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ERA DOS EXTREMOS o breve seculo XX 1914-1991 Traduyao: MARCOS SANTARRITA Revisao tecnica: MARIA CELIA PAOLI redit;iio 40" reimpressiio ~ COMPANHIA DAS LETRAS

Hobsbawn (1994) Cap.18 Feiticeiros e Aprendizes

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Capítulo 18 de "A Era dos Extremos".

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  • ERA DOS EXTREMOSo breve seculo XX

    1914-1991Traduyao:

    MARCOS SANTARRITA

    Revisao tecnica:MARIA CELIA PAOLI

    redit;iio40" reimpressiio

    ~COMPANHIA DAS LETRAS

  • Copyright 1994 by Eric HobsbawmEsta tradur;iio e publicada por acordo com Pantheon

    Books. uma divisiio da Random House. Inc.

    Titulo original:Age of extremes

    The short twentieth century: 1914~1991

    Capa:HrHio de Almeida

    Prepara;iio mundial Seculo 20 Historia2, Seculo 20 Civiliz3

  • Pre facio e agradecimentos 7o seculo: vista aerea ,. 11

    Parte umA ERA DA CATASTROFE

    1. A era da guerra total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 292. A revolu~ao mundial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 613. Rumo ao abismo economico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 904. A queda do liberalismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1135. Contra 0 inimigo comum 1446. As artes 1914-45 1787. 0 fim dos imperios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198

    Parte doisA ERA DE OURO

    8. Guerra Fria 2239. Os anos dourados 253IO. Revolu~ao social 282II. Revolu~ao cultural 31412.0 Terceiro Mundo 33713. "Socialismo real" 363

    Parte treso DESMORONAMENTO

  • 15. Terceiro Mundo e revolur;ao 42116. Fim do socialismo 44717. Morre a vanguarda: as artes apcs 1950 48318. Feiticeiros e aprendizes: as ciencias naturais 50419. Rumo ao milenio 537

    Bibliografia 563Outras leituras 579Ilustraroes 583indice remissivo 585

  • 18

    FEITICEIROS E APRENDIZESAs ciencias naturais

    Voce acha que hd lugar para a filosa/fa no mundo de hoje?Claro, mas so se for haseada no atual estado de conhecimento e rea-

    lizw;:ao cientificos [...] Osfi/6sofos n{lOpodem isolar-se contra a cieneia.Ela nao apenas ampliou e tral1.lfomwu enormemente nossa visao da vidae do universo: tamhe,n revoluciot/ou as regras segundo as quais opera 0intelecto.

    Claude Levi-Strauss (1988)

    o texto padrc70 sohre {[ dindmica do gas eserito pelo autor quando des-frutava de lima hoLm da Funda~'c7oGuggenheim jeli por ell' descrilO comotendo tido sua forma dirada pelas necessidades da industria. Dentrodesse esquema, a confirmwJio do teoria da relatividade geral de Einsteinpassou a ser vista como um passo critico para melhorar da precisao dahalfstica militar levando-se em CO!ltaminusculos efeiros gral'iracionais d.A fisica do p6s-guerra estreitou cada vez mais sua concenrra('(/o nasdrew julgadas como de aplica~'6es militares.

    Margaret Jacob (1993. pp. 66-71

    Nenhurn periodo da historia foi mais penetrado pelas ciencias naturaisnem mais dependente delas do que 0 seculo xx. Contudo, nenhum periodo,desde a retratarrao de Galileu. sc sentiu menos a vontade com elas. Este e 0paradoxo que [em de enfrcntar 0 historiador do seculo. Mas, antes que eu tentefaze-Io. devem-sc reconhecer as dimens6es do fenomeno.

    Em 1910. todos os fisicos c quimicos alemaes e britanicos juntos chega-yam talvez a 8 mil pessoas. Em fins da decada de 1980,0 numero de cientistase engenheiros de fato empenhados em pesquisa e desenvolvimento experimen-tal no mundo era estimado em cerca de 5 milh6es. dos quais quase I milhao seachava nos EUA. principal potencia cientifica, e um numero Iigeiramcnte maior

  • nos Estados da Europa. * Emb~ra os cientistas continuassem a formar umaminuscula frac;:aoda populac;:ao, mesmo nos paises desenvolvidos, 0 numerodeles continuou a crescer de maneira impressionante, mais ou menos dobrandonos vinte anos ap6s 1970, mesmo nas economias avanc;:adas. Contudo, em finsda decada de 1980 eles formavam a ponta de urn iceberg muito maior do quese poderia chamar de mao-de-obra cientifica e tecnol6gica potencial, que refle-tia essencialmente a revoluc;:ao educacional da segunda metade do seculo (vercapitulo 10). Ela representava talvez 2% da populac;:ao global, e talvez 5% dapopulac;:ao norte-americana (UNESCO, 1991, tabela 5.1). Os cientistas de fatoeram cada vez mais selecionados por meio de uma "tese doutoral", que se tor-nou 0 bilhete odeentrada para a profissao. No fim da decada de 1980,0 pais oci-dental avan
  • reados asiaricos nao aparece representando seu pais de origem, mas comocientistas americanos. (Na verdade, dos laureados americanos, 27 san imigran-tes de primeira gera'rao.) Pois, num mundo cada vez mais globalizado, 0 fatomesmo de as ciencias naturais falarem uma unica Ifnguauniversal e operaremsob uma unica metodologia ajudou paradoxa!mente a concentra-Ias nos re!ati-vamente poucos centros com recursos adequados para seu desenvolvimentoisto e, nuns poucos Estados ricos altamente desenvolvidos, e acima de tUd~nos EUA. OS cerebros do mundo, que na Era das Catastrofes fugiram da Europapor motivos politicos, desde 1945 foram drenados dos paises pobres para osricos por motivos sobretudo econ6micos. * Isso e natural, pois nas decadas de1970 e 1980 os paises capitalistas desenvolvidos gastaram quase tres quartosde todos os or'ramentos do mundo ern pesquisa e desenvo!vimento, enquantoos pobres Cern desenvolvimento") n30 gastaram mais de 2% a 3% (UN WorldSocial Situation 1989, p. 103).

    Contudo, mesmo no mundo desenvolvido, a ciencia foi aos poucos per-dendo dispersao, em parte por causa da concentra'rao de pessoas e recursos _por razoes de eficiencia - em parte porque 0 enorme aumento na educa'raosuperior inevitavelmente criou uma hierarquia, ou antes uma oligarquia entreseus institutos. Nas decadas de 1950 e 1960, metade dos doutorados nos Esta-dos Unidos vinha das quinze universidades mais prestigiosas, para as quais,ern consequencia, acorriam os jovens cientistas mais capazes. Num mundodemocrarico e populista, os cientistas eram uma elite, concentrada nuns reJati-vamente poucos centros subsidiados. Como especie, ocorriam em grupos, poisa comunica'rao Calguem com quem conversar") era fundamental para suasatividades. Com 0 passar do tempo, essas atividades foram se tomando cadavez mais incomprcensiveis para os nao-cientistas, embora os leigos tentassemdesesperadamente entende-Ias, com a ajuda de uma vasta Iiteratura de popula-riza

  • navam os engenheirp:;;, ell~!'lal"1tcrernmeados do reinado de Vitoria as desco-bertas eletricas e qufrni
  • ignorancia, a menos que fossem eJesproprios ffsicos com pos-gradua~ao, 0que era muito improvavel. Tambem ofamqso trabalho de Alan Turing em1935, que iria Jomecer a base da moderna teoria do computador, foiescritooriginal mente como uma explora"ao especulativa para logicos matematicos. Aguerra Ihe deu, e a outros, a oportunictade de traduzir a teoria nos primordiosde uma pratica para decifra"ao de codigos, mas quando foi publicado nin-guem, com exce"ao de uns poucos matematicos, sequer leu, quanta mais to-mou conhecimento do seu trabalho. Mesmo em sua propria faculdade, 0 geniode ar desajeitado e rosto palido, entao um professor assistente com queda pelojogging, que se tamou postumamente uma especie de fcone entre os homosse-xuais, nao era uma figura de qualquer destaque; pelo menos nao 0 lembrocomo tal* Mesmo quando os cientistas se achavam visivelmente empenhadosem tentar resolver problemas de reconhecida importancia capital, so umpequeno punhado de cerebros num isolado canto intelectual sabia 0 que elesestavam preparando. Assim, este autor foi bolsista de uma faculdade emCambridge na mesma epoca em que Crick e Watson preparavam sua triunfan-te descoberta da estrutura do DNA (a "Dupla Helice"), imediatamente reconhe-cida como uma das conquistas fundamentais do scculo. Contudo. embora euatc me lembre de tel' conhecido social mente Crick na epoca, a maioria de nossimplesmente nao sabia que esses fatos extraordinarios estavam sendo maqui-nados a umas poucas dezenas de metros dos port6es de minha faculdade, emlaboratorios pelos quais passavamos regularmente e pubs onde bebfamos. Naoc que nao nos interessassemos pOI'essas questoes. Os que as pesquisavam sim-plesmente nao viam sentido em falar-nos delas. lima vez que nao podfamoscontribuir para 0 seu trabalho. nem sequel', provavelmente, entender quaiseram os seus problemas.

    Apesar disso. pOI'mais esotcricas e incompreensfveis que fossem as ino-vai;oes da ciencia. assilll que eram feitas se rraduziam quase illlediatamente emtecnologias praticas. Assilll. os {ransis{ores surgiram como urn subproduto depesquisas na ffsica do cs{ado s61ido. is{o e. as propriedades elelrolllagnc{icasde cristais ligeiramentc illlperfeilos. em 1948 (seus inventores rcceberam 0

    (*) Turing suicidou-se em IYS4. ar6~ ser condenado por cunduta hOlllossexuaL enr;1O of i-ciallllenlt' crime elida como Urll

  • Premio Nobel oito anos depois), Gomo aconteceu com os lasers (1960), quevieram nao de estudos 6pticos, mas de trabalhos para fazer moleculas vibra-rem em ressonancia com urn campo magnetico (Bernal, 1967, p. 563). Seusinventores tambem foram logo reconhecidos com Premios Nobel, como 0foi - tardiamente - 0 ffsico de Cambridge sovietico Peter Kapitsa (1978),pelo trabalho em ffsica de baixa temperatura que produziu os supercondutores.A experiencia de pesquisa do tempo da guerra, em 1939-46, que demonstrou- pelo menos aos anglo-americanos - que uma esmagadora'concentrayao derecursos podia resolver os mais diffceis problemas tecnol6gicos num tempoimprovavelmente curto, * estimulou 0 pioneirismo cientffico, independente-mente de custos, para fins belicos ou de prestfgio nacional (por exemplo, a ex-plorayao do' espayo c6smico). Isso, par sua vez, acelerou a transforma~ao daciencia de laborat6rio em tecnologia, parte da qual revelau ter um amplo poten-cial para 0 usa diario. Os lasers san um exemplo des sa rapidez. Vistos pela pri-meira vez em laborat6rio em 1960, tinham em infcios da decada de 1980 che-gada ao consumidor em fomla de compact disc. A biotecnologia foi ainda maisnipida. As tecnicas de DNA recombinante, ou seja, tecnicas para combinar genesde uma especie com os de outra, foram reconhecidas pela primeira vez comoadequadamente praticaveis em 1973. Menos de vinte anos depois, a biotecno-logia era uma coisa comum no investimento medico e agrfcola.

    Alem disso, grayas em grande parte a espantosa explosao de teOlia e pratica da inforrnac;:ao. novos avanyos cientfficos foram se traduzindo, em espayosde tempo cada vez menores. numa tecnologia que nao exigia qualquer compreensao dos usuarios finais. 0 resultado ideal era um conjunto de botoes outeclado inteiramente a prova de eITO,que requeria apenas apertar-se no lugarcerto para ativar um procedimento que se movimentava. se cOITigiae, ate ondepossfve!' tomava decisoes. sem exigir maiores contribuic;oes das qualificayoes einteligencia limitadas e inconllaveis do ser humano medio. Na verdade, idealmente, podiase programar 0 procedimento para dispensar de todo a intervenc;:aohumana. a nao ser quando alguma coisa dava errado. A cobranya nos caixas dossupermercados na decada de 1990 tipitlcava essa eliminayao do elemento hu-mano. Nao exigia do operador humano mais que reconhecer as cedulas e moe-das do dinheiro local e registrar a quantidade entregue pelo cliente. Um scannerautomatico traduzia 0 c6digo de baITas do artigo num prec;:o,somava todos osprec;os. deduzia 0 total da quantia entregue pelo c1iente, e dizia ao operadarquanto dar de troco. 0 procedimento para assegurar 0 desempenho de todas

    (",) Em c,sencia. hoje csla claro que a Alemanha nazisla n"o conseguiu fazer uma bombanuclear niio porque os cicnlislJs alemaes nao soubessem fazela. ou niio tentassem. com diferenICS graus de rclutancia. mas porque a maquina de guerra alema niio quis ou nao pode dedicar-Ihcos recursos necess:1rios. Eles ahandonaram a tentativa e passaram para 0 que parecia ulna concen-tra~iio mais efetiva em tennos de custos. os foguetes. que prometiam retornos mais rapidos.

  • essas atividades e extraardinariamente complexo, pois se baseia numa combina-yao de maquinaria enonnemente sofisticada e programayao bastante elaborada.Contudo, a menos ou ate que alguma coisa desse errado, esses milagres de tec-nologia cientffica de fins do seculo xx nao exigiam mais dos operadores que 0reconhecimento dos numeras cardinais, um minimo de atenc,:aoe uma capacida-de um tanto maior de concentrada tolerancia de tedio. Nao exigia sequer alfabe-tizac,:ao.Para a maioria dos operadores, as fon.;as que 0 mandavam infonnar aocliente que ele ou ela devia pagar 2,15 libras, e 0 instruiam a devolver 7,85 detraco para uma nota de dez, eram tao irrelevantes quanta incompreensiveis. Naoprecisavam entender nada delas para opera-Jas. 0 aprendiz de feiticeiro nao pre-cisava mais preocupar-se com sua falta de conhecimento.

    Para fins pniticos, a situac,:aodo operador de check-out do supermercadorepresentava a nonna humana de fins do seculo XX; os milagres da tecnologiacientifica de vanguarda, que nao precisamos entender nem modificar, mesmoque saibamos, ou julguemos saber, 0 que esta acontecendo. Outra pessoa 0 faraau ja fez por nos. Pois, mesmo que nos suponhamos especialistas num ou nou-tra campo detenninado - ou seja, 0 tipo de pessoa que pode consertar 0 apa-relho se der problema, au projeta-Io, ou construi-lo -, diante da maioria dosoutros produtos diarios da ciencia e tecnologia somos leigos ignorantes semcompreender nad,l. E mesmo que nao fassemos. nossa compreensao do que eque faz a coisa que usamos funcionar, e dos principios par mis dela. e em gran-de parte conhecimento irrelevante, como e 0 processo de fabricar cartas de ba-ralho para 0 (honesto) jogador de paquer. As maquinas de fax sac projetadaspara uso por pessoas que nao tem ideia de como a maquina em Londres repro-duz um texlo que foi posta nela em Los Angeles. Nao funcionam melhor quan-do operadas por professores de eletranica.

    Assirn a ciencia. atraves do tecido salurado de tecnologia da vida humana,dernonstra diariamente seus milagres ao mundo de fins do seculo xx. E tao in-dispensavel e onipresente - pois mesmo os mais remotos confins da huma-nidade conhecem 0 radio lransistorizado e a calculadora eletronica - quantoAla para 0 mu

  • veremos, mas a propria religiao se tomou tao dependente da ciencia da tecno-logia baseada na alta ciencia quanto qualquer outra atividade humana nomundo desenvolvido. Se necessario, um bispo, ima ou homem santo na deca-da de 1900 podia realizar suas atividades como se Galileu, Newton, Faradayou Lavoisier jamais houvessem existido, ou seja, com base em tecnologia doseculo xv, e a tecnologia do seculo XIX nao criou problemas de compatibilida-de com a teologia ou textos sacros. Tomou-se muito mais diffcil ignorar 0 con-flito entre ciencia e escritura sagrada numa era em que 0 Vaticano se viu obri-gada a comunicar-se por satelite e testar a autenticidade do sudario de Turimpor data~ao de ractio-carbono; em que 0 aiatola Khomeini difundiu suas pal a-vras do exterior para 0 Ira por meio de fitas cassete; e em que Estados dedica-dos as leis do Corao tambem se empenhavam em equipar-se com armas nu-cleares. A aceitac;ao de facto da ciencia contemporanea mais sofisticada, via atecnologia que dela dependia, era tal que na Nova York de .fin-de-siecle asvendas de produtos eletronicos super-high-tech se tomaram em grande parteespecialidade dos hassidim, um ramo de judaismo messianico oriental conhe-cido, alem de seu extremo ritualismo e insistencia em usar uma versao seculoXVIII de trajes poloneses, por preferir a emo~ao extatica a investiga~ao intelec-tua\. Sob certos aspectos, a superioridade da "ciencia" era ate mesmo oficial-mente aceita. Os protestantes fundamentalistas nos EUA, que rejeitavam ateoria da evolu~ao como nao evangelica (tendo 0 mundo sido criado em suaatual versao em seis dias). exigiram que a doutrina de Darwin fosse substi-tUlda, ou pelo men os contrabalan~ada, pela doutrina que eles chamavam de"ciencia da cria~ao".

    E no entanto, 0 secul0 xx nao se sentia a vontade com a ciencia que foraa sua mais extraordinaria realiza~ao, e da qual dependia. 0 progresso das cien-cias naturais se deu contra um fulgor, ao fundo, de descontianc;a e medo, devez em quando explodindo em chamas de 6dio e rejeic;ao da razao e de todosos seus produtos. E no espac;o indelinido entre cicncia e anticiencia, entre osque buscavam a verdade ultima pelo absurdo e os profetas de urn mundo com-posto exclusivamente de tic~oes, encontramos cada vez mais esse produto tipi-co e em grande parte americano do seculo, sobretudo de sua segunda metade,a ficc;ao cientitica. 0 genero, antecipado por Julio Verne (1828-1905), foi ini-ciado por H. G. Wells (1866-1946) no tinzinho mesmo do seculo XIX. Emborasuas formas mais juvenis, como os conhecidos westerns espaciais da TV e datela grande, com capsulas cosmicas em lugar de cavalos e raios da morte emlugar dos trabucos de seis balas, continuassem a velha tradic;ao de aventurasfanuisticas com engenhocas high-tech, na segunda metade do seculo as contri-buic;oes mais serias '10 genero se inclinaram para uma visao mais sombria oupelo menos ambigua da condi~ao humana e suas perspectivas,

    A descontiam;:a e 0 medo da ciencia eram alimentados por quatm senli-mentos: 0 de que a ciencia era incompreensivel: 0 de que suas conseqUencias

  • tanto pn'iticas quanto morais eram imprevisfveis e provavelmente catastroficas;o de que ela acentuava 0 desamparo do indivfduo, e solapava a autoridade.Tampouco devemos ignorar 0 sentimento de que, na medida em que a cienciainterferia na ordem natural das coisas, era inerentemente perigosa. Os primei-ros dois sentimentos eram partilhados tanto por cientistas quanto leigos, osdais liltimos pertenciam basicamente aos de fora. Os leigos so podiam reagircontra seu senso de impotencia buscando coisas que "a ciencia nao pode expli-car", na linha do hamletiano "Ha mais coisas entre 0 ceu e a terra ... do quesonha a tua va filosofia", recusando-se a acreditar que elas pudessem algumdia ser explicadas pela "ciencia oficial", e ansiando por acreditar no inexplica-vel fJorque parecia absurdo. Pelo menos num mundo desconhecido e incognos-cfvel todos estariam igualmente impotentes. Quanto maiores os triunfos pal-paveis da ciencia, maior a fome de buscar 0 inexplicavel. Pouco depois daSegunda Guerra Mundial, que culminou na bomba atamica, os americanos(1947), acompanhados depois por seus seguidores culturais, os britanicos, pas-saram a ver a chegada em massa de "objetos voadores nao identificados", cla-ramente inspirados pela fiq:ao cientffica. Acreditavam com toda a firmeza queeles vinham de civiliza~6es extraterrestres diferentes e superiores a nossa. Osobservadores mais entusiasticos chegaram a ver de fato seus cidadaos, de for-mas estranhas, saindo desses "discos voadores", e urn ou dois ate mesmo dis-seram ter pegado caron a com eles. 0 fenameno tomou-se mundial, embora urnmapa da distribui~ao das aterrissagens desses extraterrestres mostrasse umaseria preferencia pelo pouso ou sobrevao em territorios anglo-saxanicos.Qualquer ceticismo em rela~ao aos OVNIS era atribufdo ao cilime de cientistasde mentalidade tacanha, incapazes de explicar fenamenos alem de seus es-treitos horizontes, talvez ate mesmo a uma conspira~ao dos que mantinham 0homem comum em servidao intelectual para ocultar-lhe urn saber superior.

    Nao se tratava das crenr,:as em magia e milagres das sociedades tradicio-nais, para as quais essas interven~6es na realidade faziam parte de vidas muitoincompletamente controlaveis, e muito menos espantosas do que, digamos, avisao de urn aviao ou a experiencia de falar a urn telefone. Tampouco eramparte do fascfnio permanente e universal dos seres humanos com 0 mons-truoso, 0 aberrante e 0 maravilhoso, de que a literatura popular da testemunhodesde a inven~ao da imprensa. Eram uma rejeir,:ao das afirmar,:6es e do domf-nio da ciencia, as vezes de maneira consciente, como na extraordinaria rebe-liao (mais uma vez centrada nos EUA) de grupos perifericos contra a pnitica depar fluor no abastecimento de agua, depois de descobrir-se que a absor~aodesse elemento reduziria de forma impressionante a deteriorar,:ao dental empopula~6es urbanas modernas. Isso enfrentou uma resistencia apaixonada naoapenas em nome da liberdade de preferir caries, mas (em seus oponentes maisextremados) como uma trama viI para enfraquecer os seres humanos pelo en-venenamento compulsorio. E nessa rear,:ao, vividamente retratada no filme

  • Doutor Fantastico (1963),d~StaJlley Kubrik, a desconfianr;a da ciencia comotal se fundiu com 0 medo desuas conseqtiencias pniticas.

    Esse medo tambem foi espalhado pela inata hipocondria da cultura ~lne-ricana, a medida que a vida era cada vez mais submersa pel a tecnologiamodema, incluindo a tecnologia medica, com seus riscos. 0 extraordinariogosto dos EUA por deixar que 0 Iitfgio responda a todas as questoes na disputahumana permite-nos acompanhar esses medos (Huber, 1990, pp. 97-118).Os espermicidas causavam efeitos colat~rais? As Iinhas de transmissao deenergia eletrica faziam mal a pessoas que moravam perto delas? 0 fosso entreos especialistas, que tinham algum criterio para julgar, e os leigos, que s6tinham esperanr;a ou medo, foi alargado pela diferenr;a entre a avaliar;ao desa-paixonada, que bem poderia achar urn pequeno grau de risco urn prer;o a pagarpor urn grande grau de beneficio, e indivfduos que, compreensivelmente, dese-javam risco zero (pelo menos em teoria). *

    Na verdade, esses eram os temores da desconhecida amea

  • como insuficientemente "materialista" no sentido leninista da palavra, emboraambos a tolerassem na pnltica, pois os Estados modemos nao podiam passarsem os fisicos, que eram pos-einsteinianos ate 0 fim. Os nacional-socialistas,porem, se privaram da flor do talento europeu continental na ffsica, expulsan-do judeus e adversarios ideologicos para 0 exflio, e incidentalmente destruin-do a supremacia cientffica alema de principios do seculo ao fazer isso. Entre1900 e 1933, 25 dos 66 Premios Nobel de ffsica e qufmica tinham ido para aAlemanha, mas depois de 1933 so cerca de urn em dez. Nenhum dos dois regi-mes se achava tampouco afinado com as ciencias bioJogicas. As politicasraciais da Alemanha nazista horrorizavam os geneticistas serios, que - emgrande parte devido ao entusiasmo dos racistas peJa eugenia - haviam come-\;ado no principio do seculo a por uma certa distancia entre si e as politicas deseleyao e reprodu\;ao geneticas humanas (que inclufam matar os "incapazes"),embora se deva admitir, com tristeza, que houve bastante apoio ao racismonacional-socialista entre bi610gos e medicos alemaes (Proctor, (988). 0 regi-me sovietico, sob Stalin, viu-se em choque com a genetica tanto por motivosideol6gicos quanta porque a politica do Estado estava comprometida com 0principio de que, com suficiente esfor\;o, qua/quer mudan\;a era realizavel,enquanto a ciencia indicava que, no campo da evolu\;ao em geral e da agricul-tura em particular, nao era assim. Em outras circunstil.ncias, a controversia dosbi610gos evolucianistas entre os seguidores de Darwin (para os quais a heran-\;a era genetical e os de Lamarck (que acreditavam na heran\;a de caracterfsti-cas adquiridas e praticadas durante a vida do individuo) teria sido deixada paraser acertada em seminarios e laborat6rios. Na verdade, era encarada pela maio-ria dos cientistas como ja acertada em favor de Darwin, quando nada por ja-mais ter-se descoberto qualquer indicio satisfat6rio de heran
  • rela
  • de logica baseado no senso comum ou por ele imaginado. Os dois rompimen-tos refor~aram-se urn ao outro, pois 0 progresso das ciencias naturais pas sou adepender cada vez mais de pessoas escrevendo equa~6es (ou seja, senten~asmatemMicas) em pranchetas de papel do que fazendo experiencias em labora-torio. 0 seculo xx seria 0 seculo dos teoricos dizendo aos pniticos 0 quedeviam buscar e encontrar a luz de suas teorias; em outras palavras, 0 seculodos matemMicos. A biologia molecular, na qual, me informa uma boa autori-dade, ainda ha muito pouca teoria, e uma exce~ao. Nao que a observa~ao e aexperimenta~ao fossem secundarias. Ao contrario, sua tecnologia foi mais pro-fundamente revolucionada que em qualquer epoca desde 0 seculo XVII pelosnovos aparelhos e as novas tecnicas, varios dos quais iriam receber a consa-gra~ao cientffica ultima dos Premios Nobel. * Para citar apenas urn exemplo,as limita~6es da amplia~ao simplesmente optica foram superadas pelo micros-copio eletronico ( 1937) e pelo radiotelescopio (1957), com 0 resultado de quese tornou possfvel uma penetra~ao muito mais profunda no reino molecular emesmo atomico e nas distiincias do universo. Nas decadas recentes, a automa-~ao da rotina, e formas cada vez mais complexas de atividade e calculo de labo-rat6rio, como as por computadores, elevaram mais e enormemente os poderesdos experimentadores, observadores, e cada vez mais dos te6ricos construtoresde modelos. Em alguns campos, notadamente na astronomia, isso levou a faze-rem-se descobertas, as vezes por acaso, que posteriormente levaram a inova~aoteorica. A modern a cosmologia e no fundo 0 resultado de duas dessas desco-bertas: a observa
  • de Planck e Einstein e pela transformayao da teoria atomica que se seguiu a des-cobena da radiatividade na decada de 1890. Era objetiva, ou seia, podia se sub-meter a observayao adequada, sujeita a limitayoes tecnicas na aparelhagem deobservayao (por exemplo, 0 microscopio ou telescopio opticos). Nao era ambi-gua: urn objeto ou fenomeno cra uma coisa ou outra, e a distinyao cntre elas eraclara. Suas leis eram universais, igualmente validas no nivel cosmico e micro-cosmico. Os mecanismos que ligavam os fenomenos eram compreensiveis (istoe, capazes de ser cxpressos como "causa e efeito"). POl' consegtlinte. todo 0 sis-tema era em princfpio detenninista, e 0 objetivo da experiencia em laboratorioera demonstrar essa determinayao eliminando, na medida do possivel, a com-plexa confusao de vida comum que a ocultava. So urn tolo ou uma crianya iriadizer que 0 ~oo dos passaros e borboletas negava as leis da gravidade. Os cien-tistas sabiam muito bem que havia declarayoes de principios "nao cientificas.mas estas nao eram de seu interesse como cientistas.

    Todas essas caracteristicas foram questionadas entre 1895 e 1914. Era aluz urn continuo movimento de onda ou uma emissao de discretas partfculas(fotons). como queria Einstein. seguindo Planck') As vezes era melhor trata-lacomo uma COiS

  • nucleares, em Los Alamos, a caminho da prepara
  • Que acontecia, de fato, as certezas da propria ciencia, quando se tomavaclaro que 0 proprio processo de observar fenomenos no nivel subatomico naverdade os modificava. Por esse motivo, quanto mais precisamente queremosconhecer a posiao de uma partfcula subatomica, mais incerta deve ser a velo-cidade deJa. 1a se disse de qualquer meio de observaaO detalhada para des-cobrir onde esta "realmente" urn eletron: "Olha-lo e derruba-lo" (Weisskopf,1980, p. 37). Esse foi 0 paradoxo que urn brilhante jovem ffsico alemao, WernerHeisenberg. generalizou em 1927 no famoso "principio da incerteza" que trazo seu nome. 0 fato mesmo de que 0 nome se concentra em incerteza e signi-ficativo, pois indica 0 que preocupava os exploradores do novo universo cien-tifico quando deixavam para tras as certezas do velho. Nao que eles propriosestivessem incertos ou produzissem resultados duvidosos. Ao contrario, suasprevisoes teoricas, por mais implausfveis e bizarras que fossern, eram consta-tadas pela monotona observaaO e experiencia. desde a epoca em que a teoriada relatividade geral de Einstein apareceu (1915) e foi constatada em 1919 poruma expedil(ao britanica de observal(ao de urn eclipse. que descobriu que a luzde algumas estrelas distantes era desviada em direl(ao ao sol, como previa ateoria. Para fins praticos, a ffsica das partfculas era tao sujeita a regularidade etao previsfvel quanto a ffsica newtoniana. embora de uma maneira diferente; ede qualquer modo, no nfvel supra-atomico, Newton e Galileu continuavamcompletamente validos. 0 que deixava os cientistas nervosos era que naosabiam como juntar 0 velho e 0 novo.

    Entre 1924 e 1927. as dualidades que tanto perturbavam os fisicos no pri-meiro quartel do seculo foram eliminadas, ou antes postas de lado, por urn bri-Ihante golpe da ffsica matemMica. a construl(ao da "mecanica quantica", imagi-nada quase simultaneamente em varios pafses. A verdadeira "realidade" dentrodo atomo nao era onda nem partfcula, mas indivisfveis "estados quanticos" quese manifestavam potencial mente como qualquer uma das duas, ou como am-bas. Era inutil encara-la como urn movimento contfnuo ou descontinuo. porquenao podemos, nem agora nern nunca. seguir passo a passo 0 carninho do ele-tron. Conceitos da ffsica classica como posiao, velocidade ou impulso nao seaplicarn alem de determinados pontos. assinalados pelo "principio da in-certeza" de Heisenberg. Mas, claro. para alern desses pontos aplicam-se outrosconceitos. que produzern resultados que estao longe de ser incertos. Estes sur-gem dos padroes especfficos produzidos pelas "ondas" ou "vibraoes" de ele-trons (de carga negativa), rnantidos. dentro do espa\o confinado do arorno.perto do nucleo (positivo). Sucessivos "estados quanticos" dentro desse espa-0 confinado produzern padroes bem definidos de frequencias diferentes. que.como mostrou Schrodinger em 1926, podern ser calcu lados, como tarnbern aenergia correspondente a cada urn deles Crnecanica de onda"). Esses padroesde eletrons tinham urn poder preditivo e explanatorio bastante notavel. Assirn,rnuitos anos depois. quando se produziu plutonio pela prirneira vez ern reaoes

  • nucleares, em Los Alamos, a caminho da prepara
  • troca de energia, e, ao fazer isso, houvesse preservado espayo, tempo e causa-Iidade cl
  • Na verdade, enquanto os ffsicos aprendiam a dar de ombros a questoes filoso-ficas, enquanto mergulhavam no novo territorio que se abria a sua frente, 0segundo aspecto da crise se tornava ainda mais importuno. Pois nas decadasde 1930 e 1940 a estrutura do Momo foi se tornando cada vez mais complica-da de ana para ano. Desaparecera a simples dualidade de nucIeo positivo e ele-tron(s) negativo(s). Os atomos eram agora habitados Ror uma fauna e floracrescentes de partfculas elementares, algumas de fato muito estranhas.Chadwick, de Cambridge, descobriu a primeira dessas em 1932, os neutronseletricamente neutros - embora outros, como 0 neutrino sem massa e eletri-camenre neutro, ja houvessem sido previstos em bases teoricas. Essas particu-las subatomicas, quase todas de vida breve e passageiras, multiplicavam-se,sobretudo sob 0 bombardeio dos aceleradores de alta energia da "grandeciencia", que se tomaram disponfveis depois da Segunda Guerra MundiaJ. Nofim da decada de 1950, havia mais de cern delas, e nao se via 0 fim. 0 quadrose complicou ainda mais, a partir de infcios da decada de 1930, com a desco-berta de duas for
  • vidade. A multiplica
  • Alem disso, havia 0 absurdo, puro e simples, que era grande parte domundo dos novos ffsicos. Enquanto se limitava ao interior do atomo, nao afe-tava diretamente a vida comum, que mesmo os cientistas vivem, mas pelomenos uma descobena nova e nao assimilada nao podia ser posta de quaren-tena desse jeito. Era 0 fato extraordinario, previsto por alguns com base na teo-ria da relatividade, mas observado pelo astronomo americano E. Hubble em1929, de que todo 0 universo parecia estar-se expandindo num ritmo eston-teante. Essa expansao, que ate mesmo muitos cientistas achavam dificil deengolir, alguns idealizando teorias alternativas de "estado firme" do cosmos,foi constatada por outros dados astronomicos na decada de 1960. Era impos-sivel nab especular sobre aonde essa expansao 0 estaria levando (e a nos),quando e como come~ara, e portanto sobre a historia do universo, a partir do"big-bang" inicial. lsso produziu 0 florescente campo da cosmologia, a parteda ciencia do seculo xx mais prontamente transformada em best-sellers.Tambem aumentou enormemente 0 elemento de historia nas ciencias naturais,ate entao (a nao ser pela geologia e seus subprodutos) orgulhosamente desin-teressadas dela, e incidentalmente reduziu a identificar;ao de ciencia "pesada"com experiencia, isto e, com a reprodu~ao de fenomenos naturais. Pois comose podiam repelir acontecimentos irrepetiveis'J 0 universo em expansao, as-sim, aumentou a confusao tanto de cienlistas como de leigos.

    Essa confusao cOnfitlliOUos que viveram a Era das Catastrofes, e sabiamou pensavam sobre tais questoes, em sua convic~ao de que um velho mundoacabara, ou, no minimo dos minimos, se achava em convulsao terminal, masainda nao se discemiam claramente os contomos do novo. 0 grande Max Plancknao tinha duvida sobre a rela~ao entre a crise na ciencia e na vida exlema:

    Estamos vivendo um momenta hast ante singular da hist6ria. E um ll1omento decrise no sentido literal desta palavra. Em cada ramo de nossa civiliza

  • Alem disso, havia 0 absurdo, puro e simples, que era grande parte domundo dos novos ffsicos. Enquanto se limitava ao interior do Momo, nao afe-tava diretamente a vida comum, que mesmo os cientistas vivem, mas pelomenos uma descoberta nova e nao assimilada nao podia ser posta de quaren-tena desse jeito. Era 0 fato extraordinario, previsto por alguns com base na teo-ria da relatividade, mas observado pelo astronomo americano E. Hubble em1929, de que todo 0 universo parecia estar-se expand indo num rirmo eston-teante. Essa expansao, que ate mesmo muitos cientistas achavam diffcil deengolir, alguns idealizando teorias alternativas de "estado firme" do cosmos,foi constatada por outros dados astronomicos na decada de 1960. Era impos-slvel nao especular sobre aonde essa expansao 0 estaria levando (e a nos),quando'e como comec;;ara, e portanto sabre a hist6ria do universo, a partir do"big-bang" inicial. Isso produziu 0 florescente campo da cosmologia, a parteda ciencia do secuIo xx mais prontamente transformada em best-sellers.Tambem aumentou enormemente 0 elemento de historia nas ciencias naturais,ate entao (a nao ser pela geologia e seus subprodutos) orgulhosamente desin-teressadas dela, e incidentalmente reduziu a identificac;;ao de ciencia "pesada"com experiencia, isto e, com a reproduC;;ao de fenomenos naturais. Pois comose podiam repetir acontecimentos irrepetlveis'l 0 universo em expansao, as-sim, aumentou a confusao tanto de cientistas como de leigos.

    Essa confusao confirmou as que viveram a Era das Catastrofes, e sabiamou pensavam sabre tais quest6es, em sua convicc;;ao de que urn velho mundoacabara, ou, no mlnimo dos mlnimos, se achava em convulsao terminaL masainda nao se discemiam claramente os contomos do novo. 0 grande Max Plancknao tinha duvida sobre a rela~ao entre a crise na ciencia e na vida extema:

    Estamos vivendo um momento bast ante singular da hist6ria. E um momemo decrise no sentido literal desta palavra. Em eada ramo de nossa eiviliza.;;ao espiri-tual e material pareeemos ter chegado a um ponto de virada eritieo. Esse espiritose mostra nao s6 no estado real dos assuntos publicos, mas tambem na atitudegeral em relaC;ao a valores fundamentais na vida pessoal e social [... ] Agora 0 ico-noclasta invadlu 0 templo da ciencia. Diticilmente havera um axioma cienliticoque nao seja hoje negado por alguem. E ao mesmo tempo praticamente qualquerteoria idiota Ljuase certamente teria cremes e discipulos num lugar ou noutro.{Planck. 1933, p. 64)

    Nada era mais natural que urn alemao de classe media criado nas cene-zas do seeulo XIX cxpressasse tais sentimentos nos dias da Grande Depressaoe da ascensao de Hitler ao poder.

    Apesar disso, tristeza era 0 oposto do que a maioria dos cientistas sentia.Eles concordavam com Rutherford, que disse it Associa

  • novos, emocionantes e profundos avan~os. A comunidade cientffica ainda erabastante pequena, peIo menos em temas pontas"delan~a como a ffsica nucleare a cristalografia, para oferecer a quase todo jovem pesquisador a perspectivado estrelato. Ser cientista era ser invejado. Certamente, os que estudavam emCambridge, que produziu a maioria dos trinta Premios Nobel britiinicos da pri-meira metade do seculo - e que, para fins pniticos, era a ciencia britilnicanessa epoca -, sabiam 0 que gostariam de estudar, se fossem suficientemen-te bons em matematica.

    Na verdade, as ciencias naturais nao podiam esperar nada alem de maiorestriunfos e avan~o intelectual, 0 que tomava toleravel 0 carater remendado, asimperfei~6es e improvisayoes da teoria entao corrente, pois tinham de ser ape-nas temporarios. Por que iriam pessoas que ganhavam Premios Nobel por traba-Ihos feitos aos vinte e poucos anos deixar de confiar no futuro?* E no en tanto,como podiam mesmo os homens (e, ocasionalmente, as mulheres) que continua-yam a provar a realidade da abalada ideia de "progresso" em seu campo de ati-vidade humana permanecer imune 11 epoca de crise e catastrofe em que viviam?

    Nao podiam, e nao permaneceram. A Era das Catastrofes foi portantotambem uma das comparativamente poucas eras de cientistas politizados, enao so porque a migra~ao em massa de cientistas racial e ideologicamente ina-ceitaveis de grandes zonas da Europa demonstrava que os cientistas naopodiam ter certeza de sua imunidade pessoaJ. De qualquer modo, 0 cientistabritanico tfpico da decada de 1930 era membro do (esquerdista) GrupoAntiguerra dos Cientistas de Cambridge. confirmado em seu radicalismo pelasindisfar~adas simpatias de seus membros mais estabelecidos, cuja proeminen-cia ia da Royal Society ao Premio Nobel: Bernal (cristalografia), Haldane(genetica), Needham (embriologia quimica), ** Blackett (ffsica), Dirac (ffsica)eo matem

  • tas que ficaram ou foram impedidos de partir dos paises fascistas ou da URSStampouco podiarri evitar as polfticas de seus govemos, simpatizando com elasou nao, quando nada porque Ihes impunham gestos publicos, como a sauda,
  • nay6es certamente nao teria levado os fiSicosnucleares de ponta, eles propriosem grande parte refugiados ou exilados do fascismo, a exortar os governos bri-tanico e americano a construir uma bomba nuclear. E 0 proprio horror dessescientistas com seu feito, suas desesperadas lutas de ultima hora para impediros politicos e generais de usar de fato a bomba, dao testemunho da forya daspaix6es politicas. Na verdade, ate onde as campanhas antinucleares ap6s aSegunda Guerra Mundial tiveram maciyo apoio na comunidade cientffica, foientre os membros das geray6es antifascistas politizadas.

    Ao mesmo tempo, a guerra final mente convenceu os governos de que 0empenho de recursos ate entao inimaginaveis na pesquisa cientffica era taopraticavel quanta, no futuro. essencial. Nenhuma economia, com eXCeyaOdaamericana, podia ter financiado os 2 bilh6es de d61ares (valores do tempo daguerra) necessarios para construir a bomba atomica durante a guerra; mas tam-bem e verdade que governo algum teria, antes de 1940, sonhado em gas tarmesmo uma pequena frayao dessa quantia num projeto especulativo, baseadoem alguns calculos incompreensfveis de academicos descabelados. Ap6s aguerra, 0 ceu, ou antes 0 tamanho da economia apenas, tornou-se 0 limite nosoryamentos e empregos cientfficos. Na decada de 1970, 0 govemo americanofinanciou dois teryos dos custos da pesquisa basica naquele pafs, que entaochegavam a 5 bilh6es de d61ares por OliO, e empregava alguma coisa em tomode I milhao de cientistas e engenhciros (Holton, 1978. pp. 227-8).

    A tcmperatura polftica da ciencia caiu ap6s a Segunda Guerra Mundial.o radicalismo nos laborat6rios recuou rapidamente em 1947-9, quando opi-ni6es tidas como sem base e bizarras em outras partes sc tornaram obrigat6riaspara as cientistas na URSS. Mcsmo a maioria dos ate entao leais comunistasachava 0 lisenkismo (ver p. 514) imposslvel de engolir. Alem disso, tornou-secada vez mais evidente que as regimes modelados com base no sistema sovie-tico nao eram nem material, nem moralmcnte atracntes, pelo menos para amaioria dos cientistas. Por outro lado, apesar de muita propaganda, a GuerraFria entre 0 Ocidente e 0 bloco sovictico jamais gerou nada parecido as pai-x6es polfticas antes despertadas pelo fascismo. Talvez isso se devesse a tradi-cional afinidade entre racionalismo liberal e marxista. ou talvez ao fata de quea URSS, ao contrario da Alemanha nazista, jamais pareceu em posiyao de con-quislar 0 Ocidente, mesmo que houvesse querido, ogue havia born motivopara duvidar. Para a maioria dos cienlistas ocidenlais. a URSS, seus salclites ea China comunista eram mais Estados ruins, com cientistas dig noS de pena, doquc imperios do mal a exigir uma cruzada.

    No Ocidente desenvolvido. as ciencias naturais continuaram polltica e

  • ideologicamente quietas durante uma gera~ao, desfrutando seus triunfos inte-lectuais e os recursos'imensamente ampliados agora disponfveis para suas pes-quisas. Na verdade, 0 generoso patrocfnio de governos e grandes empresasestimulou uma ra~a de pesquisadores que tinham as polfticas de seus pagado-res como ponto pacifico, e preferiam nao pensar nas implica~6es mais amplasde seus trabalhos, sobretudo quando estes eram militares. No maximo, os cien-tistas nesses setores protestavam por nao poderem publicar os resultados desuas pesquisas. Na verdade, a maioria dos membros do que era agora um exer-cito bastante grande de Ph. Os, empregados na Administra~ao NacionaJ deAeronautica e Espa~o (NASA), estabelecida para enfrentar 0 desafio sovieticoem 1958, nao tinha mais interesse direto em interrogar a justifica~ao de suasatividades do que os membros de qualquer outro exercito. Em fins da decadade 1940, homens e mulheres ainda se angustiavam em torno da questao de en-trarem ou nao em estabelecimentos do governo que se especializavam em pes-qui sa de guerra qufmica e biologica. * Nao ha indicio de que posteriormentetais estabeJecimentos tivessem qualquer problema para recrutar suas equipes.

    Um tanto inesperadamente. foi na regiao sovietica do globo que a cienciase tornou, quando nada. mais polftica a medida que avanc,:avaa segunda meta-de do seculo. Nao por acaso 0 maior porta-voz nacional (e internacional) da dis-sidencia na URSS seria um cientista, Andrei Sakharov (1921-89), 0 fisico quefora 0 principal responsavel. em fins da decada de 1940. pela construc,:ao dabomba de hidrogenio sovietica. Os cientistas eram membros par excellenCl'da nova. grande. educada e tecnicamente formada classe media profissional queiria ser a principal realizac,:aodo sistema sovietico, mas ao mesmo tempo a clas-se mais diretamente conscientc das fraquezas e limitac,:oes do sistema. Erammais essenciais para 0 sistema do que suas contrapartes no Ocidente. poissomente ell'S possibilitavam a uma economia, fora isso atrasada, enfrentar osEUA como superpcMncia. Na verdade demonstraram sua indispensabilidadefazendo com que a URSS pm algum tempo ultrapassasse 0 Ocidente na mais altadas tecnologias. a do espac,:ocosmico. 0 primeiro satelite artificial (0 Sputnik.1957).0 primeiro voo espacial tripulado par homcm e mulher (1961,1963) eos primeiros passcios espaciais foram todos russos. Concentrados em institutosde pesquisa ou "cidades da ciencia" especiais. articulados, necessariamenteconciliados e com certo grau de liberdade concedido pelo regime pos-Stalin,nao surpreende que as opinic)es crftieas fossem geradas no ambiente de pesqui-sa, cujo prestigio social era de qualquer modo maior que 0 de qualquer (Jutraocupac,:ao sovietiea.

    \ 'J') LemhnJ-me do dCsLllllforto, nessa cpnca. de um (antes pacifist(1, depois cornunista)amigo bioqufmico que assulllira um posta desses no relevante estabelccimcnto britanico.

  • Pode dizer-se que essas flutuar,:oes de temperatura polftica e ideol6gicaafetaram 0 progresso das ciencias naturais? Claramente muito menos do queacoma nas ciencias sociais e humanas, para nao falar nas ideologias e filoso-fias. As ciencias naturais podiam refletir 0 seculo em que os cientistas viviamapenas nos limites da metodologia empiricista que necessariamente se tOJ1larapadrao numa era de incerteza epistemol6gica: os da hip6tese constatavel _ou, em termos de Karl Popper (1902- ), que muitos cientistas faziam seus, fal-sificaveis - por testes priiticos. Isso impunha !imites a ideologiza
  • A pr6pria falta de contato de tais constrw,oes te6ricas com a realidade quepretendiam explicar (exceto como hip6teses falsificaveis) deixava-as abertas ainfluencias do mundo exterior. Nao seria uma coisa natural, num seculo taodominado pela tecnologia, que as analogias mecanicas ajudassem a recicl
  • astron6micos perifericos antes da decada de 1920. A maioria dos ge610gosresistiu durante muito tempo a ideia de grandes deslocamentos laterais, Comoos continentes movendo-se em todo 0 globo no curso da hist6ria da terra,embora a evidencia disso fosse mais ou menos forte. E 0 fizeram com baseem grande parte ideol6gica, a julgar pela extraordimiria ira da controver-sia contra 0 principal proponente da "deriva continental", Alfred Wegener.De qualquer modo, 0 argumento de que isso nao podia ser verdade porque naose conhecia nenhum mecanismo geofisico para causal' tais movimentos naoera mais convincente a priori, em vista da evidencia, do que 0 argumentode lorde Kelvin, no seculo XIX, de que a escala de tempo entao postulada porge610gos devia estar errada, porque a ffsica, como entao entendida, fazia aterra muito mais jovem do que a geologia exigia. Contudo, desde a decadade 1960 0 antes impensaveJ tomou-se a ortodoxia da geologia do dia-a-dia:urn globo de placas gigantescas mudando de lugar, as vezes rapidamente ("pla-cas tectonicas").

    Talvez ainda mais a prop6sito seja 0 retorno do catastrofismo direto tantoa geologia quanto a teoria da evolu

  • da topologia em que a Fran~a foi pioneira na decada 1960, dizia investigar assitua
  • Mais ou menos na mesma epoca a palavra "ecologia", cunhada em 1873para 0 ramo da biologia que tratava das inter-relayoes de arganismos e seusambientes, adquiriu sua hoje familiar cotayao quase politica (E. M. Ni-cholson, 1970). * Eram as consequencias ~ittur~is do superboom economicosecular (ver capftulo 9).

    Essas preocupayoes seriam 0 suficiente para explicar par que a politica ea ideologia comeyaram mais uma vez a cercar as ciencias naturais na decadade 1970. Contudo, comeyaram a penetrat ate mesmo em ramos das propriasciencias, em forma de debates sobre a necessidade de limitayoes pniticas emorais a investigayao cientffica.

    Jamais, desde 0 fim da hegemonia teologica, tais questoes haviam sidolevantadas a serio. Nao surpreendentemente, vieram daquela parte das cienciasnaturais que sempre tivera, ou parecera ter, implicayao direta sobre os assun-tos humanos: genetica e biologia evolucionaria. Pois dez anos ap6s a SegundaGuerra Mundial as ciencias da vida foram revolucionadas pelos espantososavanyos da biologia molecular, que revelaram 0 mecanismo universal deheranya, 0 "codigo genetico" .

    A revoluyao na biologia molecular nao foi inesperada. Depois de 1914,podia-se ter como certo que a vida podia e tinha de ser explicada em termos deffsica e qufmica, e nao em termos de alguma essencia peculiar aos seresvivos. ** Na verdade. modelos bioqufmicos da possivel origem da vida naTerra, come~ando com IUL do soL metano, amonia e agua, foram sugeridosna decada de 1920 (em grande pal1e com intenyoes anti-religiosas) na Russiasovietica e na Gra-Bretanha. e puseram 0 assunto na pauta cientffica seria.A hostilidade it religiiio. a proposito, continuou a animar os pesquisadores nessecampo: tanto Crick quanto Linus Pauling sao exemplos disso (Olby. 1970. p.943). 0 grande impulso de pesquisa biologica ha decadas era bioqufmico. ecada vez mais fisico. desde 0 reconhecimento de que se podiam cristalizar asmoleculas de protefna. e portanto analisa-Ias cristalograticamente Sahia-se queuma suhstancia, 0 acido desoxirrihonucleico (DNA), desempenhava LUllpapeLpossivelmente 0 central. na hereditariedade: parecia ser 0 componente h,isicodo gene, a unidade de heran

  • do DNA e da maneira como expIicava a "copia de gene" com urn elegante mode-10 qufmico-mecanico nao e diminufdo pelo fato de que varios pesquisadoresconvergiam para 0 mesmo resultado no infcio da decada de 1950.

    A revoluC;;aodo DNA, "a maior descoberta individual da biologia" (1. D.Bernal), que dominou as ciencias da vida na segunda metade do seculo, foiessencialmente na genetica e, como 0 darwinismo do seculo xx e exclusiva-mente genetico, na evoluc;;ao.* Estes saD do is temas notoriamente delicados,tanto porque os proprios model os cientiticos saD freqiientemente ideol6gicosem tais campos - lembramos a divida de Darwin com Malthus (Desmond &Moore, capitulo 18) -quanto porque habitual mente descambam para a polfti-ca ("darwinismo social"). 0 conceito de "rac;;a" ilustra essa interac;;ao.A lem-brans:a das politicas raciais nazistas tomou praticamente impensavel que inte-lectuais liberais (0 que incluia a maioria dos cientistas) operassem com esseconceito. Na verdade, muitos duvidavam que ele fosse legitimo ate para inves-tigar de modo sistematico diferenc;;as geneticamente determinadas entre gruposhumanos, por receio de que os resultados oferecess em encorajamento a opinioesracistas. Mais geralmente, nos paises ocidentais a ideologia p6s-fascista dedemocracia e igualdade reviveu os velhos debates de "natureza versus alimen-tac;;ao", ou hereditariedade versus ambiente. Visivelmente, 0 individuo humanoera formado tanto pela hereditariedade quanto pelo ambiente, pelo genes e a cul-tura. Contudo, os conservadores estavam simplesmente demasiado dispostos aaceitar uma sociedade de desigualdades irremoviveis, ista e, geneticamentedeterminadas, enquanto a esquerda, comprometida com a igualdade, natural-mente afirmava que todas as desigualdades podiam ser eliminadas pela a~aosocial: cram, no fundo, ambientalmente detemlinadas. A controversia pegoufogo na questao da inteligencia humana, que (devido a suas implica~oes para aeduca~ao escolar scletiva e universal) era altamente politica. Suscitou questoesmuito mais amplas que as de ra~a, embora se referisse tambem a elas. A medi-da de sua amplitude surgiu com a revivescencia do movimenta feminista (vercapitulo 10), do qual v6.rias ide610gas chegaram perto de afirmar que todos asdiferen~as l11cntaiselllre homens e mulheres cram essencialmente detenninadaspela cultura, au scja. ambientais. Na verdade. a substitui~ao, que entrou namoda, do termo "sexo" pOI'"genero", implicava a cren~a em que "mulher" eranao tanto uma categoria biol6gica quanto urn papel social. Um cientista que ten-tasse investigar esses temas sensiveis sabia estar em campo minado politico.Mesmo os que entraram nele deliberadamente, como E. O. Wilson, de Harvard(1929- ), defensor da "sociobiologia", evitavam falar com c1areza**

    (*J Foi tamhem "sohre" a variante essencialmente malcmatico-mecanica da ciencia experi-mental. talvez. 0 motivo pelo qual nao encontrou IO()% de entusiasmo ern algumas ciencias da vida

    menos prontumente quantiJicaveis. como a zoologia e a paleontologia (vcr Lewontin. 1073)(**) "Minha impressao geral. cxtrafda da infonna

  • o que tomava a atmosfera mais explosiva era que os proprios cientistas,sobretudo na ala mais obviamente social da ciencia - teoria da evolur,:ao,ecolo-gia, etologia ou estudo de comportamento social animal, e coisas assim -, eramsimplesmente demasiado inclinados a usar metaforas antropomoIficas ou extrairconclus6es humanas. Os Sociobiologos, ou os que popularizavam suas descober-tas, sugeriam que as caracterfsticas (masculinas) herdadas dos milenios durante osquais 0 homem primitivo fora selecionado para adaptar-se, como car,:ador,a umaexistencia mais predat6ria em habitats abertos (Wilson, 1977) ainda dominavamnossa existencia social. Nao so as mulheres, mas tambem os historiadores ficaramirritados. Os teoricos evolucionistas analisavam a seler,:aonatural, it luz da granderevolur,:ao biol6gica, como a luta pela existencia do "Gene Egofsta" (Dawkins,1976). Ate mesmo alguns que simpatizavam com a versao pesada do darwinismose perguntavam que importancia real tinha a seler,:aogenetica para debates sobreegofsmo, competir,:ao e cooperar,:ao humanos. A ciencia achava-se uma vez maisacuada par crfticos, embora - significativamente - nao estivesse mais sob fogoda religiao tradicional, alem de grupos fundamentalistas intelectualmente semimportancia. a c1ero aceitava agora a hegemonia do laborat6rio, extraindo 0 con-solo teol6gico que podia da cosmologia cientftica, cujas teorias de "big-bang"podiam, com 0 olho da fe, ser apresentadas como prova de que urn Deus criara 0mundo. Par outro lado. a revolur,:aocultural ocidental das decadas de 1960 e 1970produziu um forte ataque neo-romantico e irracionalista it visao cientffica domundo. que podia passar prontamente de urn tom radical para urn reacioniirio.

    Ao contr

  • entao, e a maioria continuou a encarar, como 0 principio basico da ciencia, ouseja, 0 de que, com as mais marginais concess6es as crenc;:as morais da socie-dade, * a ciencia devia buscar a verdade aonde quer que essa verdade a levas-se. Eles nao eram responsaveis pelo que os nao-cientistas faziam com seusresultados. 0 fato de que, como observou um cientista americano em J992,"nenhum bi6Jogo molecular importante que conhec;:o deixa de ter interessefinanceiro no neg6cio da biotccnologia" (Lewontin, 1992, p. 37; pp. 32-40);de que - para citar outro - "a questao (da propriedade) esta no amago detudo que fazemos" (Lewortin, 1992, p. 38) tomava a alegac;:aode pureza aindamais duvidosa.

    o que estava em causa agora nao era a busca da verdade, mas a impossi-bilidade de separa-Ja de suas condic;:6es e conseqUencias. Ao mesmo tempo, 0debate era essencialmente entre pessimistas c otimistas em relac;:ao a rac;:ahumana. Pois a crenc;:a basica dos que pensavam em restric;:6es ou autolimita-c;:6esa pesquisa cientifica cra que a humanidade. como hoje organizada, naoera capaz de lidar com os seus poderes de transformac;:ao da Terra, ou mesmode reconhecer os riscos que cOlTia. Pois mesmo os feiticeiros que resistiam atoda limitac;:ao em suas pcsquisas nao confiavam em seus aprendizes. Os argu-mentos ern favor da investigac;:ao ilimitada "referem-se a pesquisa cientificabasica, nao ilS aplica

  • vasse de volta ao caminho da pesquisa fundamental. Nas circunstancias, naopassava de ret6rica vazia declarar intoleniveis as restric;oes a pesquisa porqueo homem era por natureza uma especie que precisava "satisfazer nossa curio-sidade, exploraC;ao e experimentaC;ao" (Lewis Thomas, in Baltimore, 1978,p. 44), ou porque os picos de conhecimento deviam ser escalados, na expres-san cliissica dos montanhistas, "porque estao la".

    A verdade e que a "ciencia" (com 0 que muita gente quer dizer as cienciasnaturais "pesadas") estava demasiado grande, demasiado poderosa, dema-siado indispensavel a sociedade em geral e a seus pagadores em particularpara ser deixada entregue a seus pr6prios cuidados. 0 paradoxa de sua situa-c;ao era que, em ultima analise, a imensa casa de forc;a que era a tecnologia doseculo xx, e a economia que ela tornava possivel, dependiam cad a vez mais deuma comunidade relativamente minuscula de pessoas para as quais essas con-seqiH~ncias titanicas de suas atividades eram secundarias, e muitas vezes tri-viais. Para elas, a capacidade dos homens de viajar para a lua, ou retletir asimagens de uma partida de futebol brasileira por meio de urn satelite paraserem vistas numa tela em DUsseldorf, era muito menos interessante que a des-coberta de um ruido c6smico de fundo que fora identificado durante a buscade fenomenos que perturbavam as comunicac;oes, mas confirmava uma teoriasabre as origem do universo. Contudo, como 0 antigo matemiitico grego Ar-quimedes, elas sabiam que viviam e ajudavam a moldar urn mundo que naopodia en tender nem ligava para a que faziam. Seu apelo par liberdade de pes-quisa era a cri-de-coeur de Arquimedes aos soldados invasores, contra osquais ele inventara engenhos militares para sua cidade de Siracusa, e que naotomaram conhecimento deles ao mata-Io: "Pelo amor de Deus, nao estraguemmeus diagramas". Era compreensive!, mas nao necessariamente realista.

    So os poderes transformadores do mundo, dos quais elas tinham a chave,as protegiam, pois esses pareciam depender de que se deixasse uma elite, foraisso incompreensivel e privilegiada - incompreensivel, ate a fim do seculo,mesmo em sua relativa falta de interesse pelos sinais externos de riqueza epoder -, seguir seu caminho em paz. Todos as Estados do seculo xx quehaviam agido de outro modo tinham motivo para lamenta-Io. Todos as Estadosportanto apoiavam a ciencia, que, ao contrario das artes e da maioria dashumanidades, nao podia funcionar de fata sem esse apoio, ao mesmo tempoevitando interferir ate onde possivei. Mas as govern os nao estao interessadosna verdade ultima (a nao ser da ideologia au religiao), mas na verdade ins-trumental. No maximo, podiam promover a pesquisa "pura" (isto e, no mo-menta inutil) porque ela poderia urn dia produzir alguma coisa uti!, ou parmotivos de prestigio nacional, em que a busca de Premios Nobel vinha antesda de medal has olimpicas e ainda continua mais altamente valorizada. Essaseram as bases nas quais as triunfantes estruturas da pesquisa e da teoria cien-tificas se erguiam, e pelas quais 0 seculo xx sera lembrado como uma era deprogresso humano, e nao, basicamente, de tragedia humana.