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Geopolítica - Divergências sobre a criação do Estado Palestino e o acordo nuclear firmado com o Irã compõem o cenário mais crítico enfrentado pelos dois países nos últimos anos
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internacional
28 Cidade Nova • Maio 2015 • nº 5
MARTINA [email protected]
israel e estados Unidos:parceria histórica por um fio
o dia 2 de abril centenas de iranianos saíram às ruas para comemorar o préacordo nuclear assinado com
seis potências ocidentais, entre elas os Estados Unidos, país com o qual o Irã não mantém relações diplomáticas desde 1979. O anúncio foi recebido com buzinaço em Teerã e elogiado por líderes das nações desenvolvidas pela esperança de acabar com as sanções econômicas e de diminuir os riscos da produção de bombas nucleares.
Se, por um lado, o pacto rompe barreiras erguidas durante décadas entre inimigos históricos, por outro, arruinou a tradicional aliança
entre o governo norteamericano e Israel, um severo crítico do acordo. O caso agrava um dos momentos mais críticos enfrentados pelos dois países em anos.
O clima começou a esquentar durante a campanha eleitoral israelense, em março deste ano. Foi quando o premiê Benjamin Netanyahu esteve no Congresso americano – a convite dos republicanos e sem avisar a Casa Branca – para criticar o acordo nuclear com o Irã, até então ainda em fase de negociação. Em busca de seu quarto mandato, Netanyahu declarou também, um dia antes do pleito, que não permitiria a criação de um Estado palestino caso fosse eleito.
A atitude irritou Barack Obama, defensor da solução de dois Estados para o conflito árabeisraelense, e parece isolar cada vez mais Israel num cenário onde tem preva lecido o diálogo entre Ocidente e Oriente Médio.
Apesar das desavenças, a aliança estratégica entre Washington e Jerusalém não corre o risco de acabar por completo. Segundo especialistas ouvidos por Cidade Nova, os países, que já enfrentaram outros problemas ao longo de sua história, devem superar mais esse impasse.
Mas não vão sair sem cicatrizes e arranhões: a campanha por um boi cote mundial a Israel só tem aumen
GeoPolÍTica Divergências sobre a criação do Estado Palestino e o acordo nuclear firmado com o Irã compõem o cenário mais crítico enfrentado pelos dois países nos últimos anos
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tado, assim como os casos de antissemitismo nos Estados Unidos.
acordo nuclearO pacto assinado com o Irã procu
ra reduzir significativamente a capacidade de o país utilizar seu programa nuclear para a criação de bombas em troca de acesso aos mercados e aos ativos que foram bloqueados por sanções internacionais. Se as exigências forem descumpridas, porém, as sanções serão restabelecidas.
Entre os compromissos firmados , estão a redução do número de centrífugas, que passarão de 19 mil a seis mil, o não enriquecimento de urânio durante 15 anos no complexo nuclear de Fordo, além do acesso de inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) às plantas nucleares do país por 25 anos.
Apesar de não eliminar o enriquecimento de urânio pelo Irã, o pacto é uma maneira de as nações desenvolvidas ganharem tempo na delicada questão diplomática com o país, que já se arrasta por 12 anos.
A resposta do premiê israelense à notícia foi irredutível. “Israel não vai aceitar um acordo que permita a um país que deseja nos aniquilar desenvolver armas nucleares”, reagiu Netanyahu, exigindo aumento de pressão sobre o Irã para obter um resultado mais favorável.
Para ele, em um pacto perfeito não poderiam faltar a proibição total ao enriquecimento de urânio e o reconhecimento ao direito de existência de Israel, um pedido tido como impossível, já que os dois países são inimigos.
Obama tentou acalmar os ânimos do aliado reafirmando que os Estados Unidos jamais assinariam um acordo que pudesse representar uma ameaça a Israel. “Se alguém mexer com Israel, os EUA estarão lá”, garantiu. Netanyahu, porém,
insiste que “ainda há tempo para conseguir um melhor acordo”.
O assunto promete se desenrolar em mais desentendimentos até o fechamento do pacto definitivo, previsto para acontecer antes de 1º de julho.
mudança de visãoDepois das ocupações militares
caras e malsucedidas no Iraque e no Afeganistão, os Estados Unidos seriam incapazes de abrir fogo contra o Irã, como parece desejar Israel ao se opor a uma solução diplomática. Além disso, na atual missão norteamericana de destruir o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS), a cooperação com o regime iraniano é indispensável.
“O acordo nuclear ajuda o combate contra o ISIS e promove a paz regional para a qual o Irã era o grande obstáculo com a preocupação de que esse país estava se tornando uma potência atômica”, analisa Argemiro Procópio Filho, professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).
O crescimento do Estado Islâmico no Oriente Médio motivou uma nova forma de encarar os problemas na região, com mais diálogo e menos armas, acredita o professor Adriano de Freixo, coordenador da Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF).
“Os conflitos armados criam um vazio de poder que é ocupado por grupos extremistas. Então, Estados Unidos e o Ocidente passaram a pensar melhor na forma de intervir no Oriente Médio. É mais vantajoso chegar a um acordo do que gerar uma instabilidade que permita existir um governo mais extremo do que existe hoje”, conclui. O pensamento tem predominado na condução da diplomacia pelo Ocidente hoje.
assentamentosNo centro das desavenças entre
Estados Unidos e Israel também está o histórico de Netanyahu sobre assentamentos israelenses em territórios ocupados por palestinos, agravado por sua declaração antiEstado palestino no Congresso americano.
Em 2012, Obama se indignou quando o premiê israelense autorizou mais de mil novas moradias na Cisjordânia em retaliação à decisão da ONU de reconhecer a Palestina como Estado observador. Durante os dois últimos mandatos de Netanyahu, a população nos assentamentos cresceu 5% por ano, somando 70 mil novos colonos entre 2009 e 2013.
Ainda assim o governo norteamericano continuou financiando a política agressiva de Israel, para a qual destinou US$ 20 bilhões. Os EUA também trabalham firme para proteger o aliado das consequências das suas ações nos territórios ocupados, como atestam os cerca de 40 vetos dos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU para proteger Israel e impedir a autonomia da Palestina.
No entanto, a retórica eleitoral de Netanyahu, contrária à criação de um Estado Palestino, provocou um endurecimento no discurso dos Estados Unidos, que pela primeira vez considerou punir o aliado em votações da ONU.
“As medidas que os Estados Unidos tomaram na ONU haviam se baseado nessa ideia de que a solução com dois Estados é o melhor resultado”, disse o portavoz da Casa Branca, John Earnest, apesar de o premiê israelense ter amenizado a posição após vencer as eleições. “Agora nosso aliado nesse diálogo disse que já não está mais comprometido com essa solução. Isso significa que teremos de reavaliar nossa posição a respeito c
“”
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desse assunto, e é isso o que vamos fazer de agora em diante.”
Um menor apoio norteamericano na ONU resultaria em um maior isolamento diplomático de Israel, num momento em que cresce também na Europa a oposição à ampliação de assentamentos israelenses.
No Oriente Médio, Israel também é de poucos amigos, já que só mantém relações com o Egito e a Jordânia, enquanto seu principal parceiro, os Estados Unidos, amplia cada vez mais sua gama de parceiros da região. “Israel não pode se isolar tanto. O país tem que chegar a um denominador comum”, opina Procópio.
entre tapas e beijosAs identidades políticas opostas
dos líderes israelense e americano são outro fator complicador da relação, segundo o especialista da UnB. Netanyahu lidera um governo de direita ligado aos falcões republicanos, opositores ao democrata Obama, mais à esquerda na política norteamericana. “Falam até de crise de espionagem, o que tem desagradado o presidente americano”, alerta Procópio.
A postura radical israelense tem incomodado bastante Obama e outros líderes ocidentais. “Israel é visto como baluarte da civilização ocidental no meio do Oriente Médio, mas por conta dessas violações sucessivas está sendo gerado um forte desgaste com os Estados Unidos”, afirma Freixo.
Apesar das diferenças, o presidente norteamericano voltou a declarar recentemente sua fidelidade ao parceiro do Oriente Médio. “Mesmo em meio às discordâncias que eu tive com o primeiroministro Netanyahu, tanto sobre o Irã quanto sobre a questão palestina, eu tenho enfatizado que a nossa defesa de Israel é inabalável”, afirmou.
Netanyahu, antes de criticar o colega norteamericano, fez questão de elogiálo por seu permanente apoio a Israel e ressaltar os laços que os unem. “A notável aliança entre Israel e Estados Unidos sempre esteve acima da política, e deve permanecer sempre acima da política”, discursou ao Congresso dos EUA.
Os conflitos políticos entre os dois países não são de hoje. Os exemplos de rixas históricas vão desde a declaração do Estado judaico, em 1948, por David BenGurion, até a
continuidade da Operação Escudo Defensivo, por Ariel Sharon, em 2002, à qual George Bush era publicamente contra.
Ainda assim, nenhum deles afetou permanentemente essa forte relação que faz de Israel o maior beneficiário no total da assistência econômica e militar direta dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial, com o financiamento de 20% a 25% do orçamento israelense de defesa por contribuintes norteamericanos. “É um casal que ainda não está falando em divórcio”, resume Procópio.
cicatrizesAlém da interdependência tecno
lógica e militar entre os dois países, a forte presença da colônia judaica nos Estados Unidos estreita os laços. “Essa comunidade é influente, tem poder econômico e muita representatividade no Congresso. As pressões desse grupo são importantes para o quadro político norteamericano”, diz Freixo.
Porém, a inimizade provocada na sociedade estadunidense pelas recentes declarações de Netanyahu tem afetado a numerosa colônia judaica nos Estados Unidos. Prova disso é o surgimento de casos de antissemitismo em algumas universidades norteamericanas, como relatado pelo jornal The New York Times.
De acordo com a publicação, houve um esforço para impedir uma estudante de participar do conselho de uma governança estudantil da Universidade de Califórnia, no mês passado, só por ser judia.
SoluçãoPara o professor Adriano Freixo,
a necessidade de afirmação do Estado de Israel a todo momento está no cerne de quase todos os conflitos entre os dois países ao longo da história. “São muito mais divergências pontuais, mas que não ameaçam a aliança construída historicamente. Os conflitos são superados pela importância de Israel no Oriente Médio”, pondera o especialista.
Segundo ele, a solução dos dois Estados é a única maneira de se tentar construir a paz na região e evitar mais conflitos com os Estados Unidos: “Para isso os radicais dos dois lados têm de ser isolados”.
Está aí uma reflexão para que eleitores israelenses e norteamericanos tentem inaugurar um novo capítulo dessa histórica e complicada amizade.
MARTINA [email protected]
Apesar das desavenças, a aliança estratégica entre Washington e Jerusalém não corre o risco de acabar por completo. Mas não vão sair sem cicatrizes e arranhões