r to Alegre, Su lin a, 1990.
- SI LVA, Jo sé Seab ra da - D e duç ão Cro no ló g ic a e Analí ti c a , Lisb o a,
O ff icin a de Miguel Man escal da Co sta, 1767-1768, 3 vo ls.
156
- O BRAS D E RE F E RÊ N CI A
- A I n quisição em P o r tugal: 1536-1821 I n Catálo g o da E xpo s iç ão
O rg an iz ada po r O c as ião do I Co ng re s s o Lus o -B ras i le iro So bre
Inqu is iç ão , Lisb o a, Bib lio t eca N acio n al, 1987.
- AT T WAT E R, D o n ald - D ic io nário do s Santo s , t r ad . p o r t ., São P aulo , Ar t
E d ito ra, 1991.
- BU RG U I È RE , An dré (o rg.) - D ic io nário das Ciê nc ias H is tó ric as , t r ad .
p o r t ., Rio de Jan eiro , I m ago , 1993.
- CÂMARA CASCU D O , Luíz d a - D ic io nário do F o lc lo re B ras i le iro , Rio de
Jan eiro , E d io uro , s .d .
- _______ __________ - Ge o g rafia do s Mito s B ras i le iro s , 2ª ed ., Rio de
Jan eiro , Jo sé O lym p io , 1976.
- E N CICLO P É D I A E inaud i vo l. 12: M ythos/ L ogos, S agrado/ Profano. Lisb o a,
I m p ren sa N acio n al/ Casa da Mo eda, 1987.
- H E SP AN H A, An to n io Man uel (co o rd .) - H is tó ria de P o rtug al vo l 4 - O
Antig o Re g im e , Lisb o a, E d ito r ial E stam p a, s .d .
- H O LAN D A, Sérgio Buarque de (d ir .) - H is tó ria Ge ral da Civi liz aç ão
B ras i le ira , Rio d e Jan eiro , D ifel, 1985, T . I , 2 vo ls.
- LE BRUN , F ran ço is (d ir .) - As Grande s D atas do Cris tian is m o , t r ad .
p o r t ., Lisb o a, E d ito r ial N o t ícias, s .d .
- LURK E R, Man fred - D ic io nário de D e us e s e D e m ô nio s , t r ad . p o r t ., São
P au lo , Mar t in s F o n t es, 1993.
- MARQ U E S, A. H . de O liveira - H is to ria de P o rtug al , t r ad . esp ., Cid .
Mexico , F o n do de Cultu ra E co n o m ica, 1984, 2 vo ls.
157
- RO BBI N S, Ro ssel H o p e - T he E nc yc lo pe d ia o f Witc hc raft &
D e m o no lo g y , N ew Yo rk, Bo n an za, 1981.
- T AVARE S, Jo rge Cam p o s - D ic io nário de Santo s , 2ª ed ., P o r to , Lello &
I rm ão , 1990.
- BI BLI O G RAF I A G E RAL
- ABRE U, J. Cap ist ran o de - Capítu lo s de H is tó ria Co lo n ial (1500-1800), 7ª
ed ., r evist a, an o t ada e p refaciada p o r Jo sé H o n ó r io Ro d r igues, Belo
H o r izo n t e/ I t at iaia; São P aulo / E D U SP , 1988.
- AN T UN E S, P e. Man o el - O Marquês de P o m b al e o s jesu ít as I n V.V.A.A.
- Co m o In te rpre tar P o m bal? N o bicentenário da sua morte,
Lisb o a/ Bro t ér ia; P o r to / Livrar ia A.I ., 1983, p p .125-144.
- ARAÚ JO , E m an uel - O T e atro do s Víc io s : transgressão e transigência na
sociedade urbana colonial, Rio de Jan eiro , Jo sé O lym p io , 1993.
- AZ E VE D O , Jo ão Lúcio de - O Marquê s de P o m bal e a s ua É po c a , Rio de
Jan eiro , An uár io do Brasil, 1922.
- _______ - O s Je s u ítas no Grão -P ará , Co im b ra, U n iversidade de Co im b ra,
1930
- _______ ___ - É po c as de P o rtug al E c o nô m ic o , Lisb o a, Livrar ia Clássica
E d ito ra, 1973.
158
- BACH E LARD , G asto n - P s ic ano áli s i s de l F ue g o , t r ad . esp ., Buen o s Aires,
Sch ap ire, 1973.
- BAI ÃO , An tô n io - E pis ó dio s D ram átic o s da Inquis iç ão P o rtug ue s a ,
L isboa, Seara N ova, 1973, to m o 3.
- BAK H T I N , Mikh ail Mikh ailo vit ch - A Cultura P o pu lar na I dade Mé dia e
no Re nas c im e nto : o contex to de François R abelais, T rad . p o r t ., São
P au lo / H U CI T E C; Brasília/ E dUn B, 1993.
- BE N N ASSAR, Bato lo m é - N o uve lle s O rie n tatio ns de la Re c he rc he
Inqu is i to riale , t exto I n éd ito , m im eo , 10p .
- __ ________ - L Inquis i to n E s pag no le Co m m e So urc e P o ur l H is to ire
de s Me ntali té s , m im eo , 13p .
- ___________ - I n quisit o n E sp agn o le au service de l E t at I n Re vue
H is to rique , n º . 15, p p .35-46.
- ___________ - Mo delo s de la Men talidad I n quisito r ial: m éto d o s d e su
P edago gía del Miedo I n ALCALÁ, Án gel (o rg.) - Inqu is ic ió n
E s paño la y Me ntalidad Inqu is i to rial , Barcelo n a, Ar iel, 1984,
p p .174-182.
- BE SSA-LUÍ S, August in a - Se bas tião Jo s é , Rio de Jan eiro , N o va F ro n t eira,
1990.
- BE T H E N CO URT , F ran cisco - Inqu is iç ão e Co ntro le So c ial , ex. m im eo ,
1986, 24p .
- ______ _______ - O I m ag inário da Mag ia: feiticeiras, saludadores e
nigromantes no século X V I , Lisb o a, P ro jeto Un iversidade Ab er t a, 1987.
- BO LT O N , Bren da - A Re fo rm a na Idade Mé dia, t r ad . p o r t ., Lisb o a,
E d içõ es 70, 1986.
- BO SSY, Jo h n - A Cris tandade no O c ide nte : 1400-1700 , t r ad . p o r t ., Lisb o a,
E d içõ es 70, 1990.
159
- BURK E , P et er - Cultura P o pular na Idade M o de rna : E uropa, 1500-1800 ,
t r ad . p o r t ., São P aulo , Co m p an h ia das Let ras, 1989.
- _____ - Ab er tura: A N o va H istó r ia, seu p assado e seu fu tu ro I n _ ____
(o rg.) - A E s c ri ta da H is tó ria : novas perspectivas, t r ad . p o r t ., São
P au lo , U N E SP , 1992, p p . 7-37.
- CALAI N H O , D an iela Buo n o - E m N o m e do Santo O fíc io : familiares da
Inquisição portuguesa no Brasil colonial, D isser t ação de Mest rado
ap resen tada à U n iversidade F ederal do Rio de Jan eiro , 1992.
- CARRE I RA, An tó n io - A Co m panhia Ge ral do Grão -P ará e Maranhão ,
São P aulo , Co m p an h ia E d ito ra N acio n al, 1988, 2 vo ls.
- CARN AXI D E , Visco n de de ( An to n io d e So uza P ed ro so ) - O B ras i l na
Adm in is traç ão P o m balina : economia e política ex terna, São P aulo ,
Co m p an h ia E d ito ra N acio n al, 1979.
- CARO BARO JA, Ju lio - As B ruxas e o Se u Mundo , t r ad . p o r t ., Lisb o a,
Vega, 1978.
- CAST RO , Ad ler H o m ero F o n seca de - Gue rra e So c ie dade no B ras i l
Co lo n ial: a Influência da guerra na organiz ação social, 1650-1750,
D isser t ação de Mest rad o ap resen t ada à UF F , N it eró i, 1995.
- CH ART I E R, Ro ger - T exto s, im p resso s, leitu ras I n A H is tó ria Cultural:
entre práticas e representações, t r ad . p o r t ., Lisb o a/ D I F E L, Rio de
Jan eiro / Ber t ran d Brasil, 1990, p p . 131-149.
- CH ART I E R, Ro ger - As p rát icas da escr it a I n H is tó ria da Vida P rivada
3: da Re nas c e nç a ao Sé c u lo das Luz e s , t r ad . p o r t ., São P aulo ,
Co m p an h ia das Let ras, 1991, p p .113-161.
- CH AVE S, Luís - Co stum es e t r ad içõ es vigen tes n o sécu lo VI e n a
actualidade I n B rac ara Aug us ta , VI I I , p p .243-277.
160
- CO H N , N o rm an - T h e m yth o f Sat an an d H is h um an servan t s I n .
D O UG LAS, Mary (ed .) - Witc hc raft: confessions & accusations, Lo n do n ,
T avisto ck, 1970, p p .3-16.
- CO UT O , Jo rge - As visit as p asto rais às m issõ es d a Am azô n ia: fo co s de
co n f lito s en t re o s jesu ít as e o 1º b isp o do P ará (1724-1733) I n Anais
do X Sim pó s io N ac io nal de E s tudo s Mis s io ne iro s , UN I JU Í , s .d .,
p p .231-249.
- D AVI D SO N , N . S - A Co ntra-Re fo rm a , t r ad . p o r t ., São P au lo , Mar t in s
F o n t es, 1991.
- D E LUME AU, Jean - E l Cato lic i s m o de Lute ro a Vo ltaire , t r ad . esp .,
Barcelo n a, Lab o r , 1973.
- ________ _____ - H is tó ria do M e do no O c ide nte : 1300-1800, uma cidade
sitiada, t r ad . p o r t ., São P aulo , Co n p an h ia das Let ras, 1990.
- D I AS, Man o el N un es - E st rat égia p o m b alin a de urb an ização do esp aço
am azô n ico I n V.V.A.A. - Co m o I nte rpre tar P o m bal? N o bicentenário
da sua morte, Lisb o a/ Bro t ér ia; P o r to / Livrar ia A.I ., p p .299-365.
- D I AS, Jo sé Seb ast ião da Silva - "P o m b alism o e t eo r ia p o lít ica" I n Cultura,
H is tó ria e F i lo s o fia , vo l. 1, 1982, p p .146-175.
- D O MI N G UE S, Ân gela - Viag e ns de E xp lo raç ão Ge o g ráfic a na
Am az ó nia e m F inais do Sé c u lo XVIII , Lisb o a, I n st itu to de H istó r ia
de Além -Mar , F .C.S.H .-U .N .L., 1991.
- F ALCO N , F ran cisco Jo sé Calazan s - A É po c a P o m balina (Política econômica
e monarquia ilustrada), São P au lo , Át ica, 1982.
- ________ - I n qu isição e p o der : o Regim en to do San to O fício da
I n quisição n o co n t exto das refo rm as p o m b alin as (1773) I n .
N O VI N SK Y, An it a Wain go r th e Carn eiro , Mar ia Luiza T ucci (o rgs.)
Inqu is iç ão : ensaios sobre mentalidades, heresias e arte, Rio de
Jan eiro / E xp ressão e Cultura; São P au lo / E D U SP , 1992, p p .116-139.
161
- F E BVRE , Lucien & MART I N , H en r i-Jean - O Apare c im e nto do Livro ,
t r ad . p o r t ., São P aulo , U N E SP / H UCI T E C, 1992.
- F E RRE I RA, Jerusa P ires - O Livro de São Cipriano : uma legenda de massas,
São P aulo , P ersp ect iva, 1992.
- F I LH O , Lycurgo San to s - H is tó ria Ge ral da Me dic ina B ras i le ira , São
P au lo , H ucit ec/ E D USP , 1991, vo l 1.
- F I LH O , Sávio Cap elo ssi & SE YN AE VE , Raym o n d J. M. - Guia H is tó ric o e
T urís tic o da Cidade de B e lé m , Belém , CE JUP , 1992.
- F RAN ÇA, Jo sé Augusto , Lis bo a P o m balina e o I lum in is m o , Lisb o a,
Livrar ia Ber t ran d , s.d .
- F RE YRE , G ilb er to - Cas a Grande e Se nz ala - Formação da família brasileira
sob regime de economia patriarcal, 26ª ed ., Rio de Jan eiro , Reco rd , 1989.
- G ARCI A-CÁRCE L, Ricardo - O ríg e ne s de la Inquis ic ió n E s paño la : el
T ribunal de V alencia, 1478-1530, Barcelo n a, P en ín su la, 1976.
- G E E RT Z , Clif fo rd - A I nte rpre taç ão das Culturas , t r ad . p o r t ., Rio de
Jan eiro , G uan ab ara, 1989.
- G I N Z BU RG , Car lo - O Q ue i jo e o s Ve rm e s : o cotidiano e as idéias de um
moleiro perseguido pela Inquisição, t r ad . p o r t ., São P aulo , Co m p an h ia das
Let ras, 1987.
- ___________ - H is tó ria N o turna : decifrando o Sabá, t r ad . p o r t ., São P aulo ,
Co m p an h ia das Let ras, 1991.
- _ __________ - O I n qu isido r co m o an t ro p ó lo go : um a an alo gia e as suas
im p licaçõ es I n . A Mic ro -H is tó ria e o u tro s e ns aio s , t r ad . p o r t .,
Lisb o a/ D I F E L; Rio de Jan eiro / Ber t ran d Brasil, 1991, p p .203-214.
- G O ME S, F ran cisco Jo sé Silva - Cris tandade Me die val - A Igreja e o Poder:
representações e discursos, co n ferên cia p ro fer ida n a I Sem an a de E studo s
162
Medievais (20-24 de set em b ro de 1993) n a Un iversidade de Brasília,
ex. m im eo , 23p .
- H AN SO N , C.A. - E c o no m ia e So c ie dade no P o rtug al B arro c o . t r ad .
p o r t ., Lisb o a, D o m Q uixo te, 1986.
- H E N N I N G SE N , G ust av - E l Abo g ado de Las B rujas : brujería vasca y
Inquisición española, t r ad . esp ., Madr id , Alian za, 1983.
- H E RCULAN O , Alexan dre - H is tó ria da O rig e m e E s tabe le c im e nto da
Inqu is iç ão e m P o rtug al , Lisb o a, E uro p a-Am ér ica, s .d ., 3 vo ls.
- H O O RN AE RT , E duardo - O b reve p er ío d o p ro fét ico das m issõ es n a
Am azô n ia Brasileira (1607-1661) I n _________ (o rg.) - H is tó ria da
Ig re ja na Am az ô n ia , P et ró p o lis , Vo zes, 1992, p p .121-138.
- LAP A, Jo sé Ro b er to d o Am aral - O D iabo , um B o m Co m panhe iro ? -
episódios do cotidiano paraense - século X V III , Co m un icação ap resen tada
ao I Co n gresso I n tern acio n al e Luso -Brasileiro so b re a I n qu isição , São
P au lo , 1987, 26p .
- LE BRUN , F ran ço is - As Refo rm as: devo çõ es co m un it ár ias e p iedade
p esso al I n ARI È S. P h ilip p e & CH ART I E R, Ro ger (o rgs) - H is tó ria
da Vida P rivada 3: da R enascença ao século das L uz es, t r ad . p o r t ., São
P au lo , Co m p an h ia das Let ras, 1991, p p .71-111.
- LE I T E , An tó n io - A id eo lo gia p o m b alin a: desp o t ism o esclarecid o e
regalism o I n . V.V.A.A. - Co m o I nte rpre tar P o m bal? N o bicentenário
da sua morte, Lisb o a/ Bro t ér ia; P o r to / Livrar ia A.I ., 1983, p p .27-54.
- LE VACK , Br ian P . - A Caç a Às B ruxas na E uro pa - no limiar da Idade
M oderna, t r ad . p o r t ., Rio de Jan eiro , Cam p us, 1988.
- LI MA, Lan a Lage da G am a - A Co nfis s ão P e lo Ave s s o : o crime de solicitação
no Brasil colonial, T ese de D o uto ram en to ap resen t ada à U SP , São P aulo ,
1991, 3 vo ls.
163
- ___ _ - A refo rm a t r iden t in a do clero n o Brasil co lo n ial: est rat égias e
lim it açõ es I n Co ng re s s o Inte rnac io nal de H is tó ria - Mis s io naç ão
P o rtug ue s a e E nc o ntro de Culturas , At as, vo l I I , sep arat a, Braga,
1993, p p .531-549.
- MACE D O , Jo rge Bo rges d e - A Si tuaç ão E c o nô m ic a no T e m po de
P o m bal , Lisb o a, G rad iva, 1989.
- MALI N O WSK I , Bro n islaw - Mag ia, Ciê nc ia , Re lig ião , t r ad . p o r t ., Lisb o a,
E d içõ es 70, 1988.
-M apas , Rio de Jan eiro , ed . N o rb er to O deb rech t , 1994.
- MAU SS, Marcel - A p rece In Marc e l Maus s : antropologia, co m p ilação de
Ro b er to Cardo so de O liveira, t r ad . p o r t ., São P aulo , Át ica, 1979,
p p .102-146.
- ME N D O N ÇA, Jo sé Lo uren ço de & MO RE I RA, An tó n io Jo aquim - H is tó ria
do s P rinc ipais Ac to s e P ro c e d im e nto s da Inqu is iç ão e m P o rtug al ,
Lisb o a, I m p ren sa N acio n al/ Casa da Mo eda, 1980.
- MO N T E RO , P au la - M ag ia e P e ns am e nto Mág ic o , São P aulo , Át ica, 1986.
- MO T T , Luiz R. B. - Ro s a E g ipc íac a : uma santa africana no Brasil, Rio de
Jan eiro , Ber t ran d Brasil, 1993.
- MO T T , Luiz R. B. - Mar ia, virgem o u n ão ? Q uat ro sécu lo s de co n t est ação
n o Brasil I n O Se xo P ro ib ido : virgens, gays e escravos nas garras da
Inquisição, Cam p in as, P ap irus, 1988, p p .131-186.
- ____ - E tn o dem o n o lo gia: asp ecto s da vida sexual do D iab o n o m un do
íb ero -am er ican o (sécu lo s XVI ao XVI I I ) I n E s c ravidão ,
H o m o s s e xualidade e D e m o no lo g ia , São P aulo , Í co n e, 1988, p p .119-
151.
- MUCH E MBLE D , Ro b er t - So rceller ie, cu ltu re p o p ulaire et ch r ist ian ism e
au XVI e. siècle - p r I n cip alem en t en F lan d re et en Ar to is I n Annale s
E . S. C . , 2:264-284, 1973.
164
- N AZ ÁRI O , Luís - O ju lgam en to das ch am as: au to s-de-fé co m o esp etácu lo s
de m assa I n N O VI N SK Y, An it a Wain go r th & CARN E I RO , Mar ia
Luiza T ucci (o rgs.) - Inqu is iç ão : ensaios sobre mentalidades, heresias e
arte, Rio de Jan eiro / E xp ressão e Cultura; São P aulo / E D USP , 1992,
p p .525-546.
- N E T O , Car lo s de Araújo Mo reira - O s p r in cip ais grup o s m issio n ár io s que
atuaram n a Am azô n ia b rasileira en t re 1607 e 1759 I n H O O RN AE RT ,
E duardo (o rg.) - H is tó ria da Ig re ja na Am az ô nia , P et ró p o lis , Vo zes,
1992, p p .63-120.
- ____ - Refo rm ulaçõ es da m issão cató lica n a Am azô n ia en t re 1750 e 1832
I n H O O RN AE RT , E duardo (o rg.) - H is tó ria da Ig re ja na Am az ô nia ,
P et ró p o lis , Vo zes, 1992, p p .210-261.
- N O G UE I RA, Car lo s Ro b er to F igueiredo - O D iabo no Im ag inário
Cris tão , São p aulo , Át ica, 1986.
- __ _________ - B ruxaria e H is tó ria : as práticas mágicas no ocidente cristão, São
P au lo , Át ica, 1991.
- N O G UE I RA, Car lo s Ro b er to F igueiredo - A O utra F ac e de Satã : o D iabo
no imaginário colonial, m im eo ., 20p .
- __ _________ - A Mig raç ão do Sabbat , m im eo , 25p .
- N O VI N SK Y, An it a Wain go r th - Cris tão s N o vo s na B ah ia : 1624-1654 , São
P au lo , P ersp ect iva/ E D U SP , 1972.
- O G RAD Y, Jo an - Satã : o príncipe das trevas, t r ad . p o r t ., Rio de Jan eiro ,
Mercuryo , 1991.
- P AI VA, Jo sé P ed ro de Mato s - P rátic as e Cre nç as Mág ic as : o medo e a
necissidade dos mágicos na diocese de Coimbra (1650-1740), Co im b ra,
Min erva, 1992.
- P AO LI , Ugo E n r ico - U rbs , Barcelo n a, I b er ia/ Jo aquin G il, s .d .
165
- RAMO S, Luís A, de O liveira - A I n quisição p o m b alin a I n V.V.A.A. -
Co m o In te rpre tar P o m bal? no bicentenário de sua morte,
Lisb o a/ Bro t ér ia; P o r to / Livraira A.I ., 1983, p p .111-121.
- RÊ G O , Raúl - O Marquês d e P o m b al, o s cr ist ão s-n o vo s e a I n quisição I n
SAN T O S, Mar ia H elen a Carvalh o do s (o rg.) - P o m bal Re vis i tado ,
lisb o a, E stam p a, 1984, p p . 142-157, vo l.1.
- RE I S, Ar th ur César F er reira - A o cup ação p o r tuguesa do vale am azô n ico
I n H GCB , t o m o I , vo l.1, 7ª . ed ., São P aulo , D I F E L, 1985, p p .257-272.
- RUSSE L, Jef rey Bur to n - O D iabo : as percepções do mal da A ntigüidade ao
Cristianismo primitivo, t r ad . p o r t ., Rio de Jan eiro , Cam p us, 1991.
- _______ - H is tó ria da F e i t iç aria : feiticeiros, hereges e pagãos, t r ad . p o r t ., Rio
de Jan eiro , Cam p us, 1993.
- SARAI VA, An to n io Jo sé - Inqu is iç ão e Cris tão s -N o vo s , 5ª . ed ., Lisb o a,
E stam p a, 1985.
- SH ARP E , Jim - A H istó r ia vist a d e b aixo I n BU RK E , P eter (o rg.) - A
E s c ri ta da H is tó ria , t r ad , p o r t ., São P aulo , Un esp , 1992, p p .39-62.
- SI LVA, Lin a G o ren st ein F er reira da - Inqu is iç ão no Rio de Jane iro
Se te c e ntis ta : uma família cristã nova, D isser t ação de Mest rado
ap resen tada à U SP , São P aulo , 1993.
- SI Q U E I RA, So n ia Ap arecida de - A I nquis iç ão P o rtug ue s a e a So c ie dade
Co lo n ial , São P au lo , Át ica, 1978.
- SO U Z A, Laura de Mello e - O D iabo e a T e rra de Santa Cruz - feitiçaria e
religiosidade popular no Brasil colonial, São P aulo , Co m p an h ia das Let r as,
1987.
- _______ - In fe rno Atlântic o : demonologia e coloniz ação: séculos X V I-X V III ,
São P aulo , Co m p an h ia das Let ras, 1993.
166
- T AVARE S, Mar ia jo sé P im en ta F er ro - Judaís m o e Inqu is iç ão : estudos,
Lisb o a, P resen ça, 1987.
- T H O MAS, K eith - Re lig ião e o D e c lín io da Mag ia : crenças populares na
Inglaterra - séculos X V I e X V II , t r ad . p o r t ., São P aulo , Co m p an h ia das
Let ras, 1991.
- T O RRE S, Jo sé Veiga - U m a lo n ga guer ra so cial: o s r itm o s da rep ressão
I n quisit o r ial em P o r tugal I n Re vis ta de H is tó ria E c o nó m ic a e
So c ial , 1 , 1978, P P . 55-68.
- VAI N F AS, Ro n aldo - A t eia da I n t r iga: delação e m o ralidade n a so ciedade
co lo n ial I n _ ________ (o rg.) - H is tó ria e Se xualidade no B ras i l ,
Rio de Jan eiro , G raal, 1986, p p .41-66.
- _______ __ - T ró pic o do s P e c ado s : moral, sex ualidade e Inquisição no Brasil
colonial, Rio de Jan eiro , Cam p us, 1989 .
167
- AN EXO I: MAPA DE BELÉM - 1661-1700. Neste mapa, notam-se
diversas ruas onde residiam confitentes, denunciantes e testemunhas (Sávio Capelossi Filho e
Raymond J. M. Seynaeur, Guia Histórico e Turístico da Cidade de Belém).
168
- ANEXO II: RELAÇÃO DOS ENDEREÇOS E PROFISSÕES DE DENUNCIADOS,
DENUNCIANTES E CONFITENTES.
ADRIÃO PEREIRA, lavrador, morador na vila do Cametá, denunciado por
prática de cartas de toque por CRECÊNCIO DE ESCOBAR.
ALBERTO MONTEIRO, carpinteiro, morador na Rua das Flores,
confitente de magia amorosa.
ANSELMO, morador na freg. da Sé da Lira, denunciado por porte de pedra
d ara por FR. ANTONIO TAVARES.
ANTONIA JERÔNIMA DA SILVA, moradora na rua detrás da
Misericórdia, denunciante de ANTONINO.
ANTONINO, ex-escravo e oleiro, morador na Vila de Cintra, denunciado
por rituais de curandeirismo por ANTÔNIA JERÔNIMA DA SILVA.
ANTONIO DE SOUZA MADEIRA, alfaiate, morador na Rua da Baroca
(sic), denunciante de ANTÔNIO DA SILVA.
ANTÔNIO MOGO, soldado, morador na rua que vai atrás da de S. João ,
denunciado por orações amorosas por MARIA FRUTUOSA DA SILVA.
ANTÔNIO TAVARES (FR.), vigário da freg. de N. S. da Conceição de
Benfica, denunciante de roubo de pedra d ara.
BERNARDO ANTÔNIO, lavrador, morador no rio Bujaria, confitente de
bigamia.
CAETANO DA COSTA, fazendeiro, morador na freg. de Sta. Ana do
Guarapé Merim, denunciante de ISIDRO.
CONSTANÇA MACIEL, moradora na Rua de S. Vicente, denunciante de
LUDOVINA FERREIRA.
169
CRECÊNCIO DE ESCOBAR, lavrador, morador na Vila da Vigia,
denunciante de ADRIÃO PEREIRA.
DIONÍSIO DA FONSECA, capelão da Sé de Belém, confitente de
blasfêmia.
DOMINGAS GOMES DA RESSURREIÇÃO, ex-escrava, moradora na
Rua da Praia que vai para Sto. Antônio, confitente de curandeirismo.
DOMINGOS DA SILVA PINHEIRO, capitão de infantaria de Belém,
denunciante de JOSÉ FELIZARDO.
DOMINGOS DE SOUZA, trabalha na fazenda do denunciante, morador na
Fazenda Utinga, Freg. de N. S. do Rosário, denunciado por rituais de curandeirismo por
MANOEL PORTAL DE CARVALHO.
DOMINGOS RODRIGUES, lavrador, morador na Rua da Rosa,
denunciante de SABINA e MARIA.
FELICIANA DE LIRA BARROS, vive da sua agência , moradora na Rua
do Pacinho, confitente de sodomia.
FELIPE JACOB BATALHA, lavrador, morador na Rua do Pacinho,
confitente de sodomia.
FRANCISCO JOSÉ, ex-soldado e alfaiate, denunciado por blasfêmia por
LUÍS DE SOUZA DA SILVA.
FRANCISCO SERRÃO DE CASTRO, senhor de engenho, morador no
engenho da Boa Vista, denunciado por sodomia por JOAQUIM ANTÔNIO.
[GASPAR JOÃO GERALDO DE] GRONFELT, engenheiro militar
alemão, denunciado com o nome de fulano Gronfelt por luteranismo por PE. MIGUEL
ANGELO DE MORAIS.
GIRALDO CORREYA LIMA, diretor dos índios, morador na freg. de
Santo Inácio, denunciante de PEDRO RODRIGUES e MARÇAL AGOSTINHO.
170
GONÇALO JOSÉ DA COSTA, senhor de engenho e lavrador, denunciante
de JOANA.
IGNÁCIO PERES PEREYRA, sargento de granadeiros, morador na Rua
Formosa, confitente de invocação do Diabo.
INÊS MARIA DE JESUS, costureira, moradora na Rua de S. Vicente,
denunciante de LUDOVINA FERREIRA.
ISABEL MARIA DA SILVA, moradora na Rua de S. João, confitente de
adivinhação e denunciada por necromancia por JOSEFA COELHO.
IZIDRO, juiz de órfãos da Vila do Cametá, denunciado por açoite de
imagens por CAETANO DA COSTA.
JOANA MENDES, ex-escrava, denunciada por blasfêmia por JOÃO
VIDAL DE S. JOSÉ.
JOANA, escrava, moradora no engenho de N. S. do Água Lupe, denunciada
por curandeirismo por GONÇALO JOSÉ DA COSTA.
JOÃO DE S. JOSÉ (FR.), morador no convento dos mercedários,
denunciante de JOÃO VELOZ.
JOÃO MENDES PINHEIRO, aprendiz de alfaiate, morador na Rua das
Almas, confitente de magia amorosa.
JOÃO VIDAL DE S. JOSÉ, sangrador, morador na Rua dos Mercadores,
denunciante de JOANA MENDES.
JOAQUIM ANTÔNIO, escravo, morador no engenho da Boa Vista,
confitente de sodomia e denunciante de FRANCISCO SERRÃO DE CASTRO.
JOAQUIM, sacristão, morador ao lado da igreja (?), denunciado por porte de
pedra d ara por RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT.
JOSÉ DA COSTA, pedreiro, morador na Rua Direita junto da roda dos
enjeitados , denunciante de TOMÁS LUIZ FERREIRA.
171
JOSÉ JANUÁRIO DA SILVA, procurador de causas, morador na Rua de S.
Mateus, confitente de curandeirismo e denunciante de JOSÉ.
JOSÉ MIGUEL AYRES, capitão-mor e fazendeiro em Marajó, denunciado
por blasfêmia por ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA.
JOSÉ, escravo e curandeiro, morador na Rua de São Vicente, denunciado
por curandeirismo por MANOEL FRANCISCO DA CUNHA e JOSÉ JANUÁRIO DA
SILVA.
JOSEFA COELHO, moradora na Rua da Atalaia, denunciante de ISABEL
MARIA DA SILVA.
LÁZARO VIEIRA, índio aldeado do Carmo, denunciado por porte de pedra
d ara por RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT.
LOURENÇO RODRIGUES, soldado, morador na Rua Nova (Sé),
confitente de magia amorosa.
LUDOVINA FERREIRA, moradora, ao tempo dos delitos, na rua detrás do
Rosário dos Pretos e ao pé do armazém de pólvora, denunciada por rituais de curandeirismo
por INÊS MARIA DE JESUS e por CONSTANÇA MACIEL.
LUIZ DE SOUZA SILVA, sem ofício, morando atualmente na enxovia das
Almas de Belém, por estar preso, denunciante de FRANCISCO JOSÉ.
LUIZ VIEIRA DA COSTA, morador em seu sítio do Limoeiro, ne vila
Viçosa do Cametá, denunciante de MIGUEL.
MANOEL DE OLIVEIRA PANTOJA, fazendeiro, confitente de zombaria
com símbolos da Igreja.
MANOEL DE SOUZA NOVAIS, lavrador, denunciante de SABINA.
MANOEL DO ROSÁRIO (FR.), morador no convento do Carmo de
Belém, confitente de sodomia.
MANOEL FRANCISCO DA CUNHA, carpinteiro, morador na Rua Direita
de Sto. Antônio, denunciante de JOSÉ.
172
MANOEL JOSÉ DA MAIA, soldado, morador ao pé dos quartéis ,
confitente de magia amorosa.
MANOEL NICOLAU ROIZ (FR.), mercedário em Belém, denunciante, a
rogo de MARIA JOSEFA DA ASSUNÇÃO, de ANGELA MICAELA.
MANOEL NUNES DA SILVA, ajudante da ordenança, morador na Vila da
Vigia, confitente de oração amorosa.
MANOEL PACHECO DE MADUREIRA, vive de sua agência , morador
na Rua das Flores, confitente de magia amorosa, pacto demoníaco e balaio.
MANOEL PORTAL DE CARVALHO, alferes, morador na fazenda Utinga,
na freguesia de N. S. do Rosário, denunciante de DOMINGOS DE SOUZA.
MARÇAL AGOSTINHO, índio capitão, morador na vila de Buim,
denunciado por doutrina herética por GIRALDO CORREIA LIMA.
MARÇAL, escravo e pedreiro, morador no engenho de Varapiranga,
confitente de balaio.
MARCELINA TEREZA, escrava, moradora na Sé, denunciante de MARIA
FRANCISCA.
MARIA FRANCISCA, escrava, moradora na Rua Formosa, denunciada por
balaio por MARCELINA TEREZA.
MARIA FRUCTUOSA DA SILVA, engomadeira, costureira e rendeira,
moradora na Rua de S. João, denunciante de ANTONIO MOGO.
MARIA JOANA DE AZEVEDO, vive do trabalho de suas mãos ,
moradora na freguesia de N. S. doRosário, confessa orações de amor e sonhos premonitórios.
MARIA JOSEFA DA ASSUNÇÃO, moradora na Ilha de Marajó, denuncia
através de FR. MANOEL NICOLAU ROIZ sua mãe ANGELA MICAELA.
MARIA, escrava, denunciada por rituais de curandeirismo por DOMINGOS
RODRIGUES.
173
MIGUEL ANGELO DE MORAIS (PE.), cura da freg. de N.S. do Rosário
da Campina, denunciante de fulano GRONFELT (Gaspar João Geraldo de Gronsfeld).
PEDRO RODRIGUES, carpinteiro, morador na vila de Buim, na rua larga
de São Paulo, denunciado por doutrina herética por GIRALDO CORREIA LIMA.
RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT, diretor dos índios da vila de Beja,
morador ao pé da igreja de S. João de Belém, denunciante de roubo de pedra d ara e de
SABINA.
ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA, fazendeiro, morador na Rua de S.
Boaventura, denunciante de JOSÉ MIGUEL AYRES.
SABINA, ex-escrava e atual curandeira, moradora no bairro da Campina,
denunciada por curandeirismo por MANOEL DE SOUZA NOVAIS, DOMINGOS
RODRIGUES e RAIMUNDO JOSÉ DE BITENCOURT.
- ANEXO III: RELAÇÃO DAS TESTEMUNHAS, E DIVERSAS
PESSOAS MENCIONADAS NAS DENÚNCIAS E CONFISSÕES (com endereço e/ ou
profissão).
ACACIO DA CUNHA DE OLIVEIRA (pe.), vigário, mencionado por
relatar o delito de PEDRO RODRIGUES a GIRALDO CORREIA LIMA.
ANA BASÍLIA, costureira, moradora perto do convento de Sto. Antônio de
Belém, mencionada como testemunha de ato mágico de ISABEL MARIA DA SILVA.
ANNA, moradora na casa de ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA,
mencionada como testemunha de blasfêmia de JOSÉ MIGUEL AYRES.
ANTONIO DA SILVA BRAGANÇA, cabo de canoa na vila de Beja,
mencionado como paciente de SABINA.
ANTONIO DE MIRANDA, sem ofício, morador ao pé da Igreja do
Rosário , mencionada por ensinar oração amorosa a MARIA JOANA DE AZEVEDO.
174
ANTONIO RODRIGUES MARTINS, tesoureiro dos índios, mencionado
por sua casa ter sido palco da atuação de SABINA.
ATANÁSIO, lavrador, é criado e da administração de Antonio José de
Macedo , morador no Rio Mojuim, mencionado por ensinar oração amorosa a MANOEL
JOSÉ DA MAIA.
CAETANA, moradora detrás da Misericórdia , mencionada por ensinar
oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.
DOMINGOS GASPAR, sargento-mor, mencionado pelo índio JOAQUIM
como receptador de pedra d ara roubada.
DOMINGOS RODRIGUES DE LIMA, morador na Rua de S. Matheus,
mencionado por sua casa ter sido palco da atuação de SABINA.
ELIAS CAETANO, familiar do Santo Ofício, mencionado por ter uma
escrava curada por JOSÉ.
FAUSTINO, sem ofício, morador atrás de S. João , mencionado por ensinar
oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.
IGNÁCIA, filha de LUDOVINA FERREIRA, mencionada como sua
cúmplice.
IGNACIO COELHO BRANDÃO, lavrador, morador numa rua junto ao
Rosário dos Pretos , mencionado como testemunha de atos mágicos de LUDOVINA
FERREIRA.
JERONIMA CAETANA, moradora no rio Muruyni, testemunha de
curandeirismo de ANTONINO.
JOANA DA GAIA, moradora em casa de JOSEFA COELHO, testemunha
em denúncia contra ISABEL MARIA DA SILVA.
JOÃO BATISTA SEGO (CEGO?), morador ao pé do Rosário dos Pretos ,
mencionado como paciente de JOSÉ.
175
JOÃO BATISTA, mencionado como paciente de JOSÉ, é pai de JOSÉ
JANUÁRIO DA SILVA.
JOÃO DE ABREU CASTELO BRANCO, governador do Pará, mencionado
como paciente de SABINA.
JOÃO JOSÉ DE LIRA BARROS, estudante, testemunha de prática de
balaio.
JOÃO, morador na fazenda do padre Custódio Alvares Roxo, mencionado
por ensinar magia amorosa a JOÃO MENDES PINHEIRO.
JOSÉ CAETANO CORDEIRO, subchantre da Sé de Belém, ensinou oração
de amor a MANOEL NUNES DA SILVA.
JOSÉ DE GOUVEIA, escrivão dos órfãos, mencionado por recomendar os
serviços de JOSÉ a JOSÉ JANUÁRIO DA SILVA.
JOSÉ LUIS, soldado, morador da Rua de S. Mateus, mencionado de invocar
o Diabo por IGNACIO PERES PEREYRA.
JOSÉ MARIA, morador ao pé de Santo Antônio , mencionado como
paciente de JOSÉ.
LÍVIA, cumprindo degredo no Macapá, mencionada por aprender oração
amorosa de ANTONIO MOGO.
LÚCIA, moradora ao pé do Rosário, em casa do Capitão da Vigia ,
mencionada por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.
MANOEL DA COSTA FERRÃO, tesoureiro dos ausentes, mencionado por
sua casa ter sido palco da ação de SABINA.
MANOEL LOURENÇO, sapateiro, morador ao pé do sargento-mor
MANOEL JOSÉ DE LIMA , mencionado como paciente de SABINA.
MARIA DA FÉ, moradora em frente à roda dos enjeitados , mencionada
como paciente de JOSÉ.
176
MARIA JOSEFA DE BITANCOUR, moradora atrás da igreja de S. João ,
mencionada por aprender oração de amor de ANTONIO MOGO e por ensiná-la a MARIA
JOANA DE AZEVEDO.
MARIA JOSEFA DE BRITES, esposa de RAYMUNDO JOSÉ
BITHENCOURT, mencionada como paciente de SABINA.
MARIANA BARRETO, moradora na Rua do Açougue, mencionada como
paciente de LUDOVINA FERREIRA.
MARIANA DE MESQUITA, mencionada como paciente de LUDOVINA
FERREIRA.
ROSA MARIA DOS SANTOS, moradora na Rua do Pacinho, com
Bernarda Amatildes , mencionada por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE
AZEVEDO.
SIMÃO JOSÉ DE OLIVEIRA, soldado, morador na casa de JOSÉ
JANUÁRIO DA SILVA, mencionado como testemunha de cura de JOSÉ.
THEODORA LAMEIRA, moradora ao pé da Misericórdia , mencionada
por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.
VICTORIANA, moradora em casa de Manoel da Costa Couto na rua ao pé
de Santo Antônio , mencionada como paciente de JOSÉ.
177
- AN EXO IV: DELITOS CONFESSADOS E DENUNCIADOS AO
VISITADOR
D E LITO S D E N UN CIAD O S
CO N FE SSAD O S TO TAL (%) Curanderismo 13 02 15 (25)
Magia Amorosa 02 07 09 (15) Magia D ivinatória 02 03 05 (8)
Sodomia 02 03 05 (8) Blasfêmia 04 01 05 (8)
Magia de Proteção 05 - 05 (8) H eresia 04 - 04 (6)
Judaísmo 03 - 03 (5) Bigamia 02 01 03 (5)
Invocação do D iabo 01 01 02 (3) Pacto D emoníaco - 02 02 (3)
Proposições E rrôneas 02 - 02 (3) Visionarismo - 01 01 (1,5) Luteran ismo 01 - 01 (1,5)
This document was created with Win2PDF available at http://www.daneprairie.com.The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.