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5/11/2018 HistriaDaMsicaOcidental1(Grout&Palisca)-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/historia-da-musica-ocidental-1-grout-palisca 1/17 História da música ocidental Claude V. Palisca Índice Prefácio 9 Abreviaturas 13 1 A situação da música no fim do mundo antigo 15 A herança grega ? O sistema musical grego ? Os primeiros séculos da igreja cristã ? Bibliografia. 2 Canto litúrgico e canto secular na Idade Média 50 Canto romano e liturgia ? Categorias, formas e tipos de cantochão ? Desenvolvimentos ulteriores do cantochão ? Teoria e prática musicais na Idade Média ? Monódia não litúrgica e secular ? Música instrumental e instrumentos medievais ? Bibliografia. 3 Os primórdios da polifonia e a música do século xiii 96 Antecedentes históricos da polifonia primitiva ? Organum primitivo ? Organum melismático ? Os modos rítmicos ? Organum de Notre Dame ? Conductus polifónico ? O motete ? Resumo ? Bibliografia. 4 Música francesa e italiana do século xiv 130 Panorama geral ? A ars nova em França ? Música do Trecento italiano ? Música francesa de finais do século xiv ? Música ficta ? Notação ? Instrumentos ? Resumo ? Bibliografia. 5 Da Idade Média ao Renascimento: música da Inglaterra e do ducado da Borgonha no século xv 161 Música inglesa ? A música no ducado da Borgonha ? Bibliografia. 6 A era renascentista: de Ockeghem a Josquin 183 Características gerais ? Compositores do Norte ? Josquin des Prez ? Alguns contemporÂneos de Obrecht e Josquin ? Bibliografia. 7 Novas correntes no século xvi 219 A geração franco-flamenga de 1520-1550 ? A afirmação dos estilos nacionais ? O madrigal e formas aparentadas ? Música instrumental do século xvi ? Bibliografia. 8 Música sacra no Renascimento tardio 277 A música da Reforma na Alemanha ? Música sacra da Reforma fora da Alemanha ? A Contra-Reforma ? A escola veneziana ? Resumo ? Bibliografia. 9 Música do primeiro período barroco 307 Características gerais ? O princípio da ópera ? Música vocal de cÂmara ? Música sacra ? Música instrumental ? Bibliografia. 10 Ópera e música vocal na segunda metade do século xvi 359 ópera ? Cantata e canção ? Música sacra e oratória ? Bibliografia. 11 Música instrumental no barroco tardio 392 Música de tecla ? Música para conjunto ? Bibliografia. 12 A primeira metade do século xviii 423 Antonio Vivaldi ? Jean-Philippe Rameau ? Johann Sebastian Bach ? A música instrumental de Bach ? A música vocal de Bach ? George Frideric Haendel ? Bibliografia. 13 Origens do estilo clássico: a sonata, a sinfonia e a ópera no século xviii 475 As luzes ? Música instrumental: sonata, sinfonia e concerto ? ópera, canção e música sacra ? Bibliografia. 14 O final do século xviii 5 11 Franz Josef Haydn ? As obras instrumentais de Haydn ? As obras vocais de Haydn ? Wolfgang Amadeus Mozart ? As primeiras obras-primas de Mozart ? O período vienense ? Bibliografia. 15 Ludwig van Beethoven (1770-1827) 541 O homem e a sua música ? Primeira fase ? Segunda fase ? Terceira fase ? Bibliografia. 16 O século xix: romantismo; música coral 571 Classicismo e romantismo ? Características da música romÂntica ? O Lied ? Música coral ? Bibliografia. 17 O século xix: música instrumental 590 O piano ? Música para piano ? Música de cÂmara ? Música orquestral ? Bibliografia (capítulos 16 e 17). 18 O século xix: ópera e drama musical 628 França ? Itália ? Giuseppe Verdi ? A ópera romÂntica alemã ? Richard Wagner: o drama musical ? Bibliografia. 19 O fim de uma era 653

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História da música ocidental

Claude V. Palisca

ÍndicePrefácio 9Abreviaturas 13

1 A situação da música no fim do mundo antigo 15

A herança grega ? O sistema musical grego ? Os primeiros séculos daigreja cristã ? Bibliografia.

2 Canto litúrgico e canto secular na Idade Média 50

Canto romano e liturgia ? Categorias, formas e tipos de cantochão ?Desenvolvimentos ulteriores do cantochão ? Teoria e prática musicais naIdade Média ? Monódia não litúrgica e secular ? Música instrumental einstrumentos medievais ? Bibliografia.

3 Os primórdios da polifonia e a música do século xiii 96

Antecedentes históricos da polifonia primitiva ? Organum primitivo ?Organum melismático ? Os modos rítmicos ? Organum de Notre Dame ?Conductus polifónico ? O motete ? Resumo ? Bibliografia.

4 Música francesa e italiana do século xiv 130

Panorama geral ? A ars nova em França ? Música do Trecento italiano ?Música francesa de finais do século xiv ? Música ficta ? Notação ?Instrumentos ? Resumo ? Bibliografia.

5 Da Idade Média ao Renascimento: música da Inglaterra e do ducado daBorgonha no século xv 161

Música inglesa ? A música no ducado da Borgonha ? Bibliografia.6 A era renascentista: de Ockeghem a Josquin 183

Características gerais ? Compositores do Norte ? Josquin des Prez ?Alguns contemporÂneos de Obrecht e Josquin ? Bibliografia.

7 Novas correntes no século xvi 219

A geração franco-flamenga de 1520-1550 ? A afirmação dos estilosnacionais ? O madrigal e formas aparentadas ? Música instrumental doséculo xvi ? Bibliografia.

8 Música sacra no Renascimento tardio 277

A música da Reforma na Alemanha ? Música sacra da Reforma fora daAlemanha ? A Contra-Reforma ? A escola veneziana ? Resumo ? Bibliografia.

9 Música do primeiro período barroco 307

Características gerais ? O princípio da ópera ? Música vocal de cÂmara ?Música sacra ? Música instrumental ? Bibliografia.

10 Ópera e música vocal na segunda metade do século xvi 359

ópera ? Cantata e canção ? Música sacra e oratória ? Bibliografia.

11 Música instrumental no barroco tardio 392

Música de tecla ? Música para conjunto ? Bibliografia.

12 A primeira metade do século xviii 423

Antonio Vivaldi ? Jean-Philippe Rameau ? Johann Sebastian Bach ? A músicainstrumental de Bach ? A música vocal de Bach ? George Frideric Haendel ?Bibliografia.

13 Origens do estilo clássico: a sonata, a sinfonia e a ópera noséculo xviii 475

As luzes ? Música instrumental: sonata, sinfonia e concerto ? ópera,canção e música sacra ? Bibliografia.

14 O final do século xviii 511

Franz Josef Haydn ? As obras instrumentais de Haydn ? As obras vocais deHaydn ? Wolfgang Amadeus Mozart ? As primeiras obras-primas de Mozart ? Operíodo vienense ? Bibliografia.

15 Ludwig van Beethoven (1770-1827) 541

O homem e a sua música ? Primeira fase ? Segunda fase ? Terceira fase ?

Bibliografia.

16 O século xix: romantismo; música coral 571

Classicismo e romantismo ? Características da música romÂntica ? O Lied ?Música coral ? Bibliografia.17 O século xix: música instrumental 590

O piano ? Música para piano ? Música de cÂmara ? Música orquestral ?Bibliografia (capítulos 16 e 17).

18 O século xix: ópera e drama musical 628

França ? Itália ? Giuseppe Verdi ? A ópera romÂntica alemã ? RichardWagner: o drama musical ? Bibliografia.

19 O fim de uma era 653

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Pós-romantismo ? Nacionalismo ? Novas correntes em França ? óperaitaliana ? Bibliografia.

20 O século xx 696

Introdução ? Estilos musicais relacionados com a tradição oral ?Neoclassicismo e movimentos afins ? Stravinsky ? Schoenberg e os seusseguidores ? Depois de Webern ? Conclusão ? Bibliografia.

PrefácioO propósito de rever uma panorÂmica histórica que conquistou os favoresdo público só pode constituir em melhorar o livro e actualizá-lo, e nãoem reformulá-lo por completo. Se o leitor, porventura, conhece as ediçõesanteriores, vai deparar com um livro substancialmente diferente, tanto noaspecto exterior como no conteúdo, muito embora o Âmbito e a apresentaçãodos capítulos continuem a ser, no essencial, os mesmos. A inclusão dapalavra ocidental no título reflecte a consciÊncia de que o sistemamusical da Europa ocidental e das Américas é apenas um de entre os váriosexistentes na diversidade das civilizações mundiais. O Âmbito deste livrorestringe-se, além disso, exclusivamente àquilo a que costumamos chamar"música erudita", se bem que este conceito não seja, como é sabido, muitopreciso. A música popular, o jazz e outras manifestações comparáveis dopassado foram também bastante elaborados, mas a nossa obra não pode ter apretensão de dar conta da vasta gama de realizações musicais do Ocidente(que hoje são, elas próprias, objecto de estudos aprofundados), tal comonão pode pretendÊ-lo o curso de história da música para o qual se propõeservir de guia.Antes de dissipar os receios dos fiéis ou esfriar a alegria dos críticos,permitam--me que explique em que diferia a edição anterior (a terceira)das que a precederam. Uma vez que a história da música é antes de mais ahistória do estilo musical e não pode ser compreendida sem umconhecimento em primeira mão da música em si, fui convidado pelo editor,W. W. Norton and Company, a conceber a Norton Anthology of Western Musice os álbuns que a acompanham como um complemento de partituras einterpretações a 3.a edição. A maior parte das revisões dessa ediçãotiveram como objectivo coordenar o livro com a nova antologia. As

análises de obras de algumas das antologias mais antigas foramsubstituídas por breves apontamentos estilísticos e analíticos das peçasseleccionadas para a Norton Anthology.Nesta edição tais notas analíticas foram conservadas ou desenvolvidas,mas, isoladas do corpo do texto, já não interrompem o fluir da narrativahistórica. O leitor pode passar por cima delas até ter oportunidade de seconcentrar em cada uma das peças, com a partitura diante dos olhos e amúsica nos ouvidos.Uma outra inovação consiste no facto de as vozes do passado se dirigiremdirectamente ao leitor em "vinhetas", nas quais compositores, músicos eobservadores comentam pormenorizadamente e de forma pessoal a música doseu tempo. Muitos destes textos foram traduzidos propositadamente para oefeito.

Em vez da cronologia única apenas as edições anteriores, cada capítuloque introduz um novo período contém agora uma cronologia mais concisa. Domesmo modo, em vez da bibliografia que preenchia densamente muitas dasúltimas páginas, há bibliografias detalhadas no fim de cada capítulo.Estas foram compiladas com o auxílio de duas doutorandas de Yale, PamelaPotter (capítulos 1 a 8 e 20) e Bonita Shuem (capítulos 9 a 19), a quemfico profundamente grato. O glossário foi suprimido, uma vez que asdefinições breves, fora do seu contexto, se tornam muitas vezesenganadoras. Os termos técnicos são geralmente explicados a primeira vezque aparecem, e o índice remete o leitor para essas definições.Todas as pessoas implicadas na produção e distribuição deste livro

concordaram que não seria desejável nem prático rever esta 4.a edição tãodrasticamente como o desejariam alguns utentes fiéis. O livro continuaráa evoluir em anos vindouros. Nesta edição os capítulos relativos aoinício do período barroco foram os que sofreram uma revisão maisprofunda, mas rara foi a página do resto do livro que permaneceuinalterada, tendo o século xx merecido uma atenção especial.Os quarenta professores universitários que responderam ao questionário emque se pediam sugestões para a 4.a edição da História da Música Ocidentale para a 2.a edição da Antologia forneceram-nos ampla matéria parareflexão e muitas propostas viáveis de aperfeiçoamento. Procurei levar ascríticas a sério e segui muitos conselhos. Todos os inquiridos merecem osmeus calorosos agradecimentos, embora não possa deixar de salientar osnomes de alguns de entre eles, cujo contributo foi mais útil e maiscompleto: Jack Ashworth, da Universidade de Louisville, Charles Brauner,da Universidade Roosevelt, Michael Fink, da Universidade do Texas em SanAntonio, David Fuller, do SUNY, em Buffalo, David Josephson, daUniversidade Brown, Sterling Murray, da Universidade de West Chester,James Siddons, da Universidade Liberty, e Lavern Wagner, do QuincyCollege (Illinois).Vários amáveis colegas leram diligentemente esboços de capítulos ou sub-meteram a minha consideração críticas detalhadas desta ou daquela parteda última edição. O professor Thomas J. Mathiesen, da Universidade Jovemde Brigham, fez muitas sugestões de pormenor para a secção consagrada amúsica antiga. A professora Margot Fassler, de Yale, comentouextensamente dois esboços da parte do cantochão e influenciou de maneira

decisiva as minhas reflexões acerca da música do início da era cristã. ODr. Laurel Fay incitou-me a tentar conceder um lugar mais relevante aoscompositores russos e soviéticos. O facto de não ter podido corresponderas expectativas de todos os críticos não deixará de os desi- ludir eiliba-os, sem dúvida alguma, de quaisquer responsabilidades pelas falhasque ainda subsistam. Mas a gratidão que aqui lhes manifesto não poderiaser mais sincera.Infelizmente, o autor original da obra, Donald J. Grout, que faleceu em10 de Março de 1987, não p?de tomar parte nesta revisão. Agradeço acolaboração da família no lançamento desta nova edição. Procurei manterintacta a prosa fluente do professor Grout sempre que esta se mantinha emsintonia com a situação actual dos conhecimentos e a opinião dosespecialistas. Muitos sentirão a falta das suas refle-xões mais pessoais,mas, quando há co-autoria, a melhor máscara a que uma obra pode recorreré, sem dúvida, a da neutralidade.Esta edição e eu próprio muito ficámos a dever a sabedoria e aperspicácia editorial de Claire Brook, vice-presidente e responsável dasecção de música da W. W. Norton and Company. Aqui fica também o meu

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agradecimento ao seu assistente Raymond Morse pelo modo conscienciosocomo atendeu a inúmeros pormenores da produção do livro.

E, finalmente, devo a mais terna gratidão a minha mulher, Elizabeth A.Keitel, por tão pacientemente ter partilhado as minhas muitaspreocupações e por ter evitado que me isolasse completamente do mundodurante os longos meses que demorei a levar a bom termo a presenteedição.

Claude V. PaliscaHamden, ConnecticutAbreviaturasAIM -- American Institute of Musicology; entre as suas publicaçõescontam-se CEKM, CMM, CSM, MD, MSD. Para uma lista completa, v. MD, 39,1985, 169-20.AM -- Acta Musicologica, 1929-.AMM -- Richard H. Hoppin (ed.), Anthology of Medieval Music, NovaYorque, Norton, 1978.CDMI -- I classici della musica italiana, 36 vols., Milão, InstitutoEditoriale Italiano, 1918-1920, e Societa Anonima Notari la Santa,1919-1921.CEKM -- Corpus of Early Keyboard Music, AIM, 1963-.CM -- Collegium Musicum, New Haven, 1955-, 2.a série, Madison, A-REditions, 1969-.CMI -- I classici musicali italiani, 15 vols., Milão, 1941-1943,1956.CMM -- Corpus mensurabilis musicae, AIM, 1948-.CSM -- Corpus scriptorum de musica, AIM, 1950-.DdT -- DenkmSler deustscher Tonkunst, 65 vols., Leipzig, Breitkof &HSrtel, 1892-1931; repr. Wiesbaden, 1957-1961.DTB -- DenkmSler deustscher Tonkunst, 2, Folge, DenkmSler derTonkunst in Bayern, 38 vols., Braunschweig, 1900-1938.DTOe -- DenkmSler der Tonkunst in Oesterreich, Viena, Artaria,1894-1904; Leipzig, Breitkopf & HSrtel, 1905-1913; Viena, Universal,1919-1938; Graz, Akademische Druck- und Verlagsanstalt, 1966-.EM -- Early Music, 1973-.EMH -- Early Music History, 1981-.

EP -- R. Eitner (ed.), Publikationen Slterer praktischer undtheoretischer Musikwerke, vorzugsweise des xv, und xvi. Jahrhunderts, 29vols. in 33 JahrgSnge, Berlim, Bahn and Liepmannssohn; Leipzig, Breitkopf& HSrtel, 1873-1905; repr. 1967.GLHWM -- Garland Library of the History of Western Music.GMB -- Arnold Schering (ed.), Geschichte der Musik in Beispielen(História da Música em Exemplos), Leipzig, Breitkopf & HSrtel, 1931.HAM -- Archibald T. Davison e Willi Apel (eds.), HistoricalAnthology of Music, Cambridge, 1950, vol. 1, Oriental, Medieval, andRenaissance Music, e vol. 2, Baroque, Rococo, and Pre-Classical Music.JAMS -- Journal of the American Musicological Society, 1948-.JM -- Journal of Musicology, 1982-.JMT -- Journal of Music Theory, 1957-.MB -- Musica Britannica, Londres, Stainer & Bell, 1951-.MM -- Carl Parrish e John F. Ohl (ed.), Masterpieces of Music Before1750, Nova Iorque, Norton, 1951.ML -- Music and Letters, 1920-.MQ -- The Musical Quarterly, 1915-.

MR -- Gustave Reese, Music in the Renaissance, 2.a ed., Nova Iorque,Norton, 1959.MRM -- Edward Lowinsky (ed.), Monuments of Renaissance Music,Chicago, University of Chicago Press, 1964.MSD -- Musicological Studies and Documents, AIM, 1951-.NG -- New Grove Dictionary of Music and Musicians, ed. Stanley Sadie,

Londres, Macmillan, 1980.NOHM -- New Oxford History of Music, Londres, Oxford UniversityPress, 1954-.NS -- Roger Kamien (ed.), The Norton Scores, 4.a ed., Nova Iorque,Norton, 1984.OMM -- Thomas Marrocco e Nicholas Sandon (ed.), Oxford Anthology ofMedieval Music, Nova Iorque, Oxford University Press, 1977.PAM -- Publikationen Slterer Musik... bei der deutschenMusikgesellschaft, Leipzig, Bretkopf & HSrtel, 1926-1940.PMM -- Thomas Marrocco (ed.), Polyphonic Music of the XIVth Century,Mónaco, Oiseau-Lyre, 1956-.PMMM -- Publications of Medieval Music Manuscripts, Brooklyn,Institute of Medieval Music, 1957-.PMS -- L. Schrade (ed.), Polyphonic Music of the Fourteenth Century,Mónaco, Oiseau--Lyre, 1956-.RMAW -- Curt Sachs, The Rise of Music in the Ancient World, NovaIorque, Norton, 1943.RTP -- William Waite (ed.), The Rhythm of Twerlfth-CenturyPolyphony, New Haven, Yale University Press, 1954.SR -- Oliver Strunk, Source Readings in Music History, Nova Iorque,Norton, 1950; também editado em vários volumes brochados, como se segue.SRA -- Source Readings in Music History: Antiquity and the MiddleAges.SRRe -- Source Readings in Music History: the Renaissance.SRB -- Source Readings in Music History: the Baroque Era.

SRC -- Source Readings in Music History: the Classic Era.SRRo -- Source Readings in Music History: the Romantic Era.TEM -- Carl Parrish (ed.), A Treasury of Early Music, Nova Iorque,Norton, 1958.WM -- Johanes Wolf, Music of Earlier Times -- edição americana da obraSingund Spielmusik aus Slterer Zeit, 1926.1A situação da música no fim do mundo antigo

Quem vivesse numa província do Império Romano no século v da era cristãpoderia ver estradas por onde as pessoas outrora haviam viajado e agorajá não viajavam, templos e arenas construídos para multidões agoravotados ao abandono e a ruina, e a vida, geração após geração, um poucopor toda a parte, tornando-se cada vez mais pobre, mais insegura e maisdifícil. Roma, no tempo da sua grandeza, fizera reinar a paz em quasetoda a Europa ocidental, bem como em muitas zonas da -frica e da -sia,mas, entretanto, enfraquecera e já não tinha capacidade para se defender.Os bárbaros iam chegando do Norte e do Leste, e a civilização comum a

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toda a Europa desagregava-se em fragmentos que só muitos séculos maistarde começariam gradualmente a fundir-se de novo, dando origem as naçõesmodernas.O declínio e a queda de Roma marcaram tão profundamente a históriaeuropeia que ainda hoje temos dificuldade em nos apercebermos de que,paralelamente ao processo de destruição, se iniciava então,paulatinamente, um processo inverso de criação, centrado na igrejacristã. Até ao século x foi esta instituição o principal -- e muitasvezes o único -- laço unificador e canal de cultura da Europa. As pri-meiras comunidades cristãs, não obstante terem sofrido durante trezentosanos perseguições mais ou menos esporádicas, cresceram regularmente edisseminaram-se por todas as regiões do império. O imperador Constantinoadoptou uma política de tolerGncia após a sua conversão, em 312, e fez docristianismo a religião da família imperial. Em 395 a unidade política domundo antigo foi formalmente desfeita, com a divisão em Império doOriente e Império do Ocidente, tendo por capitais BizGncio e Roma.Quando, após um século terrível de guerras e invasões, o último imperadordo Ocidente foi, finalmente, deposto do seu trono, em 476, os alicercesdo poder papal estavam já tão firmemente estabelecidos que a Igreja seencontrava em condições de assumir a missão civilizadora e unificadora deRoma.A herança grega

A história da música ocidental, em sentido estrito, começa com a músicada igreja cristã. Todavia, ao longo de toda a Idade Média, e mesmo nosdias de hoje, artistas e intelectuais tÊm ido continuamente a Grécia e aRoma a procura de ensinamentos, correcções e inspiração nos mais diversoscampos de actividades. Isto também é válido para a música, embora comalgumas diferenças importantes em relação as outras artes. A literaturaromana, por exemplo, nunca deixou de exercer a sua influÊncia ao longo daIdade Média. Virgílio, Ovídio, Horácio e Cícero continuaram sempre a serestudados e lidos. Esta influÊncia tornou-se bem mais importante nosséculos xiv e xv, a medida que foram sendo conhecidas mais obras romanas;ao mesmo tempo ia sendo gradualmente recuperado aquilo que sobrevivera daliteratura grega. Contudo, no domínio da literatura, bem como em váriosoutros campos (nomeadamente no da escultura), os artistas medievais erenascentistas tinham a vantagem de poderem estudar e, se assim o

desejassem, imitar os modelos da antiguidade. Tinham diante dos olhos ospoemas ou as estátuas autÊnticos. Já com a música não acontecia o mesmo.Os músicos da Idade Média não conheciam um exemplo sequer da música gregaou romana, embora alguns hinos tenham vindo a ser identificados noRenascimento. Actualmente estamos numa situação bastante melhor, pois,entretanto, foram reconstituídas cerca de quarenta peças ou fragmentos depeças musicais gregas, a maioria das quais de épocas relativamentetardias, mas cobrindo um período de cerca de sete séculos. Embora nãohaja vestígios autÊnticos da música da antiga Roma, sabemos, por relatosverbais, baixos-relevos, mosaicos, frescos e esculturas, que a músicadesempenhava um papel importante na vida militar, no teatro, na religiãoe nos rituais de Roma.

Houve uma razão importante para o desaparecimento das tradições daprática musical romana no início da Idade Média: a maior parte destamúsica estava associada a práticas sociais que a igreja primitiva via comhorror ou a rituais pagãos que julgava deverem ser eliminados. Porconseguinte, foram feitos todos os esforços não apenas para afastar daIgreja essa música, que traria tais abominações ao espírito dos fiéis,como, se possível, para apagar por completo a memória dela.Houve, no entanto, alguns elementos da prática musical antiga quesobreviveram durante a Idade Média, que mais não fosse porque seria quaseimpossível aboli-los sem abolir a própria música; além disso, as teoriasmusicais estiveram na base das teorias medievais e foram integradas namaior parte dos sistemas filosóficos. Por isso, se queremos compreender a

música medieval, temos de saber alguma coisa acerca da música dos povosda antiguidade, em particular da teoria e da prática musicais dos Gregos.

A música na vida e no pensamento da Grécia antiga -- A mitologia gregaatribuía a música origem divina e designava como seus inventores eprimeiros intérpretes deuses e semideuses, como Apolo, Anfião e Orfeu.Neste obscuro mundo pré-histórico a música tinha poderes mágicos: aspessoas pensavam que era capaz de curar doenças, purificar o corpo e oespírito e operar milagres no reino da Natureza. Também no AntigoTestamento se atribuíam a música idÊnticos poderes: basta lembrar apenaso episódio em que David cura a loucura de Saul tocando harpa (1 Samuel,16, 14-23) ou o soar das trombetas e a vozearia que derrubaram asmuralhas de Jericó (Josué, 6, 12-20). Na época homérica os bardoscantavam poemas heróicos durante os banquetes (Odisseia, 8, 62-82).Desde os tempos mais remotos a música foi um elemento indissociável dasceri-mónias religiosas. No culto de Apolo era a lira o instrumentocaracterístico, enquanto no de Dioniso era o aulo. Ambos os instrumentosforam, provavelmente, trazidos para a Grécia da -sia Menor. A lira e asua variante de maiores dimensões, a cítara, eram instrumentos de cinco esete cordas (número que mais tarde chegou a elevar-se até onze); ambaseram tocadas, quer a solo, quer acompanhando o canto ou a recitação depoemas épicos. O aulo, um instrumento de palheta simples ou dupla (nãoera uma flauta), muitas vezes com dois tubos, tinha um timbre estridente,penetrante, associava-se ao canto de um certo tipo de poema (o ditirambo)no culto de Dioniso, culto que se crÊ estar na origem do teatro grego.

Consequentemente, nas grandes tragédias da época clássica -- obras de+squilo, Sófocles, Eurípides -- os coros e outras partes musicais eramacompanhados pelo som do aulo ou alternavam com ele.

Pelo menos desde o século vi a. C. tanto a lira como o aulo eram tocadoscomo instrumentos independentes, a solo. Conhece-se um relato de umfestival ou concurso de música realizado por ocasião dos Jogos Píticos em586 a. C. em que Sacadas tocou uma composição para aulo, ilustrando onomo pítico as diversas fases do combate entre Apolo e o dragão Píton. Osconcursos de tocadores de cítara e aulo, bem como os festivais de músicainstrumental e vocal, tornaram-se cada vez mais populares a partir doséculo v a. C. + medida que a música se tornava mais independente,multiplicava-se o número de virtuosos; ao mesmo tempo, a música em sitornava-se cada vez mais complexa em todos os aspectos. Alarmado com aproliferação da arte musical, Aristóteles, no século iv, manifestava-secontra o excesso de treino profissional na educação musical do homemcomum:

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Alcançar-se-á a medida exacta se os estudantes de música se abstiveremdas artes que são praticadas nos concursos para profissionais e nãoprocurarem dominar esses fantásticos prodígios de execução que estãoagora em voga em tais concursos e que daí passaram para o ensino. Deixemque os jovens pratiquem a música conforme prescrevemos, apenas até seremcapazes de se deleitarem com melodias e ritmos nobres e não meramentenessa parte comum da música que até a qualquer escravo, ou criança, oumesmo a alguns animais, consegue dar prazer1.

Algum tempo após a época clássica (entre 450 e 325 a. C.,aproximadamente) deu-se uma reacção contra o excesso de complexidadetécnica, e no início da era cristã a teoria musical grega, eprovavelmente também a prática, estava muito simplificada. A maior partedos exemplos de música grega que chegaram até nós provÊm de períodosrelativamente tardios. Os mais importantes de entre eles são um fragmentode um coro do Orestes de Eurípides (vv. 338-344), de um papiro datado decerca do ano 200 a. C., sendo a música, possivelmente, do próprioEurípides (NAWM 1)2, um fragmento da Ifigénia em -ulide de Eurípides (vv.783-793), dois hinos délficos a Apolo, praticamente completos, datando osegundo de 128-127 a. C., um escólio, ou canção de bebida, que serve deepitáfio a uma sepultura, também do século i, ou pouco posterior (NAWM2), e Hino a Némesis, Hino ao Sol e Hino a Musa Calíope de Mesomedes deCreta, do século ii.A música grega assemelhava-se a da igreja primitiva em muitos aspectosfundamentais. Era, em primeiro lugar, monofónica, ou seja, uma melodiasem harmonia ou contraponto. Muitas vezes, porém, vários instrumentosembelezavam a melodia em simultGneo com a sua interpretação por umconjunto de cantores, assim criando uma heterofonia. Mas nem aheterofonia nem o inevitável canto em oitavas, quando homens e rapazescantam em conjunto, constituem uma verdadeira polifonia. A música grega,além disso, era quase inteiramente improvisada. Mais ainda: na sua formamais perfeita (teleion melos), estava sempre associada a palavra, a dançaou a ambas; a sua melodia e o seu ritmo ligavam-se intimamente a melodiae ao ritmo da poesia, e a música dos cultos religiosos, do teatro e dosgrandes concursos públicos era interpretada por cantores que acompanhavama melodia com movimentos de dança predeterminados.

Música e filosofia na Grécia -- Dizer que a música da igreja primitivatinha em comum com a grega o facto de ser monofónica, improvisada einseparável de um texto não é postular uma continuidade histórica entreambas. Foi a teoria, e não a prática, dos Gregos que afectou a música daEuropa ocidental na Idade Média. Temos muito mais informação acerca dasteorias musiciais gregas do que acerca da música em si. Essas teoriaseram de dois tipos: (1) doutrinas sobre a natureza da música, o seu lugarno cosmos, os seus efeitos e a forma conveniente de a usar na sociedadehumana, e (2) descrições sistemáticas dos modelos e materiais dacomposição musical. Tanto na filosofia como na ciÊncia da música osGregos tiveram intuições e formularam princípios que em muitos casosainda hoje não estão ultrapassados. + evi-dente que o pensamento grego nodomínio da música não permaneceu estático de Pitágoras (cerca de 500 a.C.), o seu célebre fundador, a Aristides Quintiliano (século iv a. C.),último autor grego de relevo neste campo; o resumo que se segue, emboranecessariamente simplificado, insiste nos aspectos mais característicos emais importantes para a história ulterior da música ocidental.A palavra música tinha para os Gregos um sentido mais lato do que aqueleque hoje lhe damos. Era uma forma adjectivada de musa -- na mitologiaclássica, qualquer das nove deusas irmãs que presidiam a determinadasartes e ciÊncias. A relação verbal sugere que entre os Gregos a músicaera concebida como algo comum a todas as actividades que diziam respeitoa busca da beleza e da verdade. Nos ensinamentos de Pitágoras e dos seusseguidores a música e a aritmética não eram disciplinas separadas; os

números eram considerados a chave de todo o universo espiritual e físico;assim, o sistema dos sons e ritmos musicais, sendo regido pelo número,exemplificava a harmonia do cosmos e correspondia a essa harmonia. FoiPlatão que, no Timeu (o mais conhecido de todos os seus diálogos na IdadeMédia) e na República, exp?s esta doutrina de forma mais completa esistemática. As ideias de Platão acerca da natureza e funções da música,tal como vieram mais tarde a ser interpretadas pelo autores medievais,exerceram uma profunda influÊncia nas especulações destes últimos sobre amúsica e o seu papel na educação.Para alguns pensadores gregos a música estava também intimamente ligada aastronomia. Com efeito, Cláudio Ptolemeu (século ii d. C.), o maissistemático dos teóricos antigos da música, foi também o mais importanteastrónomo da antiguidade. Pensava-se que as leis matemáticas estavam nabase tanto do sistema dos intervalos musicais como do sistema dos corposcelestes e acreditava-se que certos modos e até certas notascorrespondiam a um ou outro planeta. Tais conotações e extensõesmisteriosas da música eram comuns a todos os povos orientais. Platão3 deua essa ideia uma forma poética no belo mito da "música das esferas", amúsica produzida pela revolução dos planetas, mas que os homens nãoconseguiam ouvir; tal concepção foi evocada por diversos autores queescreveram sobre música ao longo de toda a Idade Média e mais tarde,entre outros, por Shakespeare e Milton.

A íntima união entre música e poesia dá também a medida da amplitude doconceito de música entre os Gregos. Para os Gregos os dois termos eram

praticamente sinónimos. Quando hoje falamos da "música da poesia",estamos a empregar uma figura de retórica, mas para os Gregos essa músicaera uma verdadeira melodia, cujos intervalos e ritmos podiam ser medidosde forma exacta. Poesia "lírica" significava poesia cantada ao som dalira; o termo tragédia inclui o substantivo ode, "a arte do canto".Muitas outras palavras gregas que designavam os diferentes géneros depoesia, como ode e hino, eram termos musicais. As formas desprovidas demúsica eram também desprovidas de nome. Na Poética Aristóteles, depois deapresentar a melodia, o ritmo e a linguagem como os elementos da poesia,afirma o seguinte: "Há outra arte que imita recorrendo apenas alinguagem, quer em prosa, quer em verso [...], mas por enquanto tal artenão tem nome4."A ideia grega de que a música se ligava indissociavelmente a palavrafalada ressurgiu, sob diversas formas, ao longo de toda a história damúsica: com a invenção do recitativo, por volta de 1600, por exemplo, oucom as teorias de Wagner acerca do teatro musical, no século xix.

A doutrina do etos -- A doutrina do etos, das qualidades e efeitos morais

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da música, integrava-se na concepção pitagórica da música comomiscrocosmos, um sistema de tons e ritmos regido pelas mesmas leismatemáticas que operam no conjunto da criação visível e invisível. Amúsica, nesta concepção, não era apenas uma imagem passiva do sistemaordenado do universo; era também uma força capaz de afectar o universo --daí a atribuição dos milagres aos músicos lendários da mitologia. Numafase posterior, mais científica, passaram a sublinhar-se os efeitos damúsica sobre a vontade e, consequentemente, sobre o carácter e a condutados seres humanos. O modo como a música agia sobre a vontade foiexplicado por Aristóteles5 através da doutrina da imitação. A música, dizele, imita directamente (isto é, representa) as paixões ou estados daalma -- brandura, ira, coragem, temperança, bem como os seus opostos eoutras qualidades; daí que, quando ouvimos um trecho musical que imitauma determinada paixão, fiquemos imbuídos dessa mesma paixão; e, sedurante um lapso de tempo suficientemente longo ouvirmos o tipo de músicaque desperta paixões ignóbeis, todo o nosso carácter tomará uma formaignóbil. Em resumo, se ouvirmos música inadequada, tornar-nos-emospessoas más; em contrapartida, se ouvirmos a música adequada, tenderemosa tornar-nos pessoas boas6.

Platão e Aristóteles estavam de acordo em que era possível produzirpessoas "boas" mediante um sistema público de educação cujos doiselementos fundamen-tais eram a ginástica e a música, visando a primeira adisciplina do corpo e a segunda a do espírito. Na República, escrita porvolta de 380 a. C., Platão insiste na necessidade de equilíbrio entreestes dois elementos na educação: o excesso de música tornará o homemefeminado ou neurótico; o excesso de ginástica torná-lo-á incivilizado,violento e ignorante. "+quele que combina a música com a ginástica naproporção certa e que melhor as afeiçoa a sua alma bem poderá chamar-severda- deiro músico7." Mas só determinados tipos de música sãoaconselháveis. As melo-dias que exprimem brandura e indolÊncia devem serevitadas na educação dos indivíduos que forem preparados para governaremo estado ideal; só os modos dórico e frígio serão admitidos, poispromovem, respectivamente, as virtudes da coragem e da temperança. Amultiplicidade das notas, as escalas complexas, a combinação de formas eritmos incongruentes, os conjuntos de instrumentos diferen- tes entre si,"os instrumentos de muitas cordas e afinação bizarra", até mesmo os

fabricantes e tocadores de aulo, deverão ser banidos do estado8. Osfundamentos da música, uma vez estabelecidos, não deverão ser alterados,pois o desregramento na arte e na educação conduz inevitavelmente alibertinagem nos costumes e a anarquia na sociedade9. O ditado "deixai-mefazer as canções de uma nação, que pouco me importa quem faz as suasleis" era uma máxima política, mas também um trocadilho, pois a palavranomos, que significa "costume" ou "lei", designava também o esquemamelódico de uma canção lírica ou de um solo instrumental10. Aristóteles,na Política (cerca de 330 a. C.), mostrou-se menos restritivo do quePlatão quanto a ritmos e modos particulares. Concebia que a músicapudesse ser usada como fonte de divertimento e prazer intelectual, e nãoapenas na educação11.+ possível que, ao limitarem os tipos de música autorizados no estadoideal, Platão e Aritóteles estivessem deliberadamente a deplorar certastendÊncias da vida musical do seu tempo: ritmos associados a ritosorgiásticos, música instrumental independente, popularidade dos virtuososprofissionais. A menos que encaremos estes filósofos como homens tãodesligados do mundo real da arte que as suas opiniões no domínio damúsica não tÊm a menor relevGncia, devemos relembrar os seguintes factos:primeiro, na Grécia antiga a palavra música tinha um sentido muito maislato do que aquele que lhe damos hoje; segundo, não sabemos qual era asonoridade dessa música, e não é impossível que tivesse realmente certospoderes sobre o espírito que não possamos idealizar; terceiro, houvemuitos momentos históricos em que o estado ou outras autoridadesproibiram determinados tipos de música, partindo do princípio de que se

tratava de uma questão importante para o bem-estar público. Havia leissobre a música nas primeiras constituições de Atenas e de Esparta. Osescritos dos Padres da Igreja contÊm muitas censuras a determinados tiposde música. E mesmo no século xx o assunto está longe de ter sidoencerrado. As ditaduras, tanto fascistas como comunistas, procuraramcontrolar a actividade musical dos respectivos povos; as igrejas costumamestipular quais as músicas que podem ou não ser tocadas nos serviçosreligiosos; os educadores continuam a preocupar-se com o tipo de música,bem como com o tipo de imagens e textos, a que se vÊem expostos os jovensde hoje.A doutrina grega do etos, por conseguinte, baseava-se na convicção de quea música afecta o carácter e de que os diferentes tipos de música oafectam de forma diferente. Nestas distinções efectuadas entre os muitostipos de música podemos detectar uma divisão genérica em duas categorias:a música que tinha como efeitos a calma e a elevação espiritual, por umlado, e, por outro, a música que tendia a suscitar a excitação e oentusiasmo. A primeira categoria era associada ao culto de Apolo, sendo oseu instrumento a lira e as formas poéticas correlativas a ode e aepopeia. A segunda categoria, associada ao culto de Dioniso, utilizava oaulo e tinha como formas poéticas afins o ditirambo e o teatro.

O sistema musical grego

A teoria musical grega, ou harmonia, compunha-se tradicionalmente de sete

tópicos: notas, intervalos, géneros, sistemas de escalas, tons, modulaçãoe composição melódica. Estes pontos são enumerados por esta ordem porCleónides (autor de data incerta, talvez do século ii d. C.)12 numcompÊndio da teoria aristoxeniana; o próprio Aristóxeno, nos seusElementos de Harmonia (c. 330 a. C.), discute demoradamente cada um dostópicos, mas ordenando-os de forma diferente. Os conceitos de nota e deintervalo dependem de uma distinção entre dois tipos de movimento da vozhumana: o contínuo, em que a voz muda de altura num deslizar constante,ascendente ou descendente, sem se fixar numa nota, e o diastemático, emque as notas são mantidas, tornando perceptíveis as distGncias nítidasentre elas, denominadas "intervalos". Os intervalos, como os tons, osmeios-tons e os dítonos (terceira), combinavam-se em sistemas ou escalas.O bloco fundamental a partir do qual se construíam as escalas de uma ouduas oitavas era o tetracorde, formado por quatro notas, abarcando umdiatessarão, ou intervalo de quarta. A quarta foi um dos trÊs intervalosprimários precocemente reconhecidos como consonGncias. Diz-nos a lendaque Pitágoras descobriu as consonGncias a partir de quocientes simples,ao dividir uma corda vibrante em partes iguais. Na razão de 2:1 terá

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encontrado a oitava, na de 3:2 a quinta e na de 4:3 a quarta.Havia trÊs géneros ou tipos de tetracordes: o diatónico, o cromático e oenarmónico. As notas extremas dos tetracordes eram consideradas comotendo altura estável, enquanto as duas notas intermédias podiam situar-seem pontos convenientes no contínuo entre as notas extremas. O intervaloinferior era geralmente o menor e o superior o maior [exemplo 1.1, a),b), c)]. No tetracorde diatónico os dois intervalos superiores eram tonsinteiros e o inferior um meio-tom. No cromático o intervalo superior eraum semidítono, ou terceira menor, e os dois intervalos inferiores,formando uma zona densa, ou pyknon, eram meios-tons. No enarmónico ointervalo superior era um dítono, ou terceira maior, e os dois intervalosinferiores do pyknon eram menores do que meios-tons, quartos de tom, oupróximos do quarto de tom. Todos estes componentes do tetracorde podiamvariar ligeiramente de amplitude, e esta variedade criava "matizes"dentro de cada género.

Exemplo 1.1 -- Tetracordes

a) Diatónico b) Cromático c) EnarmónicoAristóxeno defendia que o verdadeiro método para determinar os intervalosera através do ouvido, e não de quocientes numéricos, como pensavam osseguidores de Pitágoras. No entanto, para descrever a amplitude deintervalos menores do que a quarta dividia o tom inteiro em doze partesiguais e usava estas como unidades de medida. Das descrições deAristóxeno e de alguns textos de teóricos mais tardios podemos inferirque os gregos antigos, como a maior parte dos povos orientais, ainda nosnossos dias, faziam uso corrente de intervalos menores do que o meio-tom.E encon-tramos, efectivamente, tais microtons no fragmento de Eurípides(NAWM 1).

Exemplo 1.2 -- Tetracordes conjuntos e disjuntos

a) Dois tetracordes conjuntos b) Dois tetracordes disjuntoscom nota suplementar

Cada uma das notas, excepto o mese e o proslambanomenos, tinha um nomeduplo, por exemplo, nete hyperbolaion, em que o primeiro termo indicava a

posição da nota no tetracorde e o segundo era o nome do própriotetracorde. Os tetracordes eram denominados segundo a respectiva posição:hyperbolaion, "notas extremas"; diezeugmenon, "disjunção"; meson, "meio";hypaton, "o último".Dois tetracordes podiam combinar-se de duas formas diferentes paraformarem heptacordes (sistemas de sete notas) e sistemas de uma ou duasoitavas. Se a última nota de um tetracorde era também a primeira deoutro, os tetracordes diziam-se conjuntos; se eram separados por um tominteiro, eram disjuntos (v. exemplo 1.2, onde T = tom inteiro e m = meio-tom). Daqui derivou, com o passar do tempo, o sistema perfeito completo-- uma escala de duas oitavas composta de tetracordes alternadamenteconjuntos e disjuntos, como se vÊ no exemplo 1.3. O Lá mais grave destesistema, uma vez que ficava de fora do sistema de tetracordes, eraconsiderado um tom suplementar (proslambanomenos).Exemplo 1.3 -- O sistema perfeito completoAlgumas das notas são designadas a partir da posição da mão e dos dedosao tocar a lira. Lichanos significa "dedo indicador". Hypate significaque se trata da primeira nota do primeiro tetracorde, enquanto netederiva de neaton, ou "último a chegar". O nome do tetracorde diezeugmenonprovém do facto de o intervalo Si-Lá ser o tom inteiro que separa doistetracordes disjuntos, o "ponto de disjunção" -- em grego, diazeuxis.No exemplo 1.3 os tons exteriores ou fixos dos tetracordes terão sidorepresentados na notação moderna por notas brancas. A altura dos doistons intermédios de cada tetracorde (representados por notas pretas)podia, como atrás explicámos, ser modificada por forma a produzir os

diversos matizes e os géneros enarmónico e cromático, mas,independentemente da modificação de altura, estas notas conservavam osmesmos nomes que no género diatónico (por exemplo, mese, lichanos,parhypate e hypate no tetracorde conjunto do meio). Havia também umsistema perfeito menor que consistia numa oitava de lá a Lá, como nosistema perfeito maior, com um tetracorde conjunto suplementar(denominado synemmenon, ou associado) constituído pelas notas ré'-dó'-sib-lá.A questão dos tonoi era objecto de divergÊncias consideráveis entre osescritores antigos, o que não é surpreendente, uma vez que os tonoi nãoeram construções teóricas anteriores a composição mas um meio deorganizar a melodia, e as práticas melódicas divergiam grandemente noÂmbito geográfico e cronológico da cultura grega:

A música da Grécia antiga abrangia peças jónicas (ou seja, asiáticas),como os cantos épicos de Homero e as rapsódias, peças eólicas (das ilhasgregas), como as canções de Safo e Alfeu, peças dóricas (do Sul daGrécia), como os versos de Píndaro (poeta epiniciano)*, +squilo,Sófocles, Eurípides (os poetas trágicos) e Aristóteles (o poeta cómico),peças délficas (do Norte da Grécia) helenísticas, como os hinos a Apolo,a inscrição funerária pagã de Seikilos do século i, um "hino cristão" doséculo iv e todo o resto de um vasto corpus, que se perdeu quase porinteiro, de música grega composta primeiro sem, e depois com, o auxíliode uma notação e de uma aprendizagem técnica, ao longo do período de

cerca de 1200 anos que medeia entre Homero e Boécio14.

Aristóxeno comparou as discordGncias quanto ao número e altura dos tonoicom as disparidades entre os calendários de Corinto e de Atenas. A partedo tratado onde apresentaria a sua perspectiva não chegou até nós, mas aexposição de Cleónides deriva dela com toda a probabilidade. A palavratonos, ou "tom", dizia ele, tinha quatro significados: nota, intervalo,região da voz e altura. + usada com o sentido de região da voz quando serefere ao tonos dórico, ao frígio ou ao lídio. Aristóxeno, acrescentavaainda Cleónides, distinguia treze tonoi. Em seguida enumerava-os emostrava que cada um deles começa no seu meio-tom da oitava.Para fazermos uma ideia mais exacta do que eram os tonoi temos derecorrer a outros autores, possivelmente posteriores, como Alípio (cercado século iii ou iv) e Ptolemeu. Alípio apresentava tábuas de notaçãopara quinze tonoi (os de Aristóxeno e dois mais agudos), que revelam tercada tonos a estrutura do sistema perfeito, maior ou menor, sendo um dadotonos meio-tom mais alto ou mais baixo do que o seguinte. A notaçãosugere que o hipolídio corresponderia a escala natural, como o lá a Lá do

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exemplo 1.3. Ptolemeu considerava que treze era um número excessivo detonoi, pois, segundo a sua teoria, o propósito dos tonoi era permitir quefossem cantadas ou tocadas, dentro do Âmbito limitado desta ou daquelavoz ou instrumento, determinadas harmoniai, e só havia sete maneiras decombinar os sons da oitava numa harmonia. Uma harmonia, como maistardiamente o modo, era caracterizada por um certo número de atributos,como o etos, o feminino/masculino, as notas excluídas, as preferÊnciasétnicas, e assim sucessivamente, mas a cada harmonia era associada umaespécie particular de oitava.Ao discutir a questão das espécies de consonGncias, Cleónides demonstrouque havia trÊs espécies de quartas, quatro espécies de quintas e sete deoitavas. Quer isto dizer que os tons ou meio-tons (ou intervalos menores)podiam ser ordenados de um número de formas sempre igual ao número denotas do intervalo menos um. A quarta diatónica podia ascender dasseguintes formas: m-T-T (como a quarta Si-mi), T-T-m (como dó-fá) e T-m-T(como ré-sol). Havia espécies equivalentes para a quarta cromática eenarmónica e também para a quinta e a oitava. +s espécies de oitavasatribuiu Cleónides os nomes étnicos dórica, frígia, etc., demonstrandoque todas podiam ser representadas como segmentos do sistema perfeitocompleto na sua forma natural. Assim, a oitava mixolídia corresponde aSi-si, a lídia a dó-dó', a frígia a ré-ré', a dórica a mi-mi', e assimpor diante, até a hipodórica, que corresponde a lá--Lá'. Por conseguinte,as espécies de oitavas são como uma série ascendente de modos, mas esta éuma falsa analogia, pois o autor apenas pretendia com ela tornar maisfácil a memorização da sucessão dos intervalos. Não deixa de ser, noentanto, extraordinária a coincidÊncia entre as designações de Cleónidespara as sete espécies de oitavas e as de Ptolemeu para os tonoi, de queaquelas espécies derivam no seu sistema.

O argumento de Ptolemeu para p?r de parte todos os tonoi, excepto sete,baseava--se na convicção de que a altura do som (aquilo a que hoje damoso nome de registo) não era a única fonte importante de variedade eexpressividade no domínio da música, sendo mais importante ainda acombinação dos intervalos dentro de um determinado Âmbito da voz. Narealidade, ele desprezava a mudança ou modulação do tons, que, na suaopinião, não alterava a melodia, enquanto a modulação das espécies deoitava ou harmonia modificava o etos ao alterar a estrutura de intervalos

da melodia. Só eram necessários sete tonoi para tornar possíveis setecombinações ou espécies dos intervalos componentes no espaço de umaoitava, ou dupla oitava, por exemplo, a oitava central mi-mi'. Na posiçãocentral colocava o tonos dórico, tal como fizera Cleónides, e era essa aescala natural, que na nossa notação surgiria sem acidentes. Um tominteiro acima deste vinha o tonos frígio, um tom acima deste o lídio emeio--tom mais acima o mixolídio. Meio-tom abaixo do dórico vinha ohipolídio, um tom inteiro abaixo deste o hipofrígio e mais um tom abaixoo hipodórico. Enquanto Alípio representava através de letras todo oconjunto de quinze notas transposto para cima ou para baixo, Ptolemeuencarava os limites da voz como confinados a duas oitavas, de forma que oúnico tonos que apresentava integralmente o sistema perfeito completo nasua ordem normal era o dórico (v. exemplo 1.4); aos tonoi mais altosfaltavam as notas mais agudas e eram acrescentadas notas suplementaresmais graves, sucedendo o inverso com os tonoi inferiores ao dórico. Aoitava central continha os mesai (plural de mese) de todos os tonoi.Deste modo, ré era o mese do mixolídio, dó# o mese do lídio, e assim pordiante. Estas notas eram mesai em virtude da sua função na transposiçãodo sistema perfeito completo, enquanto o tético, ou mese fixo, permaneciasempre na posição central. Imaginemos uma harpa de quinze cordas, cadacorda com um nome próprio, como mese ou paramese diezeugmon, conservandoesse nome mesmo que lhe fosse conferida uma função diferente. Assim omese funcional frígido podia ser colocado em si, ou paramese tético, umtom inteiro acima do mese natural, tético ou dórico, que é lá.Exemplo 1.4 -- Sistema de espécies de oitavas, segundo Cleónides, e

sistema de tonoi, segundo Ptolemeu

Podemos agora considerar aquilo que Platão e Aristóteles designavam porharmonia, termo que geralmente se traduz por modo. Não esqueçamos queeles escreviam acerca da música de um período muito anterior ao dosensaios teóricos atrás citados. "Os modos musicais", diz Aristóteles,"apresentam entre si diferenças fundamentais, e quem os ouve é por elesafectado de maneiras diversas. Alguns deixam os homens graves e tristes,como o chamado mixolídio; outros enfraquecem o espírito, como os modosmais brandos; outro ainda suscita um humor moderado e tranquilo, e talparece ser o efeito particular do dórico; o frígio inspira oentusiasmo15." Será a posição central da oitava dórica mi-mi' no sistemaperfeito completo, ou seja, a localização intermédia dos seus tons, ou acombinação de tons e meios--tons da respectiva espécie de oitava ouharmonia (descendo na sequÊncia T-T-m-T-T-T-m), o factor que induz umhumor moderado e tranquilo ou, mais genericamente, qualquer outro estadode espírito? Possivelmente, uma conjugação de ambas as coisas, mas o maisprovável é que Aristóteles não tivesse em mente nada de tão técnico eespecífico, mas sim a natureza expressiva genérica das melodias econfigurações melódicas características de um determinado modo, poisassociava de forma bem clara a estes elementos os ritmos particulares eas formas poéticas correspondentes a esse modo.Poderá ter havido outras associações, nem poéticas nem musicais, como astradições, os costumes e as atitudes adquiridas, mais ou menosinconscientes, para com os diferentes tipos de melodia; é também possível

que, originariamente, os nomes dórico, frígio, etc., se referissem aestilos particulares de música ou formas de interpretação característicasdas diversas raças de que o povo grego dos tempos históricos descendia.Apesar das contradições e imprecisões que dificultam o trabalho doestudioso dos textos antigos sobre música, há uma correspondÊnciaassinalável entre os preceitos teóricos de Aristóxeno a Alípio e osfragmentos musicais que sobreviveram. Dois de entre estes prestam-se aser estudados com algum pormenor: o epitáfio de Seikilos (NAWM 2) e umcoro do Orestes de Eurípides (NAWM 1).Ambos os exemplos ilustram até que ponto os escritos teóricos podemservir de guia para a compreensão dos recursos técnicos da música gregaque subsistiu até aos nossos dias. Os sistemas tonais descritos naliteratura parecem ter aplicação na música escrita e poderão ter sidoigualmente fundamentais para a música mais corrente que não ficouregistada por escrito. Entretanto, convém lembrar que, se Eurípidesescreveu a música do fragmento do Orestes, fÊ-lo quase um século antes deAristóxeno e de ou-tros autores começarem a analisar o sistema de tons.Por conseguinte, não é de admirar que esse fragmento não se harmonize tão

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bem com a teoria. Se a canção de Seikilos está mais de acordo com ateoria, talvez seja porque a teoria orientou a sua composição.

Nawm 2 -- Epitáfio de Seikilos

O epitáfio de Seikilos, embora seja o mais tardio dos dois exemplos, seráexaminado em primeiro lugar, uma vez que está completo e apresenta menosproblemas analíticos. O texto e a música estão inscritos numa estela oupedra funerária encontrada em Aidine, na Turquia, próximo de Trales, edatam, aproximadamente, do século i d. C. Todas as notas da oitava mi-mi', com Sol e Dó sustenidos (v. exemplo 1.5), entram na canção, de formaque a espécie de oitava é inequivocamente identificável como aquela a queCleónides deu o nome de frígia, equivalente a escala de Ré nas teclasbrancas de um piano. A nota que mais se destaca é o lá, sendo as duasnotas extremas mi e mi'. A nota lá é a mais frequente (oito vezes), etrÊs das quatro frases começam com ela; mi' é a nota mais aguda dasquatro frases e repete-se seis vezes; mi é a nota final da peça. DeimportGncia subsidiária são sol, que encerra duas das frases, mas éomitido no fim, e ré', que é a última nota de outra das frases.A importGncia do lá é significativa, porque se trata da nota central, oumese, do sistema perfeito completo. Em Problemas, obra atribuída aAristóteles (mas que poderá não ser inteiramente da sua autoria), afirma-se o seguinte: "Em toda a boa música o mese repete-se com frequÊncia, etodos os bons compositores recorrem frequentemente ao mese, e, se odeixam, é para em breve voltarem a ele, como não o fazem com mais nenhumanota16."

A oitava mi-mi', com dois sustenidos, é um segmento da dupla oitava Si-si', identificada por Alípio como correspondendo ao tonos diatónicoiástico, uma forma menor do modo frígio que é também conhecida pelo nomede tonos jónico (v. exemplo 1.5 e figura 1.1). Este tonos transpõe osistema perfeito maior para um tom inteiro acima da sua localizaçãonatural, hipolídia, em Lá-lá', na notação de Alípio. A identidade dotonos, porém, não parece ser essencial a estrutura da peça, pois os tonsque nela mais se destacam, lá e mi, funcionam nesse tonos como lichanosmeson e paranete diezeugmenon, ambos instáveis (v. exemplo 1.3). Naescala tética, em contrapartida, as notas mi, lá e mi' são hypate meson,

meson, mese e nete diezeugmenon, todas notas estáveis, e a espécie dequinta lá-mi', que domina a maior parte da peça, bem como a espécie dequarta mi-lá, que prevalece no final, dividem a espécie de oitava em duasmetades consonantes.

Exemplo 1.5 -- Epitáfio de Seikilos (transcrição)

Notas musicais

1.Ritmo do texto B L L L LRitmo da música B L L + B B B B L + B

Notas musicais

2.Ritmo do texto L B B L D D LRitmo da música L B B B B B L B + L

Notas musicais

3.Ritmo do texto B B D B L D B LRitmo da música B B B B B B B L B + L

Notas musicais

4.Ritmo do texto B B B C B B D L LRitmo da música B B B B B B B L B + L

D = sílaba dicrónicaB = sílaba breveL = sílaba longa| = posição possível da thesisC = sílaba comum

Até ao fim dos teus dias, vive despreocupado.Que nada te atormente. A vida é demasiado breve, e o tempo cobra o seutributo.

Extraído de Music Theory Spectrum, 7, 1985, 171-172.

Foi possível analisar a estrutura tonal desta breve canção segundo oscritérios explanados pelos teóricos. No que diz respeito ao etos dacanção, pode dizer-se que não é eufórico nem depressivo, mas simequilibrado entre os dois extremos, o que está em harmonia com o tonosjónico. Na ordenação dos quinze tonoi segundo Alípio, o jónico, comproslambanomenos em Si e mese em si, ocupa um lugar intermédio entre omais grave, o hipodórico, com proslambanomenos em Fá e mese em fá, e o

mais agudo, o hiperlídio, com proslambanomenos em sol e mese em sol'. Asterceiras maiores dariam ao ouvinte de hoje, e provavelmente também ao daépoca, uma impressão de alegria, tal como a quinta ascendente deabertura. A mensagem do poema é, com efeito, optimista.Figura 1.1 -- Análise da inscrição de Seikilos

Nomes téticos Nome segundo a função Espécie(tonos iástico) (frigía)

fixo nete diezeugmenon mi' paranete diezeugmenontomparanete diezeugmenon ré trite diezeugmenonmeio-tomtrite diezeugmenon dó# paramesedisjunção tomfixo paramese si mesedisjunção tomfixo mese lá lichanos meson

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tomlichanos meson sol parhypate mesonmeio-tomparhypate meson fá# hypate mesontomfixo hypate meson mi lichanos hypaton

A canção de Seikilos teve especial interesse para os historiadores devidoa clareza da sua notação rítmica. As notas sem sinais rítmicos por cimadas letras do alfabeto equivalem a uma unidade de duração (chronosprotos); o traço horizontal indica um diseme, equivalente a dois tempos,e o sinal horizontal com um prolongamento vertical do lado direito é umtriseme, equivalente a trÊs tempos. Cada verso tem doze tempos.

Nawm 1 -- Eurípides, Orestes (fragmento)

O fragmento do coro do Orestes de Eurípides chegou até nós num papiro dosséculos iii ou ii a. C. Calcula-se que a tragédia seja de 408 a. C. +possível que a música tenha sido composta pelo próprio Eurípides, queficou famoso pelos seus acompanhamentos musicais. Este coro é umstasimon, uma ode cantada com o coro imóvel no seu lugar na orquestra,zona semicircular entre o palco e a bancada dos espectadores. O papirocontém sete versos com notação musical, mas só subsistiu a parte centraldos versos; o início e o fim de cada verso vÊm, por conseguinte, entreparÊnteses no exemplo 1.6. Os versos do papiro não coincidem com os dotexto. Chegaram até nós quarenta e duas notas da peça musical, mas faltammuitas outras. Por conseguinte, qualquer interpretação terá forçosamentede se basear numa reconstituição.

A transcrição é dificultada pelo facto de certos signos alfabéticos seremvocais enquanto outros são instrumentais, sendo alguns enarmónicos (oucromáticos) e outros diatónicos (v. exemplo 1.6 e figura 1.2). A presentecriação apresenta os intervalos densos como sendo cromáticos, mas,alterando o "matiz", estes poderiam ser igualmente transcritos comoenarmónicos do tipo mais denso. As notas que subsistiram

Exemplo 1.6 -- Stasimon do Orestes (fragmento)

Notas musicais

1.Ritmo do texto D B B D B L | D B B

L D DRitmo da música L B L | B B B

Notas musicais

2.Ritmo do texto B D D L L L | B B D

L B LRitmo da música L L L | B B B

Notas musicais

3.Ritmo do texto B D B L(B*?)B L | D D B

L B LRitmo da música L B L | B B

Notas musicais

4.

Ritmo do texto D D D L BL | D L L LLRitmo da música B B L BL | B L

Notas musicais

5.Ritmo do texto D C D B | L LRitmo da música B B B L S B B |

Notas musicais

6.Ritmo do texto B L | L L LRitmo da música S B B | BB L

Notas musicais

7.[texto incerto]

+ deusas iradas que fendeis os céus buscando vingança pelo crime,imploramo-vos que livreis o filho de Agamémnon da sua fúria cega [...]Choramos por este mancebo. A ventura é fugaz entre os mortais. Sobre ele

se abatem o luto e a angústia, qual súbito golpe de vento sobre umachalupa, e ele naufraga nos mares revoltos.

enquadram-se no tonos lídio de Alípio. As trÊs notas mais graves dotetracorde diezeugmenon são separadas pelo tom de disjunção do tetracordemeson cromático, que, por seu turno, surge conjunto com o tetracordehypaton diatónico, do qual apenas são usadas as duas notas superiores. Apeça parece, assim, ter sido escrita num género misto. A espécie deoitava ou harmonia é, aparentemente, a frígia, mas duas harmoniasapresentadas pelo teórico musical e filósofo Aristides Quintiliano(século iv d. C.) como datando do tempo de Platão -- a dórica e a frígiada sua classificação -- coinci-dem quase exactamente com a escala queaqui encontramos, como se vÊ na figura 1.2.No stasimon o coro das mulheres de Argos implora aos deuses que tenhampiedade de Orestes, que seis dias antes de a peça começar assassinou amãe, Clitemnestra.Ele combinara com a irmã Electra punir a mãe por ter sido infiel ao pai,Agamémnon. O coro pede que Orestes seja libertado da loucura que se

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apossou dele desde o momento do crime. O ritmo da poesia, por conseguinteda música, é dominado pelo pé docmíaco, que era usado na tragédia gregaem trechos de intensa agitação e sofrimento. O docmíaco combina trÊssílabas longas com duas breves, sendo muitas vezes, como sucede aqui, umadas sílabas longas substituída por duas mais breves, de forma que, em vezde cinco notas por pé, temos seis. No exemplo 1.6 os pés são separadospor barras verticais nos símbolos que assinalam o "ritmo do texto" paracada linha do papiro.O texto cantado é interrompido por sons instrumentais, sol' nos versos 1a 4, e mi--si nos versos 5 e 6. O hypate hypaton (lá) é o tom que mais sedestaca, pois dois dos versos (os versos 1 e 3, pontuados pela notainstrumental sol) terminam nessa nota e várias frases da melodiaorganizam-se em torno do paramese mi'; tanto lá como mi são notasestáveis no tonos lídio e são os tons mais graves dos dois tetracordesutilizados na peça (v. figura 1.2)17.

A música na antiga Roma -- Não sabemos se os Romanos terão sidoresponsáveis por alguma contribuição importante, quer para a teoria, querpara a prática musical. Roma foi buscar a sua música erudita a Grécia,especialmente depois de esta região se tornar uma província romana, em146 a. C., e é possível que esta cultura importada tenha substituído umamúsica indígena, etrusca ou italiana, da qual nada sabemos. A versãoromana do aulo, a tíbia, e os seus tocadores, os tibicinos, desempenhavamum papel importante nos ritos religiosos, na música militar e no teatro.Destacavam-se ainda vários outros instrumentos de sopro. A tuba, umatrombeta comprida, direita, era também utilizada em cerimóniasreligiosas, estatais e militares. Os instrumentos mais característicoseram uma grande trompa circular, em forma de G, chamada corno, e a suaversão de menores dimensões, a buzina. A música deve ter estado presenteem quase todas as manifestações públicas. Mas desempenhava também umpapel nas diversões particulares e na educação. Muitas passagens dasobras de Cícero, Quintiliano e outros autores revelam que a familiaridadecom a música, ou pelo menos com os termos musicais, era considerada comofazendo parte da educação do indivíduo culto, tal como se esperava quetal indivíduo soubesse falar e escrever o grego.Nos tempos áureos do Império Romano (os dois primeiros séculos da era

cristã) foram importadas do mundo helenístico obras de arte,arquitectura, música, filosofia, novos ritos religiosos e muitos outrosbens culturais. Numerosos textos documentam a popularidade de virtuososcélebres, a existÊncia de grandes coros e orquestras, bem como degrandiosos festivais e concursos de música. Muitos imperadores forampatronos da música. Nero aspirou até a alcançar fama pessoal como músico.Com o declínio económico do império, nos séculos iii e iv, a produçãomusical em grande escala, naturalmente dispendiosa, do período anterioracabou por desaparecer.Resumindo: embora haja uma grande incerteza quanto as questões depormenor, sabemos que o mundo antigo legou a Idade Média algumas ideiasfundamentais no domínio da música: (1) uma concepção da música comoconsistindo essencialmente numa linha melódica pura e despojada; (2) aideia da melodia intimamente ligada as palavras, especialmente no tocanteao ritmo e a métrica; (3) uma tradição de interpretação musical baseadaessencialmente na improvisação, sem notação fixa, em que o intérpretecomo que criava a música de novo a cada execução, embora segundoconvenções comummente aceites e servindo-se das fórmulas musicaistradicionais; (4) uma filosofia da música que concebia esta arte, nãocomo uma combinação de belos sons no vácuo espiritual e social da artepela arte, mas antes como um sistema bem ordenado, indissociável dosistema da Natureza, e como uma força capaz de afectar o pensamento e aconduta do homem; (5) uma teoria acústica cientificamente fundamentada;(6) um sistema de formação de escalas com base nos tetracordes; (7) umaterminologia musical.

Parte desta herança (n.os 5, 6 e 7) era especificamente grega; o restoera comum a maior parte, se não a totalidade, do mundo antigo. Osconhecimentos e as ideias no domínio da música foram transmitidos, emborade maneira incompleta e imperfeita, ao Ocidente por diversas vias: aigreja cristã, cujos ritos e música derivaram inicialmente, em grandemedida, de fontes judaicas, se bem que despojados dos instrumentos edanças que os acompanhavam no templo, os escritos dos Padres da Igreja eos tratados enciclopédicos do princípio da Idade Média, que abordavam amúsica juntamente com uma quantidade de outros temas.

Os primeiros séculos da igreja cristã

Algumas características da música da Grécia e das sociedades mistasorientais- -helenísticas do MediterrGneo oriental foram seguramenteabsorvidas pela igreja cristã nos seus dois ou trÊs primeiros séculos deexistÊncia. Mas certos aspectos da vida musical antiga foram liminarmenterejeitados. Um desses aspectos foi a ideia de cultivar a música apenaspelo prazer que tal arte proporciona. E, acima de tudo, as formas e tiposde música associados aos grandes espectáculos públicos, tais comofestivais, concursos e representações teatrais, além da música executadaem situações de convívio mais íntimo, foram por muitos consideradosimpróprios para a Igreja, não porque lhes desagradasse a músicapropriamente dita, mas porque sentiam a necessidade de desviarem o númerocrescente dos convertidos de tudo o que os ligava ao seu passado pagão.

Esta atitude chegou mesmo a suscitar, de início, uma grande desconfiançaem relação a toda a música instrumental.

A herança judaica -- Durante muito tempo os historiadores da músicapensaram que os primeiros cristãos tinham copiado os serviços religiosospelos da sinagoga judaica. Os especialistas mostram-se hoje mais cépticosem relação a esta teoria, dado que não há provas documentais que aconfirmem. Julga-se até que os primeiros cristãos terão evitado copiar osserviços judaicos por forma a sublinharem o carácter distinto das suascrenças e rituais.+ necessário estabelecer uma distinção entre as funções religiosas dotemplo e da sinagoga. O templo -- ou seja, o segundo templo de Jerusalém,que existiu no mesmo lugar do primeiro templo de Salomão de 539 a. C. atéa sua destruição pelos Romanos em 70 d. C. -- era um local de cultopúblico. Esse culto consistia principalmente num sacrifício, em geral deum cordeiro, realizado por sacerdotes, assistidos por levistas, entre osquais se contavam vários músicos, e na presença de leigos israelistas.Umas vezes o sacerdote e outras também o crente leigo comiam parte do

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animal "assado". Estes sacrifícios realizavam-se diariamente, de manhã ede tarde; no sabbath e nas festas havia sacrifícios públicossuplementares. Enquanto decorria o sacrifício, um coro de levitas -- comdoze elementos, pelo menos -- cantava um salmo, diferente para cada diada semana, acompanhado por instrumentos de cordas. Nas festas maisimportantes, como a véspera da Páscoa, cantavam-se os salmos 113 a 118,que tÊm refrões em aleluia, enquanto os crentes faziam os sacrifíciospessoais, e em seguida um instrumento de sopro semelhante ao aulo vinhaassociar-se ao acompanhamento de cordas. Os crentes também rezavam notemplo ou voltados para o templo, mas a maior parte das orações fazia-seem casa ou na rua. Há um paralelismo evidente entre o sacrifício notemplo e a missa cristã, que era um sacrifício simbólico, em que osacerdote partilhava do sangue sob forma de vinho e os crentes seassociavam a partilha do corpo de Cristo sob forma de pão. Todavia, sendoa missa igualmente uma comemoração da última ceia, imita também arefeição judaica dos dias de festa, como a refeição ritual da Páscoa, queera acompanhada por música cantada.

A sinagoga era um centro de leituras e homilias, bem mais do que desacrifícios ou orações. Aí, em assembleias ou serviços, as Escrituraseram lidas e comentadas. Determinadas leituras eram feitas nas manhãsnormais do sabbath e nos dias de mercado, segundas-feiras e quartas-feiras, enquanto havia leituras especiais para as festividades dasperegrinações, para as festividades menores, para os dias de jejum e paraos dias de lua nova. Após a destruição do templo, o serviço da sinagogaincorporou elementos que substituíam os sacrifícios do templo, mas estaevolução deu-se já, provavelmente, demasiado tarde -- no final do séculoi ou no século ii -- para servir de modelo aos cristãos. Segundo parece,o canto quotidiano dos salmos só começou a realizar-se bastante depois deiniciada a era cristã. O que a liturgia cristã ficou a dever a sinagogafoi principalmente a prática das leituras associadas a um calendário e oseu comentário público num local de reunião dos crentes.+ medida que a igreja cristã primitiva se expandia de Jerusalém para a -sia Menor e para o Ocidente, chegando a -frica e a Europa, ia acumulandoelementos musicais provenientes de diversas zonas. Os mosteiros e igrejasda Síria tiveram um papel importante no desenvolvimento do canto dossalmos e dos hinos. Estes dois tipos de canto religioso parecem ter-se

difundido a partir da Síria, via BizGncio, até Milão e outros centrosocidentais. O canto dos hinos é a primeira actividade musical documentadada igreja cristã (Mat., 26, 30; Mar., 14, 26). Por volta do ano 112Plínio, o Jovem, faz referÊncia ao costume cristão de cantar "uma cançãoa Cristo como se ele fosse um deus" na província de que era governador, aBitínia, na -sia Menor18. O canto dos cristãos era associado ao acto dese comprometerem através de um juramento.

BizGncio -- As igrejas orientais, na ausÊncia de um autoridade centralforte, desenvolveram liturgias diferentes nas várias regiões. Embora nãosubsistam manuscritos anteriores ao século ix com a música usada nestesritos orientais, algumas inferÊncias podem ser feitas quanto aosprimórdios da música religiosa no Oriente.A cidade de BizGncio (ou Constantinopla, hoje Istambul) foi reconstruídapor Constantino e designada em 330 como capital do seu impérioreunificado. A partir de 395, data em que foi instaurada a divisãopermanente entre Império do Oriente e do Ocidente, até a sua conquistapelos Turcos, em 1453, ou seja, por um período de mais de mil anos, estacidade permaneceu como capital do Império do Oriente. Durante boa partedeste lapso de tempo BizGncio foi a sede do governo mais poderoso daEuropa e o centro de uma cultura florescente, onde se combinavamelementos helenísticos e orientais. A prática musical bizantina deixoumarcas no cantochão ocidental, particularmente na classificação doreportório em oito modos e num certo número de cGnticos importados peloOcidente em momentos diversos entre o século vi e o século ix.

As peças mais perfeitas e mais características da música medievalbizantina eram os hinos. Um dos tipos mais importantes é o kontakionestrófico, espécie de elaboração poética sobre um texto bíblico. O maisalto expoente da composição de kontakia foi um judeu sírio convertido queexerceu a sua actividade em Constantinopla na primeira metade do séculovi, S. Romano Melódio. Outros tipos de hinos tiveram origem nos brevesresponsos (troparia) intercalados entre os versículos dos salmos e queforam musicados com base em melodias ou géneros musiciais, talvez, daSíria ou da Palestina. Estas inserções foram ganhando importGnciacrescente e algumas de entre elas acabaram por se converter em hinosindependentes, de que existem dois tipos principais: os stichera e oskanones. Os stichera eram cantados entre os versículos dos salmos normaisdo ofício. Um kanon era uma composição em nove partes, baseada nos novecGnticos ou odes da Bíblia19. Cada uma dessas partes correspondia a umadas odes, e todas continham várias estrofes, ou troparia, cantadas com amesma melodia. A primeira estrofe de cada ode era o seu heirmos, ouestrofe--modelo, e as respectivas melodias eram compiladas em livrosdenominados hermologia. Cerca do século x a segunda ode começou a serhabitualmente omitida.Os textos dos kanones bizantinos não eram criações inteiramenteoriginais, mas sim colagens de frases estereotipadas. Do mesmo modo, assuas melodias também não eram inteiramente originais; eram construídassegundo um princípio comum a toda a música oriental, chamadocentonização, igualmente observável nalguns cGnticos ocidentais. As

unidades estruturais não eram uma série de notas organizadas numa escala,mas antes breves motivos ou fórmulas; de entre estes esperava-se que ocriador da melodia escolhesse alguns e os combinasse para compor a suamelodia. Alguns dos motivos deviam ser usados no princípio, outros nomeio e outros ainda no final de uma melodia, enquanto outros serviam deelos de ligação; havia também fórmulas ornamentais padronizadas(melismas). Não sabemos ao certo até que ponto a escolha das fórmulasficava ao critério do cantor individual ou era previamente fixada por um"compositor". Quando, porém, as melodias vieram a ser registadas emmanuscritos com notação musical, o reportório de fórmulas já erapraticamente fixo.Os tipos ou modos de melodias tÊm designações diferentes nas diversasculturas musicais -- rága na música hindu, maqam na música árabe, echosna grega bizantina -- e em hebraico são conhecidos por vários termostraduzíveis por modo. Um rága, maqam, echos ou modo é, ao mesmo tempo, umvocabulário das notas disponíveis e um reportório de motivos melódicos;os motivos de cada grupo tÊm como denominador comum o facto de exprimiremmais ou menos a mesma gama de sentimentos, o de serem compatíveis em

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melodia e ritmo e o de derivarem da mesma escala musical. A escolha dedeterminado rága ou modo pode depender da natureza do texto que sepretende cantar, da ocasião em que vai ser cantado, da estação do ano oumesmo (como acontece na música hindu) da hora do dia. A música bizantinatinha um sistema de oito echoi, e as compilações de melodias para kanonesorganizavam--se de acordo com este sistema. Os oito echoi bizantinosagrupavam-se em quatro pares, e os quatro pares tinham por notas finais,respectivamente, Ré, Mi, Fá e Sol. A exemplo do que sucedia em BizGncio,passaram a distinguir-se, por volta do século viii ou ix, oito modosdiferentes no canto ocidental, e as finais acima indicadas eram também asfinais dos quatro pares de modos ocidentais. Assim, as bases do sistemaocidental de modos parecem ter sido importadas do Oriente, embora aelaboração teórica do sistema de oito modos do Ocidente tenha sidofortemente influenciada pela teoria musical grega, tal como foitransmitida por Boécio.

Liturgias ocidentais -- No Ocidente, como no Oriente, as igrejas locaiseram de início relativamente independentes. Embora partilhassem, é claro,uma ampla gama de práticas comuns, é provável que cada região do Ocidentetenha recebido a herança oriental sob uma forma ligeiramente diferente;estas diferenças originais combinaram--se com as condições locaisparticulares, dando origem a várias liturgias e corpos de cGnticosdistintos entre os séculos v e viii. Com o passar do tempo a maioria dasversões locais (a ambrosiana é uma das excepções) desapareceram ou foramabsorvidas pela prática uniforme que tinha em Roma a sua autoridadecentral. Entre o século ix e o século xvi, na teoria e na prática, aliturgia da igreja ocidental foi-se romanizando cada vez mais.Durante o século vii e o princípio do século viii o controle da Europaocidental estava repartido entre Lombardos, Francos e Godos, e cada umadestas divisões políticas tinha o seu reportório de cGnticos. Na Gália --território que correspondia, aproximadamente, a França actual -- havia ocanto galicano, no Sul da Itália, o benaventino, em Roma, o canto romanoantigo, em Espanha, o visigótico ou moçárabe, na região de Milão, oambrosiano. (Mais tarde a Inglaterra desenvolveu o seu dialecto do cantogregoriano, chamado sarum, e que subsistiu do final da Idade Média até aReforma.)

A liturgia galicana, que incluía elementos célticos e bizantinos, esteveem vigor entre os Francos quase até ao final do século viii, momento emque foi suprimida por Pepino e pelo seu filho Carlos Magno, que impuseramo canto gregoriano nos seus domínios. Esta liturgia foi tão radicalmentesuprimida que pouco se sabe acerca dela.Em contrapartida, conservaram-se quase todos os antigos textos hispGnicose as respectivas melodias, mas numa notação que até hoje desafiou todasas tentativas de transcrição, pois o seu sistema tornou-se obsoleto antesde o canto passar a ser regis-tado em linhas de pauta. Os usos hispGnicostomaram forma definida no Concílio de Toledo de 633, e após a conquistamuçulmana do século viii esta liturgia recebeu o seu nome de moçárabe,embora não haja motivos para pressupor influÊncia árabe na música. O ritohispGnico só em 1071 foi oficialmente substituído pelo rito romano, eainda hoje subsistem dele alguns vestígios em certas igrejas de Toledo,Salamanca e Valladolid. Descobriram-se afinidades musicais entre osofertórios ambrosianos e gregorianos e a categoria correspondente emEspanha, denominada sacrificia.O canto romano antigo é um reportório que subsiste em manuscritos de Romacom datas que vão do século xi ao século xiii, mas cujas origens remontampelo menos ao século viii. Julga-se que esta liturgia representaria umuso mais antigo, que terá persistido e continuado a desenvolver-se emRoma mesmo depois de o reportório gregoriano, fortemente impregnado deinfluÊncias do Norte, do país dos Francos, se ter difundido pela Europa.O reino franco, fundado por Carlos Magno (742-814), ocupava a zona quehoje corresponde a França, a Suíça e a parte ocidental da Alemanha.

Quais foram então as melodias trazidas de Roma para terras francas?Ninguém pode responder com segurança a esta pergunta. Os tons darecitação, os tons dos salmos, e alguns dos outros géneros mais simpleseram muito antigos e poderão ter sido preservados praticamente intactosdesde os tempos mais remotos; cerca de trinta ou quarenta melodias deantífona poderão ter tido origem na época de S. Gregório e boa parte dasmelodias mais completas -- tractos, graduais, ofertórios, aleluias --deverão ter sido usadas (talvez em versões mais simples) em Roma antes dese difundirem para norte; além disso, é possível que algumas das melodiasmais antigas se tenham conservado nos manuscritos do canto romano antigo.Seja como for, podemos deduzir que no seu novo local de acolhimentogrande parte, se não a totalidade, desta música importada terá sofridomodificações antes de, finalmente, ser registada sob a forma em que hojea encontramos nos mais antigos manuscritos do Norte. Além disso, muitasnovas melodias e novas formas de cantochão desenvolveram-se no Norte jádepois do século ix. Em suma, praticamente todo o corpo do cantochão, talcomo hoje o conhecemos, provém de fontes francas, que, provavelmente, sebasearam em versões romanas, com acrescentos e correcções daresponsabilidade dos escribas e músicos locais.Uma vez que a maioria dos manuscritos transmitem um reportório e umaversão do cantochão compilada e corrigida no reino franco, os estudiososforam levados a crer que boa parte do cantochão foi composto e tomou aforma definitiva nos centros religiosos do Norte. No entanto, comparaçõesrecentemente efectuadas entre as versões franca e romana antiga vieram

reforçar a convicção de que a romana antiga representa o fundo original,que apenas terá sofrido ligeiras alterações ao ser acolhido na Gália. Ocantochão conservado nos mais importantes manuscritos francos, nestaperspectiva, transmite o reportório tal como terá sido reorganizado sob aorientação do papa Gregório (590-604) e de um seu importante sucessor, opapa Vitaliano (657-672). Em virtude do papel que Gregório I terásupostamente desempenhado neste processo, tal reportório recebeu o nomede gregoriano. Depois de Carlos Magno ter sido coroado em 800 como chefedo Sacro Império Romano, ele próprio e os seus sucessores procuraramimpor este reportório gregoriano e suprimir os diversos dialectos docantochão, como o céltico, o galicano, o moçárabe, o ambrosiano, mas nãoconseguiram eliminar por completo os usos locais. Os monges da abadiabeneditina de Solesmes, em França, organizaram nos séculos xix e xxedições fac-similadas e comentadas das fontes do canto gregoriano nasérie Paléografphie musicale. Lançaram também edições modernas docantochão em notação neumática, coligindo-o em volumes separados paracada categoria de canto; em 1903 o papa Pio X conferiu a esta obra oestatuto de edição oficial do Vaticano. Com a promoção da missa em língua

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vernácula pelo Concílio Vaticano II (1962-1965), estes livros passaram aser muito pouco usados nos serviços religiosos modernos e deixaram de serregularmente reeditados.

O mais importante centro da igreja ocidental a seguir a Roma era Milão,cidade florescente ligada a BizGncio e ao Oriente por laços culturaismuito fortes; foi a residÊncia principal dos imperadores do Ocidente noséculo iv e mais tarde veio a ser a capital do reino lombardo, no Norteda Itália, que teve a sua época de florescimento entre 568 e 744. De 374a 397 foi bispo de Milão Santo Ambrósio, a quem se deve a introdução dasalmodia em responsório no Ocidente. O papa Celestino I incorporou--amais tarde na missa em Roma. Dada a importGncia de Milão e a energia egrande reputação pessoal de Santo Ambrósio, a liturgia e a músicamilanesas exerceram uma forte influÊncia não só em França e Espanha, mastambém em Roma. Os cGnticos do rito milanÊs vieram mais tarde a serreconhecidos por canto ambrosiano, embora seja duvidoso que alguma damúsica que chegou até nós date do tempo do próprio Santo Ambrósio. Aliturgia ambrosiana, com o seu corpo completo de cGnticos, manteve--se,em certa medida, em Milão até aos dias de hoje, apesar de ter havidovárias tentativas para a suprimir. Muitos dos cGnticos, na sua formaactual, são semelhantes aos da igreja de Roma, indicando, quer umintercÂmbio, quer uma evolução, a partir de uma fonte comum. Nos casos emque há duas versões da mesma melodia, quando esta é de tipo ornamentado(como, por exemplo, um aleluia), a ambrosiana é, geralmente, maiselaborada do que a romana; nas de tipo mais despojado (como um salmo), aambrosiana é mais simples do que a romana.

A preeminÊncia de Roma -- Como capital imperial, a Roma dos primeirosséculos da nossa era albergou um grande número de cristãos, que sereuniam e celebravam os seus ritos em segredo. Em 313 o imperadorConstantino concedeu aos cristãos os mesmos direitos e a mesma protecçãoque aos praticantes das outras religiões do império; desde logo a Igrejaemergiu da sua vida subterrGnea e no decurso do século iv o latimsubstituiu o grego como língua oficial da liturgia em Roma. + medida quedeclinava o pretígio do imperador romano, o do bispo de Roma iaaumentando, e começou gradualmente a ser reconhecida a autoridadepreeminente de Roma em questões de fé e disciplina.

Com um número crescente de convertidos e riquezas cada vez maisavultadas, a Igreja começou a construir grandes basílicas, e os serviçosdeixaram de poder realizar-se de forma relativamente informal, como secelebravam nos primeiros tempos. Entre o século v e o século vii muitospapas se empenharam na revisão da liturgia e da música. A Regra de S.Bento (c. 520), conjunto de instruções determinando a forma de organizarum mosteiro, menciona um chantre, mas não indica quais eram os seusdeveres. Nos séculos seguintes, porém, o chantre monástico tornou-se umafigura-chave do panorama musical, uma vez que era responsável pelaorganização da biblioteca e do scriptorium e orientava a celebração daliturgia. No século viii existia já em Roma uma schola cantorum, um grupobem definido de cantores e professores incumbidos de formar rapazes ehomens para músicos de igreja. No século vi existia um coro, e atribui-sea Gregório I (Gregório Magno), papa de 590 a 604, um esforço deregulamentação e uniformização dos cGnticos litúrgicos. As realizações deGregório foram objecto de tal admiração que em meados do século ixcomeçou a tomar forma uma lenda segundo a qual teria sido ele próprio,sob inspiração divina, quem compusera todas as melodias usadas pelaIgreja. A sua contribuição real, embora provavelmente muito importante,foi sem dúvida menor do que aquilo que a tradição medieval veioposteriormente a imputar-lhe. Atribuem-se-lhe a recodificação da liturgiae a reorganização da schola cantorum; a designação de determinadas partesda liturgia para os vários serviços religiosos ao longo do ano, segundouma ordem que permaneceu quase inalterada até ao século xvi; além disto,teria sido ele o impulsionador do movimento que levou a adopção de um

reportório uniforme de cGnticos em toda a cristandade. Uma obra tãograndiosa e tão vasta não poderia, como é evidente, ter sido realizada emapenas catorze anos.

Os cGnticos da igreja romana são um dos grandes tesouros da civilizaçãoocidental. Tal como a arquitectura romGntica, erguem-se como um autÊnticomonumento a fé religiosa do homem medieval e foram a fonte e a inspiraçãode boa parte do conjunto da música ocidental até ao século xvi.Constituem um dos mais antigos reportórios vocais ainda em uso no mundointeiro e incluem algumas das mais notáveis realizações melódicas detodos os tempos. Ainda assim, seria um erro considerá-los puramente comomúsica para ser ouvida, pois não é possível separá-los do seu contexto edo seu propósito litúrgicos.

Os Padres da Igreja -- Esta perspectiva está em sintonia com a convicçãodos Padres da Igreja de que o valor da música residia no seu poder deelevar a alma a contemplação das coisas divinas. Eles acreditavamfirmemente que a música podia influenciar, para melhor ou para pior, ocarácter de quem a ouvia. Os filósofos e os homens da Igreja da altaIdade Média não desenvolveram nunca a ideia -- que nos nossos dias temospor evidente -- de que a música podia ser ouvida tendo apenas em vista ogozo estético, o prazer que proporciona a combinação de belos sons. Nãonegavam, é claro, que o som da música é agradável, mas defendiam quetodos os prazeres devem ser julgados segundo o princípio platónico de queas coisas belas existem para nos lembrarem a beleza perfeita e divina;

por conseguinte, as belezas aparentes do mundo que apenas inspiram odeleite egoísta, ou o desejo de posse, devem ser rejeitadas. Esta atitudeestá na origem de muitas das afirmações sobre a música que encontramosnos escritos dos Padres da Igreja (e, mais tarde, nos de alguns teólogosda reforma protestante).Mais especificamente, a sua filosofia determinava que a música fosseserva da religião. Só é digna de ser ouvida na igreja a música que pormeio dos seus encantos abre a alma aos ensinamentos cristãos e apredispõe para pensamentos santos. Uma vez que não acreditavam que amúsica sem letra pudesse produzir tais efeitos, excluíram, a princípio, amúsica instrumental do culto público, embora fosse permitido aos fiéisusar uma lira para acompanharem o canto dos hinos e dos salmos em suascasas e em reuniões informais. Neste ponto os Padres da Igreja debatiam-se com algumas dificuldades, pois o Antigo Testamento, especialmente oLivro dos Salmos, está cheio de referÊncias ao saltério, a harpa, aoórgão e a outros instrumentos musicais. Como explicar estas alusões? Orecurso habitual era a alegoria: "A língua é o 'saltério' do Senhor [...]por 'harpa' devemos entender a boca, que o Espírito Santo, qual plectro,

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faz vibrar [...] o 'órgão' é o nosso corpo [...]" Estas e muitas outrasexplicações da mesma ordem eram típicas de uma época que se comprazia emalegorizar as Escrituras.

A exclusão de certos tipos de música dos serviços religiosos da igrejaprimitiva tinha também motivos práticos. As peças vocais mais elaboradas,os grandes coros, os instrumentos e a dança associavam-se no espírito dosconvertidos, mercÊ de uma tradição de longa data, aos espectáculospagãos. Enquanto a sensação de prazer ligada a tais tipos de música nãop?de, por assim dizer, ser transferida do teatro e da praça do mercadopara a igreja, essa música foi objecto de uma grande desconfiança; antes"ser surdo ao som dos instrumentos" do que entregar-se a esses "corosdiabólicos", a essas "canções lascivas e perniciosas". "Pois não seriaabsurdo que aqueles que ouviram a voz mística do querubim dos céusexpusessem os seus ouvidos as canções dissolutas e as melodiasalambicadas do teatro?" Mas Deus, apiedando-se da fraqueza humana,"juntou aos preceitos da religião a doçura da melodia [...] as melodiasharmoniosas dos salmos foram introduzidas para que aqueles que são aindacrianças estejam, afinal, a formar as suas almas, mesmo quando julgamestar apenas a cantar a música20"."Há quem diga que enfeiticei as pessoas com as melodias dos meus hinos",dizia Santo Ambrósio, acrescentando com orgulho, "e não o nego21." Haviacertamente na Igreja quem desprezasse a música e tendesse a considerartoda a arte e a cultura como inimigas da religião, mas havia tambémhomens que não só defendiam a arte e a literatura pagãs, como elespróprios, tão profundamente sensíveis a sua beleza, chegavam a recear oprazer que sentiam ao ouvirem música, mesmo na igreja. As célebrespalavras de Santo Agostinho exprimem este dilema (v. vinheta).Em 387 d. C. Santo Agostinho começou a escrever um tratado, Da Música, deque completou seis livros. Os cinco primeiros, após uma breve definiçãointrodutória da música, tratam dos princípios da métrica e do ritmo. Osexto, revisto por volta de 409, aborda a psicologia, a ética e aestética da música e do ritmo. Santo Agostinho projectara inicialmenteoutros seis livros consagrados a melodia.O conflito entre o sagrado e o profano na arte não é exclusivo da IdadeMédia. Sempre foi objecto de consenso geral a ideia de que certos tiposde música, por este ou aquele motivo, não são próprios para serem ouvidos

na igreja. As diversas igrejas, as diversas comunidades, as diversasépocas, traçaram a fronteira em pontos diferentes, se bem que esse limitenem sempre seja nítido. O motivo por que nos primeiros tempos docristianismo ele foi por vezes fixado tão próximo do ascetismo maisextremo prende-se com a situação histórica. A Igreja, nos seus começos,era um grupo minoritário a braços com a tarefa de converter toda apopulação da Europa ao cristianismo. Para o fazer tinha de instaurar umacomunidade cristã claramente separada da sociedade pagã que a rodeava eorganizada por forma a proclamar, por todos os meios possíveis, aurgÊncia de subordinar todas as coisas deste mundo ao bem- -estar eternoda alma. Assim, na opinião de muita gente, qual exército avançando para ocampo de batalha, não podia dar-se ao luxo de levar consigo um excesso debagagem sob a forma de música que não fosse estritamente indispensável asua missão. Na grande metáfora de Toynbee, a Igreja era "a crisálidadonde saiu a nossa sociedade ocidental". A sua "semente de podercriador"22 no domínio da música teve por encarnação o canto gregoriano.Os missionários cristãos que percorriam as antigas estradas romanas noinício da Idade Média levaram estas melodias a todas as regiões da Europaocidental. Elas foram uma das fontes que, com o passar do tempo, vieram adar origem a música ocidental.Boécio -- A teoria e a filosofia da música do mundo antigo -- ou aquiloque delas continuava acessível após a queda do Império Romano e asinvasões bárbaras -- foram sendo coligidas, resumidas, modificadas etransmitidas ao Ocidente ao longo dos primeiros séculos da era cristã. Osautores que mais se assinalaram neste processo foram Martianus Cappella,

com o seu tratado enciclopédico intitulado As Núpcias de Mercúrio e daFilologia (princípio do século v) e Anicius Manlius Severinus Boetius (c.480-524), com a sua De institutione musica (princípio do século vi).

A obra de Martianus era essencialmente um manual sobre as sete artesliberais: gramática, dialéctica, retórica, geometria, aritmética eharmonia, por esta ordem. As primeiras trÊs -- as artes da palavra --vieram a ser agrupadas sob o nome de trivium (o triplo caminho), enquantoas quatro últimas receberam de Boécio a designação de quadrivium (oquádruplo caminho) e constituíam as artes matemáticas.Martianus recorreu ao artifício de apresentar as suas introduções a estestemas como discursos das damas de honor no casamento de Mercúrio comFilologia. A parte consagrada a harmonia baseia-se, em grande medida, noautor grego ecléctico do século iv Aristides Quintiliano, que, por seuturno, foi buscar as suas concepções teóricas a Aristóxeno, emboraintroduzindo na sua exposição ideias neoplatónicas.

Boécio foi a autoridade mais respeitada e mais influente na Idade Médiano domínio da música. O seu tratado, escrito nos primeiros anos do séculovi, ainda na juventude do autor, era um compÊndio de música enquadrado noesquema do quadrivium, servindo, por conseguinte, como as restantesdisciplinas matemáticas, de preparação para o estudo da filosofia. Poucacoisa neste tratado era fruto do próprio Boécio, pois tratava-se de umacompilação das fontes gregas de que dispunha, com especial destaque paraum longo tratado de Nicómaco, que não subsistiu até aos nossos dias, e

para o primeiro livro da Harmonia de Ptolemeu. Boécio redigiu manuaissimilares para a aritmética (que sobreviveu, completo, até a actualidade)e para a geometria e a astronomia, que desapareceram. Traduziu também dogrego para o latim os quatro tratados de Aristóteles sobre lógica, que,no conjunto, são conhecidos por Organum. Embora os leitores medievaispossam não se ter apercebido da dependÊncia de Boécio em relação a outrosautores, compreenderam que a autoridade da teoria musical e da matemáticagregas estava naquilo que Boécio dizia sobre estes temas. Não os afligiammuito as contradições do De institutione musica, cujos pri-meiros trÊslivros eram decididamente pitagóricos, enquanto o quarto continhaelementos provenientes de Euclides e Aristóxeno e o quinto, baseado emPtolemeu, era parcialmente antipitagórico. A mensagem que a maioria dosleitores apreendiam era que a música era uma ciÊncia do número e que osquocientes numéricos determinavam os intervalos admitidos na melodia, asconsonGncias, a composição das escalas e a afinação dos instrumentos edas vozes. Na parte mais original do livro, os capítu-los de abertura,Boécio divide a música em trÊs géneros: música mundana ("músicacósmica"), as relações numéricas fixas observáveis no movimento dos

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planetas, na sucessão das estações e nos elementos, ou seja, a harmoniano macrocosmos; música humana, a que determina a união do corpo e da almae das respectivas partes, o microcosmos, e música instrumental, ou músicaaudível produzida por instrumentos, incluindo a voz humana, a qualilustra os mesmos princípios de ordem, especialmente nos quocientesnuméricos dos intervalos musicais. A imagem dos cosmos que Boécio e osoutros escritores antigos delinearam nas suas dissertações sobre a músicamundana e a música humana veio a reflectir-se na arte e na literatura daIdade Média mais tardia, nomeadamente na estrutura do "Paraíso" no últimocanto da Divina Comédia de Dante. Vestígios da doutrina da música humanapersistiram ao longo de todo o Renascimento e mesmo até aos nossos diassob a forma da astrologia.Boécio sublinhou também a influÊncia da música no carácter e na moral. Emvirtude disso, confere a música um papel importante, por direito próprio,na educação dos jovens, considerando-se ainda como uma introdução aosestudos filosóficos mais avançados.Ao colocar a música instrumental -- a música tal como hoje a entendemos-- em terceiro lugar, tomando-a, presumivelmente, como a categoria menosimportante, Boécio mostrava bem que, a exemplo dos seus mentores,concebia a música mais como um objecto de conhecimento do que como umaarte criadora ou uma forma de expressão de sentimentos. A música, dizele, é a disciplina que se ocupa a examinar minuciosamente a diversidadedos sons agudos e graves por meio da razão e dos sentidos. Porconseguinte, o verdadeiro músico não é o cantor ou aquele que faz cançõespor instinto sem conhecer o sentido daquilo que faz, mas o filósofo, ocrítico, aquele "que apresenta a faculdade de formular juízos, segundo aespeculação ou razão apropriadas a música, acerca dos modos e ritmos, dogénero das canções, das consonGncias, de todas as coisas" respeitantes aoassunto23.

Bibliografia

Fontes

São apresentadas transcrições de todas as melodias e fragmentos gregosconhecidos em Egert Pohlmann, DenkmSler altgriechischer Fragmente undFSlschungen, Nuremberga, Carl, 1970.

A maioria dos textos gregos referidos neste capítulo existem em traduçãoinglesa. Strunk inclui uma selecção cuidada de excertos de Aristóteles,Platão, Aristóxeno e Cleónides no cap. 1 de Source Readings in MusicHistory, Nova Iorque, Norton, 1950, pp. 3-4. Andrew Barker (ed.), GreekMusical Writings, i, The Musician and His Art, Cambridge, CambridgeUniversity Press, 1984, contém textos de poetas, dramaturgos e filósofos,incluindo uma nova tradução da obra do Pseudo-Plutarco, Da Música.Podem ainda ser consultadas as seguintes traduções: Aristóxeno, TheHarmonics of Aristoxenus, trad., notas e introd. de Henry S. Macran,Oxford, Clarendon Press, 1902; Euclides, Sectio canonis, trad. de J.Mathiesen, "An annotated translation of Euclid's division of amonochord", JMT, 19.2, 1975, 236-258; Sextus Empiricus, Against theMusicians, trad. e notas de Denise Davidson Greaves, Lincoln e Londres,University of Nebraska Press, 1986; Aristides Quintiliano, On Music inThree Books, trad., com introd., comentários e notas, de Thomas J.Mathiesen, New Haven, Yale University Press, 1983; Bacchius Senior, trad.de Otto Steinmayer, "Bacchius Geron's Introduction to the Art of Music",JMT, 29.2, 1985, 271-298; Martianus Cappella, De nuptiis Philologiae etMercurii, trad. in Willian Harris Stahl et. al., Martianus Cappella andthe Seven Liberal Arts, Nova Iorque, Columbia University Press, 1971;Boécio, Fundamentals of Music (De institutione musica libri quinque),trad., com introd. e notas, de Calvin M. Bower, ed. Claude V. Palisca,New Haven, Yale University Press, 1989.

Leitura aprofundada

Música grega

Os estudos mais completos são o capítulo da autoria de Isobel Henderson,"Ancient Greek music", NOHM, vol. 1, e Edward Lippman, Musical Thought inAncient Greece, Nova Iorque, Columbia University Press, 1964; v. tambémReginald P. Winnington-Ingram, "Greece, I", in NG, para as questõesrelativas a história, aos instrumentos, a teoria e a prática, e Thomas J.Mathiesen, A Bibliography of Sources for the Study of Ancient GreekMusic, Hackensack, NJ, Boonin, 1974.Sobre os fragmentos de música grega recentemente descobertos, v. ThomasJ. Mathiesen, "New fragments of ancient Greek music", AM, 53, 1981,14-32.Para a questão do etos, v. Warren De Witt Anderson, Ethos and Educationin Greek Music, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1966, eThomas J. Mathiesen, "Harmonia and ethos in ancient Greek music", JM, 3,1984, 264-279.Para uma análise mais aprofundada da teoria grega, v. Richard Crocker,"Pythagorean mathematics and music", in Journal of Aesthetics and ArtCriticism, 22, 1963-1964, 189-198 e 325-335, Reginald P. Winnington-Ingram, Mode in Ancient Greek Music, Cambridge, Cambridge UniversityPress, 1984, John Solomon, "Toward a history of the tonoi", JM, 3, 1984,242-251, e André Barbera, "Octave species", ibid., 229-241.Sobre outros textos gregos acerca da música, v. Andrew Barker (ed.),Greek Musical Wri-tings, que inclui igualmente uma descrição dos

instrumentos musicais gregos na introdução.Sobre a Oresteia e a sua estrutura dramática e musical, v. William C.Scott, Musical Design in Aeschylean Theatre, Hanover, NH, UniversityPress of New England, 1984; sobre o papel do coro grego, v. WarrenAnderson, "'What songs the sirene sang': problems and conjectures inancient Greek music", in Royal Music Association Research Chronicle, 15,1979, 1-16.

Música hebraica

Sobre a música hebraica, v. A. Z. Idelsohn, Jewish Music in ItsHistorical Development, Nova Iorque, Schocken, 1967.Para um resumo dos estudos e das perspectivas mais recentes acerca dasrelações entre a música judaica e a música da igreja cristã primitiva, v.James W. Mckinnon, "The question of psalmody in the ancient synagogue",EMH, 6, 1986, 159-191.

Música bizantina

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V. Oliver Strunk, Essays on Music in the Byzantine World, Nova Iorque,Norton, 1977, e Egon Wellesz, A History of Byzantine Music and Hymnody,2.a ed., Oxford, Clarendon, 1971, e Eastern Elements in Western Chant,Oxford, Byzantine Institute, 1947.Sobre a iconografia bizantina, v. Joachim Braun, "Musical instruments inByzantine illuminated manuscripts", EM, 8, 1980, 312-327.

Liturgia ocidental

Para o estudo da missa e do ofício, v. Cheslyn Jones, Geoffrey Wainwrighte Edward Yarnold, SJ, The Study of Liturgy, Nova Iorque, OxfordUniversity Press, 1978; sobre o canto benaventino, v. Thomas ForrestKelley, "Montecassino and the old Beneventan chant", EMH, 5, 1985, 53-83.Sobre as origens do canto gregoriano e a lenda de S. Gregório, v. LeoTreitler, "Homer and Gregory: the transmission of epic poetry andplainchant", MQ, 55, 1974, 333-372, e GLHWM, 1, e "'Centonate' chant:_bles Flickwerk or E pluribus unum?", JAMS, 28, 1975, 1-23, Willi Apel,"The central problem of Gregorian chant", JAMS, 9, 1956, 118-127, PaulCutter, "The question of 'old Roman chant': a reappraisal", AM, 39, 1967,2-20, e Helmut Hucke, "Toward a new historical view of Gregorian chant",JAMS, 33, 1980, 437-467. Os trÊs últimos artigos reflectem a controvérsiasobre as origens do canto gregoriano, que vem também resumida em AndrewHughues, Medieval Music: the Sixth Liberal Art, Toronto, Univesity ofToronto Press, 1980, secções 605 e segs.Kenneth Levy, "Toledo, Rome and the legacy of gaul", EMH, 4, 1984, 49-99,e "Charlemagne's archetype of Gregorian chant", JAMS, 40, 1987, 1-30,apresenta uma nova data para o registo por escrito do canto gregoriano(c. 900) e uma nova perspectiva acerca da "supressão" do galicano.Sobre o papel do cantor, v. Margot E. Fassler, "The office of the cantorin early western monastic rules and costumaries: a preliminaryinvestigation", EMH, 5, 1985, 29-51.Sobre Boécio, v. Calvin M. Bower, "Boethius and Nicomachus: an essayconcerning the sources of De institutione musica", Vivarium, 16, 1978,1-45.Sobre a música no Âmbito do trivium e do quadrivium, v. E. A Lippman,

"The place of music in the system of liberal arts", in Jan LaRue (ed.),Aspects of Medieval and Renaissance Music: a Birthday Offering to GustaveReese, Nova Iorque, Norton, 1966, pp. 545-559.V. também J. W. McKinon (ed.), Music in Early Christian Literature,Cambridge, Cambridge University Press, 1987, e M. E. Fassler, "Accent,meter and rhythm in medieval treatises 'De rithmis'", JM, 5, 1987,164-190.