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8/19/2019 Hallin Mancini Sistema Media p259-313
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COLECÇÂO
M edia e Jornalismo
Sob a direcção doC e n t r o d e I n v e s t i g a ç ã o M e d i a e J o r n a l i s m o
Titulo:
Sistemas dc Media: Estudo Comparativo.
Três Modelos de Cxununicaçáo c Política
Titulo O riginal:
Com paring Media Systems.
Three Models o f Media and Policies
Autores:
Daniel C. Hallin e Paolo ManciniTradução:
MarÍ3 d a Luz Vcloso
Revisão:
Alice Araújo
Revisão Científica:
Nelson Traquina
Capa:
João Segurado
▲
© Da edição poreuguesa: Livros Horizonte, 2010
Publicado sob autorização de Syndicate o f the Press o f the University of C ambridgc, Inglaterra
© Cambridge University Press
l.a ediçáo, 2004, reimpresso em 2005, 2006 (duas vezes), 2007 e 2008
ISBN 978-972-24-1688-7
Paginaçáo:
Estúdios Horizonte
Impressão:
Rolo & Filhos II, S.A.
Outubro de 2010
Dcp. Legal n . °318l22/10
T
Reservados todos os direitos de publicação
total ou parcial para a língua portuguesa por
LIV ROS HORIZ ON TE , LDA .
Rua das Chagas, 17-1.° Dt .° - 1200-106 LISBOA
E-mail: [email protected]
www.livroshorizonte.pt
mailto:[email protected]://www.livroshorizonte.pt/http://www.livroshorizonte.pt/mailto:[email protected]
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OITO
As Forças e os Limites da Homogeneização
Os capítulos precedentes descreveram três modelos distintos de sistema de media, e
muitas variações entre países individuais. E claro, contudo, que as diferenças entre estes
modelos e, em geral, o grau de variação entre os Estados-nação diminuíram substan
cialmente com o correr do tempo. Em 1970, as diferenças entre os três grupos de países
caracterizados pelos nossos três modelos eram bastante acentuadas; uma geração mais
tarde, por volta dos primeiros anos do século xxi, as disparidades tinham sofrido uma
erosão ao ponto de ser razoável perguntar se um modelo de media único, global, está asubstituir a variação nacional do passado, pelo menoas entre as democracias capitalistas
avançadas analisadas neste livro. De forma crescente, como McQuail (1994) coloca a
questão, uma “cultura internacional de media ’ tornou-se comum a todos os países que
estudámos. Neste capítulo focaremos a nossa atenção neste processo de convergência
ou homogeneização, sintetizando em primeiro lugar as mudanças nos sistemas de me-dia europeus que se encaminham nesta direcção, e depois passando às questões de
como pode explicar-se essa mudança, os seus limites e contratendências, e as suas im
plicações na teoria dos media, destacando em particular o debate sobre a “diferenciação” levantado no Capítulo 4.
O TRIUNFO DO MODELO LIBERAL
O Modelo Liberal tornou-se clara e crescentemente dominante através da Euro
pa e na América do Norte - como aconteceu, sem dúvida, através de grande parte domundo -, as suas estruturas, práticas e valores substituindo, em elevado grau, os dos
outros sistemas de media que analisámos nos capítulos precedentes. A esta asserção énecessário acrescentar qualificações importantes; como veremos adiante, há contra
tendências significativas que limitam a disseminação do Modelo Liberal em muitos
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p is es ou que até transformam o próprio modelo. Mas, de um modo geral, é razoável
sintetizar as alterações nos sistemas de media europeus como uma mudança para o
Modelo Liberal que prevalece, na sua forma mais pura, na América do Norte.
Os jornais partidários e outros media ligados a grupos sociais organizados - aqueles cujos principais objectivos eram mobilizar a acção colectiva e intervir na esferapública e que em tempos desempenharam um papel central tanto nos sistemas Cor-
porativistas Democráticos como nos Pluralistas Polarizados - sofreram um declínio
a favor dos jornais comerciais cujo objectivo é obter lucro em troca de informação e
entretenimento para os consumidores individuais e atrair a atenção dos consumido
res para os anúncios publicitários. Na Finlândia, para tomarmos um exemplo típico
do sistema Corporativista Democrático, a quota de mercado dos jornais politica
mente alinhados declinou 70 por cento em 1950 para um pouco mais de 50 porcento em 1970, e menos de 15 por cento em 1995 (Salokangas, 1999: 98). Os esti
los polêmicos de escrita declinaram a favor das práticas “anglo-saxónicas” da separa
ção das notícias do comentário e da ênfase dada à informação, narrativa, sensação e
entretenimento, mais do que às ideias. Um modelo de profissionalismo jornalístico
assente nos princípios da “objectividade” e da neutralidade política está a tornar-secada vez mais dominante.
No campo da rádio e da TV, o “dilúvio comercial” das décadas de 1980-90 substituiu os monopólios do serviço público de uma era anterior por sistemas mistos em
que os media comerciais ocupam um lugar cada vez mais predominante.
A rádio e a televisão deixaram de ser uma instituição cultural e política em que as
forças do mercado desempenhavam um papel insignificante para se transformar
numa indústria em que ocupam um lugar central, mesmo em relação às restantes
estações públicas de rádio e de TV que lutam por manter a quota de audiência.
Os estilos do jornalismo de rádio e de TV mudaram de formas de informação cen
tradas em torno dos sistemas políticos partidários para um estilo dramatizado,
personalizado e popularizado que foi pioneiro nos Estados Unidos (Brants, 1985,
1998). As indústrias de telecomunicações foram liberalizadas de forma semelhante.
Os padrões da comunicação política também se transformaram, longe dos que
eram centrados em partidos enraizados nos mesmos grupos sociais organizados
como o velho sistema de jornal, em padrões centrados nos media que envolvem os
partidos que utilizam o marketing e os seus dirigentes numa massa de consumidores
individuais. Os partidos políticos, como os jornais, têm tendência para ofuscar as
suas identidades e ligações ideológicas a grupos e interesses sociais particulares com
o objectivo de atrair um eleitorado tão amplo quanto possível - tendem a transformar
-se em partidos catchall. A política está cada vez mais “personalizada” ou “presiden-cializada”, enquanto os dirigentes partidários individuais ocupam um lugar mais
central para a imagem e poder de atracção do partido. Também a política está
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“profissionalizada”, enquanto os partidos e as campanhas são cada vez mais aszr-gues, não ao conjunto dos membros e activistas dos partidos —cujo número esa adecrescer —mas a especialistas em marketing político com frequência recrutados no
mundo dos media. O Forza Italia de Berlusconi é o exemplo mais puro deste padião
—um partido no início construído sem membros, em que os profissionais políticos
e de media desempenham um papel-chave de gestão, e que existe apenas como um
veículo de marketing para o dirigente individual; mas a tendência é geral, também
ilustrada pelo New Labour de Tony Blair, por exemplo, ou pelos sociais-democratasde Gerhard Schrõder. Por fim, a política está mais centrada nos media, porque os
mass media se tornam mais independentes como agendasetters, enquanto a política“de retalho” dos comícios, as campanhas dos activistas e, em alguns países, o patro
cínio, dão lugar, acima de tudo, às campanhas centradas na televisão dirigidas a
audiências de massas. O que é verdade para as eleições também o é em geral paraa comunicação envolvida no processo de governação.
Estas mudanças podiam ser sintetizadas dizendo-se que os sistemas europeus
de media, que não só nos Modelos Corporativistas Democráticos como também
nos Pluralistas Polarizados estão intimamente ligados ao sistema político, foram
ficando, de maneira crescente, separados das instituições políticas. Esta “diferenciação” do sistema de media do sistema político —para usar a linguagem da teoria
funcionalista-estrutural - é uma das características principais do Modelo Liberal e
ocorreu de uma maneira geral nos países do Atlântico Norte muito mais cedo doque na Europa continental. A “diferenciação” dos media do sistema político não
significa que os media perdem toda a relação com o mundo político. Na verdade,é comum dizer-se que acabam por desempenhar um papel central crescente noprocesso político, porque se tornaram mais independentes dos partidos e dos ou
tros actores políticos, e porque os últimos perderam muita da sua capacidade para
moldar a formação da cultura e da opinião. A diferenciação significa, em vez disso,
que o sistema de media opera de forma crescente de acordo com uma lógica distin
ta sua, substituindo, numa medida significativa, a lógica da política partidária e denegociação entre os interesses sociais organizados, a que esteve em tempos ligada.
De acordo com as palavras de Mazzoleni (1987), uma “lógica dos media” distintasobrepôs-se cada vez mais à “lógica política” subordinada às necessidades dos par
tidos e dos dirigentes políticos, que antes dominavam o processo de comunicaçãona Europa.
Existem dificuldades importantes em relação ao conceito de diferenciação como
meio de compreender a mudança nos sistemas europeus de media. Estes têm a ver,
em primeiro lugar, com uma ambigüidade importante sobre a noção de uma “lógicadistintiva dos media , uma ambigüidade sobre se o que está em causa é essencialmente uma lógica profissional ou comercial. E, como veremos no final deste capírulo,
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há dificuldades - endêmicas à perspectiva fúncionalista estrutural de que provém a
noção de diferenciação - sobre como responder pelopoder social e político. Todavia,
a ideia de que os sistemas de media na Europa se tornaram crescentemente diferenciados do sistema político, e sob este aspecto acabaram por se parecer com o Mode
lo Liberal, constitui uma boa maneira de começar a discussão do processo deconvergência.
Que forças impulsionam a homogeneização dos sistemas de media, ou a sua con
vergência para o Modelo Liberal? A maior parte das teorias põe o acento tônico na
“americanização” e na modernização, que por sua vez estão intimamente ligadas à
globalização e à comercialização (Negrine e Papathanassopoulos, 1996; Swanson eMancini, 1996; Blumler e Gurevitch, 2001). Tentaremos clarificar como estes quatro processos —em conjunto com um quinto processo relacionado que designaremos
por secularização - afectaram os sistemas europeus de media e como estão relacionados uns com os outros. Começaremos com a americanização e, de um modo mais
geral, com um exame das forças exógenas da homogeneização, isto é, as forças exte
riores às sociedades europeias que deram um impulso em direcção à convergência
com o Modelo Liberal. Voltar-nos-emos em seguida para os factores endógenos,
incluindo a “secularização” da sociedade europeia e a política e comercialização dos
media europeus. As duas últimas secções deste capítulo destacarão os limites e as
contratendências do processo de homogeneização e os conceitos de modernização e
diferenciação.
FORÇAS EXÓGENAS DE HOMOGENEIZAÇÃO:AMERICANIZAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO
DE UMA CULTURA GLOBAL DO JORNALISMO
A noção de “americanização” tem constituído um ponto de partida popular para
a análise da mudança do sistema de media na Europa desde a década de 1960, quando a perspectiva cultural do imperialismo focou a atenção no poder cultural dosEstados Unidos e no seu impacto nos sistemas de media em todo o mundo (Schiller,
1969, 1973, 1976; Boyd-Barrett, 1977; Tunstall, 1977). Ela capturou com nitidez
uma parte importante do processo. Não só os media e os processos de comunicaçãoeuropeus começaram a assemelhar-se aos padrões americanos sob importantes aspec
tos, mas verifica-se uma clara evidência da influência americana directa, começandopelo menos desde fins do século xxx, quando formas do jornalismo americanas foram
muito imitadas. Este padrão continuou no período entre guerras com a força crescente de Hollywood e das agências noticiosas americanas, acelerou depois da Segun
da Grande Guerra, quando os Estados Unidos alcançaram a hegemonia mundial em
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termos políticos, econômicos e culturais (Schou, 1992) e, sob vários aspectos, acde-rou ainda mais com a mudança global para o neoliberalismo na década de 19S0.
Associamos hoje em geral a americanização à influência conservadora do neolibera-
iismo, mas como vários acadêmicos sublinharam {e. g., Gundle, 2000), a cultura daesquerda na Europa também foi muito afectada.pelo “sonho americano”.
O processo descrito pela teoria do imperialismo cultural é essencialmente umprocesso de influência externa, envolvendo a substituição de uma cultura por outra
cultura importada. Argumentaremos que, de facto, as mudanças verificadas nos sis
temas europeus de media são impelidas sobretudo por processos de mudança interna
da sociedade europeia, embora certamente ligados à integração dos países europeus
numa economia global. Contudo, as influências externas são claramente uma parte
importante da história, e começaremos com um debate mais profundo sobre a influência americana e o processo mais amplo que conduziu ao desenvolvimento de uma
cultura global do jornalismo - incluindo a influência da tecnologia - antes de con
tinuarmos com os processos internos da mudança que são comummente designados
por “modernização.”Como vimos nos capítulos precedentes, as influências internacionais têm feito
parte da história dos media desde o início: os media do Sul da Europa foram bastan
te influenciados pelos Franceses, e a intensa interacção entre os países europeus do
Norte foi central para a formação da sua cultura sobre os media. A influência
desenvolveu-se em muitas direcções. O jornalismo alemão, por exemplo, tem tido
influências significativas nos media americanos. Josef Pulitzer trabalhava na grande
imprensa em língua alemã nos Estados Unidos antes de dar início à sua indústria de
jornais em língua inglesa, e os fotojornalistas alemães, que se mudaram para os Estados Unidos durante a década de 1930, exerceram influências importantes no foto-
jornalismo americano (como aconteceu com os realizadores europeus em Hollywood
na mesma época). A predominância americana nos media europeus, como assinalá
mos, remonta pelo menos a finais do século xix. Vimos no Capítulo 5, por exemplo,
que a emergente imprensa francesa de massas foi claramente influenciada pela ame
ricana, com um dos jornais mais importantes, Le Matin, de que era proprietário umamericano que disse que ele seria um “jornal sem igual... que não terá quaisquer
opiniões políticas... um jornal de notícias telegráficas rigorosas à escala mundial”
(Tliogmartin, 1998: 93-4). Schudson (1995) mostra que a prática da entrevista es
tava espalhada pela Europa através dos repórteres americanos.
A influência americana intensificou-se com nitidez na seqüência da Segunda
Grande Guerra, quando os Estados Unidos se tornaram o poder político e econômi
co dominante. Não se tratou de uma coisa que aconteceu simplesmente. ComoBlanchard (1986) demonstrou, resultou em parte de um esforço organizado conduzido pela American Society of Newspaper Editors (ASNE) e pelo Departamento de
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Estado norte-americano para promover a concepção norte-americana da liberdade
de imprensa e do profissionalismo jornalístico em todo o mundo. O principal objec-tivo da “cruzada pela imprensa livre” era restabelecer a democracia nos países euro
peus que tinham estado sujeitos ao fascismo e incrementar a política de contençãocontra o modelo político do bloco soviético. Uma manifestação importante era a
influência exercida pelos aliados sobre os sistemas de media da Alemanha, da Áustria
e da Itália durante a ocupação. Ao mesmo tempo, a cruzada reforçou a esfera de
domínio e o mercado das agências noticiosas americanas e, em geral, dos mass media.
A cruzada que Blanchard descreve incidiu sobre as agências internacionais —as Na
ções Unidas e a UNESC O - e em termos formais alcançou um êxito limitado, nosentido de que as propostas americanas eram amiúde rejeitadas. Contudo, contri
buiu para a disseminação dos princípios liberais de media que na verdade se estavama tornar cada vez mais hegemônicos.Se a “cruzada pela imprensa livre” das décadas de 1940 e 1950 estava associada
aos objectivos políticos da luta contra o fascismo, naquele tempo a Guerra Fria e
outras iniciativas e associações eram o resultado da globalização crescente das indústrias de media. Os mercados tinham de ser penetrados e expandir-se e havia uma
necessidade de informação sobre esses mercados para a coordenação das iniciativas
para os desenvolver, e para a promoção das condições, incluindo políticas e culturais,
adequadas ao seu desenvolvimento. Uma associação que perseguia esses objectivos
era a World Association o f Newspapers (WAN), que foi fundada em 1948 e que tem
hoje em dia como membros 71 associações nacionais de jornais, e que descreve assim
os seus objectivos:
1. Defender e promover a liberdade de imprensa e a independência econômica
dos jornais como condição essencial para essa liberdade.
2. Contribuir para o desenvolvimento dos jornais publicando e promovendo
comunicações e contactos entre os executivos dos jornais de diferentes regiões
e culturas.
3. Promover a cooperação entre as organizações que são membros da WAN,sejam elas nacionais, regionais ou de âmbito mundial.
A WAN persegue estes objectivos através de programas de formação, conferências,
publicações e lobismo junto de organizações internacionais e de governos. O seu “Có
digo de Práticas Jornalísticas”, aprovado em 1981, reflecte de forma clara a influência
da concepção liberal da liberdade de imprensa e do profissionalismo, reafirmando o
Ponto 1 o princípio básico da liberdade de imprensa; o Ponto 2 a necessidade da imparcialidade; o Ponto 3 a separação das notícias do comentário; até ao ponto 11, quereafirma a independência da imprensa em relação a qualquer pressão externa, “quer do
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governo, dos partidos políticos, dos interesses comerciais ou dos indivíduos privados”.A simbiose entre a política e o jornalismo, que em certa altura representava caracterís
ticas constitutivas dos Modelos Corporativistas Democráticos e Pluralistas Polariza
dos, é por isso claramente rejeitada pela indústria global dos jornais comerciais, a favorde um “senso comum” liberal emergente da liberdade de imprensa; em larga medida,
esta é a “cultura internacional dos media descrita por McQuail (1994).
O papel da WAN constitui uma boa ilustração do argumento de Tunstall (1977)
de que a influência americana nas culturas mundiais dos media resultou em pane do
papel-chave que os Estados Unidos tiveram na “produção do conhecimento” . A edu
cação formal do jornalismo e o estudo acadêmico da comunicação estavam, em ter
mos relativos, muito desenvolvidos nos Estados Unidos no final da Segunda Grande
Guerra. Estas instituições geraram um corpo de doutrina coerente, prontamenteexportável, que girava em torno de uma concepção liberal de liberdade de imprensa
e da ideia de profissionalismo neutro que por fim tinha uma influência profunda nas
culturas de media na Europa e em todo o mundo92. A influência em todo o mundo
de Four Theories ofthe Press sobre a aprendizagem e a educação relativas aos media —
uma influência que, como defendemos no Capítulo 1, retardou mesmo a conceptu-
alização teórica dos outros sistemas de media - constitui uma boa ilustração do
ponto de Tunstall. Bamhurst e Nerone (2001: 276), numa análise que fizeram da
americanização do design do jornal, verificaram, de forma semelhante, que “os consultores americanos espalharam a sua sensibilidade em termos de design tentando
persuadir as pessoas de que a forma modernista era um meio de transmissão eficaz do jornalismo e da publicidade locais. Para reforçar o seu ponto de vista, eles podiam
reivindicar o suporte ostensivamente neutro da investigação sobre a legibilidade e os
princípios psicológicos”. (Barnhurst e Nerone defendem ainda que as técnicas de
design dos EUA incorporavam uma ideologia particular, liberal, sobre o papel do
jornal como instituição do mercado mais do que do mundo político.)
Não existe um grande volume de investigação sistemática, em particular de natureza comparativa, sobre a educação para o jornalismo. Mas parece provável que os
modelos americanos de educação jornalística tenham desempenhado um papel im
portante na mudança das culturas do jornalismo em todo o mundo. Verifica-se umatendência significativa no sentido de um papel mais amplo na formação formal do
jornalismo. Isto é significativo por si - mesmo à parte do conteúdo dessa educação
—no sentido de que o desenvolvimento de uma trajectória educativa distinta dos
jornalistas pareceria quase inevitavelmente promover o desenvolvimento de uma
92 Drake c Nikolaidis (1992) mostram, de forma semelhante, como a transformação dos regimes internacionais
de telecomunicações na década de 1980 resultou da produção por especialistas dos países ocidentais de novas ma
neiras de compreender a telecomunicação.
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cultura do jornalismo distinta de, entre outras coisas, partidos políticos. Pensamos,
além disso, que o conteúdo da educação para o jornalismo põe exactamente emevidência a concepção do papel dos media enfatizado pela WAN93. Splichal e Sparks
(1994) parecem partilhar esta opinião, concluindo a sua investigação sobre a educação para o jornalismo em 22 países, pondo em relevo o facto de, com algumas qua
lificações, o jornalismo estar a passar de ofício a profissão graças à difusão de práticas
educativas comuns. Weaver (1998), num outro trabalho baseado em pesquisas de
jornalistas, sublinha também a importância de uma educação formal com vista a
criar uma cultura jornalística global.
O exemplo da WAN - que foi muito influenciada pelos editores americanos dos jornais nos seus primeiros anos, mas que se tornou numa instituição verdadeiramente
internacional - também ilustra outra força significativa do desenvolvimento de uma
cultura global de media, força essa que se tornou muito mais vasta do que a “america-
nização”, como seja a intensidade da interacção entre os jornalistas à escala mundial.
Isto acontece em muitos contextos. A WAN, cuja sede é em Paris, organiza reuniões
internacionais de jornalistas e de outro pessoal dos media, e muitas outras organizaçõesdesempenham um papel semelhante, incluindo a European Journaiism Training Asso-
ciation, estabelecida por muitas escolas e institutos europeus de jornalismo. Os jorna
listas também interagem de forma acentuada ao fazer a cobertura de acontecimentos
mundiais ou de instituições internacionais (Hallin e Mancini, 1994). Este tipo de inte
racção não produz homogeneização automaticamente; uma pesquisa junto dos jornalistas que cobriam as instituições dos EUA em Bruxelas pôs em relevo a medida em que
as suas reportagens continuam a ser dominadas pelas agendas políticas nacionais94. Masisso não conduz à difusão das técnicas, práticas e valores, da mesma maneira que as
culturas jornalísticas nacionais começaram a desenvolver-se quando os jornalistas se
juntavam para cobrir as instituições políticas nacionais emergentes. Esta interacção
também se verifica de uma forma mais mediática através dos fluxos globais da informa
ção. Os jornalistas são grandes consumidores de media globais, muitos deles baseados
nos Estados Unidos e na Inglaterra, não só porque representam grandes e poderosasorganizações de media como também porque são escritos em inglês - o HeraldTribune
internacional95, o Financial Times e outros representantes da imprensa comercial
95 Quando apresentámos uma primeira versão da nossa investigação na escola de jornalismo da Universidade de
Dortm und, o nosso anfitrião, professor Gerd Kopper, sublinhou que a concepção liberal do profissionalismo neuno
era exactamente aquilo que era ensinado ali aos estudantes.
94 Um a grande parte desta pesquisa está sintetizada por Schlesinger (199 9), o qual anota que a cobertura noti
ciosa europeizada é principalmente produzida para um audiência muito elitista, ao passo que os media que visam as
massas acompanh am as agendas políticas nacionais.
95 Rieffel (1984 : 114) assinala a influência do HeraldTribune nos jornalistas franceses. U m interessante exem pi»
recente da influência norte-americana é o facto do Le Monde ter começado a fornecer aos seus leitores, como suple
mento, uma versão do The New York Times.
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global96, a C NN e o BBC World Service, tanto a rádio como a televisão. Os fornafcms também recorrem com muita frequência às agências noticiosas internacionais, indidmio
os serviços telegráficos e as agências da TV global, como a Reuters TV e a Worldwiáe
Television News. A partilha global das notícias tem tendência para aumentar, não sóem termos de tecnologia, porque as novas tecnologias da informação noticiosa tomam
cada vez mais fácil para os jornalistas o acesso à informação de todo o mundo, bastando
para isso carregar num botão, como também em termos de comercialização, porque arecolha de notícias a baixo custo constitui uma prioridade. Tudo isto tende a promover
as concepções comuns respeitantes ao papel dos jornalistas —a influência da mitologia
de Watergate sobre o jornalismo à escala mundial é disso um exemplo perfeito - e os
estilos comuns de apresentação das notícias.
Focámos aqui a nossa atenção sobre o jornalismo, mas processos semelhantestêm estado a acontecer em outras áreas dos media e da prática das comunicações.
Blumler e Gurevitch (2001: 400; ver também Plasser, 2000), por exemplo, assina
lam que nas campanhas eleitorais de 1996 e 1997, “os especialistas do Partido Tra
balhista britânico e da equipa de Clinton se observavam entre si em acção epartilhavam as respectivas competências tácticas...”
O PAPEL DA TECNOLOGIA
Pode dizer-se que a tecnologia é outra força “externa” no sentido da homogenei
zação. Num dos capítulos mais interessantes da Printing Revolution irt Early Modem
Europe, Elisabeth Eisenstein (1983), elaborando sobre uma ideia originalmente pos
ta em destaque por McLuhan, assinala como a invenção da imprensa escrita produ
ziu um processo de estandardização, que no decurso dos séculos seguintes afectou
muitos aspectos da cultura e da sociedade. Estilos de escrita e tipos de caracteres,
assim como muitas práticas sociais usadas no conteúdo dos livros (Eisenstein usa a
moda como exemplo), revelam uma tendência para se espalhar por todos os paísesonde a indústria da impressão se difundia. A análise de Eisenstein faz-nos recordar
96 A imprensa comercia] é o sector mais g lobal dos media. Isto não é surpreendente porque o capital está globa
lizado de uma maneira que o Governo e as outras esferas da vida social cobertas pelos media noticiosos não estão.
A imprensa do mundo dos negócios também está claramente dominada pelo estilo de jornalismo qu e prevalece nos
países liberais. Isto deve-se em pa ne ao facto de muitos jogadores-chave estarem situados nos países liberais - o
Financial Times, Dow Jones, Reuters, Bloomberg. Também é provável que esteja relacionado com o facto de o jor
nalismo comercial ter tido sempre um carácter largamente informativo, remontando aos primeiros dias da impren
sa. Isto é, em larga medida, a função da imprensa para os participantes do mercado, fornecer a informação de queeles necessitam para tomar decisões. Os jornais comerciais também servem, como é natural, para avançar ideias -
promover o liberalismo, por exemplo - e como um fórum para debater questões políticas. Mas porque a comuni
dade dos negócios —como os países do M odelo Liberal —é caracterizada por um alto grau de consenso em matéria
de assunções ideológicas básicas, é fácil que os estilos “objectivos” de apresentação se tornem dominantes.
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que qualquer inovação tecnológica conduz afinal a uma vasta gama de adaptaçõespor indivíduos e instituições sociais. As pessoas inclinam-se para assumir o comportamento, as formas, as estruturas e, neste caso, os procedimentos da comunicaçãoque estão associados às novas tecnologias, e esta influência produz com frequência
culturas de práticas comuns através de contextos sociais diferentes. Golding (1977:304), numa análise da difusão das práticas ocidentais do profissionalismo jornalísti
co no mundo em desenvolvimento, fez uma estimativa semelhante: “A transferência
do profissionalismo corre em paralelo à transferência da tecnologia que pode ser al
ternadamente compreendida como o problema da dependência tecnológica.”A influência da tecnologia não pode ser separada do contexto social em que as
tecnologias são adoptadas e implementadas, como é óbvio, e não devíamos exagerar os
efeitos da estandardizaçáo das tecnologias de comunicação maciça. A imprensa escrita,
por exemplo, difundiu sem dúvida muitas práticas de comunicação. Mas, como vimos, desenvolveram-se formas bastante diferentes de media escritos nos diferentes
contextos políticos que estudámos aqui, e o seu desaparecimento deve-se de forma
evidente muito mais às forças econômicas e sociopolídcas do que a qualquer mudança
na tecnologia da impressão dos media. Contudo, não restam dúvidas de que o processo de homogeneização também está relacionado com a inovação tecnológica. As mu
danças da tecnologia da televisão, por um lado, desempenharam claramente um papel
importante na rotura da estrutura existente dos media ao facilitar a cobertura nacional
das emissões de rádio e de TV e a multiplicação dos canais, desenvolvimentos cujosignificado exploraremos adiante com mais profundidade. Sob muitos aspectos, a tec
nologia aumentou a facilidade com que os conteúdos dos media podem ser partilhadosatravés das fronteiras nacionais, permitindo que os jornalistas em todo o mundo te
nham acesso nos ecrãs dos seus computadores aos mesmos conjuntos de palavras e
imagens. As agências noticiosas, como é natural, desempenharam este papel durante
algum tempo, fornecendo notícias escritas num único estilo, produzidas para um con
junto único de práticas de recolha de notícias. As agências noticiosas dominantes do
século xx têm sido as inglesas, que desempenharam um papel importantíssimo na difusão do Modelo Liberal de jornalismo. Um outro exemplo recente seria um serviço
semelhante ao Evelina produzido pela European Broadcasting Union (EBU), que for
nece imagens, filmadas de acordo com um padrão comum e que está à disposição dequalquer utilizador europeu. A CNN é, claro, outro instrumento poderoso para a di
fusão de procedimentos e técnicas comuns, tal como a Internet.
E provável que o aumento da educação profissional do jornalismo esteja tam
bém ligado à mudança tecnológica. Como a palavra escrita é cada vez mais substi
tuída por formas multimédia de apresentação, as fronteiras entre a produção e otrabalho jornalístico tornam-se esfúmadas, e a tecnologia acaba por desempenhar
um papel central cada vez maior na prática jornalística. Neste contexto, é menos
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importante aquilo que um jornalista tem para dizer sobre política do que se ela oc.
ele podem criar uma narrativa convincente de televisão ou uma apresentação visual
atractiva num ecrã de computador. Isto cria uma necessidade de formação especia
lizada dos jornalistas, e é provável que tenha tendência para criar uma cultura global de competência técnica que está relativamente separada das culturas políticas
nacionais. Também acontecem processos semelhantes noutras áreas da comunicação política como, por exemplo, o uso dos computadores nas campanhas políticas
produz da mesma maneira uma necessidade de estandardizar a competência técni
ca. A homogeneização produzida pela inovação tecnológica envolve principalmen
te os profissionais mais jovens que estão mais abertos às inovações e que emprincípio receberam formação especializada para efeitos da sua aplicação. Esta pode
ser uma das razões da existência freqüente de brechas entre os jornalistas mais velhos, cujas preocupações profissionais giram mais em torno das linhas políticas das
suas organizações noticiosas, e os jornalistas mais jovens, que estão mais interessa
dos nas características “estritamente profissionais” dos seus empregos {e. g , Ortega
e Humanos, 2000: 158).
AS FORÇAS ENDÓGENAS DA MUDANÇA: “MODERNIZAÇÃO”, SECULARIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
As influências externas sobre os sistemas de media europeus desempenharam cla
ramente um papel importante. Como tentámos mostrar nos capítulos precedentes,contudo, os sistemas de media que se desenvolveram na Europa —bastante diferentes, sob muitos aspectos, dos sistemas de media norte-americanos - estavam muito
enraizados em histórias, estruturas e culturas políticas particulares. Não é plausível
que tivessem sido transformados sem modificações significativas da política e da
sociedade. Os profissionais europeus de media não adoptaram imediata ou directa-mente as formas americanas. Até certo ponto, de facto, a ideologia do sistema demedia Liberal espalhou-se sem realmente mudar as práticas jornalísticas ou de outros
media. Ficámos sempre surpreendidos pelo facto de ser tão comum, em particular
no Sul da Europa, que os jornalistas manifestem submissão em relação à noção glo
bal de “objectividade”, quando praticam o jornalismo de uma maneira que está em
assinalável desacordo com as noções norte-americanas ou inglesas de neutralidade
política. A análise que Papathanassopoulos (2001) faz da transformação do jornalis
mo grego é consistente com esta observação. A penetração mais profunda das práti
cas liberais dos media ocorreu somente quando a transformação estrutural dossistemas europeus políticos e de media tornou estas práticas cada vez mais relevantes
e apropriadas, e deve ser entendida no contexto destas mudanças mais profundas.
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Por isso, voltamos agora aos processos fundamentais da mudança interna em curso
nos sistemas europeus de media.Uma das formas mais comuns de compreender estes processos profundos de
mudança é em termos de “modernização”. No livro clássico de 1963, Communica-
tions and Political Development, Pye escreveu:
Em qualquer sociedade só uma pequena fracçáo da comunicação política tem origem nos
próprios actores políticos, e esta proporção tende a diminuir com a modernização à medidaque um grande número de participantes sem poder adere ao processo das comunicações.Num sentido fundamental, a modernização envolve a emergência de uma classe profissionalde comunicadores... A emergência de comunicadores está... relacionada com o desenvolvimento de uma visão objectiva, analítica e não partidária da política (78; ver também Fagen,
1966).
O ponto de vista de Pye está relacionado com o funcionalismo estrutural que
defende que as sociedades têm tendência para evoluir no sentido de uma maior es
pecialização funcional entre as instituições sociais, e de uma maior diferenciação
dessas instituições entre umas e outras, em função das suas normas, práticas e identidades simbólicas. Para Parsons e outros funcionalistas estruturais, a profissionaliza
ção é central a este processo. A noção de diferenciação assume de forma clara umaparte importante da mudança dos sistemas de media europeus. E se a modernidade
envolve, como Giddens (1990: 21) defende, o “desencaixe” ou a “remoção” das relações sociais dos contextos locais de interacção e a sua reestruturação através de espa
ços indefinidos de tempo-espaço, “faz algum sentido dizer que os sistemas de media
na Europa se tornaram cada vez mais “modernizados”. Ao mesmo tempo, o conceito
de modernização, como é comummente entendido, é problemático sob muitos as
pectos: não só contém presunções normativas duvidosas sobre a superioridade uni
versal de um modelo particular, como também há problemas reais em relação àdescrição da mudança dos sistemas de media nos países aqui cobertos, em termos de
uma mudança linear no sentido de uma maior diferenciação, problemas que examinaremos em pormenor nas últimas secções deste capítulo. Propomos por isso come
çar pelos conceitos mais neutros e específicos de secularização e comercialização.
MASS MEDIA E SECULARIZAÇÃO
A noção de secularização tem sido fundamental para a compreensão da moder
nidade, desde Marx, Weber e Durkheim. O que queremos significar com isso neste
contexto é a separação dos cidadãos de ligações a “crenças” religiosas e ideológicas, eo declínio das instituições assentes nessas crenças que outrora estruturaram vastas
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Sistemas de Media.. Estudo Comparativo
zonas da vida social europeia. Assim como a Igreja já não é capaz de controlar a so
cialização ou o comportamento das populações que são hoje em dia atraídas pocvalores e instituições fora do campo da fé, assim os partidos, os sindicatos e outras
instituições que estruturavam a vida política que Lipset e Rokkan (1967) descreve
ram em tempos como estando essencialmente “congelada”, já não conseguem hege-monizar a vida em comunidade dos cidadãos. A ordem política europeia estava em
tempos organizada em torno de instituições sociais enraizadas em compromissos
ideológicos assentes em amplas divisões sociais, em especial as das classes sociais e
da religião. Os laços dos indivíduos a esses grupos eram centrais, tanto em termos dasua identidade como do seu bem-estar material. Estas instituições também exerciam
uma vasta gama de funções na estruturação da esfera pública, criando e fazendocircular símbolos culturais e políticos, e organizando a participação dos cidadãos na
vida da comunidade. Por secularização queremos significar o declínio de uma ordemsocial política e social assente nestas instituições, e a sua substituição por uma socie
dade mais fragmentada e individualizada. Com o declínio generalizado dos partidos,sindicatos, igrejas e instituições semelhantes, os mass media, em conjunto com mui
tas outras agências de socialização, adquiriram uma maior autonomia em relação a
essas instituições, e começaram a assumir o controlo de muitas das funções queaquelas desempenhavam noutros tempos.
A “despilarização” da sociedade holandesa constitui talvez o exemplo clássico
desta mudança. A pilarização, como vimos no Capítulo 6, foi a separação da população em subcomunidades organizadas, baseadas na persuasão religiosa ou política.
Os pilares holandeses mantinham uma grande variedade de instituições - escolas,hospitais, clubes sociais, organizações de assistência social e mass media - e levavam
a cabo uma vasta gama de funções sociais, incluindo a produção de significado sim
bólico, a “agregação de interesses” e a organização da tomada de decisões políticas, a
organização de tempos de lazer, a prestação de assistência social, e mais (Lijphart,
1968, 1977, 1999; Lorwin, 1971; Nieuwenhuis, 1992). No campo da comunica
ção, um indivíduo podia passar a vida inteira no centro de um fluxo de representações estruturadas por instituições constituídas por um único pilar. Por volta da
década de 1970, esta estrutura tinha-se desmoronado, e “o cidadão holandês médio
tornara-se principalmente mais um consumidor individual do que um seguidor deum sector religioso ou político particulares” (Nieuwenhuis, 1992: 207).
Tinha ocorrido um processo semelhante na Itália, onde as duas subculturas fun
damentais, a Católica e a Comunista, assentes em crenças religiosas e políticas bas
tante enraizadas, representavam os principais instrumentos do poder político e as
agências mais importantes de socialização do país. A subcultura católica estava essencialmente, embora não apenas, ligada às estruturas da Igreja Católica, às suas organizações de caridade e a redes interpessoais. O Partido Democrático Cristão era o seu
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braço político. A subcultura comunista fora construída a partir dos primeiros sindicatos e das organizações de solidariedade dos trabalhadores. Associadas ao PartidoComunista havia muitas outras organizações activas em diferentes campos: solidarie
dade social, desporto, cultura, lazer, educação, media, e por aí fora. (Galli, 1968;Sani, 1980; Trigilia, 1981; Mannheimer e Sani, 1987). Tanto na Itália como na Ho
landa —embora mais recentemente —a importância destas duas subculturas e das
suas organizações sofreu um declínio. O surgimento e a vitória do partido Forza
Italia de Berlusconi, assente quase todo nos rnass media para as suas ligações com o
eleitorado, constitui uma excelente ilustração deste declínio —e da tendência para a
correspondente expansão do papel social dos media.Na Escandinávia, os partidos agrários, conservadores, liberais e socialistas, em
conjunto com os sindicatos, permearam outrora muitos campos da sociedade, mas
declinaram de forma substancial. Pode encontrar-se uma ilustração interessante da
mudança “de uma cultura colectivista para uma cultura política individualista” e dos
seus efeitos no jornalismo numa análise do conteúdo dos media noticiosos suecos de
1925 a 1987 (Ekecrantz, 1997: 408), que verificaram que o uso do termo nós eramais freqüente do que o uso do termo eu em dissertações de épocas anteriores,
tendo-se esta relação invertido na década de 1980. Encontram-se histórias seme
lhantes, com muitas variantes locais, em relação à maior parte dos países referidos
neste livro.
O declínio dos partidos políticos está intimamente ligado a este processo de “se-
cularização”, e é bastante importante para se perceber a mudança dos sistemas demedia. Há muita literatura sobre o “declínio dos partidos” e algum debate sobre se,
ou em que sentido, ele se verificou de facto. Alguns argumentam que os partidos não
declinaram assim tanto, antes se “modernizaram” e reduziram as suas funções, e que
de facto são hoje mais eficazes em termos de mobilização de votantes em tempos de
eleições, agora que se profissionalizaram e cortaram as ligações a instituições como
os sindicatos. Outros sustentam que em vez de falar do “declínio dos partidos”, em
geral, é necessário considerar em especial o declínio dos “partidos de massas” tradicionais que foram poderosos na Europa durante a maior parte do século xx, como
aconteceu nos Estados Unidos numa forma e num período anteriores (Panebianco,
1988; Mair, 1990; Katz e Mair, 1994). Os partidos de massas serviram como instrumentos cruciais para a representação e defesa dos interesses sociais e econômicos,
para “ interesses agregadores” e para a formação de consensos, e também como estru
turas importantes de comunicação através das redes interpessoais sobre as quais as
suas organizações foram construídas. Os partidos de massas, entre as suas outras
funções, eram responsáveis pela produção das representações e imagística sociais.Para efeitos do exercício desta função possuíam e controlavam jornais e os jornalistas
que aí trabalhavam tinham o dever de disseminar e defender as ideias do partido.
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As práticas de recolha da informação, da escrita e da interacçáo dos jornalistas cuca
os leitores estavam ancoradas numa medida significativa na estrutura ideológica e
numa rede social centrada no partido a que pertenciam. Pelo facto de serem em
simultâneo jornalistas e figuras políticas, eles agiam de acordo com modelos de prá
tica moldados por culturas políticas específicas que variavam de país para país —dai
as diferenças substanciais que encontrámos entre os sistemas de media nacionais.
O declínio do partido de massas, ideologicamente identificado e enraizado em
distintos grupos sociais, e a sua substituição pelo catchall ou “partido eleitoral--profissional”, originalmente orientado não para a representação de grupos ou ideo
logias, mas para a conquista de uma quota do mercado eleitoral, tem sido bastante
documentado pela ciência política (Kirchheimer, 1966; Panebianco, 1988). Os vín
culos psicológicos e sociológicos estáveis que existiram outrora entre os partidos e os
cidadãos saíram enfraquecidos desta transformação. Declinou o número dos inscritos nos partidos (como aconteceu com a igreja e os sindicatos). O mesmo se pode
dizer da lealdade ao partido, medida ou pela identificação com os partidos políticos
ou pela consistência partidária do comportamento eleitoral, pelo menos em muitos
casos. A participação nas eleições declinou em muitos países. “Quando a filiação
partidária estava intimamente ligada à classe e à religião, o conjunto das identifica
ções sociais e políticas conferia um incentivo muito forte para que participassem
aqueles que se identificavam com o partido. Estas ligações, todavia, definharam nos
últimos a nos...” (Dalton e Wattenberg, 2000: 66). Atrofiaram-se as ligações políticas “populares” que outrora tinham ligado os partidos aos cidadãos, enquanto cres
cia o quadro dos profissionais ligados aos media e ao marketing. Os dirigentes
individualmente considerados tornaram-se cada vez mais importantes para o poder
de atracção dos partidos, ao passo que a ideologia e as lealdades de grupo se tornaram menos atractivas.
O enfraquecimento dos partidos políticos de massas está por sua vez ligado a
um processo mais amplo de mudança social, que envolve a debilidade ou a frag
mentação das clivagens sociais e econômicas sobre as quais se construíam os partidos de massas (Panebianco, 1988). Esbateram-se as linhas claras da divisão socialpostas de início em relevo pela teoria de Marx e mais tarde pela literatura políticacomparativa do período que se seguiu à Segunda Grande Guerra, segundo alguns
até desaparecerem, com o resultado de os partidos de massas terem perdido as suas
bases sociais. A proliferação dos grupos sociais com necessidades econômicas espe
cíficas aumentou de importância, fazendo que as distinções entre proprietários e
trabalhadores, terratenentes e camponeses, fossem menos relevantes. Um factor im
portante para esta mudança é o facto de terem declinado as indústrias de manufac-tura onde as organizações tradicionais da classe trabalhadora estavam enraizadas,substituídas pelo sector dos serviços em crescimento. Talvez, e mais fundamental,
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tosse o facto de as economias europeias se terem expandido e parece provável que o
aumento da abundância e o crescimento da sociedade de consumo tivessem como
resultado uma maior ênfase no sucesso econômico individual do que na defesapolítica dos interesses do grupo. Uma interpretação diferente, embora não necessa
riamente incompatível, do efeito do crescimento econômico, é o argumento deIngelhart (1977) de que a afluência e a estabilização da democracia liberal condu
ziram à ascensão de “valores pós-materialistas”. Considera-se que esta mudança que
ocorreu na cultura política prejudicou as divisões ideológicas em que assentava o
velho sistema de partidos e tornou os indivíduos cada vez mais relutantes em
submeter-se à liderança das organizações tradicionais. Pode também estar relacio
nada com a ascensão de novos movimentos sociais que levantam questões transversais às linhas partidárias tradicionais.
Estes mesmos factores citados por Ingelhart - afluência e consolidação da democracia parlamentar no contexto de uma economia capitalista —também podem
ser responsáveis por um declínio acentuado da polarização ideológica. Há indícios
de que diminuíram as diferenças ideológicas entre os partidos políticos (Mair,
1997), embora vejamos adiante que também pode haver tendências em sentidocontrário, pelo que não pode necessariamente assumir-se que essas diferenças con
tinuarão a decrescer de modo indefinido. Isto está relacionado com a aceitação dos
grandes projectos do Estado-providência pelos partidos conservadores e do capita
lismo e da democracia liberal pelos partidos de esquerda. Um símbolo importanteda mudança seria o “compromisso histórico” que incorporou o Partido Comunista
na divisão do poder político na Itália na década de 1970. A literatura sobre socie
dades “plurais” como a da Holanda, onde as várias subculturas tinham instituições
separadas a nível popular, assinala com frequência que as lideranças dessas comunidades se acostumaram a cooperar e a entrar em acordos ao nível das instituições
nacionais do Estado.
Alguns registos da mudança dos sistemas políticos europeus apontam também
para um aumento da educação, o que pode ter como resultado que os eleitores procurem obter informação de forma independente, de preferência a depender dos di
rigentes dos partidos políticos. Em alguns registos isto está ligado a uma mudança
da votação com base na lealdade ao partido e ao grupo, para uma votação com base
num assunto. Alguns também mencionam que os sistemas de patronagem declinaram, em parte por causa da integração econômica, em particular com a formação daUnião Monetária Europeia, e as pressões que ela exerce sobre os orçamentos gover
namentais, limitando a capacidade dos partidos para dar incentivos materiais aos
seus apoiantes activos (Kitschelt, 2000; Papathanassopoulos, 2000). O aparecimento de novos grupos demográficos em resultado da imigração também pode ter enfra
quecido a velha ordem, não só porque a nova população não está integrada em
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estruturas tradicionais baseadas em grupos, como também porque as tensões resaá-
tantes da imigração conduzem à defecção dos aderentes tradicionais.
Por fim, muitos argumentam que a globalização e a integração econômica enfra
queceram os partidos políticos ao desviarem o locus da tomada de decisão das esferaspolíticas nacionais que os partidos dominavam. Como Beck (2000) disse, o Estado--nação era o “contentor” das decisões políticas bem como dos outros processos sociais
que afectavam os cidadãos ao longo da maior parte das áreas da vida. O Estado-nação
foi perdendo o seu papel de “contentor”, e muitas das decisões que afectam os seus
cidadãos são tomadas agora a um nível supranacional, removendo o poder do Estado
e por isso dos partidos políticos, das organizações e grupos que representam os inte
resses dos cidadãos. Os constrangimentos do regime econômico global emergente
tendem a forçar os partidos a abandonar posições políticas distintas que outrora definiam as suas respectivas identidades, e também estorvam a sua capacidade para
distribuir benefícios aos seus constituintes. Estes constrangimentos também forçam
especificamente, em muitos casos, a harmonização das políticas relativas aos media,
desfazendo amiúde as relações que já ejdstiam entre o Estado, os partidos políticos eos media. Por isso o Canadá é alvo de pressões no sentido de abandonar a protecção
das indústrias culturais nacionais e a Escandinávia é alvo de pressões no sentido de
liberalizar os regulamentos sobre a publicidade. Os padrões de clientelismo da aliança
política na Espanha, entretanto, são desfeitos pelo facto de as companhias poderemapelar para Bruxelas a fim de esta invalidar as decisões reguladoras tomadas em
Madrid.
MUDANÇA DO SISTEMA DE MEDIA: CAUSA OU EFEITO
As mudanças dos sistemas de media europeus sublinhadas no início deste capítu
lo —em particular a mudança para os media catchall, para modelos de profissiona
lismo jornalístico assentes na neutralidade política, e para uma mudança no sentidode formas de comunicação política orientada para os media —estão seguramenterelacionadas com este processo de secularização. Mas qual é a causa e qual é o efeito?
Será que a mudança do sistema de media é apenas um resultado destas mudanças na
sociedade e na política, ou pode desempenhar algum papel independente? Numa
grande medida, a mudança no sistema de media é seguramente um resultado dos
processos profundamente enraizados sintetizados atrás, que reduziram a base socialdos partidos de massas e da solidariedade de grupo e de um sistema de media rela
cionado com eles. Também é evidente, contudo, que os processos de mudança quese verificam no interior do sistema de media estão em curso e é bastante plausível
que as mudanças nos sistemas europeus de media tenham contribuído para o processo
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de secularização. É comum na literatura sobre o declínio dos partidos políticos na
Europa indicar o sistema de media como uma fonte determinante da mudança:
...Novas tecnologias e... mudanças nos mass media... permitiram que os dirigentes dos partidos apelassem directamente aos eleitores e, deste modo, minaram a necessidade das redes
organizativas... (Mair, 1997: 39).Progressivamente... os media tornaram-se mais importantes [informação e funções de supervisão] porque são considerados fornecedores imparciais de informação e porque os media electrónicos criaram sistemas de distribuição mais convenientes e mais impregnantes...A disponibilidade crescente de informação política através dos media reduziu os custos da
tomada informada de decisões (Flanagan e Dalton, 1990: 240-2).Os mass media estão a assumir uma grande parte das funções da informação que outrora eramcontroladas pelos partidos políticos. Em vez de obterem informação sobre uma eleição num
comício ou junto dos candidatos dos partidos, os mass media tornaram-se na primeira fontede informação das campanhas. Além disso, os partidos políticos mudaram aparentemente oseu comportamento em resposta à expansão dos mass media. Os partidos políticos têm mostrado uma tendência para diminuir os seus investimentos na angariação de votos na vizinhança, em comícios e em outras actividades de contacto directo, e dedicam uma maior atenção às
campanhas através dos media (Dalton e Wattenberg, 2000: 11-12).
O elemento que emerge com mais vigor nestes relatos é o avolumar dos media
electrónicos, que se considera ter minado o papel dos partidos políticos, e presu
mivelmente ter também minado o papel das igrejas, dos sindicatos e de outrasinstituições de socialização. Todavia, como vimos nos capítulos anteriores, os me-dia electrónicos foram no início organizados na Europa sob jurisdição política e,
na maior parte dos sistemas, os partidos políticos tinham uma influência conside
rável na rádio e na televisão, o mesmo acontecendo com os “grupos socialmente
relevantes” em alguns sistemas, em especial na Alemanha. Por isso, podia esperar
-se que os media electrónicos reforçassem, mais do que minassem, o papel tradicio
nal dos partidos políticos e dos grupos sociais organizados. Porque é que isto não
aconteceu?
Wigbold (1979) faz-nos um relato do impacto da televisão, pondo em foco o
caso bastante interessante da Holanda. A rádio e a TV foram organizadas na Holan
da na seqüência do modelo pilarizado que se aplicava à imprensa, à educação e a
outras instituições culturais. Cada uma das diferentes comunidades da sociedadeholandesa tinha uma organização separada de rádio e de televisão, tal como no prin
cípio tinham tido escolas e jornais separados. Podia pensar-se que, ao alargar o seualcance a um novo e poderoso médium, os pilares se tivessem fortalecido na socieda
de holandesa. Contudo, a despilarização coincidiu de facto, historicamente, com a
ascensão da televisão. Wigbold argumenta que a televisão holandesa “destruiu as
suas próprias fundações, enraizadas como estavam na sociedade que [ela] ajudou a
mudar” (230).
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A sua argumentação divide-se em três partes. Em primeiro lugar, afirzn* qac
apesar da existência de organizações separadas de rádio e de televisão, esta deitouabaixo a separação dos pilares.
A televisão estava destinada a exercer uma influência tremenda num país onde não só asportas das salas de estar estavam fechadas a estranhos como também as das salas de aulas,das reuniões dos sindicatos, das residências da juventude, os campos de futebol e as escolasde dança... Ela confrontava as massas com pontos de vista, ideias e opiniões de que tinham estado isolados... Não havia forma de escapar, nem esconderijo, excepto o difícilexpediente de desligar a televisão. Os telespectadores não podiam mesmo mudar para umsegundo canal, porque não ex istia... Os católicos descobriram que os socialistas não eram
os ateus perigosos contra os quais tinham sido advertidos, os liberais tiveram de chegar àconclusão de que os protestantes ortodoxos não eram os fanáticos que julgavam que fos
sem (201).
Em segundo lugar, argumenta que os jornalistas da televisão mudaram substancialmente em princípios da década de 1960 para uma relação mais independente e
crítica com os dirigentes das instituições estabelecidas, a quem antes estavam submetidos.
Em terceiro lugar, uma nova organização de rádio e da TV (TROS), que era o
equivalente mediático ao partido catchall, foi fundada em finais da década de
1960: tendo tido origem numa estação pirata, proporcionava entretenimento levee “era a própria negação do sistema de rádio e de TV baseado... na transmissão de
tempo de rádio e de TV aos grupos que tinham alguma coisa para dizer” (225)97.O TROS agia como uma força vigorosa no sentido da homogeneização.
O caso holandês é com certeza único sob muitos aspectos. Contudo, parece pro
vável que cada um destes factores tenha estreitos paralelos na maior parte dos países
da Europa: o papel da televisão como um suporte comum, o desenvolvimento do jor-nalismo crítico e da comercialização. Estas tendências não só são comuns às rádios e
televisões em toda a Europa, como estão intimamente relacionadas com as mudanças na imprensa escrita, as quais até certo ponto reflectem o impacto da televisãonesta última. Nesta secção debateremos os dois primeiros tópicos: a televisão comoum suporte comum e o jornalista como “um especialista crítico”, e retomaremos na
secção seguinte o tópico crucial e complexo da comercialização.
57 As regras de afectação do tempo de antena de rádio e de TV também tinham mudado em 1965 a fim de pôr
em destaque o número dos membros pagantes que cada organização de rádio e de TV tinha, aum entando a im
portância de se construir uma audiência e diminuir a importância da filiação partidária pilarizada (Van der Eijk.2000: 311).
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TELEVISÃO COMO BASE COMUM
Em toda a Europa, a rádio e a TV foram organizadas ao abrigo da autoridadepolítica e amiúde incorporavam princípios de representação proporcional extraídos
do mundo político. Todavia, é bastante plausível que isso servisse como uma basesocial e política comum e desempenhasse algum papel no enfraquecimento das sub-
culturas ideológicas separadas. Estavam altamente centralizadas, com um a três ca
nais (de televisão e de rádio), durante a maior parte do período que se seguiu à
Segunda Grande Guerra. A maior parte da programação destinava-se a todo o pú
blico, quaisquer que fossem as fronteiras de grupo. A produção dos noticiários estava de um modo geral sujeita a princípios de neutralidade política e de pluralismo
interno, que separavam o jornalismo de rádio e de TV da tradição do comentário
partidário comum à imprensa escrita (no caso holandês, enquanto as organizaçõespilarizadas de rádio e de televisão produziam emissões que envolviam assuntos de
interesse público, notícias como o desporto eram produzidas sob o escudo protector
da organização NOS). A televisão de entretenimento, entretanto, fornecia um con
junto comum de referências culturais, cujo impacto na cultura política seria muito
difícil de documentar, mas com certeza podia ter sido bastante significativo.Mesmo exceptuando o conteúdo da programação da rádio e da TV, o facto de os
media da rádio e da TV desenvolverem um meio de comunicação catchall, capaz de
transmitir mensagens que atravessavam fronteiras ideológicas e de grupo, pode ter
tido efeitos políticos importantes, tal como sugerem os relatos sobre o declínio dos
partidos citados no texto anterior: tornou possível que os partidos políticos se diri
gissem a cidadãos situados fora da sua base social estabelecida de uma maneira mui
to eficaz, e por isso podem ter encorajado não só o aumento dos partidos catchaü
como também a atrofia dos meios tradicionais de comunicação que estavam ligados
a redes sociais em subcomunidades particulares. Também devia ter-se em considera
ção que a televisão não era o único medium catchall em expansão neste período, em
particular nos países Corporativistas Democráticos e Liberais. Os jornais comerciais
catchall também eram cada vez mais cruciais para o processo de comunicação. Podia
dizer-se que, de um modo geral, o desenvolvimento dos media no século xx condu
ziu a um fluxo de cultura e informação crescente através das fronteiras dos grupos»reduzindo a dependência dos cidadãos de fontes exclusivas no interior das suas par
ticulares subcomunidades.
‘•COMPETÊNCIA CRÍTICA" DO JORNALISMO
A difusão da televisão coincidiu também com o desenvolvimento de uma nca»
cultura jornalística que Padioleau (1985), num estudo comparativo de Le Mondem The Washington Post, designou por “competência crítica.” Tanto na Europa Ocide»
tal como na América do Norte (Hallin, 1992) houve uma mudança significativa s a
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Sistemas de Media: Estudo Comparativo
décadas de 1960 e 1970, de uma forma de jornalismo que era bastante delerente em relação às elites e instituições estabelecidas, para uma forma mais activa e indepen
dente de jornalismo. Esta mudança ocorreu quer nos media electrónicos quer nos
media escritos. No casò da televisão suíça, por exemplo, Djerf-Pierre (2000; vertambém Ekecrantz, 1997; Olsson, 2002) escreve:
A cultura do jornalista de 1965-1985 adoptou um novo ideal de jornalismo noticioso, o doescrutínio crítico. A abordagem dominante era agora orientada para o exercício da influência,quer visàvis das instituições quer do público em geral... Os jornalistas procuravam preencher lacunas da sociedade e equipar as suas audiências para as preparar para uma cidadaniaactiva e uma participação democrática... Os jornalistas também tinham a ambição de escru-tinar as acções dos fazedores da política e influenciar não só o debate público sobre as questõessociais e políticas como também a política feita pelas instituições públicas (254).
Esta mudança variou em forma e extensão, mas parece ter-se generalizado bastante através das fronteiras nacionais nos países onde existem os nossos três modelos.Ela envolveu a criação de um discurso jornalístico que era distinto do dos partidos e
dos políticos, uma concepção dos media como guardiães colectivos do poder público
(Djerf-Pierre e Weibull, 2000) e uma concepção do jornalista como representante
de uma opinião pública generalizada transversal às fronteiras dos partidos políticose dos grupos sociais. Os profissionais críticos, como Neveu (2002) observa, “desco
brem erros de estratégia, enganos de governação a partir de um conhecimento pro
fundo das questões. Eles questionam os políticos em nome da opinião pública e das
suas exigências —objectivamente’ identificadas pelos resultados eleitorais - ou emnome de valores suprapolíticos tais como moralidade, modernidade ou espírito europeu.”
Porque é que se verificou esta mudança? Estava com certeza significativamente
enraizada nas mudanças sociais e políticas mais amplas já antes debatidas. Se, por
exemplo, a afluência, a estabilidade política e os níveis educativos crescentes conduzi
ram a uma mudança cultural geral no sentido do valor da participação e da liberdadede expressão “pós-materialista”, a ascensão da competência crítica no jornalismo podeser vista como um efeito desta mudança social mais profunda. Deve chamar-se a
atenção para o facto de que esta mudança não se reflectiu só no jornalismo, mas tam
bém na cultura popular de uma maneira mais geral. Está reflectida, por exemplo, no
aumento da sátira política na televisão, sob a forma de espectáculos como That Was
the Week that Was e Monty Pythons Flying Circus na Inglaterra e The Smothers Brothers
Show nos Estados Unidos, programas de comédias que assentavam profundamente
no humor político. Se os partidos catchall já estavam em formação na década de1950 —Kirchheimer assinalou a sua ascensão em 1966 —, o discurso de uma opiniãopública geral constituída por votantes individualizados empenhados em valores
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“suprapolíticos”, que seriam cruciais para a perspectiva do profissionalismo crítico no
jornalismo, pode anteceder este último98.Contudo, mesmo que a ascensão do profissionalismo crítico nos media fosse em
parte um efeito ou reflexo de outras forças sociais, parece provável que em certoponto tenha começado a acelerar e a ampliá-las. Também é possível que vários fac-
tores internos ao sistema dos media contribuíssem para a mudança do papel político
do jornalismo, e isto por sua vez contribuiu para a secularizaçáo da sociedade euro
peia e para a diminuição das diferenças entre os sistemas políticos. Estes factores
internos incluem:
1. Níveis mais altos de educação dos jornalistas, conducentes a formas mais
sofisticadas de análise, em parte pela incorporação no jornalismo de perspec
tivas críticas das ciências sociais e das humanidades.2. Maior dimensão das organizações de notícias, conducente a uma maior es
pecialização e a um maior volume de recursos para a recolha de notícias e o
seu processamento.3. Desenvolvimento interno da comunidade profissional crescente do jornalis
mo que desenvolve cada vez mais os seus próprios padrões de prática.
4. Desenvolvimento de novas tecnologias de processamento de informação que
aumenta o poder dos jornalistas como produtores de informação. Isto inclui
as técnicas visuais da televisão bem como muitos desenvolvimentos na tecnologia da impressão e da informação. Um exemplo interessante seria o das
sondagens de opinião: Neveu (2002) argumenta que a sondagem de opinião
conferiu aos jornalistas uma maior autoridade para questionar os funcioná
rios públicos, cujas reivindicações de que representavam o público eles po
diam avaliar de modo independente.
5. Prestígio crescente dos jornalistas, relacionado com todos estes factores, para
a posição central que as grandes organizações de media vieram a ocupar no
processo geral da comunicação social, e talvez também para a imagem dosmedia catchall como representantes do público como um todo. Por isso
Papathanassopoulos (2001: 512) argumenta em relação ao caso da Grécia(um pouco diferente, de facto, porque, como veremos, as ligações partidárias
sobrevivem com mais vigor na Grécia, tal como numa grande parte da Eu
ropa Ocidental):
98 Marchetti (2000: 31) observa numa discussão sobre a ascensão da “reportagem de investigação” em Françr
“ . . . a despolitização dos comprom issos do campo político induzida pelo ‘alinhamento neoliberai’, em particular do
oartido socialista... contribuiu para modificar as condições da luta política. O enfraquecimento das oposiçóes tra
dicionais esquerda/direita, o facto importante da homogeneização do pessoal político formado pelas escolas do
roder, mudaram os compromissos da luta política para compromissos estritamente mais m ora is...”
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Pode dizer-se que a comercialização e o desenvolvimento rápido do mercado dos media na Grécia aumentou o status social e profissional dos jornalistas
gregos. De facto, os jornalistas da televisão e em especial os apresentadores
das notícias tornaram-se figuras públicas. Eles adoptaram o papel de autoridades, isto é, apresentam os seus pontos de vista e interpretam a realidadesocial e política. Fazem isto apresentando-se a si próprios não só como profis
sionais com direito a fazer julgamentos como também como representantesdo povo. Ao assumir estes dois papéis, eles aumentam o seu perfil e autorida
de públicos.
COMERCIALIZAÇÃO
Acreditamos que a força mais poderosa para a homogeneização dos sistemas de
media é a comercialização que transformou tanto os media escritos como os electró
nicos na Europa. Nesta secção e na que se segue, examinaremos as suas conseqüências no papel social e político dos media. No caso dos escritos, a parte final doséculo xx caracteriza-se por um declínio da imprensa partidária (em alguns países
isto já estava em curso na década de 1950, noutros, sobretudo na Itália e na França,
a imprensa partidária reviveu após a Segunda Grande Guerra, depois começou adeclinar), pelo domínio crescente dos jornais comerciais “para todos” e, em conse
qüência disso, por uma separação dos jornais das suas raízes iniciais no mundo da
política. Até certo ponto, esta mudança resultou sem dúvida do processo mais amplo
da secularização, quando os leitores se tornaram menos empenhados politicamente
e menos inclinados a escolher um jornal com base na sua orientação política. Mas
também é claro que o desenvolvimento interno dos mercados de jornais deu um
grande impulso nesta direcção. De facto, as forças do mercado começaram a exercer
pressão sobre a imprensa partidária em princípios do século xx, quando
a fidelidade ao partido ainda estava bastante entrincheirada na cultura política.
O número de jornais na Suécia, por exemplo, atingiu o apogeu em 1920 (Picard,1988: 18). A partir daí, tal como aconteceu no caso da América do Norte que exa
minámos no Capítulo 7, verificou-se uma tendência para a concentração dos merca
dos de jornais, que teve como resultado tentarem os jornais expandir cada vez mais
os seus mercados, procurando atrair leitores transversalmente aos grupos tradicio
nais e às fronteiras ideológicas. Os jornais comerciais assaz capitalizados, financiadospela publicidade, apresentavam uma tendência para expulsar do mercado os jornais
menos prósperos, com orientação política, conduzindo por fim a um eclipse quasecompleto da imprensa partidária que dominara os media nesses países durante a
maior parte do século xx.
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Contudo, ainda mais acentuada do que as mudanças na imprensa escrita, é a
transformação da rádio e da TV europeias de um sistema de serviço quase puramen
te público em 1970 para um sistema em que a rádio e a TV comerciais são cada vezmais dominantes. O “dilúvio comercial”, como é habitual designar-se, começou na
Itália, na seqüência de uma decisão do Supremo Tribunal italiano, que invalidou omonopólio legal da rádio e da TV públicas, permitindo que as estações privadas de
rádio e de TV emitissem a partir de áreas locais. (Já antes a TROS e a Verônica, esta
última originária de uma estação de rádio pirata e com uma orientação voltada para
os jovens, tinham começado a operar na Holanda, dentro da estrutura do serviçopúblico, mas com uma lógica muito diferente.) Na década de 1970, a maior parte
do resto da Europa tinha introduzido estações de rádio e de TV comerciais e em finais do século só a Áustria, a Irlanda e a Suíça não possuíam uma televisão comercial
significativa". Na maior parte dos países (ver Tabela 2.4) a rádio e a TV comerciais
tinham a maior fatia do público e a competição em termos de audiência tinha tam
bém transformado de modo significativo a rádio e a TV públicas, forçando-as a
adoptar uma parte considerável da lógica do sistema comercial.
Além das mudanças na estrutura social que já sublinhámos, muitas forças se combi
naram para produzir esta mudança no sistema de rádio e de TV europeu. Em primeirolugar, emergiram formas competitivas de rádio e de TV, e estas absorveram as audiências
destas estações emissoras públicas, minaram a sua legitimidade e contribuíram para uma
mudança na percepção da programação dos media que, com a multiplicação dos canais- segundo uma contagem uma mudança de 35 canais em 1975 para 150 em 1994
(Weymouth e Lamizet, 1996: 24) - , acabaram por parecer menos uma instituição, umbem público proporcionado e partilhado por todos na sociedade, e mais uma mercado
ria que podia ser escolhida pelos consumidores individualmente considerados. O desen
volvimento do VCR também contribuiu sem dúvida para esta mudança de percepção.
As primeiras formas alternativas de rádio e de TV foram as estações piratas de rádio, aprimeira das quais começou a emitir a partir de barcos ao largo da costa da Escandinávia
em fins da década de 1950. Eram financiadas pela publicidade e até certo ponto a suapopularidade foi alimentada pelo crescimento de uma cultura diferente - e globalizada
—da juventude. Nestas duas características elas estão ligadas de forma clara a uma ten
dência cultural mais ampla no sentido de uma cultura global do consumidor. A rádio
pirata proliferou substancialmente em muitos países durante a década de 1970, onde era
amiúde associada não só à cultura jovem mas também aos novos movimentos sociaisdaquela época. Os esforços desenvolvidos pela rádio e pela TV públicas para suprimir a
99 Todos eles sáo países pequenos próximos de países grandes com a mesma língua. A televisão estrangeira temgrande audiência em todos eles - a maioria da audiência no caso suíço - e o mercado tem sido considerado, de
modo geral, muito pequeno, dada esta competição, para manter estações de rádio e de TV comerciais a nívelnarinrLal
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rádio pirata minaram a sua imagem como campeãs do pluralismo político. As estações
privadas de rádio e de TV com base no Luxemburgo, que começaram a emitir paia as
países vizinhos da França, Alemanha, Itália e Flolanda, também minaram os monopó
lios do serviço público, como fizeram a Rádio Monte Cario e a Rádio Capodistria (baseada na Croácia), que revolucionaram a rádio italiana na década de 1970. O fenômeno
da rádio e da TV transfronteiras, com a sua tendência para minar as instituições e os
sistemas políticos nacionais, expandiu-se na década de 1980 com o crescimento da TVpor cabo e por satélite.
Um outro factor importante foi o alargamento de lóbis fortes que exerciam pres
são no sentido de uma mudança na política dos media. Destes, o mais importanteera o da publicidade, que exercia a sua influência em muitos países pelo acesso aos
media electrónicos (Humphreys, 1996: 172-3). Pilati (1987) sublinha que as estações privadas italianas de televisão nasceram quando várias empresas comerciais eindustriais ganharam dinheiro suficiente para investir em publicidade e as estações
públicas de rádio e de TV não tinham condições para satisfazer essa exigência nova
de tempo de antena. Em muitos casos, os interesses publicitários eram secundados,nessa pressão, por uma rádio e televisão comerciais, pelas companhias de media ávi
das por se expandir através dos media electrónicos. Até certo ponto, as leis que limi
tavam a concentração dos media escritos encorajavam aquele desiderato, uma vez
que muitas companhias não podiam expandir os seus impérios gráficos sem entrarem colisão com estes limites. Um outro tipo de força muito diferente que em muitos
casos exerceu pressão no sentido de uma rádio e televisão privadas partiu de movimentos sociais (movimentos de estudantes, de sindicatos, etc.), que procuravamnovas oportunidades e meios para fazer ouvir a sua voz fora dos circuitos de comu
nicação existentes, que com frequência se voltavam para a rádio e televisão piratas
com o fito de obter aquela voz.
De igual modo significativo era o facto de o financiamento da rádio e da TV
públicas se ter tornado cada vez mais problemático quando o mercado dos aparelhos
de televisão a cores ficou saturado, e o crescimento natural das receitas resultantes das
taxas de licenciamento só podia obter-se através do aumento das taxas, o que era,como é óbvio, politicamente impopular. Isto significava que a expansão da televisão
para além do número limitado de canais então em operação parecia depender da
introdução de rádio e de TV privadas.
Por fim, a globalização econômica, tanto em termos gerais como em especial nas
indústrias dos media, desempenhou um importante papel multifacetado. Já em 1974,o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias decretou que as emissões de rádio e
de TV estavam cobertas como uma forma de comércio ao abrigo do Tratado de Roma.Esta resolução foi reafirmada em várias ocasiões em princípios da década de 1980, no
contexto de uma forte mudança global no sentido da liberalização do comércio de
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serviços - o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços foi ratificado em 1994 - e no
sentido da definição da actividade de rádio e de TV nestes termos, de preferência adefini-la como uma instituição social e cultural nacional. Quando a Comissão Européia voltou a atenção para a política relacionada com a rádio e a TV na década de
1980 —produzindo a Directiva Televisão sem Fronteiras em 1989 —sublinhou o ob- jectivo da criação de um mercado comum europeu do audiovisual que facilitaria o
desenvolvimento de companhias de media transnacionais capazes de competir com os
conglomerados americanos de media. Também os governos europeus individualmente
considerados viam cada vez mais a política dos media em termos de uma competiçãoglobal das indústrias mais avançadas da área da informação. Estas políticas facilitavam
a transnacionalização das indústrias de media, cuja propriedade está cada vez mais
internacionalizada {e. g„ o canal de televisão espanhol Tele5 pertencia, em 1998, a
Berlusconi [25 por cento], à firma alemã Kirch [25 por cento] e ao Banco do Luxem
burgo [13 por cento], com alguma participação da Bertelsmann); a co-produção é
muitas vezes necessária para a competição nos mercados globais, e em geral as forças
do mercado global têm tendência para substituir as forças políticas nacionais que antes
moldavam os media.
AS CONSEQÜÊNCIAS DA COMERCIALIZAÇÃO
Uma vasta gama de conseqüências emana da comercialização dos media. A co
mercialização, em primeiro lugar, está de forma clara a afastar os sistemas de media
europeus da política mundial e no sentido do mundo do comércio. Isto muda afunção social do jornalismo, porque o principal objectivo do jornalista já não é a
disseminação de ideias e a criação de um consenso social em torno delas, mas a produção de entretenimento e de informação que pode ser vendida a consumidores
individuais. E isso contribui claramente para a homogeneização, minando a plurali
dade dos sistemas de media, enraizada em sistemas particulares políticos e culturaisdos Estados-nação, e encorajando a sua substituição por um conjunto comum glo
bal de práticas de media. Os sistemas públicos de rádio e de TV, em especial, puse
ram sempre em evidência o objectivo de dar voz aos grupos sociais e aos padrõesculturais que definem a identidade nacional, “sustentando e renovando o capital e o
cimento culturais característicos da sociedade” (Blumler, 1992: 11; Avery, 1993;
Tracey, 1998). De modo crescente, mesmo os sistemas públicos de rádio e de TV
devem observar a lógica das indústrias culturais globais.
A comercialização dos media desempenhou sem dúvida um papel muito significativo na “secularização” da sociedade europeia. Como vimos, a secularização tem raízes
profundas, e já estava bem avançada quando ocorreu a mudança mais acentuada -
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a comercialização da rádio e da TV. Contudo, como sugere o caso do TROS oa
Holanda, as forças comerciais começavam a fazer-se sentir sob vários aspectos annes
do dilúvio comercial da década de 1980: na mudança para os jornais comerdais.
através da importação de conteúdos americanos de media e da imitação das práticasamericanas, através da publicidade em alguns sistemas europeus, através das emissõesde rádio e de TV transnacionais, e devido ao colapso do monopólio do serviço públi
co na Itália em finais da década de 1970. E sem dúvida plausível que se a Europaestava a transformar-se mais numa sociedade individualista de consumo na década de
1980, o crescimento da rádio e da TV e a comercialização da imprensa contribuíram
para essa tendência; e parece certo que intensificaram o processo a partir da décadade 1980.
A comercialização também tem implicações importantes no processo da comu
nicação política. Os media comerciais criaram novas e poderosas técnicas de representação e de criação de audiências, que os partidos e os políticos devem adoptar afim de triunfar no novo ambiente da comunicação. Duas das mais importantes des
sas técnicas —intimamente relacionadas uma com a outra —são a personalização e a
tendência para priv