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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA MESTRADO EM SOCIOLOGIA IDOSO E CIDADANIA O TRABALHO DE REINVENÇÃO DA VIDA THEREZA CHRISTINA DA CUNHA LIMA GAMA RECIFE-PE 2004

IDOSO E CIDADANIA O TRABALHO DE REINVENÇÃO DA VIDA · mestrado em sociologia idoso e cidadania ... 14 1.3 – representaÇÃ o e memÓria ... capÍtulo 3 – a cidadania do idoso

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MESTRADO EM SOCIOLOGIA

IDOSO E CIDADANIA O TRABALHO DE REINVENÇÃO DA VIDA

THEREZA CHRISTINA DA CUNHA LIMA GAMA

RECIFE-PE

2004

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THEREZA CHRISTINA DA CUNHA LIMA GAMA

IDOSO E CIDADANIA O TRABALHO DE REINVENÇÃO DA VIDA

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Sociologia. Área de Concentração: Mudança Social.

ORIENTADOR: Prof° Dr°. Paulo Henrique Martins

RECIFE-PE

2004

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“Viver e não ter a vergonha de ser feliz. Cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”.

(O que É o Que É, Gonzaquinha)

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DEDICATÓRIA

A Oscar, meu esposo e amigo;

Às minhas filhas: Bárbara Christina e

Anna Beatriz (está a nascer);

Aos meus pais, exemplo de vida!

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Ao meu orientador, Professor Paulo Henrique Martins, por sua simplicidade,

paciência, orientação eficiente e dedicação em todo este estudo.

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, que mais uma vez me acompanhou, dando-me sabedoria, esperança e

tranqüilidade, principalmente nos momentos mais difíceis desta trajetória;

Aos IDOSOS, que compuseram a amostra da pesquisa, minha gratidão pela

disponibilidade e colaboração;

Aos MEUS PAIS e AVÓS, pelo orgulho, perseverança no cumprimento do dever;

Aos MEUS IRMÃOS, agregados, TIOS e PRIMOS e BERÉ (a babá), pelo apoio

neste período;

A TODOS OS PROFESSORES DO MESTRADO, pelos conhecimentos construídos

coletivamente;

Aos COLEGAS DE MESTRADO, pela convivência durante o curso;

Aos meus COLEGAS DE TRABALHO, pela disponibilidade em me ajudar na

concretização deste estudo;

A todos que compõem o PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO em SOCIOLOGIA

pelo carinho, paciência e prontidão em me atender;

À PROFESSORA GEIDA, e PROFESSOR WALNEY SARMENTO pelos “toques” e

revisão do trabalho;

À ADRIANA DEUSDARÁ MOURA ARAÚJO, pelos serviços de digitação;

Às EQUIPES DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA e SECRETARIA DE SAÚDE DE PETROLINA E JUAZEIRO pela colaboração de material e informações

obtidas;

A CASA GERIÁTRICA DE PETROLINA e TODO CORPO TÉCNICO que me

receberam na pessoa de LUSCA.

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RESUMO O envelhecimento da população em todo o mundo constitui, hoje, um problema social da maioria das comunidades, particularmente dos países em desenvolvimento. Essa temática vem se desenvolvendo, de maneira crescente, nas últimas décadas e, a prova disto, é a articulação de políticas sociais para pessoas idosas. Esta pesquisa objetiva estudar o fenômeno da Terceira Idade e sua relação com a constituição da cidadania, percebendo as formas de solidariedade entre os idosos, redefinindo modelos de conduta, redes de solidariedade e práticas sociais destinadas à pessoas idosas, refletindo a possibilidade do idoso poder sentir-se útil, procurando melhorar a qualidade de vida, a fim de aumentar a longevidade. Acredita-se que tal pesquisa possa subsidiar estudos e políticas voltadas para um melhor relacionamento social entre as gerações, através de seus direitos, aspirações, desejos e necessidades. Com as representações sociais da Terceira Idade, tem-se a oportunidade de perceber as práticas sociais que os envolvem, observando também as diferenças nos modos de viver do envelhecimento atual, como também, enfocando a velhice e a questão de poder exercer sua cidadania com os direitos pertinentes, mostrando a relação da dádiva e solidariedade num processo de institucionalização. Através dessa pesquisa, percebe-se uma nova expressão da cidadania democrática refletida nas condições de vida e nas formas de solidariedade.

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ABSTRACT

The aging of the wodd's population represents today a social problem for the majority of the wodd's communities, patticularly those from the developing countries. This trend has been evolving at an increasing rate during the last decades and is reflected in the social policies and programs designed for the eldedy. This research seeks to study the phenomena of Old Age and its effects on the social structure of the general population. It Iooks at the different forms of solidarity among older people, including changing pattems of behavior, friendship networks and existing social practices towards this group. Ir also examines the possibility of senior people being able to feel useful and to search for improved quality of life and increased life spans. We believe that the present research, while identifying the rights, aspirations, wishes and needs of the elderly, may provide information for other studies and social policies that seek to improve the social relations in the generation gap. Through the social recognition of the aging, it might be possible to: understand the social practices that affect this group; observe the differences in current life styles of people as they age; and show the relationship between the act of giving anal true solidarity in an institutional process that focuses on the OId, and on their challenge to live within their social rights. Finally, this research shows a new -expression of democratic citizenship as such is reflected on life conditions and forros of solidadty.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................. 01

CAPÍTULO I – REPRESENTAÇÃO SOCIAL E TERCEIRA IDADE .............. 11

1.1 – O ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL .................................... 11

1.2 – REPRESENTAÇÃO DOS IDOSOS .................................................... 14

1.3 – REPRESENTAÇÃO E MEMÓRIA ...................................................... 18

1.4 – REPRESENTAÇÃO E SOLIDARIEDADE TRADICIONAIS ................ 22

1.4.1 – O IDOSO NO NORDESTE RURAL .................................................... 23

1.4.2 – FAMÍLIA E VELHICE .......................................................................... 27

CAPÍTULO 2 – A VELHICE NOS DIAS ATUAIS ............................................ 35

2.1 – PERSPECTIVA DE VIDAS DOS IDOSOS ............................................ 35

2.2 – CONDIÇÕES DE VIDA .......................................................................... 39

2.2.1 – ALGUMAS EVIDÊNCIAS SOBRE A VELHICE ................................... 39

2.2.2 – ALGUMAS CATEGORIAS DE ANÁLISE ............................................ 41

2.3 – CONDIÇÕES DE SAÚDE ....................................................................... 45

2.3.1 – ATIVIDADE FÍSICA E REJUVENESCIMENTO ................................... 46

2.3.2 – PAPEL DO DESPORTO ..................................................................... 49

2.4 – O DRAMA DA APOSENTADORIA ........................................................ 52

2.4.1 – A MÃO-DE-OBRA IDOSA .................................................................. 54

2.4.2 – MECANISMO DE REGULAÇÃO DA APOSENTADORIA .................. 55

2.4.3 – DO ENVELHECIMENTO .................................................................... 59

2.5 – OS MITOS E A QUESTÃO SOCIAL ...................................................... 63

CAPÍTULO 3 – A CIDADANIA DO IDOSO ...................................................... 70

3.1 – DÁDIVA E SOLIDARIEDADE ................................................................. 73

3.2 – OS DIREITOS DO IDOSO ...................................................................... 76

3.3 – A IMPORTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA .................................................... 82

3.3.1 – NOVAS ATITUDES .............................................................................. 84

3.3.2 – O TRABALHO COM GRUPOS ............................................................ 86

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 91

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 96

ANEXOS .......................................................................................................... 111

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INTRODUÇÃO

I – JUSTIFICATIVA E PROBLEMÁTICA

A escolha do tema “Idosos e Cidadania- O trabalho de reinvenção da vida” se

justifica pela carência de estudos na área e a importância de se obter uma maior

informação sobre este assunto. Tal discussão pode servir para subsidiar estudos e

políticas voltados para um melhor relacionamento social entre as gerações através

do conhecimento de seus direitos, suas aspirações, desejos e necessidades.

É crescente o número de idosos. Segundo dados do IBGE1, nos últimos 10 anos, a

população brasileira, com 65 anos ou mais, atingiu 7 milhões de pessoas. Conforme

projeções, atualmente uma em cada 13 pessoas faz parte da população idosa e

prevê-se que, até o ano de 2025, o número de idosos com 60 anos ou mais chegará

a 32 milhões (Teixeira, 1999). O Brasil que, há pouco tempo atrás, era considerado

“país jovem”, hoje, encontra-se no rol dos países com crescimento da população

idosa. Será talvez a quinta maior nação de idosos.

A população idosa no município de Petrolina alcança, hoje, o patamar de 13 000

pessoas, o que corresponde a 6% da sua população, distribuídas nas diversas

camadas sociais (dados colhidos na SEPRODES/Secretaria de Projetos e

Desenvolvimento Social, do município de Petrolina-PE, 2002). Esse envelhecimento

acelerado é em decorrência da redução da taxa de mortalidade infantil, melhoria da

qualidade de vida, avanço da medicina, novas tecnologias, entre outros fatores que

possibilitaram aumentar a expectativa de vida do brasileiro.

Essa modificação na estrutura demográfica da sociedade precisa ser acompanhada

por mudanças de atitudes, mentalidades e da organização de toda a sociedade para

enfrentar os novos desafios gerados pela também nova demanda. Infelizmente, para

envelhecer numa sociedade que tem como modelo a juventude, é necessário

enfrentar o preconceito os valores estigmatizados que evidenciam mais os aspectos

negativos dessa etapa da vida.

1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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Atualmente, os direitos do idoso estão previstos em legislação dispersa, em muitos

casos em leis especiais, em que não se esgota o leque de direito dos idosos. O que

está claro e se luta é em constituir um ponto de partida, com certeza incompleto,

para que, através da mudança social, se insira um direito social digno para o idoso.

Além disso que este ponto de partida seja adotado, de início, pela família.

Por fim, a ética da convivência social impõe, também, o dever moral de se educarem

as novas gerações na convicção de que os idosos representam, além de outras

virtudes, a de acumular um cabedal de sabedoria e de experiências que só a vida

proporciona, como um valor indispensável e insubstituível que só os anciãos

carregam. Eles são fatores de equilíbrio, tolerância e cometimento da vida familiar e

na vida social. Sua experiência, portanto, tem que ser aproveitada, valorizada e

estimulada. (Maciel, 1998).

Com base nesses últimos anos, observa-se a importância que tem tomado a

temática da velhice. Atualmente, pretende-se contribuir com a articulação de uma

política social que coloque o idoso em um lugar na sociedade onde ele possa sentir-

se útil, com o intuito de procurar melhorar a sua qualidade de vida e a das pessoas

que o cercam (como exemplo os grupos da terceira idade), a fim de ajudar a sua

longevidade.

Com esta realidade, propõem-se concepções para que se redefinam modelos de

conduta, redes de solidariedade e práticas sociais destinadas ao idoso, com a

possibilidade de minimizar seu problema social. Para esses objetivos serem

alcançados, é necessário partir tanto de dados empíricos, como recorrendo ao

referencial teórico existente, para se tentar apontar soluções, visando à

transformação de práticas sociais na expectativa de se criarem novas formas de

sociabilidade sob a força das interações sociais.

É preciso que assuntos como estes sejam escritos, lidos, debatidos e sirvam de

base para futuras legislações que ajustem a democracia à nova realidade de um

mundo, pelo que vai além das nações, no qual surgem os donos do planeta, que

manipulam a globalização econômica; também as organizações da sociedade civil

que, nos planos local, nacional e global, lutam por justiça social e pela proteção da

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natureza, pois as futuras gerações precisam ser respeitadas. (Vieira, 2001, 253-

273).

Este trabalho justifica-se a partir da relevância da questão a ser enfocada. Como se

dá a relação entre cidadania e vida material, na institucionalização dos direitos dos

idosos?

Pressupondo-se que a terceira idade constitui uma nova expressão da cidadania

democrática, discorre-se sobre o estudo do fenômeno da terceira idade e sua

relação com a constituição da cidadania, percebendo as formas de solidariedade

entre os idosos. Analisaram-se o processo de institucionalização e as suas histórias

de vida com a construção da cidadania.

II – CIDADANIA DOS IDOSOS

Esta pesquisa envolveu vida, cidadania, dádiva e institucionalização do direito,

analisando as bases teóricas e empíricas. Fundamentou-se nos estudos

desenvolvidos por: Moscovici (1995), Guareschi (1995), Jouchelovitch (1995),

Zimerman (2000), Okuma (1988), Bosi (1987), Peixoto (1997), Kastembaum (1979),

Vieira (2001), Santos (2000), Martins (2001), Mauss (2002), entre outros.

Autores consagrados como: Moscovici (1995), Guareschi (1995), Jochelovitch (1995)

que tratam da teoria da Representação Social, dão contribuição na pesquisa , pois

conferem a racionalidade da crença coletiva e sua significação, portanto, as

ideologias, aos saberes populares e ao senso comum (Moscovici, 1995, 11)

enfocando essas realidade das vidas dos idosos.

Já Zimermam (2000), Okuma (1998), Bosi (1987), Kastembaum (1979), (Peixoto

1997), entre outros, apresentam sua contribuição teórica, tratam a realidade dos

idosos refletida nas condições de vida e nas formas de sociedade, no decorrer dos

capítulos da pesquisa.

Se, como afirma Santos (2000), o projeto da modernidade é, essencialmente,

identitário, reforça-se que essa concepção leva a uma ruptura radical com relação à

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antigüidade prisioneira dos mitos religiosos e tradicionais dos idosos. Essa nova

identidade racional e moderna jamais sairia do papel se não fosse contextualizada

através da ciência, da política e da cidadania.

Vieira ((2001, p. 277), cujo cenário de reflexão é a crise do estado nacional, propõe

a reinvenção dos conceitos de democracia (democracia cosmopolita), de cidadania

(cidadania pós-nacional e multicultural) e de sociedade civil (sociedade global) de

modo a servir de base para a construção de uma política alternativa a globalização

hegemônica, neoliberal.

Com base em estudos realizados sobre os idosos, Mateus e Andrade (2001)

constataram que se precisa de mais políticas adequadas que favoreçam a terceira

idade, com a finalidade de proporcionar um envelhecimento de qualidade, ficando

explícito o interesse pelo processo de envelhecimento. Já Passos (2001) percebeu

que através de uma pesquisa etnográfica da realidade, sobre a acelerada densidade

demográfica dos idosos, há uma nova abordagem da compreensão do processo de

envelhecimento nos diferentes discursos institucionais, em que estão ligados à

dinâmica das relações sociais que se estabelecem no âmbito das instituições

voltadas para o idoso. Garbin e Marteka (2001) contestam que os idosos realizam as

atividades por escolha pessoal, e estas são consideradas por eles prazerosas. Os

idosos entrevistados valorizam a vida institucionalizada, porque continuam

desenvolvendo comportamentos que a realização das atividades pode lhe favorecer

socialmente, com intuito de auxiliar o desenvolvimento da independência e

autonomia dos indivíduos.

Quanto à cidadania, (Janoski apud Vieira 2001, p. 33) destaca três vertentes

teóricas: A teoria de Marshall acerca dos direitos de cidadania; a abordagem de

Tocqueville/Durkheim a respeito da cultura cívica; e a teoria marxista/gramsciana

acerca da sociedade civil. O desenvolvimento de uma teoria pertinente e

cuidadosamente elaborada se faz necessário com vista a três metas principais,

trazidas à realidade dos idosos de Petrolina que são: 1º) analisar os segmentos para

sociais de Petrolina em uma perspectiva comparativa, de modo a auxiliar o o

desenvolvimento dos direitos, sobretudo, os direitos de participação; 2º) explicar os

aspectos da sociedade civil e da organização social, no contexto da teoria da

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cidadania, que têm o fito de organizar reivindicações dos diversos grupos sociais e

prevê os resultados dos conflitos das diversas bases ideológicas; 3º) compreender o

texto de solidariedade que mantém o conjunto social. A cidadania do idoso presume

a existência de uma sociedade civil inserida em redes e conexões entre pessoas e

grupos e, ainda, normas e valores que exerçam papel significativo na vida social.

Afinal, a cidadania desenvolve-se em comunidades de cidadãos responsáveis

através da estrutura da sociedade civil.

Sob a ótica de responder a relação de cidadania com a democratização da terceira

idade é interessante construir o conceito de cidadania a partir da noção de “direitos a

ter direitos” proposta, há décadas, por Hanna Arendt, filósofa alemã, segundo

Marshall, que considera três gerações de direitos e se acrescenta mais uma, que é

sugerida pela sociedade civil (Marshall apud Martins, 2001, p. 18).

Percebe-se que na existência da cidadania democrática há três elementos básicos:

a) a igualdade; b) diferença em sentido amplo; c) justiça social.

De início, vem a igualdade, dando uma idéia de universalidade para todos. Já a

diferença permite observar alguns idosos que se sentem mais marginalizados que

outros em razão da exclusão social porque passam, quer seja em suas famílias,

quer seja na sociedade em que vivem. A idéia de justiça social, no reconhecimento

da igualdade e da diferença, além da articulação entre ambas, procura, dessa

maneira, resgatar o humanismo na elaboração da cidadania democrática, abrindo-

se, com isso, o direito de o ser humano viver com dignidade com sua família,

vizinhos, amigos, parentes ou com a sociedade.

Segundo Mauss, a dádiva dá a sua contribuição, pois ela se encontra presente nas

origens das iniciativas espontâneas e o grupo de terceira idade é um exemplo que

revela a presença de uma dinâmica humana incondicional que se reproduz mesmo

sob o ataque da lógica individualista e utilitarista. Esta dádiva está presente como

exemplo na sociabilidade (Caillé apud Martins, 2001, p. 28). Através de estudo

sobre a dádiva, verifica-se que o bom direito constrói modelo de solidariedade que é

de suma importância para a sociedade brasileira, pois as novas práticas associativas

abrem um espaço de articulação que antes não existia, como o trabalho de

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voluntários com idosos, utilizando práticas solidárias através das próprias

comunidades, sabendo que essas iniciativas são espontâneas, ocasionadas

individual ou coletivamente sem que haja necessariamente relação direta com as

políticas estatais ou mercadológicas. Possibilita com isso o surgimento de uma

esfera cívica e democrática inédita como referência (Martins, 2001, p. 20).

III – PERCURSO METODOLÓGICO

Quanto à metodologia trata-se de um estudo com abordagem qualitativa, pois retrata

a investigação direta no ambiente social dos idosos, buscando entender a natureza

desse fenômeno social, a partir da experiência de vida do próprio idoso. O universo

estudado situa-se em Petrolina e versa sobre idosos e cidadania – o trabalho de

reinvenção da vida - adquirindo-se conhecimentos de um fenômeno adequadamente

a partir da exploração intensa de segmentos de idosos. (Lakatos & Marconi 1994, p.

98)

Foram utilizadas, prioritariamente, as técnicas de entrevista em profundidade e

observação, sendo complementadas por outras técnica. Após um agendamento

prévio, procurou-se representar os diferentes e, às vezes, conflitantes pontos de

vista presentes nessa situação social, enfatizando a “interpretação em contexto” e

retratando a realidade. Com a intenção de pesquisar o grupo de idosos, a amostra

foi dividida em dois grupos: sendo 19 idosos entrevistados da casa geriátrica (asilar)

e grupos de terceira idade do PSF2 localizados no bairro José e Maria, em Petrolina,

(lideranças dos grupos de 3ª idade e demais segmentos ligados aos asilos e grupos

de 3ª idade), no período de agosto 2002 a setembro de 2003.

Cabe ressaltar que, com a manutenção do anonimato, o entrevistado não foi

identificado, para tanto, recebeu um peseudônimo pelo qual será referido em toda

pesquisa. Em atendimento à Resolução 196/96, utilizou-se o Consentimento Livre e

Informado.

Passos da pesquisa:

2 Programa de Saúde da Família

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1º Levantamento bibliográfico sobre a 3ª idade, utilizando como instrumento a

análise de conteúdo, baseando-se na definição precisa dos objetivos da pesquisa,

abordando dados qualitativos para interpretação dos resultados, ligando-os ao

arcabouço teórico-metodológico da ciência.

2º Caracterização das condições de vida dos idosos de Petrolina com a finalidade

de atender aos objetivos do trabalho, abordando algumas identificações sobre os

entrevistados, tais como: idade, nível de escolaridade, comportamento social, nível

de renda, profissão, relação familiar, entre outros, procurando obter uma

caracterização das condições de vida dos idosos.

3º Organização da Pesquisa de campo:

- Atividade etnográfica;

- Descrição do objeto do cenário, em estudo, com vistas à realidade

atual;

- Preparação da pesquisa de campo através de:

• Elaboração de roteiro de entrevistas, em profundidade, tendo em vista o tempo

escasso para a defesa da dissertação, embora a história de vida dos idosos

fosse um material excelente para uma tese de doutorado.

Foram feitas entrevistas semi-estruturadas com os idosos e pessoas do seu

convívio, em vários aspectos (social, político e familiar), por considerar a importância

do seu caráter de interação, a liberdade do percurso, partindo de questionamentos

básicos e permitindo a espontaneidade necessária para o processo; questionário

com familiares dos idosos, procurando dar uma caracterização e conceituação da

evolução das experiências dos idosos (asilar ou grupos de 3ª idade).

Segundo Ludke & André (1986, p. 33), a entrevista é a forma imediata e corrente

para adquirir informações, além de possibilitar o aprofundamento nos pontos de

maior interesse.

As entrevistas foram documentadas através de gravações em fita K7 o que, na

opinião de Triviños (1987, p. 148), tem a vantagem de manter a fidedignidade do

conteúdo emitido orialmente pelo pesquisado. Após obtenção dos depoimentos,

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iniciou-se a etapa de transcrição dos mesmos, mantendo a veracidade do discurso

dos participantes. Em seguida, fez-se a classificação e, posteriormente, a

categorização. Para tal, utilizou-se a análise do conteúdo segundo Bardin (2000). A

interpretação do conteúdo temático foi efetuada à luz do referencial teórico.

Questões norteadoras:

O que é ser idoso?

- Como o idoso é visto pela sociedade?

- Quais as condições de vida do idoso?

- Quais as dificuldades enfrentadas durante a terceira idade?

- Quais os direitos assegurados e cumpridos em relação ao idoso?

- Quais as expectativas para o idoso em relação ao futuro?

• Estudo das representações dos atores baseadas nas histórias de vida dos

idosos.

O estudo da representação será com a finalidade de se procurar constituir o

pensamento, em um verdadeiro ambiente, em que se desenrola a vida cotidiana. Foi

utilizado como instrumento a entrevista em profundidade, aberta ou não estruturada,

na qual o informante abordou livremente o tema proposto através de uma conversa

espontânea, sendo gravada para depois ser transcrita, e destacadas os elementos

mais significativos, relacionando o que fazem, com quem compartilham, em se

comportam em relação à sociedade como um todo e também com relação a sua

família, atividades desempenhadas anteriormente, como trabalham com grupos de

terceira idade.

Pela observação espontânea sobre a realidade dos atores sociais e seus próprios

contextos, será possível captar uma variedade de situações ou fenômenos. Foram

anotadas informações no ambiente social dos idosos, aproveitando o desenrolar dos

acontecimentos, como também os questionários informais com pessoas ligadas aos

idosos.

4º Análise do material

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- Sobre as representações com o foco em: vida, cidadania e

institucionalização (solidariedade) na perspectiva da dádiva e dos

vínculos sociais.

O presente estudo contou com a participação do grupo do PSF do José e Maria (em

média 32 idosos entre homens e mulheres) e da Casa Geriátrica (em média 35

pessoas entre homens e mulheres) e foram entrevistados 19 idosos com a idade

acima de 60 anos. Desses idosos, a maioria era do sexo feminino (12) e a minoria

do sexo masculino (7). Em relação à escolaridade, observou-se um baixo nível

escolar; caracterizando-se, a maioria, com renda familiar de um salário mínimo.

Quanto ao estado civil, pode-se identificar no Grupo de Terceira Idade do PSF José

e Maria 10 idosos, 5 homens e 5 mulheres, que a maioria era viúvo (a), outros

casados. Já na Casa Geriátrica 9 idosos, 7 mulheres e 2 homens, a maioria dos

Idosos são solteiros e outros viúvos. Dessa forma, pode-se confirmar uma

freqüência da realidade na velhice que é a viuvez. Ao questionar quanto à ocupação

atual, percebeu-se que quase todos os homens e apenas poucas mulheres eram

aposentados e as demais eram pensionistas. O padrão de relação interpessoal e

familiar dos sujeitos dessa pesquisa foi classificado como bom, pois estavam

convivendo, em sua maioria, com filhos já casados; somente alguns conviviam

apenas com o seu cônjuge e poucos moravam sozinhos, principalmente os da Casa

Geriátrica. A questão religiosa foi explicitada pelos idosos de forma bem natural e a

maioria referenciou Deus em algum momento durante a entrevista. A preferência é

pela religião católica.

Neste trabalho, procura-se estudar o fenômeno da terceira idade e sua relação com

a constituição da cidadania, através das formas de solidariedade e história de vida

dos idosos.

Esta pesquisa é composta de três capítulos. No I Capítulo “Representação Social e

Terceira Idade”, enfocando-se o estudo da representação do idoso, na perspectiva

de Moscovici e nas concepções teóricas ligadas ao estudo da velhice como

Zimermam (2000), Okuma (1998), Debert (1994), entre outros. Procurou-se avançar

com informações e esclarecimentos teóricos, metodológicos necessários para

permitir uma crítica sociológica adequada, o que é a cidadania do idoso e em que

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formas de solidariedade se insere a Teoria da Dádiva nos planos da Sociabilidade,

(Martins, 2001), O estudo de Vieira 2001 com a constituição de uma sociedade

emergente civil global que atua numa estrutura demográfica de mudança social.

Para Bosi (1994), Maurice Halbwaschs (1990), Santos (1994) a memória e a

lembrança fazem parte do dia-a-dia dos idosos. Quanto às formas de solidariedade

tradicionais teve-se contribuição de Foucault (2002), Woortmam e Woortmam

(1999), entre outros, ilustradas através das falas dos idosos na realidade familiar,

como também na região em que vive.

No Capítulo II, “A velhice nos dias atuais” há uma discussão sobre velhice, na

perspectiva de vida dos idosos, condições de vida e saúde; depoimentos, que foram

divididos em categorias de análise como ex: o poder de decisão dos idosos,

degenerescência física e mental, desengajamento social e viuvez e, também, o

drama da aposentadoria, os mitos com a colaboração de teóricos como Motta

(1996), Almeida (1999), Veras (1999), Guerreiro e Rodrigues (1996), Kastembaum

(1979), entre outros. Procurou-se avançar na pesquisa com o objetivo de relacionar

a história de vida dos idosos e idosas.

Já no capítulo III, “A cidadania dos idosos” percebe-se a relação da velhice com a

cidadania, envolvida na teoria da dádiva e solidariedade, sendo enfocados os

direitos do idoso com a Nova Legislação, evidenciando a importância da

convivência através de novas atitudes e o trabalho com grupos recebendo

contribuições de: Vieira (2001), Simmel (1983), Martins (2001, 2002), Zimerman

(2002), entre outros.

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CAPÍTULO I REPRESENTAÇÃO SOCIAL E TERCEIRA IDADE

O sustentáculo teórico do trabalho encontra guarida em primeiro lugar, na

contribuição de Serge Moscovici (1995) e, em seguida, Minayo (1995), Guareschi

(1995), Jovchelovitch (1995), entre outros, no campo das representações, com isso,

contribuindo para uma caracterização da representação do idoso com a finalidade

de alcançar as metas do estudo.

1.1 O ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO SOCIAL NA PERSPECTIVA DE

MOSCOVICI

Para Moscovici, a teoria das representações sociais confere um papel à

racionalidade e à crença coletiva, portanto, às ideologias, aos saberes populares e

ao senso comum. (Moscovici, 1995, 11). Com esse ponto de vista fica claro que

representação é reproduzir, repetir, reconstituir, retocar, um ser, uma qualidade, etc.

(Moscovici, 1978, 58).

Representação social por tratar filosoficamente da reprodução de uma percepção

retida na lembrança ou o conteúdo do pensamento. Nas ciências sociais é definida

como categoria de pensamento que exprime a realidade, explicando-a, justificando-a

ou questionando-a, enquanto imagens construídas do real. Representações sociais

são um material importante para a pesquisa, pois elas demonstram o modo de trazer

à realidade o mundo das idéias e seu significado no conjunto das relações sociais.

Durkheim foi quem primeiro utilizou o conceito de representação social no mesmo

sentido de representação coletiva. Essas representações são um grupo de

fenômenos reais, dotados de propriedades específicas que determinam as crenças

comuns. É a sociedade que pensa que vive a consciência coletiva e a cultura.

Observa-se que os termos “consciência” e “representações coletivas”, usados por

Durkheim, têm o mesmo significado de cultura utilizado por antropólogos culturais

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como Sapir, Malinowski e Kroeber. (Bohannan citado por Minayo no texto O

Conceito das representações sociais dentro da Sociologia Clássica, 1995, 91-92).

As Representações Sociais findam por constituir o pensamento em um verdadeiro

ambiente onde se desenrola a vida cotidiana. Assim sendo, a Representação Social

é um conceito importante para o estudo, uma vez que ela constitui o dado empírico

que propicia uma análise que leve a atingir, concretamente, a consciência, a

atividade e a identidade de sujeitos situados sócio-historicamente. Representação

social para Serge Moscovici: É uma modalidade de conhecimentos particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos. (Moscovici 1978, 26):

Para Jane Spink, a estrutura de uma representação é descrita a partir das categorias

perceptiva e conceptual em busca da compreensão de uma vida social em

construção, em que os conceitos e as percepções são elaborações e estilizações

secundárias, umas a partir do sujeito e as outras a partir do objeto. (Spink, 1995, p.

118-119) São seus processos formadores o sentir e o perceber, como diz Moscovici,

a objetivação e a ancoragem. Na opinião de Jovchelovitch a objetivação e a

ancoragem são formas específicas pelas quais as representações sociais

estabelecem mediações... das representações sociais na vida social. (Jovchelovitch

1995, 81). Moscovici considera a ancoragem como um dos processos formadores

das representações, consistindo na integração cognitiva do objeto representado por

pessoas, idéias, acontecimentos, relações, etc. Ancorar é classificar e denominar.

(Moscovici, 1978, 173-74).

Emerge, com isso, a oportunidade de trazer ao conhecimento o desconhecido em

uma realidade conhecida e institucionalizada.

Já a objetivação, outro processo constitutivo das representações, consiste em uma

operação imaginante e estruturante pela qual se dá uma “forma” (ou figura)

específica do conhecimento acerca do objeto, tornando concreto, quase tangível, o

conceito abstrato. Para Moscovici (1978, 110-11), objetivar é descobrir a qualidade

icônica de uma idéia ou ser impreciso, reproduzir um conceito em uma imagem.

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Com a objetivação e a ancoragem observam-se as mediações existentes entre a

vida social e a vida individual, tais mediações são as representações, estruturas

simbólicas que se originam tanto na capacidade criativa do psiquismo humano,

como das fronteiras que a vida social impõe (Jovchelovitch, 1995, 81-82).

Para Moscovici, nas sociedades contemporâneas, existem duas classes de universo

de pensamento: os universos reificados e os universos consensuais. Ambos atuam

simultaneamente para moldar a nossa realidade. Nos primeiros, bastante

circunscritos, produzem-se e circulam as ciências e o pensamento erudito em geral.

Os segundos dizem respeito às atividades intelectivas de interação social cotidiana,

pelas quais as representações sociais são produzidas. A construção de significação

simbólica é, simultaneamente, um ato de conhecimento e um ato afetivo, cuja base é

a realidade social. (Sá, 1993, 28-30)

Desse modo, se analisa o intrincado jogo simbólico, no qual está inserida a

representação da velhice sob o referencial do saber do senso comum, entendido

como um “conhecimento legítimo e motor de transformação social”. (Spink in

Jochelovitch, S.C. guareshi, P. 1995, p. 119).

Schutz (1982) comenta que o termo senso comum é utilizado para se referir às

representações sociais do cotidiano, tendo como referência à vivência cotidiana. A

compreensão do mundo se dá a partir de um repertório de experiências, pessoais e

de outros, predecessores, contemporâneos e sucessores. Ele tem como

preocupação teórica o mundo do dia-a-dia, objetivando compreender os

pressupostos das estruturas significativas da cotidianeidade. A experiência pode ser

comum a um grande número de pessoas ao mesmo tempo. O conhecimento é

individual, consistindo na elaboração interior. Assim sendo, cada pessoa possui um

conhecimento de sua experiência, atribuindo importância a determinados temas,

aspectos ou situações, dependendo de sua história de vida (Minayo, 1995, 95-96)

Após tais considerações, serão apresentados alguns estudos realizados sobre a

representação dos idosos inspirados nos elementos teóricos.

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1.2 REPRESENTAÇÃO DOS IDOSOS

No campo das representações sociais do idoso constam os estudos de Zimerman

(2000), que apresenta a conceituação de velhice e do corpo, tecendo considerações

sociológicas originais referentes ao processo de interação social. Outros autores

deram importante contribuição neste campo, como: Minayo (1995), Okuma (1998),

Moscovici (1995), entre outros.

Para Zimerman, a Velhice é um fenômeno biopsicossocial, cujas manifestações

variam ou dependem de momentos históricos e da sociedade em questão.

Historicamente construído, o conceito de velhice emerge da dinâmica entre

referenciais individuais e valores culturais, implicando uma ética, uma política e uma

estética da existência. A ética, como fio condutor das ações do homem enquanto ser

ativo, livre e pessoal, tem seu campo composto por dois elementos

interrelacionados: o sujeito moral e os valores ou virtudes éticos (Zimerman, 2000, p.

21).

Do primeiro, espera-se a participação e autodeterminação; do segundo, o expressar

do modo pelo qual a cultura e a sociedade definem referenciais de ações positivas e

negativas. Pensar e sentir a velhice e o ser velho emerge dessa composição entre

objetividade e subjetividade, em direção à construção harmônica e bela de uma

existência atualizada sob um (re)pensar de idosos sobre si mesmos, num contexto

psicossocial (Zimerman, 2000, 21).

A velhice é um tema significativo na sociedade. Seja como alvo de aceitação ou

rejeição, essa etapa da vida se insere numa dimensão valorativa que mobiliza

pensamentos, sentimentos, comportamentos em torno de práticas sociais.

As representações dos valores relacionados à velhice3 vinculados ao físico, ao

corpo, parecem ter assumido a forma social do conflito, organizado nos termos

polares à velhice e juventude bem comentados por Zirmerman (2000, p. 28) A

3 Entender o que é velhice e o que é ser velho não é uma questão de simples definição “Velhice não é uma concepção absoluta, mas uma interpretação sobre o desenrolar da existência. (Birman apud Veras, 1994, 30)

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juventude representa uma visão bipolar do conflito – o lado positivo, enquanto a

velhice se refere ao lado negativo. Há, no entanto, aspectos capazes de minimizar

essa oposição radical, como por exemplo, características éticas como: simpatia,

alegria de viver, bom humor etc. Quanto a isso, observam-se, nos discursos, atitudes

e comportamentos, referências também à velhice interior e a velhice exterior nas

variantes físicas, sociais e psicológicas.

Segundo Minayo as representações sociais devem ser analisadas criticamente, uma

vez que correspondem às situações reais da vida. Nesse contexto, a visão de

mundo dos diferentes grupos expressa as contradições e conflitos presentes nas

condições em que foram engendradas (Minayo, 1995, 109).

Conflito é entendido como uma unidade em que se integram aspectos positivos e

negativos. Para Simmel (1983, p. 27), as disposições conflitivas contêm, na sua

essência, a união dos contrários. Até mesmo a noção central de sociedade se funda

no conflito, responsável pela sua origem e mudança. A vida é curta e as

modificações corporais acontecem rapidamente. De todo modo, o tema velhice foi

disposto dentro de uma dimensão conflitiva.

Cada pessoa tem um retrato mental do seu eu físico, podendo considerar-se alta ou

baixa, gorda ou magra, bonita ou feia, ou algo intermediário; passa, assim, anos

aprendendo a viver com sua imagem corporal. O retrato que tem de si, afeta o modo

de pensar sobre si como pessoa e, conseqüentemente, a sua interação com os

outros. O esquema corporal é a representação mental do corpo, que deve se

modificar sempre que este último se altera. Essas sucessivas transformações, tanto

na forma quanto no conteúdo, nem sempre são acompanhadas de modificações no

esquema corporal. Há, no cotidiano, a produção de uma imagem social do

envelhecimento e da velhice de tal modo negativa, que idosos saudáveis e lúcidos

não se reconhecem nela ou reconhecem a velhice apenas nos outros (Okuma, 1998,

p. 13-14). Um estudo desenvolvido por Neri (1991) comenta a desvalorização do

idoso nas sociedades atuais, demonstrando que tal preconceito é universal, ou seja,

“valoriza mais as perdas do que os ganhos”. (Neri apud Okuma, 1998, 14)

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Para Moscovici, as representações sociais, situadas na interface entre o social e o

psicológico possibilitam uma compreensão das estruturas psicológicas em interação

com o sistema coletivo de significações, visto que elas remetem a “um conjunto de

conceitos, proposições e explicações, originado na vida cotidiana, no curso das

comunicações interpessoais (Moscovici, 1995, 10-11)

Nesta perspectiva teórica, referir-se à velhice significa não só considerar a idade

como realidade biológica, mas também como uma convenção sócio-cultural. As

representações sociais do corpo envelhecido sofrem fortes influências de fatores

ambientais e sócio-econômicos, à medida que proporcionam ou não a satisfação de

necessidades básicas como saúde, alimentação, higiene, estimulação e proteção

contra agravos; assim também como a sua aceitação referente à ocupação de

espaços sociais. Para Okuma, o impacto da velhice dependerá dos recursos internos

e das normas e relações sociais às quais está vinculado o idoso (Okuma, 1998-14).

Na verdade, observa-se que algumas idosas pesquisadas – sem negar a velhice e

apresentando preocupação com a estética do corpo – parecem determinadas em

não desistir da beleza e nem da competição no mercado sexual. Ao comentar o

valor em torno do qual os homens constroem a especificidade de sua situação,

assinalam a manutenção da lucidez como idéia básica de reconhecimento de que já

não se é jovem. Sobre o tema comenta Debert: “Diferentemente das mulheres, os

homens não distinguem entre o processo biológico e o espírito, que poderia resistir à

velhice, retardá-la ou dar-lhe nova direção”. (Debert, 1988, p. 65)

Ao se falar em interioridade sobre a velhice, percebem-se aspectos positivos e

negativos. Quanto ao negativo, como exemplo, é encontrado o sentimento de

solidão. Este sentimento remete à realidade como a da aposentadoria, a do

relacionamento familiar, a da viuvez. Algumas vezes, os velhos são despojados de

seu papel de dono e dona de casa, perdendo coisas, espaços. A aposentadoria

afasta o idoso do convívio com colegas e o deixa mais de oito horas de tempo vazio.

E, em outras situações, acontece o contrário, os velhos passam a ser o sustento e o

centro das atenções sem se dar conta da solidão. Embora a solidão seja categoria

associada à velhice, não será aprofundada nesse trabalho.

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Enfatiza-se, ainda, que a questão do idoso se faz presente a nível mundial. Segundo

Vieira, (2001, p. 277), atualmente existe, em andamento, um processo de

constituição de uma emergente sociedade civil global, que atua num incipiente

espaço público transnacional. Parece sugerir que modificações na estrutura

demográfica levam a uma mudança na mentalidade e nas atitudes sociais em

relação à velhice, em que se observa o preconceito e a degradação contra ela, ao

mesmo tempo em que se evidenciam focos de resistência, indicando que talvez a

quantidade possa intervir na qualidade.

O número de pessoas com mais de 60 anos cresce no mundo todo. No Brasil, os

mais velhos somam hoje cerca de 14 milhões de pessoas. No ano de 2025, esse

número subirá para 33 milhões de brasileiros. ( Fonte: ONU, IBGE, US news-2000)

Para Santos, na sua perspectiva teórica, referir-se à velhice significa não só

considerar a idade como realidade biológica, mas também como uma convenção

sociocultural, que, à semelhança de cada uma das diferentes etapas do

desenvolvimento, corresponde a papéis sociais, valores e expectativas específicos

que interagem na construção da identidade dos sujeitos idosos. (Santos, 1994, 123)

Quando se trata de explicitar a representação social que se tem do velho, Santos

destaca dois modelos não-excludentes. No primeiro, ressaltam-se a experiência, a

realização e a sabedoria alcançadas pela idade. Esses ganhos adquiridos ao longo

dos anos, levam a velhice a ser percebida e tratada como uma fase da vida marcada

pela ausência de dúvidas e conflitos. Essa fase da vida, definida pelo critério

cronológico, seria, então, o momento de entrada da velhice no qual a realização

pessoal, tendo sido alcançada, garantiria um período de calma, paz e tranqüilidade

para desfrutar o tempo livre. As lembranças do passado operam como

conhecimentos acumulados para serem transmitidos às novas gerações. O segundo

modelo é marcado por um sentimento de perda. A entrada na velhice, aqui, é

caracterizada por modificações subjetivas do tipo sentimento de improdutividade,

falta de interesse pela vida e sentimento de inadaptação. A idéia de improdutividade,

associada ao marco cronológico da idade avançada, faz ressaltar a incapacidade

física e mental, levando a uma perda de autonomia e desvalorização social. É um

corpo velho, doente e impotente que afasta o outro. A inutilidade, a perda de

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respeito, a solidão, o desprezo são expressões do sentimento de perda que o velho

suscita e vive. (Ibid, 123-131)

Representações sociais é um tema amplo. Destarte, a realidade social, a nível

mundial, parece sugerir que modificações na estrutura demográfica levam a uma

mudança de olhar e de atitudes sociais em relação à velhice, observando-se o

preconceito contra ela. Ao mesmo tempo, evidenciam-se focos de resistência, sendo

importante a conscientização das dificuldades próprias a esse respeito e a

motivação para reagir à pressão exercida pela opinião pública. No entanto, têm se

constatado também espaços em que o idoso parece vir se redefinindo em busca da

criação de novos modos de vida, de novas formas de sociabilidade, assunto que

será explanado mais adiante.

Baseado neste raciocínio, é intenção entender o significado da velhice a partir da

compreensão de como ocorre a representação social da Velhice. É preciso dizer que

quando alguém representa algo, no qual está contido, ao mesmo tempo se

representa. Em seguida, ter-se-á oportunidade de encontrar elementos de uma

sociologia da vida cotidiana através da memória do idoso.

1.3 REPRESENTAÇÃO E MEMÓRIA

O estudo focaliza o hoje de um grupo social da casa geriátrica de Petrolina e o grupo

de terceira idade do PSF José e Maria que, como os demais, vive tensões

específicas a cada momento de sua história, desenvolvendo sentimentos específicos

sobre suas experiências, alternando conceitos, elaborando versões que são

assimiladas e traduzidas em comportamentos. Importante ressaltar que no

(re)pensar dos idosos formadores desse grupo, estão presentes as idéias

respiradas na juventude. Por este motivo, discorre-se um pouco sobre a questão do

tempo e da memória, apesar de não serem esses os elementos principais da

pesquisa.

Tem-se a contribuição dos teóricos Halbwachs, (1990), Bosi (1994), Kastembaum

(1979) entre outros, que trazem para essa pesquisa assuntos ligados à

representação e à memória, como o tempo. Procuram demonstrar que as marcas do

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passado são formadas tanto pela memória individual quanto por valores coletivos,

atuando como elementos significativos na construção de representações sociais e,

consequentemente, no comportamento social. Faz-se necessário, mesmo que de

maneira superficial, situar o estudo, para a memória dos idosos.

Dentre as diversas idades do homem, a fase do envelhecimento deve ser um grande

momento de reavaliação temporal. A idade madura parece direcionar o indivíduo à

questão da temporalidade, para o reconhecimento de que o mundo da convivência

social se localiza no presente. O presente, significando o tempo da ação imediata,

encenando implicações passadas e futuras.

Para Habwachs o tempo faz geralmente pesar sobre todos um forte

constrangimento, seja quando se considera muito longo um tempo curto. De várias

formas, ele pode vir expressado: por um aborrecimento, um momento de pavor,

terror, ou talvez um momento que não agrade na infância, na velhice, do

nascimento à morte. Outra situação é de momentos longos que parecem acabar

logo, como fazer uma coisa que gosta, que se tenha prazer, etc. O tempo, fixa o

sentido da trajetória do ser, modifica a significação do passado e do presente.

Entendendo o tempo, conclui-se que o futuro, por tratar-se de uma dimensão

conjectural, é apenas sonhado, mas é o temido por conter a morte. Para

Halbwachs... “as datas e divisões astronômicas do tempo estão encobertas pelas

divisões sociais de tal maneira que elas desaparecem progressivamente e que a

natureza deixa cada vez mais à sociedade, o encargo de organizar a duração.”

(Halbwachs, 1990, 90).

Por essa razão, para os idosos desta pesquisa, em sua maioria, evidencia-se a

importância do tempo. Para eles e para as pessoas que os cercam, o tempo revela a

maturidade, a vivência. Querer bem à vida, faz parte do tempo. Para o idoso é

importante, como diz Halbwasch, “saber então com o passar o tempo” (Halbwashs,

1990, 92).

Bergson traz comparações sobre o tempo dos indivíduos, exemplificando pelo tempo

de uma criança e de um velho como o tempo é diferente em questões e ritmo da

vida. O da criança é repleto de impressões, observações múltiplas, na fase do

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querer conhecer tudo; já para o velho, tudo é mais lento, guardou a lembrança, de

sua vida de criança, acredita que até o tempo corre mais lentamente. (Bergson apud

Halbwashs, 1990, 93-94).

O tempo do indivíduo se constrói a partir do tempo biológico e do tempo social,

sendo ele repleto de funções míticas dos rituais e tradições. O tempo individual

remete à finitude, à história e à continuidade da sociedade. A vivência do tempo

biológico assenta-se em um presente que engloba implicações passadas e futuras.

O passado diz respeito, além da herança biológica que está implícita, aos ritmos

fisiológicos que carrega as informações de cada pessoa. O envelhecimento biológico

que poderá ser considerado negativo ou não, e ser sentido como perda ou como

ganho. (Kastenbaum 1979, p. 8)

A vivência temporal se orienta de acordo com um registro de significações,

suscetíveis de mudanças, pois embora o homem crie o tempo, não o determina. Não

é o tempo que passa e, sim, as coisas que se sucedem em cada ser ou fora dele. O

tempo, por ser determinante de um acontecimento, como exemplo a velhice, a

impressão de que o isso decorre das representações sociais construídas de

lembranças presentes e lembranças de vivências passadas.

A memória, como repositório das lembranças, é fluida e transita entre eventos de

épocas emocionais que podem ter 20, 30 anos, alguns meses ou alguns dias. O

acúmulo de informação, retido pelo cérebro no decorrer do tempo, reverte-se em

lembranças guardadas no universo da memória, sendo a memória o receptáculo das

lembranças. Para Bergson, a memória é responsável pela retenção do

conhecimento necessário para que o indivíduo desempenhe suas atividades

cotidianas, a partir de referenciais culturais que sedimentam sua formação. Aos

dados do presente se misturam dados do passado, que alteram o sentido original do

recebido para o percebido. (Bergson apud Halbwachs, 1990, 95-96.

Posição diferente da de Bergson encontra-se em Maurice Halbwaschs que parte do

princípio de que toda lembrança é resultado de vivência social, colocando que tudo o

que foi experimentado no passado, quando vivenciado em grupo, deixa marcas bem

mais fortes. Desse modo, a lembrança não seria algo estável e puro, podendo ser

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resgatada em seu sentimento original, mas seria uma representação construída a

partir dos valores coletivos vigentes no momento da experiência. O resgate dessas

lembranças assume imagens diferentes. Cada vez que solicitado, o indivíduo lembra

estar sempre, através das modificações da vida, recordando-a de forma diferente.

No caso da memória de velhos isso é mais acentuado, pois quanto maior a distância

temporal do fato lembrado, maior a probabilidade de variações no contexto social,

resultando em uma representação mais diversa, pois são os valores do presente que

dão outra perspectiva ao que foi vivido no passado. (Halbwachs apud Bosi, 1994,

64).

Ecléa Bosi (1994), falando de velhos socialmente menos participativos questiona se

nos idosos a percepção teria menos o efeito do presente e mais do passado, efeito

das lembranças, por retratarem momentos de participação, misturados a aspirações

não realizadas. Nesse sentido, as lembranças prestariam o serviço de conservar o

passado na forma que é mais agradável a quem o recorda, e que, por vezes,

comporta-se sem preocupação com a ação. Segundo o pensamento de Willian

Stern, citado por Bosi (1994:68) a pessoa conserva as imagens do passado,

podendo alterá-las conforme as condições concretas de seu desenvolvimento. A

memória poderá ser conservação ou elaboração do passado.

A lembrança é a história da pessoa e seu mundo, enquanto vivenciada. Acredita-se

que as marcas do passado são formadas tanto pela memória individual quanto pelos

valores coletivos. O passado pode ser trabalhado qualitativo e quantitativamente. Ele

pode ocupar quase todo o espaço mental do idoso como acontece com alguns

idosos da pesquisa, que estão na casa geriátrica por abandono e também os idosos

enfermos que preferem viver do passado.

É de suma importância valorizar o registro da memória e a transmissão de

informações e habilidades do idoso aos mais jovens como meio de garantir a

continuidade cultural. Relembrar o passado é uma ocorrência natural da vida de

cada um que parece se acentuar à medida que se envelhece. Com o passar dos

anos, as pessoas vão registrando na memória fatos de toda natureza, o que constitui

um verdadeiro patrimônio de informações e de valores culturais que, se não for

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registrado, será perdido, causando prejuízo às novas gerações (Souza4, 1999, 107-

108)

Compreende-se que as atividades das lembranças forem conduzidas de maneira

adequada, elas podem e devem ser incorporadas à rotina de diferentes

estabelecimentos e resultar de benefícios ao indivíduo e à sociedade. Já existem

projetos que tratam deste assunto em que os idosos levam às escolas o seu

conhecimento cultural, artístico e afetivo e com essa integração a sociedade só tem

a ganhar. Existe um projeto de reminiscência, em 1994, que faz essa integração de

saúde e educação com intensa participação comunitária como comenta Elza Souza

no texto reminiscências – As lembranças como patrimônio social (1999, 108).

Na realidade de Petrolina, precisamente no grupo de terceira idade do PSF José e

Maria, os idosos já se integram com algumas instituições sociais. Como exemplo: na

parte cultural, eles levam às escolas suas danças, seus costumes, sua culinária que

passa de geração em geração.

A seguir, serão comentadas as representações e as formas de solidariedade

tradicionais direcionadas à região e à família em que vivem.

1.4 REPRESENTAÇÃO E SOLIDARIEDADES TRADICIONAIS

Esse estudo parece, portanto, apontar na direção de uma representação social

tradicional, a qual organiza e serve de referência à construção de identidades

diferenciadas entre idosos e idosas. As reflexões desta pesquisa que serão neste

subtítulo esboçadas, permitem extrair implicações no âmbito teórico.

Para Almeida, a idéia de desenvolvimento ao longo da vida, articulada em torno das

noções de maturidade e sabedoria, pressupõe o gosto pelas coisas simples do

cotidiano, o engajamento ativo nos desafios que ainda são possíveis de serem

4 Elza Maria de Souza. Médica especialista em geriatria e gerantologia pela Universidade de Southampton, Inglaterra e mestra em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília e Coordenadora do Programa de atenção integral a saúde do idosos da Fundação Hospitalar do Distrito Federal.

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enfrentados e, por conseqüência, a consideração da plasticidade limitada do ser

humano diante das situações que a vida apresenta. Assim, a recente psicologia e

sociologia do envelhecimento, ao pressupor um equilíbrio entre ganhos e perdas,

quando os objetivos perseguidos ultrapassam os recursos biológicos disponíveis,

deve incorporar o estudo das representações e práticas sociais que a ela se

vinculam, no sentido de compreender, mais amplamente, os processos que podem

limitar ou acelerar o envelhecimento. As representações de gênero, ao definir papéis

e lugares sociais distintos em função do sexo, modulam e flexibilizam as

representações de envelhecimento e aposentadoria – ambas fortemente arraigadas

na tradição e normatizadas por crenças e valores sociais – entre homens e

mulheres. (Almeida, 1999, 130)

Contribuíram para a pesquisa estudos que trabalham com representação social do

idoso, tratando de formas de solidariedade tradicionais, enfocando em particular a

família e a região onde vivem. Temos a contribuição de Almeida (1999), Woortmann

e Woortmann (1999), França (1999), entre outros.

1.4.1 – O idoso no Nordeste Rural Já que o tema central da pesquisa propõe concepções da terceira idade em que

redefinem modelos de conduta, redes de solidariedade e práticas sociais destinadas

ao idoso, faz-se necessário recorrer a referências teóricas existentes, enfocando,

com este tema, a realidade das formas de solidariedade tradicionais e, mais adiante,

as novas formas de solidariedade. A intenção é examinar a condição de velho em

sociedades tradicionais, partindo das experiências de teóricos na área rural, no

Nordeste e também com o grupo estudado, o grupo de terceira idade do PSF José e

Maria e os idosos da Casa Geriátrica – Instituição Asilar de Petrolina. Entre os

idosos em estudo, observa-se que o velho, na maioria dos casos, principalmente

quando tem o poder econômico, é detentor de autoridade na família e na

comunidade em geral.

Para Woortmann e Woortmann (1999, 134) em seu texto sobre velhos camponeses,

no Nordeste, o velho é aquele que já não é capaz de trabalhar na lavoura com a

mesma intensidade que o pai-de-família mais jovem, independentemente da idade

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cronológica. No entanto, aquele mesmo velho pode continuar, “governando” o

trabalho de seus filhos.

Telpicht comenta que a família passaria, então, por um ciclo evolutivo que começaria

com um casal jovem e seus filhos pequenos, isto é, um estágio no qual há mais

unidades de consumo que de produção; chegaria a um estágio de grande

produtividade, em que os pais contam com o trabalho dos filhos já “rapazes”, para

usar a expressão dos sitiantes; finalmente, com o casamento e a saída dos filhos,

chegaria a um estágio final de baixa produtividade e dependência com relação aos

filhos adultos jovens. (Telpicht apud Woortmann e Woortmann, 1999, 135)

Já Galeski (apud Woortmann e Woortman 1999, p. 135) desenvolve o conceito de

workteam5. Este modelo, contudo, possibilita acompanhar a trajetória de participação

de cada membro no workteam familiar. Ver-se-á então que o velho passou por todas

as posições, dentro de sua situação de gênero. Uma vez velho, poderá não mais

realizar o trabalho físico; ou poderá não mais precisar realizá-lo. No entanto, já fez

tudo, passou por todas as modalidades de emprego de força de trabalho e acumulou

experiências e saberes.

Estes teóricos, de uma maneira geral, evidenciam o modo de vida dos idosos em

sociedades tradicionais, envolvendo os idosos do Nordeste. No passado, segundo

relatos, faziam-se presentes tensões em função da “tirania” e de “pais carrascos”, os

filhos e netos muitas vezes levando-os a fugir de casa. Mesmo o pai podia levar ao

extremo sua autoridade, como comenta Woortmann e Woortmann (1997, p. 91). Os

idosos entrevistados dessa pesquisa em relação a esse assunto, são, em geral do

sexo masculino, e atualmente, vivem na zona urbana com comportamentos

tradicionais. Mas novos modelos de velhice estão florescendo, apontando para a

desvalorização do idoso.

5 Worteam significa a família que forma uma unidade de trabalho por complementaridade, levando em consideração as peculiaridades de cada membro – crianças, jovens, adultos e velhos; homens e mulheres. (Woortmann e Woortmann, 1999, p. 135)

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Diante do exposto, em referência a teóricos anteriores, enfocam-se depoimentos de

alguns idosos entrevistados que fazem parte do grupo de terceira idade do José e

Maria, um deles relata:

“Fui até ele (um dos principais fundadores do bairro) porque o povo o considerava

um dos mais antigos do local (bairro José e Maria6), pois tinha chegado quando a

região ainda era habitada somente pelos invasores, da Favela do Papel. Segundo o

pessoal ele havia ajudado muita gente nos anos que precederam o conflito entre os

posseiros e os proprietários dos terrenos, arriscando sua própria segurança para

salvar os invasores da Favela do Papel como era conhecida”. (IDOSO PSF P)

Para os idosos, o principal acontecimento que marcou a memória dos idosos desse

bairro foi a luta entre a comunidade, que lá vivia há algumas gerações e os donos

do terreno, hoje, bairro José e Maria que desejavam desalojá-los. São considerados

velhos fortes aqueles que participaram da luta contra a reintegração de posse, por

vezes arriscando sua vida e assim contribuíram significativamente para a

continuidade da comunidade. Isto se deu no início da década de 20 e 30. Nesta

época, as pessoas entrevistadas não eram idosas.

Ponto de vista dos moradores da comunidade José e Maria onde está presente o

grupo de terceira idade do PSF José e Maria. Enfocando o estilo tradicional. Para

eles quem participou do conflito em defesa da comunidade é forte, mesmo que mais

velho que outros e mesmo com a saúde debilitada. Já aqueles que se omitiram ou

tomaram o partido dos donos dos terrenos são percebidos como fracos. Um caso

significativo relatado por moradores do bairro é o da senhora (IDOSA PDF Q) que,

além de fundadora, “foi uma brava lutadora”. Hoje ela é hanseniana.

Outro idoso da comunidade, o (IDOSO PSF R), cego desde os 25 anos de idade, é

estimado e respeitado pela população. Embora não tenha participado diretamente

do conflito, sempre apoiou a comunidade. É visto como forte, apesar da cegueira e

da idade (embora, em outro registro, seja fraco, porque depende agora do trabalho

6 Bairro localizado na região suburbana de Petrolina-PE, que antigamente era chamada de Favela do Papel, pois eram terras particulares que aos poucos as pessoas foram invadindo e se apossando.

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do filho). O prestígio deles não nasceu de uma hora para outra e está ligado à

história da comunidade, estória de luta.

O (IDOSO PSF S) é conhecido como o “Velho Chico”. Ali o termo “velho” é um título,

apenas indiretamente relacionado à idade. É o caso de um senhor que, além de ter

lutado pela manutenção das terras da comunidade, que hoje é o bairro José e Maria,

foi também acumulando o saber que o tornou um curador poderoso, conhecedor da

força das plantas

O (IDOSO PSF T), ao contrário de seu irmão, cronologicamente mais velho, continua

sendo chamado apenas pelo prenome e é um personagem secundário para a

comunidade. Já seu irmão, aquele curador, merece o título de “velho”, como forma

de reconhecimento público. Sentado em sua cadeira, à sombra da árvore de nome

Ficus na calçada, tendo em volta crianças e adultos sentados no chão, ele ensina

aos mais jovens, distribui conselhos, administra poções e “garrafadas”. É a ele, e

não a outros cronologicamente mais idosos, que todos na comunidade pedem a

bênção. Já no mundo suburbano, contudo, o velho encarna a continuidade da

comunidade, à medida em que transmite normas, saberes e valores aos Jovens. Ao

contrário dessas experiências acima relatadas no mundo urbano individualista,

pessoas idosas não possuem status elevado. São tratadas como irrelevantes pela

sociedade. A condição de velho, portanto, não é dada simplesmente pela idade e a

categoria “velho” não existe em si, no contexto social, cultural e histórico com a

mesma idade, mas são igualmente velhos; tudo depende da história de vida de cada

um. (Woortmann e Woortmann, 1999, 140)

Na família suburbana da Região Nordeste, como é o caso dos idosos dos grupos de

3ª idade do PSF do bairro José e Maria, funções distintas são ligadas a idades

distintas. O conhecimento é passado pela gradativa iniciação dos mais jovens ao

saber necessário ao trabalho agrícola e esse processo envolve a inculcação de

normas específicas, valores morais e hábitos. O conteúdo de tal conhecimento é a

experiência acumulada de gerações passadas. Embora possam existir tensões,

como já foram das registradas antes, o velho é o guardião da memória e da tradição,

do saber acumulado, da identidade do grupo.

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1.4.2 Família e Velhice

A família é responsável pela educação na fase mais sensível e vulnerável da

evolução humana. A saúde de uma sociedade depende da estrutura das famílias

que a engendram. Os que condenam a família como instituição autocrática, a

definem como uma escola de submissão, obediência a resignação, que acarreta no

futuro cidadão uma necessidade de poder acrítico e resignação, que acarreta no

futuro cidadão uma necessidade de poder acrítico e ideal venerável e imitável. A

relação do jovem com a família é um misto de sentimento profundo e necessidade

de liberação. Porém, generalizar em conceito e características é um erro

considerável, pois as exceções existem em todas as regras. Mas não se pode

desconsiderar a importância primária da família e, se quiser zelar pelo bem-estar da

nação, com a formação de líderes que despontem de uma juventude sadia, deve-se

obrigatoriamente preocupar-se com a responsabilidade individual e coletiva na

formação familiar. O planejamento familiar não deve ser somente artifício para o

controle de natalidade, mas, sim, uma disposição de toda uma sociedade no sentido

de aperfeiçoar a sua prole.

As críticas à família não são destituídas de razão, porém, condená-la e estimular a

sua desagregação, transferindo suas prerrogativas para qualquer outra instituição, é

um erro crasso. A família é insubstituível na formação do caráter humano. Os

desacertos são produtos da inerência contraditória do ser humano, que se acredita

estar em fase de superação com o desenvolvimento da consciência individual de

que tudo pode dar certo, desde que se estejam dispostos a prevenir-se contra toda

malevolência. Além dessa mudança individual, conta-se com o auxílio das

observações das ciências humanas que podem orienta-se sobre os dispositivos da

mente humana, facilitando na decisão de como conduzirem-se as relações

familiares.

A família é a célula mater da sociedade. No entanto, o momento é de renovação. A rebeldia dos jovens não pode ser vista de maneira pessimista. Todo problema visível é mais fácil de resolver. A estrutura familiar antiga oprimia e restringia muito a liberdade individual de seus membros.

(Moraes, 2004, p. 1)

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Devido ao caráter distinto desse nosso momento transitório, acredita-se e ajuda-se a

construir a emergente sociedade baseada na estabilidade familiar, na

cooperatividade e na freqüência da participação da juventude, que vai constituir-se

nos idosos do amanhã e que apoiem os idosos atuais.

Por ser a família uma instituição de base de cada indivíduo tem-se a oportunidade

de enfocar com este tema como esta instituição utiliza maneiras tradicionais de

proceder, como os velhos na expectativa desta pesquisa contribui com a construção

da cidadania do idoso.

A família não é apenas um empreendimento econômico. Ao longo de sua história de

vida, o pai-de-família acumula pelo saber-fazer7, um patrimônio de conhecimento

relativo à natureza (solos, plantas, animais) e a relações sociais (práticas e

estratégias de comercialização, por exemplo), assim como um capital social, dado

por relações de parentesco e compadrio, ou por relações de patronagem ou

políticas, fundamentais para a reprodução social da família e da comunidade como

um todo. Entre os idosos nordestinos, principalmente os idosos desta pesquisa os

que integram o grupo de terceira idade do PSF José e Maria e os que moram na

casa geriátrica vêm de uma sociedade patriarcal, onde o pai é o dono do saber.

Percebe-se que é pela acumulação e renovação desse saber que alguém se torna

pai-de-família ou mãe-de-família8. De um lado, é pai-de-família em sentido pleno

aquele que soube transmitir ao filho o saber da lavoura e da criação de gado. É

mãe-de-família aquela que transmitiu à filha os saberes relativos ao espaço da casa,

que fez dela uma nova dona-de-casa. Esses saberes são adquiridos por transmissão

e pelo fazer. (Woortmann e Woortmann, 1999, 135).

De uma forma geral, as famílias dos idosos do alto sertão nordestino, precisamente

do grupo terceira idade do PSF do José e Maria, embora de maneira superficial

demonstra um comportamento patriarcal, na figura do pai, seu chefe de família.

7 Há saberes que são independentes das ciências (que não são) nem seu esboço histórico, nem o avesso vivido); mas não há saber sem uma prática discursiva definida, e toda prática discursiva pode definir-se pelo saber que ela forma. (Foucault, p. 2002, p. 207) 8 O primeiro governa o espaço do roçado; o segundo é o agente de saúde do grupo doméstico e, nessa qualidade, detentor do saber relativo à comida adequada e ao tratamento de enfermidades. Esses saberes são adquiridos por transmissão e pelo fazer. (Woortmann e Woortmann, 1999, p. 135)

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Constata-se que a forma de organização familiar tradicional ainda prevalece na

região. Não é à toa que a reputação de boa parteira9, por exemplo, é reservada a

mulheres já de meia idade, ou velhas, que tiveram elas mesmas muitos filhos e

souberam cuidar de sua saúde, além de terem aprendido com outra parteira mais

velha. Não é de estranhar, pois, que enfermeiras ainda jovens e solteiras, que nunca

tiveram filhos, não sejam bem aceitas em seu aconselhamento para com mulheres

do campo, como se pode observar com relação às famílias dos idosos. Aquelas

enfermeiras não possuíam a legitimidade da experiência pessoal na transmissão do

saber. Neste caso específico, seu próprio corpo não experienciou o parto. Falta-lhes,

aos olhos da comunidade, a experiência que vem com os anos de fazer. (Ibid, 136)

De acordo com relatos de alguns idosos do grupo terceira idade do PSF José e

Maria, a certa altura do ciclo de vida, o pai já não terá o vigor físico necessário para

o trabalho na roça. Sob esse ponto de vista está velho, mas, como já foi abordado

anteriormente, ele continua com o governo da atividade agrícola, mesmo não

morando mais na zona rural, decidindo o que, como, onde e quando plantar. Os

filhos rapazes, e mesmo homens casados, já iniciaram suas migrações temporárias

para outras regiões do País, ou outros municípios equidistantes, ou até mesmo

continuam cuidando do roçado do pai, embora tenham seu pedaço de chão, como

relatam o idoso M e o idoso S

“Meu fio, que cuida da roça já não tenho mais força... mas sempre ele vem prestar

conta comigo e aprender mais um pouquinho” (IDOSO PSF M)

“Um dos meus fios, tá no sul, o outro cuida no meu lugar do roçado e assim, eles

tocam a vida, embora cada um tem seu sustento próprio...” (IDOSO PSF S)

Na verdade, essas migrações são parte do processo que, entre os nordestinos,

transformam o rapaz em homem. Viajando para outros lugares, aprendem novas

técnicas ou conhecem novas variedades de cultivares desconhecidos por seus pais.

Contudo, como o velho é o detentor social do saber, a inovação poderia contrariar

sua autoridade. Não é isso, porém, que acontece, pois a inovação é como que

filtrada pelo modelo de saber tradicional, como que traduzida para a cultura

9 Pessoas que fazem parto em mulheres nas suas próprias casas, na qualidade de obstetras só pelo conhecimento empírico.

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tradicional, conforme foi examinado em estudo no texto Velhos Camponeses da

autoria de Woortmann. Além disso, a inovação é experimentada numa área

reservada da Roça10. Se der certo – e se for aprovada pelo pai – poderá ser

integrada às práticas agrícolas do grupo doméstico. Assim, neste caso a novidade

não solapa a hierarquia familiar; pelo contrário, reforça-a (Woortmann e Woortmann,

1999, 136).

Esse comportamento é comum nas famílias tradicionais do Nordeste Brasileiro, pois

de acordo com os valores dos idosos, para eles cada um deve ter seu sustento,

embora atualmente isso não vem acontecendo com freqüência pelas famílias,

acredita-se que seja pelas dificuldades da vida econômica, conforme já mostrado

anteriormente por Woortmann (1999).

Ainda nessa direção pode-se citar França ao abordar, a situação do velho, nas áreas

rurais desde algumas décadas atrás, afetada por uma inovação trazida pelo Estado:

a aposentadoria rural, mais conhecida por FUNRURAL11 (este assunto se encontra

mais adiante). Importância pequena, para padrões urbanos, mas uma renda fixa e

segura recebida pelos “velhos”, suficiente para manter as relações hierárquicas da

família. Nos denominados “tempos de chuva” no sertão, em que a subsistência

básica da família é obtida pelo trabalho no roçado e por uma eventual criação de

animais, essa renda supre a família com outros bens, tais como remédios, roupas,

instrumentos de trabalho, uma bicicleta, etc (França, 1999, 26) .

Diante da insegurança financeira, muitos dos idosos precisam continuar a trabalhar

para manter o padrão de vida que tinham ou mesmo sobreviver com o mínimo de

dignidade. Já nos tempos das recorrentes secas do Nordeste, o dinheiro de um

aposentado ou aposentada pode ser capaz de garantir a sobrevivência de toda a

família. Então aquele definido cronologicamente como “velho”, torna-se para efeito

de aposentadoria, “arrimo de família12”. De fato, há idosos que ainda trabalhavam

aos setenta ou oitenta anos de idade. Observando-se os idosos, aqueles dos grupos

de terceira idade do José e Maria e da casa geriátrica, constatam-se ainda que

10 Na região do Vale do São Francisco os sítios recebem o nome de “roça” 11 FUNRURAL – Fundo de Aposentados Rurais 12 Esteio da família, quem sustenta a família (conforme entrevista da Revista Veja)

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vários dos idosos têm condições para o trabalho. (Grecco, abr. 2002, p. 68) Sheila

Revista VEJA, 3 de Abril 2002, p. 68, ed. Abril)

Numa época de desemprego e recessão, o idoso aposentado passa, na maioria das

vezes, a garantir o sustento de toda família, reproduzir melhor o patriarcalismo. A

aposentadoria rural abriu novas dimensões na vida dos velhos, dimensões essas

que reforçam sua autonomia, afastando o fantasma da dependência para com os

filhos. Algumas falas dos idosos entrevistados do grupo de terceira idade do PSF do

José e Maria e da Casa Geriátrica, reforçam a temática em questão, de que o velho,

agora, se doente, pode comprar seus medicamentos. Como disse um idoso

aposentado:

“Graças a Deus, posso ficar doente; Já tenho garantido da farmácia”. (IDOSO PSF

M)

Se a preocupação do velho aposentado se centra em saúde, a de sua esposa

aponta para a melhoria da qualidade de vida da família como um todo:

“Está certo, eu não posso mais trabalhar (na roça) como antigamente. Mas pode

escrever aí, sou eu quem compra tecidos, os sapatos, para um e para outro, uma

panela, o uma TV; cada vez que busco o dinheiro da aposentadoria (no centro) trago

sempre alguma coisinha”. (IDOSA PSF N)

Recentemente, esta senhora (IDOSO N) que faz parte do grupo de terceira idade do

José e Maria “abriu uma poupança”, fato inédito na família. Confidencialmente, disse

que tal poupança deveria assegurar que tanto ela quanto “seu velho” tivessem “um

enterro direito”, sem comprometer o orçamento da família do filho. Até na morte

queria ser independente.

Para a maioria dos idosos, é com o dinheiro da aposentadoria que o velho

proporciona maior conforto para a família, com a compra de um aparelho de

televisão, uma máquina de lavar roupa, um freezer; etc. – nunca, porém, à

prestação; acumula-se o dinheiro até atingir o montante necessário.

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Comentam Woortmann e Woortmann que, dificuldades sérias podem surgir quando

os velhos perdem o controle sobre esses recursos. Sem condições de saúde para

receberem eles mesmos o dinheiro da aposentadoria, são obrigados a delegar esse

recebimento a algum filho. Podem surgir, então, suspeitas de que o dinheiro seja

utilizado pelo filho para fins não autorizados pelo velho, de que “não dá pra nada”. É

o medo da perda de autonomia. Esse medo da perda de autonomia é pavoroso para

eles, como muitos idosos do grupo PSF José e Maria comentam.

De certa forma França abordou esta questão ao enfatizar a questão da

aposentadoria rural e as relações hierárquicas. Como também a seguir Bourdieu

(1986) que trata da herança e dos hábitos das famílias tradicionais.

A maioria dos habitantes do Vale do São Francisco, (precisamente o grupo terceira

idade do PSF José e Maria) são oriundos da região das roças. Na medida em que

vieram para a cidade trouxeram seus parentes e agregados onde prevalece a

família nuclear como unidade doméstica, a tradição é a da família número. O grupo

doméstico – a “casa tronco” – é construído pela chamada “família tronco”, associada

ao padrão de herança. Tem-se, então, que, além dos pais, moram na casa também

alguns dos filhos, e, freqüentemente, um filho ou filha solteiros, netos, etc. Eles se

instalam na zona urbana para ter um apoio médico, educacional melhor.

Conforme pesquisa de campo, entre tais idosos, é comum a existência de

celibatários, como também ocorria entre camponeses da França (Bourdieu, apud

Woortmann e Woortmann, 1999, 138). É o que Bourdieu (1980) chama de

“menoridade adulta13”. Por mais velho que o celibatário seja, permanece na

condição de “criança”. Entre aqueles idosos, ele é chamado de “rapaz velho”. Uma

celibatária seria uma “moça velha”. O herdeiro, por seu lado, só assume o governo

da “casa tronco” com a morte de seu pai ou com a decisão deste de lhe transferir o

governo.

Não bastasse semelhante situação, há a violência presente nas relações dos idosos

com seus parentes. Comenta Zimerman que existem várias formas de violência

13 Expressão dada por BORDIEU para expressar rapaz velho, moça velha (2001

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praticadas contra o velho por sua família. Entre elas cabe destacar a falta de

comunicação, o abandono e a superproteção, impedindo de fazer coisas, para as

quais ele tem condições plenas, a desqualificação de sua personalidade e

experiência, a infantilização do velho, tratando-o como se fosse um bebê e a

negação de um espaço físico onde ele possa sentir-se seguro. Um outro tipo de

violência comum por parte de muitas famílias é a interdição do velho, alegando sua

incapacidade para administrar seus bens. Não é raro, inclusive, que essas famílias

me procurem, não com intuito de proporcionar ao pai, à mãe e ao avô num

tratamento capaz de melhorar sua qualidade de vida, mas sim pretendendo receber

a confirmação do que o velho deve ser interditado. (Zimerman, 2000, 46). Em

Petrolina, precisamente na Casa Geriátrica onde os idosos que lá se encontram são

deixados pela família, às vezes, interditado e suas pensões os sustentam nesta

instituição asilar. O depoimento a seguir, reafirma:

“Minha família me deixou aqui, fui interditado no juiz e recebo pensão. É ela a

pensão que paga minha morada” (IDOSO Casa Geriátrica V)

A velhice deve ser vista como a questão social; assim, os grupos do velho adquirem a importância vital na promoção e na reconstrução de sua identidade e nos resgate do vínculo com os familiares e das capacidades existentes dentro deles, mas adormecidas. (Zimerman, 2000, 49)

Pelos estudos de Woortmann e Woortmann (1999, p. 138) diga-se de passagem, às

vezes, a própria sociedade em que vivem, pode pressionar moralmente o velho pai a

realidade tal transferência. Há, pois, segundo eles, diferenças significativas entre os

idosos nordestinos e os colonos sulistas; são valores e tradições distintos. De

qualquer maneira, cabe ao herdeiro cuidar dos pais idosos até a morte destes; é a

ele, mais que aos demais filhos, que deve cumprir o mandamento bíblico “honrarás

teu pai e tua mãe para que se prolonguem e prosperem seus dias na terra” (Êxôdo,

20;1-21), embora na realidade isto nem sempre acontece.

Esse assunto sobre novas formas de solidariedade vai ser vista mais adiante. Um

fato importante é que a família de hoje não é a mesma de ontem e as fotografias

literalmente retratam essa mudança. Ao se olhar foto de família de 50 anos atrás

poder-se-ao observar as expressões sérias e rígidas, a formalidade no

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posicionamento, deixando perceber claramente quem são os pais e os filhos. Já uma

fotografia atual mostra o aumento da descontração e da informalidade, com as

pessoas rindo, em atitudes informais e carinhosas umas com as outras e

posicionadas de maneira que às vezes é difícil definir quem é quem com um simples

olhar.

Após tais considerações, serão à apresentados de alguns estudos realizados sobre

a velhice nos dias atuais. Também será dada a oportunidade, a partir de trabalhos

apresentados, de chegar à delimitação objetiva do objeto de estudo, indicando

características e elementos que ficaram de fora, dos aportes teóricos referidos

acima. Ao mesmo tempo em que se apresentam as teorias das representações

sociais, seguir-se-á uma apresentação interpretativa inspirada nos elementos

teóricos da velhice nos dias atuais.

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CAPÍTULO II

A VELHICE NOS DIAS ATUAIS

Dentre as várias tendências de evolução da estrutura social que se vêm acentuando

nos últimos anos, merece reflexão o envelhecimento da população como também a

perspectiva de vida dos idosos, condições de vida e saúde, depoimentos pessoais

dos idosos e dos que o cercam (que fazem parte do campo da pesquisa) e os mitos

que serão expostos no decorrer deste capítulo com a colaboração de autores

reconhecidos sobre o assunto em questão como Bento (1999), Mota (1996), Almeida

(1999), Veras (1999), Guerreiro e Rodrigues (1996), Kastenbaum (1979) entre

outros.

Justifica-se este capítulo por procurar abordar temas visando a um melhor

relacionamento social entre as gerações, em que se redefinem modelos de conduta,

redes de solidariedade e práticas sociais destinadas ao idoso.

2.1 PERSPECTIVA DE VIDA DOS IDOSOS

A perspectiva de vida dos idosos vem-se acentuando, em ritmo acelerado, como

decorrência dos índices de natalidade que não páram de decrescer. A longevidade

não cessa de aumentar a par do encolhimento da taxa de mortalidade. Isso resulta

da melhoria da qualidade de vida, avanço da medicina, novas tecnologias, entre

outros fatores que possibilitam aumentar a expectativa de vida das pessoas.

Segundo a previsão das Organizações das Nações Unidas (ONU)14, em 2050, os

sexagenários vão ultrapassar os jovens com menos de 15 anos, o número de

centenários será dezesseis vezes maior do que atualmente e a população, com mais

de oitenta anos, vai se multiplicar por seis. Ressalta-se que, no ano 2000, o número

de idosos já ultrapassava o de jovens nos países desenvolvidos. Em 2050, este fato

será constatado em todo o mundo, implicando essa trajetória em múltiplas

conseqüências, uma vez que se prevê para os próximos 25 anos um crescimento da

população mundial, com mais de sessenta anos, na ordem dos 88% contra um

14 Bento, 1999, p. 15 Dados colhidos pela US Departament of. Health and Human Services – no texto sobre o século do idoso.

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aumento de apenas 45% dos indivíduos em idade de trabalho, com base em

estudos feitos pela Us Departamente of Health and Human Services (Bento, 1999-

15)

Em números redondos, nos países desenvolvidos, entre 1950 e 2050, o número de

jovens baixa de 219 milhões (27% da população) para 173 milhões (15% da

população); o número de idosos sobe de 97 milhões (12%) para 375 milhões

(32,5%). No concernente aos países em desenvolvimento, como no Brasil, no

mesmo período, o número de jovens sobe de 650 milhões para 1,5 bilhão, mas vê

baixar a sua percentagem em relação à população total, de 38% para 20%, por força

da subida dos idosos, quer em termos numéricos, quer em percentuais de 110

milhões (6,4%) para 1,6 bilhão (26%). (Ibid., p. 15)

Segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – 2000,

nos últimos 10 anos, a população brasileira com sessenta e cinco anos ou mais

atingiu 7 milhões de pessoas. Conforme projeções, até o ano de 2025 o número de

idosos com 60 anos ou mais chegará a 32 milhões. Já a população idosa no

Município de Petrolina, segundo dados colhidos pela SEPRODES, (Secretaria de

Projetos e Desenvolvimento Social do Município de Petrolina-PE - 2002) alcança o

patamar de 13.000 pessoas, correspondendo a 6% da sua população, distribuídas

nas diversas camadas sociais.

Assim, faz-se fé nos indicadores existentes e nas previsões de políticos e de

especialistas na matéria. Tudo aponta para esta alteração da estrutura etária da

população, emergente nas últimas décadas, continuar a acentuar-se no futuro.

Desse modo, a pirâmide populacional tende a inverter-se, a ponto de o próximo

século poder ser considerado, com inteira propriedade, como o século do idoso.

(Bento, 1999, 15)

Mediante esta realidade, muitas perguntas podem ser lançadas para uma infindável

discussão.

1º) Que transformações advirão para a sociedade, provocadas por uma alteração

tão profunda e radical da sua estrutura tradicional?

2º) Estará a sociedade preparada para uma situação absolutamente nova?

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3º) Será capaz e terá sensibilidade bastante para a necessidade de reorganizar-se,

como uma sociedade para todas as idades?

4º) Quais são as medidas e modificações que urgem operar nos modos de

considerar o idoso e o seu estatuto de uma certa marginalidade e exclusão?

5º) Deixará o idoso de ser visto como um manifesto ônus para a sociedade?

Com a contribuição de Bento, estas respostas não podem ser dadas sem ser

desenhado o figurino da realidade de vida dos idosos – como foi visto no capítulo

anterior e no pressuposto de não se contentar com uma situação de exterioridade ou

de insensibilidade e neutralidade em relação ao re-exame dos princípios e direitos

fundamentais. Realmente, detendo-se na maneira como os idosos preenchem seu

dia-a-dia, depara-se, em regra, com dois grupos:

O primeiro, congrega adultos relativamente jovens ou novos que, graças à sua boa

situação no tocante à saúde e finanças, apresentam melhor mobilidade e

disponibilidade empreendedora. Por isso, fazem viagens e excursões, praticam

desporto, dançam e freqüentam cursos da mais variada tipologia em universidades e

escolas superiores. Constituem até uma razoável bolsa de procura das

universidades, suscetível de estimulá-las a uma oferta acrescida de cursos

conferentes ou não de grau acadêmico; (não é o caso dos idosos do campo de

estudo, só alguns viajam, mas um número muito limitado pelo poder aquisitivo

baixo).

O segundo grupo referencia pessoas que vivem no limiar da pobreza, abandonadas

à sua sorte, minadas pelas mais variadas doenças e desprovidas de capacidade

para o exercício das funções mais elementares. São vistas como um fardo

dispensável e, por isso mesmo são encaminhados para casas de terceira idade.

Como exemplo: casa geriátrica, ou vivem em bairros suburbanos ou pequenas

granjas conhecidas por roças. (Bento, 1999,17)

Nesta perspectiva, envelhecer atualmente é um processo natural que envolve

perdas, mas também importantes aquisições. Enquanto até há três ou quatro

décadas os indivíduos com cinqüenta, e mesmo com quarenta anos, já eram vistos

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como velhos. Hoje, essa classificação se aplica apenas – e, com reservas – para

além dos sessenta anos, ou seja, registra-se uma evolução dos conceitos,

justificando que se pergunte:

São realmente “velhos” os idosos? A partir de quando é que uma pessoa deixa de

ser um adulto ativo e passa a ser um ancião?

Para Bento, estas respostas não podem ignorar que o terceiro e último período da

vida não são usufruidos com elevada cotação, mesmo quando se expressa numa

multidão de eufemismos15 e paliativos, apostados em procurar encobrir a idade e em

ignorar ou adoçar o desenlace final. Acredita que seja uma tarefa que deve ser

encarada com toda a frontalidade pela gerontologia16. Para ele, isso terá várias

conseqüências. Desde logo, a própria imagem da idade tenderá a libertar-se do

estereótipo de “velho, coitado, pobre e doente”. O velho reassume a conotação de

sábio e a função de referência, podendo concluir-se que o século dos idosos poderá

ser concomitantemente designado como o século da sabedoria da vida. Por outro

lado, esse grupo será cada vez mais exigente para com a sociedade e os poderes

instituídos. Por fim, ainda será maior o seu peso na condução dos destinos da

sociedade, em contraste com a exclusão e marginalização, nomeadamente no

tocante à perda de emprego, de que hoje são vítimas indivíduos em idades

francamente baixas. (Bento, 1999, 18)

A população brasileira está ficando cada vez mais velha, trazendo uma profunda

alteração na estrutura tradicional da sociedade, ou seja, o perfil do velho

antigamente não é o perfil do velho atualmente. Esta evolução da estrutura da

população, compreende-se como mudança da qualidade de vida. Esta evolução vem

acontecendo gradativamente para que a sociedade esteja preparada para essa

mudança, que coloca a sociedade e suas instituições a se sentirem na obrigação de

se abrirem à prestação de novos serviços e se redefinirem e atualizarem para, com

isso, se tornarem uma sociedade para todas as idades, ou seja, ter sensibilidade

15 Expressão atenuadora ou indireta da idéia desagradável, grosseira ou indecente (Minidicionário Lufty, São Paulo, Scipione, 1995. 16 Área do conhecimento científico voltado para o estudo do envelhecimento em sua perspectiva mais ampla para não somente os aspectos clínicos e biológicos, mas também as condições psicológicas, sociais, econômicas e históricas.

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bastante para se reorganizar mediante a realidade do novo modelo e parâmetros de

velhice. Não se pode deixar de ignorar uma sociedade que se diz democrática e

defensora da dignidade humana, se detectam seus idosos em situações de

marginalidade e exclusão. Mesmo com o Estatuto do Idoso ainda há muito a

melhorar e ser cumprido. Acredita-se que em um tempo bem próximo, o idoso

deixará de ser visto como um ônus para a sociedade.

Passo seguinte é discutir das condições de vida da terceira idade, tecendo

comentários sobre algumas evidências pertinentes à velhice e categorias de análise

extraídas de alguns depoimentos.

2.2 CONDIÇÕES DE VIDA

Tratar de condições de vida, pensa-se logo em saúde, embora não se limite só a

isso. Procurou-se caracterizar os idosos a partir de depoimentos dos mesmos, com

ênfase às evidências e características da velhice.

2.2.1 Algumas evidências sobre a velhice

Silva, (2002, p. 24), considera que refletir sobre a questão do envelhecimento social

é fundamental, pois ele representa o descortinar de toda uma história de vida,

permeando as variadas fases do indivíduo. Essa fase poderá retratar os frutos das

ações que foram semeadas durante sua juventude e esses poderão apresentar-se

alheios à vontade dos idosos, associando-se às degenerescências física, mental, à

presença de patologias e vários outros fatores que tornam o envelhecimento como

um fato desagradável. Sabe-se que, no processo de envelhecimento, alguns fatores

sinalizam a representação da velhice, não só pelo idoso, mas por toda a sociedade.

Por isso, no decorrer deste capítulo serão abordados quatro fatores relacionados às

condições da terceira idade: perda do poder de decisão, degenerescência física, o

distanciamento social e a viuvez, conforme revelam os entrevistados.

A perda do poder de decisão é um dos fatores relacionados à velhice. Este episódio

se dá por inúmeros fatores relacionados, como a questão financeira, a própria

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degenerescência física, mental e até emocional, como exemplo da perda de poder

de decisão por questão financeira.

“Graças a Deus, se não recebesse aposentadoria, já tinha era morrido, às vezes

falta ajuda...” (IDOSA Casa Geriátrica A).

Já com a presente diminuição da valorização do idoso, ele passa a apresentar-se

menos ocupado em seu presente e o seu passado recebe uma valorização

exorbitante. A degenerescência física exerce uma influência valiosa na participação

do indivíduo adulto na sociedade, principalmente quando associada às patologias da

perda de visão e audição, como exemplo da degenerescência física.

“Tem uma parte da velhice que é bom e outra ruim, a ruim é as saudades dos que já

se foram e as doenças que aparecem, não escuto nem enxergo como antigamente”.

(IDOSA Casa Geriátrica A)

O declínio da memória é outro fato presente, em que o idoso valoriza a lembrança

do passado, tornando-se, então, repetitivo e com dificuldade de participar dos

assuntos atuais que envolvem o ciclo familiar e a própria sociedade, ocasionando,

possivelmente, um conflito geracional da degenerescência mental.

“... sinto muita falta dos parentes que já se foram, a saudade é uma coisa ruim..., me

conformo..., foi uma morte dada por Deus...” (IDOSA Casa Geriátrica B).

O distanciamento social inicia-se com a diminuição do contato com familiares,

principalmente com o crescimento dos filhos. Estes começam a percorrer seus

próprios caminhos, passam menos tempo com seus familiares e ocasionam um

afastamento de gerações (Motta, 1996, p. 26). Esse distanciamento é a diferença de

classe social, muitas vezes alcançada pelos filhos, levando-os a freqüentar grupos

sociais nunca freqüentados pelos pais, ocasionando uma alteração no estilo de vida,

a exemplo do distanciamento social dado pela diferença de classe social.

“... Moro só, durmo só, os meus filhos já têm a vida deles, estão em outro mundo”.

(IDOSA PSF C).

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Um outro fator bastante interessante é a viuvez, que não deixa de ser um

afastamento de uma pessoa muito próxima. Essa realidade/experiência passa a ter

um significado maior, até por conta do afastamento dos demais familiares,

principalmente dos filhos. Desta forma, evidencia os sentimentos de desânimo,

tristeza ou até depressão, como o fator viuvez de tristeza17.

“Tive filhos... fiquei viúva, me sinto só...” (IDOSA Casa Geriátrica A)

A viuvez pode levar a resultados positivos, pois muitos indivíduos começaram a viver

após a morte de seus companheiros, como fator de viuvez de alegria18.

“Criei os filhos... fiquei viúva e agora é que ando mesmo... (IDOSA PSF D)

Diante de todas as conseqüências retratadas pelo processo de envelhecimento

somado às atitudes representativas da sociedade, obteve-se um resultado de

modificação na própria história da humanidade. Serão discutidas, agora algumas

categorias de análise de acordo com entrevistas realizadas com os idosos.

2.2.2 Algumas categorias de análise Nesta pesquisa, contou-se com a participação de 19 idosos com idade

compreendida entre 60 a 93, anos dentre 07 homens e 12 mulheres, do grupo de

terceira idade do José e Maria e da Casa Geriátrica, apresentam dificitário nível de

escolaridade, pois a maioria é de baixa renda; quanto ao estado civil, perceberam-se

04 casados, 09 viúvos e 06 solteiros. A maioria dos participantes são aposentados

os demais pensionistas. O padrão de relação interpessoal e familiar é relativamente

bom. A maioria convive com a família e quanto à questão religiosa optaram pela

religião católica.

Através dos depoimentos foi possível, nesta pesquisa, trabalhar com 04 categorias

de análise:

17 Viuvez de Tristeza Termo empregado para designar aos viúvos que não se conformam com a perda do ente querido, estão sempre tristes. 18 Viuvez de Alegria Termo empregado para designar aos viúvos que se conformam com a perda do seu ente querido.

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Categoria 1: O envelhecimento determinado por perda do poder de decisão A sociedade passa a ver o idoso como uma criança, assim este perde a sua

autonomia e sua independência. Geralmente, esta perda é suscitada pela

decadência do idoso ou pela presença de degenerescência física, mental e/ou

emocional, resultando na inversão de papéis sociais: quem cuidava passa a ser

cuidado, exemplo do poder de decisão.

“... fui fazer um crédito, não podia abrir a não ser que uma pessoa mais nova fosse

assinar. Isto é velhice”. (IDOSA Casa Geriátrica E)

Para Peixoto, nenhum indivíduo gostaria de abrir caminhos para ser considerado um

ser decadente, “incapacitado para o trabalho”, passando a pertencer à categorização

emblemática dos indivíduos idosos e pobres. (1977, p. 72) Os idosos se sentem

excluídos, exemplo da perda de poder de decisão.

“... eu queria viver a vida conforme era antigamente, mas acho que não vai dar

mais...” (IDOSA Casa Geriátrica F)

Desta forma, com a diminuição da valorização do indivíduo, esse passa a

desenvolver menos atividades, apresentando-se menos ocupado em seu presente,

portanto o seu passado recebe uma valorização exorbitante, ou seja, vão reviver a

memória.

Categoria 2: O envelhecimento representado pela degenerescência A velhice pode ser compreendida como o resultado de um processo que começa na

vida embrionária, apresentando modificações mediante a influência de vários

fatores, como: biológico, ambiental e do estilo de vida. (Duarte, 1998, 20).Vejam-se

os depoimentos dos entrevistados.

“... eu acho que o envelhecimento é da vida mesmo. Tem gente que vai mais longe,

mas também se cuida melhor” (IDOSA Casa Geriátrica G)

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“... meu corpo não é mais o mesmo, minha pele está seca, meu braço mole... Não

responde mais como antigamente...” (IDOSA Casa Geriátrica F).

“... a gente vai perdendo as feições, fica tudo irrugado”. (IDOSA Casa Geriátrica H)

Para Duarte (1998, p. 19), o pensar na própria velhice não é uma prática comum.

Portanto, deduz-se que quando não há uma disponibilidade para reflexão acerca do

envelhecimento, a aceitabilidade deste se torna um tanto quanto complicada. E ao

não aceitar esta etapa, apresenta dificuldade de vivenciá-la bem.

Esta fala nos leva a refletir acerca da consciência que os idosos têm de envelhecer,

mas deseja continuar bem, bonito, permanecendo com vitalidade. Segundo Mota, o

envelhecimento não é visto como um processo de adoecimento. Na medida em que

se envelhece, espera-se experimentar mudanças normais associadas à idade.

(1996, p. 110) Vejam-se os novos depoimentos sobre a degenerescência:

“A idade chegou, comecei a perceber o cabelo branco, o modo de andar; dor no

corpo...” (IDOSA Casa Geriátrica I)

“Eu não acho o envelhecimento muito bom não, porque eu vejo muita dificuldade, eu

tenho problema de visão, já operei uma vista e não deu certo... transar tá parado”.

(IDOSA Casa Geriátrica G)

Enfim, a aglomeração de degenerescência, somada às patologias, geram um

drástico desengajamento social, que por si só contribuirá para o aumento das

complicações de velhice.

Categoria 3: O envelhecimento representado pelo desengajamento social

Para alguns e para os próprios idosos, a terceira idade é vista como uma etapa por

seres problemáticos, incapacitados, desvalorizados, apesar de contemplar o

envelhecimento como um processo normal. Assim, identificou-se que o idoso traduz

o que, de forma sutil, a sociedade faz incorporar: a exclusão social. Como exemplo

de desengajamento social, podem mencionar o seguinte relato:

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“... me sinto como um atrapalha, porque assim perturbo a minha família”. (IDOSA

Casa Geriátrica J)

Um fator de relevante aspecto social evidenciado pelos sujeitos dessa pesquisa foi a

aposentadoria. Como exemplos do desengajamento social pode-se citar:

“... eu me aposentei com 62 anos por tempo de serviço. Depois que se aposenta não

fica mais a mesma coisa, se perde muita coisa”. (IDOSA Casa Geriátrica G)

“... eu sinto falta da convivência dos amigos do trabalho e é uma perda muito

grande...” (IDOSA Casa Geriátrica K)

Para Adler a aposentadoria pode ser vivida como assustadora ou como início de

uma nova fase. Assustadora na medida em que vislumbra a inutilidade, o

isolamento, a depressão e proximidade da morte. Já como a possibilidade de uma

nova vida, por permitir a realização de projetos adiados, prazeres não vividos e de

novas trocas afetivas. (1999, p. 43)

No discurso a seguir, percebe-se o envelhecimento como exemplo do

desengajamento social.

“... a pior coisa do mundo. O envelhecimento pra mim é uma tristeza”. (IDOSA Casa

Geriátrica K)

“Tem coisa que a gente quer fazer e não pode porque em primeiro lugar a gente que

é velha é discriminada”. (IDOSA CASA GERIÁTRICA E)

Nessa perspectiva, a velhice é instituída por um sistema que revoga os direitos do

indivíduo após certa idade.

Categoria 4: O Envelhecimento Representado pela Viuvez

Em relação à viuvez, Peixoto (1997, p.157) em suas pesquisas realizadas na

Universidade Aberta da Terceira Idade – UnATI, com mulheres, identificou que a

morte do cônjuge pode ser uma tragédia ou libertação, a exemplo da viuvez.

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Para alguns sujeitos desta pesquisa, a viuvez é vista como algo desagradável, e

adquire proporções significativas: “... depois que ele morreu, tudo morreu, tudo

acabou...” (IDOSA PSF C)

Percebe-se, então, a intensa ligação dos cônjuges. Portanto, quando um dos dois

morre, o sentimento é de perda, de solidão, a falta de direção surge, dificultando o

caminhar do envelhecimento desse idoso.

“... eu comecei a envelhecer quando meu marido morreu...” (IDOSO Casa Geriátrica

B)

Beavoir, apud Assis (1996, p.44), afirma que a morte de um parente não priva

somente de uma presença, mas de toda aquela parte da vida que esteve ligada a

eles. No caso dos indivíduos idosos, lembra que geralmente os convívios são

duradouros, portanto, há uma construção de uma história de vida, que em

determinado momento, não teve um fim agradável.

A realização desta pesquisa de campo, procurou demonstrar traços peculiares

individuais, como também muitas características comuns, tais como a perda do

poder de decisão, desengajamento social, a degenerescência e a viuvez, traduzindo

um envelhecimento de cada indivíduo, ficando claro que a qualidade de vida não

está ligada somente aos fatores biológicos, mas, aos sociais, familiares, dentre

outros. A seguir, serão tratadas as condições de saúde ligadas à velhice.

2.3 – CONDIÇÕES DE SAÚDE

Para Safons, envelhecer é um processo multifatorial e, geralmente, associa-se à

enfermidade. É certo que há mais problemas de saúde com pessoas velhas que com

jovens, mas isso não determina que a velhice esteja necessariamente ligada a

doenças. Todos os seres vivos pertencentes ao reino vegetal, animal, de maior ou

menor complexidade, passam pelo envelhecimento. Esse envelhecimento, por ser

um processo biológico natural, tem uma fisiologia e não uma fisiopatologia. (1999,

p.28)

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É conhecedor que a perda de capacidades pode começar bem cedo e nem sempre

é ocasionada por doenças. Isso quer dizer que baixo nível de capacidade funcional

numa pessoa idosa não é, necessariamente, conseqüência de “velhice”, nem de

alguma doença peculiar aos velhos. As diminuições e perdas são coisas distintas,

porque dependem muito de como se percebem. O que acontece é que com a idade,

a pele pode perder sua suavidade e adquirir rugas. Do ponto de vista da função da

pele, que é encobrir nossos órgãos e nos proteger do meio ambiente, não importa

muito se nossa pele é suave ou enrugada. Já o pessimista vê a mudança como

negativa e a classifica como perda; o otimista vê a mudança como positiva e a

chama de ganho. Da mesma forma o cabelo branco é uma mudança normal da

idade que não afeta a saúde. Se for uma perda ou um ganho, depende do ponto de

vista sob o qual este fato é vivenciado. (Ibid., p. 28)

O envelhecimento está acompanhado de mudanças físicas e, assim, aumenta a

possibilidade de desenvolver enfermidades crônicas. A idéia de que tudo piora na

velhice é coisa do passado. É necessário que a sociedade atual redesenhe

ambientes que ofereçam mais apoio aos idosos, ajudando-lhes a manejar suas vidas

de forma segura e confortável. Nesse contexto, os idosos necessitam viver em

melhores condições, ou seja, com boa qualidade de vida. A prática regular de

atividade física visa não somente, a produzir uma melhoria da saúde, mas a criar

também oportunidade de se constituir um ponto de encontro e um espaço para o

desenvolvimento pessoal e interpessoal. Tem-se a contribuição de estudos nesta

área como Okuma (1998), Veras (1994), Bento (1999), entre outros.

2.3.1 – Atividade física e rejuvenescimento

Estudos têm constatado que a atividade física, a alimentação adequada e os hábitos

de vida saudáveis podem melhorar, em muito, a qualidade de vida dos idosos.

No ano de 1994, foi sancionada a Lei nº 8.842/94, que dispõe sobre a Política

Nacional do Idoso, na qual se incluem menções “ao incentivo e à criação de

programas de lazer, esporte e atividades físicas que proporcionem a melhoria da

qualidade de vida do idoso e estimulem sua participação na comunidade”. Tem

como objetivo aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade de vida

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para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis,

incapacitadas fisicamente e que requerem cuidados, ou seja, os excluídos, através

da cidadania, solidariedade, dádiva (será visto a seguir, com mais clareza).

Para autores como Berger (1989) e Shephard (1991), o declínio das capacidades

funcionais se inicia ao redor dos trinta anos de idade. Esse declínio natural pode ser

modificado pelo exercício, pelo controle do peso e por uma dieta função de

manutenção de sua autonomia, que tende a evidenciar com a ausência da atividade

física (Berguer, 1989; Shephard, 1991 apud Okuma, 1998, 86).

Do ponto de vista de Okuma, a atividade física nos idosos contribui em potencial

para melhorar o bem estar funcional e aumentar a expectativa de vida dos idosos.

(Ibid, 55). Já Veras acredita que na velhice a autonomia está ligada à qualidade de

vida na qual se relaciona com estilo de vida saudável, contribuindo para o bom

relacionamento entre as pessoas e o meio ambiente. Considera-se como autonomia

a liberdade de decidir sobre sua vida, sobre seus movimentos e desejos. Entende-se

autonomia como a não-dependência de outrem, seja para falar, andar, cuidar de

sua casa e de suas coisas. Acredita-se que a atividade física que consegue

proporcionar ao idoso esse grau de liberdade autonômica deve fazer parte do rol de

suas atividades diárias. (Veras, 1999, p. 151-153)

Nesta perspectiva, a atividade física na terceira idade, pode levar ao bem-estar físico

e mental e à autoconfiança, por meio do domínio do corpo, aumento da prontidão

para a atividade (maior disposição, maior mobilidade articular, intensificação da

circulação sangüínea, sobretudo nas extremidades, aumento das capacidades de

coordenação e reação, combate à depressão, medo, decepções, aborrecimentos,

tédio e solidão).

Através de grupos do PSF José e Maria de terceira idade, esses efeitos benéficos da

atividade física na terceira idade têm contribuído para o controle e a prevenção de

doenças como diabetes, enfermidades cardíacas, hipertensão, arteriosclerose,

varizes, enfermidades respiratórias, artrite e desordens mentais ou psicológicas.

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Berger e Mclnman (1983) realizaram estudos que mostram que idosos praticantes

de atividade física têm características de personalidade mais positivas do que idosos

não-praticantes. As pessoas que sempre fizeram atividade física mostram-se mais

confiantes e emocionalmente mais seguras. Para essas autoras, idosos fisicamente

ativos tendem a ter melhor saúde e mais facilidade para lidar com situações de

estresse e tensão, gerando atitudes mais positivas para o trabalho, reforçando a

correlação forte que existe entre satisfação na vida e atividade física. Apontam que

estudos sobre a relação entre atividade física e satisfação de vida mostram que os

sentimentos positivos de auto-estima e auto-imagem são prevalecentes em tal

relação. (Berger e Mclmman apud Okuma, 1998, p. 95)

Particularmente, tem-se observado que as pessoas que decidem pela prática de

atividade física na terceira idade, ou antes dela, estão optando pela melhoria da

qualidade de suas vidas. A educação física, não tem a intenção de prometer vida

eterna ou rejuvenescimento a ninguém, mas dispõe de meios para conscientizar as

pessoas sobre sua importância na vida. Decidir-se sobre como viver na terceira

idade deve ser posição de cada indivíduo.

Dessa forma, o poema “Instantes”, de Jorge Luís Borges, dá a dimensão exata do

que pode vir a ser envelhecimento saudável:

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,

Na próxima, trataria de cometer mais erros

Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.

Seria mais tolo ainda do que tenho sido,

Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico.

Carreira mais riscos, viajaria mais,

Contemplaria mais entardeceres,

Subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria mais a lugares onde nunca fui,

Tomaria mais sorvetes e menos lentilha,

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Teria mais problemas reais

E menos problemas imaginários.

Eu fui uma destas pessoas que vivem

Sensata e produtivamente cada minuto da sua

Vida, claro que tive momentos de alegria.

Mas se pudesse voltar a viver trataria de ter

Somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feito a vida, só

De momentos, não percas o agora.

Eu era desses que nunca ia a parte alguma

Sem um termômetro, uma bolsa de

Água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas;

Se voltasse a viver viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver; começaria a

Andar descalço no início da primavera e

Continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria

Mais amanheceres

E brincaria com mais crianças, se tivesse outra

Vida pela frente.

Mas já tenho 85 anos e sei que estou

Morrendo. (BORGES, Jorge Luis. “Poema Instantes”)

2.3.2 – Papel do Desporto

O papel do desporto para o idoso é de suma importância, embora muito há ainda

para ser conquistado. Segundo Bento, o desporto assume, nesse contexto, uma

relevância crescente para os idosos. Não como uma maneira isolada de

preenchimento do tempo livre, mas como parte da formação e desenvolvimento da

sua personalidade. Uma sociedade que se diz e quer cada vez mais humana e

humanista, tem a obrigação indeclinável de oferecer aos idosos apoio e

solidariedade, a fim de que eles possam enriquecer a velhice com novos conteúdos

e manter nela um alto grau de satisfação e de realização da vida. (1999, p.19)

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Ora, é precisamente aqui que o desporto encontra possibilidades para redefinir e

renovar a sua missão, dada que os seus efeitos nos planos corporal, espiritual e

social encerram uma possibilidade, não desprezível, de retirar os idosos de

situações de isolamento e afastamento. (ibid., p.19)

De acordo com a realidade da nossa pesquisa, tudo leva a crer que o interesse dos

idosos pelo desporto é elevado e está longe de ser devidamente explorado. Essa

presunção se funda no fato de ser elevado o número dos que discutem vivamente

sobre desporto, seguem programas desportivos tanto no rádio como na televisão, e

também é tida, no geral, como a principal atividade dos grupos de terceira idade

como exemplo, os Idosos do Grupo PSF do José e Maria. Porém, esse número não

tem a mesma expressão na prática desportiva; pelo contrário, é ainda muito baixa a

quantidade de idosos, sobretudo de mulheres, que se entregam à prática desportiva,

ou seja, é muito grande a resistência entre o interesse pelo desporto e a participação

neste. Acredita-se ser o motivo, na maioria das vezes, vergonha em decorrência de

costumes tradicionais.

Com isso, mostra ainda que os fatores determinantes, tanto da ausência como da

participação desportiva, têm muito a ver com o círculo familiar, em função dos

interesses, dos hábitos e motivos que nele reinam. Na escala das motivações, o

lugar principal pertence ao motivo “saúde”.

Sempre se busca afirmar a existência de numerosos e confiáveis estudos, levando a

concluir que uma ajustada e regular prática desportiva tem efeitos positivos e

contraria, ou ajuda a retardar o surgimento das degenerescências atribuídas ao

envelhecimento, no tocante ao sistema cardiopulmonar, ao aparelho de suporte e de

locomoção, ao metabolismo, etc., ou seja, a prática desportiva é suscetível de

influenciar positivamente os diversos parâmetros da capacidade de rendimento

corporal das pessoas em idade avançada como afirma Okuma (1998, p. 121-123).

Pode-se perceber que o motivo “saúde”, pelo menos na sua dimensão física ou

corporal, tem encontrado correspondência na prática desportiva. O que constitui uma

boa base para voltar, agora cada vez mais, a atenção para as outras dimensões do

conceito de saúde e para as funções que o desporto assume. Até porque há quem

sustente que os efeitos positivos do desporto nos idosos são mais significativos no

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domínio psicológico do que no puramente médico-biológico (Goldestein apud

Okuma, 1998, p. 128). De resto, Rousseau (1712-1778) já afirmava que “um corpo

fraco enfraquece a mente”. (Rousseau apud Bento, 1999, 20)

Para os idosos, uma coisa está ligada a outra. Com efeito, o processo de

envelhecimento psíquico é caracterizado por sintomas de diminuição das

capacidades intelectuais e está em estreita relação com as alterações biológicas e

sociais. Logo, se o estado de saúde piorar e se aumentarem o isolamento, a perda

de autonomia e as restrições do espaço de vida dos idosos, isso repercute também,

negativamente, no seu estado psíquico, como fica evidenciado em idosos do grupo

de terceira idade do PSF José e Maria.

Aqui emerge o grande e verdadeiro problema desse grupo etário na sociedade: a

influência exercida pelos aspectos negativos da velhice. O decréscimo da

capacidade de rendimento, com o avançar da idade, conduz à falta de vivências de

sucesso, à perda de prestígio social e a formas várias de discriminação negativa.

Daqui pode resultar, no idoso, uma atitude de resignação e negação da sua idade.

É, também, por isso, que o desporto é chamado a dar o melhor do seu teor de

humanismo. Realmente, a chave desse problema está na manutenção da

capacidade de rendimento corporal, já que a sua diminuição é objeto de avaliação

negativa, com manifestas conseqüências de ordem geral, social e psíquica e não

apenas de ordem física. À diminuição da capacidade de rendimento corporal

associam-se outras diminuições, nomeadamente da capacidade de reação, de

aprendizagem, de memorização e assimilação de informações. (Okuma, 1998, 95)

Os resultados de estudos, dedicados à avaliação de feitos psicossociais da atividade

desportiva nos idosos, apontam no sentido da melhoria do sentimento de autovalia e

do bem-estar geral, do reforço da necessidade de atividade, da diminuição de

medos e receios, da reposição da disponibilidade para a comunicação, para o

convívio e para a recreação, da estabilidade emocional e da redução dos estados

de depressão e agressividade. Além disso, a aprendizagem de movimentos e

habilidades desportivas tem efeitos positivos na capacidade geral de aprendizagem,

podendo dizer-se, com inteira propriedade, que é nessa idade que a aprendizagem

cognitiva motora é verdadeiramente aprendizagem cognitiva e sócio afetiva, isto é,

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por meio das exigências e vivências motoras são estimuladas e solicitadas todas as

outras dimensões da personalidade. (Ibid., 1998, p. 106)

Nessa perspectiva, a grande tendência hoje em cotação alta seria investir em

desporto, procurando valorizar a auto-estima dos idosos. Assim, por que não

incentivar a abertura de clubes desportivos que podem e devem renovar a sua

missão social, e de outras instituições que ofereçam este serviço ,abrindo-se à

prestação de variados serviços a esse grupo etário? A seguir, será discutido o tema

de grande relevância para a velhice: a aposentadoria.

2.4 O DRAMA DA APOSENTADORIA

A aposentadoria tornou-se um assunto de grande discussão da terceira idade. Ao

passar dos anos era tida como o selo da velhice, caracterizada por um período

decadente da vida, ou seja, a passagem de um período ativo, para outro sem

motivações e objetivos. No entanto, ela pode ser vivenciada de outra forma, caso o

sujeito se adapte às mudanças trazidas por essa nova fase da vida. No decorrer

deste capítulo tem-se a contribuição de Santos (1990), Almeida (1999), França

(1999), Guerreiro e Rodrigues (1990) entre outros, que expõem sobre o assunto da

aposentadoria, enfocando a mão-de-obra do idoso, mecanismos de regulação da

aposentadoria e sobre o envelhecimento. Percebe-se, que novos modelos de

conduta social para o idoso estão sendo considerados.

Em um estudo sobre a crise de identidade na aposentadoria, realizado em meados

da década de 1980, Santos constata que a aposentadoria constitui o “atestado oficial

da chegada na velhice, (...) fato que marca a passagem da maturidade à terceira

idade. Aposentadoria e velhice parecem assim estar ligadas e são freqüentemente

confundidas como um mesmo fenômeno” (p. 22). Apesar da idade estar associada à

idéia de sabedoria e experiência, “a passagem para a aposentadoria significa a

passagem para a velhice” (p.34) e, nessa simbiose que se opera entre

aposentadoria e velhice, acentua-se a idéia de perda da capacidade produtiva e de

inutilidade do ponto de vista social. (1990, p. 22 e 34).

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Para Almeida, a aposentadoria constitui, assim, um acontecimento na vida do sujeito

que o coloca frente a uma situação que pode atingir sua identidade, afetando uma

estabilidade já adquirida. Além da diminuição concreta de sua atividade produtiva e

social, agrega-se o sentimento de diminuição de suas capacidades físicas, da

possibilidade de doenças, do aumento da probabilidade de perda de pessoas

afetivamente importantes. Enfim, o momento da aposentadoria é associado à

entrada na velhice, obrigando o sujeito a enfrentar o estigma social do velho.

(Almeida, 1999, p.128)

No momento atual, como salientado anteriormente, parece esboçar-se uma nova

concepção de velhice, assentada em um modelo de velhice bem-sucedida (Baltres,

apud Almeida 1999, p. 130). Agrega-se a essa idéia a constatação de um número

significativo de aposentadorias “precoces” em resposta defensiva às mudanças nas

políticas previdenciárias, que ora estimulam a aposentadoria entre aqueles que já

haviam completado o tempo de serviço previsto em lei (Governo Collor), ora

ameaçam retirar direitos adquiridos na Constituição de 1988 (Governo Fernando

Henrique Cardoso) e, atualmente, no Governo Lula, que instituiu o Estatuto do

Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou

superior a 60 (sessenta) anos, como também a reforma da previdência (em fase de

elaboração).

Ao se referir ao Estatuto do Idoso, o atual Presidente da República do Brasil, Luís

Inácio Lula da Silva, em entrevista ao jornal Diário de Pernambuco (Out./2003)

afirma:

“Seus 119 artigos formam um guarda-chuva de garantias legais que a sociedade

devia aos seus idosos. A partir de agora, eles terão uma ampla proteção jurídica

para usufruir direitos de civilização sem depender de favores, sem amargurar

humilhações e sem pedir para existir. Simplesmente viver como deve ser a vida em

uma sociedade civilizada: com muita dignidade”.

Dessa forma, esse estudo sobre aposentadoria e velhice permitirá compreender o

que os idosos e idosas, devem ou não devem ser quando atingem a velhice e se

aposentam, nas atuais condições sociais e culturais. Com esta realidade, propõe-se

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que sejam redefinidos modelos de conduta, redes de solidariedade e práticas sociais

destinadas ao idoso, com o objetivo de exercer o direito da cidadania.

2.4.1 – A mão-de-obra do idoso

Atualmente, pelas dificuldades econômicas faz-se necessária a mão-de-obra do

idoso. De acordo com a pesquisa de campo, a grande parte da população do grupo

de terceira idade do PSF José e Maria e da casa geriátrica que estão aposentados

ou em vias de se aposentar, aguarda a ajuda do governo e dos empregadores

quanto ao reforço e à manutenção dos proventos da aposentadoria. Diante da

insegurança financeira, muitos precisam continuar a trabalhar para manter o padrão

de vida que tinham ou mesmo sobreviver com o mínimo de dignidade. Às vezes,

dependem da ajuda dos filhos.

Comenta França que, dependendo da natureza do trabalho, alguns terão maior

facilidade ou dificuldade de encontrar outro emprego. Certas profissões requerem

um conhecimento tecnológico informatizado e permanentemente atualizado, além de

exigirem uma facilidade de adaptação às mudanças. Algumas atribuições

necessitam de maior força física que diminui com a idade; outras dependem do

esforço intelectual que pode não se alterar com a idade. Outras, poderão necessitar

de um conhecimento especializado e da experiência acumulada dos mais velhos.

Muitas empresas estão aderindo à contratação de pessoas mais velhas, seja porque

os mais jovens requerem treinamentos a custo mais alto, são mais difíceis de

gerenciar, mais suscetíveis a reclamações trabalhistas e saem prematuramente das

empresas. O redimensionamento de pessoal poderia ser uma solução. Esta ação

deveria ocorrer em função das atribuições dos trabalhadores mais velhos, de seus

interesses e das metas da empresa, ser complementada por um programa de

atualização de conhecimentos tecnológicos. Os mais velhos poderiam ser

estimulados a delegar as tarefas de rotina para os que estão se iniciando na

empresa, ficando mais disponível para a transferência de informações e para a

execução de tarefas que exigem maior experiência. (1999, p. 24-25).

Dependendo do tempo previsto para sua aposentadoria, será muito mais saudável

para o futuro aposentado e para a empresa, contar com um aposentado motivado do

que com alguém que está contando os dias para o seu desligamento. É inegável a

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relação entre o nível de motivação e a produtividade. A empresa poderia aproveitar

os aposentados em cargos temporários, consultoria ou em alguma fase do

treinamento para os mais jovens. Os aposentados não precisam ser

necessariamente funcionários formais, mas contratados por projeto, por dia ou

mesmo por hora. Isto pode representar uma grande economia para as empresas e,

ao mesmo tempo, um reforço no orçamento dos aposentados. (Ibid., p.25)

Como sugestão, valeria investigar, a longo prazo, os efeitos do aproveitamento dos

aposentados e a sua satisfação pessoal, os resultados para a empresa e, ainda, se

os aposentados que retornam ao trabalho representam ou não uma ameaça aos

jovens que estão se iniciando no mercado de trabalho. O aproveitamento da mão-

de-obra mais velha por parte das empresas leva a crer que os indivíduos podem se

aposentar, voltar a estudar e reingressar no mercado de trabalho. Da mesma forma,

o reengajamento não precisa acontecer através de atividades anteriormente

desenvolvidas; ele pode ocorrer através de interesses não explícitos ou mesmo da

descoberta de novos horizontes.

2.4.2 - Mecanismos de regulação da aposentadoria

Não é à-toa a importância dos programas de preparação para aposentadoria. Numa

época de desemprego e recessão, é difícil imaginar o governo ou a empresa

investindo recursos em projetos sociais a longo prazo. Entretanto, não parece

razoável se voltar exclusivamente para o desenvolvimento econômico sem que seja

priorizado o desenvolvimento do homem em qualquer faixa etária. Sabe-se que não

é só o governo que deve estabelecer políticas que garantam o acesso à população

que envelhece, as empresas também deveriam abrir espaço para a participação de

seus empregados, de qualquer idade, em projetos próprios ou coletivos que

abranjam a comunidade. (Atualmente a passos lentos, algumas empresas já se

organizam para através de projetos próprios terem a sua previdência) França considera que o tema envelhecimento e suas implicações deve ser discutido

nas escolas de ensino fundamental e médio, da mesma forma que a questão da

aposentadoria precisa ser abordada pelas empresas, assim que o indivíduo começa

a trabalhar. Sem dúvida, um programa de preparação para a aposentadoria

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constitui um benefício para o trabalhador, mas a empresa, ao ajudar seus

empregados a aumentarem seus conhecimentos e a tomarem decisões em relação

ao futuro, está investindo também nela mesma. (1999, p.26)

Quando a empresa se preocupa com seus funcionários, desde o momento em que

ele é selecionado até a sua aposentadoria, torna a sua cultura organizacional mais

consistente. Criando condições para que o trabalhador realize seu planejamento e

se prepare para as mudanças que advirão da aposentadoria, a organização poderá

se beneficiar, não só no âmbito da sua imagem e atuação social, mas também

porque o seu produto terá maior repercussão comercial, além de se tornar mais

competitiva e atraente diante do mercado de trabalho. (Ibid., p. 26)

Segundo Dennis (apud França, 1999, p. 26-7), este mecanismo de regulação de

aposentadoria já vem acontecendo pelas empresas americanas, nas quais vêm

adotando programas de preparação para aposentadoria desde a década de 1950.

No início, eram abordados tópicos relacionados a investimentos, promoção de

saúde, utilização do tempo e algumas considerações familiares. Atualmente, estes

programas são implementados de dois a cinco anos antes da aposentadoria e

incluem conteúdos como educação, trabalho, produtividade e outros propostos pelos

próprios empregados. Os trabalhadores mais jovens também têm participado dos

programas.

Para França, sem dúvida, o desafio das empresas, do governo, da sociedade e dos

trabalhadores brasileiros é maior do que dos seus pares americanos, principalmente

tendo em vista situações econômicas bastante diferentes. Entretanto, a estabilidade

econômica das empresas americanas não parece ter sido tão preponderante na

implantação e continuidade do planejamento para a aposentadoria. (Ibid., p. 28)

Nesta perspectiva, é recomendado a todos que comecem a encarar esta mudança

de uma maneira positiva. Não é algo que possa ser decidido da noite para o dia,

mas é um processo que deve ser iniciado. A empresa que adota um programa de

preparação para a aposentadoria deve atuar junto à comunidade, investigando quais

seriam as necessidades dos seus membros e como poderia proporcionar a inserção

do pré-aposentado que queira participar de um projeto social.

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Para França (apud Veras, 1999,p.30) a prática do trabalho voluntário não deve,

entretanto, ser encarada como algo que “possa preencher o tempo” dos

aposentados e sim como um auxílio fundamental, algo que contribui para o

desenvolvimento da sociedade. Viver num país em que a pobreza “salta aos olhos”

não deve ser confortável, mesmo para quem tem um padrão de vida elevado, pois

somos partícipes e responsáveis, mesmo que indiretamente, pelo desenvolvimento

do povo brasileiro. Apesar de muitos desejarem participar, nem sempre é fácil ser

bem-sucedido no trabalho voluntário. O melhor, no início, seria participar de uma

instituição já organizada para saber como ajudar conciliando suas habilidades com

os objetivos da organização, suas atividades e necessidades.

De acordo com os comentários precedidos fica como sugestão, as empresas

poderem criar seus próprios programas de voluntariado, por exemplo, mesmo de

forma empírica, participando das escolas e comunidades como acontece com o

grupo de terceira idade pesquisado do PSF do José e Maria. Eles atuam de

voluntários na própria comunidade e em escolas, sendo orientados pelas equipes de

saúde da família. Sabe-se, pois, que uma das grandes necessidades brasileiras é a

educação, não necessariamente a formal, mas a relativa aos valores e à cidadania,

o que poderia contar com a participação dos mais velhos. Muitos jovens vivenciam

problemas de desestruturação familiar, alguns não contam com o exemplo de pai e

mãe e, outros, sequer conheceram os avós. Os aposentados, neste caso, vão às

escolas da comunidade, conversam por algumas horas sobre situações diversas

vividas na sua juventude, como escolha da profissão, primeiro trabalho, casamento,

filhos e outras situações que atinjam o dia-a-dia dos jovens e dos mais velhos,

levando seu conhecimento cultural e social aos mais jovens.

França comenta que também a comunidade, através de parcerias das associações

de moradores, de instituições como o SEBRAE, pode fornecer informações sobre

que negócios seriam mais adequados àqueles que desejassem gerenciar suas

próprias atividades. Para a abertura de uma auto-escola, de uma escola

profissionalizante ou de uma sorveteria, por exemplo, é fundamental que o futuro

prestador de serviços esteja em contato permanente com instituições de

assessoramento empresarial e com a comunidade onde pretende se estabelecer.

(Ibid., p. 30)

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Outra sugestão, é tornar-se membro de uma associação de aposentados e

pensionistas, o que pode representar também um excelente caminho de

engajamento. Os aposentados podem ajudar às pessoas que estão a caminho da

aposentadoria, tornando-as mais conscientes desta nova realidade. Além disso, esta

é uma maneira de fazer amizades fora da esfera profissional. (Ibid., p.31)

Nesse contexto, a aposentadoria deve estar relacionada a um planejamento de vida,

como acontece com o PSF do José e Maria de Petrolina, onde o grupo de terceira

idade principalmente os aposentados preparam a multimistura19 voluntariamente

para servir às crianças de gestantes desnutridas, como também está ligado através

da solidariedade humana, a participação da comunidade, mostrando como é útil

para a sociedade e para si próprio.

Com o intuito de mostrar o contexto da aposentadoria de acordo com os

entrevistados desta pesquisa, mostra-se o quadro seguinte sobre o conceito de

velhice, o que pensam da velhice, relação da aposentadoria, com práticas sociais

antes e depois da aposentadoria. Mediante quadro apresentado constatou-se que há

diferença de pensamentos entre homens e mulheres. Que as mulheres vêem o

envelhecimento de forma negativa, ligadas ao limite de idade cronológica e percebe-

se um certo grau de subordinação. Já os homens consideram a velhice como algo

positivo, enquanto as mulheres relataram mudança, considerando a aposentadoria

como um momento de crise. Os homens valorizam esse momento demonstrando as

vantagens da aposentadoria. Acredita se esta situação dos homens na questão da

aposentadoria se deva ao fato de se fazerem que está tudo bem, embora passa até

não estar. Já as mulheres levantam a questão com mais clareza adequando que o

que recebem mal dá para a mínima manutenção.

19 Preparado artesanal à base de ferro (rapadura, folhas de girassol, semente de gergelim, mel, casca de ovo, etc.) para evitar a desnutrição (este preparado teve início pela pastoral da Igreja Católica)

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ELEMENTOS DA REPRESENTAÇÃO DA VELHICE E APOSENTADORIA, ENTRE HOMENS E MULHERES APOSENTADOS

MULHERES HOMENS

“A menopausa veio cedo, o cabelo começou a embranquecer...”. (Idosa A da Casa Geriátrica)

“Apesar de ter 75 anos eu não tive a sensação de estar velho...”. (Idosa M PSF M do José e Maria)

“É uma parte da vida que a gente vai envelhecendo, perdendo parte das forças juvenis...”. (Idosa I da Casa Geriátrica

“... eu não, eu pratico esportes. Ainda sou bom em várias coisas...”. (PSF P do José e Maria)

“... a impressão que eu tenho é que não se dá a devida consideração...”. (Idosa E da Casa Geriátrica)

“Não, [eu não sou velho] absolutamente. Eu estou completamente ativo (...) afinal de contas estou vivo! Muito vivo!”. (PSF S do José e Maria)

“O idoso é um pouco rejeitado, não se dá a ele oportunidade de manifestar a potencialidade que ele tem ainda em relação à vida”. (Idosa E da Casa Geriátrica)

“Há velhos aos trinta e há jovens aos oitenta anos. Me encontro entre esses últimos...”. (PSF T do José e Maria)

“Esses sentimento de não querer ser um fardo para os outros, eu acho que é o pior de tudo”. (Idosa C PSF do José e Maria)

“A velhice é um problema pessoal e espiritual...”. (Idoso G da Casa Geriátrica)

“... eu entendo de uma maneira muito dolorosa. Eu acho que a gente não se prepara pra essa fase da vida, que é muito difícil”. (Idosa N PSF do José e Maria)

“Me tratam muito bem, com muito respeito”. (Idoso G da Casa Geriátrica)

“... acho que a minha vida ficou confusa, transtornada com a aposentadoria...”. (Idosa C PSF do José e Maria)

“Muitas vezes me cuidam com um certo cuidado”. (Idosos G da Casa Geriátrica)

Fonte: Idosos da casa geriátrica de Petrolina e o grupo de terceira idade do PSF José e Maria Petrolina, em 2002/2003.

2.4.3 – Do Envelhecimento

Quando se fala de envelhecimento, vêm à tona certos questionamentos, como: em

que momento da história começa-se a refletir sobre o envelhecimento e a finitude da

vida? Perplexos diante dessa realidade, confrontam-se com questões da existência

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humana. O que fazer para se reencontrar o conforto que o véu da ilusão da

imortalidade e juventude eterna proporcionava? Será possível encontrar algum

sentido no viver/envelhecer?

Segundo Martin Grotjhan (apud Beauvoir 1970, p. 12), “nosso inconsciente ignora a

velhice. Alimenta a ilusão da eterna juventude”. Desse modo, se é surpreendido

quando o outro se identifica como o idoso, o velho. Existe, em princípio, um

descompasso entre a visão que a pessoa tem de si mesma, que tende a se auto-

avaliar positivamente, a visão que ela tem dos seus companheiros de idade

cronológica e a visão que estes possuem em relação a ela. A pessoa não percebe

em si mesma as mudanças do envelhecimento; só as identifica no outro, quando,

necessariamente, viver implica envelhecer.

Para Secco, “é pela rejeição da sociedade em relação a ele que o indivíduo começa

a conceber-se como idoso”, isto é, a partir de uma construção social negativa,

daquilo que ele já não mais é para o outro, daquilo que ele já não pode mais

atender, ou ainda, daquilo que o outro e ele mesmo rejeitam para si, enquanto

estereótipos negativos da velhice, que o indivíduo se percebe envelhecendo. A

sociedade pode funcionar, assim, como um espelho cruel que busca impor uma

imagem preconcebida, obrigando-a a olhar para o que não quer enxergar. (apud

Guerreiro e Rodrigues, 1996, p. 52)

Numa sociedade em que o envelhecer distancia o indivíduo do ideal de homem

concebido (Lima & Viegas, apud Guerreiro e Rodrigues, 1996, p. 52), onde a busca

do prazer é priorizada a qualquer custo, em que a dor, o sofrimento, devem ser

rapidamente interrompidos, demandando intervenções imediatas (Illich, 1975 apud

Guerreiro e Rodrigues, 1996, p. 52), e em que o ideal de saúde perfeita é almejado,

escamoteando as nossas reais fragilidades (Sfez, 1996 apud Guerreiro e Rodrigues,

1996, p. 52), a velhice é maldita.

O envelhecimento tem, sobretudo, uma dimensão existencial e, como todas as situações humanas, modifica a relação do homem com o tempo, com o mundo e com a sua própria história, revestindo-se não só de características biopsíquicas, como também sociais e culturais (Beauvoir, 1970, p. 15).

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Sabe-se que o processo de envelhecimento está associado a uma maior

suscetibilidade física e emocional. É certo que a expressão dessas suscetibilidades

encontra-se na dependência da complexa interação de fatores físicos, psicológicos,

sociais, econômicos e culturais, tornando o envelhecer, por um lado, um processo

extremamente individualizado e, por outro, marcado pelos padrões socioculturais de

uma época. Assim sendo, a maneira como o grupo social encara a velhice, como

interpreta os adoecimentos e como lida com a perspectiva da morte interfere,

sobremaneira, na vida de cada indivíduo em sua auto-imagem, na relação consigo

mesmo, na sua capacidade de construir seu próprio caminho, de se adaptar ao meio

ou transformá-lo em seu benefício e na sua relação com os outros, idosos ou não.

(Ibid., p. 52)

Atendendo às respostas, tais considerações possibilitam perceber o terreno em que

as mudanças biológicas ocorrem e entendê-las, não como uma força única, que se

processa isoladamente, mas sujeitas também ao conjunto de forças que atuam na

vida do homem. Assim, o determinismo das perdas biológicas rege o conjunto de

outros declínios e se apresenta como um processo interacional e multidimensional,

que inclui transformações constantes que podem ser interpretadas,

simultaneamente, como ganhos e perdas. Desse modo, redimensionando esse

momento da existência no curso da vida, pode-se descortinar um universo de

potencialidades e possibilidades de transformações que são inerentes ao viver.

Pensar numa trajetória de envelhecimento bem-sucedido leva a refletir sobre o ideal

de manutenção da autonomia, sobre a possibilidade de o indivíduo seguir o curso de

sua vida, mantendo a concepção de sua identidade e de sua capacidade de interagir

no mundo, fazendo opções ajustadas às suas necessidades, reconhecendo que é

também autor de uma história singular que está continuamente sendo construída e

dá sentido à sua existência etc. Nesse contexto, a velhice assume um papel de

relevância, entre outros aspectos importantes na manutenção da autonomia,

fazendo da produção de conhecimento, nessa área, fonte valiosa de subsídios para

o entendimento e melhor aproveitamento das suas potencialidades do ser humano.

Para Guerreiro e Rodrigues, o ser humano vive o desafio do novo, em qualquer

idade, vive o drama da dualidade entre o impulso de se lançar num mundo novo e o

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conforto de se acomodar num universo já conhecido. O novo, o desconhecido, se

por um lado, desperta a curiosidade, proporciona a aventura de descobertas e o

prazer da liberdade, por outro, é gerador de dúvidas, incertezas e temores. Dá-se o

sentimento de fragilidade sem o domínio das regras do jogo, a perda do controle,

assusta. O mundo conhecido define uma zona de conforto em que é sentida como

donos da situação, tranqüilos, fortes, possuidores de verdades. Esse sereno

conforto, porém, pode velar a uma acomodação cristalizada. (1996, p. 57)

Comenta ainda que, quando crianças, lidam-se com esse conflito, abrandando o

temor com a perspectiva do prazer. Deste modo, se vai, pouco a pouco,

conquistando o mundo. A aprendizagem acontece entre as brincadeiras e as horas

de dever, reforçando a confiança e ampliando o território de domínio, a zona de

conforto. Quando adultos, à medida em que se realizam os sonhos, tende a ter mais

reservas diante do desafio de envolver-se com o (novo). Aprender sim, mas desde

que não seja muito (ameaçador). A zona de conforto se torna cada vez mais

sedutora, dificultando a saída para a conquista de novos territórios. Para muitos, o

passar dos anos acaba definindo a situação. Ao dizer não à aventura da

aprendizagem, encastela-se num universo de conhecimentos e verdades, fecha-se

para a vida, desperdiçando a oportunidade de um contínuo aprimoramento pessoal,

na ilusão, ou justificativa, de que já não há mais o que aprender. Em conseqüência,

restringir as possibilidades de interação e deixar de “alimentar” adequadamente com

estímulos o cérebro, favorecendo a rigidez do pensamento, a estreiteza da

percepção e, por fim, a consolidação de um quadro de embotamento intelectual.

(Ibid., p. 58)

Guerreiro e Rodrigues aborda sobre um olhar para o social observando que as

perspectivas do envelhecer favorecem o recrudescimento de inquietações que

afligem o ser humano, desde os primórdios de sua existência. Pode-se encontrar,

nas permanências culturais, elos de afinidades entre o homem de hoje e seus

antepassados que ao se verem diante da doença, da velhice e da morte, expressam

as mesmas dores, as mesmas inquietações, os mesmos temores. (ibid., p. 58)

A velhice é a pior desgraça que pode acontecer a um homem (autor egípicio, citado

por Vargas, 1994). As permanências culturais atravessam as barreiras geográficas e

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as fronteiras do tempo. Nesse contexto, as palavras expressas por um egípcio há

2500 a.C. ecoam até hoje, com aparência tão familiar. Pois envelhecer requer

alterações físicas, psicológicas e sociais no indivíduo. Tais alterações são naturais e

gradativas. Fica evidenciado, nesta pesquisa, que as características físicas do

envelhecimento, as de caráter psicológico também estão relacionadas com a

hereditariedade, com a história e com a atitude de cada indivíduo. As pessoas mais

saudáveis e otimistas têm mais condições de se adaptarem às transformações

trazidas pelo envelhecimento. Elas estão mais propensas a verem a velhice como

um tempo de experiência acumulada, de maturidade, de liberdade, para assumir

novas ocupações e até mesmo de liberação de certas responsabilidades,

conquistando o seu direito de cidadania a cada dia que passa.

As crenças e os mitos negativos sobre o envelhecimento atuam gerando

expectativas desfavoráveis e, mais do que isso, podem se comportar como

verdadeiras profecias direcionando o curso de uma história de vida. (Levy & Langer,

apud Veras, 1999, p. 59) É por este motivo que serão abordados alguns dos mitos

que se referem à capacidade dos idosos dando ênfase à questão social.

2.5 – OS MITOS E A QUESTÃO SOCIAL

Ao questionar os mitos e a questão social sejam feitas as seguintes considerações:

Almejam-se as mais variadas formas de “viver bem”. Desejam-se muito tempo de

vida, e se esse viver implica, necessariamente, envelhecer, será possível envelhecer

mantendo as capacidades intelectuais e a autonomia necessária ao gerenciamento

das vidas?

Esta resposta pode ser dada através de muitos estudos nesta área que se voltam,

hoje, para as potencialidades e limites no curso da vida, abrindo fronteiras que

possibilitam o surgimento de modelos de envelhecimento bem-sucedidos. Muito

antes, porém, que a ciência se propusesse a tratar dessas questões, o homem,

diante de suas inquietações, buscou respostas na teologia e na filosofia,

encontrando em ambas importantes espaços de reflexões sobre suas capacidades e

o sentido de sua existência. Nas artes, pode retratar e vivenciar a experiência do

envelhecer com toda sua riqueza e diversidade. Mas foi ao homem comum que

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coube a concretização dessas possibilidades, e, hoje, a observação dessas

trajetórias é um dos caminhos pelos quais a ciência se propõe a entender e a traçar

parâmetros para o envelhecimento bem-sucedido. (Guerreiro e Rodrigues, 1996, p.

60)

Em sintonia com o desafio do desenvolvimento de propostas de envelhecimento

bem-sucedido, o intuito aqui será, num esforço, o de reunir contribuições oriundas de

diversas áreas da ciência, da amplitude de questões que este tema suscita, ou seja,

procurar “quebrar” mitos que geram expectativas negativas nos idosos, com a

finalidade de reinventar a vida, na busca do envelhecimento bem-sucedido.

A seguir, alguns mitos referentes à capacidades dos idosos, de acordo com os

estudos de Guerreiro e Rodrigues (1996, p. 60-65)

Mito 1: Sabendo que, com o passar dos anos, perdem-se neurônios e que essas

células não se multiplicam, imagina-se o dia em que poucas restarão,

comprometendo nosso raciocínio e memória. Segundo Changeux (1991) a perda

memorial ocorre, ao longo do tempo; estando associada ao processo de

aprendizagem, o patrimônio memorial perdido não é renovado.

A perda que ocorre no envelhecimento fisiológico não compromete por si só o

desempenho do adulto idoso (neste caso estão sendo considerados doenças que

atinjam o sistema nervoso). (Changeux apud Guerreiro e Rodrigues, 1996, p. 61)

Com o passar dos anos, o desgaste é inevitável. Sabe-se que a velhice não é uma

doença, mas sim uma fase na qual o ser humano fica mais suscetível às doenças. O

segredo do bem viver, é aprender a conviver com essas limitações.

Mito 2: O esquecimento é sempre um sinal de que algo ruim está acontecendo no

cérebro, na mente.

O esquecimento é um mecanismo fisiológico de eliminação de informações

irrelevantes, sem o qual sobrecarrega o sistema desnecessariamente. Naturalmente,

tende a eliminar os conteúdos que não tenham um importante significado afetivo ou

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que sejam pouco utilizados. Na verdade, esse processo de eliminação inicia-se na

própria percepção, isto é, capta-se mais facilmente aquilo que faz sentido nas vidas

e deixa-se de perceber muitas coisas que não se afinam com a estrutura de

percepção (Kastembaum, 1979, p.8). Com freqüência, atribuem-se,

equivocadamente, os insucessos a falhas de memória quando, na maioria das

vezes, a informação foi mal percebida ou sequer registrada, isto acarretando um

descontentamento desnecessário para os idosos.

Mito 3: Com o envelhecimento, só se pode esperar o declínio de capacidades.

O reconhecimento das capacidades se mantêm estáveis e se aprimoram ao longo

do envelhecimento à qual novos estudos se direcionam. Para Vargas (1994), a maior

capacidade de aprendizagem em situações práticas e maiores habilidades para

enfrentar o trabalho requer paciência, precisão, sagacidade, etc.) Algumas dessas

características estão associadas à expressão de sabedoria nesse período da vida.

No tocante à inteligência, se por um lado, existe um declínio na inteligência

mecânica (associada a fatores biológicos, genéticos e de saúde), a inteligência

pragmática (associada a fatores socioculturais) se mantém estável, podendo,

mesmo em idade avançada, expressar progresso. (Kastenbaum, 1979, p. 13) Com

essa perda o indivíduo não deve se achar menos capaz e se forem observados os

exemplos de adultos idosos que, no avançar da idade dão continuidade e/ou

expandem a sua produção intelectual e artística, pode-se entender a importância da

conquista permanente de recursos, ao longo da vida, (inteligência pragmática) que,

além de amenizarem a expressão das mudanças biológicas, permitem ao indivíduo

viver o auge de sua produção. Exemplo, os artistas de televisão famosos: Fernanda

Montenegro, Eva Vilma, etc.

Mito 4: Para avaliar se a memória está normal, basta comparar nosso desempenho

com o de outras pessoas.

Para Van der linder & Huper (1994 apud Guerreiro e Rodrigues,1996,p.63) as

habilidades e capacidades são bem diferenciadas, quando comparadas às de outras

pessoas. Alguns possuem especial talento no campo da música, enquanto outros se

recordam facilmente de nomes. Uma mesma pessoa, em diferentes momentos de

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sua vida, apresenta desempenhos distintos e isso pode acontecer em qualquer faixa

etária. O desempenho do conhecimento em adultos idosos varia em função dos

fatores próprios ao sujeito (seu nível escolar e intelectual, sua motivação, seus

conhecimentos prévios sobre o assunto, sua saúde, sua personalidade, sua riqueza,

sua estrutura, sua organização, sua dificuldade, etc.) e das condições de realização

da tarefa, a velocidade e o modo de apresentação, as condições de recuperação

etc.

Para Veras, avaliar a memória, é preciso dar, em primeiro lugar, crédito e observar

em diferentes situações, procurando identificar o que se passa no mundo interior e

nas circunstâncias que envolvem, a fim de entender melhor este desempenho. Em

caso de insucessos mnésicos persistentes, é importante levar em conta a época em

que surgiram, o comportamento de sua evolução (variável, estável, ou com piora

progressiva) e como vêm comprometendo o desenvolvimento das atividades diárias

para não se acomodar com perdas e limitações, justificando-as como sendo próprias

do envelhecimento, deixando ao acaso o desenrolar de eventos que podem ou não

expressar um estado patológico, passível de tratamento e, muitas vezes, reversível.

(1999, p. 62) Atualmente, existem tratamentos a esse respeito em grande escala de

sucessos.

Mito 5: O indivíduo idoso não é mais capaz de aprender coisas novas.

O aprendizado é possível para os idosos, estando sujeito à influência de fatores

comuns ao aprendizado em qualquer idade e de outros, mais característicos deste

grupo, associados às mudanças biológicas do envelhecimento. Essas mudanças são

expressas na “lentidão no processamento de informações, interferindo na retenção e

prontidão de resgate; cansaço precoce em tarefas que exijam a manutenção da

concentração por longo período; maior sensibilidade às interferências, facilitando a

ocorrência da distração; menor rendimento na execução de tarefas simultâneas;

menor eficácia, por menor rapidez, no estabelecimento de novas estratégias de

pensamento. Essas alterações modulam a performance do indivíduo sem que isso

signifique comprometimento, incapacitação” (Guerreiro & Rodrigues, 1996, p. 63).

Sabe-se, hoje, que o cérebro possui uma enorme plasticidade que permite a

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contínua incorporação de novos conteúdos ao longo de toda a vida. É só questão de

trabalhar o idoso nessa questão que ele é capaz.

Mito 6: Quanto mais se memoriza, mais se “gasta” a capacidade. É preciso

economizar, memorizando só o que for mais importante.

A prática da memorização favorece o desenvolvimento de habilidades específicas. A

realização de tarefas específicas de memorização facilita um melhor desempenho

apenas no campo mnêmico correspondente. Por outro lado, o domínio de

habilidades de memorização constitui um conhecimento diferencial que amplia

diretamente (por favorecer o aumento da auto-estima, da autoconfiança e do prazer

na aquisição de novos conhecimentos) a capacidade de aprendizagem.

(Kastembaum, 1979, p. 75-7) Desse modo, a preocupação em poupar a capacidade

de memória não se justifica, sendo importante ressaltar que a utilização equilibrada

dos recursos cerebrais previne situações de stress decorrrentes de sobrecarga de

trabalho, atuando, assim, como fator promotor de saúde mental.

Mito 7: A saúde intelectual no envelhecimento encontra-se na dependência do

consumo de complementos vitamínicos e outras drogas que previnam a deterioração

do cérebro.

Apesar de inúmeras drogas promissoras estarem sendo pesquisadas para o

tratamento de doenças neurodegenerativas, nenhum até o momento teve

comprovada sua real eficácia. Por outro lado, o cuidado com a saúde em geral

(estilo de vida saudável, controle de hipertensão e dos diabetes, tratamento das

dislipidemias, da depressão, etc.) contribui de forma importante para a saúde do

cérebro. (Kastembaum, 1981, p. 98-99)

No tocante ao uso de medicamentos que visem a deter ou a reverter o processo de

envelhecimento, temos a dizer que, em toda a história do homem, nenhum

procedimento foi ainda capaz de alcançar essas metas, por mais que tenham sido

inúmeras e extravagantes as tentativas. Crenças equivocadas sobre o

envelhecimento fazem parte de nossa cultura há milhares de anos e até hoje

persistem, muitas vezes maquiadas, como a busca da fonte da juventude, que hoje

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se expressa no consumo de panacéias modernas. Os “medicamentos para o

envelhecimento” ressurgem hoje incorporados de maior valor simbólico, propondo-se

proezas que deixariam Fausto, de Goethe, louco de inveja do homem do final do

século XX. (Guerreiro e Rodrigues, 1996, p. 64-65)

Um outro aspecto relevante na promoção de um bom desempenho ao longo da vida,

consiste nos cuidados de saúde, citados anteriormente, que permitem a melhor

utilização patrimônio biológico. Assim, os grupos de terceira idade do PSF do José e

Maria utilizam a medicina preventiva, assumindo um papel marcante, atuando na

promoção do estilo de vida saudável e propiciando a prevenção de doenças e

disfunções que, direta ou indiretamente, podem trazer prejuízos aos idosos.

Neste contexto, verifica-se que há na verdade propagandas comerciais, mas o que é

real, é uma boa qualidade de vida como, o cuidado com a saúde, o engajamento

social, etc.

O engajamento social representa um aspecto diferencial no rumo de uma história de

vida. Os sentimentos de utilidade, de identificação com os anseios e valores do

grupo familiar e/ou social, de inserção e realização intrapessoal e interpessoal

favorecem à vivência de um estado de plenitude e bem-estar que possibilita ao

homem um reforço em seu sentido existencial, ajudando-o a perceber seu futuro

como uma história em aberto, em construção. (Ibid., p. 66)

Para Kastembaum a acelerada produção de conhecimento e o desenvolvimento

tecnológico da atualidade geram rápidas mudanças nas vivências, nas relações

sociais e na maneira como lida com o universo interior. Estar em sintonia com essas

transformações representa um grande desafio e o maior desafio se apresenta para

aquele que se encontra fora do mercado de trabalho, numa faixa etária que já não

atende mais ao perfil exigido pelo sistema; àquele em quem as mudanças

associadas ao envelhecimento são percebidas, exclusivamente, como perdas e cujo

papel familiar e social está sob questionamento. Nessas condições, facilmente se cai

na armadilha do envelhecer = morrer, tornando o envelhecimento bem-sucedido,

uma utopia.

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Assim, para alguns, as mudanças não existem e, portanto, acontecem

involuntariamente; para outros, representam oportunidades oferecidas pela natureza

para o contínuo aperfeiçoamento da arte de viver. A grande variabilidade de

atitudes, face às situações de vida e ao modo particular com que certos indivíduos

encaminham, positivamente, as suas histórias, remetem-se à reflexão sobre o

desenvolvimento da sabedoria no curso da vida.

Já os pesquisadores que estudam o envelhecimento cognitivo entendem essa

capacidade como um modelo de expressão da inteligência pragmática (associada à

impregnação sociocultural), capaz de compensar possíveis declínios associados às

mudanças biológicas. Apesar de a sabedoria estar relacionada a um maior tempo de

vida, a idade por si só não é suficiente para torná-la realidade – isso é um mito. A

conquista da sabedoria é uma possibilidade e pode ser entendida como “um sistema

de conhecimento especializado, o qual permite uma capacidade excelente de

julgamento e aconselhamento envolvendo temas importantes e controvertidos da

condição humana” (Baltes apud Veras, 1999, p. 68), sendo por isso, vista como um

conhecimento diferencial o rumo ao ideal do envelhecimento bem-sucedido.

Por fim, a manutenção da curiosidade, da alegria interior, do interesse e da paixão

pela vida pode contribuir em muito para uma vida plena ao longo da existência. O

envelhecimento bem-sucedido é, portanto, para alguns uma utopia; para outros, uma

possibilidade e uma realidade, nas palavras de Shakespeare apud Veras (1999,

p.68): Há homens que nunca parecem envelhecer. Sempre mentalmente ativos, sempre prontos para adotar idéias novas; satisfeitos e, contudo, querendo mais; realizados e, contudo, cheios de aspirações, sabem gozar o melhor do que há e ser os primeiros a descobrir o melhor do que há de vir.

Que seja possível contribuir para que as palavras de Shakespeare retratem cada vez

mais a realidade. Em seguida, será abordada a questão da cidadania do idoso na

perspectiva da dádiva.

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CAPÍTULO III CIDADANIA DO IDOSO

Na verdade, a problemática central é evidenciar que a terceira idade constitui uma

nova expressão democrática. Através deste capítulo, objetiva-se perceber o

fenômeno da terceira idade e sua relação com a constituição da cidadania,

percebendo as formas de solidariedade entre os idosos e idosas; analisar o

processo de institucionalização e as histórias de vida (já vistas anteriormente) na

construção da cidadania e na perspectiva da dádiva. Tem-se a colaboração de

Vieira (2001), Martins (2001-2003), Caillé (2002), Zimerman (2000) entre outros.

Para Martins (2001), a Sociologia, mais recentemente, vem buscando ultrapassar as

alternativas teóricas em que o espaço urbano deixa de ser visto como simples

mecanismo funcional que se organiza em função das necessidades ou expectativas

dos agentes passando a ser tratado como objeto dinâmico em permanente

redefinição, feito pelos indivíduos que nele moram e que constróem dia após dia, ou

seja, encaram a cidade seja como fenômeno histórico, seja como fenômeno social,

ou como modo de organização das sociabilidades em geral. Tem-se a contribuição

sociológica de Mauss (1924), na qual a cidade está presente nas interações

humanas a partir do resgate do sistema social da dádiva. Esta para Caillé (1998)

constitui o sistema de reciprocidade que tem como elementos estruturantes,

obrigações x liberdade, interesse x desinteresse, funcionando a partir de uma

relação tripartite: dar, receber, retribuir. Tais considerações são movidas pela

liberdade e pelo desinteresse. (Martins, 2001, p. 15-18)

Quanto à cidadania20, Janoski apud Vieira (2001, p. 33) destaca três vertentes

teóricas: A teoria de Marshall acerca dos direitos de cidadania; a abordagem de

Tocqueville/Durkheim a respeito da cultura cívica; e a teoria marxista/gramsciana

acerca da sociedade civil. A teoria de Marshal se faz presente neste capítulo, uma

vez que foi a primeira teoria sociológica de cidadania ao desenvolver os direitos e

obrigações inerentes à condição de cidadão.

20 É a pertença passiva e ativa de indivíduos em um estado-nação com certos direitos e obrigações universais em um específico nível de igualdade. Janoski (1998) apud Vieira (2004)

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Segundo Janoski (1998) o desenvolvimento de uma teoria pertinente e

cuidadosamente elaborada se faz necessário com vista a três metas principais,

trazidas à realidade dos idosos de Petrolina, são:

1º) proporcionar a oportunidade de analisar os segmentos sociais de Petrolina em

uma perspectiva comparativa, de modo a auxiliar o desenvolvimento dos direitos,

sobretudo os direitos de participação;

2º) possibilitar a explicação de aspectos da sociedade civil e da organização social.

Uma teoria da cidadania tem o fito de organizar reivindicações dos diversos grupos

sociais e prevê os resultados dos conflitos das diversas bases ideológicas;

3º) dar margem à compreensão do nexo de solidariedade que mantém o conjunto

social. A cidadania do idoso presume a existência de uma sociedade civil inserida

em redes e conexões entre pessoas e grupos, e ainda normas e valores que

exerçam papel significativo na vida social. Afinal, a cidadania se desenvolve em

comunidades de cidadãos responsáveis através da estrutura da sociedade civil.

A palavra cidadão tem vários sentidos. No sentido vulgar é quem mora na cidade,

ex.: cidadão petrolinense, cidadão juazeirense, ou, em outra perspectiva, é todo

desconhecido a quem se dirige para obter uma informação ex.: “cidadão que horas

são?” Sob a ótica de responder a relação de cidadania com a democratização da

terceira idade é interessante construir o conceito de cidadania a partir da noção de

“direitos a ter direitos”, proposta, há décadas, por Hanna Arendt, filósofa alemã,

segundo Marshall, que considera três gerações de direitos e se acrescenta mais

uma, que é sugerida pela sociedade civil (Marshall apud Vieira, 2001, 33).

Os direitos de “primeira geração”, datados no século XVII, são considerados direitos

civis, direitos à liberdade individual, direitos à igualdade, direitos à propriedade,

direitos de ir e vir. Depois, a esses direitos foram acrescentados outros direitos,

como os direitos políticos etc. Em seguida, vieram os direitos de “segunda geração”,

na primeira parte do século XX chamados de direitos sociais, econômicos ou de

créditos, como os direitos à habitação, trabalho, aposentadoria (idosos) etc.

Verificaram-se conquistas democráticas já no século XX, com os direitos de “terceira

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geração”, chamados de direitos “humanistas ou direitos à autodeterminação e à

diferença”, conhecidos como o direito da minoria, tais como o dos idosos. Esses

acompanham a complexidade da sociedade contemporânea mundializada. E nos

dias atuais, os direitos “de quarta geração” que tendem a se expandir em grande

velocidade no momento da mundialização (Scherer–Warrer apud Martins, 2001, p.

20).

Já Santos considera que um dos principais méritos de Marshall consiste na

articulação que opera entre cidadania e classe social e nas conseqüências que dela

retira para caracterizar as relações tensionais entre cidadania e capitalismo (2000,

244)

Por fim, Janoski apud Vieira (2001 p. 50), afirma que os indivíduos e seus grupos

podem adotar valores diversos e pós-modernos e ainda demandarem a aplicação

universalista de políticas estatais aos diversos grupos (ex. grupos de terceira idade),

de gênero, idade, classe ou etnia. Enquanto muitas das teorias de cidadania

requerem uma universalidade de direitos e obrigações, cada um desses direitos de

fato beneficia certos grupos mais que a outros. Assim, a participação de uma

diversidade de cidadãos expressa reivindicações, todavia, esses grupos pós-

modernos poderiam mudar por novos direitos e obrigações, não só de forma a se

beneficiarem especificamente, mas também a outros. É, precisamente neste sentido,

que esses direitos se mantêm nas fronteiras de uma cidadania universal.

Assim, neste capítulo tem-se a intenção de levar ao conhecimento dos interessados

e, principalmente dos idosos, a necessidade que se percebe na relação de velhice e

cidadania envolvida na teoria da dádiva, redes de solidariedade, sendo enfocados os

direitos dos idosos com a legislação pertinente ao assunto. É evidenciada a

importância da convivência através de novas atitudes e o trabalho com grupos.

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3.1 DÁDIVA E SOLIDARIEDADE

O estudo da dádiva21 e solidariedade enfocando o idoso como objeto sociológico,

não é ainda muito freqüente, pelo menos no Brasil. Existem colaboradores no estudo

da dádiva e solidariedade como os sociólogos Martins (2001), Mauss (1999), Caillé

(2002), entre outros.

Faz-se presente a estrutura da dádiva que constitui um sistema de trocas simbólicas

e materiais. Essas trocas realizam-se em três movimentos: dar, receber e retribuir.

Diferentemente de Weber e Simmel, que estruturam a ação social a partir de um

movimento diádico, Mauss (1999) a concebe a partir de um movimento triádico: de

doações, recebimentos e devoluções de bens simbólicos e materiais. O sistema da

dádiva funciona a partir de dois pares opostos: interesse x desinteresse; liberdade x

obrigação. Sobre o par interesse x desinteresse: existem vários interesses

econômicos e material pelo poder, pelo prestígio, pela honra, por si, pelo outro, mas

igualmente gratuidade na ação. Sobre o par liberdade x obrigação: existe entrar ou

não na relação igualmente pela obrigação de se permanecer nela desde que se

contrai uma dívida simbólica; ninguém é obrigado teoricamente a dar, receber ou

retribuir um bem, mas existe interesse prático de se obrigar mutuamente para se

alimentar o vínculo social. “O paradigma da dádiva transforma o Dom (o símbolo, o

político) no operador privilegiado” (Caillé, 2002, p. 192-3)

A dádiva dá a sua contribuição na velhice, pois ela se encontra presente nas origens

das iniciativas espontâneas e os grupos pesquisados constituem um exemplo,

revelado à presença de uma dinâmica humana incondicional que se reproduz

mesmo sob o ataque da lógica individualista e utilitarista.

De acordo com os níveis de operacionalidade da dádiva em que ela opera nos

planos das sociabilidades, quer seja sociabilidade primária encontrada nas famílias,

21 Definição sociológica: qualquer prestação de bens ou serviços efetuada sem garantia de retorno, tendo em vista a criação, manutenção ou regeneração do vínculo social. na relação de dádiva, o vínculo é mais importante do que o bem. Definição geral: toda ação ou prestação efetuada sem expectativa, garantia ou certeza de retorno; por esse fato, comporta uma dimensão de gratuidade. O paradigma da dádiva insiste sobre a importância positiva e normativa, sociológica, econômica, ética, política e filosófica desse tipo de ação e de prestação.

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amigos, vizinhos, etc. na qual delimita diretamente a sobrevivência da instituição

social, quer seja a sociabilidade secundária encontrada no estado, mercado, ciência

na qual delimita indiretamente a sobrevivência da instituição social, através de

contratos coletivos e das leis jurídicas (assunto a ser comentado no próximo

subtítulo). (Caillé, 2002, 195-6)

Esta dádiva está presente como exemplo, na sociabilidade primária Ex.: (grupos de

idosos) abrindo um espaço de reorganização na sociedade civil. Segundo Caille

citado por Martins( 2001, p. 28), a dádiva permite a formação do dar, receber e

retribuir, através das amizades, relações de parentesco, camaradagem e vizinhança,

em que se tem a liberdade, a obrigação, o interesse e o desinteresse. É o que

encontra-se no campo de estudo desta pesquisa, não só no grupo de terceira idade,

como também na casa geriátrica de Petrolina, onde existe a dádiva, sendo operador

na sociabilidade primária. Como o idoso que recebe aposentadoria e se doa para o

sustento de sua família e não solicita troca, ele têm essa doação como manutenção

do vínculo familiar, sua troca está embutida num afeto que ele espera receber, entre

outros casos. Já na sociabilidade secundária, tem-se atualmente, o Estatuto do

Idoso que através do amparo legal dá uma proteção especial ao idoso, este, por sua

vez, sente-se lembrado, prestigiado e assistido.

Pelo estudo da dádiva, verifica-se que o bom direito constrói modelo de

solidariedade, de suma importância para a sociedade brasileira, pois as novas

práticas associativas abrem um espaço de articulação que antes não existia, como o

trabalho de voluntários com idosos, utilizando práticas solidárias pelas próprias

comunidades, sabendo que essas iniciativas são espontâneas, ocasionadas

individual ou coletivamente, sem que haja necessariamente relação direta com as

políticas estatais ou mercadológicas. Possibilita, com isso, o surgimento de uma

esfera cívica e democrática, inédita como referência (Martins, 2001, p. 20). Percebe-

se que na existência da cidadania democrática há três elementos básicos: a) a

igualdade; b) diferença em sentido amplo; c) justiça social.

De início, vem a igualdade, dando uma idéia de universalidade para todos. Já a

diferença permite observar alguns idosos que se sentem mais marginalizados que

outros, em razão da exclusão social porque passam, quer seja em suas famílias,

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quer seja na sociedade em que vivem. A idéia de justiça social, no reconhecimento

da igualdade e da diferença além da articulação entre ambas, procura dessa

maneira resgatar o humanismo na elaboração da cidadania democrática, abrindo-se

com isso o direito de o ser humano viver com dignidade com sua família, vizinhos,

amigos, parentes ou com a sociedade. (ibid., p. 20)

Baseados neste conceito, percebe-se que através da solidariedade ela se faz

presente nas sociabilidades implantadas na dádiva. Não poderia falar em dádiva

sem citar redes sociais. Para início, tem-se como noção de rede, como sistema

regido pela dádiva que permite o avanço da discussão teórica em dois sentidos: - os

diferentes níveis de rede e desenvolvimento de uma metodologia. A rede pode vir

expressa em sentido comum como exemplo redes de ensino, rede ferroviária (não

faz parte do estudo) e rede em sentido sociológico, que compreende como o

fenômeno social possui regras próprias de funcionamento. São consideradas redes,

os movimentos nas sociedades complexas, como exemplo: ponto de encontro

(grupos de terceira idade); circuitos de solidariedade (preparo da multimistura pelos

idosos aos desnutridos e gestantes). É encontrada na família, com os amigos,

relações do trabalho, de inserção comunitária e através das práticas sociais como

comenta Sluzki C. A rede social na prática sistêmica. A casa do Psicólogo (1997, p.

37) no texto de Martins (2003, p. 8)

Existem diferentes tipos de redes sociais, como exemplo, as redes sócio-técnicas,

que atuam em um nível técnico-organizacional, as redes sócio-institucionais que

atuam ao nível político institucional, tendo como principal função a garantia do pacto

de governança, está presente nas trocas de informações e de cruzamento de

informações, e as redes sócio humanas, que atuam a nível interpessoal, tendo como

principal função a garantia do pertencimento social e podem ser desenhadas a partir

das modalidades de relações interpessoais que se estabelecem no plano local entre

os membros de um sistema. (Ibid., 2003, p. 9-10)

O tipo de rede social na qual faz parte o objeto de estudo é da rede sócio-humana.

Encontra-se na pesquisa, relações positivas ou negativas, entre familiares,

vizinhança, membros de associação informal como exemplo grupo do PSF, etc.

todos compreendidos na perspectiva da dádiva (dar, receber, retribuir) de alguma

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forma ligadas em redes sociais de solidariedade, proporcionando, com isso, uma

nova ótica para a velhice.

A seguir, explicita o Direito do idoso onde se faz presente a legislação pertinente ao

assunto.

3.2 OS DIREITOS DO IDOSO

Nas culturas orientais, os idosos são profundamente respeitados pelos

conhecimentos que recolheram durante a vida, podendo, desta forma, ensinar aos

mais jovens para que eles possam aprender como ultrapassá-lo, escolhendo melhor

a direção a seguir.

No Brasil, por outro lado, as pessoas que atingem a faixa da “terceira idade” deixam

de ser ouvidas e, muitas vezes, não são respeitadas (o que é mais triste) por serem

consideradas ultrapassadas, deixam de participar ativamente da vida em sociedade;

como se toda a experiência, lutas e conquistas de uma vida de nada servissem.

Infelizmente, aqueles que se encontram fora da população alvo deste trabalho talvez

não se lembrem ou não acreditem que um dia serão mais um a integrá-lo, sendo

irrefutável que sua eventual inclusão no mesmo, constitui uma bênção Divina, um

Dom, merecedora de toda a gratidão. Na perspectiva da dávida, Cecília Meireles, no

poema “Retrato” (transcrito abaixo), bem descreve a surpresa daqueles que se

deparam com as mudanças ocorridas entre a juventude e a maturidade, perplexos

quando verificam que não perceberam as transformações advindas do tempo:

“Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro

nem estes olhos tão vazios

nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

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Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil: Em que espelho ficou

perdida a minha face.?”

Neste momento, em meio à situação descrita de forma poética, verdadeira para o

idoso que se sente sozinho e desprotegido, é preciso reagir e acreditar nas outras

verdades que a vida mostra àqueles que crêem na possibilidade de melhores dias,

frente às adversidades reais.

Uma das questões mais importantes para a vida de qualquer pessoa é a que diz

respeito aos seus direitos, sejam eles individuais – aqueles que interessam a cada

um de nós particularmente; sejam eles coletivos – aqueles que dizem respeito a toda

a sociedade. O Direito do idoso é um tema que merece bastante atenção. Muitas

vezes, dúvidas surgem e as pessoas se sentem incapazes de dirimi-las, pois não

sabem como resolver determinada situação aflitiva, aparentemente contrária aos

interesses, mas representa um verdadeiro direito, capaz de assumir relevância

jurídica e, por isso, passível de ser defendido, em última análise, judicialmente.

Auxiliar os que se encontram nessa situação, levando-os a melhor entenderem e

conhecerem seus direitos constitui o proposto deste subtítulo como um primeiro

passo, sem aprofundar-se nas questões aqui tratadas, porque não é essa a

finalidade. Assim, principalmente os idosos devem conhecer seus direitos e exigi-los

da sociedade, para que tenham preservado o respeito, a dignidade e a consideração

que merecem. Além disso, devem participar, ativamente, em todas as esferas do

governo para fazer valer e garantir os seus direitos.

Através do Estatuto do Idoso (recentemente instituído), destinado a regular os

direitos assegurados às pessoas com idade superior a 60 anos, menciona-se alguns

dos direitos dos idosos que operam no plano das sociabilidades secundárias, que

delimitam, indiretamente, a sobrevivência da instituição social.

De acordo com a legislação, o idoso goza de todos os direitos inerentes à pessoa

humana, sendo assegurada a vida, saúde física e mental, seu aperfeiçoamento

moral, intelectual, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade, sendo

estes obrigação da família, da comunidade e do poder público assegurar. Outras

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legislações contemplam o idoso, embora se trate de pesquisa científica. Não se

pretende detalhar a legislação, só alguns dos direitos serão comentados para dar a

noção de como a sociedade está se preparando para esta nova população que

cresce anualmente.

O IDOSO TEM DIREITO À VIDA

• A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar o idoso,

garantindo-lhe o direito à vida;

• O filho maior tem o dever de ajudar a amparar os pais na velhice,

carência ou enfermidade;

• O poder público deve garantir ao idoso condições de vida apropriada;

• A família, a sociedade e o poder público devem garantir ao idoso acesso

aos bens culturais, participação e integração na comunidade;

• O idoso tem direito de viver, preferencialmente, junto à família;

• O idoso deve ter liberdade e autonomia.

O IDOSO TEM DIREITO AO RESPEITO

• O idoso não pode sofrer discriminação de qualquer natureza;

• A família, a sociedade e o Estado têm o dever de:

- assegurar ao idoso os direitos de cidadania;

- assegurar sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e

bem-estar;

- os idosos devem ser respeitados pelos motoristas de ônibus, no

atendimento às suas solicitações de embarque e desembarque,

aguardando sua entrada e saída com o ônibus parado;

• todos os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviço

deverão dar preferência ao atendimento ao idoso, devendo ter placas

afixadas, em local visível, com os seguintes dizeres: “Mulheres

gestantes, mães com crianças de colo, idosos, e pessoas portadoras de

deficiência têm atendimento preferencial”;

• as farmácias devem ter assentos de braços especiais para os idosos,

mulheres grávidas e deficientes.

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• os órgãos municipais da administração direta, indireta e os ônibus

deverão ter afixado em local visível uma placa com os dizeres:

“Respeitar o idoso é respeitar a si mesmo”. O IDOSO TEM DIREITO AO ATENDIMENTO DE SUAS NECESSIDADES BÁSICAS

• À aposentadoria após completar o tempo de serviço de 35 anos para os

homens e 30 anos para a mulher;

• À aposentadoria proporcional por idade 65 anos para os homens e 60

anos para as mulheres;

• Ao benefício de prestação continuada, se tiver idade superior a 67 anos e

não possuir outras rendas e sua família não dispuser de meios para

assisti-lo;

• Receber apoio jurídico do Estado, se não tiver meios de provê-los;

• Acolhimento provisório através de Centros-Dia, e/ou Classe-Lares;

• Ser atendido nos plantões sociais da Secretaria Municipal da Família e

Bem-Estar Social, recebendo orientação, encaminhamentos, óculos e

documentação;

• Os idosos inscritos no Programa de Atendimento à Terceira Idade da

Secretaria Municipal da Família e Bem-Estar Social – FABES – têm o

direito de receber “O leite para a Vovó”.

O IDOSO TEM DIREITO À SAÚDE Poder público deve:

• garantir ao idoso acesso à saúde;

• Criar serviços alternativos de saúde para o idoso;

• Prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso;

• O idoso tem direito ao atendimento preferencial nos postos de saúde e

hospitais municipais, juntamente com as gestantes, deficientes, devendo

os mesmos serem adaptados para o seu atendimento;

• O idoso tem direito de ser vacinado, anualmente, contra gripe e

pneumonia;

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• O idoso deve ser informado sobre a prevenção e controle da

osteoporose.

O IDOSO TEM DIREITO À EDUCAÇÃO

• dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de

ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele

não tiveram acesso na idade própria;

Aos órgãos estaduais e municipais de educação compete:

• implantar programas educacionais voltados para o idoso, estimulando e

apoiando, assim, a admissão do idoso na universidade.

• Incentivar o desenvolvimento de programas educativos voltados para a

comunidade, ao idoso e sua família, mediante os meios de comunicação

de massa;

• Incentivar a inclusão dos programas educacionais de conteúdo sobre o

envelhecimento;

• Incentivar a inclusão de disciplinas de Gerontologia e Geriatria nos

currículos dos cursos superiores;

• O idoso tem o direito de participar do processo de produção,

reelaboração e fruição dos bens culturais;

• O saber do idoso deve ser valorizado, registrado e transmitido aos mais

jovens, como meio de garantir a sua continuidade, preservando-se a

identidade cultural.

O IDOSO TEM DIREITO À MORADIA Aos órgãos públicos, no âmbito estadual e municipal, cabe:

• Destinar, nos programas habitacionais, unidades em regime de comodato

ao idoso, na modalidade de casas-lares;

• Incluir nos programas de assistência ao idoso, formas de melhoria de

condições de habitalidade e adaptação de moradia, considerando o seu

estado físico e sua independência de locomoção;

• Elaborar critérios que garantam o acesso da pessoa idosa à habitação

popular;

• Diminuição de barreiras arquitetônicas e urbanas.

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O IDOSO TEM DIREITO À JUSTIÇA

• Todo cidadão tem o dever de denunciar à autoridade competente

qualquer forma de negligência ou desrespeito ao idoso;

• Ao Ministério da Justiça (nos âmbitos estadual e municipal) compete

zelar pela aplicação das normas sobre o idoso, determinando ações para

evitar abusos e lesões e seus direitos, assim como acolher as denúncias

para defender os direitos da pessoa idosa junto ao Poder Judiciário.

O IDOSO TEM DIREITO AO TRANSPORTE

• O idoso, homem com 65 anos e mulher com 60 anos, está isento do

pagamento de tarifa em todas as linhas urbanas de ônibus e trolebus

operados pela SP Transporte e empresas particulares permissionárias de

serviço de transporte coletivo;

• Todos os veículos empregados nas linhas de transporte coletivo de

passageiros, no município de São Paulo, deverão ter os quatro primeiros

lugares sentados, da sua parte diante reservado para uso por gestantes,

mulheres portando bebês ou crianças de colo, idosos e deficientes

físicos.

O IDOSO TEM DIREITO AO LAZER

• Os aposentados e idosos têm direito à meia-entrada para ingresso nos

cinemas, teatros, espetáculos e eventos esportivos realizados no âmbito

do município de São Paulo;

• Foi instituído, no âmbito do município de São Paulo, o passeio turístico

gratuito para as pessoas com mais de 65 anos de idade.

O IDOSO TEM DIREITO AO ESPORTE

• As unidades esportivas municipais deverão estar voltadas ao

atendimento esportivo, cultural, de recreação e lazer da população,

destinando atendimento específico às crianças, aos adolescentes, aos

idosos e aos portadores de deficiência;

• O município deve destinar recursos orçamentários para incentivar a

adequação dos locais já existentes e a previsão de medidas necessárias,

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quando da construção de novos espaços, tendo em vista a prática de

esportes, de recreação e de lazer por parte dos portadores de

deficiência, idosos e gestantes de maneira integrada aos demais

cidadãos;

• A Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação realizará, no mês

de setembro de cada ano, a Olimpíada Municipal da terceira Idade.

Esses direitos, em qualquer município, podem-se fazer valer, não só no município de

São Paulo como nos outros também. Basta ter boa vontade dos gestores municipais.

Eles estão contemplados no Estatuto do Idoso e em outras legislações pertinentes.

A legislação do idoso, ou seja, o Estatuto do Idoso entrou em vigor a partir de janeiro

de 2004.

3.3 A IMPORTÂNCIA DA CONVIVÊNCIA

Para Zimerman, a palavra convivência vem do latim: cum (com) + vivere (viver).22

Viver com alguém, com alguma coisa, com idéia. Desde o dia em que nasce, está

em contato com muitas pessoas. Trafega-se por diversos grupos, ocupando

diferentes papéis. Uma pessoa pode ser, ao mesmo tempo, filha, mãe, professora,

vizinha, colega, amiga, ou seja, viver diferentes papéis simultaneamente. Isso faz

com que a pessoa se sinta pertencer a algo, a alguém, ter importância ao

desenvolver este ou aquele papel. Há uma troca permanente de afeto, de carinho,

de idéias, de sentimentos, de conhecimentos, de dúvidas. A convivência é essencial

para a terceira idade. Além desse aspecto da convivência, existe outro muito

importante, que é a estimulação do pensar, do fazer, do dar, do trocar, do reformular

e, principalmente, do aprender. Outro aspecto importante é o da atualização, da

discussão, da busca de maiores conteúdos. (Zimerman, 2000, p. 34)

No grupo terceira idade do PSF José e Maria tudo isso tem como objetivo estimular

os idosos física, mental e socialmente. Exercitam-se a memória, os sentidos,

ganham confiança e auto-estima. O tempo que passam juntos é totalmente deles e

estão em um ambiente que lhes garante aceitação e respeito, sentindo-se

22 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª edição. Totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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acompanhados, amados e seguros. Desenvolvem uma forte amizade e um grande

companheirismo. Apesar das perdas que têm vivenciado, já há casos diferentes em

que há pessoas que têm de ser ajudadas para poderem se adequar à sua nova

situação, com pessoas treinadas (especialistas ou cuidadores) para dar-lhes a

melhor qualidade de vida possível. Nesses casos, é fundamental que os familiares,

o técnico e os cuidadores sejam uma família só. O entendimento, o caminhar junto, o

respeito à pessoa e o bom manejo darão ao paciente tranqüilidade e segurança para

enfrentar as adversidades. Na casa geriátrica de Petrolina-PE, existem voluntários

que fazem o papel da família e atuam como cuidadores, inclusive, a Diretoria da

Instituição Asilar. Todos engajados na perspectiva da Dávida: Dar – Receber e

Retribuir.

Sendo o envelhecimento uma perda progressiva da eficiência funcional, há sempre

uma necessidade de adequação à nova realidade. Além disso, não se deve

esquecer que cada velho é um indivíduo diferente, que precisa de um programa

pessoal de trabalho, de acordo com suas necessidades. Deve-se levar em conta seu

passado, sua bagagem, suas perdas. Assim como seu presente, suas

possibilidades, seus ganhos, seu respaldo psicossocial e econômico. Só assim se

trabalha para que esse velho seja uma pessoa mais saudável, capaz de usar todas

as suas potencialidades e ter uma vida mais feliz. (Ibid., p.35)

É baseado nestas questões que se faz importância em aprender a entender,

respeitar e valorizar os velhos, deve-se conscientizar de alguns pontos básicos. É

importante prestar atenção a alguns cuidados, tais como:

1 – Respeitar as individualidades, evitando as generalizações;

2 – Não infantilizá-los;

3 – Não tratá-los como doentes;

4 – Não tratá-los como incapazes;

5 – Oferecer-lhes cuidados específicos para sua faixa etária;

6 – Preservar sua independência e autonomia;

7 – Ajudá-lo a desenvolver aptidões;

8 – Ter paciência, pois seu tempo é outro, são mais lentos;

9 – Trabalhar suas perdas e seus ganhos;

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10 – Promover muita estimulação biopsicossocial. (Zimerman, 2000, 47)

Nesta perspectiva, tem-se a compreensão de que quando se vive não

individualmente e, sim, pelo próximo a sociedade só tem a ganhar, seja pela

solidariedade, pela dádiva, pelo dom, etc. Neste subtítulo, tem-se a contribuição de

Zimerman.

3.3.1 – Novas Atitudes É preciso parar de associar velhice com doença, morte, etc. Se os jovens de hoje

tiverem outra percepção da velhice, certamente ter-se-á uma visão mais otimista do

que foi construído pelos jovens.

Por isso é necessária uma mudança de atitude tanto dos velhos quanto dos jovens,

para que se possa estabelecer um verdadeiro diálogo e uma convivência

harmoniosa entre as diversas gerações. A sociedade é um sistema em eterna

modificação, o que exige uma adequação, uma adaptação a cada mudança. É bom

lembrar que, com o aumento da longevidade, hoje não é raro encontrar em uma

mesma família quatro gerações convivendo ao mesmo tempo. (Zimerman, 2000, p.

71)

As atitudes dos indivíduos se formam através das normas e valores dos grupos

sociais e da sociedade em que se vive. Nas diferentes culturas, os velhos desfrutam

de status variados. Na civilização ocidental, por exemplo quase sempre existe

tendência a valorizar-se mais o jovem, pois é aquele que mais “produz”. Já nos

continentes africano e oriental, a sociedade é mais tradicional e define a velhice

como a fase da sabedoria e da experiência, dando ocupação e destaque ao velho.

Ele tem funções importantes nos campos jurídico, religioso, médico, educativo e

econômico23.

Não se pode responsabilizar apenas a sociedade, os jovens, a falta de educação

dada pela família e pela escola, esquecendo o papel do velho na transmissão da

ideologia. Se ele se mostra sempre como alguém doente, deprimido, rejeitado,

23 Ibid. 71

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solitário e abandonado, será muito difícil ser aceito, pois não é fácil, nem agradável

conviver com uma pessoa assim. Se o velho admitir que doenças crônicas são

inevitáveis nessa idade e aceitá-las, ele se sentirá bem, procurará viver sua vida,

buscando satisfações e, consequentemente, não será um doente solitário e

abandonado, tornando-se uma pessoa desejável no contato com os outros.

A chave da mudança de atitudes está na própria família por meio da educação e da

sensibilização para a importância de se discutir o relacionamento entre jovens e

velhos. É importante considerar o conceito de velhice, as normas e os valores dos

grupos sociais e da sociedade, a idéia sobre velhice transmitida de geração a

geração e a própria postura do velho. É importante que sejam levados em conta

conceitos como sabedoria, tranqüilidade, aceitação, flexibilidade, responsabilidade e

amor. Mas eles não podem ser vistos unilateralmente, ou seja, achando-se que

apenas o outro deve ter esses atributos. Volta-se à necessidade de cada um se

colocar no lugar do outro, entender e aceitar as diferenças. Assim surgem os “mal-

entendidos”, que na verdade são resultados da falta de uma verdadeira

compreensão do outro. Também interfere nesse processo a questão da troca de

papéis entre pais e filhos, jovens e velhos. Não se pode deixar de mencionar a

importância do reconhecimento e da aceitação dos limites de cada um, suas

limitações, costumes, normas, regras e diferenças, além dos aspectos inconscientes,

valores éticos, morais e religiosos. (Ibid., p. 72)

Sabemos que a diferença de idade não é motivo para divergências, existem avós ou

avôs que são o referencial dos netos, seu ponto de apoio, como também jovens que

percebem que eles são os orgulhos dos avôs e avós. Há também netos que não

toleram os avós.

Esse caso revela a importância dos pais na relação entre avós e netos. Mesmo que

tenham suas restrições e problemas quanto aos pais e sogros, sabe-se que não

devem interferir na relação das crianças com os avós, deixando que elas próprias

construam seus relacionamentos e escolham seus modelos. Acredita-se, também,

que a rivalidade entre avós paternos e maternos não deve existir, pois prejudica a

estabilidade das crianças. É comum avós disputarem o amor e a atenção dos netos,

“comprando-os” com presentes e tentando ser os mais queridos.

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Essa atitude é totalmente equivocada. Se os avós amam seus netos, possivelmente

esses virão a gostar deles pelo que são, pelo modelo de pessoas e de avós que

representam e não pelo que têm a oferecer materialmente. Da mesma forma, é

muito mais importante para sua formação psicológica, social e afetiva que eles se

sintam amados, que convivam com os avós, tanto paternos quanto maternos, que

tenham idéias e sentimentos positivos a respeito. Os avós têm que estar mais

preocupados com o bem estar de seus netos e não alimentar disputas egocêntricas

para ver quem é o avô mais querido. Supõe-se que os avós, que viveram mais e têm

mais experiência, saibam que os valores têm mais significado que os objetos

materiais.

Parece ser condição indispensável para um bom diálogo entre as gerações o

respeito, a comunicação e o afeto. Colocar-se no lugar do outro, viver o outro, é

nutrir amor. (Ibid., p. 73)

A seguir, mostra-se o trabalho com grupo, por ser de suma importância para uma

construção feliz da terceira idade.

3.3.2 O trabalho com grupos

Sabe-se que o indivíduo é, por natureza, um ser gregário. Desde que nasce, vive em

interação com outras pessoas e durante seu desenvolvimento passa por diferentes

grupos: família, amigos, escola, trabalho. “O velho, no decorrer da vida, transitou por

todos esses grupos, devendo ter todos as condições internas e a necessidade de se

filiar a um grupo de pessoas iguais a ele.” (Zimerman, 2000, p. 74 )

Uma boa ilustração para o acima mencionado é o exemplo dos porcos-espinhos

descrito por Freud em seu trabalho Psicoterapia de grupo e análise do ego:

Um grupo de porcos-espinhos apinhou-se apertadamente em certo dia de frio de inverno, de maneira a aproveitarem o calor uns dos outros, e assim salvaram-se da morte por congelamento. Logo, porém, sentiram os espinhos uns dos outros, coisa que os levou a se separarem novamente. Dessa maneira, foram impulsionados, para trás e para a frente, de um problema para outro, até descobrirem uma distância intermediária, na qual podiam mais toleravelmente coexistir. (Freud apud Zimerman, 2000, p. 75)

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Em relação à dinâmica dos integrantes do grupo, o psicanalista inglês W. Bion diz

que

Em qualquer situação de convívio ou de trabalho grupal existem sempre dois planos: o primeiro é o da tarefa propriamente dita executada por todos os participantes em um nível manifesto e consciente; um segundo, subjacente a esse, é onde estão os conflitos inconscientes existentes em cada um e todos do grupo. Esses conflitos latentes têm conteúdos e formas diferentes (dependência, inveja, medo, vergonha, rivalidade, submissão, exibicionismo, sadismo, masoquismo, etc.), podem emergir ao nível manifesto da tarefa operativa do grupo e perturbar sua interação entre os elementos do grupo, perturbando sua boa marcha.

Essa interação constitui-se em uma relação de dar e receber e retribuir (dádiva), o

que leva os indivíduos a se modificarem constantemente. “É a ponte do ‘eu’ e do

‘você’, sem essa ponte o ser se desintegra, pode destruir-se a si próprio ou a

terceiros de forma acintosa”. (Bion apud Zimerman, 2000, p.75)

Através da formação de grupos é que se dá, entre os seus componentes, a

integração do indivíduo, possibilitando sua extensão individual como membro

operante de seu grupo, de sua família, de sua comunidade, através das redes de

solidariedade. Em outras, entende que pela formação de um vínculo com os

elementos do grupo que lhes dê segurança, apoio, compreensão e liberdade é que

se alcança o almejado: dar condições aos componentes do grupo para que se

desenvolvam livre e sadiamente.

Um grupo só se torna grupo, isto é, mais do que a soma de indivíduos, quando

desenvolve um determinado tipo de relacionamento, um vínculo, uma força que dá a

ele um sentido de pretender. Em todo grupo, se produz uma força interna que regula

a conduta dos seus membros e os faz-se comportarem de uma maneira peculiar,

distinta do comportamento que assumiram os membros individualmente e distinta da

interação de outro grupo qualquer.

As pessoas agem e se comportam socialmente permitindo a interação humana “para

desenvolver a interação social, que é o processo pelo qual as pessoas se

influenciam mutualmente, pela troca de pensamentos, sentimentos e reações”. (ibid.

p. 75)

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Nesta perspectiva, é por meio das experiências das interações e das oportunidades

de vivências que surgirão mudanças no comportamento, tanto como indivíduos

quanto como elementos do sistema. É no grupo que o indivíduo reconhece valores e

normas, tanto os seus como os do outro, embora diferentes dos seus ou mesmo

opostos.

Os grupos com idosos têm algumas peculiaridades. À medida que os anos vão

passando, as perdas de pessoas aumentam e os grupos exigem uma

reestruturação. O que acontece com muitos velhos é que, por uma série de razões,

eles acabam não refazendo seus contatos e ficando sem seus grupos, sejam

familiares, de trabalho, de lazer ou outros. Há uma grande necessidade de fazê-los

participar de novos grupos e ajudá-los a se enquadrar naqueles que mais satisfação

vão lhes dar, a fim de proporcionar aos idosos uma boa convivência na sociedade a

qual está engajada.

Os grupos com velhos podem adquirir distintas modalidades, conforme as

circunstâncias e os objetivos propostos por eles mesmos: 1) de integração; 2) com

familiares; entre outros nessa pesquisa, só esses dois foram delimitados.

Os grupos de integração são assim denominados porque sua finalidade principal é a

de reintegrar cada velho em sua respectiva família. Esse propósito é alcançado a

partir de uma integração prévia entre seus participantes, a ser obtida no seio do

grupo, por meio do estímulo à realização de tarefas coletivas e do assinalamento

tanto das angústias e das falsas crenças que cercam a velhice como também do

desempenho dos seus papéis e dos problemas dos mal-entendidos da

comunicação. (Ibid, 76) Esses problemas acontecem, na maioria das vezes, até com

os próprios familiares e também no grupo de terceira idade a que pertencem, ou até

mesmo na casa geriátrica.

Durante o desenvolvimento das tarefas, nos grupos do PSF do José e Maria,

percebiam-se resistências apresentadas por alguns, que derivam de uma forte

desvalia e de um acentuado medo do fracasso (o grau mais preocupante da

qualidade de vida é quando o velho está submerso em um estado mental que se

pode denominar “desistência”). Neste caso, o idoso raramente se motiva, opondo-se

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a qualquer iniciativa sob os mais diversos argumentos racionalizados. A experiência

mostrou que o indispensável descongelamento desse estado de “desistência” se

efetiva a partir dos estímulos solidários, provindos dos demais elementos do grupo,

até porque eles falam a mesma linguagem e, por isso, se sentem mais

compreendidos.

Já a família “descobre” quem é seu velho, necessidades, suas possibilidades, e o

velho, também se descobre e aprende a se conhecer. Tem-se o somatório de muitas

idades e o velho tem que descobrir e aproveitar a beleza de sua idade atual, usando

o que todas as fases vividas têm para lhe ensinar. Ele precisa redescobrir seus

gestos, suas limitações, suas possibilidades, suas vontades e seus objetivos de

vida, principalmente, o de continuar vivendo, buscando, realizando e, assim, ser

feliz. (Ibid., p. 80)

Para Zimerman (2000, p. 80), uma condição “sine qua non” do atendimento ao velho,

é que existisse um gerontólogo e fosse incorporada por todos os participantes da

equipe uma autêntica atitude interna, na qual prevaleçam a honestidade nas

demonstrações afetivas, a aceitação e o respeito pelas limitações, angústias e

possíveis ranzinzices do velho, assim como um estado de disponibilidade para

prestar esclarecimentos, interagir em momentos difíceis e ajudar a elaborar

progressivas perdas, que culminam com a possibilidade de sérias intercorrências de

doenças orgânicas ou mentais e a inevitabilidade da morte.

O que deve ser feito neste contexto, é prestar esclarecimento à família e delinear

uma linha de orientação segura e firme, para que a ansiedade da família comece a

diminuir a patamares compatíveis com a relativa gravidade da situação. Os

problemas que mais comumente observam os familiares do velho são devidos,

principalmente, a uma generalizada falta de conhecimentos mínimos quanto aos

problemas de ordem física, mental, social e de organização que cercam os velhos e

a um descrédito nas capacidades que ainda existem no velho, embora elas tenham

sido abandonadas e aparentemente, estejam perdidas, como acontece com os que,

às vezes, vão para lá porque a família não os querem mais.

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Esta última afirmativa introduz um importante problema, que a família deve conhecer

muito bem, ou seja, a distinção entre o que, de fato, representa uma perda definitiva

de alguma capacidade, as perdas que não são definitivas e que apresentam

possibilidades de serem resgatadas parcial ou totalmente. Como conseqüência de

uma subestimação, às vezes, total das capacidades e das potencialidades do velho,

alguns familiares costumam centralizar todos os encargos. Ficam, assim,

sobrecarregados, gerando um estado de ressentimento crônico, que, por sua vez,

produz um círculo vicioso do velho desamparado e do familiar cada vez mais

cansado. (Ibid., p. 81)

Comenta Zimerman, que além disso, as modificações no velho e,

consequentemente, na estrutura familiar, processam-se por etapas, de sorte que os

familiares deveriam estar preparados para partilhar os problemas novos e para

colaborar na possível troca dos papéis que cabem a cada um. Para que se alcance

essa qualidade de colaboração por parte dos familiares, torna-se indispensável

participar de grupos com o grupo familiar, os quais, conforme a variação das

circunstâncias, podem ser mensais, quinzenais ou ter outra periodicidade,

orientando-os uns com os outros. (Ibid, 81) As reuniões de acompanhamento são

importantes para a família se dar conta do que está acontecendo, bem como para

elaborar a redistribuição de papéis e verificar a necessidade da entrada de outras

pessoas (cuidadores) no caso.

O importante para cada família é seguir o ritmo, pois sua freqüência é determinada

pelo próprio relacionamento familiar, pela ansiedade, pelas culpas, pela situação

econômica de cada família e pelas mudanças no quadro do idoso. As reuniões são

positivas, porque reduzem o nível de ansiedade dos familiares, trazem dados

importantes para o acompanhamento, permitem analisar a situação e chegar a

conclusões quanto às diretrizes para com o velho, a família e os cuidadores.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste estudo oportunizou um melhor entendimento acerca do processo

de envelhecer da população, a partir das representações dos idosos. Chega-se ao

término deste trabalho consciente de que não se trata de uma produção acabada. É

sim, um estudo que remete às novas investigações, esperando que seja entendido

como indicativo de novas pesquisas, aquilo que aqui transpareça como possíveis

lacunas.

É dentro de um contexto histórico, sócio-econômico e cultural que se dá a formação

e o desenvolvimento das Representações Sociais acerca da velhice. As

representações são sociais porque surgem pela interação dos grupos sociais em

que as ações recíprocas dos indivíduos criam as associações – unidades nas quais

os códigos e regras sociais que definem concepções e práticas são construídos,

nutridos e mesmo renovados no processo de interação, pelos próprios sujeitos

sociais. Para tal, aprender como o idoso representa e auto-representa a velhice nas

relações sociais cotidianas através do saber do senso comum. Enfim, parecem estar

se (re)descobrindo e buscando a auto-realização, obstinados a melhorar sua

qualidade de vida.

Na busca da compreensão do que é ser velho, encontra-se a maneira de ser e de

viver de alguns idosos, o que ajudou a empreender uma reflexão sobre um setor

importante da vida social: a categoria velho, mas tratada de modo novo. Remexendo

fantasias socialmente repartidas num diálogo – muitas vezes mudo ou inconsciente

– entre velhos e sociedade, encontra-se velhos atuantes como nova categoria.

Ao estudar a velhice enquanto um fenômeno social, o objeto não foi esclarecer, mas

fazer parte da discussão sobre um tema que se espera constituir um vasto campo de

estudos que está a exigir atenção dos especialistas em Ciências Sociais, pois como

diz Darcy Ribeiro, mesmo “aos troncos e barrancos” o Brasil é um país que

envelhece.

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Não se pode ignorar que uma parte, não pequena, das pessoas idosas vive em

condições vergonhosas, porquanto contradizem os princípios e objetivos de uma

sociedade que se diz democrática e defensora da dignidade humana.

Realmente, são muitos e mesmo demasiados, os idosos que se encontram numa

situação de marginalidade e exclusão, que são considerados sem qualquer préstimo

e, por isso, são atirados para o caixote das coisas inúteis. Porém, a marginalidade e

a exclusão, parecendo mais graves nessa idade, têm gravidade bastante nas outras

idades.

Deste modo, foram obtidas algumas categorias que traduziram o envelhecimento de

cada indivíduo, permitindo observar que o envelhecer pode apresentar traços

peculiares a cada um, porém manifesta muitas características comuns, tais como o

período da degenerescência, o desengajamento social, a perda do poder de decisão

e viuvez. Diante dessas características, identificadas nos depoimentos, percebeu-se

que a qualidade de vida não está ligada somente aos fatores biológicos, mas aos

sociais, familiares emocionais, dentre outros.

A qualidade de vida é o fator estratégico e integrador de um esforço global e

abrangente da sociedade, de forma a reforçar o conceito do todo. De resto, a

evolução da estrutura da população deve ser entendida como uma evolução do

processo de qualidade ou qualificação da vida, da busca do aprimoramento da sua

identidade e da construção do seu sentido, do prazer e da razão de viver.

Em suma, a política do futuro não poderá deixar de ter como uma das suas linhas

centrais a configuração da vida segundo os interesses e as necessidades dos

idosos. E, dentre as várias medidas de uma verdadeira política social, emergirá,

certamente, a de lhes proporcionar uma atividade desportiva plena de sentido e

significado. Que o estatuto do idoso seja posto em prática.

Como se sabe, a estrutura de condições sociais dos idosos tem uma correlação

muito estreita com a sua condição corporal, espiritual e social e está sujeita a

grandes alterações. Alterações da estrutura familiar, o corte brusco com muitas

dimensões da vida provocado pela reforma, a conseqüente diminuição de contatos

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sociais, a resignação, o isolamento e o decréscimo da capacidade de rendimento

corporal são alguns dos fatores que jogam aqui uma influência decisiva. Ao cabo e

ao resto, trata-se de pôr termo ao estereótipo negativo do idoso e de estabelecer

uma melhor relação entre as expectativas da sociedade e as dos idosos. O desporto

dos idosos não pode seguramente alterar as circunstâncias sociais, mas pode e

deve, influenciar, positivamente, a atitude individual.

Refletir sobre a aposentadoria, já que é expressivo o número de idosos aposentados

e pensionistas, é analisar mais uma etapa do desenvolvimento do homem no seu

contexto. A preparação para a aposentadoria é um processo educativo, contínuo e

deve estar relacionada a um planejamento de vida. Pela interdependência dos

conteúdos do passado, presente e futuro, o tema interessa a qualquer idade sendo

que deveria ser discutido pelo jovem que ingressa no mercado de trabalho e por

aquele que passa a receber uma pensão sem a “necessidade” de continuar a

trabalhar.

Uma comunhão de esforços entre governo, empresas e comunidade é fundamental

para proporcionar o diálogo e os intercâmbios que levem em consideração as

carências da comunidade e a perspectiva dos aposentados, enquanto receptores ou

doadores de serviços.

Ao governo, principalmente tendo em vista a distribuição dos recursos e o aumento

considerável do número dos aposentados, caberia, através dos ministérios da

Educação, Saúde, Desenvolvimento Social e do Trabalho, junto com as empresas e

a comunidade, promover pesquisas e discussões sobre a situação atual e futura do

aposentado no Brasil, tendo em vista a ampliação dos recursos necessários e a

busca de soluções que melhorem a vida de uma população que aumenta a cada dia,

através de legislações pertinentes a este assunto, entre outras.

A terceira idade constitui uma nova expressão democrática, que objetiva perceber a

sua relação com a constituição da cidadania, na qual foram explanadas as formas

de solidariedade entre idosos e analisados os processos de institucionalização,

todos engajados na perspectiva da dádiva. Percebe-se que o tema central desta

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pesquisa envolveu a dádiva, uma vez que se procurou demonstrar que o idoso de

hoje não é mais aquele das formas tradicionais (citadas anteriormente) e sim é o que

através da tríade (dar, receber e retribuir) vive para a família, a sociedade. Embora

eles não solicitem a troca diretamente, eles só querem se sentir amados, amparados

ou seja, sentir-se gente, úteis, não só para a família como para a sociedade como

um todo. Acredita-se que eles gostariam de usar um lema sempre: “ei pessoal, eu

existo e posso ser útil.” É nesta perspectiva e em outras situações, a começar pela

família que as trocas simbólicas do espírito da dádiva de todos os idosos esperam

da vida, no reafrimar do tema central é, “O idoso e cidadania – o trabalho de

reinvenção da vida.”

A sociedade tende a confrontar-se com a crescente reivindicação e afirmação de

direitos de grupos especiais, notadamente dos portadores de deficiência, das

crianças e de outras pessoas ligadas às novas e refinadas modalidades de

marginalidade, ou seja, para além da heterogeneidade, também a complexidade dos

problemas sociais parece não diminuir e constituir uma marca dos tempos vindouros.

O desemprego e a exclusão, a violência, a insegurança e os problemas que lhes

estão associados não vão desaparecer. (Embora não sejam tratados nesta

pesquisa). Pelo contrário, surgirão em novas formas, bem mais difíceis de abordar

do que as já conhecidas, não deixando, portanto, adormecer a necessidade de

reflexão sobre a sociedade e a democracia, sobre o seu teor humanista e ético,

sobre os valores e a sua razão de ser. Isso coloca à sociedade e às suas

instituições, a obrigatoriedade de se abrirem à prestação de novos serviços e de

redefinirem e atualizarem sua missão, inclusive fazer valer a legislação pertinente ao

idoso.

Isso vale dizer que o idoso – e não apenas a criança e o jovem – deve constituir um

destinatário privilegiado e, quiçá, o principal dos esforços científicos e pedagógicos,

obrigando-se estes a colmatarem a manifesta insuficiência de fundamentações e

conceitos atualmente vigentes. Não tanto por uma questão de brio, para não ficarem

para trás, mas, sobretudo, por força das suas obrigações éticas e da sua

incumbência humanista, como expressão do respeito pelo compromisso de

contribuírem para a melhoria da vida e do homem – do homem todo e de todo

homem, em busca de sua cidadania.

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As alterações sociais ocorridas, das últimas décadas, trouxeram com elas algumas

preocupações relativamente à população idosa, uma vez que levaram à criação de

novos valores, atitudes e posições sociais que, de certa forma, entram em

contradição com os valores e tradições dos membros mais idosos da sociedade.

Uma das grandes problemáticas em relação aos idosos é, exatamente, a opção

entre o isolamento dos idosos em ambientes protegidos com características

institucionais, como exemplo, a Casa Geriátrica ou a criação e desenvolvimento de

novas alternativas que permita aos idosos envelhecer e morrer nos seus ambientes

residenciais. O apoio domiciliário, deveria ser alargado a um período de sete dias

por semana, 24 horas por dia (tal como já acontece em algumas instituições). Os

centros de dia e de convívio com transporte, permitindo ao idoso que mora num local

mais afastado ou tem problemas de locomoção deslocar-se até lá, para suprir as

suas necessidades de convívio e outras, tais como a alimentação. A instituição com

valência de Lar, mas que funcionem em regime de estada temporária, em que se o

idoso tiver necessidade vai lá apenas passar uns dias, uma semana, um mês, mas

depois volta para a sua casa. Afinal, não será preferível manter o idoso em sua casa,

onde ele tem tudo aquilo que o satisfaz, mantendo a sua autonomia e integrando-o

na sociedade, dando-lhe a possibilidade de poder contar com ajuda externa para

tudo aquilo que ele próprio definir como necessário? Esse modelo parece ser o

ideal.

Para finalizar, é de suma importância que temática como este seja lida, escrita,

debatida, pois as pessoas muito têm a conhecer sobre a vida dos idosos, da sua

cultura, do seu modo de pensar e, principalmente, de como contribuir com a

sociedade, com o nosso país. Acredita-se que este papel já está sendo assumido

por alguns programas de pós-graduação como o da UFPE (Universidade Federal de

Pernambuco).

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ANEXOS

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Figura dos idosos PSF – José Maria

Alguns integrantes do PSF - José Maria em momento de descontração.

Grupo de senhoras em momento de integração com o PSF – José e Maria.

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Figura da Casa Geriátrica

Ambiente intimo (quarto) da casa geriátrica de Petrolina.

Desfrutando do seu lazer predileto (fazer tricot) na casa geriátrica.

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ENTREVISTAS:

1 – ENTREVISTA COM IDOSOS DO PSF (PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA)

NOME: IDADE: NÍVEL DE ESCOLARIDADE: ESTADO CIVIL: PROFISSÃO (EXERCIDA): ENDEREÇO: RELIGIÃO: 1 – Qual a relação com a sua família? (se mora, apoio) 2 – Aponte as atividades profissionais já exercidas: 3 – Como preenche o seu tempo? (atividades profissionais, sociais, lazer, família, amigos) 4 – Como se mantém em relação a situação financeira? 5 – Qual a sua visão do mundo sobre a velhice? 6 – Como vê a relação sociedade e velhice? 7 – Na situação atual, como a pessoa deve se preparar para a velhice? 8 – Que contribuições o idoso pode oferecer a sociedade?

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2 – ENTREVISTA COM IDOSOS DA CASA GERIÁTRICA NOME:

IDADE:

1 – Nome Completo:

2 – Nível Escolar:

3 – Estado Civil:

4 – Morou com a família quanto tempo?

5 – Tem apoio da família? Quem?

6 – Em caso de não, quem a apoia?

7 – Quanto tempo mora na Casa Geriátrica?

8 – Porquê mora aqui?

9 – Tem aposentadoria? Quem recebe?

10 – Tem alguma religião? Qual/

11 – Já trabalhou?

12 – Com que?

13 – Faz alguma atividade?

14 – De que tipo?

15 – Recebe visitas?

16 – De quem?

17 – Tem amigos?

18 – O que pensa da velhice?

De Bem:

De Ruim:

19 – O que você pretende da vida:

20 – A sociedade lhe ajuda?

21 – Conhece os Direitos do Idoso?

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2 – CONDIÇÕES DE VIDA E REPRESENTAÇÃO COM IDOSOS DO JOSÉ E MARIA QUESTIONÁRIO I:

IDADE: ESTADO CIVIL:

SEXO: SOLTEIRO

- Masculino CASADO

- Feminino VIÚVO

OUTROS Com quem mora atualmente? Relacionamento com a família: Bom ____Ótimo ____Regular ____ A desejar Religião de Origem: Praticante: Sim: Não: Atual: Tem simpatia por outra religião? Tem simpatia por outra religião? Qual: ____________________________ Escolaridade: Analfabeto: Sim _______Não 1º Grau: Sim ______ Não 2º Grau: Sim ______Não Superior: Sim ______Não Estado Civil: Profissão / ocupação Solteiro: Sim _____Não Há quanto tempo? Casado: Sim _____Não Viúvo: Sim ______Não Outros: Sim _____ Não Rendimento: Aposentado: Sim _____ Não Pensionista: Sim _____Não Assalariado: Sim _____Não Outros: Sim _____Não Rendimento: 1 a 3 salários mínimos ( ) 3 a 6 salários mínimos ( ) Mais de 10 Salários Mínimos

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Lazer: Familiares: Sim ____Não Amigos: Sim ____Não Grupos 3ª Idade: Sim ______Não Vizinhos: Sim ______Não Viagens: ( ) Freqüentemente ( ) Raramente: ( ) Lugar que viaja: ________________________ Relacionamento familiar melhor com quem? ( ) Família ( ) amigos ( ) Grupos 3ª Idade ( ) Vizinhos Família sempre: ( ) Ausente ( ) Próxima ( ) Normal ( ) De quem mais gosta Trabalho: Não trabalha ( ) Trabalha ( ) Em que? ______________________________________ Divertimento: ( ) Nunca ( ) Sempre ( ) Ás vezes Expectativa do futuro: (O que pensa?) ______________________________________ _____________________________________________________________________ Facilidade em ser velho? Sim ( ) Não ( ) Dificuldade em ser velho? Sim ( ) Não ( )

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3 – ENTREVISTA COM SEGMENTOS LIGADOS AO IDOSO DO ACS, PSF, CASA GERIÁTRICA, PADRE MINISTÉRIO (OBTER DADOS ESTRUTURAIS E FUNCIONAIS) 1 – Profissão? __________________________________________________________

2 – Há quanto tempo trabalha com idoso? ____________________________________

3 – Que trabalho desenvolve com o idoso? ___________________________________

4 – Qual a orientação que segue para esse trabalho? ___________________________

5 – Programa as atividades para esse fim de que maneira? ______________________

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

6 – O que precisa ser melhorado?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

7 – Como avaliam a ação social para o grupo de idosos?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

8 – Porque trabalhar com idosos?

______________________________________________________________________

______________________________________________________________________

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QUESTIONARIOS:

1 – QUESTIONÁRIO GRUPOS DE 3ª IDADE – GRUPO JOSÉ E MARIA 1 – Como ficou sabendo do Grupo de 3ª Idade? __________________________________

2 – Porque procurou o grupo? _________________________________________________

3 – O que mais gosta de fazer? ________________________________________________

4 – O que acha das atividades no grupo? ________________________________________

5 – O que não gosta de fazer no grupo? _________________________________________

6 – Como se sente sendo integrante do grupo? ___________________________________

7 – Como é a relação da equipe PSF com vocês? _________________________________

8 – Quais outras atividades que poderiam ser feitas pelo grupo? ______________________

9 – Para quem dirige os grupos ou asilos? _______________________________________

10 – Tempo de fundação? ____________________________________________________

11 – Objetivo? _____________________________________________________________

12 – Cronograma de atividades? _______________________________________________

13 – Número e funções dos membros que compõem a diretoria?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

14 – Músicas e atividades que mais fazem?

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________

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4 – ROTEIRO ENTREVISTA COM O IDOSO E QUEM O CERCA 1 – O que é ser idoso?

a) Problemas e dificuldades em ser idoso:

b) Modificações do corpo: (corpo, semelhança, pensamento, comportamento, etc.)

2 – Relacionamento com a família:

3 – Participação na sociedade:

a) Amigos:

_____________________________________________________________

b) O que faz nos momentos de lazer:

________________________________________

c) Trabalho:

____________________________________________________________

4 – Como você vê?

a) Diversão:

_____________________________________________________________

b) Sexo:

________________________________________________________________

c) Futuro: (quais os seus objetivos):

__________________________________________

5 – Como o idoso é visto pela sociedade?

______________________________________

6 – Quais os direitos assegurados e cumpridos em relação ao idoso:

_________________

7 – Quais os direitos assegurados e cumpridos em relação ao idoso:

_________________

8 – Quais as expectativas para o idoso em relação ao futuro?

_______________________

9 – Qual é a vantagem em ser velho?

__________________________________________

10 – Qual é a desvantagem em ser velho?

______________________________________

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Algumas das entrevistas com idosos do PSF (Programa de Saúde da Família) e com

idosos da casa geriátrica.

Idoso P - grupo de 3a idade José e Maria

Tenho 68 anos, estudei até a terceira série, antigamente as coisas eram

difíceis na época de 30 a 50, sou viúvo, dez anos que fiquei, foi em 92, tinha 35 anos

de convivência, morreu de pneumonia em 15 dias foi-se embora. Ela fumava. Eu

também fumava. Fumo de rolo, faz 4 anos, cismei deixei...

Moro no bairro José e Maria há 22 anos, sou um dos mais antigos do bairro,

fui um dos primeiros a chegar. Isso tudo era conhecido como favela do papel,

primeiro veio um tio meu, após eu vim, quando já casado. Teve muita briga pra

gente se firmar aqui, aqui perto passava uma lagoa e ninguém queria essas terras

quando o proprietário viu, engrandeceu os oi e não queria deixar nois ficar. Foi feia

mesmo a briga, mas no final deu tudo certo... Na abriga fui um guerreiro mesmo um

orgulho dessa batalha... Só fica as lembranças dos amigos que participaram e já se

foram, poucos ainda tá vivo como eu, num deixa de ser um presente de Deus num é

mesmo.

Há já trabalhei de agricultor e me aposentei, vivo da aposentadoria pelo

FUNRURAL, já plantei milho, feijão, mandioca, algodão, hoje ta tudo muito diferente,

hoje, precisa de veneno, o povo morre por esse produto. O pessoal antes vivia mais

quando num mexia com isso.

Sou católico, gosto, vou sempre à igreja. Eu nasci nela e não mudo, hoje

tem várias igrejas só para confundir nossas cabeças, meus filhos são todos

batizados, tenho 13 filhos, são todos batizados, 11 são casados, 23 netos, criei as

13 filhas na raça, minha mulher só cuidava de casa. Todos os filhos nunca me

deram trabalho, alguns estudaram fizeram o ginásio até a Sexta, todas sabem ler e

escrever no mato as coisas são mais difícil. Moro com 3 filhos uma casada e duas

solteiras. A casada tem 2 filhos um de 7 e o outro de 6 anos. O marido dela mora em

Juazeiro porque trabalha lá tenho um filho que mora em São Paulo, outro em

Omicuri, outro em Salgueiro. Meus filhos são bom. Toda vez que fico doente eles se

chegam.

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A minha vida toda fui agricultor mais trabalhei também de zelador da

Sanassa, me aposentei por idade pelo FUNRURAL, recebo R$ 200,00 (o salário),

hoje fico só em casa, sou diabético e hipertenso, não trabalho, pra moço, tá difícil,

imagine para velho. Vou muito pra missa, festa da padroeira, procissões. Tá bom

demais, converso com muita gente, gosto de conversa que renda alguma coisa e

gosto das palestras do grupo PSF, gostava de ler mais a vista não dá mais, faço os

exames direitinho. Os amigos hoje só os fios, tem uns colegas, outros já morreram,

um irmão faleceu agora. Sinto muito, é horrível essas perdas. Vivo bem graças a

Deus. Vivo com o que tenho para ir se virando. Gastamos muito com remédio e é

porque o da pressão eu recebo no postinho, eu acho que me cuido, eu pratico

esportes, ainda me acho bem em várias coisas.

Fico tranqüilo, é novo e depois fica velho, feliz de quem fica velho pois

estou vivendo muito, meu pai e minha mãe morreu cedo, eles tinham 17 anos de

diferença, o problema vem da pressão é da família da minha mãe, sinto que existe

discriminação, mas não me afeta, se não quiser envelhecer morra logo. É só uma

nova fase não dá para comparar. Aos trinta anos, hoje dói tudo.

O que se tem a fazer é preservar a vida, não estragar a vida não deve,

sempre trabalhei muito mais beber demais não, tem que se cuidar, tem que ter

satisfação e não viver se maldizer. Isso faz mal. Gosto de ajudar as outras e dar

bons conselhos até mesmo já tenho idade para isso.

Há os direitos dos velhos precisa ter mais respeito para dar certo, né

mesmo?

Quando invadimos os terrenos tive risco de vida para nos salvar e salvar os

amigos (invasores da favela do papel) como era chamado o bairro que se tornou o

José e Maria.

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2 Idosa C – grupo familiar de 3ª idade PSF José e Maria.

A minha idade é 78, não tive oportunidade de estudar, não me botaram na

escola pois era mais de légua para chegar lá, eu e meus irmãos nunca estudamos, o

estudo era a enxada, há, há, há... Eu me lembro que pai nunca deu valor a isso e

mãe mal podia abrir a boca era só cuidar da casa. Hoje sinto falta de não saber ler.

Sou viva, tem uns 22 anos, morreu de uretra, trabalhamos na roça e cuidava de um

sitio depois que casei vim morar em Petrolina e nas apossamos do terreno que hoje

é nossa casa, começou pequeno encontramos água e fizemos 3 vão, gosto de

morar aqui, mas o marido morreu, meus filhos não moram comigo, cada um tem sua

casa, minha religião é católica, gosto muito de ir à igreja.

Tive três filhos, uma morreu com 7 dias e criei mais quatro filhos, três foram

dos meus irmãos. Hoje estão todos casados. As vezes os irmãos chegam, eu sinto

só, tenho uma filha com o juízo frouxo.

Hoje ajudo quando peço a uma colega na feira, sou aposentada, vivo da

aposentadoria e ajudo os 3 netos o dinheiro fica curto não dá para nada. Quem faz a

minha comida sou eu mesma, cuido da casa, lavo roupa, cuido às vez dos netos,

não gosto de andar muito em c asa dos outros, mas gosto de participar desse grupo

do PSF, dos passeios que o grupo faz,,, Não gosto de andar encangada com

ninguém, já tive muitas amigas que já se foram dessa vida. sinto muito a falta delas.

Sinto muita saudades, depois que meu velho foi-se tudo morreu, tudo acabou.

Acho que a minha vida ficou confusa, transtornada com a aposentadoria.

Graças a Deus, se não recebesse tinha era morrido, mas é pouco, tem muita gente

que me ajuda muito. Tudo o que ela tem na banca dela me dá às vezes falta ajuda...

esses sentimentos de não querer ser um fardo para os outros, eu acho que é o pior

de tudo, não queda depender era de ninguém.

Tem uma parte da velhice que é bom e outra ruim, de bom é a vivência,

entrega a Deus mais um dia vívido. De ruim o pior é a saudades (do marido, mãe,

irmãos) as doenças é ruim também, não escuto, nem enxergo como antigamente.

O posto de saúde ajuda muito o povo do PSF é muito bom graças à Deus

quase não compro remédio controlado de hipertensão, o posto dá o remédio evita o

açúcar sem ficar fraca, voltei a comer o açúcar pouquinho...

O jeito que tem com tudo isso é para gostar tenho vontade de viver embora

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não acho graça em nada, quero viver para ver os tios todas organizadas junto com

as netas e os bisnetos. Se cheguei até aqui... não é?

Já fumei o meu vício troquei por comida, quero mostrar que nem tudo são

flores mas temos vida... mesmo com saudades do meu velho.

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3 Idosa J – grupo de 3ª idade do José e Maria

Tenho 60 anos, só sei assinar o nome, já tenho, 30 anos de casada,

sempre trabalha na roça recebe pensão e moro no José e Maria há 3 anos, sou

evangélica, gosto muito de participar de cultos das escolas de evangelização.

Tive 11 filhos, já tenho 3 casados, uns moram na roça, fico com os netos

para ajudar os filhos a trabalhar, a pegar uns biquinhos emprego certo tá difícil.

Agora mesmo tá parado, o marido também o que ganha dá pra sustentar a casa com

muita dificuldade mesmo. Vim da roça o que agente plantava o lucro é pouquinho.

Às vezes penso em voltar as forças estão poucas. Me sinto como um atrapalha,

porque assim pertubo a minha família, queria era poder ajudar mais.

Meu afazer é botar comida no fogo, arrumar a casa, mas quando a coluna

ataca não dá, fico pedindo ajuda aos filhos e aos netos.

Minha vida é com muita dificuldade, tô pensando em voltar para. roça, o

marido quer ir, como nós estamos tá ruim não pode estar pior, né por isso que me

sinto coo um atrapalha.

Ser velho tem apoio do governo, as pessoas gostam da gente, graças à

Deus faço tudo para não perder o grupo do PSF, facilita nessas vidas, para suportar

a velhice tem que ficar bem tranqüilo, não fazer extravagância, não deveria se

preocupar assim é pior, a velhice chega mais rápido.

Gosto das pessoas, visito as colegas, semear amor, querer bem, sinto falta

dos parentes que já se foram a saudade é uma coisa ruim, me conformo foi uma

morte dada por Deus. Os nosso direitos é mais ou menos tem que ser melhorar a

única coisa que não gosto da velhice é me sentir atrapalha da família.

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4 Idoso – M. – Grupo de 3ª idade do PSF José e Maria

Tenho 75 anos, meu saber é muito pouco, o pouco de saber é de boa

vontade, não tive estudo não, mas o que aprendi foi pouco, sei escrever o nome,

não sou mais casado, sou viúvo, não fui casado no civil, só na igreja católica, sou

aposentado pelo FUNRURAL de Ouricuir (trabalhei na roça), hoje meu filho que

cuida da roça. Minha religião é católica, mas não gosto de padre, creio em deus, a

mulher era mole para caminhar e me acompanhar.

Hoje moro com filhos, uns morando comigo dentro de casa, perto tenho dois

filhos e são muito bom para mim, me dão assistência, principalmente na hora da

doença.

Trabalhei a vida toda na roça, hoje tou aposentado, já plantei de tudo,

trabalhei muito desde pequeno. Desde 93 me aposentei. Não sou eu só que boto o

dinheiro dentro de casa, ai dá pra viver. Meu fio mesmo o que cuida da roça, pois

não tenho físico para isso sempre vem prestar conta comigo.

Meu tempo é o seguinte, qualquer coisa pela rua, resolver os problemas da

rua, pagar conta, gosto de me divertir hoje não muito porque tou velho, até que me

acho velha, apesar dos 75 anos eu não tive a sensação de estar velho, só estou

encostado entendeu? O que acontece é que tem de viver, ser amigos.

Graças à Deus dá pra se manter as outras de casa contribuem. Graças à

Deus, posso ficar doente, já tenho garantido o da farmácia.., isto é, com ajuda. A

aposentadoria é boa e certinha.

A velhice é coisa boa, é o seguinte é boa porque pelo menos eu tive o

direito de viver o que muita gente não viveu. Uma coisa que tá na vista de todo

mundo, os velhos tão bem tratado, a maioria recebe aposentadoria. Na mocidade vi

muita tristeza e bandidagem no Brasil. Muita tristeza. Temos os velhos por

obrigação, não sei se estou errado. É o seguinte tratar, bem os outrosi o caboclo é o

seguinte não querer mal querencia com ninguém, não arrumar o mal para si próprio.

A lição de vida que tenho a dar é a pessoa só procurar o caminho do bem e não

querer o mal.

Gosto muito de participar do grupo do PSF José e Maria do PSF, gosto das

atividades fisica é a melhor parte, a equipe é muito boa conosco. Muito respeitada.

Nos ajuda bastante, faz festa, passeio, dar vida nova aos participantes alem de tratar

de nós.

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5 Idoso S - o 3a idade José e Maria

73 anos, nem sei ler nem escreve, só para roça, sou apresentado, sou

casado 4 filhos, 2 homens, 2 mulheres cada cá, tem sua casa, uma mora em

Curitiba era padeiro, aposentado por invalides. Diabético, pressão, católico e já

trabalhou na roça na terra da mulher.

Graças a Deus, nem tu nem minha a velha, jamais graças a Deus. 40anos

de casado. Apoia os filhos graças a Deus.

Trabalhei em Petrolina em 55 padeiro antes no inverno roça e no verão na

oleria (tijolos) sua mulher trabalhou no comércio. Só faz coisas de casa desde há 68

anos.

Andando para cá para cada com as filhas.

Mãe, os 2 filhos mais velhos me ajudou um tá no sul e outro tá na roça da

mulher

E porquê a velhice o velho é sempre discriminado até no ônibus. Os jovens

não tem educação são mal educados. O respeito não existe. No tempo do meu pai

tinha respeito hoje não tem.

A sociedade precisaria melhorar cada dia que passa a coisa vai piorar.

Já tenho caixão, lugar no cemitério, que jeito, vivo conformado. É isso que

eu digo os jovens. As coisas que acontece hoje não acontece com os velhos. Não

quer escutar conselho de ninguém.

Antigamente carnaval era bom., brincava e não tinha essa violência que

tem hoje em dia.

Não sei nem me expressar nesse ponto, pode dar um conselho, todo dia de

tarde eu fico dando conselho. Eu quero, não tenho o que dizer não. As vezes ela se

acha velha tem que sair e não se isolar. Ela pesa 96Kg.

Atualmente sou conhecido como "Velho Chico" uma homenagem ao nosso

rio conheço plantas e no final da tarde dou conselho e ensino receita sentado na

minha cadeira sou muito respeitado e fundada.., um dos meu fio ainda roça herança

da mulher o outro tá no sul.

Não, [não eu não sou velho], absolutamente. Eu estou completamente atiro,

afinal de contas estou vivo muito vivo. E dando conselho e passando receitas

caseira para quem precisa.

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6 Idosa Q – grupo de 3ª idade PSF José e Maria

Estou com 70 anos e se Deus quiser viver mais um bocado depende da

vontade do Senhor fui fundadora do bairro, brava lutadora, hoje sou hanseniana,

nunca estudei primeiro vivi no mato, meu pai dizia que mulher não é pra aprender a

ler e escrever assim ida escrever pros namorados sou casada, tenho 10 fio eu e meu

vei somos aposentado foi difici aposentar dois numa casa só, sou da religião

católica. Dos 10 fio que tenho,1 bebe muito, chega em casa quebrando tudo, tenho

uma fia que me ajuda me dá um salário por mês. Na hora da doença eles chegam.

Meu marido é diabético, operado da prosta, cada fio tem seu canto só fiquei com o

trabalhoso.

Já trabalhei pra mim, já tive budega, bar, já trabalhei em feira, doente das

varizes, vendia comida, cerveja, pinga, era em casa mesmo no tempo de Paulo

Afonso, ajudava o veio a criar os fio.

Dentro de casa, as neta vem ajuda, lava as roupas arruma a casa, faz

faxina, gosto muito desse grupo que faço parte, nós lembra das história, lembro que

no início do José e Maria tinha um homem chamado de José (não lembro o resto do

nome dele) foi um bravo lutador pelo domínio das terras.

Vivo bem, dá pra viver direitinho com o meu e o do veio e ajuda das filhas

se fosse só da aposentadoria não dava não.

Tendo saúde a velhice é boa, nem me lembro mais como era moça. O

outro tempo era bom também era um tempo sei lá prestava não e prestava. “Ave

Maria” a família toda já morreu. "Ave Maria" a saudade é demais ... (lágrimas

escorrendo pelo resto)

O povo do posto arruma a vida da gente médico tem sempre, tá bom

demais esse grupo PSF, como eu gosto das reuniões.

Tem velho que não gosta da velhice, e eu sei tem um deles que não deseja

ser velho, porque sofre muito, não quero mais saber da mocidade, meu marido não

tem vício, sempre foi trabalhador. Desejo felicidades a todos que chegou nessa

idade e para qualquer pessoa e dizer que a vida é bonita e boa, que tem de viver

numa vida organizada.

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7 Idoso R – grupo de 3ª idade PSF José e Maria

74 anos, sou alfabetizado, nasci no sítio, foram professores me ensinar, na

fazendo sou viúvo, 5 anos de viúvo, vive com 2 filhos aposentado, não ajuda os

filhos, sempre vai a igreja, mora em casa própria, já mora aqui há muito já um Serra

Talhada, atualmente estou cego desde os 25 anos, moro com 2 filhos - 1 casal e

estão solteiros, eles são bem, existe humanidade dentro do conjunto, trabalham

numa oficina de bicicleta (é dele mesmo), tem além da aposentadoria e alugueis tem

o problema de saúde, pressão alta nem belo era bem casado, ainda penso em casar

mais achar uma pessoa ai tenho medo. E acomodo porque tenho bom

relacionamento com os filhos em saúde tem distonia e agora apresentou uma

zoeideira nos ouvidos além da cegueira preenche o tempo alguém lindo para mim,

estudando a Bíblia (Brailer), passeia de ônibus, não ficar quieto sempre andando. E

prendas domésticas nem sempre vivo da aposentadoria, e de alguns alugueis acho

que a velhice anda muito ao apesar de que fica velho falta de alguma coisa. Ex. a

resistência, visão, força física, agradeço a Deus ter chegado nessa idade.

Então através de um convite pela equipe de PSF e encontrei apoio, gosto

da física, palestra, recebe muita explicação gosta dos passeios, sinto bem, ganha

saúde, não quer sair desse grupo. Aqui é uma sociedade.

Tem uma filha que mora em São Paulo.

O conselho aos mais novos é que responsável pela família. É o espelho da

família a boa vontade ajuda muito.

Olhe anos atrás a velhice não tinha quase valor. Mais hoje tem bastante

apoio.

Até quando desce no centro outro, os jovens dão o lugar no ônibus. Antes

na era mais dificil por causa dos estudos.

Eu me preparo para a velhice tom a palavra estando com Cristo nós já

estamos para velhice.

No meu pensar não sei se vou falar ou é dar prova de bondade e dialogar

com os jovens.

Sou dos fundadores e participei dos conflitos das invasões..., me sinto

estimado e respeitado por todos ....

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8 Idosa D – Grupo PSF José e Maria.

Estou com 69 anos, semi analfabeta, do tempo de que mulher não

estudava, morei na roça, o pai não deixava estudar para não fazer carta para

namorada, vivo a 9 anos, não quero casar de novo, tem 9 filhos morreu um, 2

moram na roça e os outros moram aqui perto. Casa própria tem 2 filhas e 1 neto

comigo que são solteiras.

Vivo bem com os filhos, não ajuda e recebe pensão 2 sal e sustenta todas.

Já trabalhou com roça recebe pensão e aposentadoria, preencho o tempo dentro de

casa e sempre das filhas, aconselhando, é de casa para igreja e depois que fiquei

viúva agora é que ando mesmo aproveito bastante.

Vivo bem financeiramente, só vivo nas minhas condições.

Acho bem a velhice, vive das lembranças da infância, gosta de ser alegre,

e tem idade boa, sou diabética, bico de papagaio, e coluna e pressão alta, não pego

peso, faz a dieta direitinho e tomo remédios, tomo o pó do maracujá que é bom para

diabete pois o remédio está faltando no posto.

A sociedade ajuda já esse grupo que estou aqui a E. S. F. me trata muito

bem, faço exercícios adora vir para cá (grupo 3" idade), e passear preparo com amor

ao próximo, reservo para a velhice, atender a idade paciência. Eu tenho a dizer que

seja uma pessoa boa junto a família, na paz, humilde, não fazer coisa feia muita

violência, deve dar conselho pro bem e ficar sempre junto com a família não ficar

nomeio destas coisas da vida para não procurar o que não presta.

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9 Idosa E – Casa Geriátrica

Boa, tem sobrinhas a maioria mora aqui 2 ou 3 distantes vem me visitar

pouco e vem me buscar pouco o horário de visita é inconveniente. Todas me

estimam bastante eu sou a mais velha dos irmãos, e irmãos casado e um homem

casado. Todos me estimam bastante. Eu sou a mais velha dos irmãos, e irmãs, 3

irmãs casado e um homem casado. Todos tem filhos. Só uma teve 12 a outra 20.

Graças a Deus fomou todos 7 homens e 3 mulheres o irmão que tem meus.

Entrou para ser freira com 17 anos. Era um Afrânio nas Salesianas, se

dedicou a trabalho manuais e músicas ser professora primária, jardim da infância e

alfabetização, passei 38 anos e sai por extração de ovário, trabalhei também com as

índias em missão aos 23 anos passei 7 anos com os índios fronteira com a

Venezuela e 2 em Manaus, nas margens do alto Rio Negro (Rio Tiquiê) tem as

casas missões. Era semi internado, na área educativa, e trabalhos manuais, canto,

religião católica. Alimentação a base de peixe é caça. Cada tribo tinha seu costume

e língua diferente. A língua geral de lá era o tucano. Era um pouco distante de uma

tribo para outra. Só os missionários que iam de tribo em tribo.

Eu mesmo que quis D. Malam era missionário ele era italiano Francês filho de

Italiano foi aluno de D. Bosco. Ele viu um raio de luz um D. Malan Ele profetizou um

D. Malan mandou D. Malan para Itália e foi Bispo em Mato Grosso, visitou tribo em

Mato Grosso e filmou e levou para Afrânio em Caboclo, nasci lá e me curei em

Afrânio, ele durou pouco, morreu cede e minha professora, preparou uma saudação.

Eu pequena gravei uma referência a D. Madame (foi gravada). Por causa disto se

interessou de ir para as missões e também. Uma noviça se preparando para ser

freira ela era índia foi criada pelas irmãs e tinha condições para ingressar. Estão eu

mi entusiasmei. Eu estava lá, já em Manaus lá era considera a casa das Missões,

então abriram uma casa pertencente a missões, lá tinha muitas vocações e aqui

minha família reclamava por não visitar toda vez que a família reclamava aí a Madre

me mandou passar aqui para ver a família ai eu fui para Santa Catarina. A diretora

de lá era muito boa. Ai o cisto do ovário cresceu e eu tive que operá-lo. Com isso

precisava ai esperei 20 e poucos anos com distúrbio pela necessidade e pelo rigor

eu pedi para sais para me tratar quando foi para entrar e quando foi para sai não

fizeram objeções e faz 26 anos que eu sai.

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Faço caminhada quarenta minutos agora passo por fora chego temo café,

como tudo, eu evito doce, massa, gordura não tem aqui. O que vem da refeição, aí

depois do café faço minhas orações, não deito um pouco, faço crochê sapatinhos,

luvinha e toquinha. Depois durmo, tudo me cansa com facilidade tenho 80 anos sou

de 12/02/23. Eu nunca peço um viver muito, mais graças a Deus nem lembro de

idade. Nem tira minha atividade, depois almoço, repouso um pouco. Depois, faço

crochê. A noite eu vou me arrumar para dormir rezo escuto o rádio (o terço) a hora

do Brasil - muito bom. Antes de dormir tem as orações. E assim se encerra o seu

dia. Faz de atividade uma oração.

Sou aposentada, pedi a irmão para me inscrever no INSS, foi um ano antes

de eu sair até chegar a idade de me aposentar, minha família contribui também com

o INSS Mostrei as irmãs a caderneta. Mas queriam que me aposentar por 2 salários

não se o que aconteceu que só recebo por 1 salário. Eu saí com 55 anos e minha

família contribui mais ou menos 4 anos. Minha filha já envelheci precocemente hoje

me considero melhor que antigamente

Eu acho que a sociedade ajuda mesmo que não seja materialmente. Existe

pelo menos uma boa vontade de colaborar. Tenho tantas amigas de caminhada.

Isso é sinal de compartilhar um carinho. Tem uma Senhora que me chama que você

me vê quanto a velhice todo mundo.

Deve-se preparar principalmente pela fé aceitação da vontade de Deus e

está a bondade com os outros e solidariedade. Cada um tem seu estilo de vida e na

velhice deve ter procurado não magoar ninguém.

Eu acho a educação é muito importante. Assim que não volta pura a

tristeza. Aqui tudo passa. Deus é alegria e devemos nos apoiar em Deus. Pedir

forças a Deus e não se achar capaz sem ajuda de Deus. "Tudo posso naquele que

me conforta". Vou fazendo as coisas para Deus e recebendo as respostas e criando

mais força nada te pertube.

O que vejo da velhice de ruim é que quanto fui assim um crediário não

pude só se levasse um acompanhante. Isto é exclusão desrespeito com o idoso.

Pretendo viver intensamente o dia-a-dia, não me sinto excluída muito pelo contrário,

mas as pessoas e a sociedade excluem. O importante disso tudo é ter fé com meus

80 anos, nasci em 12/02/23. na velhice tem coisa que a gente quer fazer e não pode

porque agente é discriminada. Mas nem me lembro que sou velha. A aposentadoria

é muito pouca precisava ser revista...

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10 Idosa A - Casa Geriátrica

Tenho 68 anos, não lembro a data do meu nascimento, sei ler, escrever e

fazer conta, naquele tempo fim o primário, com muita dificuldade. Sou viva, nasci em

Petrolina com a família por 38 anos. Atualmente, faz 20 anos que não vejo a família,

tive 3 filhos, fiquei viúva, me sinto só. Eu comecei a envelhecer quando meu marido

morreu, faz dois anos que moro aqui na Casa Geriátrica, estou aqui porque não

tenho para onde ir. A família me abandonou, gosto de morar aqui, tem quem olhe

pela Saúde, mas não me acostumo, fui criada solta (lágrimas nos olhos), sou

aposentada, se não recebesse aposentadoria já tinha era marido, às vezes falta

ajuda. O que recebo da aposentadoria fica todo aqui é pouco demais. Sou católica

gosto de rezar, já trabalhei de doméstica, em casa de família, hoje não faço nada,

também não escuto, nem enxergo como antigamente, aqui não precisa ajudar tem

empregado aqui, recebo visita das ordens, dos coelhos (família tradicional Petrolina),

alguns amigos vem me visitar. O que eu acho da velhice de bom que não gosto de

ser velha e de ruim. É ruim, mais Deus quis, as doenças, as saudades, falta os

parentes. Para a vida qualquer coisa me serve, me contesto com qualquer coisa. A

sociedade me ajuda pela Casa Geriátrica que me mantém aqui, pela aposentadoria,

pois é tem uma parte da velhice que é bom a outra ruim, a ruim é as saudades das

que já se foram e as doenças que aparecem, não escuto, nem enxergo como

antigamente os direito tão ai né? Não entendo disso...

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11 Idosa B – Casa Geriátrica

Há são 97 anos de vida sou de 1905 (na época da entrevista o idoso tinha

essa idade) do dia 2 de outubro, não estudei, sou viúva e pensionista, comecei a

morrer quando um marido morreu. Morei com a família até pouco tempo, tenho

pouco apoio da família sinto muita falta dos parentes que já se foram, a saudade é

coisa ruim, me conformo, se Deus quis... (pausa), foi uma morte dada por Deus. A

família demora vir me visitar, mais vem, quem vem mais é um sobrinho e um

sobrinha, moro aqui faz 4 meses, vim morar aqui por falta de recursos para me

manter, não podia continuar a morar só com a pensão, sou católica gosto de rezar e

cantar, já trabalhei em tudo, roça com bichos (bode, porco, galinha), não faço mais

nada e com 97 anos o que vai fazer mais. Eu só tou viva. Hoje enxergo muito pouco,

já ensinei bordado, recebo visita dos sobrinhos e tenho muitos amigos. Acho a

velhice uma graça de Deus, conforto, esta viva, "Deus sabe tudo" as coisas ruim da

velhice é que a mãe pode dar jeito, na vista, falta doa parentes, saudade, embora

me conformo. Espero da vida, um dia morrer pois comecei a envelhecer quando meu

marido nos proteger é bom né?