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História e ciências sociais, embates e reciprocidades lucas schuab vieira

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UNESP - Universidade Estadual Paulista

TRABALHO FINAL “História e Ciências Sociais: embates e reciprocidades”

Trabalho realizado para a disciplina Teoria da História II. Professora: Karina Anhezini de Araújo.

Realizado por:

Anahy Correia de Queiroz Fernando Henrique de Castilho Lucas Schuab Vieira Thales Pagotti Lima Wagner de Assis Braz Rezende

Assis 2011

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“História e Ciências Sociais: embates e reciprocidades”

O presente trabalho tem como proposta dar início a uma análise sobre as relações entre

história e ciências sociais, tendo como foco principal o confronto estabelecido entre Fernand

Braudel, no texto “História e Ciências Sociais. A longa duração” e Lévi-Strauss em

“História e etnologia”. As relações da história com as ciências sociais são marcadas por

várias disputas no meio acadêmico, embates que procuravam proporcionar um regulamento

de cientificidade para suas produções. Esses debates foram de extrema importância e

marcaram a direção que cada disciplina tomou. Dessa forma, com a grandeza dessa temática

para as disciplinas, o grupo, para realização desse trabalho, utilizará como alicerce textos de

três diferentes autores. Entre as obras utilizadas estão “Fernand Braudel e as Ciencias

Humanas” de Carlos Antônio Aguirre Rojas; “A história em Migalhas: dos Annales à Nova

História” de François Dosse e “O olhar distanciado Lévi-Strauss e a história” de François

Hartog.

As relações de interdependência e, ao mesmo tempo, de tensão entre a história e as

ciências sociais têm em seus debates a disputa por posições institucionais e políticas. Segundo

Dosse a história encontra-se contestada no seu papel de maior ciência social, isso se deve ao

nascimento de uma escola que se tornará dominante nas ciências humanas: o estruturalismo.

Essa linha de pensamento se define por seu anti-historicismo e encontra no etnólogo Claude

Lévi-Strauss um líder que concentra o ataque contra a história. O historiador, para Claude

Lévi-strauss, permanece no plano empírico e do observável, incapaz, portanto, de modelar e

ter acesso às estruturas profundas da sociedade.

A resposta ao desafio lançado à história no artigo “História e etnologia” é apresentada

por Braudel em um manifesto publicado nos Annales no ano de 1958, o mesmo ano do

lançamento da obra Antropologia Estrutural. Dosse escreve que, durante aquele ano, Braudel

afirma ter travado longas discussões com Lévi-Strauss, pelo qual tinha grande admiração e

certo ciúme. “Embora só dedique desprezo à sociologia, evita polemizar frontalmente com

Lévi-Strauss, e não o ataca em momento algum, apesar da situação de concorrência teórica

cada vez mais acirrada”. (DOSSE, 2003 p.114) Braudel evoca a “proeza” realizada por Lévi-

Strauss de ter sabido decifrar a linguagem subjacente às estruturas elementares do parentesco,

aos mitos, ao cerimonial e às trocas econômicas. (BRAUDEL 1978, p.66)

Dosse ainda aponta Braudel, que segundo o autor tem o hábito de reagir com

arrogância diante dessas jovens ciências imperialistas, aceita, por uma vez, abandonar sua

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posição e chega até a evocar “nosso guia”, ao falar de Lévi-Strauss, sem, por isso, sair de

cena. Trata-se do sinal manifesto de que ele compreendeu a força e a atração desse discurso

antropológico que se apresenta também como totalizante, mas com o apoio de um aparato

matemático, com modelos que lhe permite o acesso ao inconsciente das práticas sociais e, lhe

permitem obter rapidamente no campo das ciências sociais, uma superioridade redibitória

diante da história. Braudel inova ao tomar emprestado diretamente o discurso de Lévi-Strauss.

E lhe opõe o trunfo principal do historiador: a duração, a longa duração que condiciona até as

estruturas mais imutáveis que o antropólogo valoriza: “a proibição do incesto é um realidade

de longa duração”. (DOSSE, 2003 p.114-115)

A distinção entre a etnologia e a história, segundo Dosse, se situava entre uma ciência

empírica de um lado, e uma pesquisa conceitual do outro. Nesse sentido o autor faz uma

citação do texto de Lévi-Strauss onde ele coloca que etnologia e história se distinguem,

sobretudo pela escolha de perspectivas complementares: a história organizando seus dados em

relação às expressões conscientes, a etnologia em relação às condições inconscientes da vida

social.

A ambição de des-historicização de Lévi-Strauss se situa no plano da descoberta do

modo de funcionamento do espírito humano, verdadeira invariante, permanência humana para

além de toda diversidade de épocas ou de espaços. A tarefa do antropólogo é de inventariar os

recintos mentais a partir das invariantes descobertas. Lévi-Strauss busca desvendar a

existência de estruturas inconscientes universais subjacentes. E com relação ao

questionamento radical da história, relegada a material básico, a contingência de caráter

aleatório e ocasional, disciplina resistente a toda modelagem, encontrará, segundo Dosse, em

Braudel aquele que responderá a esse questionamento com a mudança de linha das pesquisas

históricas para lhes dar o caráter estrutural.

O historiador Aguirre Rojas vê a utilização do termo “estrutura” em Braudel com um

sentido muito particular, muito singularmente “braudeliano”, segundo ele, Braudel é um

pensador profundo e radicalmente anti-estruturalista. Ele coloca que para Braudel o

movimento intelectual denominado estruturalismo, que virou moda nas ciências sociais

francesas do segundo pós-guerra, fundamenta-se num pensamento muito pouco histórico. Tal

pensamento que, ao sacrificar o elemento genético frente à análise sincrônica dos elementos

da estrutura, acaba esvaziando a dimensão histórica dos fatos e fenômenos que estuda.

Para François Dosse ao contrario de Lévi-Strauss, a estrutura para Fernand Braudel

tem ligação na questão arquitetônica, conjunto, mais perceptível em uma realidade concreta e

observável. Sua concepção permanece fundamentalmente descritiva, nisso, portanto, fiel a

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uma escritura tradicional da história. Todavia, tem o mérito de ter se reapropriado da noção de

estrutura e de lhe ter dado a dimensão temporal. O estruturalismo de um historiador nada tem

a ver com a problemática que atormenta, sob o mesmo nome, as outras ciências do homem.

Não o dirige para a abstração matemática das relações que se exprimam em funções. O

percurso de Braudel pretende ser deliberadamente acolhedor, integra todas as posições para

substituir todas no grande laboratório das ciências humanas, que ultrapassaria todas as

divisões e fronteiras e realizaria em torno dos historiadores, a unificação do campo de

pesquisas.

Para Rojas frente à antropologia estruturalista de Lévi-Strauss Braudel propõe uma

dupla e combinada estratégia: em primeiro lugar, uma crítica sistemática contra o projeto

global desta antropologia, cujos limites de percepção a histórica irá denunciar, como na

recorrente crítica braudeliana da clássica distinção de Lévi-Strauss entre sociedades “frias” e

“quentes”; segundo, um processo também sistemático de recuperação, a partir da história, de

certos temas ou problemas descobertos e atualizados por essa mesma antropologia, tais como

as formas do mobiliário e o habitat, os hábitos alimentícios e culinários, técnicas e formas de

utilização doméstica do espaço, ou até certas formas de construção do próprio território, de

organização familiar ou mecanismos de regulação do crescimento demográfico das

sociedades.

Dosse ressalta que o desafio de Lévi-Strauss constrangeu Braudel a conceituar uma

história estrutural no tempo quase imóvel. Mas essa resposta de Fernand Braudel a Claude

Lévi-Strauss e às ciências sociais em geral não se limita a opor-lhes a longa duração como

estrutura, mas consiste em pluralizar o temporal. Sendo também partidário de uma visão

histórica que tem por ambição recuperar uma dialética dessas temporalidades, e relacioná-las

há um tempo único A arquitetura braudeliana se articula em torno de três temporalidades

diferentes, três patamares diferentes: o factual, o tempo conjuntural, cíclico e enfim, a longa

duração. Podem-se distinguir assim estágios diferentes do tempo e os descompassos entre as

diversas temporalidades. Ou em outras palavras, a distinção, no tempo da história, de um

tempo geográfico, de um tempo social, e de um tempo individual.

Dosse ressalta que a história braudeliana tem a pretensão de síntese, como a

antropologia, mas com a superioridade do pensamento espaço-temporal. “A história tem por

ambição recuperar a globalidade dos fenômenos humanos, é a única a poder localizá-los e

avaliar a sua eficiência em relação a todos os saberes parcelados”. (DOSSE, 2003 p.113)

Portanto, a história braudeliana tem por grande ambição perceber em um mesmo movimento a

totalidade do social.

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Fernand Braudel, como Claude Lévi-Strauss, reverte à concepção linear de tempo que

se desenvolve na direção de um aperfeiçoamento continuo, ele a substitui por um tempo

estacionário em que passado, presente e futuro não se diferenciam mais e se reproduzem sem

descontinuidade.

O historiador francês François Hartog se esforça para propor uma análise entre os

embates que aconteceram com a História e Antropologia, traçando diferenças e aproximações

entre as disciplinas. Uma das importantes questões tratada no artigo foi à compreensão do

tempo. Para o autor, Claude Lévi-Strauss sempre reconheceu a importância da história, mas

ressaltava que seu objetivo sempre foi propor uma antropologia estrutural. Na visão de

Hartog, Lévi-Strauss deixa claro que a história em seu sentido de disciplina e prática pertence

aos historiadores. A obra de Lévi-Strauss, no artigo analisado, tem como significado marcante

ser considerado um marco importante no século XX para essa discussão.

“Se sua prática do olhar distanciado, tendo por objeto a história dos historiadores, às vezes chocou, suscitou mal-entendidos e resistências, ela também os convidou a um deslocamento de seu ponto de vista sobre seu próprio objeto. Ou ainda, a deixar o horizonte único de Hegel e de Marx, de um tempo ritmado pelo progresso e pelo acontecimento, interrogando-se sobre aquilo que eu denomino o regime moderno de historicidade. Todavia, os debates e os combates focalizaram-se, principalmente, sobre a noção de estrutura, sustentada pela autoridade da lingüística.” (HARTOG, 2006 p.10)

Braudel, segundo o historiador Hartog, propõe um diálogo de várias temporalidades

encontradas em um mesmo objeto. Dessa forma ao se aproximar da Antropologia, a História,

teve como conseqüência expressivos debates. A cultura e o tempo são para o autor uma das

contribuições mais expressivas de Fernand Braudel.

Nesse embate, François Hartog aponta que, esse período é marcado por diversas

mudanças e definições. Para Lévi-Strauss, a história se organiza tendo como foco as

“expressões conscientes” e a etnologia ia em direção contrária trabalharia tendo como foco as

“condições inconscientes.” Contudo, Strauss não limita o papel da história a questão do

“consciente” e ainda ressalta que o historiador utiliza-se de alicerces das elaborações

inconscientes. Dessa forma para Hartog, a distância entre Antropologia e História diminui e

para Strauss a abordagem das disciplinas ficaria melhor de se compreender após tratarem de

forma conjunta as sociedades contemporâneas. Para o historiador Frances, Braudel se declara

um “estruturalista”, porém com claras diferenças de abordagens.

Nesse artigo o autor ressalta que o olhar distanciado foca-se na questão do “tempo”.

Em suma, Hartog propõem-se a quebrar e colocar em descrédito a teoria futurista da história

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universal. O autor reconhece como bases para a reação a esse regime de historicidade

tradicional as interpretações de Lévi-Strauss a respeito da compreensão das civilizações,

apresentando a proposta de se entender os povos em espaço de tempo determinados.

A consideração de François Dosse sobre o confronto entre esses dois autores é a de

que a ofensiva de Fernand Braudel, diante do desafio lançado pela antropologia estrutural,

teve êxito na medida em que a história permaneceu a peça central no campo das ciências

sociais, certamente ao preço de uma metamorfose que implicou mudança radical.

Aguirre Rojas afirma com relação a esse debate que ao enfrentar esses temas

“clássico” da antropologia e introduzi-los na história, Braudel elabora, mais adiante sua teoria

da civilização material. Com ela, demonstram como é possível historicizar e redimensionar de

uma maneira globalizante esses temas originalmente pertencentes à antropologia, mas

suscetíveis, como quaisquer outros, de serem levantados dentro de perspectivas libertas da

limitada episteme disciplinar.

Como considerações finais vale ressaltar que François Hartog analisou esse debate

entre história e etnografia a partir das obras do Lévi-Strauss. Enquanto que François Dosse

deu enfoque maior ao Braudel e ao projeto dos Annales e concluiu que Braudel teve êxito na

medida em que a historia permaneceu como disciplina central no campo das ciências sociais.

Aguirre Rojas não deu muito enfoque especificamente a esse debate trabalhado ao longo do

texto, o autor procurou ver a relação Braudel e ciências sociais de um ponto de vista mais

abrangente, e afirma que Braudel foi o grande articulador das Ciências Sociais no século XX.

Segundo Aguirre Rojas, Braudel é o responsável por situar a historia no centro da vida

intelectual francesa e mundial, produzindo junto com seus colaboradores, metodologias e

modelos de investigação histórica tão marcante quanto à história quantitativa ou serial, a geo-

história, a longa duração e a história estrutural.

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Bibliografia

AGUIRRE ROJAS, C. A. “Fernand Braudel e as Ciências Humanas”. Tradução de Jurandir

Malerba. Londrina/PR: Eduel; Imprensa Oficial do Paraná, 2003b, 147p.

BRAUDEL, Fernand. “História e Ciências Sociais. A longa duração”. In: Escritos sobre a

História. 2ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. pp. 41-78.

DOSSE, François. “A História em Migalhas: dos Annales à Nova História.” São Paulo:

Edusc, 2003.

HARTOG, F. "O olhar distanciado: Lévi-Strauss e a história", Topoi, 12, 2006, pp. 9-24.

LEVI-STRAUSS, Claude. “História e Etnologia”. In. Antropologia Estrutural. Rio de

Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.