IHUOnlineEdicao447

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  • Ramn Salaverra:Jornalismo, compartilhamento e credibilidade no sculo XXI

    Ivana Bentes:Memtica, multido e midialivrismo - A comunicao ps-mdia

    C. W. Anderson:Crises permanentes, turbulncias constantes

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    AIS Renato Ortiz:

    Ps-modernidade, identidade e tecnologia no mundo globalizado

    Osvaldo Pessoa Jr.: O que o medo da morte? Apenas um artefato psquico. A resposta da filosofia da mente

    Jornalismo Ps-industrial

    Revista do Instituto Humanitas UnisinosN 4 4 7 - A n o X I V - 3 0 / 0 6 / 2 0 1 4

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    Neiva Furlin: Mulheres: sujeitos femininos de saber teolgico

    Caminhos para um ps-jornalismo

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    Jornalismo Ps-industrial: Caminhos para um ps-jornalismo

    IHUInstituto Humanitas Unisinos

    Endereo: Av. Unisinos, 950, So Leopoldo/RS. CEP: 93022-000

    Telefone: 51 3591 1122 ramal 4128.

    E-mail: [email protected].

    Diretor: Prof. Dr. Incio Neutzling. Gerente Administrativo: Jacinto Schneider ([email protected]).

    A edio desta semana da IHU On-Line vem na esteira de importantes mudanas que tm afetado o ecossis-tema miditico ao longo dos ltimos anos. As novas mdias, a tecnologia ubqua e as redes sociais permitiram a articulao de uma sociedade midia-tizada, e tensionam o jornalismo tra-dicional em diversas instncias, num contexto que pesquisadores nomea-ram jornalismo ps-industrial.

    No entanto, enquanto o ter-mo descreve bem o futuro no qual j estamos inseridos, seria possvel vislumbrar o que vem em seguida? Para pensar os dilemas da imprensa na contemporaneidade e a emergn-cia de um possvel ps-jornalismo, pesquisadores e pesquisadores de diversas universidades participam da discusso.

    C. W. Anderson, professor da City University of New York CUNY e um dos autores do relatrio Jornalis-mo Ps-Industrial, aborda as relaes entre imprensa, tecnologia e novas formas de participao social, das quais decorrem as constantes crises que atingem a indstria de notcias.

    Ramn Salaverra, da Universi-dad de Navarra, investiga o desafio dos meios tradicionais em manter seu pres-tgio comunicacional, adaptando-se a caractersticas dos meios nativos di-gitais. J Ronaldo Henn, do Programa de Ps-Graduao em Comunicao da Unisinos, trata da construo dos ciberacontecimentos que, miditicos por natureza, dispensam uma media-o a priori pelo jornalismo.

    Os drones e o jornalismo imersivo so os temas centrais da entrevista de Antonio Brasil, da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC, que nos lem-bra que inovao resume-se menos tecnologia do que s novas ideias e nar-rativas. John Pavlik, da Escola de Comu-nicao e Informao da State Universi-ty of New Jersey, analisa os esforos de promoo da interatividade e de envol-vimento do pblico naquele que seria o segundo estgio do jornalismo online.

    Luiz Martins da Silva, da Uni-versidade de Braslia UnB, distingue protojornalismo, jornalismo e ps-jor-nalismo que, por vezes, podem com-partilhar a mesma pgina. A pluralida-de de emissores e sua relao com o jornalismo o tema da entrevista de

    Joshua Benton, fundador e diretor do Nieman Journalism Lab, da Universi-dade de Harvard.

    Andr Lemos, da Universidade Federal da Bahia UFBA, defende uma distino entre funes miditicas e ps-miditicas para compreender a complexidade do atual ecossistema miditico. Ivana Bentes, da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, fala do midialivrismo na mdia ps- massiva. Por fim, Cremilda Medina, professora aposentada da Universida-de de So Paulo USP, discute a impor-tncia do jornalista-autor na mediao do real, que supera novas ou velhas gramticas, novas ou velhas mdias.

    Completam esta edio as entre-vistas de Renato Ortiz, da Universida-de Estadual de Campinas Unicamp, sobre identidade e tecnologia na ps--modernidade; de Osvaldo Pessoa Jr., da USP, sobre o medo da morte como artefato psquico; e de Neiva Furlin, do Ncleo Interdisciplinar de Estudos de Gnero da Universidade Federal do Paran UFPR, a respeito do papel da mulher no ensino de teologia.

    A todas e a todos uma boa leitura e uma excelente semana!

    IHU On-Line a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos IHU ISSN 1981-8769.

    IHU On-Line pode ser acessada s segundas-feiras, no stio www.ihu.unisinos.br.

    Sua verso impressa circula s teras-feiras, a partir das 8h, na Unisinos.

    REDAO

    Diretor de redao: Incio Neutzling ([email protected]).Redao: Incio Neutzling, Andriolli Costa MTB 896/MS ([email protected]), Luciano Gallas MTB 9660 ([email protected]), Mrcia Junges MTB 9447 ([email protected]), Patrcia Fachin MTB 13.062 ([email protected]) e Ricardo Machado MTB 15.598 ([email protected]).Reviso: Carla Bigliardi

    Colaborao: Csar Sanson, Andr Langer e Darli Sampaio, do Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores CEPAT, de Curitiba-PR.Projeto grfico: Agncia Experimental de Comunicao da Unisinos Agexcom.Editorao: Rafael Tarcsio ForneckAtualizao diria do stio: Incio Neutzling, Patrcia Fachin, Fernando Dupont, Sulen Farias, Julian Kober, Nahiene Machado e Larissa Tassinari

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    LEIA NESTA EDIOTEMA DE CAPA | Entrevistas

    5 Apresentao Os caminhos para um ps-jornalismo

    7 Ba da IHU On-Line

    8 C. W. Anderson Jornalismo Ps-Industrial Crises permanentes, turbulncias constantes

    11 Ramn Salaverra Jornalismo, compartilhamento e credibilidade no contexto ps-industrial

    15 Ronaldo Henn Miditico por natureza A construo do ciberacontecimento

    18 Antonio Brasil Telejornalismo ps-industrial Drones, ninjas e jornalismo imersivo

    21 John Pavlik Entretenimento e informao no envolvimento da audincia

    23 Luiz Martins da Silva Jornalismo, ps-jornalismo e protojornalismo. Uma imprensa de mltiplas camadas

    26 Joshua Benton O lugar da informao no ecossistema miditico

    28 Andr Lemos Mdias massivas e ps-massivas no fluxo das redes

    31 Ivana Bentes Memtica, multido e midialivrismo A comunicao ps-mdia de massas

    35 Cremilda Medina O jornalista-autor e a mediao do real Para alm de novas ou velhas gramticas

    DESTAQUES DA SEMANA39 Destaques On-Line

    41 Entrevista da Semana Osvaldo Pessoa Jr. O que o medo da morte? Apenas um artefato psquico. A resposta da filosofia da mente e da neurocincia

    47 Teologia Pblica Neiva Furlin Mulheres: sujeitos femininos de saber teolgico

    57 Entrevista da Semana Ps-modernidade, identidade e tecnologia no mundo globalizado

    IHU EM REVISTA61 Sala de Leitura

    62 Publicao em Destaque Cadernos IHU A ddiva de si e a juventude: estudo etnogrfico sobre movimento escoteiro

    63 Retrovisor

    twitter.com/_ihu

    http://bit.ly/ihuon

    www.ihu.unisinos.br

  • SO LEOPOLDO, 00 DE XXX DE 0000 | EDIO 000

    Destaquesda Semana

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    5EDIO 447 | SO LEOPOLDO, 30 DE JUNHO DE 2014

    Apresentao

    Os caminhos para um ps-jornalismoPor Andriolli Costa

    O reprter e o robNa manh do dia 17 de maro

    de 2014, o LA Times foi o primeiro jornal a veicular a notcia sobre um terremoto ocorrido minutos antes em Westwood, Califrnia. A matria tinha como fonte apenas a base de dados do servio de notificao de terremo-tos do U.S. Geological Survey e cita-va ainda outros tremores ocorridos na regio nos ltimos 10 dias bem como todas as localidades afetadas.

    A postagem tinha tudo para ser ape-nas mais uma, que daria sequncia a uma srie de novas matrias produ-zidas pela redao ao longo do dia. Exceto, claro, pelo contedo de seu ltimo pargrafo: este post foi criado por um algoritmo, desenvolvido pelo autor.

    O autor em questo Ken Schwencke, editor de contedo digital do LA Times. Jornalista e programa-dor, ele o criador do Quakebot, um rob programado para escrever his-

    trias baseadas em eventos ssmicos que preencham critrios de noticiabi-lidade previamente configurados. O bot posta automaticamente no servi-dor do jornal, gera uma imagem com base em mapas do Bing e informa os editores de que o texto est pronto para ser liberado. Alm do Quakebot, Schwencke desenvolveu tambm o HomicideReport, um bot que publica um lead bsico de todas as ocorrn-cias de homicdio registradas em Los Angeles.

    Foto GettyImages.

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    SO LEOPOLDO, 30 DE JUNHO DE 2014 | EDIO 447

    J em abril, o peridico britnico The Guardian, que circulava nos Es-tados Unidos apenas em edio on-line, divulgou o lanamento de uma edio americana impressa e mensal totalmente produzida por bots. O #Open001 consiste em uma seleo de reportagens publicadas pelo Guar-dian ao longo da semana, escolhidas por algoritmos de acordo com sua aceitao nas redes sociais. Com a se-leo feita, ARTHR, outro bot, diagra-ma as notcias nas pginas, cabendo ao editor apenas dar OK nas provas e envi-las para impresso. O pro-cesso de fechamento completo leva cerca de uma hora e, de acordo com o desenvolvedor, poder no futuro ser feito por qualquer pessoa mes-mo as sem conhecimento formal em jornalismo.

    As notcias chamam a ateno inicialmente por seu carter pitores-co, mas ganham especial relevncia no sentido em que tensionam o jor-nalismo em um de seus fundamentos bsicos: a notcia. Contedo jornals-tico produzido com o auxlio de sof-twares utilizado h mais de 50 anos, mas a elaborao autnoma de con-tedo novidade. Muito se diz sobre o jornalismo no ser apenas tcnica, e da importncia da sensibilidade e da subjetividade do reprter, do faro jornalstico apurado, do traquejo do profissional ou mesmo do simples contato humano como determinan-tes para a construo social da not-cia. Por outro lado, os bots e o assim chamado jornalismo semntico so exemplos extremos de quando esta mediada totalmente pela tcnica.

    O que isso representa para o jor-nalismo? Deontologicamente, muito pouco. A produo dos bots o hard news puro, fundamentado em um lead bsico para responder da forma mais simples possvel s perguntas O qu? Quem? Como? Quando? Onde? e Por qu?. O trabalho de reporta-gem, investigao e contextualizao social do acontecimento ainda seria imprescindvel atividade jornalstica. Mas ser que isso feito de maneira adequada? Em um contexto de pre-carizao das redaes, levado a cabo por um crculo vicioso entre perda de anunciantes, quedas de audincia, dificuldade de monetizao em am-biente virtual e redues massivas de

    custo e equipes (os famosos passara-lhos), sabemos que este tipo de ma-terial tem cada vez menos espao nas organizaes tradicionais.

    As tenses que os bots eviden-ciam, desta forma, se do no nvel ontolgico do jornalismo. Descons-troem, de incio, a concepo antro-pocntrica da prpria produo noti-ciosa. o que mostra o pesquisador Clister Clerwall, da Karstad University na Sucia, que realizou um estudo mostrando que a percepo de uma nota de contedo autnomo indis-cernvel da escrita por um jornalista. A pesquisa apontou ainda que aspectos de qualidade como clareza e leitu-ra agradvel foram ligeiramente mais destacados em textos produzidos por humanos, enquanto confiabilidade, informatividade e objetividade se destacaram nos textos produzidos pe-los algoritmos.

    Clerwall resgata ainda que o jornalismo semntico um brao do que conhecido como notcias algo-rtmicas. So as matrias produzidas adaptadas lgica dos pageviews e da otimizao dos sistemas de busca. Ou seja, reprteres designados para reportagens inspiradas nas buscas populares no Google ou Yahoo. Este tipo de notcia no se preocupa com o que o pblico precisa saber para tomar decises e agir como cidado na democracia, mas sim no que o p-blico, em determinado momento, pa-rece querer. tratar o leitor como consumidor, no como cidado.

    Muitos se perguntam se a m-quina pode fazer melhor seu trabalho que um jornalista, mas, dentro da l-gica acima, fica a provocao: ao ser-vir tcnica, de que forma um huma-no produz melhor jornalismo que um rob? Quantas vezes, dentro das din-micas das horas de fechamento, no nos deixamos robotizar, produzindo sem introjeo ou reflexo, repetin-do frmulas, chaves e esteretipos? Para que e a quem serve um jornalis-mo como esse?

    Jornalismo ps-industrialA tecnologia do jornalismo pro-

    duzido por algoritmos insere-se no contexto que o Tow Center, da Uni-versidade de Columbia, nomeou em um relatrio publicado em 2012 de jornalismo ps-industrial. Escrito pelos pesquisadores C. W. Anderson, Clay Shirky e Emily Bell, o relatrio, parte pesquisa e parte manifesto, retoma o termo utilizado no contexto jornalstico pela primeira vez por Doc Searls em 2001. Ps-Industrial, para ele, era aquele jornalismo no mais organizado de acordo com a lgica do maquinrio de produo. Os autores, no entanto, propem uma expanso do conceito para pensar tambm o papel do jornalismo no ecossistema miditico contemporneo.

    O relatrio se debrua sobre o lugar ocupado pela imprensa e pelos profissionais de jornal em um mundo permeado por uma sociedade midia-tizada; pela lgica conectiva das re-

    Foto Mdia Ninja.

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    7EDIO 447 | SO LEOPOLDO, 30 DE JUNHO DE 2014

    des sociais; pela liberdade e alcance comunicativo do pblico (anterior-mente audincia); por tecnologias e narrativas inovadoras criadas por startups ou por iniciativas miditicas independentes ou mesmo sem fins lucrativos. No possvel, afinal, olhar para mdias to diferentes e ver algum tipo de unidade; seja no contedo, na linguagem, no modelo de negcios ou mesmo na ausncia dele.

    Fala-se em um mundo em que jornalistas precisam concorrer com contedo produzido por atores huma-nos e no humanos, que ultrapassam os limites da antiga e coesa inds-tria de notcias. Isso se torna muito evidente na cobertura espontnea realizada durante protestos ou mani-festaes, como na Primavera rabe onde a imprensa oficial era impedida de noticiar os acontecimentos, mas as redes sociais tornaram-se a praa p-blica para a discusso, mobilizao e ao social.

    E no contexto nacional? Em um de seus artigos, Antonio Brasil, profes-sor de Jornalismo da Universidade Fe-deral de Santa Catarina, d a ver uma imagem interessante: um mundo em que a cobertura feita por ninjas nas ruas coexiste com a de drones no ar. Narrativas Independentes, Jorna-lismo e Ao a sigla do coletivo Mdia N.I.N.J.A, brao do Fora do Eixo que emergiu com grande repercusso du-rante os protestos de junho passado. Seria possvel compreender a cober-tura pelos ninjas como jornalismo? Ou ainda, seria esta sequer uma pergun-ta relevante? Talvez mais importante seja pensar nos modos como ambas as mdias dialogam e tensionam uma a outra. O portal midianinja.org, lana-

    do em junho deste ano, um grande exemplo desta relao.

    De maneira semelhante e igual-mente provocativa Anderson, Bell e Shirky perguntam: seria o Face-book, do modo como constitudo hoje, uma empresa de notcias?. A resposta, de acordo com o relatrio de jornalismo ps-industrial, no se-ria nem sim, nem no, mas mu que em linguagem de programao indica que a pergunta, como formulada, no tem resposta razovel. O Facebook fundamental para o ecossistema de notcias e, ainda que organizado de acordo com linhas fora de sincronia com qualquer coisa que reconhecer-amos como organizao jornalstica, sua mera presena altera o contexto da pergunta.

    Ps-Jornalismo?Para entender o que e o que

    no jornalismo, primeiramente preciso definir sua estrutura e seus fundamentos. Dessa forma, possvel avaliar de maneira adequada as mu-danas estruturais sem incorrer em neopatias, buscando na histria da imprensa aquilo que e permanece sendo essencial para a atividade.

    Fato que o jornalismo sempre executou uma srie de funes, sendo a informativa apenas uma delas. No entanto, como bem aponta o relatrio do Tow Center, nunca se teve muita urgncia para defini-las. No perodo em que o discurso pblico era escasso (o que quer dizer, toda a histria at agora), jornalismo era simplesmen-te o que os jornalistas faziam. Hoje, talvez mais do que nunca, ter claros estes conceitos torna-se imperativo para os estudos do campo.

    Jornalismo ps-industrial um termo que resolve de maneira bastan-te eficiente os desafios e perspectivas do jornalismo no tempo presente, e os estudos buscam mapear e explorar dilemas com os quais ainda estamos nos enfrentando. Seria possvel, en-tretanto, vislumbrar a emergncia de um possvel ps-jornalismo? O prefixo ps, neste sentido, no tem neces-sariamente a conotao evolutiva ou linear, mas atpica.

    No um novo jornalismo, ou um jornalismo superior, mas um novo lugar do qual lanar os olhos sobre o objeto jornalismo e do qual este, por sua vez, tambm possa lanar os olhos sobre a sociedade. Um espao onde as tenses homem x tcnica, re-prter x mquina, emissor x receptor se resolvam e deem origem a novas prticas, linguagens e organizaes.

    Fala-se em jornalismo ps-in-dustrial, jornalismo lquido, funes massivas e ps-massivas, ps e pro-tojornalismo. Fala-se em ciberacon-tecimentos e em jornalismo de mul-tides. Todos so conceitos que, cada um sua forma, tentam compreender o que vivemos hoje e do pistas sobre o que ainda est pela frente.

    Vislumbrar este lugar do ps, buscando conhecer um panorama de diferentes vises sobre o as-sunto, o objetivo desta IHU On- Line. Ainda que seja difcil, a partir do presente, chegar a alguma conclu-so sobre o devir, no acreditamos que este seja um mero exerccio de futurologia. Mesmo porque, ainda no sculo passado, o escritor William Gibson j nos lembrava: o futuro j chegou. S no est igualmente distribudo.

    Ba da IHU On-LineConfira outras edies da IHU On-Line dedicadas aos debates sobre jornalismo e mdia.

    Arqueologia da mdia. Um passado presente. IHU On-Line n 375, de 03-10-2011, disponvel em http://bit.ly/ihuon375; Midiatizao. Um modo de ser em rede comunicacional. IHU On-Line n 289, de 13-04-2009, disponvel em

    http://bit.ly/ihuon289; Mdia livre? A democratizao da comunicao. IHU On-Line n 254, de 14-04-2008, disponvel em http://bit.ly/ihuon254; Mdia e Poltica. IHU On-Line n 202, de 30-10-2006, disponvel em http://bit.ly/ihuon202; tica e Mdia. IHU On-Line n 109, de 02-08-2004, disponvel em http://bit.ly/ihuon109.

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    Jornalismo Ps-Industrial Crises permanentes, turbulncias constantesPara C. W. Anderson, a relao entre imprensa, tecnologia disruptiva e novas formas de participao social far com que nos acostumemos a um mundo onde a indstria de notcias seja mais fraca e sempre envolta em constante turbulncia

    Por Andriolli Costa / Traduo: Andriolli Costa

    J ornalismo ps-industrial: adaptando-se ao presente. Este o ttulo do relatrio, parte pesquisa e parte manifesto, publicado pelo Tow Center da Universidade de Columbia em 2012. Desde as primeiras pginas, o documento j afirma que aquela no era uma tentativa de especular o jornalismo do futuro ou de salvar a indstria de notcias. Primeiramente porque o futuro j havia chegado. E em segundo lugar por-que no havia mais uma indstria de notcias. Afinal, com a notcia escapando centralidade das antigas e consolidadas organizaes jorna-lsticas, pensar o jornalismo dentro dos limites aos quais sempre esteve reservado torna-se hoje insuficiente.

    Em um estudo bastante completo sobre prticas profissionais, modos de produo e o papel social da imprensa, os autores C. W. An-derson, Clay Shirky e Emily Bell traam um diag-nstico do jornalismo neste novo e complexo ecossistema miditico. Em entrevista concedida por e-mail IHU On-Line, Anderson afirma que desde a publicao do relatrio o campo jorna-lstico passou por vrias mudanas. No entanto, o argumento central de que as organizaes noticiosas esto com problemas para mudar suas prticas profissionais de modo a acomo-dar a realidade digital, e que diversas novas organizaes noticiosas esto desestruturadas, permanece amplamente verdadeiro.

    O pesquisador aborda ainda sua viso sobre a crise no jornalismo que, para ele, est relacio-nada a uma crise geral das instituies, como o governo, a igreja ou o exrcito. Defende ainda que os desafios do jornalismo esto to rela-cionados aos processos organizacionais pelos quais as empresas jornalsticas so conduzidas quanto pelo modelo de negcios ou a tecno-logia. Neste contexto, Anderson afirma no enxergar uma resoluo para o tensionamento entre novas e velhas mdias. muito mais pro-vvel que ns, como sociedade, simplesmen-te nos acostumemos com um mundo onde a indstria de notcias seja mais fraca e sempre envolta em uma constante turbulncia.

    C. W. Anderson graduado em Cincia Po-ltica pela Indiana University, onde estudou a circulao de notcias na Rssia ps-sovitica. Concluiu, na Columbia University, seu mestrado e doutorado em Comunicao. Anderson um dos pioneiros na pesquisa e prtica do jorna-lismo cidado, dirigiu entre 2001 e 2008 o NYC Independent Media Center, uma das primeiras experincias de jornalismo do-it-yourself. Atualmente professor do Departamento de Cultura de Mdia na City University of New York CUNY. autor de Rebuilding the News: Metro-politan Journalism in the Digital Age (Filadlfia: Temple University Press, 2013).

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line Em que consiste pensar um jornalismo ps-industrial? Por que retomar o termo usado por Doc Searls1 em 2001?

    1 David Doc Searls (1947): jornalista norte-americano, colunista e bloguei-

    C. W. Anderson Ao nomear o relatrio de Jornalismo ps-indus-

    ro. Utilizou o termo jornalismo ps- industrial para designar o jornalismo que no mais organizado sob as normas de proximidade ao maquinrio de produ-o. (Nota da IHU On-Line)

    trial, quisemos algo especialmente claro. Boa parte das discusses mais frequentes a respeito do futuro da indstria de notcias tende a falar ou sobre uma crise econmica (os jor-nais precisam encontrar seu modelo de negcios) ou sobre uma crise tec-

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    nolgica (um tsunami de tecnologia digital est varrendo a indstria de notcias e no h nada que possamos fazer sobre isso). J ns, baseados em muita pesquisa, pensamos que os problemas no mundo do jornalismo esto to relacionados aos processos organizacionais pelos quais as em-presas jornalsticas so conduzidas quanto pelo modelo de negcios ou a tecnologia. Dessa forma, quisemos escolher o ttulo ps-industrial, para chamar ateno para este aspecto do relatrio.

    IHU On-Line De onde surgiu a inquietao para a produo do re-latrio? O cenrio miditico mudou desde a sua publicao?

    C. W. Anderson O novo centro de pesquisas da Universidade de Co-lumbia, o Tow Center, quis celebrar seu lanamento encomendando uma srie de novos artigos para analisar as mudanas na indstria de notcias. Publicou-se, ento, uma srie deles: The Reconstruction of American Jour-nalism2, por Len Downie3 e Michael Schudson4; The Story So Far: What We Know About the Business of Digi-tal Journalism5, por Bill Grueskin6, Ava Seave7 e Lucas Graves8; e, por fim, nosso relatrio.

    Acredito que vrias coisas espe-cficas mudaram no jornalismo desde

    2 The Reconstruction of American Jour-nalism, publicado em 19-10-2009, na Columbia Journalism Review. Disponvel em http://bit.ly/dowshudjor. (Nota da IHU On-Line)3 Leonard Len Downie, Jr (1942): jornalista norte-americano, foi editor executivo do The Washington Post entre 1991 e 2008. (Nota da IHU On-Line)4 Michael Schudson (1946): socilogo americano, pesquisador da histria do jornalismo. autor de Discovering the News: A Social History of American News-papers. (Nota da IHU On-Line)5 The Story So Far: What We Know About the Business of Digital Journalism, pub-licado em 10-05-2011, na Columbia Jour-nalism Review. Disponvel em http://bit.ly/GrueSeaGrae. (Nota da IHU On-Line)6 Bill Grueskin: jornalista norte-ameri-cano, atualmente decano na Columbia Journalism School e editor executivo na Bloomberg LP. (Nota da IHU On-Line)7 Ava Seave: semiloga com MBA em Ad-ministrao por Harvard, diretora da Quantum Media Associates. (Nota da IHU On-Line)8 Lucas Graves: professor assistente da Escola de Jornalismo e Comunicao de Massas da Universidade de Wisconsin- Madison. (Nota da IHU On-Line)

    que nosso relatrio foi publicado, mas penso que os argumentos gerais de que as organizaes noticiosas esto com problemas para mudar suas pr-ticas profissionais de modo a acomo-dar a realidade digital e que diversas novas organizaes noticiosas esto desestruturadas permanecem am-plamente verdadeiros. A maior dife-rena que eu apontaria o fato de que h algum dinheiro do Vale do Sil-cio sendo derramado no ecossistema noticioso. Isso pode dar s novas or-ganizaes um grande impulso e pode ajud-las a se institucionalizar mais rapidamente.

    IHU On-Line O termo jornalis-mo ps-industrial descreve a atual-mente conturbada relao entre im-prensa, tecnologia disruptiva e novas formas de participao social. Mas como voc vislumbra a emergncia de um possvel ps-jornalismo, em que estas relaes se resolvam?

    C. W. Anderson Na verdade eu no tenho certeza se estas tenses um dia sero resolvidas. muito mais provvel que ns, como sociedade, simplesmente nos acostumemos com um mundo onde a indstria de notcias seja mais fraca e sempre en-volta em uma constante turbulncia.

    IHU On-Line Tendo em vista a discusso de Philip Meyer9 Os jor-

    9 Philip Meyer: jornalista norte-ameri-cano, trabalhou durante 26 anos como jornalista antes de entrar para a docn-cia. Atualmente professor emrito da Universidade da Carolina do Norte. Seus estudos se concentram nas reas de qua-lidade no jornalismo, jornalismo de pre-ciso e jornalismo cvico. (Nota da IHU On-Line)

    nais podem desaparecer? (So Paulo: Contexto, 2007), de que maneira os modelos de negcio tradicionais do jornalismo desgastaram a credibili-dade dos jornais e quais novos mo-delos surgem como alternativas re-cuperao da credibilidade?

    C. W. Anderson Concordo com Philip Meyer que os modelos de ne-gcios tradicionais do jornalismo so (parcialmente) responsveis pelo de-clnio da credibilidade da imprensa, e penso que possvel que novos mo-delos possam ajudar a recuper-la. Mas tambm possvel que novos modelos tornem as publicaes e or-ganizaes noticiosas ainda mais con-fiveis do que antes. Com tudo isso dito, penso que o declnio da confian-a dos americanos no jornalismo , na verdade, apenas parte de um declnio geral da confiana dos americanos em diversas instituies anteriormente autoritrias: o governo, os militares, as empresas, a igreja e assim por diante.

    IHU On-Line Existe uma crise do jornalismo? Ou uma crise das or-ganizaes jornalsticas?

    C. W. Anderson Ambas, acredi-to. Eu tendo a discordar com o chavo de que existe uma crise das organiza-es, mas no do jornalismo. Penso que, mesmo agora, as organizaes noticiosas tradicionais produzem a maior parte do jornalismo especial-mente nas cidades dos Estados Uni-dos e, dessa forma, qualquer crise nas organizaes jornalsticas inevita-velmente afetar o modo como o jor-nalismo produzido.

    IHU On-Line Em Rebuilding the News, voc questiona a autoima-gem dos jornalistas, que se enxergam como referncias informativas defini-tivas, que reportam em nome de um pblico massivo, o que impediria o dilogo comunicacional. No entanto, critrios como audincia e linguagem so insuficientes para distinguir o jor-nalismo da cobertura feita por blogs ou comunicadores no profissionais. O que distingue (ou deveria distin-guir) o jornalismo ps-industrial des-sas demais produes de contedo?

    C. W. Anderson Penso que, no final, o ato de fazer reportagens ori-ginais aladas a um nvel que pessoas

    No mais importante tornar

    os jornalistas mais humanos

    do que tornar o jornalismo mais

    robtico?

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    normais podem entender, e que seja relevante para elas, permanece como aquilo que deve distinguir jornalismo de outras formas de comunicao, seja a comunicao digital ou alguma outra.

    IHU On-Line Ao pensar o jorna-lismo semntico, muitos se pergun-tam se um algoritmo pode fazer uma notcia de maneira mais eficiente que um reprter humano. No seria mais adequado pensar em quantas vezes no permitimos que o prprio fazer jornalstico se robotize, nos deixando levar pela tcnica, pelo declaratrio ou pelo senso comum, sem a devida introjeo e reflexo da experincia?

    C. W. Anderson Penso que esta uma tima pergunta. No mais importante tornar os jornalistas

    mais humanos do que tornar o jorna-lismo mais robtico? Concordo com este sentimento de todo o corao. O problema, claro, que o jornalis-mo localiza-se estranhamente entre o trabalho industrial e a arte. Em outras palavras: devido aos deadli-nes de produo e outras noes do que o jornalismo deveria ser, algumas pessoas o encaram como algo que um computador pudesse ou devesse fazer. E a velocidade da internet s tornou as coisas ainda piores. Ainda assim, eu concordo com voc. Cabe a todos ns, que atuamos como jorna-listas ou que ensinamos jornalistas a manter o aspecto humano do jorna-lismo em mente.

    IHU On-Line possvel enten-der que a alternativa para o futuro do

    jornalismo seria promover um retor-no grande reportagem e apurao cautelosa em detrimento da cobertu-ra em tempo real? Ou estas tambm j no so mais solues que do conta da complexidade do ecossiste-ma miditico atual?

    C. W. Anderson Acredito que sim, mas penso que devemos ter em mente a existncia de diferentes ca-madas em cada histria noticiada, e que algumas coberturas em tempo real inevitavelmente vo incorrer em erros. As organizaes jornalsti-cas sempre tentaro ser to rpidas quanto podem ser, e o que precisa-mos fazer educar o pblico sobre como o jornalismo funciona e por que a primeira publicao de uma notcia nem sempre ser a mais precisa.

    Acesse o Twitter do IHU em twitter.com/_ihu

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    Jornalismo, compartilhamento e credibilidade no contexto ps-industrialPara Ramn Salaverra, os meios tradicionais tm muito a aprender com os meios nativos digitais, com o desafio de no se descaracterizarem, mantendo seu prestgio informativo

    Por Andriolli Costa / Traduo: Andriolli Costa

    Em maio deste ano, o Buzzfeed, site es-pecializado em contedo viral, vazou um relatrio de inovao produzido pelo The New York Times avaliando as pers-pectivas do jornal frente s novas mdias. O relatrio aponta, entre outras informaes, que o Times pratica o melhor jornalismo do mundo, mas seus concorrentes o superam em contedo compartilhvel e engajamento. Dados do prprio estudo mostram que, en-quanto o site do NYT possui cerca de 30 mi-lhes de visitantes nicos por ms, o prprio Buzzfeed soma mais do que o dobro. J o Hu-ffington Post, referncia entre os chamados meios nativos digitais, chega a 100 milhes de acessos ao ms.

    Vrios so os motivos para a boa perfor-mance destes ltimos. As notcias so fre-quentemente estruturadas em um modelo mais informal, privilegiando contedo de interesse humano, recorrendo emoo e sensibilidade. As chamadas so normal-mente superlativas, histrias edificantes que vo mudar sua vida, ou com a j clssica clickbait voc no vai acreditar no que esta pessoa fez. Em entrevista concedida por te-lefone IHU On-Line, o pesquisador Ramn Salaverra, referncia mundial em jornalismo na internet, apoia a iniciativa do jornal.

    No significa que o New York Times tenha que se tornar o Buzzfeed, mas que algumas

    peculiaridades do Buzzfeed podem ser apro-veitadas pelo NYT, defende. Para Salaverra, os meios tradicionais tm muito a aprender com os nativos digitais, especialmente no que diz respeito aos formatos e relao com a audincia. Afinal, estes so muito mais geis e adaptativos mudana das formas de aces-so e de consumo informativo dos usurios na internet. Nesta entrevista, o pesquisa-dor trata ainda da mudana do conceito de notcia no ambiente web, fala da importn-cia da credibilidade independente do meio em questo e explora as perspectivas de um jornalismo lquido como manifestao do ps-jornalismo.

    Ramn Salaverra possui graduao e dou-torado em Jornalismo pela Universidade de Navarra Unav, na Espanha. Atualmente professor titular da Faculdade de Comunica-o da mesma universidade, alm de Diretor do Departamento de Projetos Jornalsticos. Um dos maiores especialistas em webjornalis-mo do mundo, professor convidado em di-versas universidades em todo o mundo. Entre seus livros, destacamos: Periodismo integrado: convergencia de medios y reorganizacin de redacciones (Barcelona: Editorial Sol 90, 2008), Redaccin periodstica en Internet (Pamplona: Eunsa, 2005) e Manual de redaccin ciberpe-riodstica (Barcelona: Editorial Ariel, 2003).

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line Voc teve contato com o relatrio Jornalismo ps-in-dustrial produzido pelo Tow Center, de Columbia? Acredita que as obser-vaes feitas no relatrio do conta

    dos dilemas que o jornalismo vive em nvel mundial?

    Ramn Salaverra Sim. Penso que uma boa interpretao para alguns problemas que atualmente

    afetam o jornalismo internacional. De incio, o prprio ttulo do relatrio bem acertado porque, basicamente, aborda uma alterao no processo de produo da informao. Isso algo

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    que no considerado em muitas ocasies, mas neste relatrio se colo-ca de maneira destacada como fator essencial das mudanas em curso. Concordo bastante com esta viso.

    O principal no que os hbitos de consumo estejam mudando ou nem sequer que as prprias tecnolo-gias de produo e de funo infor-mativa estejam passando por uma evoluo to rpida. O fundamental que est mudando todo o processo de apropriao da informao por parte da sociedade contempornea. Nesse sentido, penso que uma boa manei-ra de denominar esta nova situao jornalismo ps-industrial, devido aos novos processos de produo e difuso de contedos informativos.

    IHU On-Line No relatrio de estratgia digital do The New York Times1, vazado h algumas semanas, existem apontamentos que indicam a necessidade de buscar a aproxima-o com a lgica do compartilhamen-to nas redes sociais. Diversos jornais brasileiros j tm seguido o modelo Buzzfeed2 ou Huffington Post3 de pro-duo de contedo: galeria de GIFs animados, listas e histrias edifican-tes que vo mudar sua vida espe-cialmente com a chegada das verses em portugus desses sites4. Render-se estrutura dos blogs e redes sociais a melhor alternativa para o jorna-lismo na internet?

    Ramn Salaverra No relatrio, o New York Times efetivamente coloca estes sites nativos digitais como refe-rncias de uma nova forma de consu-mo de informao que seriam oportu-nas ao NYT, mas no para que todo o jornal adote esta estrutura e modelo de composio informativa. Na ver-dade, me parece que a proposta aproveitar tudo que seja til e eficien-te desses modelos, ao mesmo tempo preservando alguns valores e caracte-rsticas de contedos que esses meios nativos digitais no tenham. No sig-

    1 O Nieman Lab, de Harvard, fez uma anlise ponto a ponto do relatrio. Aces-se o texto em http://bit.ly/nytnieman (Nota da IHU On-Line)2 Acesse o Buzzfeed em www.buzzfeed.com (Nota da IHU On-Line)3 Acesse o Huffington Post em www.hu-ffingtonpost.com (Nota da IHU On-Line)4 Acesse o Brasil Post em www.brasil-post.com.br (Nota da IHU On-Line)

    nifica que o New York Times tenha que se tornar o Buzzfeed, mas que algumas peculiaridades do Buzzfeed podem ser aproveitadas pelo NYT.

    Nesse sentido, penso que muitos meios que vm de uma trajetria ou tradio analgica, e que esto acos-tumados com um tipo de edio e de relacionamento com a audincia mui-to determinadas, tm muito a apren-der com os meios nativos digitais os quais so muito mais geis e adaptati-vos mudana das formas de acesso e de consumo informativo dos usu-rios na internet. As redes sociais e os meios nativos digitais nos mostram que h formas de apresentar e distri-buir a informao que permite multi-plicar a influncia, o acesso e a impor-tncia dessas notcias. Parece-me que o grande desafio, para os meios tradi-cionais, tratar de manter seu prest-gio informativo e suas caractersticas de fonte principal de informao e, ao mesmo tempo, adaptar-se a modelos muito mais apropriados as formas de consumir a informao por parte dos usurios da internet.

    IHU On-Line Dentro dessa lgica, como evitar o sensaciona-lismo, visto que contedos com essas caractersticas sempre atra-ram pblico e so, portanto, facil-mente convertveis em pageviews e compartilhamentos?

    Ramn Salaverra Penso que contedo e forma so duas questes distintas. Obviamente que preciso

    combin-las, mas h caractersticas formais dos meios nativos digitais que podem ser aproveitadas para fazer um tipo de jornalismo absolutamen-te fiel s caractersticas do conte-do de mxima qualidade. A questo saber adaptar-se aos modelos de consumo informativo, s linguagens, aos ritmos, aos dispositivos que esto demandando os usurios da informa-o nas redes digitais, mas colocando essas caractersticas a servio de uma informao compreendida como de absoluta qualidade. Nesse sentido, penso que pode haver uma informa-o que apele ao interesse das pesso-as sem necessariamente cair em um jornalismo sensacionalista.

    IHU On-Line Ainda que o resul-tado para fins de compartilhamento seja alto, por outro lado h ainda muitas respostas negativas de usu-rios que simplesmente no reco-nhecem o que est sendo publicado como notcia. Se o leitor no reco-nhece como tal, ainda notcia?

    Ramn Salaverra Penso que algo que est sendo revisto e revisita-do o prprio conceito de notcia. No mbito do jornalismo, o termo notcia se refere, classicamente, a dois sen-tidos: ao acontecimento informativo, como em ocorreu uma notcia, e ao relato informativo, o gnero jornals-tico, a notcia que se escreve sobre determinado acontecimento. Do meu ponto de vista, essas duas concepes de notcia esto sendo revisitadas no jornalismo contemporneo.

    Por um lado, estamos assistindo a uma reviso de conceito de aconte-cimento informativo, porque as novas coordenadas temporais e espaciais que aportam na internet fazem com que esse conceito de informao seja modificado. Vemos isso claramente, por exemplo, nas redes sociais. Hoje, para pequenos grupos de amigos, um acontecimento ocorrido nessa esfera limitada ser notcia. Uma notcia re-duzida a um grupo limitado de pesso-as com algum tipo de vnculo entre si. Desse ponto de vista, essas pessoas atuam diante deste acontecimento noticioso como atuariam diante de notcias tradicionais.

    como no caso do nascimento de um beb; h toda uma srie de pessoas familiares, conhecidos, ami-

    No significa que o New York Times

    tenha que se tornar o Buzzfeed, mas que algumas peculiaridades do Buzzfeed podem ser aproveitadas

    pelo NYT

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    gos que, diante desta notcia, atuam de determinada maneira e utilizam os meios digitais para informar-se e res-ponder a ela. Por outro lado, da mes-ma maneira que o conceito de notcia pode ser reduzido a um nvel menor, tambm podem ser expandido a um nvel macro. Os usurios de internet esto acostumados a conviver em um contexto internacional, onde no h barreiras espaciais. Portanto, o que acontece em um pas muito distante pode ser bastante relevante para mim caso eu esteja interessado.

    O conceito de acontecimento noticioso experimentou uma ampli-ficao no mbito da internet, mas ao mesmo tempo se produz uma re-configurao do conceito de notcia como relato, como gnero jornals-tico. A notcia tradicional, dos meios impressos, baseada na lgica da pi-rmide invertida, com caractersticas formais, com um tipo de tamanho, de titulao, etc. Mas no mbito da internet o relato noticioso se multi-plica. E como se multiplica? Por meio da hipertextualidade; da multimi-dialidade isto , a possibilidade de combinar elementos textuais, gr-ficos e sonoros; e da interatividade a possibilidade de que o pblico intervenha e contribua com seus pr-prios aportes informativos. Portanto, efetivamente, acredito que a notcia no mbito da internet est se recon-figurando nesse duplo sentido.

    IHU On-Line O maior capital do jornalismo a credibilidade? No jornalismo ps-industrial tambm seria?

    Ramn Salaverra Certamente o que garante a um meio de comu-nicao, ou mesmo a um usurio na rede, a capacidade de atrair o interes-se e a confiana por parte dos pbli-cos a credibilidade. A credibilidade informativa algo muito difcil de construir, que necessita grandes es-foros e tempo para tal, mas, curio-samente, algo que se pode romper muito rapidamente. Quando algum comete algum tipo de deslize, de erro na hora de difundir a informao, pode romper rapidamente com toda a credibilidade que custou meses e anos para construir. Penso que hoje em dia o valor fundamental para que um meio digital alcance a reputao e

    o apoio por parte do pblico ainda o fator da credibilidade.

    IHU On-Line Em poca de glo-balizao, o jornalismo passa a com-partilhar mais do que nunca caracte-rsticas transnacionais. No entanto, a conectividade e a articulao em rede permite o surgimento de di-versas iniciativas independentes de mdia, que investem na produo de contedos hiperlocais, dando voz a comunidades e grupos sociais com uma proximidade que o jornalismo dificilmente conseguiria. Como estes dois polos tensionam um ao outro?

    Ramn Salaverra A rede pos-sui vrias caractersticas e uma delas efetivamente a ruptura dos limites espao-temporais. Quanto ao tempo, apesar de se dizer que a internet o espao do instantneo, ela tambm a plataforma onde podemos recupe-rar contedos mais antigos, ento ela enormemente elstica do ponto de vista temporal. Ocorre o mesmo no caso dos limites espaciais: no mbito da rede, podemos acessar os conte-dos geograficamente mais prximos e os contedos geograficamente mais distantes sem nenhum tipo de dife-rena. O que acontece na rede a criao de uma srie de comunidades cujo denominador comum j no geogrfico, mas temtico e, em outros casos, lingustico. Uma vez consegui-da a condio lingustica, isto , que os membros de um determinado tipo

    de audincia sejam capazes de enten-der os contedos distribudos neste idioma, o nico limite de carter te-mtico; ter interesse nesse tipo de contedo.

    Isto possibilitou, por uma parte, o surgimento de meios hiperlocais pois podemos criar uma audincia muito prxima no apenas do ponto de vista geogrfico, mas que tenham interesse no contedo daquele local mesmo que no estejam fisicamente presentes. Deste ponto de vista, se multiplicam as possibilidades de com-posio informativa, mas tambm os desafios para os editores desse tipo de contedo que devem saber se si-tuar diante destas audincias cada vez mais diversas.

    IHU On-Line Alguns pesqui-sadores falam de um jornalismo lquido. Como voc vislumbra esta ideia? Seria este que representaria um emergente ps-jornalismo?

    Ramn Salaverra O termo jor-nalismo lquido tem a ver, fundamen-talmente, com a questo temporal. Quer dizer, o conceito est associado ao de fechamento contnuo, de que no h um trabalho cclico, mas que o contedo jornalstico est sendo atualizado constantemente. Do meu ponto de vista, esta viso do jornalis-mo lquido uma viso reduzida, limi-tada da verdadeira dimenso desse conceito.

    Uma das facetas sobre as quais incide o jornalismo lquido o pro-cesso de difuso informativa que, efe-tivamente, pode vir a ser um tipo de produo informativa temporalmente informativa. Mas ele deveria ser en-tendido em outros mbitos, como, por exemplo, o de multiplataformas. o fato de que o jornalismo pode ser acessvel por dispositivos distintos ao mesmo tempo, fazendo com que o contedo seja lquido entre todas as plataformas.

    Liquidez dos produtosTambm penso ser oportuno in-

    terpretar a liquidez do jornalismo do ponto de vista das formas de produo informativas. At agora, os padres de produo de contedo jornalsti-co eram muito determinados. Havia uma srie de esquemas no acesso, na elaborao e na distribuio dos con-

    Sou muito pouco partidrio da

    palavra fim em jornalismo. Se existe algo que

    a histria do jornalismo nos

    ensina que esta uma profisso

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    tedos jornalsticos. Agora passamos a estruturas onde encontramos, por exemplo, redaes descentralizadas, conectadas por meio da tecnologia ao invs de uma disposio fsica com modelos de teletrabalho por par-te dos jornalistas.

    Parece-me que todos estes ele-mentos e mais alguns outros com-pem o verdadeiro conceito de jor-nalismo lquido. Mas, atualmente, quando se fala deste conceito, enten-de-se de uma maneira limitada como uma questo restrita ao ciclo edito-rial, e penso que esta uma viso um pouco reducionista.

    IHU On-Line Em entrevistas, voc j defendeu a circulao de jornais impressos apenas trs dias na semana especialmente sexta, sbado e domingo. No entanto, em termos de anlise e reportagem em profundidade, as revistas semanais tambm tm cado constantemente de circulao. Mudar o paradigma de publicao no seria o incio do fim?

    Ramn Salaverra Sou muito pouco partidrio da palavra fim em jornalismo. Se existe algo que a histria do jornalismo nos ensina que esta uma profisso cclica, em que aspec-tos que parecem perder a vigncia, em condies distintas, alcanam uma nova vida, um novo desenvolvimento. Desse ponto de vista, penso que a in-formao da internet e, muito particu-larmente, as publicaes dirias tm, efetivamente, um novo cenrio infor-mativo e um novo cenrio editorial.

    Vejamos alguns exemplos: Nos Estados Unidos existem peridicos que anteriormente eram editados sete dias por semana, mas que hoje possuem edies distintas. o caso do Times Picayune5, de New Orleans, que, aps 175 anos, hoje circula quatro dias em verso impressa e trs dias em verso digital. J em Lisboa, por exemplo, h cerca de um ms o semanrio Expresso lanou uma edio diria6 e vespertina

    5 Acesse o Times Picayune em www.nola.com/t-p/ (Nota da IHU On-Line)6 Acesse as edies dirias do Expresso

    para tablets, chamada Expresso Dirio; temos ento uma revista impressa se-manal que passa a ter uma edio di-ria digital. Vemos como as duas linhas de evoluo tendem a se sobrepor, o que permite pensar uma adaptao dos ciclos editoriais para os hbitos de consumo do pblico.

    Isso quer dizer que os jornais di-rios impressos vo desaparecer? Eu, particularmente, no acredito nisso. A Associao Mundial de Peridicos (World Association of Newspapers and News Publishers), em seu relatrio World Press Trends, aponta que ain-da h um aumento da circulao dos jornais em territrios como a sia e a Amrica Latina, enquanto na Amrica do Norte e na Europa Ocidental esto caindo. Penso ser mais provvel que vejamos essa diminuio, mas no o desaparecimento, dos dirios impres-sos, e o fortalecimento dessas novas formas editoriais em que se compatibi-lize o impresso com o digital.

    em http://leitor.expresso.pt/ (Nota da IHU On-Line)

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    Miditico por natureza A construo do ciberacontecimentoRonaldo Henn aborda os acontecimentos no mbito digital que, ao serem articulados em redes pblicas, carregam a potencialidade do compartilhamento sem a necessidade de uma mediao a priori do jornalismo

    Por Andriolli Costa

    Em jornalismo, a noo de notcia fre-quentemente vinculada com a de fato, de acontecimento. Um eixo no qual o reprter se baseia para a construo noticio-sa. Especialmente no modelo ocidental de jornalismo, que possui grande influncia de paradigmas norte-americanos de objetivida-de e factualidade, a relao do acontecimen-to com o Real no sentido de concreto e palpvel ainda mais forte. No entanto, como compreender a lgica de acontecimen-tos organizados, articulados e executados em mbito digital? Ainda existe razo, afinal, para pensar uma dicotomia entre real e virtual?

    Para responder a estas inquietaes, o professor e pesquisador Ronaldo Henn pro-pe o conceito de ciberacontecimento. Sa-lienta, no entanto, que este no se diferencia do acontecimento tradicional apenas pelo ambiente em que se desenrola, mas nas l-gicas constitutivas: so acontecimentos que, por se articularem em redes, que so pbli-cas, j so potencialmente compartilhados publicamente, sem uma necessria media-o, a priori, do jornalismo. So, desta forma, miditicos por natureza.

    Em entrevista concedida por e-mail IHU On-line, Henn esclarece sua viso sobre cibe-racontecimento, discute a emergncia cada vez maior de uma crise sistmica no jorna-lismo e reflete sobre o papel da imprensa na contemporaneidade. Diante de um universo ruidoso de intensas informaes, o pesqui-sado acredita que o jornalismo ainda teria o que ofertar como instituio que age na pro-duo de sentidos, mas j trazendo dentro de si os tensionamentos e disputas, ampliando as possibilidades desses sentidos.

    Ronaldo Henn graduado em Comuni-cao Social Habilitao em Jornalismo pela Unisinos, com mestrado e doutorado em Comunicao e Semitica pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP. Professor e pesquisador do Programa de Ps- Graduao em Comunicao da Unisinos, co-ordena o projeto de pesquisa A produo do acontecimento nas redes sociais: a emergn-cia do ciberacontecimento. Henn autor de Os fluxos da notcia (So Leopoldo: Unisinos, 2002) e Pauta e notcia, uma abordagem se-mitica (Canoas: Ulbra, 1996).

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line Em que consiste um ciberacontecimento? apenas no ambiente no qual se desenrola que est sua diferena do acontecimento tradicional?

    Ronaldo Henn O ciberaconte-cimento um conceito que estamos propondo a partir de pesquisa que

    investiga a produo de acontecimen-tos jornalsticos nas redes sociais digi-tais1. Desde 2009, com a ecloso de

    1 So duas pesquisas: As transformaes do acontecimento no webjornalismo j finalizada e A produo de aconteci-mento nas redes sociais: a emergncia do ciberacontecimento em andamento. Ambas formaram a base para a configura-

    um protesto no Ir, fruto de uma pro-vvel fraude na eleio daquele pas todo ele tramado e difundido atra-vs de apropriaes dos dispositivos mveis e dos sites de redes sociais na

    o do grupo LIC Laboratrio de Investi-gao do Ciberacontecimento, cadastra-do no CNPq. (Nota do entrevistado)

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    SO LEOPOLDO, 30 DE JUNHO DE 2014 | EDIO 447

    internet e com uma srie de pautas que comearam a ocupar os portais de notcia, tambm na rea do entre-tenimento, comecei a compreender que j havia um modo constitutivo de acontecimentos jornalsticos que trazem fortes marcas da cultura digi-tal em construo no mundo contem-porneo. A diferena no est apenas no ambiente, mas nas lgicas cons-titutivas: so acontecimentos que, por se articularem em redes, que so pblicas, j so potencialmente com-partilhados publicamente, sem uma necessria mediao, a priori, do jor-nalismo. So miditicos, por nature-za, e produzem narrativas especficas que, dependendo do grau de conec-tividade e compartilhamento que ge-ram, transformam-se em pautas para o jornalismo.

    IHU On-Line A construo da notcia a partir de um ciberaconteci-mento ocorre da mesma forma que aquela a partir de um acontecimento tradicional? Ou os processos (apu-rao, checagem, etc.) so menos rgidos?

    Ronaldo Henn Essa uma questo bem importante para aquilo que o jornalismo ainda tem a oferecer como legado de uma instituio que se coloca na condio de um media-dor social fundamental no processo de construo de uma realidade p-blica: a credibilidade fundada num es-foro de apurao e preciso. A eclo-so de acontecimentos que fogem de uma lgica at ento conhecida e razoavelmente dominada traz uma srie de dificuldades exatamente no quesito da confiabilidade. Por conta disso, uma srie de supostos aconteci-mentos que se proliferam pelas redes digitais so narrados sem a necessria apurao, gerando o que chamamos, no jargo jornalstico, de barrigas, ou seja, notcias falsas, fruto, muitas ve-zes, de trollagem2. A diferena que, quando isso acontece, rapidamente o erro apontado, porque a repercus-so instantnea: o ciberaconteci-mento est dentro dessa nova lgica. Nesse sentido, h algo nele de auto-

    2 Trollagem: termo utilizado na internet para se referir ao ato de propositalmen-te perturbar, irritar ou enganar algum. (Nota da IHU On-Line)

    corretivo, por conta da participao mais ativa dos pblicos.

    IHU On-Line Os movimentos de junho passado surpreenderam por terem deixado a alada do virtual para ir pra rua. Antes deles, mobili-zaes exclusivamente virtuais, como a campanha Guarani-Kaiowa no Facebook, eram bastante desdenha-das pela falta desta materialidade das aes. Faz sentido pensar ainda na distino entre real e virtual? Aes de natureza simblica tambm no teriam efeito de concreto?

    Ronaldo Henn Penso que hoje no faz mais muito sentido pensar o real e o virtual como coisas que se opem, ou o virtual como algo falso, fantasioso. Do ponto de vista semi-tico, ento, essa distino mais problemtica na medida em que as linguagens, nas suas diversas confi-guraes, esto entranhadas desde sempre nas nossas vidas e constituem uma dimenso significativa daquilo que entendemos como realidade.

    No que diz respeito especifica-mente cultura digital, as coisas que acontecem em rede hoje so de uma concretude incontestvel e as mobili-zaes so prova contundente disso. O que as jornadas de junho reiteram no Brasil, na sequncia de movimen-tos como o Occupy Wall Street3, os Indignados4 da Espanha, a Primavera rabe5 e outras mobilizaes de tex-

    3 Occupy Wall Street: protesto iniciado em 15-10-2011, a partir da ocupao de Wall Street, nos Estados Unidos, dando origem ao movimento Occupy. A rua Wall Street est localizada na Ilha de Manhat-tan e o corao histrico do distrito fi-nanceiro da cidade de Nova Iorque, cuja bolsa de valores considerada a mais im-portante dos Estados Unidos e do mundo. Os manifestantes opunham-se especu-lao financeira e ganncia econmica. (Nota da IHU On-Line)4 Indignados: um dos nomes dados s ma-nifestaes de 2011 na Espanha, tambm chamadas de Movimento 15 de Maio (por terem se iniciado no dia 15-05-2011). uma srie de protestos espontneos de cidados, inicialmente organizados pelas redes sociais e pela plataforma civil e di-gital Democracia Real Ya! (Democracia Real J!). (Nota da IHU On-Line)5 Primavera rabe: os protestos no mundo rabe ocorridos de 2010 a 2012 foram uma onda revolucionria de mani-festaes e protestos, compreendendo o Oriente Mdio e o Norte da frica. Hou-ve revolues na Tunsia e no Egito, uma guerra civil na Lbia e na Sria, grandes protestos na Arglia, Bahrein, Djibuti,

    tura global, a integrao do espao pblico com as conexes online. Es-ses movimentos reafirmam a praa pblica como espao simblico de ocupao de demandas e, conse-quentemente, de confrontos. Isso no quer dizer que as mobilizaes que se do exclusivamente pelas redes digi-tais no tenham potncia para gerar transformaes. O ambiente digital tambm um espao de apropria-es e ocupaes, basta ver as ques-tes que so colocadas hoje, como o marco civil da internet (recentemente aprovado no Congresso e sancionado pela presidente da Repblica), por si-nal, uma vitria dos ciberativistas bra-sileiros atentos a esses problemas.

    IHU On-Line Existe uma crise do jornalismo ou uma crise do mode-lo de negcios do jornalismo?

    Ronaldo Henn Defendo que existe uma crise nos fundamentos do jornalismo, como sistema semitico de representao da realidade social, que est colada crise como modelo de negcios. Acredito que os grandes conglomerados de mdia sabero en-contrar encaminhamentos para que o jornalismo continue sendo um ne-gcio vivel, mesmo que muitos dos seus processos se transformem.

    Quanto crise sistmica, da qual falo, ela no necessariamente uma coisa ruim, muito pelo contrrio. Ela permite que se aflorem questes ful-crais do jornalismo que no eram de-vidamente enfrentadas publicamen-te, como a autoridade e legitimidade do jornalista, os aspectos construcio-nistas que fazem parte da narrativa jornalstica, a falta de visibilidade, si-lenciamentos ou visibilidades enviesa-das que o jornalismo historicamente imps a diversos segmentos segrega-dos da sociedade. Enfim, h um con-junto de temas que vem tona nesse

    Iraque, Jordnia, Om e Imen e protes-tos menores no Kuwait, Lbano, Maurit-nia, Marrocos, Arbia Saudita, Sudo e Saara Ocidental. Os protestos tm com-partilhado tcnicas de resistncia civil em campanhas sustentadas envolvendo greves, manifestaes, passeatas e com-cios, bem como o uso das mdias sociais, como Facebook, Twitter e Youtube, para organizar, comunicar e sensibilizar a po-pulao e a comunidade internacional em face de tentativas de represso e censura na Internet por partes dos Estados. (Nota da IHU On-Line)

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    ambiente crtico. E isso que estamos chamando de ciberacontecimento um agente ativo desse processo na medida em que, potencialmente, sua insero no sistema jornalstico aumenta a pluralidade de vozes e de visibilidades.

    IHU On-Line Qual o pa-pel do jornalismo neste contexto ps-industrial?

    Ronaldo Henn O jornalismo vai ter que incorporar nas suas dinmicas essas transformaes, no apenas como estratgia para dialogar com seus pblicos ou fideliz-los, mas de forma mais radical, assumindo suas precariedades e vulnerabilidades. Em contrapartida, penso que o jornalismo pode se fortalecer exatamente naqui-lo que da sua natureza: a construo de narrativas fundadas na apurao, na checagem. Diante de um universo ruidoso de intensas informaes, o jornalismo ainda teria o que ofertar como instituio que age na produo de sentidos, mas j trazendo dentro de si os tensionamentos e disputas, ampliando as possibilidades desses sentidos. Tambm necessrio um investimento acentuado em base de dados, tanto na perspectiva de ge-rao de narrativas mais inventivas, efetivamente interativas, como no tratamento de informaes armaze-nadas em diversas bases que podem se converter em notcias importantes.

    IHU On-Line Frente ao ambien-te de crise, quais fatores colaboram para tensionar o prprio jornalismo aos seus limites?

    Ronaldo Henn A grande ques-to hoje que os limites do jorna-lismo ficaram, de forma muito inte-ressante, bastante porosos. Tudo muito instantaneamente e intensa-mente compartilhado: a narrativa do jornalismo expandiu-se, dentro de uma lgica prxima daquilo que Henry Jenkins6, junto a outros au-tores, chama de Spreadable Media. Ou seja, existe hoje uma espcie de transnarrativa jornalstica que escapa

    6 Henry Jenkins III (1958): pesquisador de mdia norte-americano. Um dos gran-des nomes da pesquisa em cultura da convergncia, atualmente professor da University of Southern California. (Nota da IHU On-Line)

    dos portais de notcias e agregada pelos compartilhamentos e comen-trios nas redes sociais digitais que tambm se agregam ao que cons-trudo nos portais. Estamos diante de uma narratividade espraiada cor-roborada com acontecimentos que j possuem natureza narrativa: en-tendo que esse seja o grande foco de tenso do jornalismo. Os movimen-tos de ocupao, como os protestos de junho, formam instncias em que essas tenses ficam flor da pele. Por isso os considero configuraes importantes para o desenho dessa crise.

    IHU On-Line Deste tensio-namento, como voc vislumbra a emergncia de um ps-jornalismo, que resulte de uma resoluo destes tensionamentos (sendo o ps no necessariamente algo melhor)?

    Ronaldo Henn No sei se d para falar de um ps-jornalismo. J fui um entusiasta dessa designao, mas acho que passamos da fase ps: estamos em fase de construo de coisas novas no mundo, imbudas de identidades prprias e no necessa-riamente coladas como refrao ou desdobramentos de ruptura com mo-delos anteriores. E isso no quer dizer que esses modelos anteriores des-construram-se por completo. A con-centrao de riqueza, por exemplo, que a marca do capitalismo desde sempre, continua firme e forte. Mas acredito que os ambientes culturais contemporneos, fortemente conec-tados ou integrados cultura digital, no qual o jornalismo se insere, so, em grande medida, inaugurais, no so mais ps. Mas, ao mesmo tem-

    po, reiteram problemas atvicos da humanidade.

    Outra questoExiste um n de conexo emble-

    mtico nas formas de expresso em redes sociais digitais com as narrati-vas jornalsticas que est na fronteira entre o que da ordem do radical-mente privado com o que pblico. No livro que recentemente finalizei e que dever sair ainda este ano (El ciberacontecimiento: produccin y se-miosis, Editora da UOC, Universidad Oberta da Catalunya), cheguei a seis categorias de ciberacontecimentos: mobilizaes globais, protestos vir-tuais, exerccios de cidadania, afir-maes culturais, entretenimentos e subjetividades. Desse conjunto de categorias, a que diz respeito s sub-jetividades a que mais me intriga. Como no caso de Betty Simpson, uma senhora estadunidense de 80 anos que luta contra um cncer no pul-mo. Seu neto decidiu registrar aque-les que podem ser os ltimos dias da av, postando fotos no Instagram. Ela aparece bem humorada nas imagens, fazendo caretas e sem sinais aparen-tes de sofrimento. A iniciativa trans-formou-se em hit na internet e a con-ta criada para Betty bombou. O apelo mimtico das imagens esparramou-se por vrias plataformas da rede, com direito a um vdeo no Youtube que, em uma semana, j batia na casa dos 25 mil acessos. A situao que o caso desenha absolutamente do mbito privado: uma famlia s voltas com a av portadora de um cncer terminal. No momento em que esse priplo compartilhado, o que privado ga-nha dimenso pblica, mas no s isso. Aquilo que vivido no privado tem grande potencial de afetao: de fazer parte da experincia do outro. Os modos de subjetivao contempo-rneos, tecidos na textura das redes digitais, so todos, potencialmente, acontecimentos pblicos, e isso di-namiza a cultura, transformando-a: o jornalismo precisa dar conta disso, com narratividades que tocam deli-cadamente aquilo que eu entendo como campo do sensvel. E saber nar-rar o outro, com toda a complexidade que isso comporta, , para mim, um dos principais desafios do jornalismo, em qualquer modalidade.

    Existe uma crise nos fundamentos

    do jornalismo como sistema semitico de

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    Telejornalismo ps-industrial Drones, ninjas e jornalismo imersivoPara Antonio Brasil, nem toda inovao se resume tecnologia, e a contemporaneidade exige no apenas estar aberto a novas tecnologias, mas a novas ideias e narrativas

    Por Andriolli Costa

    Durante as manifestaes que tomaram o pas em junho passado, foi possvel perceber dois importantes movimen-tos do ponto de vista miditico. As grandes or-ganizaes jornalsticas que buscavam cobrir os acontecimentos eram elas prprias alvo no apenas da truculncia da polcia, mas tambm do repdio dos manifestantes. Ques-tionando a iseno e os interesses da grande mdia, alguns revoltosos quebraram fachadas de empresas jornalsticas, queimaram carros de redao, ofenderam e mesmo agrediram reprteres. Para proteger suas equipes, mui-tos veculos tradicionais optaram por realizar uma cobertura a distncia: com teleobjetivas do alto dos prdios, imagens de helicpteros ou mesmo com o uso de drones.

    Enquanto a imprensa foi levada ao dis-tanciamento, os prprios manifestantes e iniciativas independentes de mdia (como a N.I.N.J.A) gravavam, fotografavam e transmi-tiam do epicentro dos acontecimentos, pro-duzindo, dessa forma, importante material noticioso, ainda que sem os preceitos clssi-cos da narrativa jornalstica. Se informativo, seria este ento, um novo tipo de jornalismo? Ou ainda, seria relevante discutir se estas ini-ciativas so ou no jornalismo, ou mais pro-dutivo pensar nas formas como sua existncia tensiona os antigos modos produtivos?

    Essas questes de nomenclatura no me interessam. Jornalismo tudo aquilo que de-terminada pessoa pensa que jornalismo, defende o professor e pesquisador em tele-jornalismo Antonio Brasil. Em entrevista con-cedida por e-mail IHU On-Line, ele trata das inovaes nas prticas jornalsticas, da evolu-o de modelos e formatos e daquilo que leva desumanizao do jornalismo.

    O professor afirma que as novas mdias, a produo independente, a interatividade e as

    redes sociais no alteraram o maior e mais fundamental preceito do jornalismo: contar uma boa histria baseada em fatos. A cons-tatao no vem no sentido de propor que nada muda, mas sim que a prpria histria da imprensa mostra que o jornalismo est sem-pre em transformao. Para Brasil, o jornalista exagera na autocrtica e no autoflagelamento. Utilizar drones ou subir no telhado so alter-nativas para continuar a investigar os fatos e contar boas histrias, as verdadeiras essn-cias do jornalismo.

    Antonio Cludio Brasil Gonalves gradua-do em Jornalismo pela Pontifcia Universidade Catlica PUC-Rio, com mestrado em Antro-pologia Social pela London School of Econo-mics e doutorado em Cincia da Informao pela Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ. Atuou como jornalista e correspondente da Rede Globo, tendo participado dos progra-mas-piloto do Fantstico e do Globo Reprter. Trabalhou ainda como produtor de diversas redes de notcias internacionais, como ABC News, CBS, CTV, RAI, entre outras.

    Foi professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ, onde fundou a pri-meira TV universitria na Internet do Brasil, e professor visitante da Rutgers, na State Uni-versity of New Jersey. Atualmente professor da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC e faz pesquisa de ps-doutorado na Uni-versit Sorbonne Nouvelle Paris 3. Desde 2006 coordenador acadmico do Instituto de Estudos de Televiso IETV. Brasil autor, entre outros livros, de Telejornalismo Imagi-nrio Memrias, estudos e reflexes sobre o papel da imagem nos noticirios de TV (Flo-rianpolis: Insular, 2012) e de Telejornalismo, Internet e Guerrilha Tecnolgica (Rio de Janei-ro: Cincia Moderna, 2002).

    Confira a entrevista.

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    IHU On-Line Como voc com-preende o jornalismo imersivo? Em que ele se distingue do jornalismo tradicional?

    Antonio Brasil Penso o jornalis-mo imersivo como uma apropriao dos mtodos etnogrficos utilizados h muitos anos pela Antropologia. Assim como necessrio que o an-troplogo mergulhe nas culturas que pesquisa, o jornalista tambm precisa imergir nas suas pautas. Sempre acreditei que h grande con-vergncia entre a Antropologia e o Jornalismo e que deveramos pensar em uma convergncia de interesses, ou seja, em um Antropojornalismo. A grande diferena atual do jornalis-mo imersivo em relao ao que cha-mamos de jornalismo tradicional o acesso maior a tecnologias digitais e espaos virtuais que permitem ao profissional praticar esse ideal de mergulho mais profundo ou in-vestigao mais intensa de suas his-trias. No devemos cometer o erro de confundir jornalismo imersivo simplesmente com a possibilidade de utilizao de novas tecnologias para a produo de notcias. A profundi-dade dessa imerso muito maior e mais complexa.

    IHU On-Line A presena fsi-ca do reprter de TV sempre foi um determinante para a construo do sentido de imerso e imediatez. No entanto, durante as manifestaes, percebemos que boa parte da mdia tradicional recorreu ao uso de ima-gens de drones, helicpteros ou to-pos de prdios, enquanto os prprios manifestantes gravavam e trans-mitiam do epicentro dos aconteci-mentos. O que representa, para os modos tradicionais, esta opo pelo distanciamento?

    Antonio Brasil Cada vez que ouo ou leio referncias ao sempre ou ao passado do jornalismo, fico sur-preso com o nosso desconhecimento da nossa prpria histria. Jornalismo, durante muitos anos, em seus primr-dios, era simplesmente especulativo, opinativo, ideolgico e, principalmen-

    te, partidrio. Jornalistas escreviam so-bre os fatos sem a preocupao de in-vestigar ou fazer reportagem. Essa uma tcnica relativamente recente do jornalismo moderno com grande influ-ncia do modelo norte-americano.

    Enviar um reprter para imer-gir nos fatos representa uma evolu-o das tcnicas jornalsticas. Isso no significa que o jornalismo utilizar essa tcnica para sempre. O jornalis-mo, assim como a vida, evolui. No precisa substituir mtodos investiga-tivos do passado para sobreviver no presente e continuar sendo relevante no futuro. As tcnicas do jornalismo tradicional coexistem com as novas oportunidades investigativas do jorna-lismo imersivo. Uma coisa no elimina a outra. Elas se complementam e so ajustadas para as realidades especfi-cas de cada histria, de cada poca ou de cada veculo de comunicao.

    O jornalismo e seus profissionais sempre foram muito criativos e adap-tativos para sobreviverem durante tantos anos. Se um profissional no consegue cobrir protestos de rua no Brasil, utilizar drones ou subir no telhado so alternativas para con-tinuar a investigar os fatos e contar boas histrias, as verdadeiras essn-cias do jornalismo.

    IHU On-Line Pensando na co-bertura por drones, possvel com-preender que esta mediao entre reprter e acontecimento pela tec-nologia desumaniza a cobertura jornalstica?

    Antonio Brasil No creio. O que desumaniza a cobertura jornalstica a falta de talento, de preparo adequado (educao/trei-namento apropriados) e principal-mente falta de humanidade da parte dos jornalistas. Ou seja, no so as tecnologias que desumani-zam os jornalistas. Elas so meros instrumentos de acesso aos fatos. O que desumaniza o profissional de jornalismo o individualismo ou egosmo exacerbados, a ambio desmedida, a falta de objetivos so-ciais e principalmente a falta de em-patia ou de generosidade em rela-o aos demais seres humanos. Mas essas so questes pessoais, ticas e filosficas que demandam uma formao muito acima das possibili-dades dos cursos de jornalismo.

    IHU On-Line Faz sentido dis-cutir se iniciativas como a Mdia N.I.N.J.A so ou no so jornalismo? No seriam estas novas propostas um convite a repensar modelos en-gessados de grandes organizaes?

    Antonio Brasil Essas questes de nomenclatura no me interessam. Jornalismo tudo aquilo que determi-nada pessoa pensa que jornalismo. Qualquer tentativa de aprisionamen-to ou restries ao conceito de jorna-lismo me parece mais corporativis-mo, tentativas de controle ou mesmo censura. Grandes organizaes no so necessariamente engessadas. Talvez esse seja o caso de alguns se-tores das grandes organizaes bra-sileiras. O Google ou o Facebook ou mesmo a Mdia NINJA so exemplos de grandes organizaes que preser-vam a criatividade e a ousadia. Nem tudo que grande necessariamente tradicional, ruim ou engessado.

    IHU On-Line O relatrio Jorna-lismo Ps-Industrial, produzido pelo

    Nem toda

    inovao se resume

    tecnologia. O que precisamos

    so de novas tecnologias com novas ideias ou

    novas narrativas

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    Tow Center de Columbia, concentra--se na anlise do atual momento do jornalismo impresso e online. Pen-sando no telejornalismo, como voc percebe a relao com os novos meios e a sociedade midiatizada, imersa em uma lgica conectiva?

    Antonio Brasil A TV, o Telejorna-lismo e principalmente os telejornais lutam para sobreviver. Em outros tem-pos, havia cinejornais, era um espao importante, relevante e obrigatrio em todas as sesses de cinema no mundo. Mas o mundo mudou, os cinejornais deixaram de existir, ningum sentiu fal-ta e o jornalismo continuou existindo e migrando para novos suportes, como a TV. De impresso para o mundo virtu-al, o jornalismo continua sendo alta-mente criativo, adaptativo e relevante. Uma sociedade midiatizada imersa em uma lgica conectiva tem interesse, apoia e patrocina a investigao jor-nalstica de qualidade. O problema identificar o que ainda considerado relevante e de qualidade. O New York Times ou a BBC e tantas outras grandes organizaes miditicas e jornalsticas, apesar das dificuldades e crises recor-rentes, vo muito bem, obrigado!

    IHU On-Line Tendo em vista a relao no hierarquizada e no line-ar das redes, que constri outra iden-tificao com o pblico, voc percebe uma perda da glamourizao do te-lejornalismo? Ainda se sonha em ser apresentador, correspondente, etc.?

    Antonio Brasil O glamour do jornalismo sobrevive a todas as crises. Ser um apresentador de TV ou de te-lejornal e principalmente ser um cor-respondente internacional ainda faz parte do imaginrio de muitos jovens. Algo parecido com o glamour de ser um grande ator, escritor, celebridade da TV, jogador de futebol ou mesmo super-heri. Jornalismo ainda uma profisso glamourosa. Segundo certo escritor famoso que teve o privilgio de ganhar um prmio Nobel e que morreu recentemente, Jornalismo a melhor profisso do mundo1. Eu subscrevo.

    1 Referncia a Gabriel Garca Mrquez.

    IHU On-Line possvel pen-sar que a emergncia de novas tec-nologias leva a um processo de des-concentrao miditica, que est migrando para uma disperso mais democrtica?

    Antonio Brasil possvel, mas no compulsrio ou obrigatrio. Desconcentrao miditica no garan-te disperso mais ou menos democr-tica. Acredito muito mais na educa-o como forma de aprimoramento da democracia.

    IHU On-Line Do ponto de vista do storytelling, de que forma as no-vas mdias, a produo independen-te, a interatividade e as redes sociais alteraram ou tornam obsoleta a nar-rativa jornalstica audiovisual?

    Antonio Brasil As novas mdias, a produo independente, a interativi-dade e as redes sociais no alteraram ou tornam obsoleto o maior e mais fundamental preceito do jornalismo: contar uma boa histria baseada em fatos. Todos os recursos disponveis para um jornalista talentoso e bem preparado contar uma boa histria baseada em fatos ainda so e sempre sero teis e relevantes. A mquina de escrever no acabou com o jorna-lismo literrio, por exemplo. Temos de aprender a conviver com o presente e nos prepararmos para o futuro.

    Poucos profissionais do mundo se autocriticam ou se autoflagelam

    (Nota da IHU On-Line)

    tanto quanto os jornalistas. Nada con-tra a reflexo e a crtica que pensa e orienta, mas temos de oferecer alter-nativas, ou seja, precisamos acreditar, investir e prestigiar as inovaes no jornalismo. Em outros tempos, enviar um reprter para cobrir os fatos, fazer uma entrevista, tirar fotos ou simples-mente investigar a realidade foram inovaes fundamentais para a con-solidao, aprimoramento e prestgio do jornalismo. Nem toda inovao se resume tecnologia. O que preci-samos so de novas tecnologias com novas ideias ou novas narrativas!

    IHU On-Line Por outro lado, de que forma inovaes como os holo-gramas da CNN, a realidade aumen-tada, entre outros, realmente tensio-nam os formatos tradicionais?

    Antonio Brasil Creio que essa questo j foi respondida acima. Formato tradicional bom e im-portante enquanto se mantm re-levante e competente. Corremos o risco de confundir tradicional com bom formato. Ele pode ser simples-mente tradicional, obsoleto e des-necessrio. Mas, igualmente, temos a tendncia a acreditar que todas as novas tecnologias so melhores, mais teis ou ameaadoras. Precisa-mos pensar em uma constante refle-xo e avaliao sobre a utilizao do novo e a preservao do tradicio-nal. O mundo j existiu durante mui-tos anos sem o jornalismo e sem os seres humanos. Precisamos pensar e agir para continuarmos sendo rele-vantes para o planeta e para a socie-dade. Seno, viramos dinossauros. Todos se lembram, mas ningum sente muita falta!

    IHU On-Line Deseja acrescen-tar mais alguma coisa?

    Antonio Brasil Para compre-ender melhor as crises do presente e pensar em alternativas para o futuro, o jornalismo precisa conhecer me-lhor o seu passado, sua histria. Se no for por nada, para termos a cora-gem e ousadia de cometermos erros novos!

    Temos de

    aprender a conviver com o presente e nos prepararmos

    para o futuro

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    Entretenimento e informao no envolvimento da audinciaJohn Pavlik trata dos esforos para promover a interatividade e capturar a ateno do pblico em direo ao terceiro estgio do jornalismo online

    Por Andriolli Costa / Traduo: Andriolli Costa

    Em 2001, John Pavlik descreveu o que seriam os trs estgios de evoluo do jornalismo digital. O primeiro se ca-racterizaria, basicamente, pela replicao do mesmo contedo da edio impressa na ver-so online. O segundo pelo uso de hiperlinks, da produo de contedo diferenciado e de uma interatividade bsica com o leitor. O ter-ceiro, por fim, seria aquele jornalismo de con-tedo original, com narrativas no lineares e experincias nicas.

    Hoje, 13 anos depois, o pesquisador acredita que ainda vivemos o segundo est-gio, com a emergncia de contedos digital first e novas experincias proporcionadas pelo jornalismo de base de dados. No en-tanto, a maior parte do contedo atual ainda no est adequadamente otimizada para uti-lizar as capacidades do ambiente digital em rede.

    Em entrevista concedida por e-mail IHU On-Line, ele considera que envolver a audin-cia um dos imperativos do jornalismo nos dias de hoje. Dessa forma, o chamado infote-nimento unio de informao e entreteni-mento direciona boa parte dos esforos da redao. Para chamar a ateno das pessoas, muitas vezes necessrio produzir notcias agradveis e, por vezes, divertidas. O proble-ma ocorre quando histrias importantes per-dem espao para notcias de celebridades e fofocas.

    Pesquisador do impacto das novas tec-nologias na mdia, Pavlik desenvolveu, ain-da nos anos 1990, diversos softwares para comunicao, como o Fire! and Fatal!, um simulador de notcias para DOS; o Native Voices, um diretrio de mdia de indgenas americanos; e o Media Technology Chrono-logy, uma base de dados para a evoluo de novas tecnologias. J nos anos 2000, foi cocriador do Documentrio Situado, que une dispositivos mveis e realidade aumentada para construir narrativas hiperlocais, reve-lando as informaes conforme o usurio passeia a cmera pelo local do acontecimen-to (veja em http://bit.ly/docsitihu).

    John V. Pavlik graduado em Jornalismo e Comunicao de Massas pela University of Wisconsin-Madison, com mestrado e doutora-do em Comunicao de Massas pela University of Minnesota. professor do Departamento de Jornalismo e Estudos de Mdia da Escola de Comunicao e Informao na State University of New Jersey e professor assistente na Colum-bia Institute for Tele-Information (CITI). Atuou em diversas instituies dos Estados Unidos, tendo sido inclusive pesquisador associado da Northwestern University, no Qatar. Entre suas publicaes destaca-se Journalism and new media (New York: Columbia University Press, 2001) e o mais recente, Converging Media (Oxford: University Press, 2012).

    Confira a entrevista.

    IHU On-Line Quais as caracte-rsticas do atual momento do jorna-lismo digital?

    John Pavlik Esta uma boa per-gunta, mas tambm muito ampla.

    Poderamos escrever um livro inteiro sobre este tpico. Para responder de maneira sucinta, eu diria que h trs caractersticas gerais do jornalismo digital. Primeiramente, o crescimento

    da interao, com inputs do pblico na forma de reprteres cidados e m-dias sociais. Com relao a isso, per-cebemos que as notcias da era digital so muito rpidas, quase sempre em

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    tempo real, e muitas vezes carecem de apurao.

    Em segundo lugar, temos o cres-cimento da multimdia, com udio, vdeo e outras formas de contedo emergentes como a realidade au-mentada. Em terceiro, o crescimen-to do jornalismo orientado por base de dados (data-driven), com Big Data e algoritmos empregados via cdigos de computador para identificar e rela-tar histrias, produzindo visualizaes baseadas em dados e semelhantes.

    Este jornalismo digital normal-mente desenvolvido por profissionais do fazer jornalstico que sejam ticos e capazes de, cada vez mais, colocar as histrias em um contexto mais am-plo. Ainda assim, a incerteza do esta-do financeiro do jornalismo digital uma grande preocupao da rea.

    IHU On-Line Voc diria que vivemos um terceiro estgio do jor-nalismo digital, como descrito em Journalism and new media? Ou a emergncia das redes sociais, do jornalismo semntico, entre outras inovaes, do indcios de um novo estgio?

    John Pavlik Eu diria que esta-mos principalmente vivendo no se-gundo estgio do jornalismo digital, com a abordagem geral das publica-es sendo a produo de contedo original voltado primeiramente para o digital (digital first). No entanto, a maior parte do contedo atual ainda no est adequadamente otimizada para utilizar as capacidades do am-biente digital em rede.

    IHU On-Line De que formas as narrativas jornalsticas vm sendo alteradas pelas novas mdias? Quais exemplos voc destacaria?

    John Pavlik Um dos melhores exemplos de como a narrativa est evoluindo por causa da nova mdia, ou permitida pelo uso inovador das no-vas mdias, a narrativa orientada por base de dados (data driven). A seo The Upshot1, recentemente lanada

    1 Inaugurada em abril de 2014, The Up-shot uma nova iniciativa do The New York Times. Busca usar o jornalismo de dados em informativos bastante visuais, para contextualizar as notcias publicadas no dirio em uma linguagem mais infor-mal. Acesse o site em http://www.nyti-mes.com/upshot/. (Nota da IHU On-Line)

    pelo The New York Times, um bom exemplo disso.

    IHU On-Line De que forma os novos meios e modos de contar histrias e a emergncia de uma sociedade midiatizada promovem uma outra relao do cidado com a democracia?

    John Pavlik Os cidados ao re-dor do globo no so mais receptores passivos de mdia. Pelo contrrio, so participantes ativos e contribuintes de um discurso pblico animado sobre grandes e pequenos assuntos. E isto se deve muito s mdias sociais e aos dispositivos de mdia mvel.

    IHU On-Line Narrativas como os newsgames ou o documentrio sitiado permitem dizer que, em tem-pos de conectividade, a experincia mais relevante que a informao?

    John Pavlik Newsgames so uma oportunidade cada vez mais in-teressante para que jornalistas ino-vadores envolvam a audincia com a notcia por meio de tcnicas intera-tivas. A proposta ainda est em fase inicial, mas muito promissora es-pecialmente como modo de envolver cidados mais jovens e usurios de dispositivos mveis.

    IHU On-Line O futuro do jorna-lismo o infotenimento?

    John Pavlik Isto inevitvel, uma vez que os cidados no pre-cisam se envolver com o noticirio. Dessa forma, para chamar a ateno das pessoas, muitas vezes neces-srio produzir notcias agradveis e,

    por vezes, divertidas. O problema ocorre quando histrias importantes perdem espao para notcias de ce-lebridades e fofocas. Existe, claro, um lugar para estas notcias de veja que cachorrinho bonitinho, mas isso no deve superar o relato de histrias com implicaes importantes para o mundo.

    IHU On-Line De que forma o pensamento de Marshall McLuhan se atualiza neste novo ecossistema miditico?

    John Pavlik As ideias de McLuhan so bastante relevantes para o jornalismo digital. Talvez o mais relevante seja sua noo de al-deia global. Hoje, com 5 bilhes de pessoas conectadas via redes de co-municao digital em todo o mundo, as notcias e informaes tambm podem ressonar globalmente so-bretudo por meio das mdias sociais e dispositivos mveis. Veja o caso do #bringbackourgirls2, na Nigria, por exemplo.

    IHU On-Line Em um contex-to de aldeia global, como explicar a fora emergente de um jornalismo hiperlocal?

    John Pavlik Este um timo exemplo do adgio Pense global-mente, aja localmente. Usar as redes de mdia para relatar e explorar hist-rias locais, mas conectadas a temti-cas e comunidades mais abrangentes, potencialmente globais, faro com que o jornalismo digital torne-se mais importante e que implique em mais consequncias no sculo XXI.

    IHU On-Line Deseja acrescen-tar alguma coisa?

    John Pavlik Fazer boas per-guntas e manter a inovao, mas de maneira tica e por meio do envol-vimento do pblico, com compro-metimento com a liberdade de ex-presso. Este deve ser o mantra do jornalista digital.

    2 Cerca de 300 meninas foram raptadas de sua escola na Nigria por militantes do grupo Boko Haram. Os clamores de ami-gos e familiares se tornaram o movimen-to Bring Back Our Girls, ganharam as re-des sociais e geraram rapidamente apoio internacional. (Nota da IHU On-Line)

    Newsgames so uma oportunidade

    cada vez mais interessante para

    que jornalistas inovadores envolvam a audincia

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    23EDIO 447 | SO LEOPOLDO, 30 DE JUNHO DE 2014

    Jornalismo, ps-jornalismo e protojornalismo. Uma imprensa de mltiplas camadasLuiz Martins da Silva faz a distino entre categorias tericas de compreenso do jornalismo que coexistem, por vezes, at na mesma pgina

    Por Andriolli Costa

    A histria da imprensa mostra que o jor-nalismo, tal qual o conhecemos hoje, no foi sempre assim. Formatos que hoje facilmente seriam atribudos impren-sa, como a entrevista ou a manchete de pri-meira pgina, instituram-se principalmente a partir do sculo XIX. O mesmo se pode dizer sobre caractersticas como objetividade, fac-tualidade ou iseno. At meados de 1800, a imprensa nos Estados Unidos era fundamen-talmente partidria e parcial. Mais tarde, na chamada penny press, apelava a boatos e ao sensacionalismo para chamar a ateno do pblico. notria, por exemplo, a cobertura feita pelo The Sun em 1835 sobre a descober-ta de homens-morcego vivendo na lua alm de toda uma vasta fauna digna de clssicos da fico cientfica.

    Este jornalismo sensacionalista, no entan-to, no deixou de existir com a emergncia de novos formatos e valores para o fazer jornals-tico. Em verdade, ainda hoje encontra espao no ecossistema miditico, coexistindo com um jornalismo objetivo e factual, ou com aquele que busca o servio e a contextualizao. Por vezes no mesmo jornal, ou mesmo em uma nica pgina. Com isso em vista, o professor e pesquisador Luiz Martins da Silva fundamenta a diviso em trs categorias tericas de com-preenso de orientaes enunciativas: proto-jornalismo, jornalismo e ps-jornalismo.

    Em entrevista concedida por e-mail IHU On-Line, ele esclarece que, atualmente, em

    um universo de informaes disponveis na rede, no basta mais oferecer ao pblico o factual. preciso agregar servio, utilidade, interpretao, anlise, dicas, contatos, se-o de para saber mais, infografias, entre outros. Para ele, os jornalistas alinhados ao ps-jornalismo arvoram-se condio e ao dever de missionrio, fornecendo o contexto necessrio para que o cidado use as infor-maes disponibilizadas como produto bsi-co para gerir o cotidiano. Mas complementa: na nossa anlise, o que mais marca o ps- jornalismo uma nova forma de engajamen-to. Se nos primrdios da imprensa havia um engajamento poltico-partidrio, hoje esse engajamento est mais para temas novos e legitimadores, como cidadania, ecologia, sus-tentabilidade, etc..

    Luiz Martins da Silva graduado em Jor-nalismo pela Universidade de Braslia UnB, com mestrado em Comunicao e doutorado em Sociologia pela mesma universidade. Des-de 1988 professor da UnB, onde