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    IHUO

    N-LINE

    Revista doInstituto Humanitas UnisinosN 486 | Ano XV I

    30/05/2016

    I S S N 1 9 8 1 - 8 7 6 9( i m p r e s s o )

    I S S N 1 9 8 1 - 8 7 9 3( o n l i n e )

    ModaA segunda pele doself em movimento

    Fernanda Simon:Responsabilidade para tecer tramasdo pensar, agir e vestir com tica

    Renata Pitombo Cidreira: O conhecimento de si:vesturio e adornos como extenses da identidade

    Renato Cunha:Roupa hi-tech, por uma produo ecolgica

    Paul Valadier:

    Profecia de um mundonovo. A misericrdia eseu alcance sociale poltico

    Jos Eduardo Franco e

    Carlos Fiolhais:

    A experincia jesuta na primeiraglobalizao Desafos e

    descobertas a partir do sculo XVI

    Jean-Bosco

    Kakozi:

    Ubuntu, umaperspectiva para

    superar o racismo

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    Nossa identidade est sem-pre em movimento, emum exerccio innito deconstruo no qual bebemos de di-versas fontes ao longo da vida. Entreessas molduras que assumimos du-rante a trajetria da inveno de nsmesmos, est o ato de vestir.

    A roupa, os adornos e demais apa-ratos que utilizamos para compor aaparncia so a comunicao maisimediata que oferecemos a respeitodo nosso modo de ser no mundo.

    Se pensarmos sobre os diversosprocessos que envolvem as etapas deconcepo, produo, circulao edescarte dos produtos, a moda torna--se um espelho ainda mais profundo,reetindo elementos que do indciosde quem somos e em que tipo de so-ciedade vivemos.

    Pesquisadoras e pesquisadores de-batem a temtica na revista IHU On-Linedesta semana.

    Renata Pitombo Cidreira, profes-sora da Universidade Federal do Re-cncavo da Bahia UFRB, analisa aparticipao da moda no processo de

    constituio da atitude corporal dosindivduos.Sandra Regina Rech, pesquisadora

    no Centro de Investigao em Arqui-tetura, Urbanismo e Design CIAUDda Universidade de Lisboa, Portu-gal, pensa o campo das tendnciase a habilidade do sistema de modaem reetir o esprito do tempo dasociedade.

    Monique Vandresen, professora epesquisadora da Universidade do Es-tado de Santa Catarina UDESC, des-creve os diferentes espaos miditi-cos direcionados ao mundo da moda e

    como operam na potencializao domercado e consumo de produtos.Fernanda Simon, prossional da

    moda especializada em sustentabili-dade e coordenadora do movimentoFashion Revolution no Brasil, assina-la a importncia de promover umapostura tica e responsvel desde aconcepo dos produtos na cadeiaprodutiva, passando pelo uso, at omomento do descarte.

    Cariane Camargo, pesquisadora eprofessora do Curso de Moda da Uni-sinos, reete sobre a experincia doprojeto Desperta Moda Para Mudan-

    a, iniciativa direcionada a comuni-dades em vulnerabilidade social que

    promove a moda a partir da viso dodesenvolvimento sustentvel, esti-mulando a criatividade e a valoriza-o da identidade.

    Renato Cunha, artista plstico,estilista e blogger, avalia o impactoda tecnologia na moda e aponta queinvestimento nessa rea pode gerarmodos de produo socialmente eambientalmente engajados.

    Antnio Carlos de Mello Rosa, o-cial do Programa de Combate ao Tra-balho Forado da Organizao Inter-

    nacional do Trabalho OIT no Brasil,tematiza o problema das condiesinsalubres de trabalho que ainda souma realidade na indstria da con-feco txtil ao redor do mundo.

    Tambm podem ser lidas nestaedio as entrevistas com MarlonParente, diretor do documentrioAs Bichas que aborda a questoda identidade LGBT, com JulianaOgliari, coordenadora do Ncleo deEstudos em Agrobiodiversidade daUniversidade Federal de Santa Cata-rina UFSC, sobre a perspectiva domelhoramento gentico de plantas,aliando a pesquisa ao trabalho doagricultor, e com Jean-Bosco Kakozi,da Repblica Democrtica do Congo,professor da Universidade de Witwa-tersrand, frica do Sul, e atualmentefazendo o ps-doutorado no PPG emDireito na Unisinos, que discute o ra-cismo desde a noo de Ubuntu.

    Por ocasio do Ano Jubilar que temcomo tema a Misericrdia esta publi-cao tem oferecido uma srie de en-trevistas sobre o tema. Nesta semanapode ser lida a entrevista com PaulValadier, professor de losoa dasFaculdades Jesutas de Paris CentreSvres.

    Acaba de ser lanada em Portugala obraJesutas, Construtores da Glo-balizao. Os historiadores portugue-ses Jos Eduardo Franco e CarlosFiolhaisfalam sobre os principais re-sultados das suas pesquisas que estopublicadas no livro.

    A trajetria de vida de D. ClaudioHummes, cardeal que atualmentecoordena a Rede Eclesial Pan-Ama-znica REPAM, igualmente pode serlida nesta edio.

    A todas e a todos uma boa leitura euma excelente semana!

    Imagem da capa: Mario Klingemann/Flickr Creative Commons

    Editorial

    Moda. A segunda pele do selfem movimento

    Instituto Humanitas Unisinos - IHUAv. Unisinos, 950So Leopoldo / RSCEP: 93022-000

    Telefone:51 3591 1122 | Ramal 4128e-mail:[email protected]

    Diretor: Incio NeutzlingGerente Administrativo:Jacinto

    Schneider ([email protected])

    A IHU On-Line a revista do InstitutoHumanitas Unisinos - IHU. Esta publicaopode ser acessada s segundas-feiras no stio

    www.ihu.unisinos.br e no endereo www.ihuonline.unisinos.br.

    A verso impressa circula s teras-feiras, apartir das 8 horas, na Unisinos. O contedo daIHU On-Line copyleft.

    Diretor de RedaoIncio Neutzling ([email protected])

    Coordenador de Comunicao - IHURicardo Machado - MTB 15.598/RS([email protected])

    JornalistasJoo Vitor Santos - MTB 13.051/RS([email protected])Leslie Chaves MTB 12.415/RS([email protected])Mrcia Junges - MTB 9.447/RS([email protected])Patrcia Fachin - MTB 13.062/RS

    ([email protected])Reviso

    Carla Bigliardi

    Projeto GrfcoRicardo Machado

    EditoraoRafael Tarcsio Forneck

    Atualizao diria do stioIncio Neutzling, Csar Sanson, Patrcia Fachin,Cristina Guerini, Evlyn Zilch, Fernanda Forner,Matheus Freitas e Nahiene Alves.

    ColaboraoJonas Jorge da Silva, do Centro de Pesquisa e

    Apoio aos Trabalhadores CEPAT, de Curitiba-

    PR.

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    Destaques da Semana6 Destaques On-Line

    8 Linha do Tempo

    10 Marlon Parente:Eu sou Bicha!

    12 Juliana Ogliari:Agricultor e pesquisador: articuladores do binmio preservao e produo

    17 Jean-Bosco Kakozi: Ubuntu, uma perspectiva para superar o racismo

    21 Eduardo Bastian:Integrao ativa: uma releitura da substituio de importaes para os tempos dehoje

    23 Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo:A presso das ruas e o caminho de retomada dos ideais de justiasocial

    Tema de Capa26 Renata Pitombo Cidreira:O conhecimento de si: vesturio e adornos como extenses da identidade

    30 Sandra Regina Rech:Tendncias: a efgie da sociedade materializada no estilo e consumo

    35 Monique Vandresen: A moda vista pela mdia

    40 Renato Cunha:Roupa hi-tech, por uma produo ecolgica

    46 Antnio Carlos de Mello Rosa:Uma face obscura da moda: condies insalubres de trabalho ainda sorealidade na confeco txtil

    50 Fernanda Simon:Responsabilidade para tecer tramas do pensar, agir e vestir com tica54 Cariane Camargo:A beleza de mobilizar afetos, compartilhar vivncias e ampliar horizontes

    IHU em Revista60 Agenda de Eventos

    63 Jos Eduardo Franco e Carlos Fiolhais:A experincia jesuta na primeira globalizao Desaos e des-cobertas a partir do sculo XVI

    69 Paul Valadier:Profecia de um mundo novo. A misericrdia e seu alcance social e poltico

    74 Claudio Hummes:O velho cardeal que se entrega ao povo da oresta

    78 Publicaes79 Retrovisor

    Sumrio

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    ANNCIO

    Informaes e inscries emihu.unisinos.br

    06 de junhode 2016

    ala Ignacio Ellacura e Companheiros IHUNISINOS - CAMPUS SO LEOPOLDO/RS

    CICLO DEDEBATES

    UM DEBATE COM OSINTRPRETES DO BRASIL

    ECONOMIA

    BRASILEIRA:Onde estamos e para

    onde vamos?

    9h30min s 22h A necessidade de orasil romper com o Modelo Liberal Perifrico

    Prof. Dr. Reinaldo Gonalves Universidade

    Federal do Rio de Janeiro UFRJ

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    Destaques da

    Semana

    IHUON-LINE

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

    SO LEOPOLDO, 30 DE MAIO DE 2016 | EDIO 486

    Destaques On-LineEntrevistas publicadas entre os dias 23-05-2016 e 27-05-2016 no stio do IHU

    A transformao da crise poltica em crise institucional.O que est em jogo a legitimidade das instituies daRepblica brasileira

    Entrevista com Rud Ricci, graduado em Cincias Sociais pela Pontifcia Univer-sidade Catlica de So Paulo PUCSP, mestre em Cincia Poltica pela Universi-dade Estadual de Campinas Unicamp e doutor em Cincias Sociais pela mesmainstituio.

    Publicada em 27-05-2016

    Disponvel em http://bit.ly/25qrQtn

    No se toma o poder com um crime ou uma conspirao sem sujar o prpriotrono de sangue. A lio de Macbeth parece no ter servido de exemplo a MichelTemer, que em duas semanas de presidncia interina no conseguiu fazer a engre-nagem de seu governo andar sem rudos. Foi talvez o pior incio de um governo,ainda pior que o de Dilma Rousseff aps a reeleio. Isso revela a qualidade dasgestes polticas atuais do Brasil. Estamos vivendo a pior gerao, avalia Rud Ricci, em entrevista por telefone IHU On-Line.

    Houve reduo das desigualdades, mas 70% da novaclasse mdia pode retornar pobreza

    Entrevista com Ludolfo Paramio, professor de cursos de ps-graduao sobrepoltica latino-americana no Instituto Universitrio de Pesquisas Ortega y Gasset,dirige o Programa de Amrica Latina do Instituto Universitrio de Pesquisa JosOrtega y Gasset desde maio de 2008.

    Publicada em 26-05-2016

    Disponvel em http://bit.ly/1ORZ6Nf

    Tenho receio de que uma grande parte dos setores vulnerveis volte a cairna pobreza, mas ao mesmo tempo espero que as classes mdias e vulnerveis semobilizem para exigir melhores servios pblicos de educao e sade, e umalimpeza e recuperao do Estado e da classe poltica, diz Ludolfo Paramio IHUOn-Line, em entrevista concedida por e-mail. De acordo com o socilogo espanhol,apesar de ter havido uma leve diminuio das desigualdades e uma forte reduoda pobreza na Amrica Latina, quando se trata da situao econmica e social das novas classes mdias queemergiram na ltima dcada, adverte, tem de se considerar que 70% so vulnerveis, famlias que podem re-tornar pobreza se a economia retroceder.

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

    SO LEOPOLDO, 30 DE MAIO DE 2016 | EDIO 486

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

    Fonte imagem: www.ihu.unisinos.br

    Transformaes no semirido brasileiro: A luta pelagua no pode acabar; ela permanente

    Entrevista com Glria Arajo, coordenadora executiva da Articulao SemiridoBrasileiro ASA pelo estado da Paraba.

    Publicada em 26-05-2016

    Disponvel em http://bit.ly/1Wq8Vd5

    Na ltima dcada, a instalao de cisternas que permitem a captao da guada chuva garantiu que 85 mil famlias do semirido passassem no s a ter acesso gua para o consumo humano, mas pudessem produzir seus prprios alimentos.A gua utilizada para a produo de alimentos vem transformando a paisagem dosemirido, diz Glria Arajo IHU On-Line. Antes de iniciativas como essa, queforam desenvolvidas atravs do Programa Um Milho de Cisternas, a realidadedas famlias agricultoras do semirido brasileiro era marcada pela diculdade doacesso gua. Essas famlias, principalmente as mulheres e as crianas, caminha-vam mais de seis quilmetros para pegar gua em grandes propriedades, lembra.

    Penitencirias brasileiras: Se o judicirio trabalhassede acordo com a lei, no teria esse grande nmero deencarceramentos

    Entrevista com Valdir Joo Silveira, graduado em Filosoa e Teologia e em For-mao Humana e Teologia pela Universidade Catlica do Paran, mestre em Teolo-gia Moral pelo Instituto Alfonsianum e em Melhoria na Gesto Penitenciria para aIncorporao dos Diretos Humanos pela escola Kings College London InternationalCentre for Prison Studies.

    Publicada em 23-05-2016

    Disponvel em http://bit.ly/1Z5Mrfh

    Entre os principais problemas dos presdios brasileiros hoje, destaca-se a escas-sez de defensoria pblica, diz Valdir Joo Silveira IHU On-Line, ao comentar asituao carcerria no pas, aps a visita realizada em cinco unidades penitenci-rias em Alagoas. Segundo ele, a principal razo dessa situao o judicirio brasi-leiro, que no cumpre a lei em relao ao servio de defensoria pblica. Ele informa que, segundo dados doConselho Nacional de Justia CNJ, aproximadamente 41% dos presos brasileiros esto em estado provisrio epoderiam ser libertados caso o acesso defensoria pblica fosse maior. Em alguns estados, pontua, esse nmerochega a 76% de presos provisrios, como no Piau, no Amazonas e em Sergipe.

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

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    Linha do TempoA IHU On-Line apresenta seis notcias publicadas no stio do Instituto HumanitasUnisinos IHU, entre os dias 23-05-2016 e 27-05-2016, que tiveram repercussoao longo da semana

    STF, a ltima

    trincheira

    institucional,

    arrastado de vez para

    a crise

    O Supremo Tribunal Federal

    (STF), mais alta corte de Justi-

    a do pas, voltou aos holofotes

    esta semana aps a divulgao

    de udios gravados pelo ex-pre-

    sidente da Transpetro Srgio Ma-

    chado. Nos dilogos, com o se-

    nador Romero Juc (PMDB-RR),

    ex-ministro do Governo interino

    de Michel Temer, e Renan Ca-

    lheiros (PMDB-AL), presidente do

    Senado, e o ex-presidente Jos

    Sarney falam sobre tratativas

    com ministros do STF ou planos

    de faz-las envolvendo a sada

    da presidenta Dilma Rousseff do

    cargo, freios na Operao Lava

    Jato e a crise.

    A reportagem de Gil Alessi,

    publicada por El Pas, 27-05-2016.

    Leia mais em http://bit.

    ly/22rgaRW.

    Compartilhar estupro

    coletivo nas redes,

    a nova verso da

    barbrie brasileira

    Violao no Rio saiu na impren-

    sa aps homem postar que crime

    teria sido cometido por mais de

    30. No mesmo dia, novo caso de

    estupro grupal de uma adoles-

    cente foi registrado em Bom Je-

    sus, Piau. Um vdeo em que uma

    adolescente aparece nua, dopa-

    da e com marcas de violncia se

    tornou viral na Internet nesta

    quarta-feira, 25 de maio, acom-

    panhado de comentrios querelatavam que ela foi vtima de

    um estupro coletivo muitos de-

    les de verve machista. Um grupo

    de homens a teria violentado na

    Zona Oeste do Rio de Janeiro, e

    depois alguns deles teriam lma-

    do o crime com seus celulares

    para compartilh-lo nas redes

    sociais. Uma das imagens com-partilhadas mostra um homem

    com a lngua para fora posando

    diante da pelve ensanguentada

    da menina.

    A reportagem de Camila

    Moraes e publicada por El Pas,

    26-05-2016.

    Leia mais em http://bit.

    ly/25mQDLo.

    A era ps-PT

    Nenhuma luta pode ser cega,

    sem compreender e principal-

    mente assumir os erros que

    levaram a esse processo. No se

    pensa o futuro, tampouco se re-siste o presente, sem olhar para

    o passado. A poltica no , nem

    nunca foi, preto ou branco ain-

    da que diversas foras polticas

    queiram que acreditamos que

    , escreve Rosana Pinheiro-

    -Machado, cientista social e an-

    troploga, professora do depar-

    tamento de Desenvolvimento

    Internacional da Universidade de

    Oxford em artigo publicado por

    CartaCapital, 25-05-2016.

    Segundo ela, a questo bus-

    car incessantemente por anlises

    menos fervorosas e mais estrutu-

    rais. E isso passa pelo entendi-

    mento de que o PT tentou con-

    ciliar diversas foras, por vezes

    inconciliveis, acenando para

    os movimentos sociais, de um

    lado, e articulando com o capi-

    tal nanceiro internacional, de

    outro.

    Leia mais em http://bit.

    ly/1Wqd5Sk.

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

    SO LEOPOLDO, 30 DE MAIO DE 2016 | EDIO 486

    queles que hoje

    ocupam nossos

    coraes. Carta de

    professores aos

    estudantes que

    ocupam escolas

    pblicas do RS

    A cada dia emociona a mais

    pessoas ver os jovens rostos de

    vocs, o brilho nos seus olhos, as

    lies em seus cartazes, cantos

    e atitudes, ocupando as escolas

    que so suas, por direito. Orgu-

    lha-nos sobremaneira ver vocs

    tomarem em suas prprias mos

    este templo de amor e cuidadoque deveriam ser as nossas esco-

    las. E torn-los exatamente isso.

    Um local coletivo, organizado,

    alegre, onde cada um tem um

    papel protagonista para o todo.

    Onde o coletivo maior que o

    indivduo e o burocrtico. Onde

    educadores e educandos dialo-

    gam, aprendem e ensinam, mu-

    tuamente, escrevem Antnio

    Lima, doutorando em Sociolo-

    gia pela UFRGS e com pertena

    ao setor de Educao do Cpers/

    Sindicato, e Isabela Camini, dou-

    tora em Educao pela UFRGS e

    com pertena ao Setor de Educa-

    o do MST.

    Leis mais em http://bit.

    ly/1VlVHx0.

    O convite histrico

    de al-Tayyib ao papa:

    Venha a al-Azhar

    O grande im da universida-

    de islmica sunita, pela primei-

    ra vez no Vaticano, agradeceu

    a Francisco pelas suas palavras

    sobre o respeito devido s reli-

    gies e o convidou ao Cairo. O

    nosso encontro a mensagem.

    Francisco acolheu com essas pa-

    lavras, ao meio-dia dessa segun-

    da-feira, 23, na biblioteca do Pa-

    lcio Apostlico, o grande im de

    al-Azhar, Ahmad Muhammad al-

    -Tayyib, que, no m da conversa,

    convidou o papa universidade

    islmica do Cairo.

    A reportagem de Andrea Tor-

    nielli, publicada no stio Vatican

    Insider, 24-05-2016. A traduo

    de Moiss Sbardelotto.

    Leia mais em http://bit.

    ly/1qP8afP.

    A hora e a vez do pacto

    republicano

    A sociedade foi levada a crer

    que, afastando Dilma, livrar-se-

    -ia da corrupo em larga escala

    e organizada. Engano completo.

    Dilma foi afastada porque tor-nou-se necessrio celebrar um

    grande pacto, para o qual ela

    se mostrara insucientemente

    ousada e sem fora poltica para

    liderar. Pacto cujo objetivo no

    pode ser enunciado diante das

    crianas ou, como se dizia outro-

    ra, em casa de famlia, escre-

    ve Luiz Eduardo Soares, antro-

    plogo, escritor, dramaturgo e

    professor de losoa poltica da

    UERJ, em artigo publicado por

    Justidando, 26-05-2016.

    Segundo ele, quem clama

    pela volta de Dilma, no com-

    preendeu que ela se desquali-

    cou, politicamente, para liderar

    o pas. Equivoca-se quem pede

    novas eleies em nome da re-

    sistncia ao neoliberalismo, sob

    a justicativa de que a Lava-

    -Jato e a obsesso nacional pelo

    combate corrupo so meras

    fachadas para deslocar Dilma e

    impor o modelo neoliberal de

    austeridade

    Leia mais em http://bit.

    ly/1Vq2BRF.

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

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    ENTREVISTA

    Eu sou Bicha!Marlon Parente, publicitrio de 23 anos, gravou um documentriochamado Bichas e em menos de cinco meses soma quase meio milhode visualizaes no YouTube

    Por Ricardo Machado

    Bicha. O pequeno substantivocomum de cinco letras trazconsigo a fora de uma lutapela vida. Foi para armar a prpriaidentidade e defender o direito civilde ser quem se , que Marlon Parente,diretor do lme, arrumou emprestado

    uma cmera e um trip, gastou R$ 10reais na compra de um microfone delapela e gravou Bichas, o document-rio. Aps uma agresso que eu sofri narua. Um homem armado ameaou nosmatar porque nos viu de mos dadas,relata Marlon, em entrevista por e-mail IHU On-Line. Isso mexeu comigo e ovdeo uma resposta direta: no pode-mos car calados, defende.

    O vdeo foi postado no YouTube em

    fevereiro deste ano. Em poucas se-

    manas havia milhares de acessos. Em

    cerca de cinco meses o Bichas j con-

    ta com mais de 474 mil visualizaes.

    Recebemos histrias todos os dias de

    pessoas que se sentem representadas

    por um ou por outro personagem do l-

    me e isso muito lindo. No estamossozinhos, arma.

    Marlon Parentetem 23 anos, for-

    mado em Publicidade, mora e trabalha

    em Recife, Pernambuco. Atualmente

    trabalha como diretor de arte em uma

    agncia de publicidade. O Bichas sua

    primeira produo audiovisual. Para

    assistir o documentrio acesse http://

    bit.ly/1TMWOEP.

    Conra a entrevista.

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

    SO LEOPOLDO, 30 DE MAIO DE 2016 | EDIO 486

    O Brasil se encontra em umretrocesso gritante com o

    cenrio poltico atual

    IHU On-Line De onde veioa ideia de fazer Bichas, odocumentrio?

    Marlon Parente Aps umaagresso que eu sofri na rua. Umhomem armado ameaou nos ma-tar porque nos viu de mos dadase o mesmo gritava vou atirar emvocs porque vocs so bichas.Isso mexeu comigo e o vdeo umaresposta direta: no podemos carcalados.

    IHU On-Line Como foi feito odocumentrio? Qual equipamen-to utilizado e quanto custou aproduo?

    Marlon Parente Uma cmera,um trip e um microfone lapela.Tudo foi emprestado e o micro-fone eu comprei por R$ 10 reais.[risos]

    IHU On-Line Voc conheciaos entrevistados? Como foi e porque a escolha das pessoas que in-tegram o lme?

    Marlon Parente Sim. Todoseram amigos. Eles foram escolhi-dos porque so pessoas muito bemresolvidas e que, assim como eu, jpassaram do estgio de deixar seofender ao ouvir a palavra Bicha.

    IHU On-Line Em menos de cin-co meses o documentrio somaquase meio milho de acessos.

    Para alm dos nmeros, qual temsido a repercusso do lme?

    Marlon Parente As pessoas, demodo geral, sentiram-se tocadaspelo lme. Eles chegaram a noscontar que criaram coragem paraassumir a homossexualidade parasi prprios e para seus amigos efamiliares. Recebemos histriastodos os dias de pessoas que se

    sentem representadas por um oupor outro personagem do lme eisso muito lindo. No estamossozinhos.

    IHU On-Line Logo aps o lan-amento e a expressiva recepodo documentrio, voc recebeualgumas ameaas. Que tipos de

    ameaas ocorreram? De onde

    vieram?

    Marlon Parente Eram apenasdenncias feitas de forma anni-ma, no Facebook. No dava parasaber exatamente quem, mas ima-gino ter vindo de uma galera homo-fbica que no aguentava mais Bi-cha na timeline [risos]. A situaofoi resolvida. O Facebook entrouem contato e tudo est bem.

    IHU On-Line Qual a disputasimblica que est em jogo na pa-lavra Bicha?

    Marlon Parente No h umadisputa. No um jogo. So vidas.A palavra Bicha vem sendo utiliza-da para nos diminuir e ofender. Oque o lme prope uma ressig-nicao desta palavra para que,ao invs de ferir, ela seja smbolode luta e de orgulho para todos osmeninos homossexuais.

    IHU On-Line Qual a importn-cia de se discutir o tema da ho-mossexualidade no Brasil? Comoisso est relacionado homofobiano pas?

    Marlon Parente A cada 27 horasuma pessoa LGBT morre no Brasil.Isso um dado alarmante e absur-do! Estamos falando da causa damorte ser nica e exclusivamenteSER QUEM VOC . Quanto mais fa-larmos sobre o assunto, mais que-bramos o estigma.

    IHU On-Line Apesar dos limi-tes e barreiras que determina-da parcela da sociedade impe comunidade LGBT, como vocavalia as conquistas polticas esociais dessa populao no Brasil?

    Marlon Parente O nmero de

    conquistas absurdamente peque-no! Enquanto temos pessoas lutan-do pelo uso do seu nome social, ou-tros brigam em seus governos paraproibir que se fale sobre sexualida-de nas escolas. O Brasil se encontraem um retrocesso gritante com ocenrio poltico atual. A populaoLGBT possui um ou outro candida-to que mete a cara e leva nossasquestes, contra outras centenasde pessoas que insistem em dizerque a famlia formada por pai,

    me e lhos. triste.

    IHU On-Line Quais so os prin-cipais desaos comunidadeLGBT na busca garantia de di-reitos civis?

    Marlon Parente Falta repre-sentatividade poltica. Como faleiantes, no h quem seja por ns.Na verdade h sim, poucas e lin-das pessoas, como o prprio JeanWyllys,1mas estes ainda no conse-

    guem fora suciente para garan-tir todos os direitos civis os quaisnecessitamos. Queremos respeito,porm nem isso a bancada evang-lica nos permite. Est complicado.

    IHU On-Line Deseja acrescen-tar algo?

    Marlon Parente As pessoasprecisam falar das coisas que nocompreendem ao invs de levan-tarem um discurso de dio. Bicha.

    Sapato. Travesti. E muitas outrasidentidades esto sendo feridaspor conta dessa mania feia. Pre-conceito algo feio. Violncia algomuito pior. E ambas matam.

    1 Jean Wyllys de Matos Santos (1974):jornalista e poltico brasileiro, eleito em2010 para mandato de deputado federalpelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)do Rio de Janeiro desde fevereiro de 2011. tambm conhecido por ter participado eganhado a quinta edio do programa BigBrother Brasil, da Rede Globo. Em sua vidaparlamentar atua na defesa dos Diretos

    LGBT, cidadania e Direitos Humanos. (Notada IHU On-Line)

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    ENTREVISTA

    Agricultor e pesquisador: articuladoresdo binmio preservao e produoJuliana Ogliari fala de agrobiodiversidade como a perspectiva de ummelhoramento gentico que alia o trabalho de campo ao de laboratriopara produzir mais e melhor, preservando vidas

    Por Joo Vitor Santos

    T

    emos que reaprender(pesquisadores e agri-cultores) a resgatar co-

    nhecimentos para trabalhar a favorda conservao, sem negligenciar odesenvolvimento econmico e social.A frase da agrnoma Juliana BernardiOgliari, pesquisadora da UniversidadeFederal de Santa Catarina, um nor-te, uma inspirao. Para ela, s serpossvel produzir alimentos de melhorqualidade preservando os ecossistemasno qual a cultura produtiva est inseri-da. E essa forma de produo preser-

    vacionista s ser vivel se o agricultortiver retorno nanceiro, condies demanter sua famlia e propriedade.

    Na entrevista a seguir, concedida pore-mail IHU On-Line, a pesquisadoraexplica que tal perspectiva vai alm dotrabalho de conscientizao. Requerque se trabalhe tambm na ao. Noestou na fase romntica de achar queessa integrao (do homem com o pla-neta atravs da agricultura) ocorrer,

    num primeiro momento, por meio deconscientizao somente, desaa.Deve-se buscar meios polticos e tc-nicos de promover o desenvolvimentosocial e econmico a partir dessa in-tegrao do homem com a natureza,aponta. Para Juliana, isso pode se darpor iniciativas como ecoturismo, certi-caes de produtos diferenciados debase agroecolgica ou de sociedadesmdicas atestando a qualidade funcio-nal, nutricional e medicinal dos com-

    ponentes da agrobiodiversidade, entre

    outras aes. Todas essas estratgiasbuscam valorizar essa integrao pormeio de agregao de valores capazesde gerar empregos e novas alternativasde desenvolvimento regional ao mesmotempo em que indiretamente propor-cionam a conservao da agrobiodiver-sidade, conclui.

    Juliana Bernardi Ogliari coordena-dora do Ncleo de Estudos em Agrobio-diversidade NEABio, da UniversidadeFederal de Santa Catarina UFSC. En-genheira Agrnoma, mestra e doutoraem Gentica e Melhoramento de Plan-tas pela Universidade de So Paulo,atuou como pesquisadora do Centro dePesquisa para Pequenas Propriedadesda EMPASC S.A., empresa de pesquisaagropecuria de Santa Catarina. Foiresponsvel pelo programa de melhora-mento gentico do feijoeiro do Estadode Santa Catarina. Desde 1990, pro-fessora da UFSC, onde tem coordenadoprojetos de pesquisa e extenso sobrea anlise, o manejo (melhoramento ge-

    ntico e produo de sementes), o usoe a conservao (no campo e na ins-tituio) da diversidade de variedadescrioulas de Santa Catarina, por meio deestratgias integradas e participativase de biotecnologias ajustadas agricul-tura familiar. Atualmente, professo-ra do Departamento de Fitotecnia daUFSC. Tambm professora do Progra-ma de Ps-graduao em Recursos Ge-nticos Vegetais na mesma instituio.

    Conra a entrevista.

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

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    O melhoramento gentico par-ticipativo tem sido apontado

    como uma importante ferramen-ta de trabalho para a conser-vao da agrobiodiversidade

    IHU On-Line Como o estudo dagentica compreende o conceitode melhoramento?

    Juliana Bernardi Ogliari A ge-ntica a rea da cincia que fun-damenta a denio dos protocolos

    de seleo das plantas cultivadas,pois permite entender como os ca-racteres de importncia de umacultura so transmitidos entre ge-raes. O estudo das bases genti-cas permite-nos saber quantos ge-nes e qual a inuncia do ambientena expresso de uma caractersti-ca, quais as interaes allicas1e no allicas, quais correlaesexistem entre as caractersticas deinteresse e as demais, se existemligaes ou no entre genes, inte-

    raes de gentipos2com ambien-tes etc.

    Com base nos conhecimentos degentica e nas particularidades dossistemas de reproduo (mecanis-mos de polinizao, estrutura depopulaes) da espcie, so de-nidos os mtodos de melhoramen-tos e o tipo de cultivar a ser de-

    1 Alelos: so as formas alternativas de ummesmo gene. Por exemplo, o gene B que de-termina a presena de chifres em bovinos.

    Esse gene possui dois alelos: B e b. O alelo bdetermina a ausncia de chifres (nos machos)e o alelo B determina a presena de chifres.Essa caracterstica apresenta DominnciaCompleta, ou seja, mesmo que no lcus existaum alelo B e outro b (Bb), o animal apresen-tar a caracterstica manifestada pelo alelodominante, que seria o mesmo fentipo dohomozigoto dominante (BB). Em geral, amaioria das caractersticas observadas nanatureza so controladas por vrios genese cada um com numerosos alelos. (Nota daIHU On-Line)2Gentipo(do grego genos, originar): aconstituio gentica de uma clula, organis-mo ou indivduo. Deve-se presena de ma-

    terial hereditrio herdado dos progenitores.(Nota da IHU On-Line)

    senvolvido. Em outras palavras, oconhecimento de gentica permiteperceber quais so os fatores quepodem dicultar a identicaoe seleo de gentipos superio-res. Pode-se dizer que a genticacontribui para a denio da com-

    plexidade dos mtodos de melho-ramento e o tempo envolvido parao desenvolvimento de uma novacultivar. Assim sendo, a genticafundamenta o desenvolvimento deprogramas de melhoramento maisecientes.

    A gentica o conhecimentocientco bsico, que o melhoris-ta de plantas acessa para o desen-volvimento eciente de cultivaressuperiores, sejam elas destinadas

    aos sistemas de produo de baseagroecolgica ou convencional. Aecincia desse processo no estapenas nos resultados da seleo,mas no tempo que se leva para aobteno desses resultados.

    IHU On-Line No que consisteo melhoramento gentico partici-pativo de plantas? Qual o papel, ainuncia, do solo nesse processo

    de melhoramento?

    Juliana Bernardi Ogliari Nas l-timas dcadas, a comunidade cien-tca internacional tem destacadoem vrios fruns a importncia dopapel dos agricultores na conserva-o da agrobiodiversidade e a ne-cessidade da comunidade cientcade desenvolver aes de pesquisaparticipativa acopladas s necessi-dades dos ambientes de cultivo ha-bitados por pequenos agricultores.A importncia dos agricultores paraa conservao dos recursos genti-cos no est baseada no fato de que

    a perda da diversidade biolgica naagricultura (agrobiodiversidade)conservada on farm3 comprometea prpria sobrevivncia da huma-nidade medida que perdemos oleque de opes para o desenvolvi-mento de novas cultivares.

    A pesquisa participativa, poroutro lado, vem ao encontro dasdemandas particulares dos ecos-sistemas agrcolas manejados porpequenos agricultores, os quaismuitas vezes esto expostos a di-ferentes estresses de natureza bi-tica (pragas e doenas) e abitica(seca, baixa nutrio e acidez desolo, elevadas temperaturas etc.),em geral, responsveis pelos fato-res de risco da produo dos cul-tivos. Muitas cultivares modernas,

    desenvolvidas pelo melhoramentoformal (dentro de estaes expe-rimentais), no atendem s neces-sidades dessas reas estressadas,na medida em que as seleessejam realizadas em ambientescontrolados.

    Dentro deste contexto, o me-lhoramento gentico participativotem sido apontado como uma im-portante ferramenta de trabalho,tanto para a conservao da agro-

    biodiversidade, como para o de-senvolvimento de novas variedadesadaptadas e ajustadas aos ambien-tes de cultivo dessas reas margi-nais. A proposta dessa estratgia integrar o conhecimento cient-co dos pesquisadores e o conhe-cimento tradicional dos agriculto-res a servio do desenvolvimentoendgeno.

    Pesquisa alm dolaboratrio

    Alm de focar no compartilha-mento do conhecimento cient-co e tradicional, outro aspectoimportante do melhoramento ge-ntico participativo refere-se descentralizao das atividadesde pesquisa. Isso signica que oprocesso de seleo conduzidoprincipalmente fora das estaes

    3 Termo tcnico para designar cultura emcampo. On farmvem da expresso em ingls

    que, em traduo livre, signica em fazendaou na fazenda. (Nota da IHU On-Line)

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    experimentais, transferindo partesignicativa do melhoramento paraas reas de cultivo localizadas naspropriedades rurais.

    IHU On-Line Como compreen-der o conceito de agrobiodiver-

    sidade e como essa perspectivapode se mostrar como uma alter-nativa de manejo ao uso de agro-txicos e fertilizantes sintticos?

    Juliana Bernardi Ogliari A res-posta a esta pergunta est distri-buda pelas demais. Mas faltou umconceito para a agrobiodiversidade.

    De uma forma bem simples, aagrobiodiversidade a diversida-de biolgica na agricultura; assim a diversidade de espcies (ou

    cultivos como milho, feijo, bata-tinha, mandioca etc.), de popula-es dentro de espcie (diferentesvariedades crioulas, raas de ani-mais etc.) e de indivduos dentrode variedade, que em conjuntointeragem com a diversidade desistemas de produo (convencio-nal, orgnico), de ecossistemas(agrcola e natural), biomas e adiversidade cultural (prticas demanejo e de conhecimento as-sociado dos agricultores familia-

    res, povos indgenas, quilombolasetc.). Tambm inclui a diversidadede animais e microrganismos, queinteragem entre si, com plantas ecom o ser humano. So includos agrobiodiversidade os polinizado-res, organismos simbiontes etc.,que prestam servios ecolgicos noambiente de cultivo.

    IHU On-Line Em termos demelhoramento gentico de plan-tas, h alternativas mais naturais

    do que a transgenia? Quais so asalternativas e quais as vantagenssobre sementes transgnicas?

    Juliana Bernardi Ogliari O de-bate sobre os impactos das cultiva-res transgnicas sobre o meio am-biente, agrobiodiversidade e sadehumana signicante e ainda noterminou. Alm disso, nesses casos,vale o princpio da precauo, tra-tado no Protocolo de Cartagena4, e

    4Protocolo de Cartagena sobre Biosse-gurana: um tratado sobre biossegurana

    assinado pelo Brasil. Muitas pesqui-sas vm sendo feitas a respeito dosimpactos dos transgnicos sobre aagrobiodiversidade, inclusive peloNcleo de Estudos em Agrobiodi-versidade (NEABio) da Universida-de Federal de Santa Catarina5.

    Esses estudos tm mostrado quea Resoluo Normativa No4 (CTN-

    Bio 2017), que trata da coexistn-cia entre milhos transgnicos e notransgnicos, sem contaminaodestes ltimos, no efetiva para aregio sul do Brasil, sobretudo paraa regio Oeste de Santa Catarina,onde esto sendo realizadas essaspesquisas. O cenrio alarmante,considerando que o Extremo Oestede Santa Catarina indicado comoum microcentro de diversidade de

    assinado durante a Conveno sobre Diversi-

    dade Biolgica (CDB) em Cartagena, Colm-bia. Aprovado em 29 de janeiro de 2000 e emvigor desde setembro de 2003, o texto disci-plina questes envolvendo o estudo, a mani-pulao e o transporte de organismos geneti-camente modicados (OGM) entre os pasesmembros do acordo. O Instituto HumanitasUnisinos IHU, atravs da seo Notcias doDia do seu stio, vem publicando uma sriede materiais sobre o tema. Entre eles, Brasilcontesta violao de Protocolo de Cartagena,disponvel em http://bit.ly/1qyKI6o; e OProtocolo de Nagoya e a diviso equitativados recursos genticos mundiais. Entrevistaespecial com Brulio Dias, disponvel emhttp://bit.ly/1qyKJY5. Conra mais sobre otema em http://bit.ly/1XEKMyW. (Nota da

    IHU On-Line)5 Ncleo de Estudos em Agrobiodiver-sidade NEABio: um grupo da Univer-sidade Federal de Santa Catarina formadopor uma rede de pesquisadores, professores,tcnicos e estudantes cujo objetivo principal estimular o debate e estudar as implica-es tcnicas, sociais, polticas e jurdicas emtorno das variedades crioulas. O grupo temcomo proposta de trabalho desenvolver e in-centivar aes de pesquisa, ensino e extenso,a partir de trs eixos temticos: conservaoe manejo de recursos genticos vegetais, me-lhoramento gentico participativo e, biosse-gurana de organismos geneticamente mo-dicados. Conhea o trabalho do grupo em

    http://neabio.wix.com/neabioufsc. (Nota daIHU On-Line)

    milhos (pipoca, farinceo, doce ecomum), onde coexistem simpatri-camente com seu parente silves-tre, o teosinto.

    A importncia dapreservao de espcies

    crioulasEstes estudos tambm mostram

    que novas raas de milhos estoevoluindo exclusivamente nessaregio e que no existem simila-res em outras partes das Amricas,nem mesmo no Mxico, que olocal de origem desta espcie. Emdois municpios estudados, foramidenticadas mais de 1500 popula-es de variedades crioulas de mi-lhos, em sua maioria milhos pipo-

    cas. Proteger a agrobiodiversidadedesta regio de Santa Catarina muito importante, pois um localque oferece um leque de opes ediversidade adaptada e em evolu-o para enfrentarmos inclusive asmudanas climticas.

    Essa proteo deveria incluir me-canismos e estratgias para evitara contaminao das variedadescrioulas de milhos com plen decultivares transgnicas, alm dodesenvolvimento de estratgiasintegradas e participativas de con-servao e melhoramento gen-tico. Muitas populaes de varie-dades crioulas de milho e pipocaavaliadas pelo NEABio apresentamelevado potencial gentico (agro-nmico, nutricional e adaptativo)para uso comercial ou melhora-mento gentico participativo. Mui-tas outras ainda possuem potencialreal ou potencial desconhecido e,por isso, precisam ser pesquisadas

    e conservadas.

    IHU On-Line Ento, qual aimportncia na preservao edesenvolvimento de sementescrioulas?

    Juliana Bernardi Ogliari Asvariedades crioulas conservadason farm pelos agricultores fazemparte de um processo dinmico deinterao com a agrobiodiversida-de, que leva sua transformao eevoluo. O resultado dessa intera-o ao longo de geraes de cultivo

    A agrobiodiver-sidade a diver-sidade biolgicana agricultura

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    permite a transformao e a adap-tao das variedades crioulas aoecossistema agrcola de onde pro-cedem, ajustando-se s necessida-des dos agricultores, que tambmas modelam por meio da seleopara diferentes nalidades de usoe valores de cultivo e adaptativos.So os agricultores os responsveispela evoluo e conservao daagrobiodiversidade.

    IHU On-Line Como aliar a pre-servao da biodiversidade e aproduo agrcola atravs da aoe do manejo realizado pelas co-munidades rurais?

    Juliana Bernardi Ogliari Sis-temas agrcolas sustentveisde produo tm sido a propos-ta vivel para a conservao daagrobiodiversidade, onde todasas formas de vida interagem en-tre si, afetando uns aos outros,inclusive quem a maneja, o serhumano. Para esses ecossistemasagrcolas, onde os fatores de riscoda produo so variados, almdo equilbrio entre as diferentesformas de vida (animal, vegetal,microbiana), a qualicao gen-tica da variedade de certo cultivo fundamental.

    O equilbrio em ecossistemasagrcolas conquistado no ape-nas pelo uso de sistemas de ma-nejo apropriados (consorciao erotao dos cultivos, controle bio-lgico de pragas e doenas etc.),mas tambm pela constituiogentica das cultivares desenvol-vidas para estes agroecossistemas.Isso signica que uma cultivar demilho hbrido melhorada para sis-temas convencionais, em que to-

    dos os fatores de risco da produoso controlados por agrotxicos,fertilizantes, irrigao etc., pode-r ter diculdade de expressar seupotencial produtivo, em sistemassubmetidos aos ditos riscos. Issoporque, em geral, so seleciona-das para a obteno de elevadasprodutividades, mas quase semprepouco adaptadas aos riscos, consi-derando que eventuais fatores deestressantes podem ser controla-dos pelas tcnicas usadas em agri-cultora convencional.

    Alm da RevoluoVerde

    Essa foi a proposta de produopreconizada pela Revoluo Ver-de6, baseada no uso de pacotes tec-nolgicos e sementes genticas de

    elevada performance. A importn-cia do melhoramento gentico par-ticipativo est justamente na pos-sibilidade de desenvolver materialadaptado aos fatores de risco decada microrregio e por meio delespreservar os ecossistemas agrcolase conservar a agrobiodiversidade.

    A descentralizao das aes depesquisa, intrnseca aos programasde melhoramento gentico parti-cipativo, deve ser prioridade emprogramas destinados aos sistemasde base agroecolgica. Eu enten-do que no possvel conservar aagrobiodiversidade em sistemasconvencionais. Por outro lado, aconservao da agrobiodiversida-de no antagnica obtenode produo agrcola. No entanto,

    muitos estudos devem ser conduzi-dos para buscar uma associao en-tre estratgias de manejo e seleogentica apropriadas aos sistemasfamiliares de produo e desenvol-vimento endgeno. Nossos estudostm mostrado que as variedadescrioulas possuem atributos parti-

    6 Revoluo Verde: refere-se invenoe disseminao de novas sementes e prticasagrcolas que permitiram um vasto aumentona produo agrcola a partir da dcada de1950 nos Estados Unidos e na Europa e, nas

    dcadas seguintes, em outros pases. (Nota daIHU On-Line)

    culares e que no aparecem nascultivares modernas. Temos quereaprender (pesquisadores e agri-cultores) a resgatar conhecimentospara trabalhar a favor da conserva-o, sem negligenciar o desenvol-vimento econmico e social.

    IHU On-Line Na sua opinio,quais os limites e desaos para

    integrao do homem com o pla-neta atravs de sua produoagrcola? Como fazer o produtorentender a importncia de umarelao integral e no apenasmercantil com a terra?

    Juliana Bernardi Ogliari Noestou na fase romntica de acharque essa integrao ocorrer, numprimeiro momento, por meio de

    conscientizao somente. At podeajudar em algumas regies do pas.Em outras j existem iniciativasnessa direo. Um exemplo podeser destacado em municpios doOeste de Santa Catarina (Anchie-ta, Guaraciaba e Novo Horizonte),onde existem organizaes parcei-ras do NEABio da UFSC, que vemdesenvolvendo aes de pesquisaparticipativa desde 2001.

    Deve-se buscar meios polticos

    e tcnicos de promover o desen-volvimento social e econmico apartir dessa integrao do homemcom a natureza, seja mediante oecoturismo, slow food, certica-es de produtos diferenciados debase agroecolgica, certicaesde sociedades mdicas atestandoa qualidade funcional, nutricionale medicinal dos componentes daagrobiodiversidade, indicaes ge-ogrcas (indicao de procedn-cia e denominao de origem) etc.

    Todas essas estratgias buscam va-lorizar essa integrao por meio deagregao de valores capazes degerar empregos e novas alternati-vas de desenvolvimento regionalao mesmo tempo em que indire-tamente proporcionam a conser-vao da agrobiodiversidade pelouso. nisso que o NEABio acredita.

    IHU On-Line Quais os desaos

    polticos, econmicos e sociaispara se difundir a produo agro-ecolgica no Brasil? Que aes

    Sistemas agr-colas sustent-veis de produ-o tm sido a

    proposta vivelpara a conser-vao da agro-biodiversidade

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    so mais urgentes para se estimu-lar tanto consumo como produode alimento agroecolgico?

    Juliana Bernardi Ogliari Aspolticas agrcolas nem sempreacompanham a velocidade das in-formaes cientcas e, muitas

    vezes, quem as faz no observa asquestes impactantes. Para isso,seriam necessrios receptividadee esforo pessoal para aprender,ampliar horizontes e enfrentar de-saos. Nem todos esto preparadosou dispostos a isso.

    Uma das polticas agrcolas po-sitivas, mas que depe contra aproduo orgnica, o programaTerra Boa7. Nesse programa, porvrios anos, foi oferecido como

    7 O Programa Terra Boa um programada Secretaria de Estado de Agricultura ePesca do estado de Santa Catarina. Alm deinsumos, o programa distribui sementes de

    produto aos agricultores sementesde cultivares transgnicas de mi-lho, em reas de rica diversidadede variedades crioulas desse culti-vo. Nossas pesquisas tm mostradoque parte signicativa dos agri-cultores no sabe o signicado dotermo transgnico, muito menosde seus impactos e, consequente-mente, das medidas de isolamentonecessrias entre transgnicos eno transgnicos para a coexistn-cia entre ambos. Para complicar asituao, particularidades de al-gumas regies de Santa Catarina,com relao ao milho, no permi-tem aplicar a RN 4 (CTNBio 2007)para a coexistncia entre cultivosno transgnicos e transgnicos.

    Como se v, algumas dessas po-lticas vo na contramo de qual-

    milho para as famlias rurais. (Nota da IHUOn-Line)

    quer proposta de conservao daagrobiodiversidade. Cada regiodo pas tem suas particularidades,que devem ser observadas, e nonegligenciadas. Considerando quea tolerncia de contaminao portransgnicos na agricultura de baseagroecolgica 0%, pode-se ima-ginar o apoio poltico oferecido aeste segmento de produo em ex-panso no Brasil.

    Um dos principais desaos polti-cos seria acompanhar e observar asparticularidades dos agroecossis-temas regionais, antes de se fazercumprir as polticas. Outro desaoseria reunir esforos para compati-bilizar as polticas, o conhecimen-to tcnico-cientco e a inovaoem favor da promoo do desen-

    volvimento socioeconmico regio-nal, baseado na produo de baseagroecolgica e na conservao daagrobiodiversidade.

    LEIA MAIS...

    Agroecossistemas e a ecologia da vida do solo. Por uma outra forma de agricultura.RevistaIHU On-Linenmero 485, de 16-05-2016, disponvel em http://bit.ly/1NqbhAJ.

    Agroecologia e o futuro sustentvel para o planeta. Um debate.Revista IHU On-Linen-mero 377, de 24-10-2011, disponvel em http://bit.ly/24RBk0z.

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    ENTREVISTA

    Ubuntu, uma perspectiva parasuperar o racismoJean-Bosco Kakozi parte da metafsica africana para entender o racismo e,a partir dela, pensar em linhas de fuga para a desigualdade racial

    Por Joo Vitor Santos | Traduo Susana Rocca

    M

    uitas reexes acerca do racismotrazem como questo de fundouma perspectiva xenofbica, em

    ltima anlise, a no aceitao do outro. ,por exemplo, a atualizao dessa perspectivana relao com imigrantes, numa outra facetaracista. Isso porque so vistos como intrusos,quando na verdade quem os recebe inca-paz de assumir o drama do povo como tambmum drama seu. O professor africano Jean-Bos-co Kakozi Kashindi olha para essas questes ra-ciais desde os princpios do Ubuntu, que podeser apreendido como uma metafsica africana.Para ele, entre as inmeras denies, Ubuntupode ser compreendido como a humanidade do

    ser. Ou, como prefere, a abstrao das pes-soas no conjunto de suas humanidades. aideia de que minha humanidade est ligada sua. Logo, eu sou porque somos, explica, aomergulhar no princpio do reconhecimento dooutro, to forte na lgica do Ubuntu.

    Porm, o que Ubuntu pode responder a ree-xes em torno do racismo? A questo norteou asdiscusses da conferncia proferida por Kako-zi, ocorrida no Instituto Humanitas Unisinos IHU, na quarta-feira, 25-05. Em A dimensotico-poltica de Ubuntu: Uma proposta para asuperao do racismo em nuestra Amrica,

    o professor destaca o postulado tico-poltico

    da metafsica africana. Se no Ubuntu a pessoa pessoa atravs dos outros, a perspectiva dehumanidade vem sempre primeiro, pontua. Aoconferir esse valor relao entre os humanospara constituir suas humanidades, Ubuntu nodespreza qualquer ser humano. como se todasas pessoas, e suas humanidades, tivessem valore fossem fundamentais para formao dessa hu-manidade, ou se preferir, para constituio danao, do povo. Na entrevista a seguir, concedi-da por e-mail IHU On-Line, o professor apro-funda as ideias que nortearam sua conferncia.

    Jean-Bosco Kakozi natural da Repblicado Congo, onde se graduou em Filosoa e Ci-ncias Humanas. Especializou-se em Religio

    no Centre de Formation Missionnaire NotreDame dAfrique, na cidade de Bukavu (Rep-blica Democrtica do Congo). Realizou mestra-do em Estudos Latino-americanos pela Univer-sidade Nacional Autnoma do Mxico UNAM. doutor em Filosoa e Cincias Humanas nacidade de Bukavu. Sua pesquisa referenteao Ubuntu na frica do Sul (Joanesburgo) naUniversidade de Witwatersrand. Atualmente ps-doutorando no Programa de Ps-graduaoem Direito na Universidade do Vale do Rio dosSinos Unisinos, So Leopoldo.

    Conra a entrevista.

    Fotos:JooVitorSantos/IHU

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    IHU On-Line Como compreen-der a essncia do Ubuntu? Em quemedida se coloca como perspecti-va para superao do racismo?

    Jean-Bosco Kakozi Partindo deuma denio geral, Ubuntu signi-ca humanidade; mas desde um apro-

    fundamento conceitual de Ubuntu,este termo tem trs signicadosque se entrelaam: 1) a abstrao ea generalidade dos fenmenos que,na cosmoviso africano-bant,constituem a realidade (o muntu[apessoa], o kintu [a coisa], o kuntu[o modo o a maneira de expressar omundo] e o ahantu [o espao-tem-po]); 2) a abstrao e a generalida-de do umuntu (a pessoa), ou seja,a humanidade como o conjunto doshumanos; 3) a humanidade comovalor mesmo que se expressa como

    solidariedade, empatia, compai-xo, generosidade...

    Ento, essas denies de Ubun-tu aparecem condensadas no afo-rismo isiZulu1 umuntu ngumun-tu ngabantu (a pessoa pessoano meio de ou atravs de outraspessoas), o que levou o arcebispoemrito Desmond Tutu2 a denirUbuntu como eu sou porque nssomos. O que aqui se destaca que uma pessoa constituda comotal desde a comunidade, desde osoutros; em outros termos, a alteri-dade a condio de possibilidadeda constituio do indivduo.

    Isto fundamental no combateao racismo. Na Amrica Latina, emgeral, e no Brasil, em particular,a Conquista, a colonizao euro-peia (Portugal e Espanha) e a es-cravido de indgenas e africanosestabeleceram relaes sociais de

    1 Lngua da etnia sul-africana zulu. (Nota doentrevistado)

    2 Desmond Tutu (1931): Bispo anglicano sul--africano. Trabalhou como professor secun-drio e, em 1960, ordenou-se sacerdote an-glicano. Aps estudar teologia por cinco anosna Inglaterra, foi nomeado deo da catedralde Santa Maria, em Johannesburgo, sendoo primeiro negro a ter tal nomeao. Sagra-do bispo, dirige a diocese de Lesoto de 1976a 1978, ano em que se torna secretrio-geraldo Conselho das Igrejas da frica do Sul. Suaproposta para a sociedade sul-africana incluidireitos civis iguais para todos; abolio dasleis que limitam a circulao dos negros; umsistema educacional comum; e o m das de-portaes foradas de negros. Sua rme po-sio anti-apartheid a poltica ocial de se-

    gregao racial lhe vale, em 1984, o PrmioNobel da Paz. (Nota da IHU On-Line)

    dominao e explorao baseadasnos fentipos das pessoas. O ho-mem branco se considerou comohumano por antonomsia, e os no--brancos, como menos humanos ouno-humanos. isto o princpioanti-Ubuntu, o princpio do eusou porque voc no . Este prin-

    cpio est na base do racismo, poisquando se discrimina, se excluiuma pessoa pelos seus traos fsi-cos, se nega a ela implicitamente asua humanidade, pois a humanida-de em si no existe concretamen-te, mas existe em suas diversas ex-presses (traos fsicos, culturais,lnguas, religies etc.).

    Negao dos outrose de si

    Ento, a noo de Ubuntu denun-cia o racismo e anuncia uma possi-bilidade de super-lo em comuni-dade, em paz com os outros, j quequando se discrimina racialmenteuma pessoa, estamos em presenada perda de humanidade em sen-tido duplo: o discriminador nega ahumanidade do discriminado e, aomesmo tempo, perde a sua huma-nidade. E se nos referimos s de-nies mencionadas anteriormen-te, a perda de humanidade no

    um assunto menor, porque levajunto o fato de se desconectar domundo, da realidade. Distanciar-sedo mundo, da realidade no podeser outra coisa mais do que umaautodestruio.

    IHU On-Line De que for-ma possvel, a partir do reco-nhecimento do outro, superarconitos?

    Jean-Bosco Kakozi Reconhecero outro, desde a cosmoviso afri-cana bant, viver em paz, emharmonia. E aqui no se trata s dereconhecer, mas de responder aooutro, de ser recproco para comele ou ela. E esse outro no se limitasomente s pessoas, mas se estendeaos demais seres animados e inani-mados com os que constitumos acomunidade csmica da vida.

    Assim, quando reconheo o outroe respondo a ele ou a ela, tam-bm para meu benefcio. Primeiro,porque eu o respeito, o consideroe o trato como humano, isso deve

    abrir-me a um encontro qualitativocom ele ou ela e nos possibilita vi-ver com dignidade. Segundo, comovivemos em uma comunidade csmi-ca da vida, reconhecer, respeitar eresponder a outros seres (animadose inanimados) de que eu dependo,signica proteger, cuidar o ambiente

    que me circunda, o qual coadjuvariaa evitar conitos sociais, polticos eeconmicos. E isso conduziria li-bertao da vida e, em consequ-ncia, beneciaria a vida de todos,pois a minha vida depende de outrasvidas e, desde a viso de Ubuntu,no h nenhuma vida humana quetenha mais valor que a outra.

    IHU On-Line Como superar algica fascista, que nasce do ata-que e no reconhecimento do

    outro, a partir da perspectiva doUbuntu?

    Jean-Bosco Kakozi Para os afri-canos em geral, a vida humana um valor supremo. E, como j disseantes, no existe uma vida superiora outra, ou seja, no h seres hu-manos ontologicamente defeituososou inteis. E outro elemento impor-tante que encontramos em Ubuntu que a humanidade de cada pessoaest entrelaada com a de outraspessoas, elas me fazem humano.

    Entender isto muito relevantepara superar a lgica fascista e xe-nofbica. As diferenas, em vez deserem vistas como ameaas, deve-riam ser apreciadas como riqueza.Eu sei o difcil que aceitar o an-terior, em um pas onde imperou algica capitalista individualista eexcludente, e agora em crise pol-tica e econmica. Minha opinio que uma das razes fundamentaisdessa crise precisamente a noaceitao da alteridade que nos

    constitui. O outro (no contexto bra-sileiro: o pobre, o negro, o indge-na e a maioria das mulheres) seguesendo como uma ameaa classesocial que tem sido privilegiada.

    IHU On-Line Que elementosessa losoa africana oferecepara pensar a realidade latino-americana e caribenha?

    Jean-Bosco Kakozi Para come-ar, vale salientar que para o l-sofo sul-africano Mogobe Ramose,Ubuntu seria a pedra angular da

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    losoa africana. Alis, seria a -losoa africana mesma. Ela temrelao estreita com a sua irm, alosoa latino-americana. O aporte

    substancial de Ubuntu a esta ltimaest em recuperar e/ou restaurar oser humano todo dentro da socieda-de, que eu entendo aqui como umacomunidade csmica de vida.

    Isso quer dizer em termos kan-tianos, mas ampliando o postuladotico do lsofo alemo uma con-cepo do ser humano no comomeio, mas como m em si mesmo,porm esse ser humano deve sersempre consciente da alteridade,no sentido amplo, que o constitui.

    um ser humano consciente de quea especicidade que o distingue deoutros seres csmicos (conscincia,vontade, liberdade) o faz mais res-ponsvel do cuidado e no da des-truio ou extino desses outrosque o constituem. E tudo isso seencontra mutatismutandisnas -losoas ou nas cosmovises dos po-vos originrios das Amricas. A con-tribuio fundamental de Ubuntuou da losoa africana para pensara realidade latino-americana e ca-

    ribenha seria, em suma, realinhar ohomem na sua totalidade no centroda preocupao. E esse homem um ser que est sempre na interde-pendncia vital com os outros seres(animados e inanimados).

    Isto se encontra j nascosmovivncias3dos povos origi-

    3 O lsofo mexicano de origem alem CarlosLenkerdorf explica a cosmovivncia comoa convivncia harmoniosa que deve prevale-cer entre todas as entidades do cosmos. Ver:Carlos Lenkersdorf, Conceptos tojolabales de

    losofa y del altermundo, Mxico, Ed. Plazay Valds, 2004. (Nota do entrevistado)

    nrias de Amrica Latina e Caribe,pelo qual Ubuntu viria s lembrars losoas, s humanidade e scincias (sociais ou no) latino-

    -americanas e caribenhas que aquimesmo h recursos inesgotveispara pensar de outra forma a re-alidade da regio e transform-la.Estes recursos se encontram para-doxalmente nas cosmovises dospovos subalternizados, oprimidos,marginalizados ou desprezadospela racionalidade ocidental.

    IHU On-Line De que formaUbuntu se articula ideia da Re-nascena Africana? E como essa

    experincia africana pode inspi-rar uma renovao na AmricaLatina e Caribe?

    Jean-Bosco Kakozi Para almda discusso sobre o adequado ouno do termo Renascimento Afri-cano, o auge de Ubuntu (desdeos anos 1990), no mbito polticoe acadmico, na frica do Sul, um acontecimento a celebrar. Nodiscurso inaugural como segundopresidente negro da frica do Sul,Thabo Mbeki4 comeou dizendo: I

    am an Africa (Sou africano). Isto4 Thabo Mvuyelwa Mbeki (1942): umpoltico Sul-Africano que serviu nove anoscomo o segundo ps-apartheid Presidente da

    frica do Sul a partir de 14 de junho de 1999 a24 de setembro de 2008 . Em 20 de setembrode 2008, com cerca de nove meses deixou emseu segundo mandato. Mbeki anunciou suarenncia depois de ser recordado pelo ComitExecutivo Nacional do ANC, na sequncia deuma concluso pela juiz CR Nicholson de in-terferncia indevida na Autoridade nacionalde acusao (NPA), incluindo a acusao deJacob Zuma por corrupo. Em 12 de Janei-ro de 2009, o Supremo Tribunal de Recurso

    anulou por unanimidade o julgamento de Ni-cholson. (Nota da IHU On-Line)

    foi uma tomada de posio existen-cial, uma reinvindicao identitriaque evoca um processo de perma-nncia de uma identidade africana.Ele nem se vestiu como se veste umrei ou uma autoridade nas socieda-des tradicionais africanas. Falouem ingls e estava vestido social-

    mente, ou seja, moda ocidental.O exemplo de Mbeki contm ind-

    cios de Ubuntu, no sentido de queele falou como sul-africano (iden-tidade local), incluindo ao mesmotempo a frica e implicitamenteo legado cultural ocidental. Isto fundamental para o renascer dafrica, para sua descolonizao.No se trata de jogar todo o legadoda colonizao europeia e retornarcompletamente ao passado pr-co-

    lonial, mas sim partir da armaoda identidade e cultura prprias(locais) e integrar o bom de outrasculturas, neste caso a ocidental.

    Tendo a frica muita semelhanacom a Amrica Latina e Caribenhapor terem sido colonizadas pelosocidentais e, por isso mesmo, in-corporadas como periferias nosistema-mundo capitalista, o queeu disse antes pode ser aplicadotambm Amrica Latina e ao Ca-ribe. O intelectual mexicano Leo-

    poldo Zea5 acertou que o proble-ma da Amrica Latina e do Caribe um problema do homem (emsentido genrico), o problema ti-co. O homem latino-americano ecaribenho, em geral, anseia mais omundo alheio (Europa e, em certosentido, os Estados Unidos), odian-do os outros que constituem seuprprio mundo. Ento, para a con-tnua renovao, para a verdadeirasada desta regio, preciso valo-rizar o prprio estado, ao mesmo

    tempo, aberto para incorporar omelhor do alheio.

    IHU On-Line Como se constituie como compreender o conceitode resistncia dentro da losoaUbuntu?

    5 Leopoldo Zea Aguilar (1912 2004):lsofo mexicano defensor do latinoameri-canismo integral na histria. Ficou reconhe-cido por sua tese de graduao O positivismno Mxico (1945), em que aplicou e estudouo positivism no context de seu pas na tran-

    sio dos sculos XIX e XX. (Nota da IHUOn-Line)

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    Jean-Bosco Kakozi Em Ubuntu,como losoa africana, o conceitode resistncia est includo no delibertao africana. A resistnciadentro do processo da libertaoafricana se articula desde outrasvivncias africanas, isto , desdeum modo de vida, um fazer dife-

    rente ao imperante way of life6ocidental. Vou me explicar com umpequeno exemplo: agora, o neolibe-ralismo com seu corolrio do consu-mismo se expandiu por muitas par-tes do globo. O lema agora, comome dizia um professor, devo (aobanco, s grandes lojas...), entoeu sou. Contudo, mesmo que nafrica tambm haja prticas con-sumistas, at exageradas, continuahavendo muitas prticas locais desolidariedade entre as pessoas e

    de poupana que no dependem dosistema bancrio nacional ou inter-nacional. A solidariedade no sem termos de dinheiro ou de bensmateriais, mas sobretudo a partilhade momentos importantes da vida(nascimento, luto pela morte deum ente querido, casamento etc.).A poupana, por outro lado, se fazem organizaes rurais ou do bairro(likilimba, no caso da R. D. Con-go, por exemplo). Essas prticasso, de alguma forma, um modo devida que contrasta com o way oflife ocidental.

    Podem-me questionar e conside-rar que essas prticas tm mais aver com o atraso que com Ubun-tu, ou at mesmo que Ubuntu serelaciona mais com o atrasadoque com a realidade atual. Mi-nha resposta obviamente seria queno, por dois motivos principais: 1)o conceito mesmo do atrasado eurocntrico, isto , vem das ideiasdesenvolvimentistas e lineares,

    onde a Europa e os Estados Unidos esto e estaro sempre na frente,

    6 Modo de vida, em traduo livre. (Nota daIHU On-Line)

    isto , so e sero sempre superio-res e, por isso, suas culturas, seusmodos de vida, suas vises do mun-do devem ser seguidos por todo omundo; 2) essas prticas so simul-tneas, temporalmente falando,s prticas do neoliberalismo, e dessa exterioridade precisamente,

    evocando o lsofo argentino-me-xicano Enrique Dussel7, que haveriade implodir-se o sistema imperante.

    IHU On-Line Que perspectivasa tica Ubuntu capaz de abrirfrente a um mundo apoiado na l-gica do consumo e da nanceiri-zao das relaes e da vida?

    Jean-Bosco Kakozi Um dospostulados ticos de Ubuntu ne-nhum ser humano pode ser consi-

    derado absolutamente intil, e ooutro ignora a vaca8e salva o serhumano, porque a vida maior quea riqueza. Esses dois postuladosmostram, como j disse anterior-mente, o importante que a vida,em geral, e a humana, em particu-lar. Da segue que a tica do Ubun-tu, ou o Ubuntu como tica, umacrtica contundente ao consumis-mo exacerbado e supercialidadedas relaes humanas. Pois, o con-sumismo est fazendo justamenteo contrrio: ignora o ser humano

    para salvar a todo custo a vaca.Dentro de um panorama assim

    (anti-Ubuntu), a vida mesma neste

    7 Enrique Dussel (1934): lsofo argentinoradicado (exilado) desde 1975 no Mxico.Expoente da Filosoa da libertao e do pen-samento latino-americano em geral, seu pen-samento discorre sobre temas como losoa,poltica, tica e teologia. Tem se colocadocomo crtico da ps-modernidade, chamandopor um novo momento denominado trans-modernidade. Tem mantido dilogos comlsofos como Apel, Gianni Vattimo, JrgenHabermas, Richard Rorty, Lvinas. Crtico

    do pensamento eurocntrico contemporneo.(Nota da IHU On-Line)8 A vaca aqui se refere riqueza, porqueem muitas etnias africanas ter uma vacasimboliza ser rico. (Nota do entrevistado)

    mundo est ameaada. A harmoniaest quebrantada porque, comoaparece nas denies de Ubuntu,Ubuntu como humanidade no so-mente signica valores essenciais(solidariedade, generosidade...),mas tambm a abstrao e a gene-ralidade da realidade da qual de-

    pendemos e na qual somos. Assim,seguir antepondo a riqueza e/ou oconsumo ao ser humano continu-ar o caminho seguro at o afoga-mento coletivo dos seres humanos(o planeta terra no vai desapa-recer, a espcie humana, sim). Aocontrrio, os caminhos de Ubuntue das diversas cosmovises dos po-vos originrios da nossa Amricacontm a insuspeita esperana dee para a libertao da vida e danossa libertao.

    IHU On-Line Quais os desaospara as culturas ocidentais apre-enderem perspectivas metafsi-cas como as do Ubuntu?

    Jean-Bosco Kakozi O primeirodesao aprender a ser humilde,isto , no se considerar comoDeus, e sim como ser humano. Seisto se aceita, o segundo desaoseria ento convencer-se de queno h uma vida humana superior eoutra inferior. Uma que vale mais,portanto, digna de ser defendida,conservada e reproduzida, e outraque vale menos ou no vale nada intil, descartvel e no digna deser protegida nem reproduzida. Oterceiro desao que est relacio-nado com a essncia mesma deUbuntu reconhecer que vivemosem uma comunidade csmica devida, onde h uma interdepen-dncia vital entre os seres huma-nos e outros seres. Reconhecer istodeve levar tarefa impostergvelde responder, isto , fazer-se res-ponsvel pelos outros (humanos eno humanos), para humanizar-see viver em harmonia, em paz.

    LEIA MAIS...

    Metafsicas Africanas Eu sou porque ns somos. Entrevista com Jean Bosco Kakozi Kashin-di, publicada na revista IHU On-Line, nmero 477, de 16-11-2015, disponvel em http://bit.ly/1THlvnM.

    Ubuntu. Eu sou porque nos somos. Revista IHU On-Line, nmero 353, de 06-12-2010, dis-

    ponvel em http://bit.ly/1lntwin.

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    Integrao ativa: uma releitura dasubstituio de importaes para

    os tempos de hoje luz da obra de Maria da Conceio Tavares, Eduardo Bastian reete sobre comoinserir a indstria brasileira nos elos mais nobres da economia global

    Por Joo Vitor Santos

    Fotos:JooVitor

    Santos/IHU

    Dentro da proposta do ciclo Eco-

    nomia brasileira: onde estamos epara onde vamos? Um debate comos intrpretes do Brasil, promovidopelo Instituto Humanitas Unisinos IHU, a noite de quarta-feira (18-05)foi dedicada a revisar o pensamen-to de Maria da Conceio Tavaresacerca da realidade nacional. Aobra da economista portuguesanaturalizada brasileira foi apresen-tada pelo professor do Instituto deEconomia da Universidade Federaldo Rio de Janeiro UFRJ, EduardoFigueiredo Bastian. Mesmo sem ter

    sido aluno de Conceio Tavares, o

    jovem economista no esconde ainuncia da professora. Sua obra fundamental. Ela tambm temum papel muito importante junto Economia da UFRJ, recorda. Oponto de partida de Bastian aideia de substituio de importa-es formulada pela economista.

    O professor ressalta que paramergulhar nas perspectivas deConceio Tavares preciso ter emvista a perspectiva histrica. A-nal, fala de um Brasil da dcada de

    30, em plena Era Vargas e com vis-

    tas a fortalecer a indstria nacio-nal. Inicialmente, a substituiode importaes no um conceitoformal. Trata-se de um conceitohistrico/estrutural. algo no pro-cesso histrico da industrializaodo Brasil e da Amrica Latina,pontua, ao ressaltar a posio es-truturalista de Conceio Tavares.Para Bastian, ter em mente a his-toricidade do processo faz enten-der melhor a ideia de substituiode importaes. um modelo quesubstitui o precedente, quando

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    nossa economia ainda era primrio--exportadora, voltada para fora.

    Ou seja, o Brasil, antes dos anos30, tinha sua economia centradaem poucos setores de exportaes.Isso nos fazia ter uma economia

    reexa, dada pela conjunturamundial. Era o centro exportadorque dava a dinmica para nossaeconomia. Se ia mal, tudo ia malinternamente, explica Bastian. Eao mesmo tempo em que essas ex-portaes geravam rentabilidade,os produtos eram pouco dados aoconsumo interno. O mercado in-

    terno ainda era todo alimentadopor uma indstria nacional muitobsica, geradora de produtos es-senciais e de baixa qualidade. E,ainda, grandeparte das de-mandas inter-

    nas s eramsupridas pelasimportaes.Mas, parafazer impor-taes, tam-bm preci-so exportar.Quando as ex-

    portaes entram em baixa, a res-trio muito grande, completa.

    Leia a reportagem completa emhttp://bit.ly/27YSFUq

    @_ihu

    twitter.com/_ihu

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    Multiplicam-se no pas movimen-tos populares em defesa de diver-sas demandas, mas que tm emcomum o anseio por melhorias naqualidade de vida e pelas condi-es necessrias ao pleno exerc-cio da cidadania. Mais do que isso,essas mobilizaes esto revelandoo descontentamento com os cami-nhos que o Brasil vem trilhando eprincipalmente as mudanas mais

    recentes no governo, que, a julgarpelos seus primeiros atos, tendema restringir ainda mais as sadaspara a promoo de medidas maisinclusivas e direcionadas a fomen-tar a equidade.

    possvel vericar esse senti-mento nas ocupaes de escolase de outras instituies pblicas.Um dos exemplos o Instituto do

    Patrimnio Histrico e ArtsticoNacional Iphan, que, em protes-to contra a supresso do Ministrioda Cultura, tem sedes ocupadasem cerca de duas dezenas de ca-pitais brasileiras, incluindo PortoAlegre, uma das ocupaes maisrecentes, que teve incio na lti-ma quinta-feira, 19-05-2016. Namesma data, milhares de mani-festantes saram s ruas da cidade

    A presso das ruas e o caminho deretomada dos ideais de justia socialManifestaes contra a guinada direita do governo se vislumbram comoestratgias para o resgate de uma perspectiva de desenvolvimento do pasvinculada ao social

    Por Leslie Chaves

    Foto:SusanaRocca/IHU

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    para protestar contra o governo dopresidente interino Michel Temer,com cartazes e faixas em que cri-ticavam as aes governamentaisimplementadas e o andamento doprocesso de impeachment.

    Neste momento h o deslo-camento de um posicionamentopoltico mais ao centro para umatendncia mais direita, o que sig-nica o abandono da perspectivado que seria uma social-democra-cia, comprometida em promovero desenvolvimento social. Trata--se de um programa de governoque no foi o escolhido nas urnas,analisa Rodrigo Ghiringhelli de Aze-vedo. O professor, que participou

    do debate Brasil, e agora, paraonde vamos?, na ltima quinta--feira, 19-05-2016, na Sala IgnacioEllacura e Companheiros IHU, fezuma reexo acerca da situaopoltica do pas em meio s turbu-lncias e incertezas sobre o futuro.

    Para Azevedo, a chave para com-preender o contexto brasileiro dehoje perceber o processo de po-litizao da justia e de criminali-zao da poltica, que se direcionaa determinados atores polticos es manifestaes e movimentos so-

    ciais que tm posicionamentos dis-sonantes da direita. No caso es-pecco da Operao Lava Jato, ajustia tem atuado de forma sele-tiva e partidarizada a partir da di-vulgao de vazamentos de escutastelefnicas e trechos de delaespremiadas. Umexemplo con-tundente adivulgao dasescutas telef-nicas de con-

    versas de Dilmacom Lula, quecausa uma he-catombe pol-tica que agravao andamentodo processo de

    impeachment. Isso tem aconte-cido em Curitiba, na 13 Vara daJustia Federal, e se conrma noSuperior Tribunal Federal, que teveseus ministros escolhidos com baseem barganhas polticas, e no como intuito de reforar a identidade

    com o projeto poltico. H minis-tros isentos, mas infelizmente elesforam engolidos pelo processo decriminalizao do governo e doPT, aponta.

    Leia reportagem completa emhttp://bit.ly/20Qno0v

    Foto:LeslieChaves/IHU

    Instituto

    Humanitas

    Unisinos

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    O conhecimento de si:vesturio e adornos como

    extenses da identidadePara Renata Pitombo Cidreira, a potncia da moda reside na construoda concretude da atitude corporal, a primeira expresso de nosso modode estar no mundo

    Por Leslie Chaves

    Oself compreendido pela psi-

    cologia como o conhecimen-to que o indivduo tem sobresi prprio. Saber que construdo apartir dos aspectos valorativo, refe-rente autoestima, e descritivo, quediz respeito autoimagem. nessesegundo processo, em que se compea expresso mais imediata e percept-vel de uma das faces da identidade dealgum, que a moda tem participaoativa. Conforme explica Renata Pitom-bo Cidreira, em entrevista por e-mail IHU On-Line, a primeira impressoque temos de algum do seu corpovestido. Essa segunda pele que a rou-pa uma forma de expresso do indiv-duo. Se compreendemos essa segundapele como uma extenso do nosso cor-po, como defende o socilogo MarshallMcLuhan, ela tem a capacidade de mo-delar nossa estrutura corporal, nossadimenso sensvel e nosso dilogo como que nos cerca.

    Para a pesquisadora, reside na cons-tituio da atitude corporal a forada moda, entendida enquanto modo deser, pois ela quem oferece ao ser asua possibilidade concreta de apresen-tao, apario encarnada num corpo.Dessa maneira, o modo como nos ves-timos e nos adornamos vem revestidode valores que carregamos conosco epartilhamos com os outros.

    Renata Cidreira analisa como esto

    acontecendo as construes identi-

    trias a partir da moda no cenrio

    contemporneo, em que o acesso informao intensicado pelo usocotidiano das tecnologias de comuni-cao e informao, sobretudo da in-ternet. A internet e os blogs poten-cializaram a democratizao da moda,permitindo a sua ressignicao no diaa dia do usurio. A partir de refern-cias dirias na Internet, o consumidortem um leque de opes para escolhero modo de se vestir que mais se ade-quar ao seu estilo de vida; assim, meparece que os processos de construoidentitrias se multiplicam e se diver-sicam, aponta.

    Renata Pitombo Cidreira graduadaem Comunicao, com habilitao emJornalismo, mestra e doutora em Co-municao e Cultura Contemporneas,pela Universidade Federal da Bahia UFBA. Tambm tem ps-doutorado emSociologia pela Universit Ren Des-cartes, Paris V-Sorbonne. Atualmente professora da Universidade Federal doRecncavo da Bahia UFRB, onde tam-bm lidera o grupo de pesquisa Corpoe Cultura. Entre sua produo biblio-grca destacamos as obras As Vestesda Boa Morte(Cruz das Almas: EDUFRB,2015),A moda numa perspectiva com-

    preensiva (Cruz das Almas: EDUFRB,2014),As formas da moda(So Paulo:Annablume, 2013) e Os sentidos damoda(So Paulo: Annablume, 2005).

    Conra a entrevista.

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    A evidncia sensvel da pessoa sua atitude corporal, sua di-

    nmica comportamental, seumodo de estar no mundo

    IHU On-Line De que maneira amoda participa da construo daidentidade de um grupo social ede um sujeito?

    Renata Pitombo Cidreira Acapacidade expressiva da moda visvel. A aparncia corporal pre-sentica certos pertencimentos e

    determinadas adeses. A questo que, na contemporaneidade,essas identicaes so pontuais,efmeras, como j mostrou Maffe-soli1e outros autores que reetemsobre a identidade. Como bemobservou Merleau-Ponty (1983)2,a evidncia sensvel da pessoa sua atitude corporal, sua dinmi-ca comportamental, seu modo deestar no mundo. Da a fora damoda, entendida enquanto modode ser, pois ela quem oferece aoser a sua possibilidade concreta deapresentao, apario encarnadanum corpo. Dessa maneira, o modocomo nos vestimos e nos adorna-

    1 Michel Maffesoli: socilogo francs. Le-ciona na Sorbonne Paris V, diretor doCentro de Estudos sobre o Atual e o Quoti-diano (CEAQ) e edita a revista Socits. Es-creveu inmeros livros importantes para acompreenso da mutabilidade social moder-na e ps-moderna, comoA conquista do pre-sente(Rio de Janeiro: Rocco, 1984); A con-templao do mundo (Porto Alegre: Artes &Ofcios, 1995);A transgurao do poltico:

    a tribalizao do mundo(Porto Alegre: Suli-na, 1997);Lgica da dominao(Rio de Ja-neiro: Zahar, 1978);Moderno e ps-moderno(Rio de Janeiro: UERJ, 1994). A edio 162da IHU On-Line, de 31-10-2005, publicouuma entrevista exclusiva com Maffesoli sob ottulo Culturas locais esto sendo revaloriza-das, disponvel em http://migre.me/69ujD.Leia tambm A poltica moderna no temmais sentido, disponvel em http://bit.ly/ihu230414. (Nota da IHU On-Line)2 MERLEAU-PONTY, Maurice. O cinemae a nova psicologia In: XAVIER, Ismail (org.)

    A Iara Revista de Moda, Cultura e Arte So Paulo V.3 N3 dez. 2010 Dossi 244experincia do cinema. Rio de Janeiro: Edi-

    es Graal; Embralme, 1983. (Nota da IHUOn-Line)

    mos vem revestido de valores quecarregamos conosco e partilhamoscom os outros.

    IHU On-Line De que modoo vestir-se e a moda podem sercompreendidos como atos designicao?

    Renata Pitombo Cidreira A pri-meira impresso que temos de al-gum do seu corpo vestido. Essasegunda pele que a roupa umaforma de expresso do indivduo.Se compreendemos essa segundapele como uma extenso do nossocorpo, como defende o socilogoMarshall McLuhan, ela tem a capa-cidade de modelar nossa estruturacorporal, nossa dimenso sensvel enosso dilogo com o que nos cerca.A partir da, comecei a perceberque a moda um modo de comu-nicao e que pode revelar, mani-festar gostos, valores, e at mesmocomportamentos e sentimentos.

    IHU On-Line Quais so as mu-danas mais signicativas ocorri-das a partir da globalizao e datroca de informaes potencia-lizada pela internet (e demaisaparatos do sistema miditico) noprocesso de construo das iden-

    tidades atravs da moda?Renata Pitombo Cidreira Como

    se sabe o consumo dos bens cultu-rais se exerce cada vez mais atra-vs de processos virtuais. Sites eblogs funcionam como mediadorese indicadores de consumo, e noseria diferente no mundo da moda.Assim, noticiar e criticar lanamen-tos, exposies, shows, performan-ces, desles, colees de modaon-line passa a ser um dispositivo amais para o acesso informao demoda. Os blogs de moda aparecem

    a partir de 2003 e viram um fen-meno mundial; a partir de 2006 seconsolidam no Brasil, promovendouma maior difuso do segmentoe atraindo novos consumidores eamantes do universo fashion. A in-ternet e os blogs potencializarama democratizao da moda, permi-tindo a sua ressignicao no dia adia do usurio. A partir de refern-cias dirias na Internet, o consumi-dor tem um leque de opes paraescolher o modo de se vestir quemais se adequar ao seu estilo devida; assim, me parece que os pro-cessos de construo identitriasse multiplicam e se diversicam.

    IHU On-Line Na moda, comocoexistem e se processam simul-

    taneamente as relaes entrea busca por diferenciao e poridentidade coletiva?

    Renata Pitombo Cidreira Umautor de que gosto muito, o soci-logo alemo Georg Simmel3, fazquesto de esclarecer que o sus-tentculo da dinmica moda situa--se num grande dualismo que per-passa, inclusive, outras instnciasessenciais da vida. Podemos ar-mar, de acordo com o autor, que

    a moda se alimenta de dois ladoscontrrios, mas ao mesmo tem-po complementares: a imitaoe a necessidade de originalidade,particularidade.

    A moda imitao de um modelodado e satisfaz assim a necessidadede aprovao na sociedade; conduzo indivduo pela via que todos se-guem e cria um mdulo geral quereduz a conduta de cada um a ummero exemplo de uma regra. Mas

    ao mesmo tempo satisfaz a neces-sidade de distinguir-se, a tendn-cia diferenciao (SIMMEL, 1905,p.112)4.

    3 Georg Simmel (1858-1918): socilogoalemo que desenvolveu o que cou conhe-cido como micro-sociologia, uma anlise dosfenmenos no nvel micro da sociedade. Foium dos responsveis por criar a Sociologiana Alemanha, juntamente com Max Webere Karl Marx. Escreveu, entre outros, Scho-penhauer und Nietzsche (Leipzig: Duncker& Humblot, 1907). (Nota da IHU On-Line)4 Publicao no Brasil: SIMMEL, Georg. Filo-

    soa da moda e outros escritos. Lisboa: Texto& Graa, 2008. Original publicado em:Reihe

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    TEMADESTAQUES DA SEMANA

    SO LEOPOLDO, 30 DE MAIO DE 2016 | EDIO 486

    Como j demonstramos em nos-so livro A moda numa perspectivacompreensiva (Cruz das Almas:EDUFRB, 2014), religar e distinguirso as duas funes fundamentaisque se encontram unidas indissolu-velmente na moda: permite ao in-divduo a segurana de no perma-necer s em sua ao e, ao mesmotempo, assegura a possibilidade demanifestao do gosto particularnos pequenos detalhes, satisfazen-do a vontade de particularidade. essa caracterstica dual que lhe prpria que a identica enquantoum produto das lutas entre classessociais. Conforme assinala o autor,as modas so sempre modas declasses, e (...) as modas de clas-se superior se diferenciam das de

    classe inferior e so abandonadasno momento em que esta comeaa apropriar-se daquela (id., ibid.,p.112). Estabelece-se, portanto,um movimento circular intermin-vel caracterstico da moda.

    A possibilidade de manifestaodo gosto particular nos peque-nos detalhes satisfaz a vontadede particularidade e , em ltimainstncia, o que permite preservara liberdade individual, sobretudoquando essa vontade de singula-

    ridade consegue ser mais forte doque a necessidade de reconheci-mento e acolhimento do grupo so-cial. De acordo com as observaesde Simmel, a moda d ao ser hu-mano um esquema graas ao qualele pode atestar, sem equvoco,algum lugar no universal, sua obe-dincia em relao s normas queso prprias de seu tempo, de suasituao social, de uma esfera maisestreita, e um esquema com o qualele se permite, em sentido inver-so, concentrar cada vez mais nosseus efeitos interiores e essenciaisda liberdade que procura na vidaem geral.

    IHU On-Line Alguns estudio-sos denem como apropriao

    cultural e criticam o uso de indu-mentrias caractersticas de de-terminadas identidades culturais,como os turbantes africanos e os

    Moderne Zeitfragen, N 11, Berlim, Pan-Ver-lag, 1905. (Nota da IHU On-Line)

    trajes tpicos chineses, por outrosgrupos no integrantes dessasculturas. De que maneira voc

    avalia essa questo?

    Renata Pitombo Cidreira EmAInterpretao das Culturas(Rio deJaneiro: LTC, 1989) Geertz5defen-

    de a ideia de cultura como conjun-to de mecanismos simblicos queauxiliam na ordenao do compor-tamento humano. Tal acepo evi-dencia a natureza vinculante quea cultura estabelece entre o queas pessoas podem vir a ser e o queelas so realmente. Desse modo,podemos constatar que o equil-

    brio entre unidade e diversidadepode estar no reconhecimento depadres culturais como elemen-tos denidores de uma existnciahumana. Como observa Geertz,tornar-se humano tornar-se in-dividual sob a direo de padresculturais (p. 37).

    Vislumbramos aqui a relaoambgua e escorregadia entre cul-tura e identidade, e mais: o reco-nhecimento de que a cultura umconjunto de signicaes que socomunicadas pelos e entre os indi-vduos de um dado grupo atravs de

    5 Clifford James Geertz (1926-2006):antroplogo estadunidense, professor em-rito da Universidade de Princeton, em NovaJrsei, nos Estados Unidos. Seu trabalho noInstitute for Advanced Study de Princetonse destacou pela anlise da prtica simbli-ca no fato antropolgico. Foi considerado,por trs dcadas, o antroplogo mais in-

    uente nos Estados Unidos. (Nota da IHUOn-Line)

    processos interativos. Essa aborda-gem, reconhecida como interacio-nista, acentua a importncia daproduo e circulao de sentidosque as interaes entre indivduosproduzem, observando de formabastante atenta para o contexto noqual se desenvolvem esses proces-sos interativos. A pluralidade doscontextos de interao explica adimenso plural e instvel de todasas culturas e tambm os compor-tamentos aparentemente contra-ditrios de um mesmo indivduo(CUCHE, 2002, p. 107)6.

    De todo modo, o que nos pareceinteressante reter que a cultura indissocivel da aventura humanae que devemos conceb-la como olugar da experincia. A experincia

    do ser humano, por sua vez, deveser compreendida como abertura,possibilidade e transformao, poisesta a dinmica prpria da huma-nidade em sua vitalidade. Logo, oque tentamos esboar a ideia deque a cultura no do mbito daidentidade ou mesmo da realidade,mas da possibilidade.

    Assim, preciso evidenciar anuance entre cultura e identidadecultural. A cultura, vai argumen-

    tar Cuche7, depende em grandeparte de processos inconscientes.A identidade remete a uma normade vinculao, necessariamenteconsciente, baseada em oposiessimblicas (2002, p.176). De cer-to modo, podemos compreenderque a identidade cultural aparececomo uma modalidade de categori-zao da distino ns/eles, base-ada na diferena cultural.

    Desse modo, me parece compli-

    cado armar que o uso de certasindumentrias caractersticas degrupos culturais por outros gruposno integrantes dessas culturasseja sempre inadequado ou devaser criticado. O processo de res-signicao de elementos culturais um trao da prpria dinmica

    6 CUCHE, Denys. A noo de cultura nascincias sociais. Traduo de Viviane Ribei-ro. 2 ed. Bauru: EDUSC, 2002. (Nota da IHUOn-Line)7 Denys Cuche: antroplogo, socilogo,

    professor da Universidade Paris Descartes(Nota da IHU On-Line).

    O modo comonos vestimos e

    nos adornamosvem revestido devalores que car-regamos conos-

    co e partilhamos

    com os outros

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    DE CAPA IHU EM REVISTA

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    movente da cultura e, por conse-guinte, do prprio humano. O quedeve ser observado o modo comoesses elementos so apropriados ede que forma a pessoa que as adotarevela sua identicao com essestraos.

    IHU On-Line Em um de seustrabalhos, a moda entendidacomo uma instncia imaginriae mtica. Poderia falar um pouco

    sobre essa perspectiva?

    Renata Pitombo Cidreira Omito um sistema comunicacional, um modo de signicao, umaforma. Nesse sentido, entendo amoda como essa forma que con-densa signicaes que em partetemos conscincia e, em parte,

    no. Sempre revelamos algo quequeremos, mas tambm algo quesem sequer pensamos em revelar,pois o processo signicativo depen-de da interao que estabelecemoscom os outros, que vo interpretarnossas formas de apresentao dediversas maneiras, s vezes, paraalm ou aqum do que intentamos.E gosto de pensar que a roupa ea nossa composio da aparnciano apenas simblica, mas tam-bm imaginria, no sentido de que

    mantm relao com nossos dese-jos, com nossas pulses... com oque no controlamos, mas que estlatente em ns.

    IHU On-Line De que maneiraa moda tem participado da cons-truo da identidade de gnero,expressando, mais recentemen-te, uma uidez nos usos de ele-

    mentos considerados femininos emasculinos?

    Renata Pitombo Cidreira Aconstruo da aparncia um dis-positivo importante na armaoda identidade. Desse modo, o queescolhemos para cobrir e adornar

    nosso corpo extremamente signi-

    cativo e, desde muito cedo, co-meamos a fazer nossas escolhas

    vestimentares inuenciados pelonosso entorno, pela famlia em pri-meiro lugar, depois pelos amigos epelo local de trabalho. Assim, va-mos, pouco a pouco denindo nos-so modo de aparecer e de ser. Jassistimos, na dcada de 1920, porexemplo, a uma abordagem maismasculina no modo de se vestir dasmulheres, desde o corte de cabelo,

    at o uso de peas reconhecidascomo do universo masculino. CocoChanel8 foi uma pioneira nessesentido.

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