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1 Histórias Pouco Clínicas Artur Couto e Santos Gracinhas do Luizinho O Luizinho era um puto de 3 anos, pequenininho e magrote. Parecia ter investi- do toda a sua energia de crescimento na linguagem. Falava que se desunhava. Enquanto eu abria a sua ficha clínica, desbobinou - a pedido da mãe orgulhosa - o seu nome completo, bem como o da mãe, o do pai, o da avó e continuaria com toda a árvore genealógica se eu não o interrompesse: “Então, Luís, por que vieste ao médico?” “Porque me dói o cu!” - res- posta pronta do Luizinho, corroborada por um risinho cúmplice da mãe. Depois de mais algumas per- guntas, a que a mãe foi res- pondendo, sempre com o coro do Luizinho, que teima- va em repetir tudo o que ela ía dizendo, decidi-me por observar o miúdo, em busca, quem sabe, de uma fissura anal que fosse a causa daquela dor. Calças abaixo, cuecas abai- xo, aí está o Luizinho deitado no catre e, enquanto eu o observo, a mãe continua a metralhar o filho com per- guntas: “O que é isso que tens aí, Luizinho?” “A pila!” “E isto?” “Os colhãos!” - assim mes- mo - os colhãos! Diga-se de passagem que a observação do miúdo era negativa, sob o ponto de vis- ta clínico, a não ser um odor bem desagradável que provi- nha da região já referida e que pedia uma boa barrela, com muita água e sabão azul e branco. Foi isso mes- mo que decidi como prescri- ção. Virei-me para a mãe do Luizinho e disse-lhe, meio a brincar, meio a sério - que nestas coisas todo o cuidado é pouco: “Olhe, não me parece que o seu filho tenha nada de especial... mas vai dar-lhe um remédio para as lombri- gas e não se esqueça de lhe lavar mais vezes os colhãos...” Ano II – nº04/09 Dezembro 2009 Nesta Edição Especial: Gracinhas do Lui- zinho 1 Vantagens ines- peradas 2 Destino traçado 3 Os insondáveis mistérios da obe- sidade 4 Quem precisa de calmantes ? 5 O muleta france- sa 6 Veneno na cama 7 Quanto mais alto se sobe 8 Êxtase motoriza- do 9

Gracinhas do Luizinho

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1

Histórias Pouco Clínicas

Artur Couto e Santos

Gracinhas do Luizinho

O Luizinho era um puto de 3 anos, pequenininho e magrote. Parecia ter investi-do toda a sua energia de crescimento na linguagem. Falava que se desunhava. Enquanto eu abria a sua ficha clínica, desbobinou - a pedido da mãe orgulhosa - o seu nome completo, bem como o da mãe, o do pai, o da avó e continuaria com toda a árvore genealógica se eu não o interrompesse:

“Então, Luís, por que vieste ao médico?”

“Porque me dói o cu!” - res-posta pronta do Luizinho, corroborada por um risinho cúmplice da mãe.

Depois de mais algumas per-guntas, a que a mãe foi res-pondendo, sempre com o coro do Luizinho, que teima-va em repetir tudo o que ela ía dizendo, decidi-me por observar o miúdo, em busca, quem sabe, de uma fissura anal que fosse a causa daquela dor.

Calças abaixo, cuecas abai-xo, aí está o Luizinho deitado no catre e, enquanto eu o observo, a mãe continua a metralhar o filho com per-guntas:

“O que é isso que tens aí, Luizinho?”

“A pila!”

“E isto?”

“Os colhãos!” - assim mes-mo - os colhãos!

Diga-se de passagem que a observação do miúdo era negativa, sob o ponto de vis-ta clínico, a não ser um odor bem desagradável que provi-nha da região já referida e que pedia uma boa barrela, com muita água e sabão azul e branco. Foi isso mes-mo que decidi como prescri-ção. Virei-me para a mãe do Luizinho e disse-lhe, meio a brincar, meio a sério - que nestas coisas todo o cuidado é pouco:

“Olhe, não me parece que o seu filho tenha nada de especial... mas vai dar-lhe um remédio para as lombri-gas e não se esqueça de lhe lavar mais vezes os colhãos...”

Ano II – nº04/09 Dezembro 2009

Nesta Edição Especial:

Gracinhas do Lui-zinho

1

Vantagens ines-peradas

2

Destino traçado 3

Os insondáveis mistérios da obe-sidade

4

Quem precisa de calmantes ? 5

O muleta france-sa 6

Veneno na cama 7

Quanto mais alto se sobe 8

Êxtase motoriza-do 9

2

Tentava engravidar ía para dez anos e nada. Na consulta de infertilidade parecia estar tudo bem, pelo que ela quase que já desistira desse seu desejo legítimo. O companheiro já se conformara há muito tempo - mas ela, lá bem no seu íntimo, con-tinuava com uma ténue esperança.

Até que, certo dia, o companheiro teve o azar de contrair tuberculose pulmonar. Foi informado dos riscos de contágio e dos cuidados a ter, nomeadamente nos contactos íntimos - sobretudo enquanto se mantivesse Bk positivo.

Ele cumpriu à risca - talvez até demasiado à risca.

E ela engravidou.

Quem disse que as doenças infecto-contagiosas não têm as suas vantagens?

Este fragmento caligráfico contém um ghazal (poema lírico) do poeta persa Shaykh Sa'di (morreu 1292 [691 AH]). Os versos descrevem a busca de um amante por sua amada e seu pedido para que ela aparecesse para ele.

Vantagens Inesperadas

Ano II – nº04/09 Página 2

3

O miúdo não teria mais que 6 meses. Era daqueles bebés roliços, sorridentes, já com dois dentes a espreitar das gengivas. Daqueles bebés que apetece.

Os pais - já quase com idade para serem avós - observavam, babados, a sua produ-ção.

E eu, enquanto lhe palpava a barriga, e vendo-o sempre a sorrir, disse-lhe muito naturalmente:

“Cuidado contigo, João!... Daqui a uns aninhos tens as miúdas todas a correr atrás de ti!...”

Resposta imediata da mãe:

“Esperamos bem que não, que nós queremos que o João vá para padre!”

Engoli em seco, chamando-me internamente parvo por não saber estar calado e meditei: será assim que nasce a chamada vocação eclesiástica?

Destino traçado

Ano II – nº04/09 Página 3

4

Era imensamente gorda, daquelas gordas balofas com pesadas fatias do corpo a extravasarem da saia que já fora alargada dezenas de vezes.

E continuava a engordar, apesar de todos os avisos e conselhos, apesar da tensão alta, apesar da diabetes, apesar de tudo.

“Mas como é possível?” - espantei-me - “você engordou dois quilos desde a última consulta!”

“Eu também não sei como é, sr. doutor!” - respondeu ela, com aquele ar inocente dos gordos com consciência pesada.

“Ora, não sabe como é! É do pão, é das batatas, do arroz, das massas e dos bolos!”

“Do pão, não é de certeza porque eu nem toco no pão! Do esparguete, ainda é como o outro, porque gosto muito de um franguinho guisado com esparguete... Bom, e também sou capaz de comer uma boa pratada de arrozinho de tomate... Agora, bolos... só como um por dia, ao pequeno almoço, uma daquelas tortas com cobertu-ra de chocolate ou então um palmier recheado. Mas no pão e nas batatas, não toco!”

De facto, com tanto frango com esparguete, arroz de tomate e bolos ao pequeno almoço, quem precisa do pão e das batatas para engordar?

Os insondáveis mistérios da obesidade

Ano II – nº04/09 Página 4

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Quem precisa de calmantes ?

A Leopoldina ía a caminho dos 70 anos, mas estava muito bem conservada e nin-guém lhe dava mais de cinquenta e picos.

Virgem desde que nascera, fora vendo passar os candidatos a marido para os braços e para as camas das outras mulheres, enquanto ela, muito exigente, se guardava para o Príncipe Encantado.

Azar da Leopoldina, que os Príncipes Encantados há muito que acabaram. Até os verdadeiros príncipes - mesmo sem serem encantados - parecem uma espécie em vias de extinção.

Foi assim que a Leopoldina chegou àquela idade, virgem, triste, desiludida e muito nervosa.

Consumia calmantes em doses industriais, como se compreende e eu fui tentando, na medida do possível, abrir-lhe novas perspectivas de vida - o que, convenhamos, é difícil para uma pessoa com quase 70 anos, a viver sozinha num grande casarão, sem família, nem amigos... nem marido.

Certo dia - após longos meses de ausência nas consultas - a Leopoldina apareceu sorridente e anunciou-me:

“Sr. doutor: estou muito melhor! Há mais de três meses que não tomo sequer um lorenin! Segui o seu conselho, tentei arranjar coisas novas na minha vida e aluguei dois quartos a dois estudantes universitários que vieram da província e não tinham onde ficar, coitados!... Ai, sr. doutor!... Eles gostam tanto de mim!... Até me cha-mam tia!... Eu arranjo-lhes o pequeno almoço, arrumo-lhes os quartos e, uma vez que estavam constipados, até lhes fui levar um chazinho de limão à cama!”

E eu a pensar: de facto, com dois estudantes universitários em casa, quem precisa de calmantes?

Ano II – nº04/09 Página 5

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"retretes", governa-se muito melhor uma casa.

Acontece que as muletas (francesas, como fazia questão de sublinhar) só serviam ao sr. Pinto para se deslocar à minha con-sulta. De resto, era vê-lo a passear-se com desenvol-tura pelas ruas da cidade, a ir à pesca e a guiar o seu carrito.

Aliás, tirando uma ou duas gripes, nunca me lembro de ter visto o sr. Pinto doente. A não ser, claro, quando se estampou, de frente, com uma ambulân-cia, a caminho de Coim-bra. Foram todos parar ao hospital: o sr. Pinto e a sua nova companheira, o condutor da ambulância e o ajudante e, como é evi-dente, o doente que seguia na ambulância, que não se deve ter importado muito porque, para o hos-pital já ele ía...

Certo dia, reparei, sem querer, nas reluzentes botas ortopédicas do sr. Pinto.

"Botas novas, hem!..." - exclamei.

"E francesas... como as muletas" - sublinhou o sr. Pinto, explicando-me que, devido ao acidente de tra-balho, a Assurance dava-lhe, anualmente, um par de botas ortopédicas novi-nhas em folha. E confes-

O muleta francesa

sou-me que nem conse-guia gastar um par de botas por ano.

"Então, deve ter a casa cheia de botas!..." - disse eu, que teimo em ser ingénuo.

De modo nenhum, expli-cou-me o muleta francesa. Assim que trás as botas de França, o sr. Pinto pega nas já usadas e vende-as ao cunhado, que é mecâ-nico de automóveis.

"São muito boas para andar na oficina, por causa dos óleos... são muito resistentes..." - acrescen-tou o sr. Pinto.

De facto, com duas "retretes" já se vive bem, mas com mais um par de botas por ano, até vale a pena andar de muletas. Sobretudo se forem fran-cesas...

O sr. Pinto emigrara para França aos 30 anos e por lá andara durante alguns anos, fazendo um pouco de tudo, incluindo um casamento, respectivo divórcio e diversas con-quistas amorosas pelo meio.

Foi em França que o sr. Pinto sofreu, aos quarenta e poucos anos, um aciden-te de trabalho. Estava pendurado num andaime qualquer, falhou-lhe um pé e veio por ali abaixo, desamparado. Partiu-se todo. Foi operado, coloca-ram-lhe duas vértebras sintéticas e condenaram-no ao uso permanente de muletas. Como é óbvio, deram-lhe, também, uma indemnização e uma "retrete" por acidente de trabalho. E o sr. Pinto regressou a Portugal. De muletas.

História trágica se não fos-se a naturalidade com que o sr. Pinto aceitava tudo isto. Parecia ter até algum prazer em mostrar como lhe custava andar e a manter-se direito.

Mas para o sr. Pinto, uma "retrete" não era suficiente para manter a sua vida de lazer. Por isso, agarrou-se aos descontos que tinha feito em Portugal, antes de emigrar, e conseguiu outra pensão de invalidez. Con-venhamos que, com duas

Ano II – nº04/09 Página 6

7

Preparava-se a Marcelina para a deita, quando deparou com a cama cheia de formi-gas, que formavam diversas carreirinhas ordenadas, ao longo do lençol, almofada acima, perna da cama abaixo, mesinha da cabeceira acima, fotografia do padre Cruz abaixo, em direcção ao rodapé.

Que fazer? Partilhar a cama com as formigas estava fora de questão. Então, com a lógica já um pouco embaraçada pelos seus setenta anos, a Marcelina decidiu polvi-lhar a cama com veneno para as formigas. E depois de tudo muito bem polvilhadi-nho, a Marcelina deitou-se e dormiu uma noite descansada, por entre cadaveres de formigas. E, calmamente, ía ressonando e inspirando as partículas do veneno.

Acordou, subitamente, de madrugada, com falta de ar. Pneumonia química, está vis-to.

As formigas aprenderam a lição e nunca mais foram para aqueles lados, avisadas, eventualmente, por alguma mensageira sobrevivente.

Quanto à Marcelina, ficou com a bronquite crónica do costume e nunca mais dormiu como deve ser.

Antes as formigas...

Veneno na cama

Ano II – nº04/09 Página 7

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Era lapidador. Trabalho minucioso, a requerer muita concentração. O ordenado era magro e ele sonhava com outra vida. Por isso, estudou um pouco disto e daquilo e começou a fazer biscates após as horas de serviço. Optou por arranjar electrodo-mésticos e lançou-se depois nas antenas de televisão, incluindo as parabólicas. Para-do é que ele não podia estar...

Foi por essas e por outras que, certo dia, lá estava ele, no telhado da Maternidade Alfredo da Costa, a arranjar a antena de TV. A velha Maternidade tinha estado fecha-da para obras de recuperação e faltavam apenas alguns detalhes. Uma pintura aqui e outra acolá. E a antena de TV.

Assim, lá estava ele, no telhado da Maternidade, quando um pé escorregou. Um pé leva ao outro e aí vem ele, por ali abaixo, batendo com variadas partes do corpo nos diversos andaimes que ainda estavam montados. Estatelou-se cá em baixo, muito quietinho.

"Ai que o homem matou-se!" - gritaram diversas vozes. Assistência médica imediata. E bombeiros, que acabavam de levar alguma grávida em fim de tempo. Morto não estava... Sangue pisado por tudo o que era cara e, sabe-se lá, a coluna fracturada....

Com mil cuidados, meteram-no na ambulância e levaram-no para a urgência de S.José, onde foi depositado no corredor, numa daquelas marquesas com rodinhas.

"Foi este o tipo que caíu do telhado da Maternidade?..." - perguntou alguém... "Deve estar lindo por dentro..."

E estava mesmo. Feitas as radiografias da praxe, o espanto foi geral: nenhum osso partido, nem sinais de danos internos. Um milagre!

E ele?... Bem, ele estava meio zonzo, pudera!...

Deixaram-no descansar um pouco.

E ele passou pelas brasas, deu uma volta sobre si próprio e caíu da marquesa abai-xo, abrindo o sobrolho esquerdo. Ferida contusa. Sete pontos.

Afinal, é mais seguro caír do telhado de uma maternidade do que de uma marquesa do hospital.

Quanto mais alto se sobe

Ano II – nº04/09 Página 8

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Vinha na mota com o namorado. Ele à frente, conduzindo, ela atrás, muito agarradi-nha e sentindo o seu sexo roçar na napa do assento.

A trepidação excitou-a e decidiu explorar o sexo do namorado. A 80 quilómetros por hora, desapertou-lhe a braguilha, tirou-lho para fora e começou a masturbá-lo.

Em poucos minutos, mesmo numa curva, o rapaz não aguentou mais e ejaculou-se. A mota guinou para a direita, galgou a berma e foram-se estatelar nu fundo de uma pequena ribanceira, todos partidos mas sexualmente satisfeitos.

Com alguma dificuldade, devido à fractura do maxilar e agitando lentamente o braço direito, engessado, foi assim que ela me contou a sua aventura. Com uma pequena diferença: chamou os bois pelos nomes. “Foi mesmo uma grande punheta, sr. dou-tor!...”

Êxtase motorizado

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