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10 Profissão Mestre julho 2015 É de conhecimento comum que a educação de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é parte absoluta- mente relevante do tratamento. É fundamental para um melhor prognóstico da doença o desenvol- vimento da comunicação, da so- cialização, da autonomia e da ex- tensão das capacidades motoras. Também é indiscutível que a edu- cação é uma garantia básica de todas as crianças e adolescentes, até porque essa garantia (entre outras, como as que estabelecem o direito à saúde, ao bem-estar e à pluralidade e as que proíbem a discriminação) vem expressa em nossa Constituição Federal. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) determina que os sis- temas de ensino assegurem aten- dimento aos educandos com ne- cessidades especiais, ou seja, por determinação legal, há quase 20 anos as escolas são obrigadas a receber e conferir educação inclu- siva a todo e qualquer aluno com deficiência. É importante ressaltar que ja- mais foi o mero acesso à educação ou simplesmente a garantia for- mal de se frequentar uma esco- la que foram e são garantidos por lei. Na verdade, o que está garan- tido é o direito à verdadeira edu- cação, aquela que propicie o efe- tivo desenvolvimento do aluno em todas as suas potencialidades. Por essa razão, e porque a criança com deficiência precisa de auxí- lio para se desenvolver, a lei esta- belece que a escola deve se adap- tar ao aluno com deficiência, polo evidentemente hipossuficiente na relação entre educador e educan- do, e não o contrário. A ESCOLA E A CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA INCLUSÃO Heloísa Barroso Uelze

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10 Profissão Mestre julho 2015

É de conhecimento comum que a educação de crianças com Transtorno do Espectro

Autista (TEA) é parte absoluta-mente relevante do tratamento. É fundamental para um melhor prognóstico da doença o desenvol-vimento da comunicação, da so-cialização, da autonomia e da ex-tensão das capacidades motoras. Também é indiscutível que a edu-cação é uma garantia básica de todas as crianças e adolescentes, até porque essa garantia (entre outras, como as que estabelecem o direito à saúde, ao bem-estar e

à pluralidade e as que proíbem a discriminação) vem expressa em nossa Constituição Federal. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) determina que os sis-temas de ensino assegurem aten-dimento aos educandos com ne-cessidades especiais, ou seja, por determinação legal, há quase 20 anos as escolas são obrigadas a receber e conferir educação inclu-siva a todo e qualquer aluno com deficiência.

É importante ressaltar que ja-mais foi o mero acesso à educação

ou simplesmente a garantia for-mal de se frequentar uma esco-la que foram e são garantidos por lei. Na verdade, o que está garan-tido é o direito à verdadeira edu-cação, aquela que propicie o efe-tivo desenvolvimento do aluno em todas as suas potencialidades. Por essa razão, e porque a criança com deficiência precisa de auxí-lio para se desenvolver, a lei esta-belece que a escola deve se adap-tar ao aluno com deficiência, polo evidentemente hipossuficiente na relação entre educador e educan-do, e não o contrário.

A ESCOLA E A CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

INCLUSÃO Heloísa Barroso Uelze

11Profissão Mestre julho 2015

A Lei Federal n. 12.764/2012 (que estabelece a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com TEA), que repete determina-ções já antigas – tanto porque cons-tam em nossa Constituição Federal como porque estão previstas na LDBEN –, renovou a determina-ção da educação inclu-siva, proibindo que as escolas neguem vaga às pessoas com TEA e prevendo aplicação de multa ao responsável por eventual negativa (que pode variar de 3 a 20 salários mínimos).

Mas, apesar da existência de todo es-se aparato jurídico e a despeito dos comprovados benefícios que a in-clusão educacional pode trazer aos indivíduos com TEA, a educação escolar inclusiva no Brasil ainda não passa de ficção.

Rotineiramente as escolas se re-cusam a receber alunos com TEA. Às vezes, a recusa se dá de maneira

mais sutil; outras vezes, de manei-ra destemida e sem disfarce. Mas é fato que a maior parte das esco-las ignora a obrigação da inclusão: a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que pelo menos 1

em cada 88 crianças em idade escolar tem TEA, ou seja, todas as escolas, públicas e/ou particulares, deveriam ter, hoje, no mínimo, 1% de sua frequência por alunos com TEA.

Algumas escolas não têm qualquer pu-dor em assumir que descumprem a deter-minação de inclusão. Outras não dizem cla-

ramente que não aceitam alunos com TEA, mas desencorajam os pais com desculpas como a falta de adaptação física da instituição ou de especialização da equipe de pro-fessores e funcionários, revelando seu despreparo para lidar com as necessidades reais da criança com TEA. Sim, há alternativa para es-

se tipo de situação: os pais podem reclamar formalmente com as au-toridades competentes e/ou acionar o Poder Judiciário para garantir a matrícula da criança diagnosticada com esse transtorno. No fim, a op-ção por esses meios sempre deixa o gosto amargo de ver seu filho, que necessita de atenção especial, ser recebido, à força, em um ambiente que lhe foi hostil.

Todos têm o direito de apren-der em um ambiente acolhedor, preparado para auxiliar no desen-volvimento de suas potencialida-des, além do direito de aprender a viver e conviver em sociedade. Se a função precípua de nossa escola é construir a base de nossa socie-dade, que deve ser formada por to-dos, sem exceções, então a inclusão escolar é hoje o mais relevante dos exercícios de cidadania.

“Apesar da existência de

todo esse aparato

jurídico, a educação

escolar inclusiva no Brasil ainda não passa de

ficção”

Heloísa Barroso Uelze é integran-te do Conselho Consultivo da ONG Autismo & Realidade. É advogada es-pecializada em Direito Administrativo e Processual Civil

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