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Ana Catarina Monteiro Santos Jardim Impacto do processamento sensorial no perfil funcional de crianças com Paralisia Cerebral Projeto elaborado com vista à obtenção do grau de Mestre em Terapia Ocupacional, na Especialidade de Integração Sensorial Orientador: Professora Doutora Isabel Ferreira, Professor Adjunto, Terapeuta Ocupacional. Junho, 2012

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Ana Catarina Monteiro Santos Jardim

 

 

 

 

 

 

 

Impacto do processamento sensorial no perfil funcional de

crianças com Paralisia Cerebral  

 

 

Projeto elaborado com vista à obtenção do grau de Mestre em Terapia Ocupacional, na

Especialidade de Integração Sensorial

Orientador: Professora Doutora Isabel Ferreira, Professor Adjunto, Terapeuta Ocupacional.

Junho, 2012

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Trabalho de Projeto

Impacto do processamento sensorial no perfil funcional de crianças com Paralisia Cerebral

 

     

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1. Resumo

A paralisia cerebral é um distúrbio do movimento e postura que perturba o normal

desenvolvimento do cérebro coexistindo frequentemente défices do processamento sensorial.

Aliada frequentemente à falta de independência em competências de auto-cuidados e rotinas e

participação social devido à fraca mobilidade, confere défices neuromotores e sensoriais nas

competências escolares de escrita e movimentos finos, cognitivos e/ou défices de perceção visual

limitando a ativa exploração do ambiente.

O principal objetivo deste estudo é averiguar se existe impacto do processamento

sensorial no padrão de desenvolvimento das capacidades funcionais de crianças com paralisia

cerebral.

Da amostra fizeram parte 42 crianças com patologia diagnosticada com idades

compreendidas entre 1 e 7 anos. A recolha dos dados realizou-se através dos instrumentos de

avaliação IPAI, avaliando o padrão funcional (na autonomia pessoal, mobilidade, socialização e

independência funcional) e da checklist de observação do processamento sensorial em crianças

com paralisia cerebral que avalia o processamento sensorial (no processamento tátil,

propriocetivo e vestibular).

Os resultados mostraram que as crianças com paralisia cerebral têm mais assistência dos

cuidadores ao nível da mobilidade e que o processamento sensorial se relaciona com os domínios

de autonomia pessoal, socialização e assistência do cuidador, mas não com a mobilidade,

podendo-se afirmar que existe um impacto proporcional do processamento sensorial no padrão

funcional destas crianças. Esta investigação pode colmatar algumas lacunas no conhecimento do

desenvolvimento do processamento sensorial podendo guiar os profissionais a organizar os

aspetos da vida da criança e responder às solicitações do meio promovendo uma participação

eficaz nos papéis ocupacionais.

Palavras-chave: Paralisia cerebral, processamento sensorial, funcionalidade, reabilitação.

Abstract

Cerebral palsy is a disorder of movement and posture that disrupts the normal

development of the brain often coexisting sensorial processing deficits. It is often allied to the

lack of independence in self-care skills and routines and social participation due to poor

mobility, shows neuromotores and sensory deficits in school skills such as writing and fine

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movements, cognitive and/or visual perception deficits limiting the active exploration of the

environment.

The main goal of this study is to ascertain whether there is sensory processing impact on

the pattern of development of functional capabilities of children with cerebral palsy.

The sample included 42 children with diagnosed pathologies aged between 1 and 7 years

old. Data collection took place through the evaluation instruments, evaluating the functional

standard IPAI (on autonomy, mobility, person functional independence and social function) and

sensory processing observation checklist in children with cerebral palsy that evaluates the

sensory processing (tactile, vestibular and proprioceptive processing).

The results showed that children with cerebral palsy have further assistance of caregivers

at the level of mobility and sensory processing that relates to the areas of personal autonomy,

social function and assistance from the caregiver, but do not have with mobility, which ables us

to affirm that there is a proportional impact of sensory processing in functional pattern of these

children. This research can fill some gaps in knowledge of sensory processing development and

guide the professionals organizing aspects of the child's life and satisfying the demands through

the effective participation in promoting occupational roles.

Key-words: Cerebral palsy, sensory processing, functionality, rehabilitation.

2. Introdução

A Paralisia Cerebral (PC) é um termo de âmbito muito alargado que engloba situações de

deficiência com perda de aptidões e disfunções em múltiplas e diversificadas áreas do

desenvolvimento da criança e que persistem ao longo da vida. A PC compreende um grupo de

desordens no desenvolvimento do movimento e postura que causam limitações na atividade e por

sua vez perturbam o normal desenvolvimento do cérebro (Rosenbaum, Paneth, Leviton,

Goldstein & Bax, 2007).

Em países desenvolvidos observou-se um aumento nos casos de PC nas duas últimas

décadas, com índices de prevalência dos casos moderados e severos variando entre 1,5 e 2,5 por

1.000 de nascimentos. Estes dados têm sido atribuídos à melhoria dos cuidados médicos

perinatais contribuindo para o aumento da sobrevivência de crianças com idade gestacional e

baixo peso ao nascimento cada vez mais extremos. Estima-se que existam cerca de 37 milhões

de pessoas com deficiência na União Europeia. Segundo os resultados dos Censos 2001, em

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Portugal cerca de 6 pessoas em cada 100 eram portadoras de algum tipo de deficiência. A PC, do

total de pessoas com deficiência, com 2,4% era a menos representativa da população.

Existem diferentes tipos de PC, dependendo da zona do cérebro que tiver sido afetada, e

cada uma é reconhecida pela forma como o tónus da criança é alterado (Pellegrino, 2002). Os

tipos são denominados por espástico, disquinésia e ataxia. O tipo espástico é caraterizado por

padrões anormais de postura e/ ou movimento, pelo aumento do tónus e por reflexos patológicos;

a disquinésia é caraterizada por padrões anormais de postura e/ ou movimento, movimentos

involuntários, descontrolados, recorrentes e ocasionalmente estereotipados, podendo ser descrita

pela distonia (diminuição da atividade através de movimentos rígidos e aumento do tónus) e pela

coreoatetose (aumento da atividade motora através de movimentos desorganizados e pela

diminuição do tónus); e a ataxia é caraterizada por padrões anormais de postura e/ou movimento,

incoordenação motora e movimentos realizados com força e precisão anormais.

A PC pode também ser classificada de acordo com a área do corpo afetada (Pellegrino,

2002). Pode ser hemiplégica, implicando o envolvimento de um lado do corpo, com o membro

superior mais afetado do que no membro inferior; pode ser diplégica, implicando o envolvimento

dos membros inferiores e pode ser tetraplégica quando todos os membros e o tronco são

afetados, bem como os músculos que controlam a boca, a língua e a faringe.

Segundo o Manual Ability Classification System (MACS), Sistema de Classificação das

Capacidades de Manipulação (SCCM) desenvolvido por Eliasson, Krumlinde Sundoholm,

Rösblad, Beckung, Arner, Öhrvall e Rosenbaum (2006), que descreve o modo como as crianças

com PC usam as mãos para manipular objetos nas atividades da vida diária, são considerados

cinco níveis, baseados na capacidade da criança iniciar e realizar por si própria a manipulação

dos objetos e na necessidade de assistência ou adaptações para desenvolver as atividades de

manipulação na vida diária.

Com base no SCCM, o nível I refere-se à manipulação de objetos facilmente e com

sucesso. A criança possui limitações nas tarefas manuais que requerem rapidez e precisão.

Contudo qualquer limitação da função manual não restringe a independência nas atividades da

vida diária. O nível II refere-se à manipulação da maioria dos objetos mas com menor qualidade

e/ou velocidade; algumas atividades podem ser evitadas ou só serem conseguidas com alguma

dificuldade; podem ser utilizadas estratégias alternativas, mas a função manual não evitadas ou

só serem conseguidas com alguma dificuldade; podem restringir geralmente a independência nas

atividades da vida diária. O nível III refere-se à manipulação de objetos com dificuldade;

necessita de ajuda para preparar e/ou modificar a atividade e o desempenho é lento e tem sucesso

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limitado em relação à qualidade e quantidade. As atividades são efetuadas com autonomia mas

só se forem preparadas ou com adaptações. O nível IV refere-se à manipulação de uma seleção

de objetos facilmente manipuláveis necessitando de adaptações; executa parte da atividade com

esforço e sucesso limitado. Necessita de apoio contínuo e/ou equipamento adaptado mesmo para

a realização parcial da atividade. O nível V refere-se à não manipulação de objetos e limitações

graves na realização de qualquer atividade, mesmo ações muito simples; requer assistência total.

Habitualmente a deficiência motora é a mais evidente, mas coexistem frequentemente

défices percetivos, perturbações sensoriais, nomeadamente na visão e audição, défice na

linguagem e fala, dificuldades nos processos cognitivos e na aprendizagem, epilepsia e

alterações comportamentais em adição aos défices neuromotores. Os problemas de

processamento sensorial em crianças com PC têm tido ênfase na última década. Moore (1984,

citado por Blanche, Botticelli, & Hallway, 1995) identificou três locais do SNC com danos que

resultam em disfunções no processamento sensorial que são frequentemente associadas à PC.

Esses locais incluem o cerebelo, o gânglio-basal, o tálamo, o córtex e o sistema piramidal. Danos

no cerebelo resultam em ataxia. O cerebelo é também o maior centro de processamento

sensorial, assim a ataxia é frequentemente acompanhada de desordens do processamento

sensorial. Crianças com problemas no córtex cerebral e no trato piramidal apresentam

espasticidade. Estas crianças podem também exibir défices na capacidade para filtrar o input

sensorial, tendo o sistema piramidal um importante papel na regulação da informação sensorial.

Problemas nestas áreas resultam em problemas/défices sensoriais e motores.

Os défices de processamento sensorial e de praxis são frequentemente mal interpretados

como deficiências neuromotoras e portanto, devem ser avaliados usando observações e

avaliações especificamente para investigar os sistemas sensoriais e a praxis (Schaaf & Roley,

2001). As crianças com PC demonstram frequentemente falta de independência em

competências de auto-cuidados e rotinas diárias; falta de participação social devido à fraca

mobilidade, competências lúdicas em atraso devido a défices neuromotores e sensoriais e,

dificuldades nas competências escolares devido às pobres competências de escrita e movimentos

finos, cognitivos e/ou défices de perceção visual. Os défices de perceção visual podem também

limitar a ativa exploração do ambiente em que a criança se insere e interferir com o brincar e a

participação social. Segundo Kandel et al. (2000) e Shepherd (1994) as desordens sensoriais

podem afetar negativamente as competências funcionais e de desenvolvimento nos domínios

emocionais, motores e cognitivos. As crianças com PC apresentam frequentemente um ou mais

défices de processamento sensorial, incluindo proprioceção, défices táteis relacionados com

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tónus muscular atípico e pobre perceção visual que limita a consciência corporal e o

planeamento motor. Schaaf e Roley (2001) referem que devido à falta de movimento e

subsequentes limitações na exploração ativa do ambiente, a criança com PC não tem uma base

sólida de experiências sensoriais e motoras, o que afeta a sua capacidade para gerar padrões de

movimento. As referidas limitações podem afetar a praxis e a perceção visual.

As crianças com esta patologia podem ainda demonstrar uma grande variedade de défices

de processamento sensorial, que incluem a pobre modulação e discriminação das sensações,

inadequada ou falta de feedback sensorial, e dificuldades na base sensorial do planeamento

motor (dispraxia) que resulta na pobre organização do comportamento. Para crianças com PC, as

desordens neuromotoras e as desordens na base sensorial do planeamento (dispraxia) podem co-

existir e ser confusas, por conseguinte, é importante distinguir ambas (Blanche & Nakasuji,

2001).

Os défices de processamento sensorial podem ser mais limitantes do que as desordens de

execução motora. As crianças com dispraxia têm dificuldades em organizar o ato motor, o que

resulta na pobre organização do comportamento e na orquestração das rotinas diárias (Blanche &

Parham, 2001).

A avaliação do processamento sensorial e praxis nesta patologia específica é uma tarefa

complicada pois muitas das caraterísticas comportamentais associadas com as desordens de

processamento sensorial em crianças sem desordens neuromotoras podem estar presentes em

crianças com PC. Uma regra para identificar desordens do processamento sensorial em crianças

com PC é suspeitar da presença de disfunção do processamento sensorial quando a criança

responde atipicamente a estratégias de intervenção que incluam desordens de movimento. A

maioria das ferramentas de avaliação que os técnicos utilizam frequentemente para avaliar as

competências do processamento sensorial e da praxis pressupõe muito pouco ou nenhum

envolvimento neuromotor e por conseguinte têm pouca validade para crianças com dificuldades

motoras. A identificação das desordens de modulação sensorial em crianças com PC é

particularmente difícil, e, tais desordens muitas vezes permanecem despercebidas, mesmo

quando afetam tanto ou mais o desempenho motor da criança do que as disfunções neuromotoras

(Schaaf & Roley 2001).

Sendo os problemas de movimento tão aparentes, são na maioria das vezes a razão pela

qual essas crianças são encaminhadas para terapia. Por outro lado, as razões que as crianças com

problemas de processamento sensorial são encaminhadas para terapia incluem problemas

motores, comportamentais e de aprendizagem. Ao analisar o motivo de encaminhamento, o

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terapeuta deve também considerar o papel da criança na família, as expetativas da família e o

ambiente social e físico da casa. No caso de desordens de processamento sensorial é importante

questionar acerca da possibilidade de um diagnóstico médico ou educacional, o seu desempenho

na escola e os resultados de testes psicológicos. Os cuidadores poderão fornecer informação

acerca do comportamento da criança com outras crianças, o seu desempenho em atividades de

autonomia e a estrutura da rotina diária; por exemplo, crianças com desordens no processamento

sensorial poderão ter dificuldade em manipular ou manusear utensílios. Apesar da patologia ser

muitas vezes descrita como uma desordem sensório-motora, o défice motor é cada vez mais o

foco de atenção na avaliação e tratamento. Face ao conceito alargado das perturbações do

desenvolvimento, torna-se essencial em relação à PC definir e caraterizar melhor as diversas

formas clínicas através de avaliações específicas das várias funções: motoras, percetivas,

cognitivas, comportamentais e emocionais. O quadro clínico da PC altera-se com a idade,

estando dependente do desenvolvimento e maturação do sistema nervoso central e também dos

fatores extrínsecos e oportunidades de atividade e participação da criança.

Obter informações acerca do desempenho funcional em atividades de autonomia pessoal,

de mobilidade e de socialização em crianças com PC é extremamente relevante, uma vez que as

dificuldades no desempenho das mesmas constituem, geralmente, a queixa principal de crianças,

pais e familiares. Através do Inventário Pediátrico de Avaliação das Incapacidades (IPAI)

desenvolvido por Haley, Coster, Ludlow, Haltiwanger, e Andrellos, (1992), instrumento que será

usado no presente estudo, será possível obter um perfil funcional das crianças com PC, nos

domínios acima referidos, bem como na assistência do cuidador e adaptações, sendo possível

identificar qual o domínio mais afetado. No que diz respeito à avaliação do processamento

sensorial, a falta de validade e de confiabilidade nas ferramentas de avaliação realça a

necessidade de precaução na análise das competências em crianças com PC nesta área. Esta

análise cuidada é originada através de um sólido entendimento das desordens neuromotoras e de

processamento sensorial que estão subjacentes às limitações funcionais da criança. No presente

estudo foi utilizada a Observation List: Sensory Processing in Children with Cerebral Palsy,

desenvolvida por Blanche, Botticelli e Hallway (1995) uma checklist que não se encontrava

traduzida e adaptada para a população portuguesa, e na qual o número de respostas “Sim” a

qualquer item é sugestiva de défices de processamento sensorial.

Perceber qual a relação entre os défices de processamento sensorial e o impacto no

desempenho da rotina diária das crianças com PC na realidade de uma amostra da população

portuguesa é essencial, de forma a que os Terapeutas Ocupacionais e todos os profissionais de

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saúde envolvidos no processo terapêutico da criança estejam mais alerta para avaliar de forma

cuidada e para que sejam delineadas prioridades de intervenção mais adequadas, promovendo o

desempenho de atividades e tarefas funcionais.

Assim, o objetivo deste estudo é verificar se existe impacto do processamento sensorial

no padrão de desenvolvimento das capacidades funcionais de crianças com paralisia cerebral.

Como objetivos específicos: averiguar se existem diferenças significativas entre os

domínios do instrumento de avaliação IPAI; averiguar se existem diferenças significativas por

cada um dos domínios do instrumento de avaliação IPAI consoante o género e o grupo etário da

amostra e verificar se há relação entre o padrão funcional resultante do instrumento de avaliação

IPAI e o processamento sensorial dado pela checklist de observação do processamento sensorial.

3. Metodologia

O presente estudo é um estudo descritivo inferencial, dado que pretendeu explorar

relações entre variáveis e descrevê-las.

A estatística descritiva centra-se no estudo de caraterísticas não uniformes das unidades

observadas ou experimentadas, utilizando-se para descrever dados através de indicadores

denominados estatísticas, como é o caso da média e do desvio padrão. Em termos inferenciais,

ou seja, para efeitos de generalização dos resultados obtidos na amostra para a totalidade da

população de onde provêem comparam-se as proporções dos inquiridos nas diferentes categorias

das variáveis (Pestana & Gageiro, 2008).

3.1 Participantes

Este estudo contou com a participação de uma amostra não-probabilística, pois foi

baseada na avaliação de outros Terapeutas Ocupacionais, bem como outros profissionais que

intervieram com crianças com paralisia cerebral, decidindo conscientemente os elementos a

serem incluídos na amostra.

Para a constituição da amostra foram tidos em conta como critérios de inclusão, os

seguintes aspetos: crianças que apresentem patologia diagnosticada de paralisia cerebral sem que

apresentem distúrbios associados (como por exemplo epilepsia), que tenham idade cronológica

entre os seis meses e os sete anos e meio e que estejam previamente classificadas até ao nível IV

segundo o Manual Ability Classification System (MACS), Sistema de Classificação das

Capacidades de Manipulação (SCCM) (Elisson et. Al, 2006).

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Para a participação no grupo as crianças classificadas com nível V foram excluídas, pois

os autores Parette e Houcarde (1984) referem que em crianças com patologia severa pode ser

mais difícil o uso do instrumento de avaliação Inventário Pediátrico de Avaliação das

Incapacidades (IPAI), na medida em que se pretende uma manutenção dos presentes níveis de

funcionamento motor (atrasar ou prevenir a instalação de deformidades osteoarticulares).

Os participantes foram recrutados em Instituições públicas e privadas, nomeadamente

Associações de Paralisia Cerebral, IPPS’s, Cerci’s, ACES-Centros de saúde e Jardins de

Infância. Todas as crianças que fazem parte deste estudo residem em Portugal continental e ilhas

(Arquipélago da Madeira e Açores).

De acordo com os critérios previamente estipulados pela investigadora este estudo contou

com a participação de uma amostra constituída por 42 crianças com diagnóstico de paralisia

cerebral, da qual fazem parte 25 elementos do sexo masculino e 17 elementos do sexo feminino,

sendo que a idade mínima é de 1 e a máxima de 7 anos ( =4,45; dp = 1,565), apoiadas

maioritariamente em centros de reabilitação.

O quadro 1 apresenta informações descritivas caraterizando a amostra relativamente às

variáveis consideradas como a idade, género, situação de atendimento da criança, grau de ensino

e relação do entrevistado com a criança, bem como o seu género.

Quadro 1. Análise descritiva das crianças com patologia de Paralisia Cerebral.

Variáveis

4,45

dp 1,565 Máximo 7

Idade (anos)

Mínimo 1

Masculino

25 Género

Feminino 17

Domicílio 3 Situação da criança Reabilitação 39

Creche 2

Jardim de infância 1

Grau de ensino 1º Ciclo 39

Masculino 1

Género do entrevistado Feminino 41

Mãe 35 Pai 1

Terapeuta Ocupacional 1

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Tia 1 Avó 1

Gestor/ a de caso 2

Relação com a criança

Fisioterapeuta 1

3.2 Instrumentos de recolha de dados

As crianças da amostra foram avaliadas pelo instrumento funcional inventário Pediátrico

de Avaliação das Incapacidades (IPAI), que foi traduzido para a língua portuguesa e adaptado

para contemplar as especificidades sócio-culturais por Moreira (2002). O teste foi criado por

Haley, Coster, Ludlow, Haltiwanger, e Andrellos, em 1992 com o nome de Pediatric Evaluation

of Disability Inventory (PEDI).

O IPAI é um teste padronizado baseado em julgamento, realizado por meio de entrevista

estruturada com os pais ou responsáveis pela criança que possam informar e assim obter uma

descrição cuidadosa da capacidade ou do conhecimento profundo das aptidões funcionais da

criança, o nível de independência no desempenho de atividades funcionais complexas e a

avaliação das adaptações necessárias para desempenhar atividades funcionais da criança na faixa

etária entre os seis meses e os sete anos e meio.

Dependendo das circunstâncias, os entrevistados mais comuns são os pais ou outros

cuidadores com conhecimentos sobre a criança e os profissionais que são encarregados de dar

um conjunto de serviços à criança, nomeadamente Terapeutas Ocupacionais e Fisioterapeutas.

Pode ser aplicado a crianças com uma grande diversidade de perturbações que resultem

em desvantagens nas áreas da autonomia pessoal, mobilidade e socialização. Em determinadas

situações e constrangimentos rigorosos de tempo impedem a administração do IPAI (partes I, II e

III) sem a existência de uma entrevista estruturada (administração aconselhada para o

preenchimento do Instrumento de avaliação).

O IPAI está dividido em três partes distintas que informam sobre três áreas de

desempenho funcional. A primeira parte documenta as competências funcionais da criança nas

seguintes escalas: autonomia pessoal (n = 73 itens que informam sobre alimentação, banho,

vestir, higiene pessoal e uso da casa de banho), mobilidade (n = 59 itens sobre transferência,

locomoção em ambientes internos e externos e uso de escadas) e socialização (n = 65 itens sobre

compreensão funcional, expressão funcional, resolução de problemas, brincar, auto- informação,

orientação temporal, participação em tarefas domésticas, auto- proteção, função na comunidade).

Cada item é avaliado com uma pontuação 0 (zero) se a criança não for capaz de desempenhar a

atividade ou 1 (um) se for capaz de desempenhar a atividades ou a mesma já fizer parte do seu

reportório funcional. Cada escala do teste fornece uma pontuação total que é o resultado da

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pontuação dos itens da mesma. O manual fornece critérios específicos para pontuação de cada

item do teste.

A segunda parte do IPAI quantifica o auxílio fornecido pelo cuidador para a criança

desempenhar oito tarefas de autonomia pessoal, sete tarefas de mobilidade e cinco tarefas de

socialização. Nesta parte, a quantidade de assistência é avaliada em escala ordinal, incluindo as

seguintes categorias: 0 (assistência total), 1 (assistência máxima), 2 (assistência moderada), 3

(assistência mínima), 4 (supervisão) e 5 (independente). Na parte II do teste IPAI, a

independência da criança é documentada de forma inversa à quantidade de ajuda fornecida pelo

cuidador. A terceira parte do IPAI constitui uma lista de modificações utilizadas pela criança

para realizar as tarefas funcionais.

Juntamente com o instrumento de avaliação IPAI, as crianças foram avaliadas através de

uma checklist denominada Observation List: Sensory Processing in Children with Cerebral

Palsy, que não se encontrava traduzida nem adaptada à língua portuguesa. Esta checklist de

Observação foi desenvolvida por Blanche, Botticelli e Hallway em 1995, propositadamente para

crianças com diagnóstico de paralisia cerebral, sem limite de idade. Esta checklist deverá

também ser preenchida por profissionais que são encarregados de dar um conjunto de serviços à

criança com paralisia cerebral, nomeadamente Terapeutas Ocupacionais e Fisioterapeutas à

semelhança do preenchimento do instrumento de avaliação IPAI.

Foi realizada a tradução da checklist e respetiva adaptação linguística avaliada através da

opinião de um leque de peritos, com formação em Terapia Ocupacional, a trabalhar na área da

Pediatria e que usam na sua prática a teoria da Integração Sensorial. Existe uma grande

variedade de testes estandardizados desenvolvidos para populações específicas para avaliar o

processamento sensorial, contudo não são aplicáveis a crianças com paralisia cerebral e

fornecem apenas informação limitada quando administrados a estas crianças (Blanche, Botticelli,

& Hallway, 1995).

Esta checklist foi desenhada para guiar o processo de observação e é composta por quatro

domínios (Processamento do Estímulo Tátil; Processamento do estímulo Propriocetivo;

Processamento do estímulo vestibular e Hiperatividade ao movimento). Cada item é avaliado por

uma escala “sim”, “não” e “às vezes”. Não há uma percentagem estabelecida de respostas “sim”

que possa sugerir disfunção, no entanto uma correlação direta entre o número de respostas “sim”

é um risco aumentado para problemas de processamento sensorial. Os itens que se apresentavam

na negativa foram invertidos.

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3.3 Procedimentos

Primeiramente foram efetuados pedidos de autorização aos autores dos instrumentos de

avaliação a ser utilizados, através de correio eletrónico. As autorizações foram concedidas pelas

autoras Wendy Coster e Erna Blanche.

Como a checklist a ser utilizada, denominada “Observation List: Sensory Processing in

Children with Cerebral Palsy” apenas se apresentava disponível na sua versão original (inglês)

procedeu-se à adaptação linguística do instrumento de avaliação. A adaptação inter-cultural de

um instrumento envolve dois passos principais: (1) avaliação das equivalências conceptuais e

linguísticas, e (2) avaliação das propriedades psicométricas. A avaliação das equivalências

conceptual e linguística iniciou-se pela produção de uma tradução. Para conceitos

potencialmente ambíguos devem o tradutor e o investigador estar em sintonia com o autor do

instrumento original relativamente à semântica dos conceitos utilizados. A metodologia utilizada

compreendeu uma tradução, realizada por um tradutor independente, bilingue e multi-

profissional. Após a elaboração da tradução, a lista de observação foi submetida a um pré-teste e

para tal foi enviada a um grupo de Terapeutas Ocupacionais (11) com requisitos que

compreenderam: trabalhar na área da Pediatria, num período igual ou superior a três anos e ter

conhecimentos e utilizar a intervenção da Integração Sensorial na sua prática profissional. Os

Terapeutas Ocupacionais foram na sua totalidade do sexo feminino e relativamente às

habilitações literárias destaca-se o facto de todos os terapeutas possuírem licenciatura em Terapia

Ocupacional e 50% possuírem um curso de pós-graduação em Integração Sensorial.

Para a recolha dos dados foi utilizado um questionário, constituído por cinco grelhas,

correspondentes a cada domínio que compõe a lista de observação. Cada grelha foi constituída

pelas questões em análise, seguida de uma escala de Likert, para avaliar o grau de concordância

com a formulação da questão, que está numerada de 1 a 5: (1) Concorda sem reservas com o

modo como a questão está formulada; (2) Concorda na generalidade com a forma como a

questão está formulada mas propõe alterações. Faça a sugestão.; (3) Não concorda com a forma

como a questão está formulada e propõe alterações substanciais. Faça a sugestão.; (4) Discorda

totalmente com a formulação da questão. Faça a sugestão.; (5) Sem opinião). Para cada questão,

existe um espaço para sugestões de alteração à formulação da questão.

Este questionário, bem como uma carta de apresentação onde se explicita o pretendido

foi enviado para os terapeutas, através de correio eletrónico, juntamente com a versão original e,

após o seu preenchimento, foi reencaminhado para a investigadora. Foi posteriormente marcada

uma reunião entre a investigadora e a orientadora, de modo a analisar o conteúdo das sugestões.

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12  

Durante esta reunião, procedeu-se à modificação de algumas questões, com base nas sugestões

propostas e que se consideraram simplificar a formulação da questão (as questões que foram

modificadas aparecem nas tabelas a negrito). Após as modificações, o instrumento de avaliação

foi construído, mantendo o formato original. 

Após a obtenção de uma versão final da checklist procedeu-se ao levantamento dos locais

que pudessem integrar crianças com a patologia pretendida para o estudo. Seguidamente ao

levantamento prévio dos locais foram enviados pedidos de autorização por correio e correio

eletrónico para os locais, através de uma carta ou email onde é explicitado o que se pretende

avaliar com o presente estudo, bem como os critérios de inclusão. Mediante a aquisição de

autorização das Organizações, foram enviados os instrumentos de avaliação, bem como um

pedido de autorização aos pais ou responsáveis pelas crianças, com representação do estudo em

curso e uma carta de apresentação da investigadora aos Terapeutas Ocupacionais (ou outro

profissional de saúde com conhecimento acerca da criança, apto a preencher os instrumentos de

avaliação).

Aquando do envio dos instrumentos de avaliação, seguiu também um envelope para

retorno dos mesmos, pré-pago, não necessitando as entidades de mais encargos. Os pedidos de

autorização às Organizações perfizeram um total de cerca de 120 pedidos. Após o preenchimento

de ambos os instrumentos de avaliação enviados foi solicitado às Organizações que os

devolvessem por correio através do envelope pago ou por correio eletrónico, dada a

indisponibilidade de entrevistas estruturadas e observação direta das crianças por parte da

investigadora.

A distribuição dos questionários teve lugar durante os meses de Fevereiro a Abril de

2012, sendo entregues 64 instrumentos de avaliação. A recolha dos dados decorreu nos meses de

Abril e início de Maio de 2012, sendo devolvidos 42 instrumentos de avaliação preenchidos.

Neste estudo foi usada, para analisar os dados sócio - demográficos da amostra, estatística

descritiva: análise de frequências para as variáveis com escala qualitativa e média e desvio

padrão para as que têm escala quantitativa.

4. Resultados

Um potencial utilizador de um instrumento deverá examinar a evidência da validade no

contexto da sua prática, para o instrumento que pretende utilizar. Sem esquecer de proporcionar

qualidade da medida, os instrumentos devem satisfazer os requisitos das propriedades empíricas,

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13  

tais como a fiabilidade.

A fiabilidade de uma medida refere a capacidade desta ser consistente. Se um

instrumento de medida dá sempre os mesmos resultados (dados) quando aplicado a alvos

estruturalmente iguais, podemos confiar no significado da medida e dizer que a medida é fiável.

Dizemo-lo porém com maior ou menor grau de certeza porque toda a medida é sujeita a erro.

Assim a fiabilidade que podemos observar nos nossos dados é uma estimativa, e não um “dado”

(Maroco & Garcia-Marques, 2006). Para tal, foi calculada a consistência interna, através do

coeficiente Alpha de Cronbach (α), o qual pode definir-se como a correlação que se espera obter

entre a escala usada e outras escalas hipotéticas do mesmo universo, com igual número de itens,

que meçam a mesma característica, variando entre 0 e 1 (Pestana & Gageiro, 2008). Os valores

apresentados foram provenientes dos resultados encontrados pela autora do estudo.

Assim, para o teste IPAI, o Alpha de Cronbach é de 0,9858, que se considera ter uma

consistência interna muito boa e a checklist de processamento sensorial tem um Alpha de

Cronbach de 0,6446, que indica uma fraca consistência interna, contudo aceitável dado o

reduzido número de itens. Da checklist de processamento sensorial foram eliminados três itens

pois afetavam o valor de alfa (nomeadamente o item 6 do domínio Hipo-responsividade ao toque

e os itens 4 e 5 do domínio Hipo-responsividade ao movimento).

De modo a averiguar se existem diferenças significativas entre os domínios do

instrumento de avaliação IPAI, nomeadamente a autonomia pessoal, a mobilidade, a socialização

e a assistência do cuidador e assim comparar as dimensões entre si, converteram-se as

pontuações da escala de 0 a 1 para uma escala de 0 a 100.

Como a amostra tem uma dimensão elevada (n > 30) não é necessária a aplicação de

testes de normalidade, sendo possível a aplicação do Teorema do limite central que refere que

para amostras independentes com n>30 sujeitos não é necessário testar a normalidade pois

garante aproximação à distribuição normal.

A fim de se averiguar a existência de diferenças significativas nas quatro dimensões foi

utilizada uma Anova para amostras repetidas.

Este teste revelou a existência de diferenças significativas (F (1,602) = 3,657, p < 0,05)

para os domínios do teste IPAI, nomeadamente na autonomia pessoal, na mobilidade, na

socialização e assistência do cuidador recorrendo-se então a um teste de comparações múltiplas,

de forma a verificar em que domínios do teste se verifica esta diferença, como revela o quadro 2.

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14  

Quadro 2. Resultados do teste de comparações múltiplas.

Pairwise Comparisons

Measure:MEASURE_1

95% Confidence Interval for

Differencea

(I) DimesõesIPAI (J) DimesõesIPAI

Mean Difference

(I-J) Std. Error Sig.a Lower Bound Upper Bound

Mobilidade -4,881 3,438 ,163 -11,825 2,062

Socialização -3,610 2,113 ,095 -7,878 ,658

Autonomia pessoal

Assistência do

cuidador

4,282* 1,807 ,023 ,633 7,931

Autonomia pessoal 4,881 3,438 ,163 -2,062 11,825

Socialização 1,271 4,501 ,779 -7,818 10,361

Mobilidade

Assistência do

cuidador

9,163* 3,244 ,007 2,612 15,715

Autonomia pessoal 3,610 2,113 ,095 -,658 7,878

Mobilidade -1,271 4,501 ,779 -10,361 7,818

Socialização

Assistência do

cuidador

7,892* 2,281 ,001 3,286 12,498

Autonomia pessoal -4,282* 1,807 ,023 -7,931 -,633

Mobilidade -9,163* 3,244 ,007 -15,715 -2,612

Assistência do

cuidador

Socialização -7,892* 2,281 ,001 -12,498 -3,286

Based on estimated marginal means

a. Adjustment for multiple comparisons: Least Significant Difference (equivalent to no adjustments).

*. The mean difference is significant at the0 ,05 level.

Verificou-se então que a variável assistência do cuidador difere significativamente das

variáveis autonomia pessoal (p= 0,02), mobilidade (p= 0,007) e socialização (p= 0,001).

Como a dimensão assistência do cuidador difere significativamente de todas as outras

dimensões do teste IPAI, consultando as médias, é possível perceber que as crianças com

patologia diagnosticada de paralisia cerebral possuem mais assistência do cuidador ao nível da

mobilidade ( mobilidade = 45,5206) do que na autonomia pessoal ( autonomia pessoal = 40,6393) e

socialização ( socialização = 44,2491), revelando esta mesma dimensão uma média mais baixa (

assistência do cuidador= 36,3571).

As três primeiras dimensões (autonomia pessoal, mobilidade e socialização) não

revelaram diferenças significativas entre si, revelando resultados idênticos e baixos. Os

resultados das diferenças entre os domínios do teste IPAI estão documentados no quadro 3.

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Quadro 3. Diferenças entre os domínios do teste de avaliação IPAI.

IPAI

Média

Desvio Padrão

ANOVA para amostras

dependentes

Autonomia Pessoal

40,6393 25,05831

Mobilidade

45,5206 31,80509

Socialização

44,2491 28,66301

Assistência do cuidador 36,3571 27,88812

F (1,602) = 3,657 p = 0,04*

*significativo para p ≤ 0,05

O segundo objetivo pretendeu averiguar a existência de diferenças significativas por cada

um dos domínios do instrumento de avaliação IPAI consoante a variável género. Assim, com o

objetivo de comparar os dois géneros nas dimensões do IPAI, averiguou-se a existência de

normalidade nos dois grupos nestas pontuações.

Segundo Kline (1998), se os testes de normalidade não revelarem a existência de uma

distribuição normal deverá observar-se valores de Skeness e Kurtose. Se estes valores forem

Sk<3 e Ku<7 podem ser considerados desvios pouco severos à normalidade e recorrer-se a

testes paramétricos.

Nas pontuações estudadas havia normalidade em algumas dimensões em ambos os

grupos e noutros desvios pouco severos, pelo que se optou pelo uso do teste não paramétrico t de

student para amostras independentes.

Este teste não revelou a existência de diferenças significativas entre os dois géneros nas

dimensões do IPAI, como descrito no quadro 4 e no total do Processamento Sensorial (T (40)=

0,714; p= 0,480).

Quadro 4. Caraterísticas da amostra relativamente ao género.

IPAI

Sexo Feminino

(n= 17)

Sexo Masculino

(n=25)

t de student

Autonomia Pessoal

= 47,2200 dp= 29,81663

= 36,1644 dp= 20,69959

T(40)= -1,421 p= 0,163

Mobilidade

= 53,3400 dp= 34,10487

= 40,2034 dp= 29,66312

T(40)= -1,326 p= 0,192

Socialização

= 50,2262

= 40,1846

T(40)= -1,118 p= 0,270

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16  

dp= 32,87029 dp= 25,31194

Assistência do cuidador

= 45,4706 dp= 33,66214

= 30,1600 dp= 21,78050

T(40)= -1,793 p= 0,081

De modo a averiguar se existem diferenças significativas por cada um dos domínios do

instrumento de avaliação IPAI consoante o grupo etário dos sujeitos da amostra recorreu-se à

correlação de Pearson.

Foi possível recorrer-se a esta correlação dado as variáveis terem escala quantitativa e a

dimensão da amostra ser superior a 30.

A correlação de Pearson não revelou a existência de uma correlação significativa entre as

dimensões do IPAI e o grupo etário.

Também se efetuou correlação entre o total do Processamento sensorial e o grupo etário,

não se revelando esta significativa (quadro 5).

Quadro 5. Relação entre os domínios do teste IPAI e a idade.

Correlações Idade

Autonomia Pessoal Pearson Correlation ,137

Sig. (2-tailed) ,388

N 42

Mobilidade Pearson Correlation ,129

Sig. (2-tailed) ,414

N 42

Socialização Pearson Correlation ,062

Sig. (2-tailed) ,699

N 42

Assistência do cuidador Pearson Correlation ,171

Sig. (2-tailed) ,279

N 42

Total Processamento Sensorial Pearson Correlation ,242

Sig. (2-tailed) ,123

N 42

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17  

O quarto objetivo específico diz respeito à relação entre o padrão funcional resultante do

instrumento de avaliação IPAI e o processamento sensorial dado pela checklist. de observação do

processamento sensorial em crianças com paralisia cerebral.

No sentido de se averiguar a existência de relações significativas entre as dimensões da

IPAI e o total do Processamento sensorial recorreu-se a correlações de Pearson, como se pode

observar no quadro 6.

Quadro 6. Correlação entre o teste IPAI e a checklist de Processamento sensorial.

Correlações Total Processamento

Sensorial

Autonomia Pessoal Pearson Correlation -,370*

Sig. (2-tailed) 0,016

N 42

Mobilidade Pearson Correlation -,217

Sig. (2-tailed) 0,168

N 42

Socialização Pearson Correlation -,492**

Sig. (2-tailed) 0,001

N 42

Assistência do cuidador Pearson Correlation -,358*

Sig. (2-tailed) 0,020

N 42

*. Correlation is significant at the 0.05 level (2-tailed).

**. Correlation is significant at the 0.01 level (2-tailed).

Observando o quadro das correlações constata-se que o Processamento sensorial se

correlaciona de forma significativa com a autonomia pessoal, com a socialização e a assistência

ao cuidador. A única dimensão que não obteve correlação significativa foi a mobilidade.

O sentido da relação entre as variáveis da checklist é o seguinte: quanto maior o número

de respostas “sim”, maior a disfunção do processamento sensorial e o sentido das variáveis do

teste IPAI é: quanto maior a cotação bruta, menor a disfunção a nível do desempenho funcional.

Como a associação entre as duas variáveis é negativa (a correlação tem sinal negativo) a variação

entre as duas variáveis é em sentido contrário, os aumentos de uma variável estão associados à

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diminuição da outra. No entanto o sentido da relação dos dois testes utilizados neste estudo são

opostos.

Assim, o sentido da relação entre as variáveis é o seguinte: quanto melhor o

processamento sensorial, melhores são os resultados (corresponde à pontuação mais baixa) nas

dimensões do IPAI (autonomia pessoal, socialização e assistência do cuidador) ou o oposto,

quanto piores os resultados do processamento sensorial, piores são os resultados nas dimensões

do IPAI.

5. Discussão dos resultados

Os resultados deste estudo fornecem evidência sobre o impacto do processamento

sensorial de crianças com paralisia cerebral (PC) quanto ao padrão de desenvolvimento das

capacidades funcionais, bem como sobre a independência funcional.

Os dados comprovam que existem diferenças significativas entre os domínios do teste

IPAI. No entanto é a variável assistência do cuidador que difere significativamente das restantes

variáveis nomeadamente da autonomia pessoal, mobilidade e socialização. Através da consulta

das médias das dimensões é possível concluir que as crianças com patologia diagnosticada de PC

possuem mais assistência por parte dos seus cuidadores ao nível da variável mobilidade. Mancini

et al. (2004) justificam estes dados referindo que os fatores ambientais (atitudes do cuidador)

influenciam diretamente o desempenho de crianças portadoras de PC. Por sua vez Brown e

Gordon (1987) que investigaram o impacto da PC no reportório de atividades diárias destas

crianças também verificaram que as mesmas tendem a ser mais dependentes dos pais, e

desempenham menor variedade de atividades diárias com menor participação em atividades

sociais e de recreação.

Embora a média de maior valor corresponda à variável mobilidade, o valor da média das

variáveis autonomia pessoal e socialização também são aproximadas. Investigando a associação

entre as caraterísticas da mobilidade e a realização de atividades da rotina diária em crianças com

PC, os autores Lepage et al. (1998) revelam que as competências de mobilidade estão

diretamente associadas com a realização de atividades diárias e sociais. O facto da mobilidade

ser a dimensão que mais se relaciona com a assistência do cuidador poderá ser explicado pela

constituição da amostra ser em grande número de crianças com grande comprometimento a nível

motor. Estudos realizados por Lepage et al. (1998) e Hirst (1989) demonstraram que quanto

maior a gravidade do comprometimento neuromotor, maior será a presença de fatores limitantes

que podem restringir a capacidade funcional de crianças portadoras de PC. Tais fatores incluem

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não só caraterísticas intrínsecas mas também aspetos extrínsecos (fatores ambientais), limitando

as possibilidades funcionais dessas crianças e ampliando as situações de desvantagem no

desempenho de atividades diárias.

O tema da assistência do cuidador apresenta opiniões diversas por parte dos autores. Para

Mancini et al. (2004), estes dados sugerem um efeito negativo no ambiente social, restringindo a

independência funcional e, consequentemente, reduzindo a participação ativa de crianças com

comprometimento moderado em atividades como a alimentação, a higiene pessoal, o vestir, o

uso da casa de banho, o brincar, a comunicação, a compreensão, a resolução de problemas, as

tarefas domésticas, as noções de segurança, entre outras. Referem ainda que a assistência do

cuidador pode ser atribuída ao fato dos cuidadores apresentarem baixas expetativas em relação

ao potencial de desempenho e atitudes protecionistas que limitam a funcionalidade das crianças,

não as estimulando a utilizarem o seu potencial na rotina diária. Esta atitude, por parte do

cuidador, pode reduzir as oportunidades para aprimoramento das competências funcionais

presentes no repertório de crianças com comprometimento motor moderado.

Por seu turno, de acordo com Rosenbaum et al, (1998) os terapeutas identificam que o

apoio da família para a criança, bem como as suas expetativas são determinantes importantes da

mudança a nível motor para crianças com PC. Estas ideias refletem uma abordagem relacionada

com um serviço centrado na família, em que cada um destes determinantes é um alvo potencial

de intervenção ou apoio. Com base no pressuposto de que o funcionamento ideal da criança

ocorre dentro de um contexto comunitário e de apoio à família, os prestadores de serviços devem

apoiar as famílias e incentivar o uso de apoios comunitários quando necessário.

Do mesmo modo, crianças com défices sensoriais implicam para os cuidadores esforços

acrescidos em termos de cuidados e acompanhamento com eventuais consequências

psicopatológicas para as mães, que se vêm privadas de outras fontes de satisfação devido às

exigências permanentes dos filhos, como referem Monteiro, Matos e Coelho (2004).

Relativamente ao género da amostra recolhida não foram encontradas diferenças

significativas entre os domínios do teste IPAI. Em acordo com estes dados, os autores Stanley,

Blair e Alberman (2000) referem que o sexo não é geralmente considerado como um fator de

influência de resultados, acrescentando ainda que no sexo masculino a incidência de PC é maior

do que no sexo feminino. A amostra recolhida para o presente estudo apresenta maior número de

elementos do sexo masculino (n= 25) do que elementos do sexo feminino (n=17), confirmando o

referido pelos autores acima descritos. Estudos acerca desta temática sugerem ainda que o

género pode de facto afetar o desenvolvimento do cérebro em crianças pré-termo, verificando

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que as crianças do sexo masculino muito prematuros parecem ter maior grau de prejuízo

cognitivo aos 6 anos de idade do que crianças do sexo feminino (Marlow, Wolke, Bracewell &

Samara, 2005).

Também na variável idade não foram verificadas diferenças significativas entre os

domínios do teste IPAI. Segundo os autores Rosenbaum, Paneth, Leviton, Goldestein e Bax

(2007), apesar da PC ser uma doença do desenvolvimento neurológico, amplamente reconhecida,

que começa na infância e perdura ao longo de toda a vida o seu quadro clínico altera-se com a

idade. Andrada et al. (2005) acrescentam ainda que está dependente do desenvolvimento e

maturação do Sistema Nervoso Central, dos fatores extrínsecos e das oportunidades de atividade

e participação da criança. Num estudo recente realizado em Portugal, os autores Andrada et al.

(2009) verificaram que a PC afeta em cada ano mais de 200 crianças com 5 anos de idade, a

maioria com formas espásticas de grande comprometimento funcional, cognitivo e neuro-

sensorial. Os mesmos referem ainda que apesar da dimensão relativamente pequena do país,

existem grandes assimetrias regionais na frequência da PC e na disponibilidade de meios para a

sua prevenção, avaliação funcional e tratamento/ reabilitação, que urge atenuar.

Relacionando estes dados com o instrumento de avaliação IPAI, usado neste estudo,

Ketelaar et al. (2001) referem que crianças com PC dos 2 aos 7 anos de idade, apresentam

melhorias significativas na Escala de aptidões funcionais (autonomia pessoal, mobilidade e

socialização) e na Escala de assistência do cuidador. Assim, poderá deduzir-se que a idade não

está relacionada com o tipo de PC e não tem influência nos resultados obtidos.

Relativamente ao padrão funcional resultante do instrumento de avaliação IPAI e ao

processamento sensorial dado pela checklist de observação do processamento sensorial em

crianças com PC verifica-se que se relacionam de forma significativa. O processamento sensorial

relaciona-se significativamente nos domínios autonomia pessoal, socialização e assistência do

cuidador do teste IPAI, apenas não se verificando esta relação ao nível do domínio da

mobilidade.

O facto da relação entre os dois testes de avaliação utilizados neste estudo não

contemplar o nível da mobilidade é explicado pela checklist, desenvolvida por Blanche,

Botticelli e Hallway (1995) não contemplar a avaliação da praxis nem da perceção visual.

Segundo os autores Blanche e Nakasuji (2001, citados por Roley, Blanche & Schaaf, 2001)

muitas crianças com PC apresentam desordens sensoriais de processamento e praxis que muitas

vezes impõem maiores limitações funcionais sobre estas crianças do que as desordens de

movimento que a patologia implica. Referem também que os défices de processamento sensorial

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21  

diminuem a capacidade da criança para usar a entrada sensorial e assim criar e desenvolver

programas motores necessários que a criança poderá utilizar mais tarde como representação das

ações. Estes défices de processamento sensorial interferem com a capacidade da criança

responder de forma adequada à intervenção dos profissionais de saúde orientada para o défice

neuromotor. Pressupostos clínicos como o descrito necessitam de ser testados cientificamente

para que a prática dos profissionais de saúde possa ser pautada em evidências.

Ao nível da relação do processamento sensorial com o domínio socialização, a literatura

salienta que as crianças com PC são mais suscetíveis de ter disfunções sensoriais associadas a

insuficientes experiências sensoriais (Silver, Litchman, Simon & Motmed,1996; Tachdjian &

Minear,1958). O desenvolvimento do ser humano assenta na sua capacidade de interagir com os

outros da sua espécie e de atuar sobre o mundo, sendo que a qualidade e a quantidade das

interações proporcionadas a uma criança são determinantes no seu desenvolvimento social e

emocional. A criança com PC tem o seu desenvolvimento afetado quer pelas lesões de que é

portadora quer pelas limitações que daí advêm, impedindo-a de experimentar e aprender como os

demais prejudicando o seu desenvolvimento. Estes dados são suportados pela teoria de Bobath

(1971) que salienta que, como muitas das experiências sensoriais táteis e do sistema

propriocetivo provêm do movimento ativo, a criança com movimento limitado terá menor

informação sensorial que a criança que consegue mover-se. O referido autor acredita que “nós

não aprendemos movimentos, mas as sensações do movimento”. Se a informação sensorial

percecionada é mínima ou anormal o movimento está suscetível de ser prejudicado.

Também os estudos de Basil (1995) referem que a criança encontra dificuldades em

produzir mudanças no comportamento das outras pessoas, no sentindo de as fazer interagir com

elas e que este défice comunicativo limita a criança no desenvolvimento cognitivo e social e na

construção da sua personalidade.

Relativamente à relação do processamento sensorial com o domínio autonomia pessoal os

resultados são compatíveis com as investigações de Merlo (2002), nas quais são referidas que a

criança com PC pode apresentar atraso no desenvolvimento psico-motor, défices vestibulares,

alterações emocionais e dependência na realização das atividades da vida diária. Estas evidências

são partilhadas por Smith (2000) que refere que os papéis e funções destas crianças são

fortemente influenciados pelo ambiente e pelas oportunidades oferecidas (por exemplo, para

demonstrar a independência no vestir ou tomar banho), bem como a competência.

O facto destas crianças estarem impedidas de manipular e de agir fisicamente sobre o

mundo que as rodeia, explorando-o livremente, vai interferir no desenvolvimento da inteligência

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22  

sensório-motora e como consequência influenciar negativamente o desenvolvimento do

pensamento pré-operatório, operatório e formal. Para Gordon (1987, citado por Brown &

Gordon, 1987) quanto maior a limitação motora da criança maior será a quantidade de tempo

necessária para a execução das atividades diárias. A condição desta patologia, que influencia o

desempenho funcional interfere diretamente no ritmo e na ordem de aquisição de atividades de

autonomia pessoal.

Também estes dados estão diretamente relacionados com a relação do processamento

sensorial e a assistência do cuidador. Como referem Ostensjo, Carlberg e Vollestad (2003)

quanto maior a limitação na funcionalidade da criança com PC em atividades diárias, geralmente

acompanhadas por maior necessidade de assistência do cuidador, maior é a gravidade da função

motora. O estudo de Mancini et al. (2004) vai de encontro a estas evidências, revelando que num

grupo de crianças com patologia, as crianças com comprometimento motor moderado

apresentam um reportório de competências semelhante às de comprometimento leve, sendo que

os cuidadores parecem não estimular que as mesmas usem tais competências na rotina diária.

Desta forma, as crianças com comprometimento motor moderado igualam-se às crianças com

comprometimento motor grave.

Neste âmbito os pais e terapeutas devem considerar as caraterísticas das tarefas

recreativas na assistência à criança com desordens do processamento sensorial na seleção de

atividades e incentivá-la a participar em atividades que são adequadas dadas as suas necessidades

específicas e respeitando as preferências de cada uma.

Os resultados do presente estudo ilustram o principal objetivo, sendo possível verificar

que existe um impacto diretamente proporcional do processamento sensorial no padrão de

desenvolvimento das capacidades funcionais de crianças com PC.

Foi possível perceber o sentido da relação entre as duas variáveis em questão,

nomeadamente processamento sensorial e desenvolvimento funcional. Pode inferir-se que quanto

melhor o processamento sensorial de crianças com PC, melhores serão os resultados nas

dimensões do IPAI, autonomia pessoal, socialização e assistência do cuidador, ou o oposto.

Poucos estudos averiguaram as competências de processamento sensorial em crianças

com comprometimento motor. Apesar das escassas bases de comparação, os resultados da

checklist de observação do processamento sensorial de crianças com PC assemelham-se ao

estudo realizado por Peter (2009) que descreveu os padrões de processamento sensorial de um

pequeno grupo de crianças com deficiência intelectual severa e deficiência física, incluindo PC e

encontrou resultados que sugerem que mais crianças exibem padrões de procura sensorial e

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Impacto do processamento sensorial no perfil funcional de crianças com Paralisia Cerebral

 

     

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baixo registo que defesa sensorial ou sensibilidade sensorial. Estes dados foram verificados

através do somatório total das respostas “sim” de cada um dos domínios da checklist,

nomeadamente processamento do input tátil, processamento do input propriocetivo e

processamento do input vestibular.

6. Conclusões

Os dados apresentados pelo presente estudo adicionam importantes informações ao

crescente corpo de conhecimento respeitante ao processamento sensorial em crianças com

paralisia cerebral na população portuguesa.

Os resultados sugerem que as atitudes dos cuidadores de crianças portadoras de paralisia

cerebral poderão exercer uma influência negativa no que diz respeito à independência funcional

das mesmas. Tanto os pais como os profissionais de saúde devem reconhecer o potencial do

impacto das desordens de processamento sensorial no perfil funcional. Tal evidência é relevante

para os profissionais de saúde que trabalham com esta patologia em particular, o que sugere que

a ação terapêutica deve extrapolar mudanças exclusivamente direcionadas para os componentes

extrínsecos dessas crianças. Devem ser incluídas orientações e consciencialização dos

cuidadores, para que eles permitam e estimulem a participação ativa das crianças, identificadas

atividades agradáveis e com significado, desenvolvidas estratégias para a facilitação da

participação nessas atividades e expandindo a rede social da criança, e sobretudo desenvolvendo

intervenções efetivas e responsivas às necessidades da família e da criança.

No sentido de fornecer um entendimento mais amplo acerca do impacto do

processamento sensorial no perfil funcional de crianças portadoras de paralisia cerebral, é

necessário que os domínios da praxis e da perceção visual sejam especificamente abordados

através de instrumentos de avaliação específicos, procurando assim identificar os moderadores e

mediadores deste processo. Este entendimento possibilitaria melhorar a atuação terapêutica dos

diversos profissionais da equipa na orientação dos familiares que convivem diariamente com as

limitações destas crianças e o ensino de novos profissionais que poderão intervir com as mesmas.

Neste caso é necessária a utilização concomitante de outras escalas para avaliação de

sensibilidade dos testes de avaliação relativos ao processamento sensorial e perfil funcional com

esta população.

Como limitações deste estudo salienta-se o tipo de metodologia utilizada na colheita e

análise dos dados. Por terem sido utilizados métodos quantitativos, não foi possível aprofundar

os motivos que levaram os cuidadores a limitarem as crianças na sua participação em atividades

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de mobilidade. Procedimentos qualitativos de colheita e análise dos dados seriam mais

adequados para abordar essa temática e poderiam ser utilizados em estudos futuros.

Pode salientar-se também como limitação o tempo para a recolha dos dados para a

amostra que se revelou insuficiente. Algumas Instituições contactadas desistiram da participação

no estudo e noutras situações nem todos os formulários enviados foram devolvidos na totalidade

por indisponibilidade e/ ou recusa por parte dos cuidadores em colaborar.

Todas as argumentações realizadas neste estudo apresentam-se como hipóteses a serem

testadas por outras investigações científicas. Os resultados apresentados contribuem para uma

melhor compreensão do desenvolvimento humano em condições diferenciadas e fornecem bases

para fundamentar estratégias de avaliação e intervenção.

Concluindo, é na limitação funcional da autonomia pessoal, na socialização e na

assistência do cuidador, ou seja durante o desempenho de atividades e tarefas da rotina diária e

na forma como a criança se relaciona com os outros que a incapacidade é manifestada

relacionando-se de forma direta com a integração das sensações da criança com patologia de

paralisia cerebral.

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