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FACULDADE DE BELAS ARTES, UNIVERSIDADE DO PORTO HABITABILIDADE NA ESCULTURA Maria do Rosário Valente de Matos Dissertação para a obtenção de Grau de Mestre em Escultura Orientador: Professor Doutor Pedro Bandeira Porto, 2009

HABITABILIDADE NA ESCULTURA - repositorio … · Caminhos da escultura Moderna,

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FACULDADE DE BELAS ARTES, UNIVERSIDADE DO PORTO

HABITABILIDADE NA ESCULTURA

Maria do Rosário Valente de Matos

DissertaçãoparaaobtençãodeGraudeMestreemEscultura

Orientador:ProfessorDoutorPedroBandeira

Porto,2009

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“Aimagemdomundoéaquelaquenóssomosemcadaalturacapazesdeproduzirequemaisnosinteressa.”

JoaquimVieira

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Agradecimentos:

AoProfessorDoutorPedroBandeira,pelaorientação;

AoProfessorDoutorDinizCayolla,pelaconversadecisiva;

AoQuartetoFantástico,pelapersistênciaeencorajamento;

AoNunoSousaeJoséSimõeseaoSamuelSilvapeladisponibilidadeesinceridade;

ÀSandraMatos,pelacolaboração;

AosAmigoseFamiliares,peloapoio.

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ABSTRACT

ApresentedissertaçãosurgenasequênciadeumprojectodeEscultura.Esteconsistena

construção de objectos escultóricos que coadunam o espaço e as relações que este

estabelece com o espectador. Pretendemos que estes objectos escultóricos sejam

habitadospeloespectador.Nestadissertaçãoprocuramosperceberdeque formaaobra

de arte pode ser habitada, deste modo enunciamos um conjunto de premissas que

consideramos necessárias para que possamos falar de habitabilidade numa prática

artística.

This thesis is a theoretical following of a sculptural project. In this project, sculptural

objects are created that intertwine notions of space and the relationships it establishes

withthespectator.Itisourgoalthatthesesculpturalobjectsbehabitedbythespectator.

Inthisthesis,wetrytounderstandinwhichwaysaworkofartcanbehabited.Todoso,

we enumerate a number of qualities that we consider necessary to this notion of

habitabilityregardinganartisticpractice.

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ÍNDICE

04 Abstract

06 Introdução

07 Proposta Metodológica

16 I. Uma visão de possíveis esculturas habitadas. O papel do espectador.

25 II. Grande Escala: Construções efémeras

32 Barraca

38 Biombo

52 Conclusão

55 Bibliografia 57 Bibliografia de imagens

PALAVRAS - CHAVE

Habitabilidade

Fruição

Percepção

Escultura

Espaço

Espectador/Habitante

Apropriação

Curiosidade

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INTRODUÇÃO

Habitabilidadeéumaqualidadedoqueéhabitável,istoé,doquesepodehabitar,ocupar,

estar.Normalmenteestaqualidadeéatribuídaaestruturasarquitectónicasquealbergamo

indivíduo,proporcionando‐lheumabrigo‐umespaçoparaestar.

“(…)todooespaçorealmentehabitadotrazaessênciadenoçãodecasa(…)Emsuma,namais interminável

das dialécticas, o ser abrigado sensibiliza os limites do seu abrigo. Vive a casa na sua realidade e na sua

virtualidade,atravésdopensamentoedossonhos.”1

Seráqueàesculturasepodeatribuirestaqualidade?

Partindo da minha prática artística pretendo afirmar que sim. Os meus objectos

escultóricos iniciados em 2004, ambicionavam ser “habitados” virtualmente, de forma

simbólica, pois o observador só conseguia “entrar” através do olhar não era possível

aceder fisicamente ao seu interior porque as suas dimensões não o permitiam. Estes

objectosescultóricosaquedesignamoshabitáculospermitiamumacessoaointeriorpor

pequenasaberturas,asquaispossibilitavamaoobservadorver‐sereflectidoempequenos

espelhos que, por sua vez, definiam os espaços construídos pelos seus ângulos. O

espectador deparava‐se com uma forma complexa de pequenas dimensões colocada à

altura dos seus olhos, e era levado a espreitar pelas pequenas aberturas; para sua

surpresa,quandodesempenhavaestepapeldevoyeurviaoseureflexodeperspectivasa

que geralmente não está habitado. As vistas reflectidas eram do seu perfil, ou seja, o

observadorvia‐seasimesmoaespreitar‐aoverpelasaberturasdaesquerdadeparava‐

secoma facedireitaedo ladodireitocoma faceesquerda‐osespelhosestavamnuma

posiçãolateralcontrapostaemrelaçãoàsdiferentesdirecçõesdoolhardoobservador,e

destemodo,haviaumareflexãodareflexão.Oespelho2eraumaprótesequeprolongavao

alcancedavisãoeprovocavaailusãodequeoobservadorestavanointeriordaescultura.

Aexperiênciaqueo fruidorpoderia terperanteoobjectoescultóricoeraadeumpleno

domíniodaformaexterior,mascomumaleitura,dointerior,limitadaeincompleta.

1“(…)toutespacevraimenthabiteportel’essencedelanotiondemaison.(…)Bref,danslaplusinterminabledesdialectiques,l’êtreabritésensibiliseleslimitesdesonabri.Ilvitlamaisondanssaréalitéedanssavirtualité,parlapenséeetlessonges.”BACHELARD,GastonBachelard.LaPoétiquedeL’espace,p.24e252“Amagiadosespelhosconsistenofactodeasuaextensividade‐intrusividadenãosónospermitevermelhoromundomastambémvermo‐nosanósprópriostalcomonosvêemosoutros;trata‐sedeumaexperiênciaúnica(…).”UmbertoEco,Sobreosespelhoseoutrosensaios,p.20.

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Para além dos objectos escultóricos construídos com os espelhos no seu interior,

realizarei experiências com imagens transmitidas em directo numa televisão. Aqui o

espectador tinhaumpapel dominante ‐ cabia‐lhe a funçãode activar o trabalho. Semo

espectador este não funcionava, não atingia os seus objectivos que eram os de um

confrontodirectocomoespectadorquepassavaafazerparteintegrantedaprópriaobra

de arte. Este, ao aproximar‐se para ver o que existia dentro de uma “caixa”, era

surpreendidocomasuaprópriaimagemnotelevisor.Talcomoaconteciacomaimagem

especulardoprimeirotrabalho,tambémaquiaimagemtransmitidaeraadeumpontode

vistaqueoobservadornãotinhaacessosemaajudadealgum“instrumento”,nestecaso

umtelevisorquepossibilitavaumavistadetrásdoespectador.

Posteriormente desenvolveram‐se objectos escultóricos – Espaço Mental ‐que

possibilitavam uma leitura diferente do interior das formas construídas, pois estas

permitiam ao espectador colocar a cabeça no seu interior e partindo de dentro,

percepcionaroexterior.Estabeleceram‐serelaçõesdoexteriorparaointeriorevice‐versa,

sendo as segundas condicionadas pelas aberturas existentes. Em alguns casos, o

espectadorpodiadeslocar‐senoespaçocomoobjectoescultóriconacabeça.

Peranteoprojectodeconstruirformasquepossamserhabitadaseodesenvolvimentodos

trabalhos ‐ Espaço Mental, Espaço Mental I e Espaço Mental II – onde o espectador

percepciona o espaço também a partir do interior dos objectos escultóricos, colocam‐se

váriasquestõesqueaquipretendemos investigar,umadasquais jámencionadano início

desta introdução. Poderemos atribuir a qualidade do que é habitável à escultura?O que

mudanapercepçãodosobjectosescultóricosseaumentarmosasuaescalademodoaque

aoespectador lhesejapermitidaumaapropriação interna?Mudará tambémapercepção

dosespaçosquesãovistosatravésdestes?Quealteraçõesdecomportamentooobservador

élevadoater?

PROPOSTA METODOLÓGICA

Esta investigação desenvolveu‐se em duas formas, uma teórica e outra prática que

consistiunaconstruçãodetrabalhosquereflectemsobreaproblemáticadaescalaeasua

importância na percepção dos objectos escultóricos. A dissertação parte de uma

abordagem de possíveis esculturas habitadas, numa tentativa de perceber o que é

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necessário para que uma escultura possa possuir esta qualidade. Questiono a escala na

minha prática artística, abordo os materiais e o tempo de exposição que fazem dos

trabalhos construções efémeras. Nos capítulos seguintes analisamos individualmente os

trabalhosdesenvolvidosparaestainvestigação,tentandodestacar,dassuascaracterísticas

que,permitequeestesseassociemaumaobrahabitada.

Levantoquestões sobreos resultadosdo trabalhoprático, e confronto‐os (os resultados)

comaspremissasqueserãoapresentadasnoscapítulosanteriores.

Ainvestigaçãopráticaanexa‐seàdissertaçãosobformadeumaexposiçãoapresentadano

diadadefesadestadissertação.Aolongodocorpodetexto,surgirãotambémumconjunto

de imagens que funcionarão como um enquadramento do discurso, mais do que uma

ilustração.

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HabitáculoI,2004

Madeiraeespelhos

48x42x34

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HabitáculoII,2004

Cartãoeespelho

24x18x20

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S/Título,2005

Caixademadeira,televisorecâmara

50x50x130

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S/Título,2005

mdfeespelhos

43x70x65

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BelaAdormecida,2005

mdf,espelhosevídeo

60x66x38

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Moradas,2006

Cerâmicaeferro

135x72x44;118x82x70

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Serie,2008

Cerâmicaecartão

160x215x40

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I. UMA VISÃO DE POSSÍVEIS ESCULTURAS HABITADAS

Ao longodaHistóriadeArteverificamosváriasalteraçõesnoparadigmaexistenteentre

autoreleitordaobradearte.NoiníciodoséculoXX,aEsculturaaindaeravistanocentro

e o espectador contemplava‐a andando em seu redor, mas ao longo deste século

verificamosqueocentrodaesculturapassouaincluiroespectador.3

Para pensar em possíveis Esculturas habitadas podíamos iniciar por uma revisão à

História da Arte, mas preferimos focar a atenção em apenas algumas obras, que nos

parecemreflectirospontosprimordiaisdestainvestigação4.

“Dadasassuasdimensõesenormeseasualocalização,aúnicaformadeseexperimentarotrabalhoéestando

dentrodele–habitá‐loàmaneiracomoimaginamoshabitaroespaçodenossoscorpos”.5

MichaelHeizer,RobertSmithson,

DuploNegativo,1969Quebra­marespiral,1970

EsteexcertofazpartedadescriçãoqueRosalindKraussfazdotrabalhodeMichaelHeizer,

DuploNegativo,1969,queconsisteemduasfendasdegrandesdimensões,umaemfrente

da outra e separadas por um desfiladeiro. Krauss fala‐nos de como o indivíduo pode

habitaroespaçocriadopeloartistae terumaconsciênciadocorpoedasuaexperiência

através de um olhar externo. No seguimento destes textos, Krauss aborda um outro

3“Estesentidodeumcentroemmovimentolocalizadonocorpodopróprioobservadoréoutrainvestidacontraasconvençõesdaescultura,talcomoforammantidasaolongodoséculo.”RosalindKrauss,CaminhosdaesculturaModerna,p.288.4Asobrasquevamosmencionarnãosãoespecíficasàinvestigação,devemserconsideradasexemplos;existeumainfindávellistadeobrasquepoderiamservircomotal.5Rosalindkrauss,CaminhosdaEsculturaModerna,p.334.

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trabalho,nestecasodeRobertSmithson,Quebra­marespiral,1970:“(…)éumatrilhaformada

peloacumulodebasaltoeareia,com4,5mdelarguraequeavança45memespiralpelaságuas vermelhasdo

lago em Rozelle Point”6 sobre o qual conta que para “ apreciar” o trabalho é essencial

palmilharosseusarcos.Estaquaseobrigatoriedadedeusarosoutrossentidosparaalém

da visão para percepcionar uma obra de arte, como por exemplo tocar para sentir a

textura domaterial ou percorrer percursos definidos pelo artista, verifica‐se emmuitas

obrasdearte,ao longodoséculoXX.Poderemosdizerqueestas intervençõesnoespaço

são habitadas? Rosalind Krauss usa a palavra “habitar” para descrever a postura que o

espectadordeveráterperanteaobra,estedeveráocuparouestarnaobra.Poisdevidoàs

suasgrandesdimensões,amelhorformadeapercepcionaréestarnoseuinterior.

Asobrasqueseseguemtêmemcomumcomasqueacabamosdemencionar,o factode

incluíremoespectadornaobra.Estas sãoGoingaround the cornerpiece,1970deBruce

Nauman7 ePresent Continous Past(s), 1974 de Dan Graham, duas obras que tivemos a

possibilidadedevernaexposição“CentrePompidounovosmedia1965‐2003,noMuseu

doChiado,2008.

A instalação de Bruce Nauman, Going around the corner piece, consiste em quatro

corredores sucessivos, que formam um quadrado no seu conjunto. No fim de cada

corredorexisteumtelevisornochãoquetransmitea imagemdoespectadorapercorrer

esse corredor, captada por uma câmara, quando o espectador passa para o corredor

seguintedepara‐secomamesmasituação.

Nestetrabalho,asensaçãoretidaéadequeseentrounumespaçosemfim,percorremoso

espaçosempreembuscadanossaimagemdecostas,massemapoderalcançar.Comesta

imagem é como se estivéssemos nós próprios a vigiar‐nos, a observar os nossos

movimentos.

6Idem,ibidem,p.336.7 “Na instalaçãodeBruceNauman,Goingaround the corner piece o espectador torna‐se participante activo nacriaçãodaobra.Movimentando‐seemtornodoperímetrodoespaço,aolongodeumpercursotraçadopeloartista,oespectadorcompletaaobradearteadesempenhaasuanarrativaprincipal:umafiguraquesemovenoespaço,mas continuamente se desencontra da sua imagem recodificada, naquilo que poderia potencialmente continuarnumasequênciadecircuitofechadoatéaoinfinito.”(textoreferenteàinstalaçãodeNaumam,queacompanhavaaexposição)

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BruceNauman

Goingaroundthecornerpiece,1970

Asensaçãodequeestamosavigiaralguémeconcluirquesomosnósosvigiadostambém

se verificava em alguns dos meus trabalhos, referidos previamente na introdução. O

espectadoréoelementoqueactivaaobra,semesteaobranãoexistecomotal.

NainstalaçãodeDanGraham,PresentContinousPast(s),1974,oespectadortambéméum

participante activo. Quando este entra na sala rectangular, encontra duas paredes de

espelhoseduasparedesbrancas,estandonumadelasummonitordevídeoeumacâmara.

No interiorda sala, o espectadorvê‐se reflectidonos espelhosvárias vezes e aomesmo

temponomonitordevídeo.Aimagemdomonitor,captadapelacâmara,estáatrasadaoito

segundos;omonitortransmiteaimagemdirectadoespectadoreareflectidanosespelhos.

Inevitavelmente sente‐se atraído pela sua imagem e necessita de algum tempo para a

percepcionar, pois vê‐se no presente (no espelho) e simultaneamente num passado

recente(imagemdomonitorquesemisturacomaimagemespecular).

DanGraham

PresentContinousPast(s),1974

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Arelaçãoque temoscomonossocorpoecoma imagemque temosdele reflectidoéde

uma complexidade que nos faz reflectir sobre o tempo e sobre a nossa relação com a

realidade. Aqui o artista preparou uma encenação, na qual o espectador desempenha o

papelprincipal.

SemeditarmossobreasobrasdeRichardSerra,verificamosqueestepensadeigualmodo

acercadoespectadoredasexperiênciasqueestepodeviratercomasuaobra.Algumas

esculturas de Serra têm a particularidade de serem específicas a umdeterminado lugar

onde se encontram ‐ estas promovem a cada pessoa novas perspectivas do lugar. Ao

interromperemumapraça,obrigamoespectadorarealizarumpercursodiferente,deste

modoconsciencializando‐odascondiçõesdarealidade,comoocasodacontroversaobra

TiltedArc, 1981. 8 Para visitar as suas esculturas é necessário entrar nelas, sentir a sua

textura,ouseja,terumaexperiênciafísica.

RichardSerra

TiltedArc,1981

Paraalémdeobrasdeartistasinternacionais,passemosamostrarexemplosdeobrasde

umartistaportuguês,quetambémtêmcaracterísticasqueconsideramosrequisitospara

quesejamconsideradasobrashabitadas.

8 Ver em: Harriet Senie, The Tilted Arc Controversy: Dangenous Precedents ?, Publicação da University ofMinonesotaPress,NewYork,2001

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“Anós,visitantes,quandopenetramosnoespaçofluidodassuasinstalações,continuaaser‐nospropostaumafestaparaossentidos:vemoscomotacto,ouvimosorumordaságuasvegetais,absorvemos, lentamente,osodoresdoventoquevaitisnandoaintensapeledamadeira.Édosnossoscorposqueoescultorsemprefalou.“9

Édestaforma,queterminaotextodeCarcavelos,de9deJunhode2001,queintegrouo

catálogodaexposiçãodeAlbertoCarneironoCentroGalegodeArteContemporánea.Este

ajuda‐nos a situar no universo de obras comoO Canavial:memóriametamorfose de um

corpoausente,1968eUmaFlorestaparaosteussonhos,1970.Emambasasinstalações,é

propostoaoespectadorumaexperiênciafísica;poderásentiroscheiroseastexturasdos

elementos naturais, canas e troncos (matérias usadas nas instalações que estamos a

mencionar).Conseguimosverainstalação,UmaFlorestaparaosteussonhos,noCentrode

ArteModernaJosédeAzeredoPerdigão,Gulbenkian.

Composta por um conjunto de troncos de árvores de diferentes dimensões, a obra

instalada no espaço condiciona a livre passagem do espectador. Sentimos vontade de

entrar,masparamosnatentativadepercebertodaasuacomposiçãoedistanciamo‐nos. Aordenaçãoformaldestasobrasécomosedeum“palco”setratasse,umespaçoabertoà

participação do espectador. Estas particularidades das obras de Alberto Carneiro são

similares às das obras quemencionamos anteriormente, onde o espectador é livre para

andarentreasobras.

AlbertoCarneiro,OCanavial:memóriametamorfosedeumcorpoausente,1968.

9AlbertoCarneiro/CentroGalegodeArteContemporánea,(cat.exp.)SantiagodeCompostela:CentroGalegodeArteContemporánea,p.31

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AlbertoCarneiro,UmaFlorestaparaosteussonhos,1970.

No desenrolar deste texto temos mencionado obras de alguns artistas, as quais

gostaríamosdequestionarsobreapossibilidadedeseremhabitadas.Porém,paradebater

este assunto temos que definir o que é necessário, ou quais são as premissas, para que

umaesculturasejahabitada.

Atéagorareparamosqueemtodososexemplosdadossecolocaaquestãodarelaçãoentre

espectadoreobra.

Nas obras de Richard Serra, Robert Smithson eMichael Heizer, a dualidade entre estas

relaçõesé fomentadaporparâmetrosquepassampela leituradaobraperanteaprópria

obra.

NaobradeDanGrahameBruceNaumam–queacabamosdemencionar‐essarelaçãoé

reforçada;oespectadorvê‐secomoparteintegrantedainstalação,esteéumparticipante

activoda obra. Podemos verificar a participaçãodo espectadornas obras emdiferentes

contextoscomoHomelessVehicle,deKrzystofWodiczko,1988/89,ondeoartistatrabalha

comgrupossociaisespecíficoseemconjuntocomelescriaveículos,quesãoinstrumentos

performativosparausonoespaçopúblico,abrindoplataformasdediscussão,peranteas

quaisoespectadorassumeumpapelcrítico.Osseusveículossãousadosporsemabrigo,

como abrigo pessoais e como transporte das matérias que recolhem para poderem

sobreviver ‐desta formaoartistachamaàatençãoparaalgunsproblemasdasociedade.

Os sem abrigo, para além, de usarem os veículos utilitariamente, activam a obra como

participantes, dando‐lhe um sentido. Nestes trabalhos deWodiczko, o contexto émuito

diferente das obras que mencionamos anteriormente, mas independentemente das

especificidadesdostrabalhos,oquepretendemossalientarsãoascaracterísticasquepara

nóssãonecessáriasparaaobraserhabitada.

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KrzystofWodiczko,

HomelessVehicle,1988/89

Defendemosqueocontactocomaobradearteéprimordialparaestaserpercepcionada.

Esta necessidade de contacto físico não se restringe à escultura, também se verifica na

pintura.Consideramosquemuitasobrasnãosãoverdadeiramentepercebidaspornãoser

possível esse contacto. Podemos conhecer a obra através de imagens, mas não

conseguimospercepciona‐la.As imagensquenoschegampormeiode livros,derevistas

ou internetnãosãocapazesdenosmostrarassensaçõesqueumaobrapodetransmitir.

No caso da pintura podemos dar um exemplo de uma experiência pessoal, quando

podemos ver ao vivo a Guernica de Picasso, no Museu Reina Sofia, em Madrid, é que

compreendemos a sua magnitude. As imagens dos livros de história de arte não a

conseguemtransmitir.Mastalsensaçãopodeserpositivaounegativa,poismuitasvezesa

imagemilude,criandovaloresquepodemnãocorresponderàrealidade.Oespectadorcria

expectativas que quando confrontado com a obra, este cai numa total decepção. A

fotografiadeumaobradearteémuitasvezesaúnicaformadeteroregistodaobra,veja‐

seocasodeobrasefémerasouperformativas.

Arelaçãoentreespectadoreaobradearteéumadaspremissasquedefendemosparaque

umaobrasejahabitada;masnãopodemosdeliberarquesejaaúnica,poisseassimfosse

qualqueresculturapoderiaserhabitada,Temosque teremcontaassuascaracterísticas

físicas.

Emtodososexemplosqueapresentamos,oespectadortemumacessoaointeriordaobra,

estepodeentrarepercepcionaraobraapartirdoseuinterior.Esteacessoaointeriorda

obra é um aspecto fundamental, para se ponderar que seja habitada. Porém, questiono,

quetipodeacesso?

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Consideramos que ter acesso ao interior, não é omesmo que entrar na escultura. Será

possívelteracessoaointeriordeumaescultura,semterqueentrarnelafisicamente?Para

nós, o acesso ao interior de uma obra de arte pode‐se concretizar de duas formas: a) o

acesso físico.Asdimensõesdaobrasãomuito importantes,paraqueoespectadorentre

fisicamente.Aobratemquepermitiresseacesso,tantopelassuascaracterísticasformais

comopelassuasdimensões.b)oacessovisualevirtual,oespectadorpodeacederaoseu

interiorsemterumcontactofísicocomaobra.

Para explanarmos melhor este aspecto, apresentamos um exemplo de uma obra muito

recente de um artista japonês, Tadashi Kawamata, Tree Huts no Madison Square Park,

NovaYork,2008.Oprojectodesteartistaconsistenaconstruçãode“cabanasdeárvore”.É

umtrabalhofabricadonolocalondeéimplementado,específicoaosítioondeéconstruído,

emborasejaumprojectoqueestáapassarporvárioslugares.AsCabanassãoconstruídas

especificamenteparacadaárvoreescolhida,peranteumprocessoqueseiniciadedentro

(estrutura) para fora (paredes da cabana). O artista, que em programa de residência

constróicomasuaequipaascabanasduranteumprocessoqueduraalgunsdias,convida

osvisitantesatestemunhareainterpretartodaaevolução.Édesalientarointeressedos

visitantes, que relembram a infância ‐ é esta memória, despertada no espectador pelo

projectodeKawamata,quequeremosdestacar.Oespectador,apesardenãoterumacesso

físicoàscabanas,projecta‐senoseuinteriorpelasmemóriasdeinfância.Éesteacessoao

interior de forma simbólica, que nós defendemos como sendo uma outra forma de

consideramos que uma obra é habitada.O espectador imagina‐se no seu interior e vê a

obraapartirdessaprojecção.

TadashiKawamata,TreeHutsnoMadisonSquarePark,NovaYork,2008

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Na obra deMichael Heizer,Duplo Negativo, Rosalind Krauss descreve que é necessário

habitarporqueassuasdimensõesassimoexigem.Asdimensõesdasobrasexigemqueo

espectador se movimente para compreender as relações que estas têm perante o seu

corpo,partindodointeriordaobra.

Em modo de conclusão, revemos os principais pontos que colocamos para que uma

esculturasejahabitada.

Porumlado,temoso“papel”doespectadorquesepretendeactivo,tantoemobrasondeé

necessáriauma interacçãoespecífica,emqueoespectadoractivaaobra(oexemploque

demosdaobradeDanGraham),comonasobrasquereclamamumaapropriaçãodoseu

interiorparaquesejampercepcionadas,exemplodasobrasdeRichardSerra.Sóapartir

da experiência física da obra é que esta é percebida. Para além desta relação de

proximidadeerelaçãocomaobra,quenãoéopontoprincipalquenomeiaaobracomo

sendo habitada,mas é ainda assimmuito importante, consideramos fundamental que a

obra tenha características formais que apelamao espectadorumacesso ao seu interior.

Estascaracterísticaspodemserasprópriasformas,quedelimitamousugeremumespaço

que o espectador associa como sendo habitado. Ou seja, não só há uma associação à

arquitectura e às suas características que a qualificam de habitável, como também, a

habitabilidadepodeserconseguidapelassuasdimensõesquepodemcomportarocorpo

doespectador.Adimensãodaobranãoélimitador,poiscomoreferimosanteriormente,o

acessoaointeriordaobra,queproporcionaumainterpretaçãodessaapartirdointerior,

podeserfísicoouvirtual.

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II. GRANDE ESCALA: CONSTRUÇÕES EFÉMERAS

Nanossapráticaartística,fomosconfrontadoscomanecessidadedeinvestigaraalteração

deescaladasnossasobras.Comodescrevemosnoiníciodestadissertação,oprojectoda

habitabilidadesurgiucomtrabalhosempequenasdimensões;oespectadorparaalémde

terumdomínioperceptivoglobal,conseguiapegarnasobrasesemterquesemovimentar

tinhaumavisãocompletadaobra.

Noiníciodadissertação,oprojectoestavanumafaseemqueoespectadorpoderia“usar”

osobjectosescultóricoscomopartedoseucorpo;apresentamosporexemploapeçaaque

designamosEspaçoMental,de2008.Este funcionava comoum instrumentode visãodo

quotidiano, que condicionava as perspectivas do exterior. O objecto escultórico,

construídoemcartão,ummaterialconsideradopobreeefémero,poderiasercolocadona

cabeça e permitia ao espectador deambular pelo espaço. Como tinha apenas algumas

aberturas,nãopermitiaqueoespectador tivesseuma leituradoqueorodeava,amplae

desobstruída.Aexperiênciaqueesteobjectoimprimenoespectador(participante),éade

uma limitação da percepção do mundo exterior ao seu corpo. Ao estar com a cabeça

dentrodoEspaçoMental,condicionavaosseusórgãossensoriais:visão,olfacto,paladare

audição.

O Espaço Mental teve continuidade em mais dois trabalhos, também construídos em

cartão, a que designamos Espaço Mental I e Espaço Mental II. Nestes casos, não era

permitido ao espectador deambular com os objectos no espaço. Estavam fixos, sendo

apenas possível, experienciar os objectos no espaço onde estavam instalados. O

espectadoraproximava‐seeobservavaatravésdestesvistas“recortadas”doespaçoonde

estavacolocado.

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EspaçoMental,2008

Cartão

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Espaço Mental I, Espaço Mental II, 2008

Cartão

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Consequentemente, sentimos que o trabalho evoluiu de forma a envolver o corpo do

espectador,podendoesteverpercepcionaraobraapartirdoseuinterior.Daíofactode

termos questionado a possibilidade de aumentarmos as formas, demodo a permitirem

albergarnatotalidadeocorpo.

“Amudançadeescalavaiimplicardecisõessobreaimportânciadecadaobjectoedecadaelemento.”10

“Oconceitodeescalaéusadonaesculturaenaarquitecturanarelaçãocomadimensãohumana,eassociadaa

valoresproporcionais.”11

A escala está associada ao corpo humano, tal comoAlberto Carneiro nos apresenta nas

LiçõesdeSíntese,DesenhodeArquitectura;“PublicaçõesdaFaculdadedeArquitecturada

UniversidadedoPorto”:

“O corpohumano, enquanto construçãobiológica, psicológica e cognitiva, é o geradordas coordenadasdo

espaço,dasdimensõeseritmosdotempodapercepção.

(…) O corpo movimenta‐se, rompe a inércia, (re)conhece o espaço que o envolve nas percepções do seu

sentir….”12

A noção de escala surge porque temos conhecimento do nosso corpo e através dele

conseguimosestabelecer relações comoquenos rodeia.Percepcionamososobjectosde

formadiferenteconsoanteassuasdimensões.

Talcomoacontececomasobrasdearte,oespectadortemumareacçãoperanteumaobra

degrandesdimensões,distintadareacçãoquetemdiantedeumadepequenasdimensões.

Quando está em contacto com uma obra de dimensõesmuito superiores ao seu corpo,

pode não conseguir discernir onde esta começa ou onde acaba. Nas obras de pequenas

dimensões, o espectador aproxima‐semuitomais rapidamente porque temumdomínio

visualquelhepermiteveratotalidadedaobra.

O projecto desvinculou‐se das formas dos objectos de pequenas dimensões; não são

apenasampliaçõesdostrabalhosjárealizados.Masnaturalmente,comacontinuidadedas

preocupações de tentar levar o espectador, através da percepção, para outros espaços,

fomoslevadosateroutrasconsiderações.

10JoaquimVieira,ODesenhoeoProjectoSãooMesmo?:OutrosTextosdeDesenho,p.11211Idem,ibidem,p.11812AlbertoCarneiro,Campo,SujeitoeRepresentaçãonoensinoenaPráticadoDesenho/Projecto,p.32

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Procuramosdesenvolverobjectosescultóricosqueevidenciamapreocupaçãoempermitir

umacessoaointerioreproporcionarumarelação/reacçãocomaobra.Procuram tambémterreferênciasaconstruçõeshabitadasdoquotidiano.Estasreferências,queimprimimos

no projecto, têm como finalidade interagir com o espectador, de modo a este ter uma

melhor percepção do projecto. Ao usarmos a linguagem de construções efémeras que

normalmenteseencontramnoquotidianocomosendohabitadas, tentamosdesta forma,

quesejaassociadoessecarácteràsnossasconstruções.

Acomponentepráticaconsistiunaconstruçãodeespaçosquetêmumafunçãosemelhante

a miradouros no espaço público. Estas são construções cujas dimensões permitem ao

observadorterumacessoaoseuinterior.

Doseuinteriorépossívelveroexterior,olugarondeestáinstalada.Asperspectivasdadas

a ver pelo interior do habitáculo tentam dar novas características ao lugar. Assim o

observador poderá ter a sensação que entrou num espaço diferente ou ter uma

perspectivadolugardistintadaqueestáhabituado.Tentamosmanipularapercepçãodo

espaço,deformaaalteraraleituradolugar.

Perante a alteraçãodaescaladosobjectos escultóricos, podemosverificarquea relação

comocorposealtera,assimcomocomoespaçoenvolvente.Dependendodolugarondeé

colocado,essadisparidadedeescalaspodesermaioroumenor,masarelaçãoeinteracção

queexistenointeriordasformasmantêm‐se.

Oprojectofoipensadoparaquearelaçãoproporcionalqueexistenointeriordosobjectos,

fosseumarelaçãosemelhanteàdo interiordosespaçosquenormalmentesãohabitados

pelo espectador. Assim, dentro, da obra o espectador poderá sentir‐se protegido e

confortável. A escala, do exterior da obra,muda consoante o lugar onde são colocados,

pois em espaços abertos e semmuitas referências à arquitectura, é difícil o espectador

perceberarealescalasemseaproximar.Oupelocontrário,emespaçosapertadosecoma

comparação com a arquitectura do lugar, o espectador pode sobrevalorizar as suas

dimensões. A percepção do exterior dos objectos escultóricos vai variar nos diferentes

lugares onde possa ser instalada, a proximidade da arquitectura envolvente vai dar

referênciasaoespectadordassuasdimensões.

Oshabitáculosdepequenasdimensõesforamconstruídoscomváriosmateriais(madeira,

cartão, cerâmica) que consideramos frágeis, alguns mesmo efémeros, como o caso do

cartão. À semelhança dos objectos escultóricos com características efémeras, o projecto

desta investigação prosseguiu neste sentido, procurando referências em estruturas

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habitadas temporariamente, como por exemplo, as tendas e as barracas de praia. Estas

construçõesefémerassãodefácilmontagemeconsequentedesmontagemepermitemser

facilmente transportadas. Estas características tornaram‐se fundamentais no

desenvolvimentodesteprojecto,poissequeríamoshabitáculosquepermitissemoacesso

aointerior(fisicamente)equepudessemcircularporvárioslugares,estesteriamqueser

portáteis.

Destemodo,centramo‐nosnumapesquisademateriaisusadosnestasconstruçõesenos

métodosquepermitissemdesenvolverobjectosescultóricosdefácilmontagem.

Para além de usarmosmateriais frágeis (madeira, tecidos e cartão) e de recorrermos a

referências de construções provisórias (que conferem aos trabalhos características

efémeras), a principal característica de efemeridade nos objectos escultóricos é a sua

utilização.Comoestessãoinstaladosemlugaresdepassagem,nãooferecemaotranseunte

características distintas das de uma visita também de passagem. O tempo que o

espectadorestápresentenaobraésemprecondicionadocomo tempodasuapassagem

poraquelelugar.Nãopoderemosgeneralizar,maséumaspectoquesepodeverificarna

maioriadoscasos.Assim,analisamosaefemeridadedestesobjectosemváriosestados:os

materiais,asreferênciasàarquitecturaefémeraseotempodeexposição,relacionadocom

ascaracterísticasdolugarondeestãoinstalados.

O trabalho é um instrumento de experimentação dos comportamentos do público em

diferentescontextos,porexemplo,numcontextoexpositivoounumlugarsemreferências

aomundodaarte.

Realizamos dois trabalhos com referências diferentes e apresentados em ambientes

igualmentediferentes.Qualocomportamentodopúblicodediferentescontextossociaise

culturais? Tentaremos obter resposta na análise das duas experiências que realizamos

comostrabalhos.

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BARRACA

Oprimeiro trabalhoem“grandeescala” temreferênciasaumaconstrução temporária,a

barracadepraia;usamososmesmosmateriais(madeiraetecidoàsriscas)paraconstruir

ohabitáculo.

Nãoénecessárioexplanardetalhadamenteoqueéumabarracadepraia,masde forma

introdutória e sucinta, apresentamos as características responsáveis pela escolha, como

referênciadanossaconstrução.UsadanapraiaduranteosmesesquentesdeVerão,serve

deabrigo,nashorasmaisquentesdodia,aosque“fazempraia”.Sãoconstituídasporuma

estruturaemmadeiramuitosimples,ecobertascomtecido.

Nonossoprojectoprático,ascaracterísticasqueprocuramosnestaconstruçãotemporária

de Verão são os seus materiais e a sua curta utilização. Pois, para além da forma que

construímos,edolugarondeéinstalada,osnossostrabalhosnadamaistêmquevercoma

barraca.

O trabalho desenvolveu‐se com o intuito de anular a arquitectura do lugar onde é

instaladoeparaumainvestigaçãodasreacçõesdopúblicoperanteoobjectoescultórico,

quepelassuascaracterísticassepoderiaassemelharaumaqualquerinstalaçãoprovisória

doquotidianoenãoserassociadaaumcontextoartístico.Adimensãodohabitáculoestá

relacionada com as proporções do corpo humano. Deste modo o espectador tem duas

percepçõesdiferentesemrelaçãoàsuaescala.Quandoévistopeloexteriorpodeparecer

pequeno,porqueépossívelumreconhecimentodasuaformanatotalidade.Passandopara

ointeriorapercepçãodaescalaaltera‐se.Otrabalhotemummetrodelargurapor1,60m

de comprimento e com a alturamáxima de 1,85m, altura que os transeuntes da praça

poderão ter. Lembremo‐nos das obrasDuplo Negativo eQuebra­mar espiraldeMichael

HeizereRobertSmithson,respectivamente;oespectadornomeiodostrabalhostinhauma

consciênciadoseucorpoedasuadimensão.Porém,devidoàsenormesdimensõesdestas

obras, o espectador poderia ter uma relação de desconforto, que pensamos, não se

verificarnosnossostrabalhos,poiscomoasdimensõessãomaispróximasdasdimensões

docorpo,podehaverumaidentificaçãonaescala.

Para uma primeira experiência de apresentação deste trabalho, o lugar escolhido foi a

PraçadosPoveiros,noPorto.Aconfiguraçãoactualdapraçatempoucomaisdoqueuma

década,aúltimaintervençãourbanísticafoiaconstruçãodeumparquedeestacionamento

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de automóveis subterrâneo, que consequentemente, transformou a praça numa grande

áreaaberta, comas ruaseosedifíciosemseu redor.Escolhemosestapraçapor serum

lugar que à partida, não está associado a nenhum contexto específico. Nesta praça

coabitamsemabrigos,queusamapraçaparaestar, transeuntesparaosquaisapraçaé

apenas um ponto de ligação entre outros espaços da cidade, por clientes dos cafés que

usamasesplanadasepeloshabitantesdapraça.

Duranteamontagemdotrabalho,queporsuavezfoimuitorápida(devidoàsuaestrutura

simples),surgiramasprimeirasreacçõesdepessoasquehabitualmenteseencontramem

algunsdoscafésdapraça.Aperguntaquemuitoscolocavamera:“Oqueéisso?”.Depois

deconcluídaamontagem,aspessoasquenormalmenteestãonapraçaaproximaram‐see

perguntavam:

“Paraqueserve?”“Édocirco?”

O trabalho suscitou a curiosidade do público, não passou despercebido, apesar da sua

escala ser desproporcional em relação à praça e ser um elemento que não barrava a

passagemdostranseuntes.

Duranteo tempoqueo trabalhoestevenapraça,o seu interiornão foivistopormuitas

pessoas.Porémasquetiveramcoragemdeentrareexperimentaroseuinterior,disseram‐

nosquesesentiramemoutrolugar,nãosouberamexplicarsefoipornãoconseguiremver

apraçanasuatotalidadeouporqueotecidoàsriscaslheslembravaoutrosespaços.

Aoanularparcialmenteasvistasqueoespectadorestáhabituadoaterdolugar,estedeixa

de identificar o espaço e associa‐o a um imaginário que depende de espectador para

espectador.Defendemosqueapercepçãodo lugarpodemudaratravésdascoordenadas

dadas pela obra, mas acima de tudo é condicionada pelas referências culturais do

espectador. Aqui levanta‐se a questão de interpretação da obra de arte. Umberto Eco

propõequearelaçãoentreobrae“leitor”sejanãosódeumasemioselivre,mastambéma

de uma construção in aberto; a obra é um estímulo que provoca uma resposta no

espectador.Oespectadoréumprincípioactivodainterpretação,fazpartedaprópriaobra.

Masos conteúdosdeumaobra só sãocompreendidospeloespectadorapartirdas suas

condições(conhecimentos).

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Barraca,2009

Madeiraetecidos

100x160x185

PraçadosPoveiros,Porto

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BIOMBO

Nosegundotrabalho,recorremosaobiombocomoreferência.Obiomboéumamobíliade

origem Oriental, uma armação portátil feita de molduras de madeira, unidas por

dobradiças; sobre essasmolduras são esticadospapéis ou sedas, para seremdecoradas.

EmPortugalantesdeserumapeçadecorativaerausadaparaabrigardoventoasportas

das casas. No Oriente, originalmente, tinham uma função muito mais utilitária que

decorativa,serviamdeparedesamovíveisquedividiamgrandesáreasoucriavamespaços

íntimos.Existiambiomboscompostosporapenasduasunidadesouatéàsdozefolhas.Os

mais comunseramconstituídospor seis folhas.Aalturadosbiombosdividia‐seem três

padrões principais, mediante o ambiente a que se destinavam, assim podíamos ter

biombos grandes com a altura de um metro e setenta a um metro e noventa. Outros

médios,emqueaalturanãoultrapassavaummetroemeio(tantoestescomoosgrandes

eramusadoscomodivisóriasdegrandesespaçosondepoderiamviveremcomunidade)e

biombos baixos que poderiam ter noventa centímetros a um metro e vinte (estes

destinavam‐seaespaçosmaisrecatadoseíntimos).

Na história do biombo encontramos verdadeiras obras de arte, pois para além da sua

funçãoutilitáriatambémeramumsuporteparaapintura.NoJapão,encontramosbiombos

decorados com temas em que os portugueses estão representados, são os biombos

Namban13. Na época dos descobrimentos, a passagem dos portugueses pelo Oriente foi

muito importantena trocademercadoriasedeculturas.Assim,napinturadosbiombos

que representavamos acontecimentosdoquotidiano, comoum filmede reportagem, os

portuguesessãorepresentadosemcenasquemarcaramasuaestadianoJapão.

13“Aosportugueses,igualmentealvodacuriosidadedoshabitantes,apelidaramNamban‐jin(homensbárbarosvindosdosul),designaçãogenéricaqueemjaponêsarcaicoenglobavacantonesesecoreanos.”MariaHelenaMendesPinto,BimbosdeNamban,p.10.

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BiombosNamban,AChegadadosPortugueses,porKanôNaizen

Nonossotrabalho,asreferênciasqueretivemosdobiomboforamasuaestruturaeasua

utilização original ‐ deste modo desenvolvemos vários biombos que, à semelhança do

trabalhodabarraca,sãousadosnoespaçopúblico.

Sendoafunçãodobiombodividirespaçosoucriarrecantosíntimos,pretendemoscoma

suautilizaçãonumespaçopúblicoreclamarumespaçoprivado,umespaçoquenãoseja

vigiado,criandoassimumespaçoíntimo,resguardadodoolhardosoutros.Propomosum

espaçocomprivacidadenoespaçopúblico.

Estetrabalhoéconstituídoporquatrobiombosdetrêsfolhascadaum.Asfolhastêmduas

larguras diferentes ‐ oito folhas com apenas trinta e três centímetros e meio e quatro

folhas comodobroda larguradestas, ou seja, sessenta e sete centímetros. Construímos

doisbiomboscadaumcomtrêsfolhaspequenaseoutrosdoiscomduasfolhasgrandese

umapequena, cada um.A alturamédia é de doismetros e vinte, pois como recorte na

extremidadesuperiorvariade folhapara folha.Naextremidade inferiorosbiombossão

abertos,permitindover‐sedoexterior,ospésdequemseencontranointeriordoconjunto

dosbiombos.Usamosmadeiraparaaestruturaesobreestaaplicamoscartão.

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Napartesuperiordosbiombos,recortamosumdesenhodeumapaisagemurbana.Poderia

serumaqualquer imagem,masrecorremosàsvistasdaPraçadosPoveiros,destemodo

aproveitamos uma referência da experiência do trabalho da barraca. Assim, quando

apresentamoseste trabalho transferimosapraçaparaoutrosespaços– transferênciade

lugar,deformasimbólica.Orecortequeodesenhodobiomboproduznofundonãoéuma

imagemqueopúblicoconsiga identificar,poisnãotemnenhumelementoqueomarque

especificamente,porémmesmosemestaidentificação,oquenosinteressaéareferênciaa

umarepresentaçãodeumapaisagemurbana.Destemodo,oespectadorquandoestiverno

interiordosbiombos,estánumespaçoreservado,comaambiçãodeserprivado,massem

sairdoespaçopúblico.Estacircunstânciaéreforçadatantopelavistaparaoexterior,ou

seja,pelaarquitecturadolugarondeéinstalado,comopelaimagemdapaisagemurbana

recortadanocartãonapartesuperiordosbiombos.

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A estrutura modelar do trabalho tem uma ordem sequencial, mas a sua colocação no

espaçoéexperimentadanomomentodasuamontagemdeexposição,ouseja,nãoexiste

umestudopréviodasuaposição.Essasformassurgememcontactocomolugar.Olugar

interferenaformaqueosbiombosadquirem.

Umadasexperiênciasdeapresentaçãodobiombofoirealizadanumcontextodiferenteda

barraca. Enquanto, que a barraca foi apresentada num lugar sem referências artísticas,

estefoiexpostonumlugardeGaleriasdeArte.Paraalémdascaracterísticasdeidentidade

desse lugar, procuramos o dia que tal identidade émais visível. A nossa escolha recaiu

sobre a Rua Miguel Bombarda, no Porto, em dia de inaugurações das exposições das

Galerias que aí se encontram. Especificamente, os biombos foram colocados no

cruzamento entre a RuaMiguel Bombarda e a Rua de Cedofeita, porémde forma a não

interromperam a passagem de veículos que por aí passavam. Por ser um dia de

inaugurações, o público está, em princípio mais disponível e aberto a todo o tipo de

intervenções.

Depois de instalado o biombo, muito aconteceu ao seu redor. Suscitou curiosidade, em

muitos transeuntes, que iam e vinham das inaugurações e também nos que passavam

alheios ao mundo específico da arte. Enquanto, alguns davam a volta ao biombo,

espreitavam,masnãoentravamporquetinhammedo,outrosentrarameutilizaramoseu

interior de forma divertida. Uma família teve um protagonismo brilhante; mãe e filhos

recolheram‐seno interior dobiombo e estiveramadançar.Do exteriornão se entendia

qualeratipodedança,masficamosmaravilhados,comaespontaneidadedaquelamãeque

se divertiu com os seus filhos. Quando saiu convidou outros a entrar: “ Podes dançar à

vontadeládentro”.

Asensaçãoquemuitos tinhamequedescreviameraquerealmenteobiombocriavaum

recantoque lembrava acçõesque se realizamemprivacidade; e compararama situação

que se sente nos urinóis públicos. Ouviram‐se comentários como: “lá dentro estava

protegidadorestodarua”,“nempareciaqueestavanaMiguelBombarda”,“Vamoslevar

estacasaparaanossaocupa”.

A outra experiência de apresentação ocorreu na Praça da Alegria, junto à Faculdade de

Belas Artes do Porto. Nesta praça há um “mercado” todos os dias de manhã, onde se

instalamumabancadepeixeeoutradefrutaeflores.

ApesardeserjuntoàFaculdadeocontextoémuitosemelhanteaodaPraçadosPoveiros,

onde apresentamos a Barraca. Não se verificou uma identificação inicial do objecto

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escultórico,comosendoumaintervençãoartística.Mastalcomoaconteceucomasoutras

experiênciashouveumadesconfiançaemrelaçãoaoBiombo.

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Biombo,2009

Cartãoemadeira

Altura220,larguraecomprimentovariáveis

RuadeCedofeita,Porto

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Biombo,2009

PraçadaAlegria,Porto

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Demodogeral,verificamosquehouveumacompreensãodafunçãodobiombonoespaço

público.Namaioriadosespectadoresqueentraramnaconstruçãopuderamverificaruma

alteraçãonapercepçãodoespaço,mastambémtersensaçõesdeconfortopornãoestarem

aseralvodosolharesdosoutros,factoqueimediatamentesealteravanomomentodesair

desta construção. Nos momentos de entrada e saída do biombo, sentíamos nos

espectadores algum constrangimento, talvez pelo facto de estarem a interagir comuma

intervençãoartística,quenaquelemomentoestavaaserobservadaporoutros.Poderiam

tambémsentir‐seexpostos,situaçãoquemuitasvezesimpedeumanaturalinteracçãocom

osobjectosescultóricosnoespaçopúblico.

Destaforma,pensamosqueopropósitodobiombo,quepressupõemconfrontar‐secoma

dualidade de espaço público e espaço privado, foi exacerbado também nos

comportamentosdoespectador.

Areacçãodopúblicoédistintaemdiferentescontextos.Verificamosqueaabordagem,na

RuaMiguelBombarda,aobiombofoidiferentedaquetivemoscomabarraca,naPraçados

Poveiros.Napraçanãohavianenhumelementoque identificasse a barraca como sendo

uma instalação artística, enquanto o biombo colocado na Rua Miguel Bombarda era

identificado como tal, e por ser dia de inaugurações esse aspecto sobrevalorizou‐se.

EnquantonaPraçadosPoveiros, o espectador transmitiaumsentimentodeestranheza,

quando deparado coma barraca, naRuaMiguel Bombarda, possíveis estranhezas eram

justificadas e compreendidas por estarem instaladas naquele sítio. Assistia‐se a um

questionamentosobreaarteequalafunçãodestainstalaçãonomundodaarte.

O importante a reter das experiências, é a dependência ou influência que os osbjectos

escultóricos têm do lugar onde são colocados. Podemos verificar interpretações que

associem estas intervenções como sendo artísticas, ou ser associada a um qualquer

acontecimento da cidade. Achamos pertinente esta dificuldade em identificar uma

intervenção que se realize fora dos circuitos da arte. Queremos continuar a realizar

experiências com a barraca e com o biombo, para termos mais elementos para

analisarmos.Nestesentido,estesobjectosescultóricossãocomoinstrumentosdeestudo

deinterpretaçõesdoespectadorperantetaisintervenções.

Notamos que, enquanto nos trabalhos de pequenas dimensões o espectador se

aproximava facilmente, e tinha uma maior leitura quando estava mais próximo, nestes

trabalhosemqueaescalaéproporcionalaocorpo,oespectador sente receioementrar

nosobjectosescultóricos.

A percepção altera‐se quando o espectador passa do exterior para o interior, pois no

exteriorestepercebeaformanoseutodoeàmedidaqueseaproxima,esseentendimento

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daformadeixadeexistir,passandoareconheceressencialmenteomaterialdequeéfeito

ecomoéfeito,maisdoqueasuaforma.Estandonointerior,eleestámuitopróximoenão

tem“espaço”paraver.Destemodo,oolhardoespectadorédesviadoparaoexteriorda

construção. Se compararmoscomas construçõesdepequenasdimensões, aconteceuma

percepção do interior diferente da que acabamos de mencionar, relativamente a

construções como a barraca e o biombo, pois o espectador vai adquirindo mais

informaçõessobreotrabalhoàmedidaqueseaproximaepercepcionaoseuinterior.

Tal acontece igualmente no exemplo que Joaquim Vieira dá para explicar a escala no

desenho:umaárvoreé identificadaàdistância,masquando seestámuitopróximoessa

identificaçãovai seperdendo.Emobjectosdepequenasdimensõesháuma identificação

doobjectoquandoseestámaispróximoeàmedidaquenosaproximamosidentificamos

cada vez mais características. Joaquim Vieira dá igualmente o exemplo de uma rocha,

identificamosqueéumarocha,masvistocadavezmaispróximavemososseuscristais,

vista ao microscópio, esses cristais multiplicam‐se em mais formas até a um limite de

observação por microscópio. Mas existem sempre mais coisas que podem identificar a

rocha.14

Asformasdostrabalhos–aBarracaeoBiombo–sãocompreendidasquandosãovistasdo

exteriorecomalgumadistância,masestandonoseuinteriorestasnãosãoentendidasdo

mesmomodo,poisperde‐seanoçãodasformavisualizadasnoexterior.

14“Umaárvorevê‐seàdistânciade1quilómetrocomoumaformaúnicaeglobal.Vê‐sea100metroscomoumacoisaconstituídaportrêsformas.Vê‐sea10metroscomoconstituídapor3gruposdeformasquecontêmdezenasdeoutrosgrupos.Àdistânciade1metro,eemcasagrupo,sevêmasformascaracterísticasdecadaumdasdezenasdeformasqueosconstituemequesepercepcionamisoladamente.A10centímetrosdedistância,daárvorecomoimagemnadaresta.Háestriasvariadas,pequenospontosetracejados,manchaslíquidasesecas.Adesordememmuitasdelas,emalgumas,umaordemdiversaprópria,quenãoremeteaparentementeparaaformadaárvore.Masaárvore,aimagemverdadeiradaárvore,aquelaquetransportamosemtermoscinestésicos,tácteisemultisensoriaiséconstituídaportodosesteselementos.(…)Umblocodeminériodequartzoedepirite,seobservadoa10mdedistânciaapresentaumaconfiguraçãoquesóporacasoserátípica.Seobservadoa1mverificamosaexistênciadeformasqueapresentamumaidentidademaisevidenteereconhecívelequepermiteatribuiràrochaumnome.Senosaproximar‐mos10cmverifica‐mosquealémdoscristaisgrandesquedefiniamaformaaparecemmuitosoutrossemelhantesrodeadosdematérianãodiferenciadaedesordenada.Seobservar‐moscomumalupanãoestamosmaisperantearochacomo“forma”masperanteuma“paisagem”rochosaconstituídaporformasisomorfasdaformaanterioroumuitosemelhantes.Seaumentarmosacapacidadedalupaverificamosqueondeantesexistiaocaoseadesordemseencontramoutroscristaisqueseassociamaoutrosaindacriandoumanova“paisagem”queédiferentedaanterior.“JoaquimVieira,ODesenhoeoProjectoSãooMesmo?:OutrosTextosdeDesenho.p.110e111.

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CONCLUSÃO

Essencialmente, dispomos no primeiro capítulo uma abordagem a várias obras que

pensamos terem características que as enunciam como habitadas. Para podermos

considerar que uma obra é habitada temos: por um lado, a experiência do espectador

peranteaobra‐sóapartirdessaexperiência,aobraépercepcionada.Emalgunscasoso

espectadoréumparticipanteactivo‐porexemplootrabalhoquemencionamosdeDan

Graham‐doqual,aobradependeparaexistir.Poroutrolado;ascaracterísticasformaise

asdimensõesdaobra.Asformasdelimitamouevocamumespaçoquepodeserassociado

à arquitectura e as suas características que a qualificam como habitável. Mesmo que o

acessoaointeriordaobranãosejapossível(porqueointerioréparaservistodoexterior,

ou porque as dimensões não o permitem, ou por um outro qualquer motivo) as obras

podem ser habitadas de forma simbólica ou através da memória ‐ que associa

determinadasformasaespaçoshabitados.Porexemplo“ascabanasdeárvore”TreeHuts

deTadashiKawamata.Oacessoqueoespectadortemaointeriordestas“cabanas”durante

asuaconstruçãoquecomeçadedentroparaforaeapercepçãoquepoderiaterdointerior

delasterádeserdeformasimbólicaeatravésdamemóriadeinfância.

Na minha prática artística, os trabalhos que abordo na introdução, que antecederam a

pergunta de investigação, também são habitados pelo espectador. Mas, visto as suas

pequenasdimensões,oacesso sóépossívelvisualmente,oobservadorvê‐seno interior

dosobjectosescultóricosatravésdeespelhosouporumasimplesprojecçãosimbólica.Tal

comoacontececomas“cabanas”deKawamata.Mas,nostrabalhos,BarracaeoBiombo,o

acessoaoseuinteriorépossívelfisicamente.Adisparidadedaescala,entreestestrabalhos

desenvolvidos durante a investigação e os trabalhos de pequenas dimensões que a

antecederam, muda a forma como se vê os espaços internos e externos dos trabalhos.

Enquantoquenostrabalhosdepequenasdimensões(osHabitáculos,oEspaçoMentaleos

outros trabalhos que apresentamos no Project Book), a atenção foca‐se no interior das

formas, ou seja, a informaçãovisualdos trabalhosaumentaàmedidaqueespectador se

aproxima, naBarracae no Biombo pretendia‐se que o espectador participe na obra e a

habite,masquandoesteseencontranoseuinterior,oolharédesviadoparaoexterior.

Oespectadorapenasconsegueverpequenasparcelasdoobjectoescultórico,devidoàsua

proximidadevisual.

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Apercepçãodestestrabalhostambémsealteramedianteolugarondesãoinstalados.Os

trabalhosforamapresentadosnoPorto,emdiferentescontextos,natentativadeperceber

quaisasreacçõesdostranseuntesdediferenteslugares.AtéestemomentoaBarraca, foi

instaladaapenasnaPraçadosPoveiros.OBiombocontajácomduasexperiências:umano

cruzamento da Rua de Cedofeita com a Rua Miguel Bombarda e a outra na Praça da

Alegria. Na Rua Miguel Bombarda o biombo foi identificado como uma manifestação

artística,masnaPraçadaAlegria,nãoverificamosessaassociaçãoimediata.

Tal como aconteceu nos outros lugares a primeira reacção foi de estranheza ao ver tal

construção. Porém, contrariamente ao que aconteceu na experiência na Rua Miguel

Bombarda,ondeosespectadoresfruíramdointeriordobiombocommuitafacilidade,na

PraçadaAlegriaassistimosaumamaiorinibiçãonaapropriaçãofísicadoespaçointerior

dobiombo.Estainibiçãopensamosquesedeveuaofactodeosutilizadoresdolugarnão

saberemoqueeraeparaqueservia.Assimaproximaram‐seeespreitaramparaointerior

dobiombomasnãoentrarampornãosaberemsepodiam.

Partimos da convicção de que a habitabilidade resulta da relação estabelecida entre

Escultura eo espectador e apesardadesconfiança e estranhezaqueo espectadorpossa

sentir com os objectos escultóricos, ele aproxima‐se deles. Talvez pela curiosidade de

saber o que acontece no seu interior, o espectador entra e experiencia os objectos que

reclamamumespaçoprivado.Estesespaçosinternosdosobjectos,resguardamquempara

láentraedá‐lhesumasensaçãodeconfortoeprivacidade.

Apercepçãodostrabalhosmudaconsoanteolugarondesãoinstalados.Poissesãovistos

num espaço de exposição de arte são identificados como arte. Se o lugar não tem

referências ao mundo da arte, nem é visto como um espaço de apresentação de uma

instalaçãoartística ‐os trabalhossãoassociadosaumaqualquer intervençãocamarária,

queteráalgumautilidade,mesmoqueàpartidanãoaconsigamidentificar.

Nestainvestigação,ostrabalhos–aBarracaeoBiombo–foramconstruídosnosentidode

seremhabitadospeloespectador(quepassaaserumhabitantenomomentoemqueentra

nos objectos escultóricos). Deste modo, desenvolvemos estes dois objectos que são

instaladosnumespaço(nestecaso,emespaçospúblicos)edentrodessesobjectoscria‐se

umoutroespaçoquesepretendediferentedoespaçoexterioraoobjecto,oupelomenos

condicionar a forma como se percepciona o espaço exterior em relação com o espaço

interior.

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Poderemosfalarnumaidentificaçãodoespaçointeriordosobjectoscomumoutrolugar?

Poderáohabitante/espectadorsentirqueestánumoutrolugar?Aquiestamosaentrar

numplano emque a percepçãodo interior podeproporcionar ao espectador diferentes

sensações, quepensamospossíveis simbolicamente, assim comoapossibilidadedeuma

obraserhabitadapelamemória,queoespectadorpoderáterdeumespaço.

Umaobradeartepoderá“transportar”oespectador,paraumespaçodiferentedoespaço

onde este interage com a obra? Poderemos dizer que habitabilidade é igual a

interactividade?

Estainvestigaçãopermitiu,maisdoqueencontrarrespostasàsquestõeslevantadasnuma

prática de atelier, estruturar uma reflexão, que acrescentou a estas questões novas

problemáticas. A investigação não termina nesta dissertação, antes é um embrião da

possibilidadedeumainvestigaçãofutura.

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