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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA MESTRADO EM EDUCAÇÃO Inaura Maria de Almeida Silva RELATOS HISTORIOGRÁFICOS E MEMÓRIAS DA TRAVESSIA DO RIO PARNAÍBA: A EDUCAÇÃO BARONENSE E A BUSCA PELO SISTEMA ESCOLAR DE FLORIANO, NO PIAUÍ (1940 - 1970) Fortaleza - CE 2005

Inaura Maria de Almeida Silva - repositorio.ufc.brEcléa Bosi's is and Paul Thompson's works. As methodological resource, interviews were realized to do interlocution with other authorships

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Inaura Maria de Almeida Silva

RELATOS HISTORIOGRÁFICOS E MEMÓRIAS DA TRAVESSIA DO RIO PARNAÍBA: A EDUCAÇÃO BARONENSE E A BUSCA PELO SISTEMA

ESCOLAR DE FLORIANO, NO PIAUÍ (1940 - 1970)

Fortaleza - CE

2005

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Silva, Inaura Maria de Almeida.

Relatos historiográficos e memórias da travessia do rio Parnaíba: a educação baronense e a busca peio sistema escolar de Floriano no Piauí (1940 - 1970). Inaura Maria de Almeida Silva. - Fortaleza: 2005.

160 p: ií.Orientadora: Maria Juraci Maia Cavalcante.

Dissertação (Mestrado) - UFC / UFPI: Faculdade de Educação, 2005.

1. História e memória. 2. Educação. 3. Barão de Grajaú, Ma - Floriano, Pi. 4. rio Parnaíba. I. Título.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ-UFC FACULDADE DE EDUCAÇÃO - FACED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BRASILEIRA MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Inaura Maria de Almeida Silva

RELATOS HISTORIOGRÁFICOS E MEMÓRIAS DA TRAVESSIA DO RIO PARNAÍBA: A EDUCAÇÃO BARONENSE E A BUSCA PELO SISTEMA

ESCOLAR DE FLORIANO, NO PIAUÍ (1940 - 1970).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Prof3 Dr3 Maria Juraci Maia Cavalcante.

Fortaleza - CE

2005

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RELATOS HISTORIOGRÁFICOS E MEMÓRIAS DA TRAVESSIA DO RIOPARNAÍBA: A EDUCAÇÃO BARONENSE E A BUSCA PELO SISTEMA

ESCOLAR DE FLORIANO, NO PIAUÍ (1940 - 1970)

BANCA EXAMINADORA

Profa Dra. Maria Juraci Maia Cavalcante (Presidente - UFC)

Profa Dr3 Zuleide Queiroz Fernandes - 1a Examinadora (URCA)

Profa Dr3 - M3 Isabel F. Lima Ciasca - 2a Examinadora (UFC)

Aprovada no dia 01 de julho de 2005

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DEDICATÓRIA

Aos pais, José Almeida e Adelina, que com muito esforço, proporcionaram

uma base sólida na qual foram edificados os meus sonhos.

Ao meu esposo Daniel, pelo estímulo para a realização deste trabalho.

Aos filhos Daina e Danilo, orgulho e incentivo para a concretização dos

meus sonhos, construídos ao longo dos anos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, nossa sustentação espiritual e guia em todos os momentos da

nossa vida.

À professora, doutora Maria Juraci Maia Cavalcante, pela competente e

segura orientação, repleta de sabedoria, paciência e, sobretudo, de amizade, numa

autêntica demonstração do que é ser educadora.

Ao Campus Amílcar Ferreira Sobral, pelos meios postos à nossa

disposição na pessoa do senhor Diretor.

Ao professor, doutor José Arimatea, pela paciente disposição para o diálogo

e pelas ricas sugestões no início do projeto.

Ao professor doutor Rui Martinho, pelos valiosos comentários que muito

contribuíram para a condução da pesquisa.

Aos professores do mestrado, pelo convívio e pela experiência de ensino-

aprendizagem vivida durante o curso.

À professora, Dra. Marlene Carvalho, pelos esclarecimentos e sugestões na

elaboração do projeto.

À amiga acolhedora e incentivadora, Izaura Silva e seu esposo Carlos

Alberto.

À cunhada, Maria Fontinele, pela colaboração ao longo do curso.

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Ao sobrinho Gustavo pelo auxílio prestado na transcrição e digitação das

entrevistas.

À sobrinha Lidiany pela colaboração na estrutura final deste trabalho.

À diretora da Unidade Escolar Domingos Machado, Maria Luiza Almeida, e

a diretora do Ney Braga, que nos permitiram consultar os arquivo da Escola.

Ao colega Alex, pelo apoio na apresentação da pesquisa.

Aos colegas Gilmar e Everardo pelo auxilio na organização das fotos.

A todos que contribuíram para a realização deste trabalho.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO......................................................................................................... 12

2. O SENTIDO HISTÓRICO DA ESCOLA NA MODERNIDADE.......................... 30

3. A OCUPAÇÃO DO SERTÃO: O SURGIMENTO DAS CIDADES DE BARÃO DEGRAJAÚ E FLORIANO

3.1. A criação de gado e a ocupação dos pastos................................................ 39

3.2. A ocupação do atual Município de Barão de Grajaú.................................... 46

3.3. A origem e aparecimento das cidades.......................................................... 50

3. 4. De uma Colônia Agrícola nascem duas povoações: a educação como

ponto de partida e de chegada....................................................................... 57

4. UM RASTREAMENTO HISTÓRICO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA ESCOLAR DO MARANHÃO: RETARDAMENTO E BUSCA DOSBARONENSES PELAS ESCOLAS DE FLORIANO NO PIAUÍ

4.1. A organização do sistema escolar no Maranhão: 1940 - 1970 ........... 64

4.2. A trajetória da organização escolar em Barão de Grajaú.......................... 75

4.3. Democratização da Escola e o impacto da modernidade na educação

baronense............................................................................................................ 94

4.4. Outro lado, outras escolas: início da migração de alunos....................... 106

5. MEMÓRIAS DO RIO PARNAÍBA: UM DIVISOR DE TERRAS E INTEGRADOR SOCIOECONÔMICO E CULTURAL

5.1. O rio Parnaíba como divisor de terras e integrador socioeconômico e

cultural................................................................................................................. 122

5.2. O rio na memória de estudantes, canoeiros e de pais de alunos em relação

ao período de 1940 a 1970............................................................................... 132

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 150

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 155

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índice das fotos

Foto 1 - Alunos da Escola Estadual Domingos Machado. Ao centro, o prefeito

Pedro Ferreira Góes e as professoras Corina e Zuleide Souza Silva....... 85

Foto 2 - Apresentação cívica da Escola Domingos Machado............................... 91

Foto 3 - Prédio da Prefeitura e da casa ao lado, onde funcionou a primeira escola

de Barão de Grajaú.......................................................................................... 94

Foto 4 - Ponte sobre o rio Parnaíba, ligando as cidades de Barão de Grajaú - Ma.

e Floriano-Pi .................................................................................... 123

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RESUMO

Este trabalho apresenta uma abordagem histórica sobre a educação do

Município de Barão de Grajaú - Ma., com o objetivo de reconstruir a experiência

vivida por jovens baronenses que estudavam na cidade de Floriano. Embora

próximas, as duas cidades pertencem a Estados diferentes e têm na Educação um

dos elementos integradores no campo sócio-econômico e cultural.

Por meio desta pesquisa, procurou-se apreender informações mediante

memórias, que ajudaram na reconstituição da estrutura educacional de Barão de

Grajaú.

Para melhor elucidação do desenvolvimento educacional ocorrido neste

município maranhense, de 1940 a 1970, período em estudo, buscou-se apoio

teórico-metodológico nas idéias de autores da História Nova, por possibilitar maior

dinamismo à pesquisa. Ao abordar temas como memórias, recorremos aos escritos

de Ecléa Bosi e Paul Thompson. Como recurso metodológico, foram realizadas

entrevistas, fazendo a interlocução com outras fontes, como documentos, jornais,

registros públicos e particulares, importantes para chegar ao objetivo proposto. As

fontes orais foram representadas por alunos, pais, professores, funcionário de escola

e canoeiro que vivenciaram aquele período.

Nesta pesquisa, evidenciou-se que as experiências do cotidiano escolar dos

pesquisados, reveladas pela memória, foram importantes na reconstrução da história

da educação de Barão de Grajaú. Sem esses elementos, teria sido difícil a

compreensão da trajetória educativa desses sujeitos históricos.

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ABSTRACT

This work introduces a historical approach about education of Barão de

Grajaú with the purpose of reconstruct the experience lived by baronenses youths

that studied in Floriano. Although these two cities are near, they belong to different

states and have in Education one of the integral elements in social-economic and

cultural field.

Through this study, we search to apprehend information from memories, that

helped in educational structure reconstitution de Barão de Grajaú.

To a better elucidation of the educational development occurred em Barão

de Grajaú, from 1940 to 1970, period in study, we lookes for methological-theoretical

support on the ideas from the new History authors, as they could enable a big

dynamism to the research. When we approach themes like memories, we resort to

Ecléa Bosi's is and Paul Thompson's works. As methodological resource, interviews

were realized to do interlocution with other authorships such as: documents,

newspapers, public and private registers, that were very important to reach the

purpose. The oral information were represented by students, parents, teachers,

school official and canoeist that lived in that period.

In this research, it was proved that the daily school experiences of the

partakers, exposed through memory, were important on reconstruction of Barão de

Grajaú education history. Without these elements it would be difficult to comprehend

educational route of those historical subjects.

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RYSUM

Este trabajo presenta subir histórico en Ia educación de Ia ciudad dei Barão

de Grajaú - Ma., con el objetivo para reconstruir Ia experiência vivido para los

baronenses jóvenes que estudiaron en Ia ciudad de Floriano. Aunque es siguiente,

Ias dos ciudades pertenecen los diversos estados y tienen en Ia educación uma de

los integradores de los elementos en el el socio-econo'mico y cultural campo.

Con esta investigación me miro prendo Ia información a través memórias,

que habían ayudado en Ia reconstitución dei educativo estructura de Barão de

Grajaú.

Para un informe mejor de Ia ocurrencia educativa dei desarrollo en el

Barón de Grajaú, de 1940 el 1970. Cuando temas que se acercan como memórias,

abrogamos a Ias escrituras de Ecléia Bosi y de Paul Thompson. Como recurso dei

metodológico, tales habían sido llevados con Ias entrevistas que hacían el

interlocution com otras fuentes como: documentos, periódicos, público y registros

particulares, que habían sido importantes llegar el objetivo considerado. Las fuentes

verbales habían sido representadas por las pupilas, padres, profesores, empleado

de Ia escuela y dei canoeiro que había vivido profundamente ese período.

En esta investigación, fue probado que las experiencias de pertenecer

diário a Ia escuela buscados, divulgado con Ia memória, habían sido importantes en

Ia reconstrucción de Ia historia dei educación dei Barão de Grajaú. Sin estos

elementos llegó a ser difícil Ia comprensión de Ia trayectoria educativa de estos

ciudadanos históricos.

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1. INTRODUÇÃO

Cresce o interesse pelo estudo de fenômenos relacionados à História da

Educação brasileira, no intuito de melhor compreender a realidade educacional no

País. Nesse sentido, a Educação se aproximou de outras áreas do conhecimento

humano, dentre elas a História, que possibilitem um aprofundamento do fenômeno

ocorrido em um determinado tempo e em certo lugar. Essa aproximação resultou na

intensificação e inovação das pesquisas pelos historiadores da educação, que, com

modos mais refinados de elaborar a História, adotaram problemas, métodos, objetos

e fontes variadas, provocando, como explica Zequera (2002), o surgimento de

enfoques e perspectivas de análise diversas no campo da pesquisa histórico-

educacional.

Por conseguinte, foi a descoberta dessa combinação da inovação de

pesquisas e ampliação do universo do conhecimento ora descrito que nos encorajou

para realizar um estudo sobre o fenômeno da educação, sob o recorte de um

espaço geograficamente pequeno, mas relevante, por estar sendo bem mais

valorizado dentro das perspectivas atuais da História da Educação. Diante disso,

além da motivação pessoal e profissional que nos anima, encontramos no presente

estudo um campo fértil para o nosso preparo acadêmico como pesquisadora.

A propósito disso, é importante dizer que o nosso interesse pelo tema

enfocado está relacionado com a nossa própria história de vida, já que parte da vida

estudantil teve curso em escolas na cidade de Floriano, no Piauí e residindo em

Barão de Grajaú, Maranhão, nosso lugar de origem e onde estudamos da 1a a 4a

série primária. Nesse período, convivíamos’ com muitas outras crianças,

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adolescentes e jovens, na faixa de idade entre 10 a 20 anos, que faziam o mesmo

trajeto à procura de oportunidades ascendentes de escolarização. O estudante tinha

que atravessar o rio Parnaíba, que serve de limite entre as duas cidades, dentro de

pequenas canoas para chegar à escola. As embarcações, nos horários de

passagem dos estudantes, ganhavam um alegre colorido, não só pela diversidade

dos tons e modelos das fardas, mas, principalmente, pela sua jovialidade

contagiante.

Ao concluir o 2° grau, que corresponde ao atual Ensino Médio, fomos para

a Capital maranhense, no intuito de dar continuidade aos estudos. O ingresso na

Universidade Federal do Maranhão redobrou a esperança de exercer o magistério

nas cidades onde realizamos a educação básica. Ser professora era um sonho

alimentado desde a infância, em função dos elogios à profissão e por influência de

nossa mãe que era docente. Concluído o curso de Licenciatura Plena em História,

retornamos a Barão de Grajaú. Aquele deslocamento espacial, que, nos deixou

marcas do tempo de juventude, foi continuado, só que não mais como estudante, e,

sim, como professora na rede de ensino de Floriano.

Como professora, percebemos uma realidade diferente da vivida como

estudante. Outras ações, reflexões e necessidades se formavam, estando a exigir

novas explicações e respostas em meio à constatação de estar a viver num mundo

em constante transformação.

Refazendo o mesmo percurso, passamos a observar mais atentamente o

movimento migratório diário de estudantes baronenses e percebemos que, ao longo

do tempo, muitas mudanças haviam acontecido. A principal delas estava relacionada

com a passagem obrigatória pelo rio Parnaíba, em canoas movidas pela força

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humana, a partir da década de 1970, quando foram introduzidas as primeiras

embarcações com motor movido a óleo diesel. As lembranças dos tempos de

estudante e as experiências como professora expressavam momentos com

características bastante diferentes. Depois da motorização dos barcos, a passagem

de uma cidade para outra fora facilitada e se tornado mais freqüente.

Em 1978, com a construção da ponte sobre o rio Parnaíba - que liga Barão

de Grajaú a Floriano - foi ainda mais facilitada a passagem de um lado para o outro

do rio. As canoas haviam perdido muito da sua importância nessa relação entre as

duas cidades. Era o aludido progresso que chegava aos pequenos e distantes

lugares do Nordeste, o qual se integrava ao resto do país, através da

Transamazõnica. Este progresso mudou a paisagem do Parnaíba e deu outro

contorno à relação entre estas duas cidades.

Os avanços da sociedade brasileira modernizada se fizeram sentir em

todos os setores da vida social: melhoraram as condições de vida de populações

interioranas, surgiram melhores oportunidades de estudo e trabalho às famílias e, ao

mesmo tempo, conduziram a um distanciamento de hábitos e práticas realizadas por

outros, no passado, suplantando, sob muitos aspectos, as suas tradições.

A vivência como estudante em Floriano e as observações feitas como

profissional empenhada com a causa social, produziram em nós um anseio de

reaver experiências educacionais e nos remeteram ao aprofundamento sobre a

educação escolar dos baronenses. No âmbito da educação e das relações

interpessoais, há uma riqueza de elementos de vivência cultural, muitas vezes

inexplorados, mas que podem nos ajudar na compreensão da própria história

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coletiva. Nesse sentido, nos apoiamos na lição de Nagle (In: CAVALCANTE, 2000),

para quem “história da educação também é história".

O que tomou decisiva a escolha do tema aqui apresentado foi o desejo de

registrar aquele momento histórico, marcante na vida daqueles que migravam

diariamente para a cidade vizinha em busca de formação escolar, conforme relatos,

sempre presente em encontros, de velhos estudantes e contemporâneos, ameaçado

de cair num total esquecimento, esmagado pelo avanço científico e tecnológico. As

lembranças da travessia do rio Parnaíba aparecem cheios de representações e

significados. Em uma dessas ocasiões, foi possível um mergulho profundo na

memória, uma viagem que trazia de volta o passado, dava vida e o tomava presente.

Uma história se desdobrava em outras, e, aos poucos, ia surgindo uma riqueza de

informações detalhadas nas lembranças sobre os encantos e os desencantos, os

prazeres e os desprazeres do nosso tempo de estudante. O exercício de rememorar

revelava o cotidiano e trazia ao presente muito do que já não era lembrado.

Além desses motivos de ordem pessoal e profissional que justificaram a

escolha do assunto a ser estudado, há também de se considerar a dificuldade de

encontrar registros e estudos sobre o tema, sendo esta uma razão de caráter

acadêmico, que motivou a nossa decisão de realizar a investigação da qual

apresentamos no presente trabalho.

Com este estudo, pretendemos contribuir para o resgate histórico da

educação de Barão de Grajaú, no período de 1940 a 1970, despertando, quem

sabe, o interesse de outros pesquisadores, com vistas ao aprofundamento do

assunto.

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A escolha do período compreendido entre as décadas de 1940 e 1970

decorreu da identificação de dois importantes marcos da história de Barão de

Grajaú: o primeiro, relativo à emancipação da localidade, ascensão concedida em

1938 e o segundo, em decorrência da instalação do primeiro ginásio da cidade,

ocorrida em 1968. Considerando que os desdobramentos desses dois marcos

puderam ser mais bem avaliados nas décadas que subseqüentes, é que optamos

por trabalhar com o período assinalado, além do que essas três décadas são

referidas mais freqüentemente por nossos depoentes e testemunhas, revelando o

seu significado particular e esclarecedor da sua presença insistente nas memórias

daqueles que as vivenciaram.

Esse recorte temporal, também, se justifica pelo fato de representar uma

fase de adaptação e consolidação de uma nova situação política e social que,

conseqüentemente, influenciou na organização educacional do Município. É

acrescida a razão de tratar-se de um momento histórico considerado importante e

inovador na educação baronense, tal como a contratação de professoras

normalistas, facilitando assim o desenvolvimento da pesquisa, de acordo com os

objetivos propostos.

Neste trabalho, buscamos reconstituir, sob o prisma histórico, a educação

em Barão de Grajaú, enfocando as experiências e o que representava o rio Parnaíba

naqueles momentos na vida das pessoas. Ao escolher este tema para pesquisa,

sabíamos que as dificuldades seriam grandes e que íamos percorrer um caminho

espinhoso, pois, em ensaio de pesquisa histórica realizado anteriormente, acerca do

município (SILVA, 1992), já havíamos identificado dificuldades para encontrar fontes

sobre a educação em Barão de Grajaú. Essa barreira, no entanto, passou a ser

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também um desafio e queríamos justamente encontrar uma forma de enfrentá-io. Foi

a ausência de fontes historiográficas que nos levou à decisão de trabalhar com a

memória de sujeitos envolvidos nesse processo. Novamente, é em Nagle (In:

CAVALCANTE, 2002) que vamos buscar estímulo para julgar a importância de

articular memória e história:

...a pesquisa em história no campo da educação, aviva aquilo que nós chamamos de memória social. [...] Talvez a importância maior da pesquisa histórica no campo da educação esteja no fato de que é essa pesquisa que nos vai dar elementos para a nossa própria identidade, não é individual, também, mas eu faço por ressaltar a identidade política (p. 16).

A história é consciência do passado no presente e, como o mesmo autor

ressalta, o passado nos dá lições muito importantes e que, por isso, não devem ficar

limitadas ao plano político, mas que ocorra também no terreno da educação. Para a

história, nem tudo do que aconteceu um dia pode ser considerado perdido. Muito

embora o passado não esteja registrado em documento, é possível (re)construir a

história mediante outras diferentes e variadas fontes, tal como a memória. Nesse

sentido, Cavalcante (2003) destaca a importância das múltiplas histórias e

experiências como auxiliares no trabalho de pesquisa e na reconstituição do

passado, inclusive, no campo educacional.

Por essa razão, séculos depois de firmada essa ambição moderna de enfeixamento do conhecimento, perpassada por uma ânsia reformista da sociedade, pressupor uma vastidão de iniciativas de registro e análise e, assim, adotar o esteio da multiplicidade de histórias, idéias e experiências educacionais, é o melhor que temos a fazer, inclusive, para dar lugar a outras tantas iniciativas de reflexão e entendimento, que não cessam nunca de acontecer. Afinal de contas, vivemos um tempo aberto ao múltiplo e ao microscópio, o que se traduz, no campo do conhecimento histórico, numa proliferação de narrativas e narradores (p. 17).

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O presente tem forte relação com o passado e com o futuro. Trazer o

passado para o presente é confirmar experiências, situando-se em uma realidade

vivida por indivíduos e coletividades na família e no grupo ao qual pertencemos,

como bem expressa Hobsbawm (1990 p. 36): “é inevitável que nos situemos no

continuum de nossa própria existência, da família e do grupo a que pertencemos”. É

a história do grupo que está representada na experiência escolar de pessoas

comuns. São realidades de um tempo passado e totalmente desconhecidas das

gerações mais novas, em virtude das mudanças ocorridas nos últimos anos, que

transformou a sociedade nos seus variados aspectos - políticos, sociais,

econômicos - onde as relações sociais e as formas de ver o mundo são diferentes

de trinta há cinqüenta anos. Desse modo, há um risco de perdermos essas

memórias que podem se constituir como uma fonte de grande riqueza para a história

das duas cidades - Barão de Grajaú e Floriano - razão que torna ainda mais

importante uma pesquisa nesse segmento.

Para a delimitação do nosso objeto de estudo, durante o desenvolvimento

da pesquisa, consideramos a origem histórica, a organização do sistema escolar e a

memória das duas cidades. Duas questões nortearam todo o processo de

investigação: a motivação dos estudantes de Barão de Grajaú em buscar o sistema

escolar de Floriano e a importância social e simbólica do rio Parnaíba nesse

contexto.

A fundamentação teórico-metodológica adotada para responder às

questões formuladas foi baseada nas idéias dos seguidores da História Nova, pois,

segundo esse paradigma, é possível realizar a história a partir de uma atividade

humana qualquer, pois tudo tem um passado quê pode ser recobrado, como bem

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acentua Haldane; “tudo tem uma história” (In: BURKE, 1992, p.11). Na abordagem

histórica - neste pressuposto - é um campo de possibilidades a ser trabalhado,

reconhecendo uma diversidade de abordagem, inclusive, há um envolvimento do

sujeito no processo do conhecimento.

Com essa orientação, podemos visualizar novas ações, ocorridas ao longo

do tempo, pontos de vistas e interpretações que se transformam na decorrência da

História. Há ainda de considerar que a História Nova admite a utilização de várias

fontes, o que facilita o trabalho do pesquisador na compreensão e análise do objeto

em estudo.

As fontes de pesquisa aqui utilizadas foram múltiplas e envolvem

documentos provindos do Poder Executivo e Legislativo Estadual, localizadas no

Arquivo Público e na Biblioteca Pública do Maranhão; registros oficiais da Prefeitura

de Barão de Grajaú, jornais de época, livros, fotografias, documentos de arquivos

particulares e de escolas de Barão de Grajaú e Floriano, como também entrevistas

com pessoas que vivenciaram o período, na tentativa de entender como se sucedeu

o intercâmbio cultural desses estudantes com o sistema escolar da vizinha cidade

piauiense, visto ser essa, a nossa problemática da pesquisa.

A dinâmica de depoimentos, articulados com dados em registros, serviu

como alternativa para preencher vazios documentais a respeito do tema. A ausência

de documentos mais precisos sobre a educação em Barão de Grajaú tornou mais

difícil o cruzamento das informações colhidas.

à ação do tempo e do que foi “perdido”, é o que leva o historiador a tomar

como “novo aquilo que foi silenciando, no âmbito da historiografia produzida. Para

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Le Goff (2003, p. 179), “mais do que uma ruptura com o passado, ‘novo’ significa um

esquecimento, uma ausência de passado”.

Para reflexão e esclarecimento no campo da memória, a base teórica foi

encontrada em Ecléa Bosi, por tratar do significado da ação direta da história na vida

pessoal e coletiva, numa trama permanente traçada com as próprias experiências

nas duas instâncias, o que torna importante o uso de lembranças para recompor os

significados da trajetória educacional.

Seguindo o relato sobre o exercício da presente investigação, foram

levantadas informações sobre a rede de educação escolar do Município de Barão de

Grajaú para avaliar sua formação, e saber como eram as escolas em Floriano,

buscando configurar o perfil do aluno que estudava nessa cidade piauiense. Para

isso, fizemos entrevistas com base na orientação metodológica de Thompson

(2002), pois, de acordo com esse autor, a lembrança pessoal é importante para o

historiador, porque ajuda a fazer uma descrição mais ampla do objeto de estudo, em

especial, quando se trata de um espaço geográfico pequeno.

Para a realização das entrevistas, foram escolhidas, de início, 10 pessoas.

Posteriorrnente, surgiu a necessidade de incluir outros sujeitos que vivenciaram esse

período, a fim de alcançar melhor equilíbrio em relação às diferentes “vozes” nos

variados momentos do período enfocado, tais como alunos, pais de alunos,

professores, funcionários de escolas e canoeiros.

A escolha dos entrevistados foi arrimada, como expressamos a pouco, nas

idéias de Thompson (2002), haja vista este autor assinalar que o homem é o

construtor da sua própria história, bem como das fontes e dos documentos que

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servirão para a reelaboração da História como saber. Pessoas comuns contando

fatos da sua vivência, é que tornam essas falas alvo de interesse histórico, tomando-

as como agentes que participam da formulação social da história com suas

experiências, “cujas vozes estão ocultas porque suas vidas são muito menos

prováveis de serem documentadas nos arquivos” (IDEM, p. 16-17).

A articulação das fontes e do tempo permite o entendimento da

transformação social e da própria vida em sociedade. De acordo com Zequera

(2002, p. 126), “a História é entendida como ingrediente da construção social da

realidade e como categoria ontológica dessa realidade. Isto é, toda sociedade se

transforma, ao longo do tempo, e é história em si mesma”. Para justificar seu

entendimento a respeito dessa idéia, cita Vinao:

El tiempo social y humano, múltiple y plural, es um aspecto más de Ia construcción social de Ia realidad. Esta construcción es consecuencia e implica el estabelecimento de unas determinadas relaciones entre el antes, el después y ela hora - el passado, el futuro y el presente -, de una determinada temporalización de Ia experiência em relación com el presente también concreto (IBIDEM, p. 12).

Acreditamos que trabalhar com a memória das pessoas sobre

determinados acontecimentos por elas vivenciados será de extrema importância,

tanto para a reconstrução da história como para elevar nelas a auto-estima e,

certamente, servir de estímulo e de conscientização do seu papel no processo

histórico. As narrativas emanadas das lembranças têm uma função social, por tratar-

se de uma informação passada para outro, ‘na ausência do acontecimento ou do

objeto que constitui o seu motivo’ (LE GOFF, 2003, p. 421).

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As entrevistas foram do tipo semi-estruturada, por entendermos que esse

meio possibilita maior liberdade ao entrevistado para discorrer sobre o tema em

curso.

Nossos sujeitos são pessoas comuns que vivenciaram uma época em que

a realidade educacional e as condições socioeconômicas do Município eram bem

diversas da atual, tempo em que as oportunidades eram poucas, mas, com todas as

adversidades, foram, sobretudo uns vencedores. São testemunhos carregados de

experiências significativas para a construção da história de Barão de Grajaú.

Ao rememorar, trazem para o presente acontecimentos do passado até

então desconhecidos pelas gerações mais novas. As experiências desses sujeitos,

na análise de Bosi (1987), fazem parte de “um mundo social que possui uma riqueza

e uma diversidade que não conhecemos”, o qual só pode ser compreendido através

da memória dos velhos, importante veículo de aproximação desse momento, que

poderá ser perdido, caso não seja exercitado. A memória, para Le Goff (2003), é um

elemento essencial que permite a compreensão das diferentes relações sociais e da

reconstituição da história.

O ato de rememorar, segundo Halbwachs (1990), é quase sempre

individual, mas está inserido nos quadros sociais da vida humana. Os fatos

rememorados, além de evocativos, para Thompson (2002), são matéria-prima para

uma história valiosa.

Por intermédio da memória, teremos um passado revelado, apresentando-

se, como entende Bosi (1987), não como antecedente do presente, mas como fonte

deste. Assim, o homem, é sujeito da história e é fonte de edificação do processo

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histórico. É nesse manancial cheio de possibilidades inesgotáveis que iremos

mergulhar, nessa pesquisa, para nos auxiliar na reconstituição da história

educacional de Barão de Grajaú.

A apresentação dos sujeitos será feita por ordem alfabética, ressaltando-

se a diferença de idade entre eles, visto ser o estudo concentrado no período de

1940 a 1970, e os testemunhos se referem a pontos diversos de temporalidade,

dentro do mesmo espaço.

A lista de depoentes exposta na seqüência, além de tornar mais claro o

desenvolvimento empírico desta investigação, pode facilitar a leitura relativa ao

nosso modo de articulação entre história e memória, ao longo do trabalho.

1. Adelina Ferreira de Almeida

Nasceu em 05 de agosto de 1927. Residente em Barão de Grajaú, desde

1955. Esposa de agricultor. Os dez filhos estudaram o primário na escola pública

naquela cidade e o ginásio e 2° grau em Floriano. Foi professora de adultos,

contratada pelo Município, de 1956 a 1958, e, posteriormente, contratada para

lecionar no Grupo Escolar Domingos Machado. Foi mãe de alunos e, também, aluna,

na rede escolar de Floriano.

2. Aiida Rios Cunha

Residente em Floriano. Foi nomeada professora para o Grupo Escolar

Domingos Machado, pelo Estado do Maranhão, em 1949. Em 1961 foi transferida

para a Escola Paroquial Santo Antonio, onde trabalhou até 1968.

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3. Aldir Carvalho

Nascido em 05 de junho de 1936. Filho de lavrador. Mudou-se para a

cidade de Barão de Grajaú, ainda criança, onde estudou as primeiras séries do

primário. Transferiu-se para São Luis no intuito de concluir seus estudos e se

profissionalizar.

4. Alexandre Dias Azevedo

Canoeiro, desde os 16 anos. Residente em Barão de Grajaú. Nascido em

24 de abril de 1928.

5. Altanir Fereira Góes

Filho de político e comerciante, nasceu a 14 de maio de 1943. Estudou

primário e ginásio em Floriano. Recebeu orientação de tarefas escolares na escola

particular da professora Zuleide Silva

6. Maria Angélica de França

Tesoureira e secretária do Ginásio Primeiro de Maio, por mais de 30 anos.

Nasceu em 03 de julho 1938. Residente em Floriano.

7. Ângelo Ferreira do Nascimento, “Major”.

Nascido em 27 de maio de 1926. Foi canoeiro por mais de 3 décadas.

Transportava os estudantes mensalistas, por meio de acordo verbal, forma típica da

época.

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8. Helena Barros Helluy

Filha de funcionário público e político. Estudou as primeiras séries do

primário em Barão de Grajaú e as seguintes, alternando entre São Luis e Floriano.

Nasceu em 7 de outubro de 1941. Mudou-se para a capital maranhense e,

freqüentemente, vem a Barão de Grajaú a passeio.

9. Idalina Meneses Rezende

Natural de Colinas, Maranhão, chegou em Barão de Grajaú em 24 de junho

de 1941, nomeada professora para a Escola Reunida Domingos Machado.

Fixou residência e constituiu família na cidade.

10. Joselita Góes Damasceno

Filha de político, lavrador e comerciante. Estudou o primário em Barão de

Grajaú e o ginásio e magistério em Floriano. Aposentou-se como professora do

Município,

11. Justiná Pereira

Nasceu em 06 de junho de 1925. Esposa de funcionário público federal e

mãe de cinco filhos que também estudaram ginásio e 2o grau em Floriano.

12. Maria das Graças Pereira da Silva

Filha de lavadeira. Concluiu o primário em 1964 e ingressou no ginásio

Bandeirante na década de 1970. Atualmente é professora do Município. Nasceu em

21 de setembro de 1951.

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13. Maria Efigênia Guimarães Ramos

Residente em Floriano e nomeada para a Escola Reunida Domingos

Machado, em 1949, onde exerceu a profissão até 1983.

14. Paulino Carvalho

Nasceu em 17 de dezembro de 1929, no lugar Jatobá, município de Barão

de Grajaú. Foi um dos precursores nessa experiência de estudar em escolas da

vizinha cidade piauiense. Filho de comerciante, criador de gado e lavrador. Fiscal da

Receita Federal aposentado.

15. Salomão Pires de Carvalho

Filho de lavrador e criador de gado para subsistência. Fiscal da Receita

Federal, aposentado. Nasceu no município de Barão de Grajaú 1926. Foi também

um dos pioneiros na passagem do rio Parnaíba para chegar à escola.

16. Sebastião Ribeiro

Chegou em Barão de Grajaú em 1948. Foi prefeito do município e

funcionário público estadual.

17. Vicente Almeida Neto

Filho de comerciante, lavrador e político. Engenheiro mecânico. Nasceu

em 1940 no interior do município de Barão de Grajaú, transferindo-se para a cidade

com 12 anos, para completar os estudos primário e secundário.

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18. Zuleide de Souza Silva

Foi professora leiga na Escola Reunida Domingos Machado. Pioneira na

educação baronense e fundadora de uma escola “particular”.

Este trabalho foi divido em quatro capítulos numa demonstração do

esforço mantido para a estruturação do estudo proposto, de modo a obter certa

organicidade em nossa exposição no que concerne ao cruzamento de fontes

historiográficas, documentais e orais.

O segundo capítulo - após esta introdução - faz um apanhado histórico

das lutas pela educação a partir das idéias iluministas, para situar a importância da

escola pública a partir da revolução e hegemonia burguesa no mundo ocidental.

No terceiro tópico, discorremos sobre as origens históricas da região em

estudo, na tentativa de apresentar a antiga relação entre as cidades de Floriano e

Barão de Grajaú, com vistas a sua constituição social. Os fatos descritos referem-se

à conquista do sertão piauiense e maranhense, seguindo a historiografia relativa aos

aspectos gerais da história do Maranhão e Piauí, sobre a evolução e características

das cidades, assim como o surgimento dos dois núcleos populacionais de Barão de

Grajaú e Floriano.

No quarto tópico, é feita uma descrição sobre a estrutura escolar

baronense e a trajetória dos estudantes do Município, no período enfocado. Para

melhor entendimento dessa organização educacional, foi necessário fazer um recuo

temporal em busca das primeiras escolas implantadas na cidade. Apesar da

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precariedade das fontes documentais, os fatos foram organizados de maneira a

mostrar a dificuldade para a formação educacional dos baronenses na própria

cidade e a necessidade da migração para Floriano. Para descrever esse capítulo, as

fontes básicas utilizadas foram os relatórios e discursos oficiais, bem como os

relatos pessoais. Destaca também a importância da rede escolar de Floriano na

formação escolar dos baronenses, que, embora incipiente, lhes dava a base

necessária para prosseguimento dos estudos, na cidade vizinha.

O quinto módulo foi reservado para apresentação e análise das memórias

dos sujeitos que vivenciaram a trajetória da educação escolar de baronenses em

Floriano, buscando identificar o que o rio representou para essa integração social,

econômica e cultural; ou seja, a importância do rio Parnaíba como fonte integradora

e de desenvolvimento para ambas.

Na parte conclusiva do trabalho, foi realizada uma análise sobre o tema

pesquisado e foram articuladas as relações estabelecidas entre a educação de

baronenses e a rede de ensino de Floriano.

Entendemos que o presente estudo tem significado relevante, pois faz

parte de uma realidade histórico-educacional em que as pessoas eram atraídas pela

cidade vizinha, especialmente os jovens, para integrar o seu sistema escolar.

Acreditamos ainda que o trabalho ensejará às gerações futuras a possibilidade de

conhecer as marcas dos caminhos pisados por seus antepassados e conterrâneos,

alcançando, certamente, melhor compreensão do passado e provocando uma

atitude de valorização da história. Afinal, é a compreensão do passado que dá

sentido ao presente e ajuda a projetar o futuro, pois nele estão as raízes do

presente. São fatos que fizeram parte da vida dos estudantes e das famílias de

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Barão de Grajaú, e que contribuíram para a formação, pessoal e coletiva, de um

contingente letrado na região, tendo, portanto, papel fundamental na formulação e

desconstrução da identidade dos baronenses. Registrar esses acontecimentos é

também evitar que caiam no esquecimento e desapareçam ao longo dos anos.

Esperamos também que estejamos estabelecendo as bases para outros estudos

relacionados à história e à memória da educação em Barão de Grajaú e Floriano.

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2. O SENTIDO HISTÓRICO DA ESCOLA NA MODERNIDADE

A educação, como processo sistemático no qual se utilizam meios que

visam a atingir intencionalmente determinados fins, geralmente ministrado dentro da

família e da escola, sempre ocupou lugar de destaque nas discussões filosóficas,

desde a Antiguidade. Considerada como fundamental na sociedade moderna, a

educação escolar tem um papel importante na vida das pessoas, sendo, portanto,

instituída, por essas sociedades, como um dever do Estado e um direito de todos.

No Brasil, a educação, mediante a luta de educadores e governantes, tem

procurado, ao longo dos anos, novos rumos e ampliação do seu alcance social,

iniciativas traduzidas sob a forma de projetos e reformas. Os constantes debates

sobre a democratização da escola pública não são recentes. No século XVIII,

acalorados discursos de defensores do ensino gratuito para todos, a partir da

Revolução Francesa, ultrapassaram fronteiras, perseverando no espaço e no tempo,

até hoje.

Para entender melhor a educação nos dias atuais, será necessário um

mergulho no passado, trazendo para o presente a origem da instrução pública na

sociedade burguesa.

As transformações ocorridas a partir do século XV, alteraram o modo de

produção, caracterizado pelo surgimento do capitalismo, trazendo, também,

mudanças no campo social, com a ascensão da burguesia contrapondo-se à

nobreza feudal. A maneira de pensar da nova classe era diferente daquela

predominante na Idade Média. As críticas dos renascentistas demonstram a

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necessidade de romper com o pensamento medieval. De acordo com Aranha (2002),

com o objetivo de ser um dos instrumentos para difusão dos valores burgueses, nem

sempre alcançado nas escolas da Igreja Católica, literatos, filósofos e pedagogos

defendem uma educação independente do controle religioso.

O ensino escolar não era mais pensado apenas para nobres e futuros

membros da igreja cristã. Os colégios se multiplicaram. Segundo Le Goff (1988),

jovens de origem camponesa passam a frequentar as universidades, mas a Igreja

continuava a ter o domínio do ensino, nesse período.

No século XVII, com uma burguesia fortalecida pelo capitalismo, delineou-

se o pensamento liberal que vai exprimir o desejo da burguesia. A teoria liberal,

embora se apresente como democrática, tem bases elitistas e é voltada para

interesses burgueses, estendendo-se para o âmbito da educação. O racionalismo de

Descartes, priorizando a razão como ponto de partida para todo conhecimento e o

empirismo de Locke, que destaca a experiência nesse processo do conhecer vão

influenciar a educação. De acordo com Aranha (2002), alguns países da Europa

como Alemanha e França criaram escolas gratuitas para crianças pobres. Essas

escolas, porém, visavam à instrução religiosa, disciplinar e de preparação para o

trabalho, onde pareciam mercados de servidores domésticos, empregados

comerciais ou industriais. Analisando o pensamento dos enciclopedistas, Boto

(1996), assinala que D’Alembert não propôs o ensino como dever público, mas tão

somente sugeriu a educação doméstica.

A “escola pública para todos”, defendida pela burguesia, encontrava os

entraves dos interesses burgueses sobre o Estado, cujo governo não se interessava

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pela educação universal. Esse fato envolveu políticos e pensadores nos debates

pela educação pública, especialmente na França.

O século XVIII ficou conhecido como o Século das Luzes, caracterizado,

segundo Burns (1975), pela primazia da razão humana, procurando uma explicação

racional de interpretação e reorganização do mundo. De acordo com Boto (1996),

aquele foi “por excelência o século da política”, (p. 38)

Durante a Revolução Francesa, ponto alto das discussões, houve forte

tendência de uma defesa ampla de uma escola pública e universal, leiga, gratuita e

obrigatória.

Do lluminismo à Revolução Francesa, vislumbra-se o surgimento de um espírito público no qual a pedagogia passa a ser a pedra de toque. [...] Por tal utopia revolucionária, credito-se à instrução o ofício de palmilhar a arquitetura da nova sociedade. A escola - como instituição do Estado - deveria gerir e proteger a República (BOTTO, 1996, p. 16).

A idéia de universalização da escola está, em princípio, ligada à

necessidade de transformar as “pessoas comuns” em cidadãos.

A modernidade elegia a cidadania como referência e álibi para sustentação de uma sociedade que não equacionava as distancias e as desigualdades sociais. A cidadania, no entanto, exigia emancipação pelas Luzes, pela erradicação do suposto obscurantismo (IBIDEM p. 16).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 1793,

segundo Luzuriaga (1959), preconiza a educação como um direito de todos e

comete aos governantes, portanto, ao Estado, essa responsabilidade.

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No século XIX, com o impacto da industrialização e o aumento da

produção, novas mudanças aconteceram em todos os setores da sociedade

humana. Na economia, o capitalismo liberal deixa a idéia da livre concorrência e

passa para o moderno capitalismo dos monopólios. A burguesia se consolida no

pode,r operando mudanças que mais uma vez influenciaram o pensamento

pedagógico e a organização educacional.

A urbanização, característica da expansão industrial, exigiu, segundo

Manacorda (1989), a qualificação da mão-de-obra e concretizou as tentativas de

universalização do ensino, do século anterior. O Estado assumiu, aos poucos, o

encargo da escolarização. O caráter universal e geral deixou de ser o foco da

educação e a preocupação passou a ser a formação da consciência nacional e

patriótica do cidadão.

A concentração de renda e as conseqüentes diferenças entre as classes

sociais e choques entre nações imperialistas culminam em conflitos de grandes

proporções, que marcaram profundamente o século XX, especialmente pela

ocorrência de duas grandes guerras mundiais. Nos períodos de restabelecimento da

paz, esse quadro social reafirma a necessidade da escola pública, gratuita e leiga.

Nos paises em desenvolvimento, apesar dos intensos programas dos governos para

atendimento da população escolarizável, estes são nitidamente insuficientes.

No Brasil, durante o período colonial, a educação era de responsabilidade

dos padres jesuítas, segundo Monvelade (1997), que receberam do rei de Portugal a

concessão de colégios com o objetivo de conquistar o “novo mundo” para Cristo. Até

o século XVII, as escolas públicas não tiveram despesas para o Estado. A educação,

nesse período histórico, tornou-se uma “empresa de gado bem-sucedida”. No século

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XVII, inúmeras escolas gratuitas se espalhavam pelas fazendas. Fora da

responsabilidade dos jesuítas, existiam as escolas gratuitas, “não oficiais”, que

funcionavam nas casas grandes e sobrados para complementar o ensino dado pelos

jesuítas, com aulas ministradas pelos ex-alunos dos padres. Na verdade, o sistema

jesuítico de educação serviu mais para acumular terras e gado. Com a expulsão dos

jesuítas do Brasil, em 1759, a educação fica a cargo da Coroa, implantando as

famosas Aulas Régias, isto é, aquele que soubesse mais e que quisesse lecionar

solicitava a permissão ao Rei, através da Câmara Municipal, para obter a licença.

O começo do século XIX, com a consolidação da economia agrário-

comercial, a preferência é pelo ensino superior. O Império, segundo Vieira (2003),

abre passagem rumo à descentralização educacional. A Constituição de 1824, no

seu artigo 179, limita a estabelecer a gratuidade do ensino a todos os cidadãos. A

Lei de 15 de outubro de 1827 regulamentou a responsabilidade do Estado, com a

educação, bem como a necessidade de ampliação de escolas. O autor supra citado

apresenta o papel do Estado diante das mudanças ocorridas naquele período.

... estavam presentes as idéias da educação como dever do Estado, da distribuição racional por todo o território nacional das escolas dos diferentes graus e da necessidade da graduação do processo educativo (p. 59).

Na prática, o ensino oficial, no período imperial, privilegiou a educação da

elite em detrimento da educação popular. Ainda com base na mesma autora, o

sistema escolar, no Brasil, não tinha bases sólidas, o que contribuiu para que parte

dos problemas relacionados à organização do sistema educativo brasileiro surgisse

a partir do Ato Adicional de 1834 ou Lei n° 16, de 12 de agosto de 1834.

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As tentativas de reformas do ensino no Segundo Reinado, não lograram

êxito. A população que tinha acesso à escola continuava muito pequena, dando uma

configuração, de uma educação voltada para a elite do País.

Com a implantação da República, em 1889, reacendem-se no Brasil as

idéias liberais; surgem novas promessas de Reforma, que realimentam, segundo

Vieira (2003), os anseios de mudança no campo educacional no País. Consoante

Nagle (2001),

O que se deve considerar antes de tudo, é a força desenclausurada com que se apresentou esse ideário no contexto histórico-social daquele tempo. O ideário liberal, então difundido, se compunha, basicamente, de dois elementos, em torno dos quais girava a luta para alterar o status quo: representação e justiça (p. 131).

Na Primeira República, as transformações econômicas e sociais,

conviviam visivelmente em desarmonia desarticulando outros setores e

desencadeando novas condutas de pensamento político e cultural. A burguesia

urbana exigia acesso à educação, porém, uma educação acadêmica, elitista. O

operariado, por sua vez, reclamava pela expansão de oferta do ensino.

Notadamente, eram forças sociais antagônicas em busca da satisfação dos seus

interesses. Ainda de acordo com Nagle, de um lado, estava a civilização urbano-

industrial e, do outro, a civilização agrário-comercial. O período é marcado por

grandes discussões e críticas ao modelo vigente, sendo proposto para, em seu

lugar, uma educação primária articulada com o ensino mais avançado, formando um

todo. As reformas educacionais, sob o clima do “entusiasmo pela educação” e do

“otimismo pedagógico", foram muito importantes em torno de um modelo de

organização de educação pública. Essas idéias caracterizam os anos 1920, dado o

surgimento de profissionais da educação e intelectuais que se empenharam no

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campo dos debates por uma educação justa e que pudesse ajudar na recuperação

do Brasil, retirando-o do aludido atraso em que se encontrava. O “otimismo

pedagógico” é a expressão empregada por pelo autor para identificar o pensamento

da Escola Nova, cuja orientação ideológica é democratizar e transformar a educação

por meio da escola.

O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem caracterizam a década de 1920, começaram por ser, no decênio anterior, uma atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e movimentos políticos-sociais e que consistia em atribuir importância cada vez maior ao tema da instrução, nos seus diversos níveis e tipos (IBIDEM, p. 135).

A década de 1930 começa com embates políticos e educacionais entre

liberais, católicos, integralistas, governistas e aliancistas. Cada grupo defendia

transformações conforme seus princípios ideológicos. De acordo com Ghiraldelli

(2001), de um lado, havia facções conservadoras que não concordavam com a

democratização de oportunidades educacionais para toda a população; de outro

lado, estavam concentrados os liberais, que desejavam um ensino público de

qualidade e a expansão de vagas.

No Estado Novo, houve uma “desobrigação” por parte do Estado, em

relação à educação pública. Na apreciação de Ghiraldelli, a Carta de 1937 não se

interessou em estabelecer tarefas ao Estado, no sentido de atender à população por

meio de um ensino público e gratuito. Nesse sentido, Schwartzman (2000) considera

que o Estado Novo teve um caráter excludente e opressor.

A Constituição de 1946, reconhecida como “fiel às linhas do liberalismo

clássico”, avançou em relação às constituições republicanas anteriores, ao

estabelecer a educação como um direito de todos e, ao mesmo tempo, reanimou os

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debates em defesa da escola pública. Foi também, na Carta de 1946, empregada,

pela primeira vez, a expressão “ensino oficial”, conforme o Art. 168, II: “O ensino

primário oficial é gratuito para todos: o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para

quantos provarem falta ou insuficiência de recursos”. Para a organização do sistema

de ensino é proposta a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O

percurso da LDB foi demorado, produzindo discussões e divergências sobre o

projeto em tramitação.

Diante dos desacordos sobre o projeto da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, a década de 1950 mostrava sinais de uma “verdadeira guerra

ideológica” e de conflitos entre os próprios escolanovistas. Em 1959, é

desencadeada uma Campanha de Defesa da Escola Pública, em que apresenta a

necessidade de uma educação liberal e democrática.

Toda a história do ensino nos tempos modernos é a história de sua inversão em serviço público. É que a educação pública é a única que se compadece com o espírito e as instituições democráticas cujos progressos acompanha e reflete, e que ela concorre, por sua vez, para fortalecer e alargar com seu próprio desenvolvimento (GHIRALDELLI, 2001, p.153).

Òs governos populistas aproveitaram-se dos debates em prol da educação

pelo desenvolvimento, para incluir nos seus discursos temas relacionados ao ensino

público e intenções de novos projetos no campo educacional.

Em 1961, foi aprovado o projeto da LDBN, frustrando as expectativas dos

setores progressistas que acreditavam na democratização da escola pública. Na Lei,

os estabelecimentos oficiais e privados tinham a mesma igualdade de tratamento, o

que acarretava envio de verbas públicas para a rede particular de ensino.

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No regime militar, das reformas promovidas, o grande destaque, no

pensamento de Vieira (2003), foi para a reforma do ensino fundamental e médio,

com a tentativa de introduzir a educação profissionalizante. Essas reformas,

consoante Ghiraldelli (2001, p.167), tinham por finalidade “alinhar o sistema

educacional pelo fio condutor da ideologia do desenvolvimento com segurança”.

Para Boto (1996, p.17), os educadores brasileiros, defensores da

democratização da escola pública “são tributários do ideário democrático da

Revolução que consolida a política burguesa”. A escola moderna, na análise da

autora (IN: CAVALCANTE, 2003, p. 38), remete à idéia de única instituição a ter o

propósito de educar; “para isso eram necessários métodos, técnicas, um espaço

físico dividido mediante critérios específicos, uma nova organização do tempo em

horários e um dado segredo da arte...”.

As intenções das reformas realizadas sob a luz das discussões de

intelectuais, políticos e educadores e das pressões econômicas e sociais, contudo,

mostram a permanente preocupação com a educação popular em nossa história

republicana e manifestam o sentido e a importância da educação na formação de

um país ou nação.

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3. A OCUPAÇÃO DO SERTÃO: O SURGIMENTO DAS CIDADES DE BARÃO DE

GRAJAÚ E FLORIANO

3.1. A criação de gado e a ocupação dos pastos

O Maranhão tem a sua história ligada à colonização francesa, na parte

litorânea, e à criação de gado na sua parte interiorana. A área onde se desenvolve a

presente pesquisa pertence ao interior do Estado, na região dos sertões,

desbravada muitos anos depois da conquista do litoral, naquela zona de maior

ocupação pelo colonizador1.

A finalidade da criação do gado bovino era, a principio, para ser fonte de alimentação dos moradores dos engenhos. Depois foi usado como transporte e no funcionamento dos engenhos de trapiches, um tipo de engenho que empregava somente bois no serviço de moagem.2 Esse tipo de vegetação possibilitou a superação das adversidades enfrentadas pelos sertanejos, uma vez que aprenderam, com os nativos, a lidar com estas terras de natureza árida. Além disso, favoreceu o desenvolvimento da pecuária, grande impulsionadora da conquista dos sertões.

No inicio da colonização, com a montagem dos engenhos de cana-de-

açúcar no Nordeste do Brasil, houve, de forma lenta, a penetração e povoamento do

sertão nordestino, pelos criadores de gado, sob a forma de processo paralelo e

complementar às necessidades econômicas das grandes plantações.

A expansão da pecuária abrangendo a região do médio São Francisco

até o rio Parnaíba, nos limite do Maranhão, e também, do Ceará, começa com a

instalação do Governo Geral na Colônia em 1549. Informa Prado Júnior (1999), que

a criação do gado vacum incidiu nessa região em virtude das características

geográficas, que facilitaram a penetração do homem no território. De acordo com

Varnhagen, numa referência de Capistrano de Abreu (1982), a caatinga2 possibilitou

a entrada e a conquista dos sertões nordestinos.

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Como era variado o uso do gado bovino, rapidamente, cresceu o rebanho,

inviabilizando a criação de gado e a plantação de cana na mesma área, surgindo,

com isso, as fazendas dedicadas apenas à pecuária. A instalação dessas fazendas

ocorreu no interior do território da Colônia brasileira, pois o litoral era ocupado pelos

grandes engenhos de açúcar.

O gado vacum dispensava a proximidade da praia, pois como as vítimas dos bandeirantes a si próprio transportavam das maiores distâncias, e ainda com mais comodidade; dava-se bem nas regiões impróprias ao cultivo da cana, quer pela ingratidão do solo quer pela pobreza das matas sem as quais as fornalhas não podiam laborar... (CAPISTRANO DE ABREU p. 131).

Iniciado nos arredores da cidade de Salvador, no governo de Tomé de

Sousa, a criação de gado se estendeu pelas margens do rio São Francisco, na

região de Sergipe e Pernambuco, e, tendo esse mesmo rio como referência,

alcançou o interior brasileiro, abrindo caminhos que levaram à formação dos atuais

Estados do Ceará, Piauí e Maranhão.

Com as doações de sesmarias feitas pela Coroa portuguesa aos

desbravadores do sertão, ao longo do rio São Francisco, os maiores beneficiados

foram os Ávilas, fundadores da Casa da Torre3, em Sergipe, de onde partiram

expedições para a região do Piauí, na sua parte sul, já na década de 1670. O que

causou essa ampliação foi a perseguição aos nativos que fugiam de incursões

3 A Casa da Torre foi a unida de central de uma sesmaria por quase trezentos anos, e compreendia áreas desde Salvador até o atual Estado do Maranhão, o que correspondia a 800.000 km2, ou seja, 1/10 da área total de nosso Pais. As terras serviam como grandes pastagens de gado, provenientes da índia, e como áreas para cultivo do coco, espécie introduzida no Brasil em 1553, originária também da índia. Em 1551, foi construída a Torre Singela de São Pedro de Rates, e, depois, a casa com a atual capela, por Garcia D'Ávila que chegou ao Brasil em 1549 na expedição de Tomé de Souza, primeiro Governador Geral do Brasil-Colônia.

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destruidores, como uma bandeira punitiva organizada por Francisco Dias de Ávila,

juntamente com Domingos Rodrigues de Carvalho, a serviço do governador-geral D.

Afonso Furtado de Mendonça, que promoveu o massacre de 85 pessoas, entre

negros e brancos, às margens do rio São Francisco, e se apossaram dos currais

de gado ali existentes. Decorre essa implantação, também, da disposição plana das

terras com facilidade de pastos para o gado (LIMA SOBRINHO, 1946). Prado Júnior

(1999) também indica que a escolha dessa região para a criação do gado vacum

ocorreu por possuir características geográficas que facilitavam a penetração de

pessoas no território. Em 1676 e 1681, foram doadas terras, pelo governador de

Pernambuco, aos homens da Casa da Torre, situadas às margens dos rios Gurguéia

e Parnaíba.

Capistrano de Abreu (1982) fez uma representação da geografia das

bandeiras e dele extraímos aquelas que penetraram no interior do Maranhão e Piauí,

percorrendo caminhos através das principais bacias hidrográficas:

a) Bandeiras paulistas, ligando o Paraíba ao São Francisco, ao Parnaíba e Itapecurú até o Piauí e Maranhão por um lado; [...]

b) Bandeiras baianas, ligando o São Francisco ao Parnaíba e chegando ao Maranhão pelo Itapecurú [...]

c) [...]

d) Bandeiras maranhenses, de pouco alcance, ligando o Itapecurú ao Parnaíba e São Francisco, e o Parnaíba às terras aquém da Ibiapaba.

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Para o major Francisco de Paula Ribeiro (2002), Domingos Afonso Sertão4

Domingos Afonso Mafrense ou Sertão veio de Portugal para o Brasil por volta de 1670, em companhia do irmão Julião Afonso, tomando-se em pouco- tempo, um dos maiores latifundiários do Piauí e um dos sócios da Casa da Torre (BANDEIRA, 2000, p. 174).

e seus companheiros foram os primeiros a alcançar e povoar as terras além do

Parnaíba, após ter povoado todo o Piauí:

Domingos Afonso Sertão e outros seus companheiros que do rio São Francisco, nos sertões da Bahia, vieram atravessando e povoando todo o Piauí, por eles verdadeiramente então descoberto, foram os primeiros que passando aquém do Parnaíba, estabeleceram as primeiras povoações de Pastos Bons, sacudindo para o sudoeste para o sudoeste e para oeste o referido gentilismo. Seus progressos de população foram bastante rápidos: lançaram-se as primeiras fazendas de gado nas cabeceiras do rio Piauí e como em um momento surgiu a capitania deste nome, a sua capital, as suas vilas e até os estabelecimentos de Pastos Bons, aquém do dito rio Parnaíba, chegando logo a sessenta léguas de extensão, montaram no ano de 1810 às margens do Tocantins mais de cento e vinte, distante das primeiras povoações do riacho e fazenda Serra (p. 110).

De acordo com Clodoaldo Cardoso (1946), a pecuária, dos fins do século

XVII ao início do século XIX, foi um elemento de expansão geográfica e fator de uma

dinamização econômica que contribuiu decisivamente para a colonização do sul do

Estado do Maranhão. Ainda segundo o autor, “os criadores de gado, na ânsia de

descobrirem novas pastagens, atiraram-se à conquista do sertão desconhecido,

deixando em cada pousada a semente de uma cidade".

Domingos Afonso Mafrense e Domingos Jorge Velho tangendo os seus rebanhos das margens do rio São Francisco, transpuseram a Serra dos Dois Irmãos e em 1674, atingiram as Chapadas do Piauí, onde o primeiro se estabeleceu fundando importantes e muitas fazendas. Consta que no mesmo período Francisco Dias D’Avila, senhor da Casa da Torre, chegou às terras piauienses, atravessou o Parnaíba indo até a beira do rio Mearim. No início do século XVIII, quando a colonização maranhense estava em pleno ciclo da cana- de-açúcar, não havia se afastado das proximidades dos engenhos, na zona litorânea, estendendo-se somente até Aldeias Altas (Caxias), os vaqueiros procedentes do Vale do São Francisco e da

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Serra da Ibiapaba, em Pernambuco e Ceará iniciaram a devastação dos Sertões maranhenses em Pastos Bons e “se fixaram para a labuta tranqüila de vida pastoril” (p 1).

As menções ora apresentadas apontam no sentido de que a ocupação

dos sertões brasileiros ocorreu com a expansão da pecuária e a instalação de

currais, a serviço da família dos Ávilas e dos sócios da Casa da Torre, que, da

Bahia, chegaram até o sertão maranhense através do Piauí, e que Domingos Afonso

Sertão, além dos latifúndios no Piauí, tinha terras, também, no Maranhão

A presença de Domingos Jorge Velho em terras piauienses, tem sido

motivo para questionamentos por pesquisadores que dividem opiniões sobre o

assunto. Pelos documentos analisados por historiadores interessados no assunto,

há indícios da passagem de Jorge Velho pelo Piauí, mas, como recomenda Lima

Sobrinho, será necessário mais documentos para uma conclusão definitiva.

Em relação ao sertanista Domingos Afonso Sertão, após a morte em 1711,

suas propriedades foram doadas para os jesuítas, representados pelo colégio da

Bahia. Mais tarde, essa herança, assim como de outros sesmeiros, foi confiscada

pelo Estado, na época em que o marquês de Pombal era ministro de Portugal.

Com a tomada de posse dessas fazendas7, pela Coroa Portuguesa, houve

um aumento da produção de gado e o Piauí passou a exportar toda essa produção

para as Minas Gerais e Paraíba.

7 Essas fazendas acham-se situadas no município de Oeiras no Piauí, distante 86 km de Barão de Grajaú.

Enquanto os vaqueiros, através do rio São Francisco e da serra da

Ibiapaba, nas áreas que vieram a compor os Estados de Pernambuco e Ceará,

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ultrapassam o rio Parnaíba e alcançam o sertão maranhense, o Maranhão, até o

início do século XVIII, em pleno ciclo da cana-de-açúcar, tinha a colonização limitada

às proximidades dos engenhos, na zona litorânea, estendendo-se somente até

Aldeias Altas, hoje denominada Caxias.

A ocupação do sertão do Maranhão e da parte do médio Parnaíba, na

afirmação de Cardoso (1947), ocorreu a partir do Piauí,

E se acaso os sertões dessa província não recebessem colonos pelo Piauí, desde 1730, que ocuparam todo o território de Caxias até o Tocantins, talvez ainda hoje não fossem conhecidos. Tanto a colonização do litoral, como a dos sertões, vieram encontrar-se em Caxias, a antiga Aldeias Altas, em 1750 em diante, segundo o que podemos coligir de algumas memórias e documentos antigos (p. 2).

Na segunda metade do século XVII, a partir do latifúndio de Garcia d’Ávila,

criadores de gado pertencentes àquela família fundaram fazendas de gado na Bahia

e Pernambuco, e, em seguida, rumaram para o atual Estado do Piauí, onde

instalaram fazendas próximas aos rios Piauí e Canindé; posteriormente, atingiram o

território maranhense.

O Arraial dos Ávilas fundado por Miguel de Abreu Sepúlveda, às margens do rio Gurguéia, afluente do rio Parnaíba, possibilitou a penetração do lado esquerdo do dito rio, rumo a Pastos Bons8 onde estabeleceram alguns currais (SILVA, 1992, p. 15).

Denominação dada pelo colonizador, em razão da fertilidade do solo e da sua vegetação atraente.

Das fazendas na Capitania do Piauí, criadores de gado avançaram e

penetraram o atual Estado do Maranhão, denominando a região de Pastos Bons.

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O processo de colonização e povoamento do Maranhão não ocorreu de

forma homogênea. Enquanto o litoral era palco de lutas entre franceses e

portugueses, o interior ainda era território tranqüilo para os nativos. O Piauí, por

conseguinte, teve a sua colonização e povoamento a partir do interior, como mostra

Nunes (1975, vol. I). E foram esses povoadores do Piauí que desbravaram também

o interior maranhense, no sentido leste-oeste, como nos aponta Cardoso (1946, p. 2)

numa apreciação de Berredo:

Foram os exploradores da Bahia que habitavam o rio São Francisco e os bandeirantes de São Paulo que em 1674 entraram no interior dessa província, os primeiros pela Serra dos Dois Irmãos, e os outros, provavelmente pelo Sul, em procura de índios para cativar; e pouco a pouco se foram estendendo até o litoral. A esses mesmos exploradores deve a Província do Maranhão a povoação de todo o sertão de Pastos Bons, e São José, e o rápido incremento do distrito de Caxias; e por isso há uma notável diferença entre a população oriunda da colonização que entrou pelo litoral, e a outra: a primeira é de costumes mais amenos, a segunda é menos civilizada, e ressente- se em extremo da sua origem. Daí provém o chamar-se no interior da Província do Maranhão aos sertanejos ou habitantes do campo - baianos.

Numa confirmação de que o interior maranhense foi ocupado pelos

mesmos que povoaram o Piauí, o mesmo autor citado continua fazendo referência a

Berredo, de quem retiramos o seguinte trecho:

A esses exploradores deve a Província do Maranhão a povoação de todo o seu sertão de Pastos Bons, e São José o rápido incremento do distrito de Caxias; e por isso há uma notável deferência entre a população oriunda da colonização que entrou pelo litoral, e a outra: a primeira é de costumes mais amenos, a segunda é menos civilizada, e ressente-se em extremo da sua origem.

Nunes (1975) também nos informa que os vaqueiros do Piauí, já no final

do século XVII, frequentavam o Maranhão, onde, passaram a pedir datas de terras

para instalação de seus currais.

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De acordo com a historiografia consultada, o nordeste, o Piauí, sudeste e

sul do Maranhão tiveram os mesmos caminhos e a mesma forma de ocupação do

território.

A nossa intenção, ao expor o processo de povoamento do sertão

maranhense e piauiense, é de demonstrar que o espaço sociocultural que iremos

estudar fez parte de uma ação ampla e gradativa de ocupação dos sertões

brasileiros e está imbricada com a ocupação do lado direito do rio Parnaíba, cujo

processo, por sua vez, está relacionado com os mesmos povoadores.

3.2. A ocupação do atual Município de Barão de Grajaú

A criação do gado foi um dos fatores que mais colaborou para a ocupação

e conquista do território brasileiro.

Há evidências que a atração pelos pastos para o gado, na margem do rio

Parnaíba, acelerou a posse das terras e a fixação de algumas fazendas, sendo que

esse processo não demorou muito a ganhar importância política, social e econômica.

Na expressão de Francisco de Paula Ribeiro (2002), a natureza de alguns terrenos,

demasiadamente generosa na sua vegetação, talvez tenha estendido a

denominação de Pastos Bons para todo o Distrito.

Encontramos em Carlota Carvalho (2000) a seguinte interpretação à

denominação dada às novas terras:

“Pastos Bons foi uma expressão geográfica, uma denominação regional geral, dada pelos ocupantes a imensa extensão de campos

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abertos para o ocidente em uma sucessão pasmosa em que ao bom sucedia o melhor” (p.68).

Ainda segundo Paula Ribeiro (2002),

Chama-se distrito ou freguesia de Pastos Bons todo aquele território que desde a fazenda e riacho Serra, na extremidade sul dos limites de Caxias, cortada da beira do rio Parnaíba na povoação das Queimadas, à barra do riacho corrente no rio Itapecurú, se estende por entre o mesmo rio Parnaíba e o Tocantins até as margens do rio Manoel Alves Grande, como já fica relatado, limitando-se por entre as cabeceiras dos ditos Parnaíba e Manoel Alves Grande com a serra chamada Piauí, e com a capitania deste nome por uma parte das margens daquele rio, assim como se limita com a capitania de Goiás pelas margens deste e por uma parte das do Turi até defronte do rio Araguaia. Nesse espaço foi criado o Distrito de Pastos Bons e atualmente é ocupado pelos municípios maranhenses compreendidos dos vales dos rios Tocantins, Parnaíba, Balsas Neves, Itapecurú com os municípios de Colinas e Mirador, e o vale Alpercatas (p. 42-43).

No mesmo sentido, Cardoso (1947) faz a seguinte narração;

Extasiados diante da imensidade verde dos ‘campos gerais’ que avançando da zona ribeirinha do Parnaíba, desbravam-se a perder de vista , na direção do ocidente, os pioneiros refeitos da monotonia das ‘caatingas’ do nordeste sáfaro, que haviam atravessado, deram o nome de ‘pastos bons' (p. 2).

Os incursionistas gradativamente foram tomando as terras dos “primitivos

habitantes, os amanajós, índios louros ou de cor mais clara do que os das outras

tribos” (COELHO NETO, 1985) e, ao mesmo tempo, chamando dos sertões de

outras capitanias confinantes os negociantes de gados, que dali transportam vacas e

novilhas para a criação, manutenção e povoação dos campos como pontua Ribeiro

(2002).

Aos poucos, pernambucanos, baianos e piauienses intensificavam a busca

por terras do lado esquerdo do rio Parnaíba,* com o intuito ou não de ali se

estabelecerem. Cardoso (1947), afirma que a travessia era feita na altura do lugar

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chamado Nossa Senhora da Conceição da Passagem da Manga9, onde

desenvolveram duas povoações com o mesmo nome, sendo uma do lado direito e

outra do lado esquerdo do rio.

9A denominação Manga refere-se à região próxima ao rio, que servia de descanso e pasto para o

gado, enquanto os vaqueiros esperavam o momento da passagem de um lado para o outro do dito rio. O lugar, atualmente, pertence ao Município de Barão de Grajaú e, na outra margem do rio, ao município de Floriano.

10 Nome da cidade de Parnaíba, no litoral piauiense, no tempo que era vila.

Para Coelho Neto (1985), em virtude do intenso movimento migratório, a

Passagem da Manga, como ficou conhecida, passou a ser chamada de “porta do

Distrito de Pastos Bons”. Tomou-se também referência para outras paragens de

aventureiros e comerciantes, servindo como um meio de sobrevivência para os que

ali moravam.

“São geralmente pobres os seus moradores, sem embargo de ser notável a freqüência de passageiros para todas as minas do Brasil, para o Piauí, Bahia, Pernambuco, São Paulo e para todo o mais continente de leste e sul, cujos viandantes na ida ou vinda pagam as quantias que ali se lhes estabelecem pelo contrato real das passagens do mesmo rio, e das quais é esta a mais principal” (RIBEIRO, 2002, p. 60).

Com o passar do tempo, as viagens são feitas, rio acima e rio abaixo,

margeando o Parnaíba, levando aos mais distantes lugares das Províncias do Piauí

e Maranhão, tornando-se a principal via de comunicação. A navegação era feita em

balsas ou jangadas de buriti, onde os seus moradores exportavam para a vila de

São João da Parnaíba10 “os insignificantes gêneros que podem transportar, ou que

podem traficar” (IDEM, p. 62).

O imenso território de Pastos Bons, segundo Guimarães (1976), era vasto

e, a partir da primeira metade do século XIX, foi se fragmentando em unidades

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político-administrativas que se tornaram autônomas, dentre as quais está o

Município de Barão de Grajaú. De acordo com Silva (1992), a vila de Nossa Senhora

da Conceição da Manga foi o primeiro núcleo de povoamento do que constitui

atualmente o Município baronense.

Sobre a extensão territorial de Pastos Bons, colhemos, também, o registro

de Coelho Neto (1985):

O espaço do então Distrito de Pastos Bons é atualmente ocupado pelos municípios maranhenses compreendidos no vale do Tocantins, vale do Pamaíba, vale do Balsas e do rio Neves, o vale de Itapecurú com os municípios de Colinas e Mirador, ainda no vale Alpercatas (p. 27).

Essa fragmentação começa ainda na segunda metade do século XIX, com

a criação de vários municípios pertencentes ao Distrito e Comarca de Pastos Bons.

Em 1870, por lei provincial11, é extinta a vila da Manga, criada em 1859. Anos

depois, pela Lei Provincial n° 1412, de 17 de março de 1888, Nossa Senhora da

Conceição da Manga passa a pertencer ao Município de São Francisco, distante 72

km e também na margem do rio Parnaíba. A navegação, no entendimento de

Barbosa (1986), foi um elemento preponderante para o surgimento de aglomerados

populacionais em toda a extensão que margeia o rio, uma vez que a via utilizada

para a comunicação entre as povoações ribeirinhas dava-se através do Parnaíba.

11 Lei Provincial cio Maranhão n° 920 de 14 de julho de 1870. Coleção de Leis Provinciais do Maranhão - 1868 a 1870.

De acordo com Cardoso (2001), em 1884, Barão de Grajaú era uma

povoação de certa importância na região intermediária entre Manga e São

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Francisco. Dos povoadores, alguns eram piauienses, o que contribuiu para fortalecer

as ligações comerciais com aquele Estado.

Apesar de situada na área correspondente aos “pastos bons”, de acordo

com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1948), o solo era de

baixa fertilidade natural, embora oferecesse potencial para a agricultura e pecuária

de subsistência. Felizmente, o Município goza de uma posição geográfica

privilegiada e talvez por isso os habitantes dessa região, por não contarem com o

apoio do governo, recorreram à exploração de alguns produtos nativos e ao seu

comércio, bem como de produtos de primeiras necessidades, tais como cereais,

tecidos, ferramentas, entre outros.

É a partir do intercâmbio com a Província do Piauí que outros

maranhenses, ali, se estabelecem e esse fato vai criando outra dinâmica para

aquela povoação.

3.3. A origem e aparecimento das cidades

A cidade é um local com maior concentração de pessoas e mais

desenvolvido no processo civilizatório. É também um lugar de ações intelectuais,

comerciais, de conflitos, sede das decisões político-administrativas e de relações

sociais mais intensas.

São muitos os entendimentos sobre a cidade. No estudo de Giometti e

Braga (2004), retiramos a definição de cidade:

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A cidade como uma aglomeração humana abastecida do exterior, na qual a maioria dos habitantes se dedicam a atividades diferentes da exploração agrícola ou pastoril. O que define uma cidade não é a quantidade de pessoas que ali residem, mas o que elas fazem, bem como o seu modo de fazer (p.2).

A busca histórica sobre da origem das duas cidades aqui tratadas permite

uma compreensão em torno das especificidades do processo de povoamento de

Barão de Grajaú e de Floriano.

Desde os seus primórdios, os homens estabeleceram relações entre si e a

natureza modificando o espaço, criando diferentes formas produtivas e sociais de

vida, que se tornavam cada vez mais complexas. Em decorrência desse processo

criativo do homem, grandes civilizações começaram a se formar e a maioria delas

desenvolveu-se nas proximidades de grandes rios, aproveitando o regime de suas

águas, que favorece a fertilidade da terra e a prática da agricultura. Outras

civilizações, porém, dedicaram-se ao comércio e à pecuária.

As primeiras cidades, segundo Sjoberg (1972), surgiram na Ásia, nos

vales do rio Tigre e Eufrates, por volta de 3.500 a.C. Mais ou menos 400 anos

depois, outras apareceram, na África, no vale do rio Nilo; e entre 2.500 a.C. e 1.500

a.C., os vales do Indo e Amarelo, também na Ásia, já contavam com algumas

cidades.

Essas cidades surgiram quando o homem, além de caçar e coletar,

aprendeu a plantar e a domesticar animais, o que o levou a se fixar em determinado

lugar, abandonando o nomadismo e tomando-se dessa forma um sedentário. Esse

fenômeno ficou conhecido como Revolução Agrícola, ocorrida no período Neolítico,

no século IV, antes de Cristo. Para Rolnik (1995), além desses fatores, contribuiu

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também para a sedentarização a fundação de templos religiosos, reunindo o grupo

de pessoas que viviam ali próximas, assinalando que a cidade dos “deuses e dos

mortos” precede a cidade dos vivos, anunciando a sedentarização. Com isso, surge

a necessidade de garantir a defesa e a produção em áreas amplas e habitadas por

grupos diferentes, o que levou ao inicio da “organização de Estados" e cidades com

base e delimitação territorial, com vistas à organização da vida pública, por

intermédio de uma autoridade político-administrativa. A partir daí, outros espaços

são formados com as mesmas características, expandindo-se para lugares diversos

e distantes.

Para Le Goff (1988), as cidades, com características atuais, surgiram na

Idade Média No século VII, no Ocidente, as urbes antigas desapareceram no seu

formato. No lugar do templo, foi construída a igreja cristã e, ao lado, o campanário12,

torre onde ficava instalado o sino, ponto de referência das cidades. A sociabilidade

urbana toma outra configuração, momento em que os velhos hábitos, os locais de

encontros, decisões e discussões são substituídos. A igreja passou a ser o espaço

de concentração dessas reuniões. A igreja também assumiu a responsabilidade

pelos mortos, deixando de existir as antigas práticas de enterrarem os corpos fora da

cidade, e o cemitério, desde então, passa, a ser um lugar de encontro e

sociabilidade.

12 Torre construída ao lado da igreja onde ficava instalado o sino.

Durante muitos séculos, ainda de acordo com Le Goff (1988), a maioria da

população européia tinha vida ruralizada. Poucas eram as cidades importantes e

desenvolvidas. A partir do século X, houve grande período de urbanização, como

conseqüência do desenvolvimento do artesanato e do comércio, caracterizado por

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núcleos dominados por um membro do clero ou por um senhor leigo, que governa a

partir de seu castelo 13 ou do palácio episcopal. A área da cidade propriamente dita é

separada do campo por muralhas e fossos, ou seja, a área urbana da área rural,

possivelmente, constituindo uma geopolítica, que hoje conhecemos sob a forma

político-administrativa integrada de município.

3 Centro econômico e político e de dominação da sociedade camponesa pelos seus “senhores".

Ainda, segundo o autor, há no início de formação da civitas um espaço

onde se desenvolvem a produção e a troca, voltadas para a economia monetária. Na

cidade, desenvolve-se o gosto para o negócio e é onde se concentram as atividades

de lazer e os “prazeres pelas festas e diálogos”.

Segundo Rouanet, (1997), historicamente, as cidades seguem o mesmo

ritual. As ruas são traçadas a partir de um ponto central, geralmente de uma praça

ou de uma construção de grande significação religiosa, social, cultural ou

econômica.

As cidades modernas começam a se desenhar na Idade Média, quando a

vila, centro de produção e de comercialização, onde se concentrava o “grande

domínio", tem o seu poder substituído pelo poder da cidade. Antigamente, vila era

um centro de domínio e designava um estabelecimento rural importante.

Não esqueçamos de a palavra “ville”, para designar aquilo que chamamos de cidade, é muito tardia. Até os séculos XI e XII, escreve- se quase que estritamente em latim e, para designar uma cidade, usa- se “civitas”, “cite”. Ou urbs, a rigor, mas basicamente civitas (LE GOFF, 1988 p. 12).

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No fim do século XI e inicio do século XII, as cidades ganham a sua

emancipação, impulsionada pelo declínio do poder dos seus antigos senhores

feudais.

No século XIX, houve um processo de “desruralização” da cidade e esta

passa a ser o centro dos profissionais e dos especialistas.

Quanto ao processo de desenvolvimento das cidades, Le Goff, indica que,

mesmo com organização social e política diferentes, a essência da cidade do século

XX é a mesma daquela Idade Média, ou seja, a troca, que continua sendo a sua

principal atividade econômica.

No Brasil, o aparecimento das cidades data ainda do período colonial e

estas apresentam alguns pontos em comum com as antigas urbes. Sua

consolidação decorreu de longo processo de desenvolvimento. A principio, eram

formados os povoados, que surgiam à beira dos caminhos por onde passavam os

sertanistas e todos os viajantes.

Noticia Andriollo (1999), que havia nessas passagens, conhecidas como

“pousos”, uma pequena venda, servindo como ponto de parada para alimentação e

descanso das pessoas e dos animais. Aos poucos, vão surgindo alguns moradores

que constroem suas casas, tomando mais intenso o comércio, aspecto relevante

para ser transformado em vila. A autonomia político-administrativa do lugar era

representada por uma cadeia pública, uma câmara municipal e uma igreja, símbolos

do poder jurídico, civil e eclesiástico.

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Algumas das maiores cidades do Brasil da atualidade foram fundadas no

século XVI. A população urbana era constituída de ‘mecânicos, mercadores, oficiais

de justiça, de fazenda, de guerra, obrigados à residência’.

O resultado é que a distinção entre o meio urbano e a “fazenda” constituiu no Brasil, e pode dizer-se que em toda a América, o verdadeiro correspondente da distinção clássica e tipicamente européia entre a cidade e a aldeia. Salvo muito raras exceções, a própria palavra “aldeia”, no seu sentido mais corrente, assim como a palavra “camponês”, indicando o homem radicado ao seu rincão de origem, através de inúmeras gerações, não corresponde no Novo mundo a nenhuma realidade. E por isso, com o crescimento dos núcleos urbanos, o processo de absorção das populações rurais encontra aqui menores resistências do que, por exemplo, nos países europeus, sempre que não existam, a pequeno alcance, terras para desbravar e desbaratar (HOLANDA, 1995, p. 88).

Para Holanda (1995), os portugueses, pelo caráter de exploração

comercial de suas ações, nos primeiros tempos de colonização, limitaram-se a

fundar cidades no litoral brasileiro, retardando o povoamento da parte central do

território. “Os portugueses, criavam todas as dificuldades às entradas terra adentro,

receosos de que com isso se despovoasse a marinha”. Esteticamente, as cidades

fundadas pelos portugueses não seguiam nenhum plano, não havia preocupação

com o alinhamento das ruas e a disposição das casas. Para o autor,

A rotina e não a razão abstrata foi o principio que norteou os portugueses, nesta como em tantas outras expressões de sua atividade colonizadora [...]. A cidade que os portugueses construíram na América não é produto mental, não chega a contradizer o quadro da natureza, e sua silhueta se enlaça na linha da paisagem [...] (p. 109-110).

Ainda de acordo com Holanda (op. cit.), no Brasil a vida rural combinou

com o espírito da dominação portuguesa.

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Nos domínios rurais, como ele aponta (1998), a família se organizava em

torno dos engenhos e plantações. A autoridade do proprietário era incontestável. No

Maranhão, em 1735, as características rurais eram bem evidentes, como se queixa

um governador de que, ali, sentia a ausência de hábitos urbanos.

Essa característica rural, que se expande até o século XIX, no dizer do

mesmo autor, foi mais por vontade dos portugueses do que por imposição do meio.

Os núcleos urbanos tiveram um crescimento acelerado no século XVIII e

as cidades ganharam maior importância. De acordo com Azevedo (1970), no final do

século XVI, eram apenas 3 cidades e 14 vilas. Já nas primeiras décadas do século

XIX, o Brasil possuía 12 cidades e 213 vilas. Esses números evoluiu com grande

velocidade na primeira metade do século XX.

O Maranhão, de acordo com recenseamento geral do IBGE, realizado em

1960, contava com 91 municípios. Barão de Grajaú, com 9.284 habitantes, e em

face da sua atividade comercial e agrícola de subsistência, ocupava a 37a posição

em população e desenvolvimento. As cidades maranhenses mais povoadas e

economicamente mais desenvolvidas estavam concentradas na parte norte do

Estado. Foi possível observar que Barão de Grajaú ficava fora da região de maior

concentração de cidades e da população maranhense.

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3. 4. De uma Colônia Agrícola nascem duas povoações: a educação como

ponto de partida e de chegada

O Município de Barão de Grajaú está situado na região leste do Estado do

Maranhão, na microrregião do Alto Parnaíba e Itapecuru14, na zona do médio

Parnaíba. Faz fronteira com o Município de São Francisco, ao norte; com o Estado

do Piauí, ao sul e leste; e com São João dos Patos e Sucupira do Riachão e Lagoa

do Mato, ao oeste. É um município pequeno, com uma área de 2.189,3 km2, e de

acordo com o último censo do IBGE conta, em 2005, com 16. 292 habitantes,

estando na 104a posição em relação ao quadro população dos 217 municípios

maranhenses. Como a maioria dos outros municípios maranhenses situados à

margem do rio Parnaíba, teve a sua formação iniciada a partir de uma relação de

intercâmbio com uma povoação ou cidade na outra margem do rio, do lado

piauiense. No caso especifico de Barão de Grajaú, a cidade surge em decorrência

da implantação do Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, na margem

direita do rio, um projeto de Francisco Parentes, engenheiro-agrônomo do Piauí,

que, ainda embalado pelos princípios de igualdade, liberdade e fraternidade,

difundidos pela Revolução Francesa, encontrou na Lei do Ventre Livre um terreno

fértil para fazer germinar a sua idéia liberal, em que baseou o projeto de fundar uma

escola para amparar os filhos de escravos que de acordo com a Lei, seriam libertos.

14 RIOS, Luiz. Geografia do Maranhão. 4. ed. São Luis, Central dos Livros, 2005, p. 24.

Nela, eles aprenderíam uma profissão, seriam alfabetizados e receberíam

outros ensinamentos. A colônia agrícola projetada por esse jovem possuía oficinas

mecânicas e de aprendizagem agrícola.

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O estabelecimento rural foi instalado em terras do Patrimônio Nacional, na

fazenda Bom Jardim, na chapada da Onça, pertencente ao Município de Amarante,

distante a jusante, 60 léguas. A fazenda, de acordo com Alencastre (1974),

pertencia, ao colonizador Domingos Afonso Mafrense que deixou, juntamente com

outras, em testamento aos jesuítas, em 1711. Ainda segundo o autor, com a

expulsão desses religiosos do Brasil, em 1759, as terras deixadas por Mafrense,

foram confiscadas e passaram a constituir o patrimônio da Coroa Portuguesa. Após

a independência do Brasil, passaram para o domínio da Coroa Brasileira e, a partir

da instituição da república, essas terras, em 1891, ficaram estabelecidas como

fazendas nacionais, conforme Bastos (1994), pela provisão de 26 de junho de 1809.

Francisco Parentes objetivava, com essa criação, o desenvolvimento da

pecuária e a formação técnica de recursos humanos, trazendo para si os filhos de

escravos libertos pela Lei de 28 de setembro de 1871.

O objetivo mais importante, afora os de ordem técnica e econômica era efetivamente o de “aproveitar os serviços obrigatórios dos libertos da nação e ao mesmo tempo dar aos ingênuos, filhos deles, a educação que os deve transformar em cidadãos úteis e operários habilitados”. Para isso fundaram imediatamente na colônia, após sua instalação, escolas para ambos os sexos, e posteriormente oficina para o preparo de artífices. Os de ordem técnica e econômica, foram: estabelecer a cultura do algodão, cana-de-açúcar, cereais, fábricas de queijo, de manteiga, sabão, charque, curtume por processos modernos; construir currais, cercados, estábulos, açudes, prados artificiais, fazer o cruzamento e seleção de gados (NUNES, 1975, p. 270).

Pelo Decreto n° 5392, de 10 de setembro de 1873, é aprovado o projeto

para o estabelecimento da colônia agrícola, que recebeu o nome de São Pedro de

Alcântara, em homenagem ao imperador D. Pedro II. Em 10 de agosto de 1874, foi

lançada a pedra fundamental e no mesmo ano começou a funcionar, mesmo

precariamente, por estar o prédio ainda em fase de construção.

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Apesar dos benefícios que o projeto traria aos novos cidadãos de origem

africana e ao Piauí, não houve muito sucesso e, já em 1879, dizia Belford Vieira

(apud NUNES, 1975) “que era triste o estado da colônia de São Pedro". Muitas

foram as críticas e as tentativas para reabilitar a iniciativa esplendorosa de Parentes,

como a reforma de 1884, mesmo assim “o asilo educacional dos libertos” teve o seu

contrato transferido para outro empreendimento15

15 NUNES, Odilon, p. 271

Até 1874, quando se efetivou a criação da colônia rural, o espaço hoje

ocupado pela cidade maranhense, que pertencia ao Município de São Francisco do

Maranhão, era quase desabitado. Nenhuma referência ao início do povoamento do

dito espaço geográfico antes de 1871 foi encontrada, durante a fase de pesquisa

deste trabalho.

Nos anos subsequentes à criação da colônia rural na margem direita do

rio, esta atraiu pessoas, inclusive do Piauí, que se fixaram às margens do rio,

construindo casas, estabelecendo comércio e constituindo família.

Como o estabelecimento rural era de propriedade do Governo, os

diretores não permitiram a construção de casas particulares próximas do

estabelecimento, o que contribuiu, decisivamente, para o povoamento do outro lado

do rio, onde foi se estabelecendo uma povoação, formada, na sua maioria, por

piauienses e maranhenses da região de “Pastos Bons", que se sentiam atraídos pela

florescente colônia agrícola. Mesmo com a liberação, na administração educacional

do agrônomo Ricardo Ernesto de Carvalho, para a construção de residências,

ocorrida em 1877, era crescente o número de pessoas que procuravam a pequena

povoação.

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A respeito da influência dessa criação para o surgimento de uma

povoação fronteiriça, citamos Silva (1992):

O marco fundamental para a povoação de Barão de Grajaú foi a criação da Colônia Rural de São Pedro de Alcântara em 1871, na margem direita do rio Parnaíba, na Província do Piauí. Até então o espaço em estudo apresentava-se em condições naturais, não tendo grandes modificações pela ação do homem e se encontrava subpovoado (p.19).

Lado a lado, as duas povoações fronteiriças se formaram, tendo as águas

do Parnaíba correndo entre suas beiras, banhando seus solos, alimentando seus

desejos e impulsionando e dinamizando o crescimento econômico e demográfico.

Uma, porém, aquela cuja primeira semente plantada foi com vistas à realização de

um projeto de educação, teve sua população aumentada mais rapidamente e, com

ela, o estabelecimento de um comércio resultante da ligação entre os principais e

mais longínquos lugares do Piauí, Maranhão e Ceará, o que não tardou a favorecer

para que aquele povoado chegasse à condição de vila, o que ocorreu pela da

Resolução n° 02, de 19 de junho de 1890, recebendo o nome de Colônia de São

Pedro de Alcântara. Sete anos depois, a Colônia transforma-se em cidade,

recebendo o nome de Floriano15, ganhando a primazia entre as demais da região.

15 Nome dado em homenagem ao então Presidente da República, Floriano Peixoto.

Barão de Grajaú demoraria um pouco mais para alcançar a categoria de

vila, o que ocorreu pela Lei Estadual n° 345, de 17 de maio de 1904, tendo em vista

o desenvolvimento do povoado, baseado economicamente no comércio e

aproveitamento de recursos naturais.

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Enquanto povoação pela forte influência da sua vizinha piauiense, os seus

moradores a chamavam de Colônia. O nome Barão de Grajaú foi uma homenagem

ao presidente da Província do Maranhão, Carlos Fernando Ribeiro.

O estudo sobre Barão de Grajaú, acima citado, informa que, antes de ser

elevada a vila, aquela localidade já era uma povoação de grande importância.

Como não há referências nas fontes pesquisadas que ofereçam subsídios históricos

mais detalhados em que possamos nos pautar sobre a formação e a organização do

povoado, naquele momento, continuamos sem ter a exatidão da história de sua

origem.

Em entrevista com o Padre José Almeida16, fomos informada de que parte

da área do município, indo do lugar Russinha até o São José, era propriedade de

Joana Teixeira Miranda, que residia em Pastos Bons. Além dessa informação, nada

há, no entanto, em que possamos nos basear para sustentar ou refutar essa

informação, o que exigiría um rastreamento em fontes cartoriais, o que, para os fins

desta dissertação, pela exigüidade do tempo, não foi possível realizar.

Em entrevista concedida à pesquisadora em 1992. O entrevistado é natural da cidade de Pastos Bons e radicado em Barão de Grajaú desde 1936. Segundo ele, essa informação lhe foi dada por pessoas mais antigas da sua cidade de origem.

Na vila, foi construída uma capela, sob a invocação de Santo Antonio de

Pádua, que continua sendo o padroeiro da cidade (SILVA, 1992). As primeiras casas

foram construídas bem próximas ao rio e à capela, perto uma da outra, formando

uma rua no sentido norte-sul. Algumas conservam, ainda hoje, a sua arquitetura,

porém, a maioria, não resistiu à ação do tempo e foi destruída. Os comerciantes

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negociavam com a vizinha Floriano e com os viajantes fluviais, na rota do

escoamento de produtos da região dos sertões e de outros lugares do Nordeste.

A delimitação e criação do município ocorreu em 18 de março de 1911,

pela Lei n° 557, que determinava o seu desmembramento do município de São

Francisco do Maranhão. De acordo com as fontes consultadas, houve aumento

populacional e a intensificação do comércio de gêneros alimentícios com outros

municípios.

No ano de 1938, alcançou a condição de cidade, por meio do decreto-Lei

n° 45, de 29 de março.

Devido á área territorial do município e os progressos apresentados na vila, em decorrência do comércio, da sua posição geográfica com a abertura de estradas ligando Ceará, Piauí e sul do Maranhão e da navegação através do Parnaíba, fez com que interesses maiores fossem alcançados (SILVA, 1992, p. 26).

A cidade é uma representação simbólica dos tempos modernos, na qual o

homem está inserido historicamente, age, transforma e é transformado. Nela, está

concentrada a maior parte dos serviços educacionais.

A dimensão educacional faz parte desse processo de mudança em que as

gerações mais velhas agem sobre as mais novas, numa dinâmica do aprender e

ensinar.

A escola, no caso, o Estabelecimento Rural de São Pedro de Alcântara, foi

o marco da formação e criação do hoje existente sistema educacional do sul do

Piauí, com atendimento estendido ao sudeste e sul do Maranhão.

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Após expor as linhas gerais da conquista do interior do Piauí e Maranhão,

constatamos a estreita relação entre as duas cidades, desde os seus primórdios,

pois a ocupação do território onde está situado o município de Barão de Grajaú

ocorreu no sentido leste-oeste, isto é, do Piauí para o Maranhão. Vemos, também,

que a delimitação das terras correspondentes à sede do Município de Barão de

Grajaú só foi efetivamente firmada no final do século XIX, como resultante da

fundação do Estabelecimento de São Pedro de Alcântara, bem como do encontro e

entrecruzamento da colonização do litoral e dos sertões.

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4. UM RASTREAMENTO HISTÓRICO SOBRE A ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA

ESCOLAR DO MARANHÃO: RETARDAMENTO E BUSCA DOS

BARONENSES PELAS ESCOLAS DE FLORIANO NO PIAUÍ

4.1. A organização do sistema escolar no Maranhão:1940 -1970

O Maranhão, com uma extensão geográfica de 324.616 km2 enfrentou

obstáculos, desde o seu povoamento, que permanecem inalterados até a primeira

metade do século XX. De acordo com Bonfim (1985), esse era um dos fatores que

acentuava os problemas políticos e sociais enfrentados dentro do Estado e o tornava

atrasado nos seus múltiplos setores. Não podia ser diferente com a organização do

sistema educacional.

Para Motta (2003), a situação econômica do Estado, nas primeiras

décadas da República, não permitia maiores investimentos no setor educativo. O

ensino particular, em face dos problemas de ordem social que exigiam ações mais

imediatas, na ajuda às populações atingidas pelas enchentes dos rios Itapecuru e

Parnaíba, se expandia em detrimento ao ensino estadual e municipal.

Assim, o ponto de partida para o estudo sobre a educação, no período de

1940 a 1970, remete-nos a uma abordagem sobre as condições políticas naquele

momento que nos permita a contextualização das ações educativas em Barão de

Grajaú, no referido período.

O Estado Novo, instituído por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937,

mediante um golpe, tinha como principal característica o autoritarismo e a

centralização política. Foi uma fase de regime ditatorial, durante o qual não havia

eleições nem se admitia a existência de partidos políticos e, do mesmo modo, o

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funcionamento do Legislativo federal, estadual e das câmaras municipais. Os

Estados eram administrados por governadores nomeados, denominados de

interventores. Em decorrência das transformações, iniciadas na década de 1930, a

economia brasileira deixa de ser essencialmente agrícola e passa a ser agro-

industrial, com a participação do Estado nos assuntos econômicos.

De acordo com Figueiredo (1984), o governo do Maranhão, seguindo os

princípios constitucionais, assumiu o compromisso de fazer o progresso, pagar a

dívida e ter reserva financeira nos cofres do Estado, além de encarnar a atitude

autoritária de um ‘insigne chefe’. Tratando-se do setor educacional, ainda de acordo

com o mesmo autor, “revelava um zelo especial”, sendo muitas as tentativas no

sentido de atender a todo o Estado.

Conforme relatório do Governo do Maranhão, havia necessidade de

aumentar o número de escolares com idade de 7 a 14 anos, para tanto foram

criadas escolas destinadas às crianças pobres:

“Logo no inicio de 1938, fiz baixar o decreto-lei n° 27, de 21 de janeiro, criando três escolas mistas, para serem freqüentadas por crianças pobres, os chamados “pés descalços”17

17 RAMOS, Paulo. Relatório do Presidente da República. São Luis, 1938, p. 133.

Em estudo sobre a educação naquele período, Figueiredo (1984)

constatou que eram muitos os analfabetos, no Maranhão, despertando a

preocupação de educadores no tocante à educação, como foi o caso do Diretor de

Instrução do Estado, durante o Estado Novo, Luis Rego, que lamenta o descaso à

obra educacional, que ele tentava demonstrar, apontando o pouco valor a ela

destinado, sugerindo, inclusive, a criação de uma escola rural em Caxias para

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“preparar professores para servir no meio em que estão vivendo”, como solução

desses problemas.

Ao estudar a realidade educacional no Maranhão, Josué Montello (1946),

escritor maranhense e a serviço do Governo, relatou com preocupação sobre a

ameaça ao Estado de perder a sua tradição de cultura. No mesmo Relatório, criticou

o descaso do Estado e dos municípios em relação às instituições educacionais e

apontou dois problemas na educação que, segundo ele, apresentavam duas

questões que precisavam ser avaliadas pelo governo. O primeiro dizia respeito à

carência de professoras normalistas nas escolas do interior e o outro sobre as

péssimas condições de funcionamento dos prédios escolares.

O Maranhão tem uma tradição de cultura que não pode ser maltratada ou perdida.

(...) Do ensino secundário ao pré-primário, nas instituições mantidas pelo Estado e pelos municípios, duas forças se desgovernam reclamando providências concretas: o problema do professorado e a questão dos edifícios escolares.

(...) Militam em favor dessa recusa além do problema de remuneração já citado, os seguintes fatores: a) péssimas condições ambientais de ensino; b) ausência de estímulo do professor; c) instabilidade do professorado; d) injunções da política; e) emperros da máquina educacional do Estado.

Comparando o censo da população e de matrícula, verifica-se que houve,

também, queda na procura pelo serviço escolar. Em 1940, a população era de

1.235.169 e a matricula geral nas escolas foi de 55.823; em 1945, a população era

de 1.356.343 para matrículas de 42.998, o que representa um declínio no setor de

ensino.

Do total de 45.933 das matrículas realizadas, em 1940, nos

estabelecimentos do interior do Estado, apenas, 26.638 alunos freqüentavam a

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escola em 839 unidades. Em 1945, esses números caíram e, de 33.794 matriculas

realizadas, apenas 21.083 freqüentaram nas 649 unidades escolares interioranas19.

19 Maranhão 1948. IBGE.18 Dados colhidos no IBGE. Anuários Estatísticos 1940 - 1945.

A instabilidade orçamentária foi acompanhada pelo decréscimo do ensino,

conforme o quadro seguinte:

ENSINO PRIMÁRIO* 18

ESPECIFICAÇÃO 1940 1945 DECRÉSCIMO

Unidades Escolares 939 747 192

Corpo Docente 1.323 1.127 196

Matricula Geral 55.823 42.998 12.825

Matricula Efetiva 50.573 38.624 11.949

Freqüência Média 32.686 27.082 5.604

Aprovados Geral 19.610 16.026 3.584

A era de Vargas, iniciada em 1930 e estendida até 1945, responsabilizou

o republicanismo liberal, anterior a 1930, pelos constantes problemas e crises

sofridas pelo País. A instalação do Estado Novo foi a efetivação do discurso de

ruptura com o pensamento liberal daquele período. A política autoritária do Estado

Novo articula a propaganda e a educação como base para uma nova realidade

despontada em todos os setores da sociedade brasileira. Com o poder político

centralizado, o regime varguista regula a educação com a finalidade de obter melhor

controle sobre a “massa popular”.

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No Maranhão, a educação proclamada pelo Estado Novo e o esforço dos

dirigentes não se fizeram sentir para alterar a situação educativa no Estado. Em

Barão de Grajaú, a ação governamental foi muito tímida, encontrando apenas a

criação de uma escola, como parte do projeto de expansão educacional,

aumentando a oferta de ensino primário. Assim, o acesso à educação chegou aos

baronenses, e a outros maranhenses da região, por outra via, qual seja, através de

Floriano, guia da progressão educacional daqueles jovens.

De 1945 a 1951, houve uma tentativa de reestruturação da educação e as

propostas ganham espaços nos jornais da Capital, propagando a criação de grupos

escolares distribuídos pelo interior do Estado, mas estes não foram suficientes para

o atendimento da demanda.

A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial contra o fascismo

incentivou grupos de brasileiros oposicionistas ao regime a denunciarem o ‘fascismo’

dissimulado como marca política do Estado Novo. As pressões dos opositores em

defesa das idéias democráticas afetaram as rigorosas estruturas do Estado Novo.

Temendo pela continuidade de Getúlio Vargas, os setores de oposição, aliados ao

exército, obrigam Vargas a renunciar em 29 de outubro de 1945. Com o fim do

Estado Novo, o Brasil ingressa numa fase democrática, embora com alternância com

o autoritarismo, a exemplo do rompimento das relações diplomáticas com os

soviéticos e a extinção do Partido Comunista Brasileiro, em 1947.

O período de 1945 a 1970, no Maranhão, segundo as considerações de

Costa (2004) foi um dos mais conturbados na história política partidária do

Maranhão, caracterizado pelo mandonismo político, que se estendeu por todo o

Estado, adquirindo um caráter diferente dos demais estados brasileiros. Nas

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palavras de Bonfim (1985), a presença do Estado no interior, nesse período, se dava

por meio dos partidos políticos. Era grande a disputa pelo poder, na qual os grupos

políticos-partidários defendiam os seus próprios interesses.

Para a autora, os chefes políticos estaduais, encarnando a figura dos

velhos “coronéis”, que dominou toda a República Velha, eram muito presentes na

década de 1950, prolongando-se pelos anos 1960. Nos municípios, os

representantes locais agrupavam pessoas, a quem prestavam algum tipo de ajuda,

recebendo em troca apoio e subserviência.

Na análise de Gonçalves (2002), a hegemonia de grupos políticos, no

período, é sustentada pelo mandonismo e pelas disputas ‘intraoligárquicas’ que

incide “numa periodização ortodoxa da história política do Maranhão, com a

pretensão de estabelecer uma descontinuidade político-administrativa” (ibid. p.59),

conhecida como “vitorinismo”20. Há quem relacione o vitorinismo com as práticas

clientelistas e de madonismo local exercido naquele período. De acordo com Bonfim

(1985), a autoridade do líder confundia-se com a do Governador e adotava nos meio

político sua bandeira de luta, resumida na frase: ‘Aos amigos tudo, aos inimigos a

lei’.

20 Ganhou esse nome devido ao líder estadual Vitorino Freire que dominou o Maranhão, através dos cargos que exerceu, durante 20 anos.

Sob a égide do “coronelismo”, os municípios obtinham os votos para os

líderes estaduais e estes, em troca, tinham o apoio para manterem-se no poder

municipal e garantir os interesses partidários. O maior exemplo dessa prática no

sertão e de repercussão nacional ocorreu em São João dos Patos, distante 96 km

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de Barão de Grajaú, com a atuação de D. Noca21, conhecida como “coronel de

saia", a dominar o cenário político local.

Seu verdadeiro nome era Joana da Rocha Santos.

É oportuno lembrar que as mudanças econômicas e políticas, ocorridas

após a Segunda Guerra Mundial, produziram novas formas de relações sociais. No

Estado do Maranhão, a economia se apóia na extração do babaçu, marcando o

auge da atividade em substituição à indústria têxtil.

Inversamente, cresce a importância do babaçu, caracterizado por ser um produto a demandar uma atividade extrativista e de caráter permanente. Toma-se assim renda complementar para as famílias dos lavradores que juntam e quebram a amêndoa e possibilita também a instalação de indústrias de médio porte que assumem o monopólio para a extração do óleo babaçu e para a fabricação incipiente de produtos derivados.Do óleo bruto produzido no Maranhão, 15% fica na região para ser usado na fabricação de sabão e velas, enquanto 85% vai para as grandes empresas, no Rio e São Paulo (BONFIM, 1985, p.3).

Em 1958, consoante estudo de Bonfim (1985), o estado da educação

maranhense pouco tinha avançado daquela do período do Estado Novo. O corpo

docente era constituído por 72% de professores leigos ou sem qualificação para o

magistério.

No plano educacional, de 1945 a 1965, não foram oferecidas políticas

inovadoras, a não ser aquelas apresentadas pelo Ministério de Educação e Cultura

para todo o Brasil. Numa época em que a concessão de benefícios dependia do

prestígio político de cada representante local, era preciso ter uma estrutura

econômica e eleitoral representativa.

21

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Sem esses elementos, a força política do líder local era inexpressiva. A

respeito desses “favores” traduzidos em práticas clientelistas, extraímos o seguinte

comentário de Bonfim (1985):

Assim, a construção de escolas, a nomeação de pessoas para o cargo do magistério, a liberação de verbas para o poder local, dependem da força política dos controladores do poder. Nesse contexto, não há lugar para uma política educacional voltada para os interesses populares, a não ser que eles se conjuguem com os interesses particulares que se sobrepõem, a partir do próprio monopólio da cultura letrada que é veiculada como cultura do povo, através dos programas educacionais. Creio que a conjuntura sócio- politica e econômica propiciava uma acomodação nas camadas populares a tal nível, que o paternalismo era aceito como ‘natural e qualquer intervenção pública, como um favor (p.51-52):

Em mensagem dirigida à Assembléia Legislativa do Estado, em 3 de maio

de 1961, o Governador Newton Bello mostra inquietação para com a precariedade

da educação pública maranhense22 e assim se pronuncia em mensagem enviada

aos deputados estaduais:"... de 448.000 crianças em idade escolar, apenas 159.000

estão matriculadas. Nas escolas estaduais cerca de 40.000; nas municipais, 60.000

e o resto nas escolas particulares”.

22 MARANHÃO. Governador. 1962-66. Mensagem apresentada à Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão. São Luis, maio, 1966.

Somado a essa questão havia, ainda, o problema da evasão escolar, que

aponta a precariedade do sistema educacional no Estado que se vinha se

arrastando ao longo dos anos.

Dos 69.384 alunos matriculados no 1o ano em 1960, chegaram aptos para ingressar no curso médio 4.629 o que representa um aproveitamento de 6,7% da matricula inicial e para os 78.114 alunos matriculados no 1o ano em 1961, houve um rendimento de 6,9% (BONFIM, p. 80)

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Com a finalidade de melhorar o quadro de deficiência no setor, foi

elaborado um plano de trabalho baseado no Plano Trienal (1963/1965) do Governo

Federal, traçando, dentre outras, as diretrizes para a educação do Estado. Para a

execução desse Plano, o governo brasileiro baseou-se no ‘Acordo MEC/USAID’23.

Segundo Bonfim (1985), esse acordo é que conferia os recursos financeiros e que

estabelecería as diretrizes mais importantes para a sua aplicação. O recurso

destinado à educação visava à ampliação de vagas, construção e equipamentos de

escolas.

23Agência Norte-americana para o Desenvolvimento internacional.

O golpe de 31 de março de 1964, que instaurou mais uma ditadura militar

no País, adotou um modelo de desenvolvimento atrelado ao capital estrangeiro. Os

militares adotaram a repressão para conter as oposições formadas por lideres

sindicais, intelectuais, estudantes e padres progressistas. Foi a época do “milagre

brasileiro”, em razão do entusiasmo governamental para garantir o crescimento

econômico.

Com base no desenvolvimento propagado em todo o País, no Maranhão,

naquele momento, foi apresentada nova proposta educacional para o qüinqüênio

1965/1970. A educação seria o pilar de todos os projetos que conduziríam o

Maranhão à escalada “desenvolvimentista”, como expresso em documento oficial do

Governo do Maranhão (1966):

Atingir o maranhense todo impõe ao processo educativo a tarefa de concorrer com sua contribuição específica para elevar o padrão de vida do Estado. Em outros termos: para lançá-lo em estado de genuíno desenvolvimento.

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Com o objetivo de “preparar” não só a juventude como também a

população adulta, para a “vida” e para o trabalho, o discurso oficial expressa

claramente que a educação fica atrelada à produtividade.

Como fórmula que sintetize os ideais educacionais do atual Governo, a Secretaria de Educação e Cultura entrega ao magistério do Estado, para ser difundida, estudada e vivida pela juventude maranhense. Preparar todo maranhense para a vida do Maranhão.

Com esse projeto para operar o ‘Milagre Maranhense’24, algumas medidas

de emergência foram adotadas ainda em 1966, sabendo-se que, consoante a

afirmação de Bonfim (1985), a finalidade era “que assegurassem, pelo menos, o

acesso à escola a um número maior de educandos", especialmente, na Capital.

24 Denominação dada para caracterizar a política desenvolvimento do Estado, no período de 1965 a 1970.

Os problemas de subdesenvolvimento do Estado são atribuídos pelo

Governo do ‘Maranhão Novo’ aos seus antecessores, cujos elementos principais

denunciados eram o paternalismo político e a desorganização administrativa,

segundo declaração de Orlando Medeiros, Secretário de Educação de 1965-1966.

Para Gonçalves (2000), a expressão “Maranhão Novo” para denominar a

nova fase política é entendida como fronteira construída para demarcar a diferença

com o passado recente. Ainda nesse sentido, acrescentamos a apreciação de

Bonfim (1985) de que o “novo” representava o rompimento com o antigo grupo

político estadual. Era a busca de um Maranhão moderno, liberto das forças

oligárquicas.

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Para suprir a falta de ginásios nos municípios, o governo maranhense,

mediante projetos de aspectos modemizantes, implantou em 1968 um “pioneiro de

interiorização" que deu origem à denominação: Projeto Bandeirante.

O Projeto Bandeirante tinha a intenção de evocar as Entradas e Bandeiras do Brasil Colonial, uma vez que o significado do empreendimento apresentava aspectos semelhantes àquele, segundo técnicos da Secretaria de Educação (IBIDEM, p. 91).

Os objetivos dos ginásios bandeirantes eram:

Possibilitar continuidade de estudos aos egressos do Curso Primário; ajudar na formação de mão-de-obra especializada para o desenvolvimento e dar condições para criação e acesso a cursos superiores (IBIDEM, p. 92).

Para a implantação desse tipo de ginásio, seria necessária a parceria do

município, por meio do administrador local, em face da ausência de escolas de

Ensino Médio25, ter densidade populacional, facilidade de acesso ao município e

média de concluintes da 5a série nos últimos anos. O local de funcionamento seria

em escolas estaduais ou do município. A limpeza e a conservação seria de

responsabilidade do município. Os salários do pessoal seriam afetos à da Secretaria

de Educação do Estado, prefeituras municipais e comunidade, como prossegue

Bonfim:

25Ensino Médio correspondia ao atual Ensino Fundamental e Médio.

Analisando mais o Projeto Bandeirante diría que ele fora um instrumento utilizado naquela conjuntura sócio-econômica e política pelo governo do Maranhão para atingir a população do interior, principalmente os redutos coronelistas disseminados pelas cidades, com a mensagem desenvolvimentista".Seria uma espécie de pacto, uma aliança tácita a partir dos convênios firmados com as Prefeituras Municipais o que, de certo modo, já comprometia os seus representantes com o Programa do Governo.

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Para municípios com baixa concentração de produção, conforme já

mencionado, somente por acordos entre prefeituras e Governo do Estado para a

aquisição de um direito fundamental e constitucional.

4.2. A trajetória da organização escolar em Barão de Grajaú

As influências físicas e geográficas, características de cada região, na vida

cotidiana das pessoas e da sociedade, revelam alguns aspectos comuns aos que

vivem em determinado espaço geográfico. Na região do médio Parnaíba, essas

influências são percebidas, principalmente, no modo de vida e na realização das

atividades econômicas. De acordo com a documentação da Inspetoria Regional de

Estatística do Maranhão (1950), o clima, a vegetação e o solo são fatores que

contribuem para a prática de determinadas atividades.

A posição geográfica e as condições do solo de Barão de Grajaú

favoreceram o comércio, cultivo da lavoura, a criação de gado e a extração de

babaçu. Produziam fumo, algodão, cereais cera de carnaúba, dentre outros

produtos. Desenvolvia-se, ainda, a cultura da cana-de-açúcar, uma das “fontes de

riqueza do município”. As áreas de cultivo da lavoura eram de pequena extensão. O

comércio de compra e venda era feito com o Piauí, Ceará e Pernambuco, através de

rodovias e por via fluvial. O porto era um escoadouro natural dos produtos do sertão

maranhense, o que atraía a visita de lanchas e vapores, transportes fluviais do rio

Parnaíba, sendo, por isso, visitada por vapores e lanchas26.

26 Álbum do Maranhão. São Luís. 1950.

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A atividade comercial, tanto de produtos agrícolas como de produtos

industrializados, era restrita a um grupo muito pequeno de baronenses. A maioria

produzia apenas para a subsistência, ou era carpinteiro, ferreiro, pedreiro, alfaiate ou

em escala bem menor, funcionário do Município ou do Estado, segundo informações

coletadas através de depoimento.

Eram pouquíssimos os comerciantes aqui, na cidade. Antes teve o Agapito Barros e outros lá na beira do rio. Isso é o que eu ouvia falar, por que não foi do meu tempo. Mas na década de 30 e 40 e 50 tinha o Artur Ferreira, Antonio Fonseca, Zuza, Pedro Goes, dois na beira do rio, João Curirad, João Calisto Lobo e Salomão Mazuad. Quando vieram da Síria. Os outros tinham comércio no interior. Agora o Sr. Anacleto, Marcolino, Altino Almeida, João Inácio Silva vinham vender os produtos produzidos e retirados lá no interior (ALTANIR GOES).

Nas primeiras décadas do século XX, tornou-se mais intenso o comércio,

atraindo pessoas de outras cidades do Maranhão e Piauí, aumentando o índice de

crescimento populacional.

Percebe-se, portanto, como apontam os indícios fornecidos pela literatura

consultada, que, em 1904, quando passou a vila, Barão de Grajaú tinha no comércio

a sua principal atividade econômica.

Mesmo com essa dinâmica, porém, nos primeiros anos da vila, o setor

educacional mostra-se ausente de preocupações e investimentos públicos e

particulares.

No inicio do século, houve uma política de ampliação de escolas no

Maranhão, através da Lei Estadual n° 363, de 31 de março de 1905, que criou

grupos escolares no interior do Estado. Não há registros, entretanto, de que a nova

vila tenha sido contemplada com essa lei.

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Apesar da nova condição política de Barão de Grajaú, há apenas uma

citação que sinaliza para a existência da educação escolarizada. A citação

encontrada data de 1911 e fixa as despesas com a Instrução Pública de Barão de

Grajaú. Está contida na Tabela n° 5 da Lei n° 598, de 1o de maio de 1911, que orça

e fixa a despesa do Estado para o exercício de 1911 a 1912, determinando a quantia

de 600$ (seiscentos réis) para “Barão de Grajahú”, povoação de São Francisco.

Talvez por desatenção, é citado como povoação e não como município,

visto ter Barão de Grajaú adquirido essa condição em 18 de março do mesmo ano

da publicação da Tabela. Em relação a esse período, não foi achado nenhum

vestígio ou informação sobre a existência de escolas.

Em 1914, foi criada por decreto uma escola na vila, sendo esta a primeira

notícia encontrada a respeito da criação de escola pública em Barão de Grajaú:

DECRETO N°5de 10 de junho de 1914

O governador do Estado, de acordo com a tabela n° 7, da lei 657, de 27 de abril de 1914,

DECRETA

Art. 1o. São criadas escolas primárias nas seguintes vilas: [...]; Barão de Grajaú, 1 Escola Mixta; [...]

§ único. Consideram-se extintas as escolas que existiam nessas vilas e não foram contempladas neste Decreto.

Art. 2. Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio do Governo do Estado do Maranhão, 10 de junho de 1914.

Herculano Nino PargaRaimundo Leôncio Rodrigues

Apesar da publicação do decreto, nenhuma referência escrita ou oral foi

localizada em relação às atividades da escola. A falta de registros acerca do seu

funcionamento impõe dúvidas a respeito da imediata execução da lei, podendo,

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inclusive, ter sido alterada ou até mesmo adiada para outro momento da história

baronense.

É uma das lacunas na história da educação de Barão de Grajaú que

poderá ser preenchida com novas investigações, pois, pela exigüidade de tempo

para realização desta pesquisa, e por estar fora do período focal em estudo, não

será possível, no momento, dirimir essa dúvida. Foi possível apurar, no entanto, que

a educação ali estava sob a responsabilidade de professores particulares, “os

mestres-escola”, que ensinavam a ler e contar e eram pagos pelos pais das

crianças, geralmente, pequenos comerciantes e agricultores. Esses mestres

ensinavam na própria casa ou eram itinerantes. Os informantes a que tivemos

acesso guardam lembranças detalhadas acerca do ambiente em que as aulas eram

dadas, onde se percebe que salas de aula se misturam com o local de moradia de

professores e suas famílias.

Uma das primeiras professoras, de quem conseguimos colher informações

sobre a realidade educacional local, foi Luzia Guimarães Moreira, D. Mariinha, uma

cearense da cidade de Iguatu, e cunhada de Cícero Neiva, um líder político do

Município na década de 1920.

Ela era professora normalista de muita reputação, determinada e dedicada

à educação. Durante o dia, ensinava na escola pública e, à noite e finais de semana,

escrevia jornais de próprio punho. Com a chegada de D. Mariinha, que fora

transferida de Nova Iorque, no Maranhão, a educação pública, embora acanhada,

toma nova forma pelos esforços e perseverança da nova professora que destinava

parte do seu tempo ao ensino e às letras. Para ela, segundo Moreira (1989), ainda

sobrava tempo para ministrar aulas de Latim, no ginásio Santa Teresinha, na cidade

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de Floriano. Mesmo assim, foi efêmera a estada de dona Mariinha no Município. No

início dos anos 1940, ela transferiu-se para Timon, acompanhando os filhos que

passaram a estudar em Teresina.

Na época, as esferas do público e do privado se confundiam. A casa-

escola era o único espaço para a “instrução” dos baronenses. O desenrolar do

processo educativo formal se dava em um ambiente dividido, pois o prédio não

oferecia condições físicas adequadas para comportar as duas atividades: a escolar e

a doméstica. Moreira (1989), nas suas memórias, descreve com detalhes o ambiente

onde residia e estudava ao mesmo tempo:

O ambiente era pequeno, mas bem dividido e ao mesmo tempo combinados, para que pudessem conviver harmoniosamente. Tinha uma sala ampla que comportava os alunos, que não eram muitos. A sala de aula era ao mesmo tempo sala de visitas, a cantina da escola era a cozinha da família.Eu crescí na sede da Escola Pública Municipal de Barão de Grajaú, em um quartinho dos fundos. Nossa casa era escola e local das reuniões que mamãe promovia, batendo-se pela conscientização da comunidade.

As condições de escolarização indicadas, evidenciam que havia

necessidade de mais investimento por parte dos poderes público estadual e

municipal. A população escolar também parecia se distanciar da luta em prol de sua

melhoria ou não questionava a falta de escolas na cidade, pois, segundo Neiva

Moreira (1989), sua mãe, a professora Mariinha se inquietava com a apatia e o

atraso escoíar, querendo talvez levar as pessoas e, principalmente, os pais, a

entenderem a importância da educação na vida das pessoas e da comunidade.

O trabalho educativo na escola era isolado, solitário, sem orientação e

com poucos recursos. Uma vez por ano vinha um fiscal para saber como estava o

andamento da escola, segundo informações colhidas em entrevista com Zuleide

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Silva. O cargo de “fiscais do ensino" foi criado no Maranhão pelo Decreto n° 866, de

01 de outubro de 1924, para substituir o extinto cargo, também no mesmo Decreto,

de “inspectpr escolar”. O cargo de inspetor escolar foi restabelecido anos depois,

substituindo os fiscais. O papel dos inspetores era de promover o bom andamento

das escolas e fazer levantamento periódico sobre as suas condições físicas e

pedagógicas.

Pelo Decreto n° 1248, de 12 de abril de 1929, foi criada uma escola

primária no Município de Barão de Grajaú.

O Presidente do Estado, usando da autorização conferida na lei 1.284 de 31 de abril de 1927,

DECRETA:

Art. 1o Ficam criadas duas escolas primárias, sendo uma no lugar Tresidela Alta, município de Grajaú, e outra em Barão de Grajaú.

Art. 2°. Revogam-se as disposições em contrário.

J. Magalhães de Almeida

Pelo novo decreto, o município teria ganho outra escola; contudo, na

pesquisa realizada, foi encontrado registro apenas de um estabelecimento escolar

em funcionamento na sede de Barão de Grajaú. A outra, possivelmente, fora

instalada na zona rural na localidade Tangui, já que ela é mencionada somente a

partir de 1931, informação que pode ser conferida adiante.

Com base no registro orçamentário da Prefeitura para o período de 1930-

32, a escola mixta” era mantida pelo Município. O uso da expressão “mixta”, pelo

órgão do governo municipal, foi encontrado somente a partir de 1931. Nos anos

anteriores, aparece apenas como escola pública.

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Na relação do orçamento da receita e despesas do Município para o ano

de 1931, constante no Livro Caixa da Prefeitura (1931), os valores destinados aos

canoeiros são superiores aos pagos a uma professora.

No ano de 1930, a professora Luzia Guimarães Moreira recebia Rs $33:00

(trinta e três contos de réis), na administração de Pedro Ferreira Góes, prefeito que

substituiu o senhor Pedro de Neiva Moreira. Em janeiro de 1931, a professora

recebeu o salário menor do que do mês anterior: Rs 20$00 (vinte réis)27. Este foi o

último salário pago para a professora, como consta no Livro de Despesas no ano de

1931, da Prefeitura. No mês de abril, não mais consta o nome de Dona Luzia

Guimarães e são relacionados os nomes de duas outras professoras, na relação de

pagamento da Prefeitura: Antonia Pires Martins Soares e Corina Silva e Souza.

Comparando com os meses anteriores, observamos que o vencimento pago a cada

uma das novas contratadas, de Rs $ 75:00 (setenta e cinco réis), foi um valor muito

superior ao que era pago para a antiga professora.

27 Esses números estão escritos como no original.

Assim, consta do seguinte modo na folha de despesas do mês de abril de

1931, com a educação no Município:

“Importância paga a professora pública da Escola Mixta Municipal desta vila Corina Silva e Souza seu subsídio deste mês $ 75,00.

Idem a professora pública da Escola Mixta Municipal do lugar Tangui, Antonia Pires Martins Soares. “Idem”. $ 75,00 ".

Estas citações só constam no Livro Caixa da Prefeitura até o mês de março

de 1932, embora o livro consultado apresente as Receitas e Despesas de dezembro

de 1930 a maio de 1932.

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A professora Luzia Guimarães foi afastada pelo novo Prefeito, sendo

substituída por Corina Silva e, no mesmo ano, foi designada a professora Antonia

Soares para a escola de Tangui.

Há indícios de que a escolha das professoras, bem como o salário a elas

pago pelo Poder municipal, dependiam de afinidades familiares, político-partidárias

ou era definido por laços de amizade.

A professora Corina Neto, como era conhecida por causa do seu pai

Francisco Neto, quando chegou na vila, na década de 1920, já mocinha, foi trabalhar

na escola pública com D. Mariinha, como professora adjunta, como nos informa

Zuleide Neto. Esta faz, ainda, alusão ao ensino no Município, no tempo anterior e

imediatamente posterior a 1940, quando, algumas famílias, principalmente aquelas

residentes na zona rural, contratavam o “mestre-escola” para ensinar a contar, ler e

escrever. Essa prática de educação para os filhos de pequenos proprietários rurais

estendeu-se por décadas. Na cidade, nas primeiras décadas do século passado,

também era comum as pessoas cursarem as primeiras letras com professores

particulares. Um trecho da entrevista direciona para o entendimento de que

escolarizar era, pois, ensinar a fazer leitura e as operações matemáticas

fundamentais.

Antigamente, o ensino, não sei se tinha negócio de série, o importante era saber ler, escrever e fazer conta. O que eu acho que esse era necessário. Muitos pais botavam os filhos para aprender com a Corina, porque ela sabia mesmo ensinar. Ela “desasnou” muitos meninos e meninas (ZULEIDE SILVA).

Esses elementos importantes na educação escolar nas décadas de 1940/

50 e 60, no Município, versavam sobre o domínio integral da palavra, da leitura e da

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Aritmética. No estudo de Martins (1988), referente a lugares do Norte do País, em

época mais recente, encontramos a informação de que “a escolarização consistiu,

sobretudo em converter a palavra falada em palavra escrita”.

Com a saída da professora Marinha, Corina Neto assumiu as duas turmas,

juntamente com outra professora leiga, que se mudou para outra cidade e, depois,

ficou sendo auxiliada pela sua irmã, professora Zuleide Silva, até a chegada das

normalistas. As professoras normalistas contratadas chegam alguns meses após a

elevação de Barão de Grajaú ao status de cidade, em março de 1938, como relata a

nossa depoente:

Lá na Escola ficava a Corina, eu e outra que não me lembro mais do nome, aí é que chega a D. Ricardina, esposa de um coletor, mas não ficou muito tempo. Logo depois veio a Ivone e depois Idalina. Só muito depois foi vindo Maroquinha, D. Ailda, Socorro Carvalho e outras (ZULEIDE SILVA).

No Diário Oficial, Despacho do dia 7 de fevereiro de 1940, do Gabinete do

Interventor Federal, consta pedido de licença, para tratamento de saúde, da

professora Ricardina Moreira dos Santos, que, pelos indícios, pode ter sido uma das

primeiras professoras normalistas, titulares, a vir trabalhar na escola pública de

Barão de Grajaú, após a professora Mariinha. Só que esta era contratada pelo

Governo do Maranhão.

Ainda de acordo com publicação do Diário Oficial do Estado do Maranhão,

a professora Ricardina, titular da cadeira de 1a a 4a série, da escola singular

Domingos Machado, foi substituída, em caráter interino, pela normalista Aldenora

Silva Correia.

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Gabinete do Interventor FederalNum 36.

(•••)

Despachos do dia 7 de fevereiro de 1940

(...)

[fl. 02] N° 275/940, de d. Ricardina Moreira dos Santos, professora da escola “Domingos Machado”, da cidade de Barão de Grajaú, solicitando dois meses de licença para tratamento de saúde.

Concedo a licença, de acordo com parecer.

Secretaria Geral do EstadoSão Luis. Terça feira, 13 de fevereiro de 1940.

Pelas informações colhidas dos nossos entrevistados, há indícios de que a

escola foi transformada em Escola Reunida, após 1941. D. Idalina relata, ao

relembrar o inicio da sua carreira como professora na Escola, que, ao chegar a

Barão de Grajaú, em 1941, após ser contratada pelo Estado, a escola era “mista ou

singular”, não havia graduação de série e, só depois, passou para Escola Reunida,

composta per uma escola de investimento municipal e por uma escola estadual. Foi

por esse período que se efetivaram os trabalhos de inspeção escolar, em Barão de

Grajaú.

“Antes de mim, as professoras moravam na própria escola, mas não foi do meu tempo”.“Em 1941, a Escola Singular, multiseriada, tinha poucos alunos, nâo tinha nada e funcionava num salãozinho. Estudava criança grande misturada com as pequenas. Tinha três professoras de São Luis que tinham assumido, mas não ficaram aqui porque não gostaram e eu fiquei com a turma do 1o ao 4o ano. Os alunos eram pobres e eu era quem comprava os livros, cadernos, fardas. Ia a São Luis e trazia o material escolar, porque aqui não tinha nada". A escola funcionava na rua Magalhães de Almeida de canto com a Prefeitura.Quando era no final do ano vinha o fiscal fazer avaliação do ensino, mas só depois de 1950. Botava no quadro e perguntava, de preferência, matemática. O resultado final era levado para São Luis” (IDALINA RESENDE).

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Foto - 2: Alunos da Escola Pública Domingos Machado. Ao centro, o prefeito Pedro Ferreira

Góes e as professoras Corina e Zuleide Souza Silva - 1939.

Conforme o depoimento de Helena Barros, a Escola Pública recebeu por

certo tempo a denominação de “Santo Antonio” e, posteriormente, o nome de

“Domingos Machado". Nela, era ensinada a matéria de Conhecimentos Gerais,

Português, Matemática, Noções de Higiene e Ética.

De acordo com Lopes (2001), a Escola Reunida era constituída por

escolas já existentes em um mesmo espaço e com a mesma direção. Foi uma

escola de transição entre a casa-escola e os grupos.

O Poder Executivo foi autorizado pela Lei Estadual n° 171, de 25 de

outubro de 1948, a conceder ao Município de Barão de Grajaú um auxilio financeiro

para inicio da construção do prédio do Grupo Escolar:

Art. 1o - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder ao município de Barão de Grajaú o auxílio de CR$ 50.000,00 para inicio da construção do prédio do Grupo Escolar na sede daquele município.

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Art. 2o - Fica ainda autorizado o Poder Executivo a abrir necessário crédito, para o cumprimento da presente lei.

Sebastião Archer da Silva.

A idéia de construção do prédio para instalação de um grupo escolar

antecede a criação do próprio grupo, o que seria uma demonstração do cuidado em II

subverter a precária situação do único estabelecimento escolar e do próprio ensino.

Apesar da autorização, a ajuda financeira só chegou ao Município nove anos depois,

e a escola permaneceu funcionando no mesmo prédio, numa sala contígua ao da

Prefeitura.

A Escola funcionava num salão de fundo junto da Prefeitura num salão onde funcionava um motor de energia e depois como escola reunida e grupo escolar, passou a funcionar onde hoje é à casa do Sr. Duzito Rua Magalhães de Almeida (IDALINA RESENDE).

A Lei Estadual n° 240, de 28 de dezembro de 1948, transforma em grupo

escolar a Escola Reunida Domingos Machado,

O Governador do Estado do Maranhão:

Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléia Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o Fica transformada em Grupo Escolar a atual Escola Reunida “Domingos Machado”, de Barão de Grajaú.

Art. 2° A presente Lei entrará em vigor a 1o de janeiro de 1949.

Sebastião Archer da Silva.

Segundo Lopes (2001), o ‘grupo escolar1 era um espaço criado para a

atuação das normalistas, profissionais mais qualificadas para o exercício do

magistério. Era uma escola “modernizada e modernizante”. Nele, eram agrupadas

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as escolas reunidas. O perfil da escola vai ser um dos grandes impactos da

modernização na cidade de Barão de Grajaú, principalmente, por trazer um novo

modelo de educação.

O número de matrículas da 1a a 4a série do Grupo Escolar Domingos

Machado aumentou, trazendo transtornos às professoras, já que não tinha sido

alterada a estrutura do prédio. Assim, apesar da mudança de escola reunida para

grupo escolar, as necessidades continuavam inalteradas, como relatado por uma

das professoras entrevistada.

A escola era uma casa com poucas salas de aula. Era uma casa cedida para servir como escola. Era tão carente que muitas vezes a professora comprava a mesa e todo o material, livros didáticos, de chamada, giz e outros, para uso na sala de aula. Não tinha acomodação. Nos bancos sentavam até três crianças. Era muito desconfortável (EFIGÉNIA RAMOS).

Sebastião Ribeiro28 relata que havia uma insatisfação das professoras e

dos pais de alunos quanto à precariedade do prédio onde funcionava o Grupo

Escolar. Muitos pais que tinham melhor condição preferiam colocar seus filhos em

escolas de Floriano. Ainda, segundo ele, somente em 1956, o Estado liberou a verba

no valor de Cr$200.000 (duzentos mil cruzeiros) e, finalmente, foi efetivada a

construção do Grupo e realizada a imediata transferência para a sede definitiva, em

1957. As novas carteiras foram trazidas de São Luis. Mesmo com esse aparato mais

moderno, os problemas de lotação permaneceram.

Prefeito do Município de Barão de Grajaú, no período de 1956 a 1961.

Comecei meus estudos, aos nove anos de idade, no Grupo Domingos Machado, onde fiz a 1a e a 2a série. O colégio tinha muitos alunos e poucas professoras. As salas eram lotadas de crianças, chegando a sentar até três alunos em uma carteira. As carteiras eram de madeira e tinham o formato de um balcão, com um espaço embaixo para

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colocar os livros. O lugar de sentar era para dois alunos e era ligado a esse balcão.

Com a ajuda do Padre José Almeida, estudei a terceira série no Colégio Educandário, na cidade de Floriano, isso porque minha mãe trabalhava duramente, mais com muito orgulho, para me educar. Como eram grandes as despesas e eram poucas as condições, tive que voltar a estudar em Barão de Grajaú, onde cursei a 4a série na Escola Paroquial Santo Antonio, uma escola bem mais simples que o Grupo. Em 1964 retomei para Floriano para estudar o preparatório para o exame de admissão na escola particular de D. Deuzina. Eu conseguia porque a passagem do rio eu não pagava, foi uma oferta do canoeiro Manoelzinho, amigo da minha mãe, que se prontificou a nos ajudar não cobrando a passagem. Isso foi uma grandiosa ajuda para a minha educação em Floriano. Com tanta dificuldade, fui me desmotivando dos estudos ali, e, como em Barão de Grajaú não tinha ginásio e por falta de condições, tive que abandonar. Como toda menina pobre terminei me casando, ainda aos 14 anos (GRAÇA SILVA).

Com a criação do grupo escolar, tido como um lugar onde seria adotado

um novo modelo de ensino, seria possível substituir o ensino das casas-escolas,

considerado arcaico na visão democrática de educação nesse período. As

normalistas ganham o espaço de ação enquanto as professoras leigas são

dispensadas. De acordo com Ata do Grupo Escolar Domingos Machado, as

professoras Corina e Zuleide Silva só trabalharam naquela instituição até dezembro

de 1956, no final do período letivo. A escola de caráter moderno não comportava

mais professoras que não fossem habilitadas para o magistério, leigas.

Como a escola municipal havia sido incorporada à escola estadual,

justifica, portanto, o afastamento das professoras, uma vez que não possuíam o

curso Normal. Com longa experiência como docentes, Zuleide e Corina Neta, como

são conhecidas na cidade, após se afastarem da escola pública, decidiram pela

continuidade do ofício e criaram a escola particular Humberto de Campos, que

funcionava, inicialmente, em prédio residencial, localizado na rua Cícero Neiva,

inclusive com antigas carteiras utilizadas da escola municipal, depois transferida

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para a sua residência. Eram ministradas aulas de reforço às atividades da escola

pública, bem como “desasnando”29 crianças, moças e rapazes. Era o exercício do

magistério sob a antiga forma, em tempos de professoras normalistas, o que era

favorecido pela carência de escolas.

29 Trabalho pedagógico no sentido de fazer com que a criança aprendesse a ler e a escrever com maior rapidez.

As “Netas", na condição de respeitadas pioneiras da educação baronense,

foram responsáveis pela “escolarização” de gerações de jovens baronenses. A

Escola Humberto de Campos, fundada pelas duas irmãs, que funcionava em uma

pequena sala da casa, foi uma referência no que diz respeito ao “desasno” e

correção das crianças, impondo respeito e disciplina. Para estudar na escola, os pais

tinham que ser informados das exigências das suas criadoras, a quem os filhos

tinham que obedecer.

Minha formação escolar teve inicio na Escola Municipal que depois passou a ser do Estado. Ao concluir o primário fui estudar no Colégio Santa Teresinha na cidade de Floriano, de 1960 a 1963.A Alfabetização fiz com a professora Zuleide em 1957, se não me engano. A escola funcionava na própria casa da professora. Tinha um banco enorme encostado na parede. Ao lado tinha uma mesa grande, com a palmatória em cima e havia algumas cadeiras. O cômodo era mais ou menos de 4x 4m.Aprendi na carta de ABC o “bê a bá” quase cantado, b com a, ba-a-bá; b com e, b-é bé. Tinha que ser alto para a professora ouvir, tanto a carta de abc, quanto a tabuada. A tabuada era tomada no ritmo da palmatória porque quem não soubesse pegava bolo. Nos dias de “argumento”, era um dia de medo, dava vontade de não ir á escola.Depois, quando mudamos para escola do estado, foi retirada a palmatória. A escola era Humberto de Campos e a do Estado era a Domingos Machado, que funcionava numa casa na rua Magalhães de Almeida que hoje é residência (JOSELITA DAMASCENO).

A escola de D. Zuleide ficava em um dos cômodos da casa. Era um ambiente de 4x4m mais ou menos, com uma janela e uma porta para a rua. Tinha um banco que comportava uns 6 alunos ou mais, de um lado da sala. Em um canto ficava a mesa da professora, e em cima a palmatória. O outro espaço era quase todo tomado por cadeiras, às vezes levadas pelo próprio aluno. Eram muitos alunos lendo em voz alta, ao mesmo tempo. No final da tarde eram “tomadas” as lições. Os

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que não estivessem preparados voltavam a estudar e depois retomadas as perguntas. Às vezes, os alunos eram colocados de pé, lado a lado para serem argüidos, a cada erro levava um “bolo" de palmatória, dado pela professora ou por um dos colegas, porque se ela passasse a pergunta o que respondesse, castigava o que tinha errado (ALTANIR GOES).

Na escola de dona Zuleide uma vez eu não consegui soletrar, ela dizia e eu não repetia. Daí ela puxou tanto a minha orelha que eu fiquei traumatizada. Eu disse para minha mãe que não ia mais estudar lá, mas minha mãe me ameaçou de fazer o mesmo, caso eu insistisse em não voltar à escola. Algumas vezes eu fiquei de joelho sobre caroço de milho. Tinha uns que ficavam de joelho, sobre pedra de sal” (GRAÇA SILVA).

O “argumento” era um método em que os alunos eram agrupados por

série para responderem à tabuada, em voz alta. O que acertasse dava bolo nos

colegas que tivessem errado. Caso um aluno fosse cordial com o colega, o castigo

seria revertido e acarretaria no bolo dado pela professora. Esse rigor era tido como

necessário, para que os alunos pudessem se preparar melhor e chegar às séries

mais adiantadas. Ainda nesse período, havia outras professoras particulares, além

das “Netas”, que mantinham escolas em suas residências - algumas delas

normalistas.

O desempenho das atividades educacionais no Grupo Escolar, não era

satisfatório. Reprovação e ausências em número elevado foram resultados

apresentados entre os anos de 1958 a 1963, conforme Ata do Grupo Escolar

Domingos Machado, os quais denunciam os problemas educacionais daquele

período. Segundo Zuleide Silva, a causa dessa distorção foi o fato de os alunos

sairem para estudar na escola particular ou na Escola Paroquial, ocasionando a

transferência do alunado daquele instituto.

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Foto 3 - Apresentação cívica da Escola Pública Domingos Machado, 1943.

A Escola Paroquial Santo Antonio, com ensino de 1a a 4a série, foi criada

em 1961. pelo Padre José Almeida, vigário da Paróquia do município, que, sensível

aos problemas educacionais da época, decidiu pedir ajuda ao Conselho Estadual de

Educação para a criação de outro estabelecimento escolar. Esta escola era de

caráter filantrópico, mantida pela Paróquia Santo Antônio, que adquiriu o prédio e se

responsabilizou pela compra de material de expediente e mobília, custeada pelo

Estado, que subsidiou com recursos humanos e de grupos de auxilio,

provavelmente de outro País. Havia, ainda, o pagamento de uma taxa escolar, que,

segundo Aiída Cunha, primeira diretora da escola por quase uma década, era

simbólica.

No ano seguinte, para contornar a situação do Grupo Escolar, após

articulação entre o Governo Estadual e a Prefeitura, segundo Zuleide Silva, o

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estabelecimento foi abrigado em uma das salas do Grupo Escolar Domingos

Machado, o Jardim da Infância, de responsabilidade da Prefeitura do Município e

subsidiado pelo Estado.

Muito tempo depois, já no final da década de 1960, foram instaladas

escolas primárias, pelo município. E, em 1968, finalmente, foi implantado o ginásio,

que recebeu o nome de Ginásio Bandeirante José Sarney, cujo funcionamento foi

autorizado em 09 de abril do ano de 1968, pela Resolução N° 11/68 do Conselho

Estadual de Educação do Estado do Maranhão. Como já mencionado neste capítulo,

a sua fundação foi conseguida mediante convênio entre Prefeitura municipal e o

Estado, sendo este o único existente na cidade, por mais de 20 anos. O grande

articulador para a efetivação desse ginásio foi, também, o primeiro diretor da

instituição - Padre José de Almeida. As provas do “exame de admissão” para a 1a

série do curso ginasial foram realizas nos dias 18 e 20 de fevereiro de 1968, como

consta em Ata do referido ginásio. Sem espaço próprio para o seu funcionamento,

as turmas foram acomodadas, de início, no prédio da Escola Paroquial Santo

Antonio e, posteriormente, transferida para outro prédio, onde funcionava a

Prefeitura, à rua Seroa da Mota. O Estado não possuía recursos próprios para a

construção de prédios escolares e, até 1960, os benefícios financeiros davam-se por

meio de convênios mantidos com o Governo Federal, com intermediação do INEP

(Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos). Faltava “um plano de ação específico

no Maranhão e talvez por isso também, estivesse na dependência dos setores

político e econômico, portanto neles arrimada e a eles servindo” (BONFIM, 1985 p.

54).

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Durante o período de 1940 a 1968, no campo da educação, mesmo com o

aumento da procura por escolas, o Município de Barão de Grajaú recebeu esse

benefício circunscrito apenas ao ensino primário.

Naquele mesmo ano, foi criada a Escola Municipal Pedro Ferreira Góes,

oferecendo ensino de 1a a 4a série.

Embora esteja fora do nosso período de estudo, é pertinente o registro da

criação do Colégio Santo Antônio, pelo padre e educador José Almeida, em 1984.

Essa instituição particular de 2° grau era constituída do curso de Magistério e

Técnico em Contabilidade. Funcionava no prédio da escola primária paroquial e

recebia ajuda de deputados e senadores que concediam “bolsas de estudo” O

tempo de duração dessa escola foi curto em razão de problemas financeiros,

deixando de funcionar em 1994.

Atualmente, o Município conta com 2 estabelecimentos de Ensino Médio,

criados em datas atuais, que não conseguiram, até o presente momento, evitar a

procura de baronenses pelo sistema escolar de Floriano. A quantidade de alunos

que se deslocam para a cidade vizinha em busca desse nível de escolarização,

ainda é expressiva.

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Foto: 1 - Prédio da Prefeitura Municipal e da Escola Domingos Machado - 1947.

Fonte: Álbum do Maranhão, 1950.

4.3. Democratização da Escola e o impacto da modernidade na educação

baronense

A educação é um direito de todos e dever do Estado, mas, a história

mostra que esse direito não tem sido estendido ao conjunto da população brasileira.

No Estado Novo, foram proclamados a democratização e o

desenvolvimento da educação, mas, na prática, essas metas não se realizaram a

contento, apesar dos esforços dos dirigentes. A Constituição de 1937 estabelecia

uma educação democrática, mas, no Maranhão, por exemplo, ela ganhou “apelidos”

que reproduziam as diferenças sociais. De acordo com Figueiredo (1984), a

educação para os menos favorecidos’ ou para ‘os pés descalços’, direcionada às

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famílias pobres confirmava o desrespeito à pessoa e a desigualdade de

oportunidade educacional.

Como vimos, o Brasil nos anos de 1940 e 1950, passava por profundas

transformações políticas, sociais econômicas e culturais. Na economia, o País deixa

de ser essencialmente agrícola e passa a ser agroindustrial. No campo educacional,

vivia a euforia da política populista iniciada com o Estado Novo de Vargas e

interrompida apenas em 1964, com um novo o golpe militar, justamente quando

havia grande mobilização e intenção de promover expansão efetiva da

democratização do ensino, possibilitando o acesso das camadas sociais populares,

principalmente do Nordeste, à escola.

Para Vieira (2003), esse período foi caracterizado pela centralização e

autoritarismo, que repercutiram no campo educacional, sendo que algumas práticas

eram revestidas de populismo para esconder a ideologia autoritária.

As condições políticas do governo de Vargas foram alteradas, no inicio

dos anos de 1940, em consequência da Segunda Guerra Mundial e, a partir de

1943, surge um movimento contra a ditadura, que terminou com a deposição do

Presidente, em 2 de outubro de 1945.

Com o fim da Guerra, a tendência mundial era de redemocratização.

Nesse período, são intensos os movimentos para a constituição de governos

populares e democráticos. Entre 1945 e 1964, o Brasil foi caracterizado por estes

regimes políticos, que têm como base um sistema descentralizado, onde a

modernização do território continua sendo incentivada, desta vez, com políticas de

abertura econômica ao mercado externo e instalações de empresas estrangeiras.

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Apesar dos relativos avanços apresentados na Constituição de 1946, no

plano da educação há uma convivência da tendência liberal e conservadora. A

grande novidade está representada pelo ressurgimento da idéia de educação, como

um “direito de todos e dever do Estado”.

Nos municípios maranhenses, o ensino continuava sendo realizado, em

grande parte, por professores leigos. Segundo Figueiredo (1984),

... as cidades do Maranhão sempre foram estanques formando verdadeiras ilhas. Sem meios de comunicação, com acesso difícil, de modo especial na época invernosa, os professores não se sentiam motivados para lecionar no interior do Estado (p. 74-75).

A escola pública, antes mantida apenas pelo Município, era destinada aos

filhos de agricultores, pedreiros, estivadores, ferreiros, canoeiros e outros segmentos

sociais considerados de menores posses, "... os pobrezinhos foram atirados às

escolas municipais, criadas com este dístico ‘escola para crianças descalças”

(MOTA, 2003, p. 33), parecendo ter no interior do Estado a mesma conotação da

Capital maranhense.

Nesse período, Barão de Grajaú, recém-transformada em cidade, tenta

seguir os passos da onda de modernização e popularização do ensino. Em

decorrência desse processo de expansão do ensino primário, e após uma

negociação para divisão dos custos, é instalada uma escola no interior do Município,

e promovida a existente na sede para o formato de Escola Reunida, para onde

passaram a ser destinadas as primeiras professoras normalistas contratadas pelo

Estado. Ao Município, cabia a responsabilidade com a manutenção do prédio e com

o material didático Mesmo assim, os recursos eram poucos, como poucas eram,

também, as escolas.

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A escola pública de Barão de Grajaú, denominada Grupo Escolar

Domingos Machado, uma inovação na educação baronense, não tinha estrutura

para receber toda a demanda, de acordo com informações colhidas na entrevista

que realizamos com Efigênia Ramos. Desse modo, os pais pagavam aos

professores ou a criança ficava sem estudar.

Eram responsabilidade das professoras, cabia a educação, a disciplina e a

higiene, tendo, em alguns casos, ainda nos primeiros anos, que fazer limpeza

corporal de alunos.

Muitas vezes a criança chegava na escola em um estado tão deplorável no que diz respeito à higiene corporal que era impossível dar aula para aquele aluno. Era sujeira em todo o corpo, olhos remelentos e fediam. Então nós pegávamos essas crianças e dávamos banho no rio (EFIGÊNIA RAMOS, 2004).

Desprovidas de apoio adequado do governo do Estado, as professoras

responsáveis pela mudança da qualidade do ensino recorriam ao improviso e à

criatividade. A consolidação do novo, o traço de modernidade, só ocorreu com

relação à mudança para a sede própria, num prédio construído para alojar o Grupo

Escolar Domingos Machado, recebido como símbolo importante da mudança

implementada, ao lado de medidas que promoveram a contratação de professoras

normalistas.

Mesmo com o número alarmante de evasão e reprovação, a procura pela

escola era crescente, porém, a falta de salas inviabilizava a aceitação de todos os

pedidos de matricula. A necessidade de expansão do atendimento da parcela

escolar excedente foi solucionada com a instituição de dois turnos, a partir de 1959,

como consta em Ata da Escola (1959), acarretando a necessidade da contratação

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ou remanejamento de pessoal Antes, a escola só funcionava no turno da manhã.

Em virtude dessa mudança, algumas professoras residentes em Floriano que

trabalhavam em outras cidades do Maranhão, foram transferidas para o Grupo

Escolar Domingos Machado. Essas professoras eram contratadas pelo Estado do

Maranhão para ministrar aulas nas escolas de municípios do sertão, pois as

professoras, segundo Idalina Resende, que faziam o curso Normal em Caxias ou

São Luis, não aceitavam dar aula por essas bandas. As prefeituras solicitavam e o

Estado intermediava. Na apreciação de Motta (2003), esse assunto era antigo no

Estado, já no começo do século, e se estendeu por muitas décadas. As professoras

eram criticadas pelo governo, em 1910, que as acusava de serem ‘refratárias à vida

no interior’.

Sair do seio familiar se deslocando para lugares desconhecidos, de infra-estrutura precária, era remontar aos tempos heróicos dos jesuítas em outros continentes (que não fosse o europeu) ou dos habitantes na expansão do território brasileiro, resguardadas as proporções de época e espaço (MOTTA, 2003, p. 48).

As críticas também foram aplicadas, pelo governo piauiense, no começo

do século, à ação das normalistas que, por sua vez, segundo Lopes (2001),

mostravam descontentamento com as condições de trabalho e com o salário pago

pelo governo. Nesse clima de críticas e insatisfações, as professoras piauienses

procuravam no Estado vizinho o exercício da profissão. Efigênia Ramos, nossa

entrevistada, confirma que o baixo salário foi um dos motivos que levou as

professoras de Floriano a exercerem a função na escola de Barão de Grajaú

Dados oficiais do MEC (1961) mostram que, em 1958, de 2.913 docentes,

somente 669 eram normalistas, e, destas, 249 ficavam na Capital, mas, não era o

caso de Barao de Grajaú. Já por esse ano, a escola tinha o seu quadro docente

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constituído por uma maioria de professoras normalistas. As professoras leigas

tinham sido mantidas como reconhecimento pelo exercício da profissão e pela

experiência, uma vez que já trabalhavam há anos na escola.

Mesmo com o número alarmante de evasão e reprovação, a procura pela

escola era crescente, porém, a falta de salas inviabilizava a aceitação de todos os

pedidos de matrícula. Como já mencionamos, a necessidade de expansão do

atendimento da parcela escolar excedente foi solucionada com a instituição de dois

turnos a partir de 1959, como consta em Ata da Escola (1959), acarretando a

necessidade da contratação ou remanejamento de pessoal. Antes, a escola só

funcionava no turno da manhã. Em virtude dessa mudança, algumas professoras de

Floriano que trabalhavam em outras cidades do Maranhão foram transferidas para o

Grupo Escoiar Domingos Machado.

O problema maior estava na falta de estrutura das escolas. O inspetor de

ensino da época, Elpídio Hermes de Carvalho30, denuncia o fato de que as

professoras não dispõem de material de expediente nem didático, escrevendo sobre

o assunto em seu relatório nos seguintes termos:

30 Termo de Inspeção no Grupo Escolar Domingos Machado, 1959.

Prédio - Poderia estar em melhores condições se não fosse cedido para bailes; necessita de uma limpeza.Mobiliário - Deficiente, tendo em vista o número de alunos matriculados.[...] As professoras não dispõem de material de expediente nem didático.

Os dados encontrados em Livro de Ata do Grupo Escolar, no período

compreendido a 1960-1963, confirmam a carência do ensino, em Barão de Grajaú. A

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evasão era alarmante, no Município. Em 1960, das 143 alunos matriculados, apenas

93 foram aprovados; os outros 50 foram reprovados ou abandonaram a escola. No

ano seguinte, das 17 matriculas feitas na 4a série, ficaram apenas 5, dos quais 2

foram reprovados e na 5a série, dos 5 alunos matriculados, somente 2 concluíram.

Outro dado colhido foi que, das 58 matrículas realizadas na 1a série de 1960, apenas

16 chegaram à 4a série em 1963. Outro dado colhido permitia ver-se que, das 58

matrículas realizadas na 1[ série de 1960, apenas 16 chegaram à 4a série em 1963.

De acordo com uma Ata do Grupo Escolar Domingos Machado,

pesquisada na Secretaria da Escola, datada de 16 de fevereiro de 1960, foi

inaugurado um Grupo Escolar, denominado Clodoaldo Cardoso. Sobre o assunto,

consta no Diário Oficial o decreto n° 1653, de 27 de fevereiro de 1960, o qual

transcreveremos:

CRIA um Grupo Escolar e dá outras providências.

O Governador do Estado do Maranhão, no uso de suas atribuições,

DECRETA

Art. 1o - Fica criado um Grupo Escolar que funcionará em turno vespertino no Grupo Escolar “Domingos Machado”, em Barão de Grajaú, com a denominação de “Dr. Clodoaldo Cardoso”.

Art. 2o - Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio do Governo do Maranhão, em São Luis, 27 de fevereiro de 1960, 139° da Independência e 72° da república.

JOSÉ DE MATOS CARVALHO

Eloy Coelho Neto

As professoras por nós entrevistadas, mesmo constando seus nomes em

Ata, já que ministravam aulas no Grupo Escolar Domingos Machado, não se

lembraram daquele momento. Idalina Menezes, uma das professoras designadas

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para o Grupo Escolar criado, revelou que devia ser mais um dos artifícios do

governo para conseguir mais verba federal, visto que “às vezes, a existência era

apenas nominal”. Os pais e ex-alunos também não conseguiram se lembrar desse

estabelecimento de ensino.

No mesmo Livro de Ata (1962), há uma indicação para o declínio no

número de matrículas, pois o funcionamento das aulas se dava em um só um turno,

com inicio às 7h30min. Segundo o Inspetor e grupo de professores que assinaram a

referida Ata, essa medida foi adotada por causa da distância da residência dos

alunos.

Ressaltamos que, se comparado o número de professores com o número

de turmas, havia clara desproporção, o que poderá justificar a “criação" de um grupo,

embora, na prática, existisse apenas uma escola. Eram 6 turmas funcionando e 10

professoras lotadas no antigo estabelecimento. Ao rememorar esse período, a

professora 'dalina Resende não teceu comentários, lembrando que, quando havia

afastamento de professora para tratamento de saúde, sempre havia uma colega

para substituí-la.

No cenário nacional, segundo Romanelli (1979), a “normalidade

democrática, o nacionalismo e o populismo” e o “reinicio das lutas ideológicas", no

campo da educação, caracterizavam o período de 1946 a 1961, culminando com a

promulgação da Lei n° 4.024/61- LDB.

Diante das mobilizações ocorridas, esse período histórico que se estende

até 1964 ganhou algumas denominações apresentadas em Vieira (2003), tais como:

‘nova democracia’, ‘período democrático’, redemocratização, ‘república populista’ e

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“democracia limitada”. Foi também um momento de muitas discussões e

divergências “traduzido no conflito centralização-descentralização" acerca do

sistema educacional.

Em 31 de março de 1964, o presidente da República, João Goulart, é

deposto pelos militares, começando outra fase política na história do País. A luta

pela democratização após o Estado Novo sofre um novo golpe e o Brasil mergulha

novamente numa fase ditatorial em que os militares quase sempre se negaram a

assumir expressamente sua feição autoritária.

Nesse período, que vai de 1964 a 1982, o Brasil foi marcado pelo

autoritarismo político, com governos altamente centralizados, mas, mesmo assim,

mantém-se a política de uma modernização conservadora do território. Ao longo de

duas décadas, durante o referido regime, na análise de Ghiraldelli Jr. (2001), o

ensino serviu mais às elites do que às classes populares. O referido autor faz a

seguinte análise sobre a situação da educação no período:

... se pautou em termos educacionais pela repressão, privatização de ensino, exclusão de boa parcela das classes populares do ensino elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profissionalizante, tecnicismo pedagógico e desmobilização do magistério através de abundante e confusa legislação educacional (p. 163).

Durante a ditadura militar, novos projetos são elaborados com a finalidade

de acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico, entrando numa fase conhecida

como “milagre econômico". A industrialização e a urbanização alcançam avanços.

Paralelamente, segundo Ribeiro (1995), há “uma pressão enorme na competição por

empregos" e toma-se necessária a adoção de medidas para atender às

necessidades dos diversos segmentos sociais. O País se integra às grandes

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economias mundiais e realiza projetos de grande porte acelerando o ritmo de

desenvolvimento.

Para fins de orientação política, foi outorgada uma Constituição em 24 de

janeiro de 1967, alterada por uma Emenda Constitucional, em 17 de outubro de

1969. No plano da educação básica, mudanças efetivas surgiram somente a partir

de 1971, quando foram fixadas as novas diretrizes e bases para o ensino de 1o e 2o

grau, pela Lei 5. 692. Antes, a educação era regida por decretos-lei.

A democracia do ensino resumia-se basicamente na promessa de

expansão da rede escolar e no incremento de novas matrículas no sistema

educacional. Após 1964, a educação nacional é vista como um investimento

produtivo para o País. Considerada como um veículo dinamizador do

desenvolvimento, a educação foi posta, pelo governo maranhense, como prioridade

no período de 1965 a 1970. Com esse objetivo, foram elaborados inúmeros projetos

educacionais, que, ideologicamente, anunciavam a “democratização das

oportunidades”, tornando mais fácil a admissão de todos à escola momento em que,

finalmente, se conseguiu implantar em Barão de Grajaú uma escola de 5a a 8a série.

Com a criação da SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do

Nordeste - em 1959, com o objetivo de promover o desenvolvimento regional e a

interiorização econômica, territorial e demográfica, alguns benefícios chegaram à

Barão de Grajaú. Por intermédio da SUDENE foram canalizados os recursos

financeiros para esse investimento. Foi quando se verificou a instalação de energia

elétrica na cidade, que motivou a implantação de uma escola primária, a contratação

de professoras e a alteração do número de vagas nas escolas. Dessa forma, a

década de 1960 começa com a instituição de mais uma escola primária para atender

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a população estudantil baronense - a Escola Paroquial - e, em 1967, foram

instituídas um ginásio e uma escola primária municipal, esta denominada Pedro

Ferreira Góes.

Com o projeto educacional para o ‘Milagre Maranhense’, denominado de

Projeto Bandeirante, é, finalmente, implantado um ginásio na cidade - outro marco

na história da educação baronense. O primeiro foi a construção do Grupo Escolar

Domingos Machado. Mas, mesmo com recursos do MEC, o Município continuou

sem escolas de ensino médio. Este nível de ensino só foi criado em 1977, por

iniciativa particular.

De qualquer forma, as poucas instituições escolares então instaladas

alteraram significativamente o setor educacional de Barão de Grajaú. O Ginásio

representou a inovação, o desenvolvimento, a modernidade - ainda que tardia - em

relação à necessidade de escolas. Na verdade, a superação do antigo problema de

migração para escolas de Floriano foi apenas parcial. As turmas eram pequenas -

apenas duas de 1o ano, que corresponde, atualmente, a 5a série - eram pequenas,

pela falta de material de expediente e humano, já que a verba destinada à instituição

não era suficiente para cobrir gastos na compra desse material e na contratação de

professores e pessoal para a parte administrativa. O local de funcionamento, não era

definitivo e as aulas só aconteciam no tumo da noite, contribuindo, também, para a

limitação de vagas e redução das turmas. A situação de oferta do ensino ginasial

fazia com que muitos jovens continuassem estudando em escolas de Floriano.

Dentre as inovações apresentadas pelas professoras do Grupo Escolar -

lembradas por elas com muito orgulho - estão as festividades cívicas e

comemorativas, como os dias das Mães, das Crianças, da Bandeira, do

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“Descobrimento do Brasil”, da Independência e tantos outros. Ainda, na década de

1960, foram sendo introduzidas muitas novidades nas atividades escolares, como

brincadeiras, jogos, exposições de trabalhos manuais e as festas de encerramento

do período letivo, que eram outro motivo de orgulho e de elogios por parte dos pais e

de todos da cidade.

Nós organizávamos festas e brincadeiras com os alunos nas datas comemorativas. Havia desfiles cívicos e o hino nacional, da bandeira e do Maranhão eram cantados diariamente (EFIGÊNIA RAMOS).Eram realizadas passeatas nas datas cívicas e no dia das mães e das crianças. As exposições feitas na escola no final do ano atraiam pais e curiosos que iam apreciar os trabalhos dos alunos, porque na verdade eram muito bonitos (AILDA CUNHA).

O orgulho dessas ações foi estendido aos pais e alunos, que sentiam

curiosidade e também queriam estar mais presentes e participar dos eventos

escolares. A criatividade era uma das características dessa atividade, como lembra

Graça Silva:

No verão, o rio secava e em frente a casa do Sr. Ranulfo, formava uma praia. Lá eram feitas apresentações de dança da fita, brincadeiras, jogos de queimada, corrida de saco e muitas outras brincadeiras.Lembro que reunia muita gente para assistir, entre alunos e pais de alunos.Interessante, também eram os trabalhos manuais que nós fazíamos na 5a feira. Esse era o dia das “artes", quando eram feitos os bordados cordão de ouro e ponto cheio. Tinha ainda os trabalhos com materiais da terra. Os meninos faziam carro, canoa e gaiola de buriti. O uso de materiais da região era muito presente nos trabalhos da escola. Depois do recreio era outro momento do dia. A gente ia declamar e quem não soubesse ia cantar. Tinha ainda os dramas realizados na Escola Paroquial.

Com essas atividades, o Grupo Escolar e a Escola Paroquial se

destacavam pela qualidade da educação e funcionavam como centro cultural, o que

reforçava a importância da escola e sua ligação com o patriotismo e o

desenvolvimento.

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Aprender a ler, escrever e contar era uma idéia do passado. Para os pais,

estudar tinha agora outra significação. Era preciso aprender para competir. A

concepção capitalista impregnava as mentes e despertava novos desejos,

transformando a maneira de pensar das pessoas de todos os segmentos sociais.

Como sabemos, a educação é entendida como vital para a dignidade, cidadania e

para o enriquecimento. As normalistas, com a realização de atividades inovadoras,

eram as principais agentes da mudança que estava acontecendo na cidade de

Barão de Grajaú.

4.4. Outro lado, outras escolas: início da migração de alunos

Como vimos, o processo de instalação de escolas em Barão de Grajaú foi

bastante lento. O baixo investimento dos poderes públicos estadual e municipal e as

condições econômico-financeiras do Município não alentavam a dinâmica

educacional na cidade. Até 1960, havia somente uma escola primária, na sede do

município, para atender à população escolarizável. Na zona rural, a dificuldade era

ainda maior. Houve uma demora de quase duas décadas, após a criação de vila e

município, para que este fosse contemplado com a instalação de uma escola

pública.Vimos também que, apesar dos esforços governamentais e da ampliação de

escolas, pouco foi feito para diminuir a carência de escolas e Barão de Grajaú

passou outro período considerável, até chegar a receber uma escola de ensino

fundamental; o que foi ainda mais demorado envolve a criação do ensino médio.

Essas dificuldades são sentidas, até mesmo pelos professores, na época,

como declara Zuleide Silva:

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O ensino era atrasado, eram muitos alunos e não tinha divisão de turma. Adultos estudavam com crianças, as condições de funcionamento eram deficientes e as professoras tinham um baixo salário.

Idalina Resende (2004) reforça a opinião de Zuleide Silva, no que diz

respeito às dificuldades enfrentadas pelas professoras na escola de Barão de

Grajaú.

Logo que cheguei a Barão de Grajaú, a escola funcionava precariamente. Muitas vezes tínhamos que comprar lápis e cadernos para as crianças que não tinham condições e pedíamos livros nas escolas de Floriano ou para os professores de lá para distribuir com nossos alunos até que chegassem os livros de São Luis ou então ensinávamos o que para nós era o conveniente, sem nenhuma orientação pedagógica.

Longe do centro das decisões políticas estaduais, como foi aludido em

capítulo anterior, o Município tinha a vantagem de situar-se em frente a uma das

maiores cidades do Piauí, que, pelo desempenho econômico apresentado, parecia

ter as atenções do governo estadual. As informações dos fatos ocorridos ou

divulgados no Piauí chegavam ao Município baronense de forma mais rápida do que

aqueles veiculados no âmbito do próprio Estado do Maranhão, possibilitando a

efetivação de laços mais consistentes entre Barão de Grajaú e o Estado confinante.

Zuleide Silva relata acerca do acesso aos meios de comunicação escritos daquela

época:

Em 1940 não tinha rádio, mas as informações chegavam através de jornais trazidos de Teresina e de São Luis, que vinham nas embarcações, só que de Teresina era recebido antes. Poucos liam. A maioria não sabia ler e outros não se interessaram.

Da pequena cidade de Barão de Grajaú, os moradores assistiam à

movimentação de barcos e balsas, transportando pessoas e mercadorias, num

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intercâmbio não apenas comercial, mas também cultural. As informações eram

colhidas através do rádio e por meio dos viajantes, que sempre traziam novidades e

informações do Brasil e do mundo, aguçando a curiosidade e, de alguma forma,

alterando os hábitos e os modos de pensar, ensejando sonhos e alimentando sua

realização. Esses sonhos, entretanto, eram feitos com os pés no chão. Aquelas

pessoas que viveram os anos 1940, 50 e 1960 amadureciam cedo para o trabalho e,

assim, preferiam ser cautelosas e aguardar a chegada de uma oportunidade de

estudos e de trabalho.

Nos anos 1940 e 1950 há indícios, da existência em Barão de Grajaú, de

uma estrutura social e econômica em transformação, onde o comércio ganhava

destaque na economia local; no entanto, a maioria da população praticava o

extrativismo vegetal, o cultivo de produtos agrícolas e de pequenos serviços. Os

poucos comerciantes que havia no Município tinham vínculo com a política e com a

administração municipal.

Dados do IBGE (1959) apontam que o extrativismo vegetal era a principal

atividade econômica do Município de Barão de Grajaú, que, inclusive, já contava

com algumas usinas de beneficiamento de arroz, algodão e babaçu, o que

movimentava o comércio local e, principalmente, da cidade vizinha, Floriano, que, de

acordo com Lopes (2001), tinha uma economia baseada na exportação de produtos

do extrativismo, sobretudo, da borracha de maniçoba, cera de carnaúba e coco

babaçu.

Pessoas ligadas a esse ramo de negócio colocavam seus filhos para

estudar nas escolas de Floriano. Essa atitude comum dos pais desfavorecia, de

certa forma, a criação de escolas em Barão de Grajaú e contribuía para reforçar a

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saída de muitos jovens para a outra cidade, em busca de escolarização. A escola

pública em Barão de Grajaú continuava funcionando em condições precárias para

atender a parcela da população mais pobre da Cidade.

Distante da Capital do Maranhão e bem mais próximo da Capital

piauiense, Barão de Grajaú apresenta algumas particularidades, históricas e

culturais, que se aproximavam mais do estado vizinho. Havia um sentimento confuso

de que o Município fosse considerado maranhense-piauiense ou nem maranhense,

nem piauiense. Mesmo bem posicionado geograficamente, situado na beira do rio

por onde circulavam pessoas, mercadorias e novidades, parecia estar

paradoxalmente, destinado à estagnação, considerando-se que a utilização fluvial

parnaibana foi vital para o Piauí, como via de conexão com outras partes do Brasil e

do mundo. O Maranhão, voltado mais para o litoral e recorrendo ao uso de outros

rios, não precisou do dito rio para escoar seus produtos.

Ainda há o fato de considerar que, embora não formassem grupos

políticos hegemônicos, algumas pessoas ganharam prestígio no Município de Barão

de Grajaú, por ter algum vínculo comercial muito forte com os florianenses, sendo

até mesmo por eles apoiados, politicamente em troca de alguns benefícios.

Influenciados pelo crescimento da cidade vizinha, induzidos por

pensamentos de superação dos problemas pessoais e familiares, além de serem

dotados de uma força inerente aos seres humanos, muitos pais lançavam a “sorte"

no futuro dos filhos. Colocar os filhos para estudar em Floriano era uma forma de

não-acomodação com o estado de falta de escolas em Barão de Grajaú para

complementação do primário, único nível de escolarização existente na cidade, até o

final da década de 1960. Para tanto, tal investimento exigia mais trabalho e mais

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despesas, já que, geralmente, as famílias eram numerosas. Os custos com os filhos

estudando na outra cidade eram contabilizados a partir da passagem do rio, cujo

pagamento ocorria, em regra, mensalmente. Para os baronenses, fazer o ginásio,

naquela época, era muito dispendioso; assim, quem não podia pagar a escola ou a

canoa parava de estudar. Havia o contrato para pagamento mensal com a escola e

com o canoeiro. O critério do pagamento desse serviço por mês dava-se por conta

da baixa inflação do período, sendo o motivo de sua aceitação a grande confiança

depositada nos pais dos usuários, no caso, dos estudantes.

Comecei a ser canoeiro com a idade de 16 anos em 1942. Nesse período, já passava estudante de Barão de Grajaú, para estudar em Floriano. Outros canoeiros mais antigos como Tunico, Zé Vitorio e o Cristiano já faziam esse mesmo trabalho passando estudantes que só pagavam com um mês depois. Na “era” de 50, já tinha alguns estudando lá. Eu passava muitos alunos dessa forma, por mês (ÂNGELO, “Major").

Outras despesas com o fardamento, material escolar e com a mensalidade

da Escola oneravam ainda mais o custo/educação, pois, embora fosse melhor

atendida pelo governo do Estado, Floriano também apresentava algumas

deficiências e o ensino ginasial era de iniciativa particular, sendo que, nos anos de

1940, 1950 e até 1961, a freqüência era obrigatoriamente assegurada por

pagamento mensal.

Vale ressaltar que a maioria dos estudantes nesses anos eram filhos de

pais pobres, por isso estudavam o primário em escolas de Barão de Grajaú. A

minoria, que podia pagar escolas de 1® a 4a série em Floriano, era de filhos de

pessoas ligadas ao comércio, agricultura e criação de gado. Outro detalhe

importante observado neste estudo é que alguns estudantes iniciavam seus estudos

na fazenda ou local de moradia na zona rural, onde aprendiam a ler, escrever e

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contar e, depois, se transferiam para a Sede do Município, à procura de um espaço

escolar que lhes oferecesse mais conhecimentos. Ao deixar a escola de primeiras

letras, muitos deles estavam aptos a cursar o ginasial. Afora isso, a cidade de Barão

de Grajaú nâo tinha muito a oferecer, como indica Paulino Carvalho:

A escola em Barão de Grajaú era de péssima qualidade.Isso fazia com que os estudantes se deslocassem para estudar em Floriano, com toda dificuldade, passando por canoas exposta ao sol e a chuva. Não era como hoje que as barcas são cobertas e com motor. Na época era a remo e a vela. E para os alunos era uma verdadeira maratona para chegar a escola. De manhã cedo ia para a educação física e voltava, para, depois de um café, retomar correndo para a escola. Era um negócio complicado.

A estratégia para alcançar tal proeza justificava a vontade de estudar, de

“ser alguém” e também de ver outra realidade bem diferente da que era vivida em

Barão de Grajaú. Para Geertz (1997), “[...] as estratégias são do tipo que inspiram

ações; e as ações são do tipo que compensam por si mesmas - pourle sporf’.

Estudar do outro lado do rio, ou seja, em Floriano, significava muito para

os estudantes da cidade de Barão de Grajaú. mais do que um simples atravessar de

fronteiras, para eles, aquele deslocamento representava uma espécie de superação

dos seus próprios limites. Era viver em dois rnundos: o mundo real e o mundo dos

sonhos. O sonho como modalidade de ver a vida e de interpretá-la, “com resíduos

insubmissos da racionalidade e dos poderes dela derivados” (MARTINS, 2000,

p.68), porém, invadindo a vida cotidiana de entusiasmo e determinação.

Com a vida pacata, a dureza do dia-a-dia, a aspiração dos pais, mesmo

vivendo com toda dificuldade, esses jovens não interrompiam o desejo de uma

realização pessoal, voltados para o binômio trabalho-estudo.

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Para conseguir um trabalho no serviço público, ou fora dele em uma das

duas cidades, as possibilidades para quem não tinha um “padrinho” eram remotas,

portanto a solução poderia estar na educação formal, segundo assevera um dos

nossos entrevistados, Salomão Pires.

O que queríamos era ter um bom emprego, e naquela época, para quem não tinha um “padrinho” político, era quase impossível conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Somente através de estudo e dedicação é que podíamos conseguir realizar esse desejo.

I

As peculiaridades geográficas, econômicas e políticas da pequena cidade

de Barão de Grajaú vão determinar para os seus habitantes uma apreciação

diferente do seu significado como baronenses, que se sentiam como moradores de

uma área periférica. Assim, estudar em Floriano seria estar em contato direto com o

menos arcaico e rudimentar. Querer e sentir a necessidade de estar mais próximo

da agitação era uma outra forma de ver as mudanças e delas ser partícipe; era estar

“em voga” e poder elevar o seu lugar social ou status. Procuravam uma

transformação para tirar a impressão negativa de ser “baronense”, considerado

pobre e atrasado, construindo outra identidade, contudo, sem deixarem de ser

“maranhenses".

Em meio a esta ambigüidade, os baronenses vão se identificando mais

com aqueles com quem têm maior proximidade, tecendo afinidades e estabelecendo

valores. Como nas relações sociais há sempre uma manifestação de conteúdo

simbólico, concordamos com as considerações de Praxedes (2003), quando

assinala que “ser é estar em relação e possuir uma posição com um significado para

o outro”. Nesse sentido, era imprescindível a conquista de posições pelos

baronenses, dentro do espaço social do Estado vizinho.

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O perfil dos primeiros baronenses a estudar em Floriano, pelo que foi

constatado, era constituído por filhos de trabalhadores de várias atividades, mas,

nas décadas de 1940 a 1950, apenas procuravam serviços naquela cidade aqueles

cujos pais tinham melhor condição financeira, em geral, comerciantes e agricultores

que mantinham intercâmbio com a praça comercial de Floriano. Na condição de

possuidores de terras, estavam em contato constante com as novidades que

chegavam na cidade. O “novo” ganhava uma feição de desejo que passava para a

tentativa de alcançá-lo. Muitos jovens se desvencilharam da dependência e do

atraso e conseguiram enfrentar as oportunidades oferecidas, primeiro em Barão de

Grajaú, depois, em Floriano, para então, sair para pontos mais distantes, na busca

da realização de um sonho.

Emergem dessas análises as representações de sucesso feitas por meio

da educação, respaldadas no desejo de apresentar-se como moderno e de legitimar

seu espaço no "campo social” como possuidor de um certo "capital cultural”31.

. Bourdieu compreende que os atores sociais estão inseridos espacialmente em determinados campos sociais, a posse de grandezas de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico etc.) e o habitus de cada ator social condiciona seu posiciomento espacial e, na luta social, identifica-se com sua classe social. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. Tradução de Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996

Foram necessários 50 anos, após a sua elevação à cidade, para que os

baronenses pudessem finalmente completar seus estudos na sua cidade de origem.

Isso ocorreu, quando muitos já haviam desistido, quando tantos já haviam concluído

na vizinha Floriano e outros tantos tinham partido para a luta em lugares mais

distantes. É diante dessa ausência de uma ação mais efetiva do Estado que

voltamos nosso olhar para a importância da rede escolar na cidade de Floriano e o

modo peculiar de educação escolar de baronenses. A rede de ensino da vizinha

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cidade supria as necessidades também de baronenses, que embora tivessem que

redobrar seus esforços, muitos não desanimaram e procuraram, ali, a sua realização

pessoal e profissional.

Paulino Carvalho destaca que o ensino ministrado na escola de Barão de

Grajaú era atrasado, quando comparado ao que havia em Floriano. Para ele, era

necessário sair de Barão de Grajaú, em virtude de não haver na cidade “um ensino

de boa qualidade”. A causa não eram as professoras, mas as precárias condições

de funcionamento do prédio escolar e o pouco investimento de recursos financeiros

que impossibilitavam a qualidade do trabalho docente.

O relato de Salomão Pires, a esse respeito, confirma a necessidade de

buscar o ensino na cidade vizinha.

Atravessar o rio para estudar em Floriano era muito dispendioso, mas tínhamos que fazer isso porque Barão de Grajaú não tinha escolas organizadas e eram pouco valorizadas. Era um verdadeiro descaso. Nem me lembro dessas escolas e nem de professoras daquela época na cidade. Os nossos olhos eram voltados para as escolas de Floriano que eram de boa qualidade.

Os depoentes são unânimes em evidenciar o fato de que, ao terminar o

primário ou após freqüentar as aulas particulares e aprender a ler, escrever e contar,

a criança estava apta a cursar o ginásio, porém não havia o curso ginasial em Barão

de Grajaú.

Tudo isso seria um problema ainda maior se não tivesse o Município uma

posição geográfica distinta de outras tantas, destacando-se pela proximidade com a

cidade de Floriano, que desde a década de 1930, despontava como “celeiro”

educacional. Ali, o crescimento do comércio favorecia a ampliação de escolas,

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notadamente na esfera de iniciativa privada, dando maior visibilidade cidade que,

vai ganhando prestígio dentro do estado do Piauí e se consolidando como

município-pólo, em relação aos municípios piauienses e maranhenses

circunvizinhps. Assim, paulatinamente, Floriano recebeu mais atenção do governo

do Estado e se beneficiou com algumas escolas, que se consagraram pelo ensino

de boa qualidade.

As primeiras e mais importantes escolas de Floriano apareceram já nos

primeiros anos do século XX, graças ao esforço de particulares e religiosos que,

imbuídos da idéia positivista de educação, exerceram grande influência no

desenvolvimento sociocultural da cidade. Esses homens, pioneiros na educação e

no desenvolvimento de Floriano, são hoje referência indispensável na história do

Município. No passado, foram admirados e respeitados.

A primeira grande escola da “Princesa do Sul” - como é conhecida

Floriano na região - foi fundada em 24 de fevereiro de 1916, pelo Monsenhor

Lindolfo Uchoa32, e funcionava em regime de internato e semi-internato. Em um

folheto, editado pelo DNER — Serviços de Relações Públicas (1978), colhemos uma

citação do famoso “Colégio 24 de Fevereiro”, feita por um ex-aluno do colégio, o

então governador do Maranhão, Pedro Neiva de Santana. Em outros depoimentos,

durante a pesquisa, encontramos outros ex-alunos que, por morarem próximo ao

Colégio, estudavam em regime de semi-internato. O Colégio não sobreviveu ao

aparecimento de outros e fechou as suas portas antes de 1930.

32 Jornal Voz de Floriano. Ano IV - n° 231 de 08 de julho de 1997.

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Em 1928, foi criada a primeira escola pública de Floriano, o Grupo Escolar

Agrônomo Parentes, pelo Decreto n° 1006, de 3 de novembro daquele ano33.

Encontramos, em Barão de Grajaú, antigos alunos da referida escola.

’3 LOPES. Tese de Doutorado, 2001 p. 206.34 Idem, p. 90.35 Jornal de Voz de Floriano. Ano IV - n° 231, de 08 de julho de 1997.

O período compreendido pelas décadas de 1930 a 1960 foi frutífero para o

crescimento de institutos escolares. Notadamente, havia um propósito de elevar a

condição de liderança de Floriano no setor educacional e, isso, consequentemente,

vai levar esse Município a consolidar-se como “cabeça de região”.

Em 1930, foram instalados o Ginásio - “Liceu de Floriano” - e a Escola

Normal Municipal de Floriano34. A Escola Normal foi equiparada à escola de

Teresina, em 1931, pelo decreto n° 1247, de 11 de março, daquele ano, com a

denominação de Escola Normal Regional de Floriano.

Cinco anos depois da criação do liceu, o professor José Raimundo

Vasconcelos funda uma escola primária, com o nome de Instituto Santa Teresinha.

No ano seguinte, surgiu outra escola primária, fundada por Mirtila Cutrim35.

O Instituto Santa Teresinha foi adquirido por compra e venda, pelo Dr.

Manoel Sobral Neto, em 1938, que o transformou em ginásio, no ano de 1941. Esse

ginásio foi um dos maiores referenciais da educação florianense. Paulino Carvalho,

após os estudos iniciais na Fazenda Jatobá, de propriedade do seu pai, relata o

seguinte:

Os meus estudos de fato, foram iniciados com uma professora leiga, plenamente leiga, uma parente, que foi quem primeiro me ensinou as

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letras do ABC. Posteriormente, minha irmã Joana que havia cursado, mais não terminado o antigo curso normal em Floriano. Era paga pela Prefeitura. Nessa época, eu e outros parentes, dentre os quais eu citaria aqui Salomão Pires que também foi auditor fiscal como eu, e aqui nós estudamos o suficiente para chegar até Floriano para estudar no Instituto Santa Teresinha, denominação da época. Este Instituto, que posteriormente passou à ginásio. Nós fizemos o primário, começando por seções da época que era ABC, e depois um 2° até o 5o ano. Feito este período chamado seção B fui até o 5o ano. Nesse período, eu morava em Barão de Grajaú na casa da tia Honorata Resende, posteriormente, por ser mais prático fui morar em Floriano porque não havia ponte, nem transporte de forma alguma, você tinha que se deslocar de Barão de Grajaú até o ginásio Santa Teresinha que ficava na antiga praça do mercado, onde hoje está a Câmara Municipal, e tinha que ser a pé, o que tornava muito cansativo, já que a aula iniciava às 7h00 da manhã. Posteriormente, meu pai me botou na casa de um outro amigo por mais um ano, que foi o ano de 1942 e de 1943 a 1948 onde fiz o exame de admissão para o 1o ano ginasial até o 2o ano. O meu irmão terminou os 4 anos, mas eu fiz até o 2o ano, o colégio era um dos melhores da região.Alguns alunos do sul do Piauí, do Maranhão e até de Goiás vinham estudar em Floriano, porque não havia uma escola do nível do Santa Teresinha, o que atraia os alunos e propiciava aos pais para ali colocarem seus filhos. Também tinha sistema de internato. Meu pai perguntou se queria estudar interno, mas eu só tinha 12 anos e não aceitei e a pensão ficava perto do ginásio. Lá (no ginásio) aprendíamos de tudo. Eles, o diretor e professores tinham tanto gosto por aquilo que chegavam a ensinar coisas hilárias como, por exemplo: trazer um telefone para a sala de aula e ensinar como se telefonava, em Floriano que não tinha telefone. Quem tinha visto algum telefone era em cinema ou coisa mais ou menos assim. Ensinavam a telefonar e até a entrar no mar: olha você mergulha ou salta quando vier a onda. Coisas bobas, mas de uma sabedoria que ou refuto importantíssima. Tinha tudo. Era dirigido no sentido da pessoa saber viver. Ensinavam como fazer um telegrama, carta e outros. Até letras exóticas com o paleógrafo, que tinha todo tipo de letra como na época predominava. Era escrita a mão e de diferentes formas e todos tinham que conhecer e saber ler. Diferentes das letras escritas à máquina onde todas as letras são iguais. Cada pessoa tem uma letra diferente e no primário já aprendemos a ler todo tipo de letra.

Também merecem destaque a Escola Imaculada Conceição, fundada em

1946, pela prof* Raimunda da Silva Carvalho36; a Escola Técnica de Comércio de

36Informação prestada pela irmã da fundadora e proprietária da Escola, Flory Carvalho.Jornal Voz de Floriano, Ano IV - n° 231, 08 de julho de 1997.

Floriano37 fundada por Dr. Manoel Sobral Neto, em 1950, o Educandário Santa

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Joana D’Arc38, com data de fundação em 31 de março de 1951 e o Colégio Joana

3839 Colhida através de informações com familiares do fundador e proprietário da Escola, já extinta. Informação adquirida na secretaria da Escola em 2005.

Leal39 em 1952.

Com o impulso educacional, muitos pais de família de Barão de Grajaú

colocavam os filhos para estudar em uma dessas escolas. Como, porém, eram

escolas particulares, eram poucos os que procuravam esses serviços educacionais

em Floriano.

As escolas aqui mencionadas tiveram no seu quadro discente filhos de

pequenos comerciantes, lavradores, criadores de gado. Vicente Almeida relata a sua

escolarização em Floriano, após o aprendizado das primeiras letras na fazenda do

pai, no interior do Município de Barão de Grajaú, de quem retiramos o seguinte

trecho:

Meu pai foi um misto de agricultor e comerciante. Tinha um comércio lá e mexia com agricultura que fazia de tudo: rapadura, cachaça... No sitio, criava gado e tudo que considerasse subsistência. Era uma necessidade da época.O começo dos meus estudos foi em casa com tia Lidú, irmã de meu pai, que recebia pagamento da Prefeitura de Barão de Grajaú, na época de D. Túnica, para ensinar às crianças.De lá, vim para a Sede do Município e fui estudar no Colégio Ribamar Leal em Floriano, onde peguei o 3o ano. Na 4a série, fui para a escola de D. Raimundinha - Colégio Imaculada Conceição. Escola muito boa, onde fiz o 4° e 5° ano. Ao final do 5° ano, fiz exame de admissão, fui aprovado.Quando eu entrei no ginásio, não havia ainda o “Primeiro de Maio". No ano seguinte é que foi criado, inclusive um pouco mais barato e muitos colegas foram estudar lá.Estudava o primário em Floriano, por opção, mas até mesmo para quem estudava o primário em Barão de Grajaú era por obrigação estudar o ginásio lá. Quem não podia pagar a escola ou a canoa, parava de estudar. Isso até o final da década de 1960.Havia escola na sede e havia algumas localidades, onde a professora era multisserial, isto é, ensinava do B-a-bá até a 4a série, como no caso da Madre.

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Os pais que tinham condições colocavam seus filhos para estudarem em Floriano, a partir do primário. Sempre teve uma diferenciação entre o particular e o público. O particular de Floriano tinha boa qualidade e o público em Barão de Grajaú era considerado inferior. O ginásio Santa Teresinha era excepcional, saia-se de lá e não encontrava nenhuma dificuldade em qualquer lugar. Eu mesmo fui para o Recife e lá me situei no mesmo nível dos demais.

Há indícios de que, entre 1938 e 1968, data da elevação de Barão a

cidade e da implantação do primeiro ginásio, na Cidade, ocorreram poucas

mudanças na Cidade, principalmente no campo da educação e os jovens, cujos pais

não tinham uma condição financeira que lhes permitissem arcar com as despesas de

transporte e com as mensalidades escolares, paravam de estudar quando

completavam o primário. Foi a partir de 1957, com a criação de um ginásio em

Floriano, apresentando maiores facilidades nas mensalidades, que houve um

acréscimo no número de estudantes e na melhoria do nível de escolarização dos

baronenses. O Ginásio Primeiro de Maio, uma iniciativa de operários, muito

contribuiu para a escolarização dos filhos de comerciantes, professores, agricultores,

costureiras, alfaiates e outros profissionais que se empenhavam para conseguir que

os filhos concluíssem o ginásio.

O Ginásio Primeiro de Maio foi uma idéia dos operários da União Artística dos Operários Florianenses. Fundaram o ginásio pela dificuldade das pessoas pobres daquela época de estudar o ginásio, pois só havia o ginásio Sobral Neto e era para filho de quem podia pagar a escola (...) Barão de Grajaú foi uma das maiores forças, embora os alunos tivessem que atravessar o rio de canoa, deu uma grande contribuição para o crescimento do ginásio Primeiro de Maio (ANGÉLICA FRANÇA).

Este ginásio foi, também, ao lado do Colégio Santa Teresinha, grande

referência educacional no médio Parnaíba.

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Com a finalidade de elevar o nível educacional dos filhos de operários, o

Ginásio, foi de grande beneficio, no sentido tornar acessível, em razão do valor da

mensalidade, que se adequava ao orçamento dos pais, fazendo com que alguns,

mesmo com muita dificuldade, se esforçassem para que seus filhos freqüentassem

um grau de escolaridade além do primário.

Além do ginásio com mensalidade acessível às condições dos pais, foi

disposta uma canoa paga pela Prefeitura, com passagem gratuita para os

estudantes, diminuindo os gastos da família com a educação. Como mãe de alunos

que faziam esse trajeto diário, Adelina Almeida lembra-se e relata sobre a

importância do Ginásio Primeiro de Maio e do Colégio Estadual, criado na década de

1960, com ensino ginasial e de 2o grau:

As minhas filhas estudaram no Grupo Escolar Domingos Machado e Escola Paroquial Santo Antonio. Quando terminaram o primário como não havia ginásio em Barão de Grajaú foram estudar em Floriano no ginásio Primeiro de Maio e no Colégio Estadual o que só foi possível por causa da canoa da Prefeitura e porque um pagava uma pequena mensalidade e o outro era gratuito. Mas a canoa da Prefeitura não era muito confiável e tinha período que a gente tinha que pagar por mês. Era muito difícil, confesso. Logo eu, que já tinha cinco filhas fazendo o ginásio ao mesmo tempo.

Justina Pereira também relata as dificuldades para colocar seus filhos em

escolas de Floriano, como podemos ver na seqüência:

Não era fácil manter seis filhos na escola particular. O pai não tinha essa condição. Funcionário público de baixa renda. Mas, meus filhos estudaram no Primeiro de Maio. Depois, foram para o Estadual e para a Escola Normal. O que ajudava, também era a canoa da Prefeitura. Mas o certo era a gente pagar por mês ao canoeiro.

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Pela Lei Estadual n° 2002, de 1961, foi criada a Escola Normal Monsenhor

Lindolfo Uchoa40, incorporada, na década de 1970, à Escola Normal Osvaldo da

Costa e Silva. Na década de 1970, essa escola selou, em definitivo, a consagração

de Floriano como o centro educacional do sul do Piauí.

LOPES, Luiz Paulo. Flagrantes de uma cidade. 1997, p. 36.

Eram outras escolas, diferentes das que funcionavam em Barão de

Grajaú. Enquanto esta só tinha o curso primário, a outra cidade se destacava pela

qualidade do ensino primário, ginasial e, posteriormente, de 2o grau.

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5. MEMÓRIAS DO RIO PARNAÍBA: UM DIVISOR DE TERRAS E INTEGRADOR

SOCIOECONÔMICO E CULTURAL t,

5.1 O rio Parnaíba como divisor de terras e integrador socioeconômico e

cultural

O desenvolvimento de núcleos populacionais próximos aos rios, como

mencionado anteriormente, ocorreu desde os tempos mais remotos, quando

surgiram as primeiras civilizações. Outros povos, em tempos e espaços geográficos

distintos, continuaram a se estabelecer em locais com abundância de água, que

favorecessem a prática da agricultura ou que servissem como fontes de alimento e

de comunicação com sociedades mais distantes.

Como nas antigas civilizações que se desenvolveram perto dos rios, Barão

de Grajaú e Floriano, também, tiveram um grande rio de primordial importância para

a formação política, social e econômica: o Parnaíba. Como as terras não eram muito

propícias para o desenvolvimento agrícola, pois são compostas de chapadas de

pouca fertilidade (MARQUES, 1970, p. 305), e pela própria característica da

ocupação do espaço que deu origem às duas cidades, o Parnaíba, desde o

povoamento das suas margens, foi utilizado como via de transporte e comunicação.

A via fluvial era o meio de comunicação por excelência, com lugares mais distantes

nas províncias do Piauí, Maranhão e Goiás, tomando-se um aliado para o

desenvolvendo do comércio. A atividade comercial, no médio Parnaíba, tem intensa

ligação com a atividade educacional, pois, graças a esse intercâmbio, as

informações sobre o Brasil e o mundo aqui chegavam de forma mais rápida,

motivando e despertando o interesse dos habitantes médiopamaibanos para o

alargamento dos conhecimentos e projeção de um futuro mais promissor, mediante

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a educação e o trabalho. Em algumas cidades ribeirinhas do médio Parnaíba, era

intensa a movimentação comercial, inclusive de produtos importados.

O rio Parnaíba tem ligação e importância histórica marcante na vida dos

baronenses e florianenses, assim como de outras cidades e povoados que ficam às

suas margens, funcionando como uma ferramenta valiosa para a integração desses

brasileiros com o resto do Brasil e até com outros paises.

Foto 4 - ponte sobre o rio Parnaíba, ligando Barão de Grajaú, Maranhão, a Floriano,

no Piauí - 1978.

O motivo da fixação de pessoas nas suas margens está relacionado com

as vantagens que ele trazia aos habitantes ribeirinhos, no tocante à fartura de água,

fertilidade do solo e facilidade de transporte. Nos séculos XVI e XVII, o rio Parnaíba

serviu como via de penetração, ocupação e também foi um grande propulsor do

progresso das povoações situadas ao longo do seu curso. Desde a colonização, o

vale parnaibano foi utilizado como importante via de transporte e comunicação,

interligando pessoas de vários pontos distantes do Nordeste do Brasil. O passado

áureo de navegabilidade do rio Parnaíba teve inicio no Segundo Reinado, quando foi

oficializada a navegação a vapor em 1859, perdurando até o inicio da segunda

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metade do século XX. A primeira embarcação para as viagens no curso do rio

Parnaíba, após a oficialização, segundo Cardoso (2001), foi construída por

entendimento dos governos das províncias do Piauí e Maranhão, realizando sua

primeira viagem em 19 de abril, daquele ano. Vale ressaltar que, antes de 1859,

havia um intenso movimento de navegação com embarcações pequenas que

viajavam por quase toda a extensão do rio Parnaíba.

Como a região era desprovida de estradas e de transportes, durante

muitos anos, foi esta a via principal de escoamento da produção sertaneja e também

da aquisição de produtos importados de outros países. Nos séculos XIX e XX, este

rio desempenhou admirável função de circulação de riquezas e integração das

regiões interioranas com os centros mais desenvolvidos.

O Parnaíba nasce de três olhos d’água, situados na escarpa boreal da

Chapada das Mangabeiras com o nome de Riacho de Água Quente, numa altitude

de 709 metros. Muda de nome ao encontrar-se com o rio Uruçui Vermelho.

Antes de ser chamado de Parnaíba, segundo Barbosa (1986), este rio

recebeu outros nomes como rio Grande dos Tapuios, por Gabriel Soares Sousa, em

1587; rio Pará, por Diogo de Campos, em 1614; Paraoaçu, por Bento Maciel

Parente, em 1626, quando retornava de São Luis e massacrou os silvícolas em sua

foz; Punaré, por frei Vicente do Salvador; Paraguaçu ou Paravaçu, pelo padre

Antonio Vieira e confirmado pelo governo português em 1677. O toponômio rio das

Garças, foi dado por Cândido Mendes em 1874. É também conhecido

carinhosamente por “Velho Monge”, na região, que segundo cognome acrescentado

por Da Costa e Silva.

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Para Baptista (1981), há indícios de que em 1554, Luiz de Melo referiu-se

a esse rio, chamando-o de rio Grande. Também registra Abiunham, como nome

dado pelos índios da Ibiapaba e Paraó ou Paragu-açu, como se referiam os índios

tremembés, de Tutóia, no Maranhão. Em 1838 aparece em mapas de Lapie, como

Paranaíba.

Mesmo controversa, a origem do nome que leva o terceiro maior rio

brasileiro em extensão é um assunto de muita discussão e de interesse dos

piauienses e maranhenses.

Para Marques (1990), a verdadeira etimologia do nome Parnaíba ou

Paranaíba é Paraná-aíba, composta de duas línguas tupi, “paraná - rio, água grande

e mar, e aíba, mau”. Para Baptista a tradução mais aceita é a que foi dada por

Karam Cury, que diz ser palavra de origem indígena e significar ‘facão que retalha

carne nos açougues’.

De acordo com Barbosa (1986), o nome atual foi dado por Domingos

Jorge Velho, em homenagem à vila de Santana do Parnaíba, em São Paulo, terra

onde nasceu, sendo este nome oficializado tornando-se definitivo em 1820.

Em toda a sua extensão, desde a sua nascente, na Chapada das

Mangabeiras até o ponto em que deságua no oceano Atlântico, surgiram algumas

povoações margeando o rio, que, ao longo do tempo, foram crescendo e ganhando

destaque dentro das antigas províncias, quer do Maranhão, quer do Piauí. Por ter,

inicialmente, como capital, a cidade de Oeiras, situada em menores distâncias, e a

partir de 1852, com a transferência da sua capital para Teresina, também situada na

margem parnaibana, a Província do Piauí tinha no rio um dos principais meios de

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acesso e de comunicação e, conseqüentemente, soube aproveitar-se dessa

importância, o que justifica o maior desenvolvimento das cidades piauienses em

relação às maranhenses que beiram o Parnaíba, uma vez que estas, além de

ficarem distantes da Capital da Província, São Luis, ficando mais próximas da

Capital Piauiense e das cidades mais desenvolvidas do Piauí, mantêm com estas

um contato mais imediato. Nessa dialética de relações entre a presença do rio e a

formação de cidades, temos hoje cidades do Maranhão e do Piauí com diferentes

graus de dependência, ora do rio, ora de outra cidade, o que de certo modo se

apresenta como um fator importante para a formação histórica, social e econômica

da região banhada pelo Parnaíba. Em relação ao assunto, assim se expressa

Barbosa (1986) quanto a essa ligação:

Econômica, histórica e culturalmente o Parnaíba possui ligações mais estreita com o Piauí. É bom notar, que a cada cidade piauiense ribeirinha, corresponde outra maranhense, menor e menos desenvolvida, [...]. Depois, além da capital, as duas maiores cidades do Piauí - Parnaíba e Floriano - ficam às suas margens, proporcionando um maior relacionamento entre este Estado e o rio.

O Maranhão, segundo Meireles (1982), teve como primeiros colonizadores

os franceses, que se instalaram na ilha do Maranhão, onde, em novembro de 1612,

foi oficialmente fundada a cidade de São Luis, tornando-se a capital até os dias

atuais. A distância dos sertões para o litoral é de 550 km aproximadamente, por via

terrestre. Pelo Parnaíba, torna-se inviável pois o percurso do rio se distancia na

direção do oceano.

Ainda que o desenvolvimento tenha sido lento, decerto estimulou o

aparecimento de vários núcleos populacionais e promoveu o contato entre eles por

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meio do comércio, sendo considerado o rio um propulsor para a integração e

melhoria daquelas povoações, notadamente para o Piauí.

Decerto, o rio que separa as duas cidades, Barão de Grajaú e Floriano -

pois ele serve de limite entre os Estados do Piauí e Maranhão - é o mesmo que une,

pois havia e ainda há intensa mobilidade populacional, mercantil e cultural de um

lado para o outro, principalmente de Barão de Grajaú para Floriano. Por isso, é muito

comum, no nosso meio, dizer-se que, “o rio Parnaíba não separa os dois Estados,

ao contrário, serve para uni-los”. A constante movimentação de um lado para o outro

do rio fortalece os laços de vizinhança e evita os “nós” das diferenças político-

adminitrativas, onde um termina se interessando e estimulando a progressão do

outro. É um “hífen geográfico e social”, na expressão de Barbosa (1986). No caso

aqui tratado, ou seja, em relação a Barão de Grajaú e Floriano, na verdade, o rio

Parnaíba tem a função de ponte.

Além de ser um limite natural que divide e abastece os dois Estados, o

Parnaíba tem papel fundamental na vida cotidiana dos ribeirinhos. Desde o

surgimento das primeiras povoações às suas margens que o rio foi aproveitado

como via de transporte e como sobrevida dessas populações. Os habitantes

acostumados, desde pequenos, a nadar e a se banhar nas águas correntes do

Parnaíba, que, de clara e cristalina no período de seca, passava a barrenta e veloz a

sua correnteza, chegando, inclusive, a ser assustador no período chuvoso. Dele, até

a década de 1980, era retirada a água para ser utilizada nos lares baronenses,

transportada na cabeça, ombros ou em ancoretas em lombos de jumentos. Não

havia água encanada nem poços artesianos. Para Silva (1992), embora em

algumas residências existissem poços cacimbões eram, mesmo assim, insuficientes

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para o provimento da família. No rio estava a solução para essa carência. Foram as

tarefas do dia-a-dia, voltadas para a dependência ao rio, que tomaram o Parnaíba

muito familiar de todos, desde pequena idade.

Como já vimos, o desenvolvimento comercial impulsionou a criação de

instituições escolares na cidade de Floriano. Esse desenvolvimento tem uma ligação

muito próxima com a navegação fluvial. Vimos também, que desde os primeiros

tempos da ocupação dos sertões na região da bacia do Parnaíba, que o rio se

tornou a principal e mais importante via de comunicação entre as povoações que

haviam se formado em todo o sertão. Criadores de gado, agricultores e viajantes

utilizavam o rio para manter contatos com outros lugares; assim, ao longo do tempo,

foram intensificados os negócios e as viagens. O rio Parnaíba foi muito navegado

por diferentes viajantes, com múltiplos interesses ou necessidades. Esse constante

subir, descer ou cruzar as águas deste rio mostra a importância que ele tinha para

os ribeirinhos, pois, além de desempenhar um papel de significação no comércio e

nas comunicações, foi um grande integrador cultural.

Hoje, o rio já não tem a mesma função de antes, já que a instalação

das vias terrestres, os maus tratos pela ação do homem e os benefícios, trazidos

aos lares a à sociedade, em geral, pela modernidade, invalidaram o rio desse

importante papel. Já são tantos os outros meios de comunicação e de transportes

que, por vezes, chegam até mesmo as gerações mais novas a ignorar a importância

que o Parnaíba teve para o desenvolvimento das cidades que o margeiam,

porquanto se torna motivo de preocupação e tentativa de não deixar morrer o seu

passado glorioso.

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... o rio Parnaíba continua abandonado na sua rotina diária em direção ao mar. Sofrido, com suas margens desgastadas e seu leito em grande parte obstruído, aguardando, só Deus sabe, tratamento condizente com seu passado de glória, quando intensamente, os grandes gaiolas em apitos prolongados trafegavam em suas águas, então caudalosas, trazendo mercadorias oriundas do litoral e retomando com os produtos de todo o vale ( BARBOSA, 1986, p.12).

As balsas e as embarcações a vapor que singravam suas águas “rio

abaixo, rio arriba” (Hino do Piauí), até a década de setenta do século XX,

desapareceram. O que ainda existe são alguns barcos ou canoas que resistem à

ligação, por uma ponte de concreto41, ligando duas cidades e fazem a travessia de

pessoas que, por opção ou por falta de opção imediata, buscam esse meio de

transporte.

41 A ponte sobre o rio liga a BR - 230 - TRANSAMAZÔNIA, que corta o Piauí e Maranhão - um projeto do Governo Federal por meio da Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas. A responsabilidade técnica foi do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem. As obras foram inaugurada em 1978. Tem 343 metros de comprimento, compondo-se de dois encontros de 14 metros com pista de rolamento de 10,50 metros, dois passeios laterais e guarda-corpos.

Como nos tempos antigos, quando o homem escolheu para morar

construindo suas habitações na margem dos rios, o piauiense Francisco Parentes

teve também a mesma percepção e escolheu a beira do rio Parnaíba como local

ideal para a realização do projeto de instalação de uma colônia agrícola.

Apontada como importante fonte geradora de energia, a via fluvial

parnaibana é interrompida pela construção de uma hidrelétrica, a Usina Presidente

Castello Branco, localizada na barragem de Boa Esperança, no Município de

Guadalupe, Estado do Piauí, aproximadamente 108 km a montante das cidades de

Floriano e Barão de Grajaú, para abastecer o Piauí e o Maranhão, tendo as obras

sido iniciadas em junho de 1964.

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Desde 1965, com o desvio do rio, para dar o inicio ao seu aproveitamento

hidrelétrico, a partir 1968, e com a inauguração da referida barragem, em 07 de abril

de 1970, segundo Barbosa (1986), houve uma diminuição do volume de água do rio

Pamaíba e, consequentemente, do intenso tráfego de embarcações, agravada pelo

fato de que, durante as chuvas, as águas desciam ameaçadoras e a travessia

tornava-se mais perigosa. .

Com o desfavorecimento da navegação, a alternativa mais forte de ligação

entre as duas cidades passou a ser procedida por meio rodoviário. Em 1946, inicia-

se a construção da avenida Mário Bezerra, que é a porta de chegada ao porto dos

pontões e canoas, o local de acesso e saída de veículos rumo ao Piauí.

A construção de uma BR - 230 ligando Barão de Grajaú ao sul do Estado

e Capital maranhense, na década de 1950, intensificou as relações do sertão

maranhense com as cidades piauienses do médio Parnaíba e favoreceu, sobretudo,

à cidade de Floriano, evidenciada como uma das maiores cidades piauienses, mais

precisamente nos setores comercial e educacional.

A abertura de uma estrada ligando Barão de Grajaú a São João dos

Patos, e a outros pontos do sertão maranhense, proporcionou um crescimento da

rede escolar da cidade piauiense que era conhecida na região dos sertões do médio

Parnaíba como possuidora de um bom ensino. O Município de Balsas, no alto sertão

do Maranhão, também tinha o sistema escolar reconhecido. Muitos pais daquela

região, no entanto, enviavam os seus filhos para estudar em Floriano por acharem

que a educação ali era de custo mais baixo e mais bem localizada em relação ao

Piauí e ao Maranhão, ou em função, também, da precariedade das estradas, pois,

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como já apresentado, a integração rodoviária dos municípios maranhenses deu-se

de forma bastante lenta. O fluvial era o meio de transporte mais utilizado.

Já destacado como o mais importante centro comercial, intelectual e social

localizado do sul do Piauí, Floriano ganhou o seu primeiro ginásio e Escola Normal

em 23 de julho de 1929, por meio da iniciativa do “poder municipal e de particulares",

com o objetivo de “titular professoras filhas dos municípios do sul do Estado” o que

podería, na opinião do governo, resolver “problemas da instrução no Sul do Estado”,

como esclarece documento oficial retirado de Lopes (2001):

‘O interventor Militar do Estado do Piauhy;

Considerando que, em vista da distancia da capital e da dificuldade de transporte e mesmo falta de conforto, as professoras normalistas dificilmente aceitam nomeação para as escolas localizadas nos municípios do sul do Estado;Considerando que, pelos motivos acima e mais, pela falta de recursos, as filhas d’aquelas regiões não podem vir cursar a Escola Normal desta capital;Considerando que a Escola Normal de Floriano, pela sua localização em um ponto de estado que é como um entreposto comercial, intelectual e social, é de grande eficiência, porquanto nela poderão se titular professoras filhas dos municípios do Sul do estado;Considerando que, nestas condições, fazendo a equiparação à Escola Normal desta capital, da Escola Normal de Floriano, ficará resolvido, ao menos em parte, problemas da instrução no sul do Estado;

Esta escola, mesmo tendo sido criada para atender às necessidades de

estudantes piauienses do sul do Estado, foi também de extrema importância para os

maranhenses que, diante de tantas dificuldades econômicas, contavam ainda com a

insuficiência de escolas e apresentavam problemas para deslocamentos de uma

cidade para outra, em função da falta de meios de transportes.

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5.2. O rio na memória de estudantes, canoeiros e de pais de alunos em relação

ao período de 1940 a 1970

As características desenvolvidas em cada sociedade, em decorrência da

diversidade apresentada nas diferentes regiões brasileiras, influenciam diretamente

a vida cotidiana de pessoas que vivem em determinado espaço geográfico. Essas

diferenças são encontradas até mesmo no interior, considerando-se que os limites

territoriais em sua dinâmica geopolítica não definem um contorno cultural

homogêneo e compacto.

O conhecimento de raiz local poucas vezes é reconhecido como outra

forma de se relacionar com a natureza, com a vida e com o mundo, sendo

percebido, quase sempre como forma apenas de sobrevivência histórica ou de

reminiscência. Em se tratando, especifícamente, dos baronenses, vale salientar as

especificidades culturais dessa população, entre os anos de 1940 a 70.

Neste estudo, torna-se importante refletir sobre um certo apego,

dependência e reconhecimento que as famílias de Floriano e, principalmente, de

Barão de Grajaú parecerem estabelecer em relação à presença do rio. Esse fato

pode ter grande significado para o arcabouço histórico, econômico e cultural daquela

cidade, revelador de pressupostos e preceitos importantes que regulam e norteiam a

sua vida social. Na fala corrente, é comum encontrarmos afirmações do tipo “o rio é

uma coisa nossa” ou ainda o “rio era nosso aliado”, o que revela a sua importância

no dia a dia das pessoas.

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Alguns trechos das falas dos nossos entrevistados nesta pesquisa

mostram que o contato com o rio fazia parte de uma rotina que conduzia a vida

cotidiana da comunidade:

“A gente não ia para o colégio como se vai hoje. No verão era até pitoresco. A água límpida, a canoa era na varinha, à vela, com muito vento na parte da manhã. Agora, no inverno era perigoso porque o rio enchia muito e descia muita madeira, troncos de árvores, que iam esbarreirando o rio e a canoa podia trombar nessas madeiras e até virar e o que podia acontecer era morrer afogado e o rio era uma baia, muito largo. Mesmo sabendo nadar não tinha como escapar. Ninguém tinha resistência”.“No inverno o rio era apavorante. O canoeiro remava até muito em cima e depois partia para atravessar e remava para sair do outro lado que tinha uma rampinha. A gente caia, se sujava todo. Mas não tinha alternativa, tinha que amargurar para ir lá e aprender".

“Com relação ao rio Parnaíba, caudaloso, extenso, era muito gostoso, no verão com as praias, as coroas, que eram uma autentica área de lazer que eu me deleitava com tudo aquilo. Mas confesso que no inverno eu tinha medo”.

“Eu tinha que acordar cedo, 5:00 horas da manhã, para pegar lenha longe da cidade e água no rio, em duas latas que ficavam presas em cordas amarradas a um pedaço de pau que colocava no ombro tomava banho lá mesmo no rio e às 7:00 horas eu já estava enfileirado na escola em Floriano, para cantar o Hino Nacional” (ALDIR CARVALHO).

Distantes dos progressos que alcançavam poucas cidades nordestinas,

todas as atividades realizadas tinham uma combinação de trabalho e lazer. O

convívio, dos baronenses com as diferentes atividades relacionadas com o Parnaíba

começava muito cedo, desde a infância, tomando-se rotineiro, em uma seqüência

sociocultural que os tornava, desde criança, responsáveis pelas atividades das quais

eram encarregadas pelos pais.

O rio Parnaíba, artéria fluvial e elemento preponderante na sobrevivência

e desenvolvimento do município de Barão de Grajaú e Floriano tornou-se familiar a

todos os que dele dependiam para as suas necessidades tanto econômicas quanto

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domésticas Ele está ligado a todas as outras atividades paralelas dos municípios

situados na bacia hidrográfica. Para os baronenses, era mesmo um aliado, pois era

também uma via de transporte diária para os estudantes e trabalhadores na cidade

de Floriano.

“O rio era necessário para lavar roupas, banhar e abastecer toda a casa. Mas, no período de chuva era perigoso, mesmo assim tinha-se que ir pegar água para beber e banhar, isso com todo o cuidado, pois se a água arrastasse um, era complicado salvar.A preocupação daquela travessia era muito grande. O Santana (esposo) comprou uma canoa e botou uma pessoa para atravessar, mais era difícil e não deu certo. A distância era grande, mas o maior empecilho era a passagem do rio. O horário era outro motivo de preocupação. Às vezes demorava e a gente ia esperar na beira do rio. Mas como sempre andavam em turma de cinco pessoas, no mínimo, e nos dava mais tranqüilidade.Na educação física, levantavam 4:30h da manhã e chegando na beira do rio não tinha canoeiro, isso acontecia muito. Então os estudantes afastavam a canoa da ribanceira, enchia de alunos e levavam a canoa para não perder o horário.Para os que estudavam a noite, era mais difícil ainda. Muitas vezes chegavam no Cais e como não tinha canoeiro o jeito era aguardar. Cansados pela espera ou até mesmo para informá-los que estavam esperando, gritava canoeiro... canoeiro e após algum tempo de espera e de algumas chamadas eles respondiam: “arrodeia”. Eu ouvir muito esta expressão quando eu estudava a noite.Lembro que era muito grande a movimentação dos vapores levando e trazendo mercadorias e gente “ (ADELINA ALMEIDA).

Nesse cotidiano estabelecido pelas próprias peculiaridades da vida social

local, todos participavam de todas as atividades, quer por obrigação ou mesmo por

diversão, fosse apanhando água, lavando roupa ou indo à escola. Essas atividades

relacionadas ao cotidiano da população permitem revelar nuanças do dia-a-dia de

uma sociedade que mantinha forte vínculo com o rio.

As obrigações escolares eram muitas vezes transformadas em

brincadeiras e “passar” o rio não era visto como obstáculo, diante do sonho que

estava sendo embalado pelos pais e pelos jovens.

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“Ir à escola era prazeroso, não apenas pelo estudo em si, mas também para sair da rotina em que vivíamos. Aqui, nada tinha para fazermos a não ser as coisas de sempre e o que podia ser sacrifício se tornava lazer. Só não era melhor porque íamos todos fardadinhos, limpinhos, roupa passada, bem arrumadinhos e não podíamos sair dessa linha, senão éramos considerados relapsos, e até, discriminados. Mas no fundo mesmo, a dificuldade e o perigo faziam a diferença. Aliás, perigo mesmo, somente no período chuvoso (JOSELITA DAMASCENO).

Isso acontecia quando os estudantes iam participar de atividades

escolares noturnas ou aqueles que retornavam da aula chamavam o canoeiro que

estava do lado de Barão de Grajaú. Muitas vezes, os canoeiros, sentindo-se

incomodados em razão do horário, respondiam para eles “arrodiar”, ou seja, pediam,

com esta paiavra, para não aborrecerem e terem paciência de esperar, o que era

feito, pois naquele momento eram reféns dos canoeiros. “Arrodiar” era a indicação

irônica de chegar em casa passando pela ponte entre Teresina e Timom.

“Arrodeia” é uma elocução cheia de significados para quem diz e para

quem ouve. Palavra dita por trabalhadores simples, cansados da labuta diária,

contudo de uma riqueza de sentido passível de explicação. A explicação

interpretativa, segundo Geertz (1997), é uma forma de explicação concentrada no

significado que instituições, ações, elocuções, eventos, costumes, têm para seus

‘proprietários’, ao mesmo tempo em que representa uma posição de poder para

quem a diz. Ela era temida, respeitada, odiada e engraçada. Quem ouvia sentia-se

impotente, sem nada poder fazer e, assim, passa a reconhecer o poder do “outro”.

Estes são depoimentos que fascinam e que levam, também, a quem os

escuta, para uma viagem no tempo.

“O rio Parnaíba está perdendo muito da função e da riqueza que ele era para Barão de Grajaú. Como hoje tem água na torneira, ele perdeu o valor antigo. Antes uma casa quanto mais próxima do rio,

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mais valorizada ela era, por que não tinha que buscar, carregar água muito longe. Todo mundo carregava água. Eu mesmo carreguei muita água. Mesmo quem tivesse em casa quem fizesse esse serviço, fazia isso. A casa do Senhor Ranulfo, que foi deputado estadual, era na margem do rio. Outros de melhores posses moram naquelas proximidades. Nós também morávamos próximos. Isso por causa da necessidade da água".

A travessia era feita em barcos pequenos, para 08 pessoas. Tinha uns que levavam até 15 pessoas. Essa viagem para o estudante era sempre uma farra. Para as outras pessoas não, elas tinham medo. Quando estava com mais gente elas diziam, não, nessa aí eu não vou e esperava outro canoeiro. Havia de 30 a 40 “passador”que era o homem que operava a canoa. Quando o rio estava cheio ficavam duas (2) pessoas operando uma só canoa. No verão, quando não tinha ainda a Barragem da Boa Esperança o rio ficava estreito e o vento ajudava soprando a vela e era rápida a travessia. Mas no inverno era difícil. Saia do porto margeando o rio, empurrando com a vara, a canoa cheia e muita gente desistia, até de ir à escola, em alguns dias. Mesmo assim, não me lembro de ter tido nenhum acidente com canoas. Acontecia de bater uma na outra, mas nada com grandes danos. Mas mesmo assim havia receio de pessoas idosas. Hoje não tem, mas aquelas grandes cheias porque a barragem controla a vazão das águas, mas era muito bom. Há também a ponte sobre o rio que facilitou a ida para o outro lado. Agora se o passador não diz mais para arrodear como dizia antes.

Os estudantes costumavam brincar nas canoas, jogando água nos outros, e muitas pessoas evitavam atravessar em canoas com estudantes, principalmente naquelas que tinham o contrato mensal com os mesmos. A responsabilidade do canoeiro era grande também nessa travessia. Os pais tinham preocupação, mas os jovens eram despreocupados. O rio era de muita intimidade do baronense, porque não havia água encanada e o banho era no rio, assim, aprendia logo cedo, a nadar e perdia o medo do rio.

Tinha a educação física 6:00 h da manhã e voltava, tomava banho e retomava para a escola que ficava onde hoje é o Armazém Paraíba. O tempo do percurso não era muito grande. Agora quando o rio estava cheio era mais demorado.

O rio era uma coisa muito nossa. Nós começamos a nadar muito cedo. Eu logo que aqui cheguei tratei de aprender a nadar e nunca nos causou medo, pois todos daqui de Barão de Grajaú sabiam nadar muito bem. E isso não nos dava trauma nenhum para atravessar o rio e até durante essa travessia, esse percurso, nós brincávamos muito, balançando a canoa quando não tinha “gente de fora”.

Agora o passador não diz, mas para arrodear como no passado, porque arrodear perdeu o sentido que tinha antes. O rio era de muita intimidade” (VICENTE ALMEIDA).

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UI

Barão de Grajaú se organizou em tomo do rio. A parte principal era

constituída da igreja, prefeitura/câmara municipal e cadeia - os símbolos do poder

local - representando os poderes eclesiásticos, civis e jurídicos. Esses três

elementos de poder se ajustavam, aqui, como na Idade Média, pois, segundo Le

Goff (1988), a Igreja e o governo se entendiam, se respeitavam, mas ao povo que se

rebelavam, por justiça, era dado o castigo pela insubordinação. Como era um

entreposto comercial, as trocas dependiam dessa estrutura urbana.

Conscientes de que o rio separava, não as duas cidades, mas dois

estados brasileiros, os baronenses, nas suas relações com Floriano, viam no

Parnaíba um aliado. Compreendiam que suas águas navegáveis nas quais

sulcavam imponentes embarcações, chamadas, popularmente, de “motores”,

causavam a alegria e a esperança para os ribeirinhos. Na imensidão do rio,

informando, por intermédio da sonoridade dos apitos, que estavam chegando para o

encontro e admiração dos que cá viviam, os “motores" traziam novidades, gente

diferente e pessoas da região, vindo ou indo para a Capital piauiense à negócios ou

para dali seguir viagem para lugares mais distantes, por ferrovia ou rodovia.

Não faz muito tempo, acho que até 1950 ou 60, se não me falha a memória, os motores vinham tanto de “baixo” quanto de “cima”, carregado de mercadoria e de gente desse sertão afora. Quando os vapores iam chegando eles anunciavam com um apito, que a cidade toda ouvia. Já se sabia que era o motor chegando. Era grande o movimento de embarcação. Isso, para o povo daqui era novidade toda vez que chegava um deles. Era nele que vinha ou ia viajar algum parente (ALTANIR GÓES).

Os estudantes, acostumados com o trajeto e a travessia diária, os

encaravam com menor receio do que aqueles que, mesmo acostumados, tinham um

espaço maior de tempo no fazer esse cruzamento do rio. Essa “gente de fora” do

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grupo estudantil era seletiva com os horários, canoeiros e canoas, pois temiam a

ocorrência de acidente com a canoa.

A passagem do rio era alegre, só não prestava de noite, que a gente chegava naquele flutuante, muitas vezes com chuva, gritava os canoeiros e eles mandavam a gente “arrodear”. Alguns canoeiros muitas vezes não se importavam com o nosso chamado, e a gente passava horas aguardando a boa vontade deles. Se estivéssemos de um lado e ele do outro, ele só ia pegar a gente quando queria. E não tinha ponte nem barragem da Boa Esperança, tinha que passar nem sei por onde. Só na ponte do trem em Teresina. E nós íamos fazer o que? O jeito era esperar. Mas aquilo mesmo era bom, um lazer, pois todo estudante não era criança como hoje. Na década de 60 e 70 é que o volume de estudante era maior e principalmente a noite. Coitados, penavam se não encontrasse o canoeiro no momento (ALTANIR GÓES).

São experiências como estas, vividas por pessoas reais, que dão sentido

à história de Barão de Grajaú. São ações que se entrecruzam com uma realidade

que não pode ser esquecida. São tramas tecidas na memória, emergindo para o

presente e o futuro. É a própria história que “constitui-se de memória, de

experiências comunicáveis, como possibilidades de outras significações, tecida com

o esquecimento e a recordação” (MAGALHÃES, 2002, p. 63).

Aqui são expostas memórias de um tempo histórico que, embora aludidas

a um passado relativamente recente, precisam ser registradas. Se assim não o

fizermos, essas vivências poderão ser esquecidas.

Alguns fatos, ocorridos no caminho para a escola, são lembrados e

refletidos, por quem relata, como uma fase boa vivida na época da sua juventude.

Na ida para a educação física, nós chegávamos na padaria do Pereira, isso 5:00h pra 5h30min. da manhã, pedia o pão, quentinho, cheiroso, pagava e saia comendo. Chegava em casa tomava banho e café e voltava de novo para assistir aula. Às vezes, tinha uma certa compreensão porque era complicado chegar na hora. Sem a barragem era muito difícil e demorado.

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Voltando para a educação física, era muito cedo. Certa vez chegamos na beira do rio, só tinha estudante homem e gritamos o canoeiro. Vinha um senhor numa canoa e nos chamou e fomos na canoa dele. Chegando do outro lado notamos que o canoeiro estava dormindo enrolado na vela da canoa. Ai nós tiramos a corrente que segurava a canoa e empurramos devagarzinho e deixamos ela descer. Quando ele acordou estava no porto do Bem Quer. Ao retornar dizia que queria saber quem fez aquilo com ele. Mas, nunca soube quem foi o malvado que fez aquilo com ele. O canoeiro era o Sr. Raimundo Sérgio. Nós éramos acostumados a levar a canoa de um lado para outro. Chegava lá se não tivesse canoeiro, a gente pegava a canoa e atravessava o rio e comprava pão com o dinheiro da passagem. Ao chegar lá, do outro lado, amarrava a canoa direitinho e quando voltávamos já era dia claro e a canoa não estava mais no lugar. O dono já tinha ido buscar.Assim, eram muitas as dificuldades, mas ninguém morreu. A responsabilidade era muito grande e todos tinham consciência disso. (ALTANIR GOES).

Não eram apenas os rapazes que manejavam a canoa até o porto de

Floriano. A mesma experiência fora vivenciada também pelas moças. Era a forma

utilizada por elas para não perder o horário das aulas, principalmente, de Educação

Física.

Atravessar o rio era prática diária. Quando estudávamos em Floriano todo o dia tínhamos que sair cedo de casa, atravessar o rio e caminhar 1 km ou mais para chegar a escola e também tinha educação física que era 5h30min. da manhã e às vezes nós é que levávamos a canoa porque não tinha canoeiro e atravessava com toda dificuldade.A canoa era de madeira e a vela com uns 5m de comprimento com 1,50m de largura com uma vara e um remo. Às vezes eram dois remos para ir um ajudando a remar. A vara era para empurrar.A nossa educação física era 5:00h e nós saímos mais ou menos umas 4h30min. e nós tínhamos que levar a canoa, quando o canoeiro não estava. Os pais não gostavam e às vezes nem sabiam que isso acontecia. Porque não tínhamos medo, mas eles tinham. Quando terminava a educação física, voltávamos para tomar banho e trocar de roupa e retornava para as aulas normais (teóricas) que começavam a 7h30min. e retomava 11h30min.Nas festividades, como “sete de setembro" tinha que sair cedo e eu com mais de duas daqui que batia na banda, tínhamos que ser uma das primeiras a chegar, 4h30min. e 5:00h para ajeitar (o instrumento), o material para começar o desfile. Na época que fiz a Normal, a escola tinha compromisso de acompanhar as outras escolas. Ai mesmo é que tinha que estar lá o 4h30min. para pegar o desfile das escolas, o Agrônomo Parente e outros. Porque eram poucas as escolas no período (JOSELITA DAMASCENO).

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O antigo Paraguaçu, encanto e presente da natureza, revelava a

generosidade para com as famílias que dele dependiam, pois, mesmo no período de

cheia, a ultrapassagem nas canoas para o outro lado era feita sem que fosse

registrado qualquer acidente de gravidade. Quando ocorria qualquer ameaça, era

resolvida pelos próprios passageiros.

Eu era uma das poucas que não sabia nadar e não tinha proteção nenhuma. Caso ocorresse algum acidente, acontecia. Uma vez aconteceu que a canoa furada entrou muita água e não conseguimos tirá-la, pois só tinha uma lata e ela foi afundando. Mas antes de chegar na praia, ela afundou, mas conseguimos sair sem problemas.O que ocorria é que as canoas furavam o casco (madeira da parte central da canoa) e a água tinha que ser retirada com rapidez dependendo do vazamento. Nesse dia nos salvamos, só saímos todos molhados. Nesse momento ficamos nervosos. Eu fiquei temerosa, porque não sabia nadar, mas passou e depois tudo continuou como antes, a nossa trajetória.Era um perigo e as preocupações dos pais aumentavam, os cuidados dos canoeiros eram também redobrados. A travessia do rio era um período constante, mas estudar era o importante, e muito. E como já disse, os pais não estudaram, mas lutaram para colocar seus filhos para estudar, mesmo com sacrifício (JOSELITA DAMASCENO).

Alguns incidentes foram relatados, como o caso de uma canoa bater na

outra, por um momento de desequilíbrio e outros que podiam ter maiores

conseqüências, como este contado por "Major” Ângelo, um canoeiro entrevistado:

Nunca teve naufrágio. Mas um dia teve uma briga na canoa. Eles perderam os livros. Eu ajudei a pegar os livros que caíram na canoa e na água. Nesse tempo, era verão, tinha praia que estava no meio do rio e quando a canoa ia chegando no meio do rio começou a briga eles se agarraram e tombaram dentro do rio e logo chegamos na praia. Não tinha bóia de proteção, tinha que ser no braço mesmo. Todo mundo tinha que saber nadar.A confusão foi por causa de negócio de colégio mesmo. Caíram os livros e os cadernos de todo mundo e eles pegaram.Eles nadaram e saíram no porto do Esmeril, hoje conhecido como do Castor. Aí foi o “ente” (momento) que nós saímos na praia e os que ficaram dentro estavam todos molhados e livros também.Nessa época os passageiros tinham que tirar os sapatos por que a canoa não ia até o seco, o rio ficava raso e ela ficava uma certa distância da areia, e todos tinham que descer, molhar as pernas. Os homens levantaram as pemas das calças e as mulheres, as saias

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para não molhar.Os briguentos saíram banhados e não continuaram a briga.

Os maiores problemas na travessia se concentravam no período das

chuvas, momento que parece ter sido o mais presente na memória dos

entrevistados.

A passagem do rio era alegre Mas aquilo mesmo assim era bom, um lazer, pois todo estudante não era criança como hoje.Nas cheias éramos cautelosos, mesmo com espírito aventureiro. Hoje quando me vem a memória o pouco que ficava faltando para entrar água na canoa, pois medíamos com os dedos das mãos, confesso que eu sinto admiração pela nossa determinação e pela nossa coragem.Eu tinha seis anos quando fui estudar em Floriano. Ia inicialmente com um empregado de nome Manoelzinho Balaio, que me levava até a escola, depois eu ia sozinho e levava a merenda embalada. As canoas não tinham motor, eram empurradas com uma vara e uma velinha na proa. O vento na seca é poente e o rio que era nossa travessia para Floriano. O vento soprava rio acima e dava para a canoa atravessar o rio. No inverno era um Deus nos acuda. Dois ou três canoeiros com a canoa cheia de gente, subia a margem de mais ou menos 100 metros, até chegar emparelhado a Igreja Santo Antonio, “jogava para o outro lado” e ia sair lá embaixo do lado de Floriano. A volta era do mesmo jeito.A margem do rio era cheia de lama. A gente pisava com cuidado. Nas canoas não tinha nenhuma segurança, nada, nada. Também nunca teve acidente nessa beira de rio. Aqui todos estudavam desse jeito. Em Barão de Grajaú muitos se formaram depois (ALTANIR GÓES).

A gente deve falar do rio na época da cheia. No rio cheio tinha a pororoca, se a canoa batesse nela era capaz de virar. Mas já sabia da noção do perigo e conseguia desviar, para que isso não ocorresse. Também naquela época tinha o perigo dos fios, que eram cabos de material de sustentação dos pontões (embarcação para transportar carros), que tinham a altura de 5m aproximadamente. E o rio enchia tanto que passava desses fios, principalmente na cheia de 1960 e os canoeiros tinham que se basear no fio para não passar a canoa por cima e para não virar e isso era obrigatório para chegar no local de descida da canoa (JOSELITA DAMASCENO).

O sentido de “jogava para o outro lado”, referindo-se ao momento exato de

direcionar a canoa rumo à Floriano, afastando-se da margem e a partir daí

impulsionada com remo, mostra a cansativa tarefa do canoeiro e a grande

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responsabilidade que lhe cabia na condução desse meio de transporte, lotado de

passageiros, na sua maioria, estudantes.

Embora o exercício da arriscada função de canoeiro fosse para sustentar

a família, muitos deles até gostavam da pesada e arriscada tarefa. Como relata

Alexandre, um dos nossos entrevistados, “ser passador naquela época era difícil,

mas de todo serviço que eu trabalhei foi o melhor". Eram necessárias, além de

habilidade, força e astúcia do canoeiro. Os próprios estudantes, mesmo

acostumados com a rigidez de alguns afazeres no auxilio aos pais, reconheciam o

quanto era árdua a tarefa do canoeiro.Esse zelo pelo afazer na passagem do rio tem o

reconhecimento de pais e estudantes que sabiam como da dificuldade e da

responsabilidade daqueles homens no manejo de uma canoa. Ao citar o trabalho

dos “passadores”, os entrevistados trazem uma realidade para o presente e

registram considerações admiráveis àqueles que no seu oficio não puderam sequer

colocar os próprios filhos para estudarem na outra cidade.

Estudar em Floriano era só quem podia. Filho de pobre tinha que trabalhar. Fazia só o primário aqui no Barão e parava.No inverno “nós subia” com a canoa cheia de gente até o “porto do padre” como a canoa era pequena, tinha umas 10 pessoas, quando tomava distância a gente como trabalhava de dois, quando chegava no ponto, botava a canoa para o outro lado e pegava o remo. Remava, remava pra chegar no porto de Floriano. Na vinda era pior, porque não podia subir muito, daí sair abaixo do senhor Ranulfo. Aí a gente subia marejando (empurrando com a vara margeando o rio). Era luta, era um tempo ruim. Mas era o jeito, era o ganha pão.Naquele tempo o negócio era sério, não tinha moleque. Mas vez por outra tinha uns danados, inclusive moças. Tinha um canoeiro que se zangava com o apelido dele e elas chateavam muito o Buruaca.Havia uns pontões e na passagem deles tinham uns arames que topavam na água no inverno e era preciso muito cuidado para não bater neles. Isso era uma dificuldade. A gente sabia por onde ir para não bater neles. Se batesse nos arames, a canoa virava, pois o arame só encostava na água no meio do rio, nas beiradas eram altos. Isso era antes da Barragem da Boa Esperança.Os estudantes eram calmos. Nesse tempo o povo era diferente, respeitavam uns aos outros. Nunca houve qualquer acidente envolvendo canoa, nem com canoeiro ou estudante (ALEXANDRE).

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A travessia dos estudantes era muito boa e a "remagem" não tinha dificuldade. No verão contava com a força do vento para me ajudar. No inverno, os “meninos" todos me ajudavam, homens, mulheres, todos ajudavam a remar.A canoa era à vara e a remo, no inverno. Eu ficava atrás no “piloto” e os meninos na frente ajudavam, cada um com o remo pra não descer muito a canoa. Da rampa (de embarque) a gente subia (empurrando) com vara até na rampa do padre Zé e botava a frente pra lá (Floriano) e empurrava pra frente. Era a coisa melhor desse mundo.Na canoa cabia 20 apenas, e a gente empurrava a canoa com todos eles até aonde dava, quando não dava mais, empurrava para Floriano.As passagens dos estudantes começavam das 6:00h as 7:00h e a volta era a partir das 11h30min. Os que estudavam a tarde iam 12:00h e 17h30min. começava o retomo. Tinha também a passagem de madrugada para ir à física.Na cheia (período chuvoso) tinha pororoca e a canoa passava no meio e nada acontecia. Com a canoa cheia de passageiros, às vezes a água dava no “beiço" da canoa, mas nunca afundou. A gente desviava de galhos e troncos de árvores e bananeiras (ÂNGELO, “Major”).

Pelos relatos, é possível perceber qual era o perfil do estudante baronense

que freqüentava escolas na cidade de Floriano. Alguns eram de famílias mais

humildes, que retiravam do rio a sua subsistência, como nos relata Graça Silva:

O rio Parnaíba era a ligação com Floriano onde tinha um melhor ensino. Porém, arriscada a sua travessia. Como não tinha barragem a água ia até os pés de figueira que tinha próximos a Escola Paroquial, onde as canoas ficavam amarradas, uns 30 metros do cais, mais ou menos. Perto da margem tinha um comércio de peles e produtos extrativistas e cereais.O rio foi muito importante para nós. Foi dele que saiu o nosso sustento. Minha mãe foi lavadeira e abastecia as casas, botando água, que carregava em lata sobre a cabeça. Era lá no rio que ela fazia isso. Além disso, a gente pescava o peixe para comer. Eu pesquei muito com a minha mãe.

O balançar das canoas movimentava os sonhos dos jovens baronenses,

despertando o interesse pelo desconhecido, já percebido no tamanho esforço

realizado diariamente, contando, inclusive, com o apoio e a confiança dos pais na

realização desses sonhos:

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“Atravessar o rio era prática diária. Quando estudávamos em Floriano todo o dia tínhamos que sair cedo de casa, atravessar o rio e caminhar 1 km ou mais para chegar a escola e também tinha educação física que era 5:00h da manhã e às vezes nós é que levávamos a canoa porque não tinha canoeiro e atravessava com toda dificuldade. Mas era aquilo que os nossos pais queriam, que tivéssemos um aprendizado que ele não teve e que nos formássemos”. (JOSELITA DAMASCENO).“Isso fazia com que os estudantes se deslocassem para estudar em Floriano, com toda dificuldade, passando por canoas exposta ao sol e a chuva. Não era como hoje que as barcas são cobertas e com motor. Na época era a remo e a vela. E para os alunos era uma verdadeira maratona para chegar a escola”. De manhã cedo ia para a educação física e voltava para depois de um café (sorrir) retornava correndo para á escola. Era um negócio complicado" (PAULINO).“As dificuldades financeiras e estruturais eram aliadas nesta grande empreitada. As condições do trajeto de casa à escola eram precárias. Não tinha um cais construído com cimento. Dos dois lados era uma calamidade. A gente se sujava todo no inverno, sem contar com o perigo pelo qual corríamos no período chuvoso. O rio cheio e a correnteza da água podiam fazer do sonho uma tragédia. Mas como falei, era um sonho, e naquela época, nós aprendíamos a ser bravos, corajosos. Desistir nunca. Só se fosse por uma causa justa”(SALOMÃO PIRES).

Distantes dos progressos que alcançavam poucas cidades nordestinas,

todas as atividades realizadas continham uma combinação de trabalho e lazer. O

convívio com as diferentes atividades relacionadas com o Parnaíba começava muito

cedo, desde a infância, tornando-se rotineiro em uma dinâmica sociocultural que

tornava as pessoas, ainda crianças, responsáveis pelas atividades das quais eram

encarregadas.

Alguns fatos pitorescos, curiosos ou alegres, são lembrados pelos

entrevistados. Vale transferir para o leitor um desses fatos descrito por eles.

Em regra, todos os canoeiros eram prestativos, simpáticos. Alguns pediam que alguém ficasse olhando nas ruas para ver se aparecia estudante para ele esperar, porque se o aluno perdesse aquela canoa, perdería a aula. Mas nem todos eram assim.Outros eram carrancudos e por isso os estudantes evitavam “passar” com eles. Com um desses aconteceu que, ele já tinha se afastado uns 10 metros da rampa quando um estudante chegou correndo e gritou: espera aí Sr. Raimundo. Ele simplesmente parou onde estava. Como era na seca, o rio estava baixo ele conseguiu ficar segurando com a

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vara. E nós ficamos esperando que ele empurrasse a canoa de volta. E todos preocupados com o horário ficamos patéticos sem entender o porque da canoa parada. Quando ele muito imperioso diz para o rapaz: “Vem não mandou parar, estou te esperando” (VICENTE ALMEIDA).

Esse reconhecimento é como nos lembra Geertz (1997), quando diz: [...]

“forneceram as realidades mais inteligíveis [...] que permitiram ‘trazer’ as menos

inteligíveis (...) para o âmbito do entendível”. Sem a “arte" desses homens simples,

que colocavam a força no limite da sua capacidade, a travessia do rio podia ter

tornado mais difícil e ter tido outro sentido na história dos estudantes e transeuntes.

O rio tinha seus encantos, sua importância econômica e cultural, mas às

vezes era traiçoeiro e implacável.

Era sempre uma surpresa. Na seca era raso, mas a pessoa confiava e de repente tinha uma “camboa” e a pessoa se desequilibrava e terminava se afogando, se não tivesse alguém para salvar, morria mesmo. E na estação chuvosa, Nossa Senhora, era perigosíssimo, a sorte, que eram poucos meses assim, e logo passava, as águas baixavam e tudo voltava ao normal. Na década de 1950 e 1960, principalmente nos anos de 1960, alagou toda essa beira rio. A água veio até na casa das Netas, entrou na casa e foi um Deus nos acuda. Do lado de Floriano, a água ia até onde é hoje a Casa do Criador, próximo a Avenida Getúlio Vargas. A água era barrenta, da cor de suco de buriti e a correnteza era muito forte. Quando descia a água arrastava árvores pelo tronco e isso tornava perigoso o tráfego de canoas. Mas mesmo assim era feito, não tinha outro jeito (ALTANIR GÓES).

Geralmente, a passagem dos alunos para a escola começava às

6h30min, quando os mais precavidos chegavam mais cedo e em grupo para evitar a

canoa muito cheia ou para não perder tempo, esperando até completar a lotação.

Mesmo com a rigidez e a inconveniência do horário, os estudantes baronenses

obedeciam de forma assídua e pontual, como conta Angélica França, no depoimento

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a seguir, pois a escola era rigorosa e não abria precedentes. Dessa forma, entendia

que o aluno é que deveria se esforçar para cumprir as exigências da instituição.

Os alunos que moravam em Barão de Grajaú não recebiam nenhum tratamento especial por causa do rio. Tinham que cumprir os mesmos horários que os demais e sem nenhuma tolerância de horário ou qualquer outra.Nos primeiros anos de funcionamento tinha alunos de todas as idades, nos turnos diurno e noturno. Nesses anos iniciais só funcionava à tarde com inicio 13h00. Mas de manhã eles tinham que está aqui 5h30min. para a Educação Física.Nenhum aluno era discriminado pela escola.Os alunos de Barão de Grajaú a gente até esquecia das dificuldades para chegar aqui. Para não se atrasarem, os pais contratavam a canoa para o mês inteiro para evitar qualquer contratempo.

Um fato bastante lembrado pelos entrevistados, que fazia parte das

diferenças peculiares a cada cidade, eram as insinuações feitas e que, muitas vezes,

causavam brigas que se estendiam à escola e ao grupo de estudantes, sendo,

geralmente, iniciadas pelos colegas da cidade acolhedora. Mesmo tendo dezenas de

alunos maranhenses que estudavam em Floriano, a alusão era dirigida

especificamente aos de Barão de Grajaú, talvez por terem ligações mais próximas

com estes.

Era comum, alguns colegas caçoarem de nós, daqui de Barão, nos chamando de papa-arroz. Aí a coisa não prestava. Tinha um bate- boca terrível. Era papa-arroz pra lá, papa-bode pra cá e às vezes terminava em tapa. Os colegas se envolviam e uns mais exaltados, partiam para a luta corporal. Hoje a gente vê isso como uma bobagem (ALTANIR GOES).

Enfim, a história da cidade de Barão de Grajaú está entrelaçada com o rio

Parnaíba, assim como o rio Parnaíba tem uma história entrelaçada com as cidades

ou povoados banhada por ele. Trata-se de uma trama de muita cumplicidade no

desenvolvimento e no próprio crescimento pessoal de quem dele dependia.

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Mergulhar no interior dessas tramas é, talvez, a mais fascinante viagem da história

local aqui tratada.

História local, para Martins (2000), é uma história singular com os mesmos

“componentes universais da História”. Nela, não são notados grandes processos,

mas suas particularidades exprimem um momento de grande significação histórica.

É no âmbito local que a história é vivida e é onde, pois, tem sentido para o sujeito da História. Entre o homem comum e a história ele faz um abismo imenso, o abismo de sua alienação, de sua impotência diante das forças que ele próprio desencadeia quando, querendo ou não, junta a força da sua ação à práxis coletiva que cria o novo ou conserva o velho ( p 132).

O rio Parnaíba serviu também como fonte de inspiração para

maranhenses, mas isso se deu, especialmente, com os piauienses, mediante os

seus escritos em forma de romance, canções ou poesias, proclamando puro

sentimento de gratidão, esclarecendo as diferentes representações na vida de

ribeirinho do Parnaíba, como é proclamado em “A Balsa", do piauiense de Da Costa

e Silva (1985):

“ Esfolha-se a manhã em rosas de ouro, Sobre o rio caudal de águas ligeiras, A rolar em cachoes nas cachoeiras, Onde espuma rugindo como um touro. Os barcos, a sonhar no ancoradouro, Velas ao sol como asas e bandeiras, Agitam-se às canções das lavadeiras Que, pela riba, vão cantando em couro. E rio abaixo, sobre as águas claras, À superfície móvel da corrente, Desce uma tosca embarcação de varas. É a balsa - a leve habitação flutuante, Simples e boa, que transporta a gente da minha terra, no sertão distante.

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Esses versos poéticos traduzem a intimidade e a importância do Rio na

história daqueles que tinham, com ele, um contato direto, ficando marcadas nas

lembranças de quem vivenciou a época de euforia econômica, simbolizados nos

escritos poéticos. É uma exaltação à beleza, exuberância e à vida.

O Hino do Piauí, também de autoria de Da Costa e Silva, faz louvores ao

rio, numa verdadeira expressão de amor e da mais pura gratidão ao “Velho Monge”:

[...] As águas do PamaíbaRio abaixo, Rio arriba,Espalham pelo sertão e levam pelas quebradas, pelas várzeas e chapadas, teu canto de exaltação!

No Maranhão, terra de grandes poetas, o rio Parnaíba não foi exaltado

como no Estado vizinho, mas este rio está representado no brasão do Município de

Barão de Grajaú, como demarcador de fronteiras e integrador sociocultural. O rio,

também, deu inspiração a jovens estudantes daquela época, como Manoel Pereira

da Silva, resultando em uma poesia intitulada Atravessando o Pamaíba, que

expressa a importância do rio na vida cotidiana e fala do que mais caracterizava o

Parnaíba naquele momento, tais como passagem, canoa, pontão. Esta poesia não

foi publicada, e somente agora descoberta e selecionada para esse trabalho.

Atravessando o Parnaíba

A primeira moça passa e não me diz nada.A outra moça passa na canoa apressada. O homem esnobe passa.A terceira canoa passa atrasada, Ela que devia passar não passa.A dor também não passa.A decepção chega e depois passa.O homem com fome atravessa o rio, E a fome passa.Passa o carro no pontão,Deixando em mim a lembrança.

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Passa o encanto e o desencanto,Restando só esperança.Passa o velho e o novoNo Parnaíba que passa.A primeira canoa passa de novo,Somente ela não passaPassa o sorriso dos lábios da moça que acha graça,Passa o rico e o pobre,As canoas passam de volta,Passa o palhaço e faz graça,Ela que devia passar não passa.Passa a vontade de comer,E as águas do Parnaíba a correrPassa o dia e noite,Passando não sei pra queSomente ela não passaNão passa não sei por quê.

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa sobre a história da educação em Barão de Grajaú foi uma

tarefa extremamente difícil. Houve momentos em que tínhamos a impressão de estar

penetrando uma caverna, na tentativa de explorá-la. Como um desbravador, porém,

jamais pensamos em recuar. Seguindo cuidadosamente, com olhos e mente atentos,

as pistas que nos eram oferecidas, aos poucos, avistamos alguns raios de luz

indicando o caminho a seguir por uma pequena abertura e nos dando o norte.

Conseguimos, ao final, tecer algumas reflexões que nos permitem fazer algumas

considerações finais.

É possível asseverar que, embora o Maranhão participasse dos

acontecimentos e da grande efervescência sociocultural em que o Brasil se

encontrava nas décadas de 1940 a 1970, embora tudo se processasse de modo

muito mais intenso, o Município de Barão de Grajaú, pela sua distância da Capital,

São Luis, e pelo seu isolamento em razão das precárias condições das estradas,

ficava como área não alcançada pelas iniciativas do governo maranhense e, mesmo,

do que ocorria na Capital. Conquanto localizado às margens de um dos principais

rios do Nordeste, a sua vocação econômica era diferente do resto do Maranhão,

considerando-se que o Estado não precisou do Município para escoar seus

produtos. Taivez por isso o Município não tenha se desenvolvido, como também não

evoluiu no campo educacional. As famílias mais ricas tinham poucos recursos e

alguns chefes dessas famílias não haviam sequer frequentado uma sala de aula ou

aprendido a ler. Desse modo, mesmo instalado como ponto intermediário para o

comércio entre o sertão maranhense e o Piauí, Barão de Grajaú não obteve muito

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progresso, quanto comparado com o que ocorria em outras localidades e regiões do

País.

A estrutura do sistema de ensino apresentava muitas deficiências. As

poucas tentativas de melhoria educacional foram improdutivas, já que “o novo” se

restringia à contratação de professoras, visando ao crescimento da oferta de vagas,

portanto, sem oferecer condições necessárias de funcionamento, uma vez que não

ampliava espaço para a realização das aulas.

Até 1960, mesmo com toda a efervescência da política educacional, que

discutia o princípio da democratização com vistas à popularização do ensino, na

Sede do Município de Barão de Grajaú, funcionava apenas uma escola primária.

Diante da carência de escolas no Município, havia dois caminhos a seguir: um era a

recorrência à figura do professor particular ou mestre-escola e o outro era sair em

busca de escolas noutra cidade.

Graças à proximidade com a cidade de Floriano, no Piauí, a qual recebia

maiores atenções do governo do Estado, o Município de Barão de Grajaú não ficou

de todo isolado das transformações políticas, sociais, econômicas, educacionais e

ideológicas em curso, porque recorria àquela cidade na tentativa de acompanhar

todo o processo de mudanças que o país atravessava.

A mobilização pela educação popular, os progressos no setor viário e o

desenvolvimento comercial nos anos de 1940 a 1967 alteraram a rotina no Município

de Barão de Grajaú, e, embora tímidos, alguns avanços foram notados também na

esfera educacional, ressaltando que Barão de Grajaú recebeu esse beneficio

circunscrito apenas ao ensino primário.

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Após 1960, conforme as fontes consultadas, é possível notar a presença

de grande parcela da população frequentando a escola primária. Ao completar o

ensino primário, como não existia ginásio em Barão de Grajaú, os estudantes

baronenses tinham por opção se deslocar para a rede de ensino na cidade de

Floriano. Seria simples imaginar um trajeto normal de casa à escola, feito por

aqueles alunos, porém a existência de um rio, cuja travessia não era tão simples

como se pode pensar, representava também uma grande despesa para as famílias,

considerando que, naquela época, em uma cidade pequena e pobre, o aluno tinha

que pagar transporte diário para chegar à escola, o que revela o enorme esforço

despendido por aqueles pais, que acreditaram no potencial dos seus filhos, e nos

filhos, que assumiram e cumpriram a vontade dos pais.

A saída desses grupos de estudantes, diariamente, para as escolas na

cidade de Floriano mostra o distanciamento e o descaso político para com a

necessidade de escolas no Município, o que poderá ter contribuído, por sua vez,

para o atraso da educação escolar baronense. É possível também compreender que

os primeiros administradores, formados por pessoas de outras cidades maranhenses

e de Estados como Piauí e Ceará, atraídos pela atividade comercial que florescia em

Floriano, não tentaram recursos para melhorar o sistema educacional em Barão de

Grajaú. Assim, essa dependência educacional foi uma herança dos primeiros

tempos de Barão de Grajaú e foi passada de geração a geração. Os baronenses

não refletem sobre a sua não-identidade cultural, nem mesmo se reconhecem, como

maranhenses ou piauienses. A população acomodou-se à situação de dependência

do sistema escolar da vizinha cidade, que, por sua vez, era bem aparelhado e de

boa qualidade.

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Diante do que foi apresentado, nas décadas de 1940 e 1950, os

estudantes que migravam de Barão de Grajaú pertenciam a famílias com melhor

poder aquisitivo, procurando, inclusive, se integrar às famílias ricas de Floriano. A

partir de 1960, famílias mais humildes também recorreram aos serviços

educacionais na vizinha cidade. Foi possível, também, verificar como essa prática

contribuiu para maior afinidade cultural dos baronenses com os piauienses do que

com os maranhenses.

A relação entre as forças de expulsão e atração que motivou a migração

demonstra que a dependência de uma cidade em relação a outra ocorreu por fatores

políticos e estruturais que envolvem processos de formação da rede urbana,

considerando-se que os bens e os serviços de maior procura estão concentrados

em algumas cidades. Essa concentração gera a distinção nos serviços oferecidos e,

até mesmo, carências de acesso, dentre elas o de educação, onde as pessoas

interessadas por maior aprimoramento intelectual tendem a sair, atraídas por esses

serviços, quando não oferecida no local onde reside.

As memórias dos entrevistados nos revelaram a importância do rio

Parnaíba no cotidiano escolar, deixando entrever a magia contagiante que a

travessia diária do rio lhes proporcionava. Era uma combinação de alegria e medo.

Elas completam e dão forma ao entendimento sobre o sentido cultural daquele

deslocamento diário. Afinal, a história é feita por pessoas comuns e essas pessoas

ajudam agora, no presente, a organizá-la e a registrá-la para que não desapareça no

futuro.

Muitos nomes ligados á educação que não foram citados podiam ser

incluídos com suas memórias, não fosse a premência do tempo para a realização

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deste trabalho. Citamos, porém, o nome de um baronense - Eleutério Rezende - um

amante da cultura, da música e das artes, que, no campo da educação, se destacou

como professor em escolas de Floriano e compositor de músicas para

estabelecimentos educacionais nas duas cidades.

A história e a memória da educação de Barão de Grajaú, aqui estudadas,

é muito rica e variada, podendo ser trabalhada sob outros recortes e abordagens.

Por acreditar na importância de um trabalho dessa natureza, diante de uma

realidade preste a desaparecer, por estar sendo superada pelo curso dos

acontecimentos presentes, esperamos haver despertado o interesse pelo

conhecimento histórico da relação educacional entre as cidades de Barão de Grajaú

e Floriano, com o intuito de não apenas reproduzir, mas também, de refletir

criticamente sobre o sentido e os efeitos socioculturais desta relação, especialmente

no que se refere à formulação identitária dos baronenses e à distribuição desigual de

benefícios e oportunidades educacionais inscrita na história das políticas

educacionais no Brasil.

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FONTES ORAIS - Entrevistados pela pesquisadora Inaura Ma de Almeida Silva

1. Adelina Ferreira de Almeida. Entrevista concedida em 12 de fevereiro de 2004.

2. Ailda Rios Cunha. Entrevista concedida em 14 de fevereiro de 2005.

3. Aldii Carvalho. Entrevista concedida em 12 de junho de 2004.

4. Altanir Góes. Entrevista concedida em 12 de março de 2004.

5. Alexandre Dias Azevedo. Entrevista concedida em 30 de março de 2004.

6. Ângelo Ferreira Nascimento. Entrevista concedida em 23 de março de 2004.

7. Helena Barros Helluy. Entrevista concedida em 09 de abril de 2004.

8. Idalina Menezes Rezende. Entrevista concedida em 01 de maio de 2004.

9. Joselita Góes Damasceno. Entrevista concedida em 05 de março de 2004.

10. Justina Freitas Pereira. Entrevista concedida em 27 de abril de 2004.

11. Maria Angélica de França. Entrevista concedida em 17 de novembro de 2004.

12. Maria Efigênia G. Ramos - “maroquinha”. Entrevista concedida em 12 de março

de 2004

13. Maria das Graças Pereira da Silva. Entrevista realizada concedida em 21 de

maio de 2005.

14. Paulino Carvalho. Entrevista realizada concedida em 17 de dezembro de 2003.

15. Salomão Pires de Carvalho. Entrevista realizada concedida em 18 de setembro

de 2004

16. Sebastião da Costa Ribeiro. Entrevista realizada em 10 de maio de 2004.

17. Vicente Almeida Neto. Entrevista realizada em 06 de abril de 2004.

18. Zuleide Souza Silva. Entrevista realizada em 25 de abril de 2004.