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CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 439-455, Set./Dez. 2008 439 Maria da Glória Gohn Maria da Glória Gohn * O trabalho objetiva analisar o cenário do associativismo civil na América Latina, destacando seus movimentos sociais e as interpretações teóricas que têm sido realizadas sobre eles, toman- do como ponto de vista algumas categorias utilizadas e as teorias que lhes dão suporte. O texto parte de uma breve caracterização do cenário latino-americano, segundo seus principais movi- mentos sociais, destacando-se algumas das alterações que vêm ocorrendo a partir do desenvol- vimento de políticas públicas voltadas para o social, em parceria com a sociedade civil organi- zada. Apresentam-se teorias e teóricos que têm pesquisando sobre os movimentos sociais na América Latina e analisam-se duas categorias teóricas bastante utilizadas na atualidade: rede e mobilização social. O texto conclui com a seguinte observação: há um novo cenário no associativismo civil, e o leque de teorias e interpretações é diverso. Entretanto, políticas de identidade têm sido construídas para “incluir” grupos e associações, mobilizadas por governos via políticas públicas. Categorias operacionais de intervenção social na realidade vêm sendo ressignificadas nos marcos de uma política de inclusão conservadora, gerando novas leituras e interpretações teóricas sobre a realidade social. PALAVRAS-CHAVE: movimentos sociais, teorias, associativismo, redes e mobilização social. DOSSIÊ APRESENTAÇÃO Este artigo aborda aspectos da produção teó- rica sobre os movimentos sociais na América Lati- na. Serão mencionados teorias e teóricos, mas a dis- cussão limita-se às suas orientações paradigmáticas. Duas categorias-chave teóricas são destacadas nas análises acadêmicas: “rede” e “mobilização social”. Elas também estão inscritas nos textos que objetivam produzir efeitos de intervenção direta na realidade dos movimentos sociais. Iniciaremos com um breve panorama da conjuntura atual dos movimentos sociais latino- americanos, para situar os sujeitos das ações cole- tivas que iremos abordar. Desde logo é preciso demarcar que restringiremos nosso universo de observação aos movimentos sociais, urbanos e ru- rais, organizados no âmbito das demandas por direitos sociais, culturais, por melhores condições de vida, acesso à terra, moradia, serviços públi- cos, etc. Não abordaremos os movimentos sociais no campo do trabalho (movimento operário ou de outras categorias laborais) e nem os movimentos sindicais, ainda que, muitas vezes, eles estejam associados aos movimentos que pesquisamos, es- pecialmente os movimentos populares. Isso não significa que consideramos um tipo de movimen- to mais importante do que outros; estamos apenas demarcando nosso campo de pesquisa. Como nos alerta Touraine, desde logo pre- cisamos identificar os sujeitos que estão em dis- cussão nesse cenário tão amplo. Para efeito didáti- co, subdividiremos o universo dos movimentos sociais aqui considerados em três frentes de ações, buscando contemplar suas demandas, seus forma- tos organizativos e seu campo de atuação. Regis- tre-se, desde logo, que essa subdivisão não tem a pretensão de criar uma tipologia de formas únicas e excludentes, até porque, na prática, algumas ve- zes elas se misturam, e alguns movimentos assu- mem mais de uma frente de ação. Estamos nos referindo a formas predominantes, a saber: Primeira: movimentos identitários que lu- tam por direitos sociais, econômicos, políticos, e, ABORDAGENS TEÓRICAS NO ESTUDO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA * Pos-doutora em Sociologia. Professora titular da UNICAMP (Colaboradora) e da Universidade Nove de Julho. Pesquisadora Nível 1B do CNPq. Av Francisco Matarazzo 612. Cep: 05001100 - Ägua Bran- ca - Sao Paulo, SP - Brasil. [email protected]

Gohn Maria Clara - Abordagens Teoricas No Estudo Dos Movimentos Sociais Na America Lati

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Maria da Glória Gohn*

O trabalho objetiva analisar o cenário do associativismo civil na América Latina, destacandoseus movimentos sociais e as interpretações teóricas que têm sido realizadas sobre eles, toman-do como ponto de vista algumas categorias utilizadas e as teorias que lhes dão suporte. O textoparte de uma breve caracterização do cenário latino-americano, segundo seus principais movi-mentos sociais, destacando-se algumas das alterações que vêm ocorrendo a partir do desenvol-vimento de políticas públicas voltadas para o social, em parceria com a sociedade civil organi-zada. Apresentam-se teorias e teóricos que têm pesquisando sobre os movimentos sociais naAmérica Latina e analisam-se duas categorias teóricas bastante utilizadas na atualidade: redee mobilização social. O texto conclui com a seguinte observação: há um novo cenário noassociativismo civil, e o leque de teorias e interpretações é diverso. Entretanto, políticas deidentidade têm sido construídas para “incluir” grupos e associações, mobilizadas por governosvia políticas públicas. Categorias operacionais de intervenção social na realidade vêm sendoressignificadas nos marcos de uma política de inclusão conservadora, gerando novas leituras einterpretações teóricas sobre a realidade social.PALAVRAS-CHAVE: movimentos sociais, teorias, associativismo, redes e mobilização social.

DO

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APRESENTAÇÃO

Este artigo aborda aspectos da produção teó-rica sobre os movimentos sociais na América Lati-na. Serão mencionados teorias e teóricos, mas a dis-cussão limita-se às suas orientações paradigmáticas.Duas categorias-chave teóricas são destacadas nasanálises acadêmicas: “rede” e “mobilização social”.Elas também estão inscritas nos textos que objetivamproduzir efeitos de intervenção direta na realidadedos movimentos sociais.

Iniciaremos com um breve panorama daconjuntura atual dos movimentos sociais latino-americanos, para situar os sujeitos das ações cole-tivas que iremos abordar. Desde logo é precisodemarcar que restringiremos nosso universo deobservação aos movimentos sociais, urbanos e ru-rais, organizados no âmbito das demandas pordireitos sociais, culturais, por melhores condiçõesde vida, acesso à terra, moradia, serviços públi-

cos, etc. Não abordaremos os movimentos sociaisno campo do trabalho (movimento operário ou deoutras categorias laborais) e nem os movimentossindicais, ainda que, muitas vezes, eles estejamassociados aos movimentos que pesquisamos, es-pecialmente os movimentos populares. Isso nãosignifica que consideramos um tipo de movimen-to mais importante do que outros; estamos apenasdemarcando nosso campo de pesquisa.

Como nos alerta Touraine, desde logo pre-cisamos identificar os sujeitos que estão em dis-cussão nesse cenário tão amplo. Para efeito didáti-co, subdividiremos o universo dos movimentossociais aqui considerados em três frentes de ações,buscando contemplar suas demandas, seus forma-tos organizativos e seu campo de atuação. Regis-tre-se, desde logo, que essa subdivisão não tem apretensão de criar uma tipologia de formas únicase excludentes, até porque, na prática, algumas ve-zes elas se misturam, e alguns movimentos assu-mem mais de uma frente de ação. Estamos nosreferindo a formas predominantes, a saber:

Primeira: movimentos identitários que lu-tam por direitos sociais, econômicos, políticos, e,

ABORDAGENS TEÓRICAS NO ESTUDO DOSMOVIMENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA

* Pos-doutora em Sociologia. Professora titular daUNICAMP (Colaboradora) e da Universidade Nove deJulho. Pesquisadora Nível 1B do CNPq.Av Francisco Matarazzo 612. Cep: 05001100 - Ägua Bran-ca - Sao Paulo, SP - Brasil. [email protected]

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mais recentemente, culturais. São movimentos desegmentos sociais excluídos, usualmente perten-centes às camadas populares (mas não exclusiva-mente). Podem-se incluir, nesse formato, as lutasdas mulheres, dos afro-descendentes, dos índios,dos grupos geracionais (jovens, idosos), gruposportadores de necessidades especiais, grupos deimigrantes sob a perspectiva de direitos, especial-mente dos novos direitos culturais construídos apartir de princípios territoriais (nacionalidade,Estado, local), e de pertencimentos identitárioscoletivos (um dado grupo social, língua, raça, reli-gião etc.).

Segunda: movimentos de luta por melho-res condições de vida e de trabalho, no meio urba-no e no rural, que demandam acesso e condiçõespara terra, moradia, alimentação, educação, saú-de, transportes, lazer, emprego, salário etc.

Terceira: movimentos globais ou globalizantes,como o Fórum Social Mundial (ver Munõz, 2008).São lutas que atuam em redes sociopolíticas e cul-turais, via fóruns, plenárias, colegiados, conselhosetc. Essas lutas são também responsáveis pela arti-culação e globalização de muitos movimentos so-ciais locais, regionais, nacionais ou transnacionais.Na realidade, essa forma de movimento constituia grande novidade deste novo milênio.

Portanto, neste novo século, observa-se quenovíssimos sujeitos entraram em cena, como osmovimentos sociais anti ou alterglobalização. Vári-as lutas sociais se internacionalizam rapidamente,novos conflitos sociais eclodiram, abrangendo dife-rentes temáticas que vão da biodiversidade, lutas edemandas étnicas, até as lutas religiosas de diferen-tes seitas e crenças. Essas temáticas criam novasagendas e propostas ou projetos sociopolíticos va-riados, como a do biopoder.

Ao observarmos a conjuntura dos movi-mentos sociais latino-americanos, na atual etapade um mundo globalizado, indaga-se: qual o pa-pel desses movimentos sociais no desenrolar dosprocessos democráticos em curso? Qual a concep-ção de movimento e de democracia que fundamen-tam suas práticas? Como eles se veem e que hori-zontes projetam para a sociedade? Como esses

movimentos se articulam ao campo sociopolítico ecultural de cada país? Este texto não analisa espe-cificamente essas questões, mas elas constituem opano de fundo que dá sentido às ações dos movi-mentos sociais e estão implícitas nas discussõesteóricas que mencionaremos adiante.

Na América Latina, não se observa ainda,com grande visibilidade, a política que existe naEuropa e nos Estados Unidos em relação aos imi-grantes – que, como se sabe, são sujeitos que pas-saram a predominar no cenário dos conflitos soci-ais naquelas regiões. Os imigrantes têm sido histo-ricamente, naquelas regiões, tratado de forma dife-rente, ora exaltado na história dos países – comoos construtores de uma nação –, ora como párias,desterrados, execrados como a fonte de problemassociais e políticos, com seus direitos culturais ig-norados ou punidos.

Neste novo século, na América Latina, osindígenas estão re-emergindo como a grande novi-dade no cenário das lutas e movimentos sociaisna região. Sabe-se que a luta dos indígenas, deresistência à colonização européia e branca, é se-cular. Na atualidade, o elemento novo é a forma eo caráter que essas lutas têm assumido – não ape-nas de resistência, mas também de luta por direi-tos: reconhecimento de suas culturas e da própriaexistência, redistribuição de terras em territóriosde seus ancestrais, escolarização na própria lín-gua, etc. Deve-se assinalar também que inúmerosdos territórios indígenas passaram a ser, em váriospaíses, fonte de cobiça devido a minerais e outrasriquezas de seu subsolo, assim como seus cursosde água, ou meramente por localizarem-se em ro-tas onde se planejam gasodutos e outras interven-ções macroeconômicas, acirrando, assim, tensõessociais. No passado, “o civilizador” saqueou ostesouros dos indígenas, escravizando-os em fren-tes de trabalho para a acumulação da época (damesma forma que fez com os negros vindos daÁfrica), atuando de forma devastadora em seusterritórios. Hoje, os indígenas estão organizadosem movimentos sociais e, em muitos países lati-no-americanos, vivem em áreas urbanas e são par-te do cenário de pobreza e desigualdade social.

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Alguns autores chegam a separar o termo movi-mento social do termo movimento indígena, poisconsideram que esse último tem uma especificidadee um campo próprio, que não se confunde comoutros movimentos sociais.

Com tudo isso, em alguns países latino-americanos, houve uma radicalização do processodemocrático e o ressurgimento de lutas sociais tidas,décadas atrás, como tradicionais, a exemplo demovimentos étnicos – especialmente dos indíge-nas na Bolívia e no Equador –, associados ou nãoa movimentos nacionalistas – como o casobolivariano (Venezuela). Observa-se também, nonovo milênio, a retomada do movimento popularurbano de bairros, especialmente no México e naArgentina. Todos esses movimentos têm eclodidona cena pública como agentes de novos conflitos erenovação das lutas sociais coletivas. Em algunscasos, elegeram suas lideranças para cargos supre-mos na nação, a exemplo da Bolívia. Outros movi-mentos que estavam na sombra e tratados comoinsurgentes, emergem com força organizatória,como os piqueteiros na Argentina, cocaleiros naBolívia e Peru, zapatistas no México. Outros, ain-da, articulam-se em redes compostas de movimen-tos sociais globais como o MST (Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem-Terra no Brasil) e a ViaCampesina. Muitos deles passaram a ser discrimi-nados e criminalizados pela mídia e alguns órgãospúblicos. Fóruns globais têm articulado essesmovimentos em mega eventos, como o Fórum So-cial Mundial. Setores do movimento ambientalistapolitizaram-se em algumas regiões, a exemplo daluta contra a instalação de papeleiras no Uruguai,ou se articulam com movimentos populares, comona região do rio São Francisco, no Brasil, assimcomo o movimento contra a construção de barra-gens, e dos pequenos agricultores, em várias par-tes do Brasil.

O movimento negro, ou de afro-descenden-tes como preferem alguns, avançou em suas pau-tas de luta, a exemplo do Brasil, com a política decotas nas universidades, programas PROUNI, etc.Destaca-se, nesse avanço, o suporte governamen-tal via políticas públicas. Ancorados também em

processos de luta por direitos e construção de iden-tidades, destacam-se os movimentos das mulherese dos gays, em diferentes formatos e combinações.

Nessa breve lista de movimentos sociais naAmérica Latina na atualidade, registrem-se, ainda,a retomada do movimento dos estudantes, especi-almente no Chile, com a Revolta dos Pingüins(Zibas, 2008), e as ocupações em universidadesno Brasil, especialmente as públicas, em luta pelamelhoria da qualidade de ensino, contra reformasna educação e contra atos de corrupção e desviode verbas públicas. Aliás, não são apenas os estu-dantes que têm se mobilizado. A área da educa-ção, especialmente a educação na escola básica,tem sido fonte de protestos de grandes dimensões,a exemplo do México, em 2006, na região deOaxaca. Devemos destacar também que a área daeducação – devido ao potencial dos processoseducativos e pedagógicos para o desenvolvimentode formas de sociabilidade e constituição e ampli-ação de uma cultura política – passou a ser estraté-gica também para os movimentos populares, aexemplo do MST.

Para concluir esta breve introdução, queobjetiva delinear o cenário do associativismo civillatino-americano na atualidade, com suas deman-das, lutas e movimentos sociais, deve-se acrescen-tar as inúmeras ações e redes cidadãs que se apre-sentam como movimentos sociais de fiscalização econtrole das políticas públicas, atuando emFóruns, conselhos, câmaras, consórcios etc. emescala local, regional, e nacional, principalmenteno Brasil e na Colômbia.

Todas as questões assinaladas até agora sãoamplas e são temas para uma longa investigação.A apresentação geral do cenário das lutas, movi-mentos e ações coletivas visa a contextualizar, apartir de experiências históricas concretas, os ele-mentos básicos para se atingir o objetivo básicodeste texto: o exame e a análise da produção teóri-ca que tem sido construída ou utilizada para inter-pretar a realidade dos movimentos sociais naAmérica Latina.

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A PRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE OS MOVI-MENTOS SOCIAIS NA AMÉRICA LATINANESTE MILÊNIO

A produção teórica sobre os movimentossociais no novo milênio defronta-se com novasdemandas, novos conflitos e novas formas de or-ganização, todos gerados pelas mudanças ocorri-das nas últimas décadas do século XX, generica-mente circunscritas como efeitos da globalização,em suas múltiplas faces. O tema dos movimentossociais retoma um lugar central no plano interna-cional como objeto de investigação por intermédiodo movimento antiglobalização, de uma nova pers-pectiva: como movimento global que rompe as bar-reiras das nações e se torna não apenas internacio-nal, mas transnacional. A ênfase está nas redes queconstroem e os projetos sociais que se inserem; osfóruns que realizam são seus momentos principaisde visibilidade (Della Porta, 2007; Farro, 2003; Gohn,2005, 2007b, 2008b; MacDonald, 2006; Tarrow,2005). Organizações terroristas e movimentos defanatismo religioso também passam a ocupar a aten-ção dos pesquisadores (Goodwin, 2003). Mas a agen-da de pesquisas sobre os movimentos sociais não éretomada apenas com os temas globais. As açõessociais são analisadas também segundo os discur-sos que realizam na sociedade civil (Garretón, 2006).Ações comunitárias locais também ganham desta-que, tanto no plano internacional (Bauman, 2001;Hamel, 2003; Morin, 2003; Putnam, 1993, 2000;Quijano, 2005) como no Brasil (Gohn, 2007c;Scherer-Warren, 2006).

As transformações que aconteceram nomundo, nas últimas décadas, e que acabaram porinfluenciar as mudanças de focos nos movimen-tos sociais em geral, e na América Latina em parti-cular, permitem-nos afirmar que os movimentossociais não mais se limitam à política, à religião ouàs demandas socioeconômicas e trabalhistas. Mo-vimentos por reconhecimento, identitários e cul-turais, ganharam destaque ao lado de movimentossociais globais.

O QUE SE ALTEROU NAS TEORIAS DOSMOVIMENTOS SOCIAIS?

O leque das abordagens teóricas dos movi-mentos sociais é amplo e diversificado. Não háuma, mas várias teorias. E, em cada paradigmainterpretativo, podemos encontrar também váriasteorias. De uma forma geral, observam-se várioseixos analíticos nas teorias, a saber:§ Teorias construídas a partir de eixos culturais,

relativas ao processo de construção de identida-des (atribuídas ou adquiridas), em que diferen-tes tipos de pertencimentos são fundamentais –a um dado território, grupo étnico, religião, faixaetária, comunidade ou grupo de interesses, etc.Criam-se vínculos, e as ações são frutos de pro-cessos de reflexividade: os sujeitos participan-tes constroem sentidos e significados para suasações a partir do próprio agir coletivo (vide ostrabalhos de Melucci, Touraine, entre outros).

§ Teorias focadas no eixo da justiça social, que des-tacam as questões do reconhecimento (das dife-renças, das desigualdades, etc.) e as questões daredistribuição (de bens ou direitos, como formade compensar as injustiças historicamente acu-muladas). As teorias críticas, herdeiras da Escolade Frankfurt, dão sustentação a essas abordagens.São exemplos os trabalhos de Axel Honneth eNancy Fraser (Sobotka; Saavedra, 2008).

§ Teorias que destacam a capacidade de resistên-cia dos movimentos sociais, a partir de elabora-ções sobre o tema da autonomia, de formas delutas em busca da construção de um novo mun-do, de novas relações sociais não focadas ou ori-entadas pelo mercado, da luta contra oneoliberalismo. Nessa abordagem, critica-se vee-mentemente a ressignificação das lutasemancipatórias e cidadãs pelas políticas públi-cas que buscam apenas a integração social, a cons-trução e produção de consensos, conclamandopara processos participativos, mas deixando-osinconclusos, com os resultados apropriados porum só lado, o que detém o controle sobre asações desenvolvidas. São as cidadanias tutela-das, geradas nos processos de modernização con-

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servadora. Trocam-se identidades políticasconstruídas e tecidas em longas jornadas de lu-tas, por políticas de identidades construídas emgabinetes burocratizados. Na América Latina, aCLACSO é um bom exemplo de produção teóri-ca nesse eixo, ao fazer o acompanhamento dosmovimentos e políticas sociais e criticar aintegração conservadora em marcha em inúme-ros países da América Latina.

§ Teorias que canalizam todas as atenções para osprocessos de institucionalização das ações cole-tivas. Preocupam-se com os vínculos e redes desociabilidade das pessoas, assim como o desem-penho das pessoas em instituições, organizações,espaços segregados, associações, etc. Oparadigma teórico que embasa toda a elaboraçãoou construção e desenvolvimento dessa aborda-gem baseia-se nas teorias da privação social, de-senvolvidas inicialmente, entre outros, pelosinteracionistas simbólicos no início do séculoXX. Na atualidade, são influenciados por Tarrow(1994, 2005), MacAdam, McCarthy e Zald (1996),entre outros.

O uso dessas teorias está presente, de formaexplícita ou não, nas redes temáticas de pesquisasque se formaram ou se adensam na última década.Entretanto, o tema dos movimentos sociais deixa deser objeto de pesquisa apenas da academia. ONGs eoutras entidades do terceiro setor, assim como enti-dades do poder público administrativo, iniciam pes-quisas empíricas sobre alguns movimentos sociais, afim de obter dados para seus planos e projetos deintervenção na realidade social. Elas também patro-cinam cursos, seminários e encontros de movimen-tos sociais com estudiosos e pesquisadores. A pro-dução gerada é de natureza estratégica instrumental evisa, prioritariamente, a informar as ações de inter-venção junto a grupos organizados (Toro, 2007), masse constitui numa grande fonte de dados para a pes-quisa. A revisão ou retomada de uma reflexão sobreos movimentos populares das décadas de 1970 e1980 aparece em estudos de intelectuais e assessoresdos movimentos naquele período, sendo tambémuma grande fonte de memória e registro histórico, aexemplo de Wanderley (2007).

As análises fundadas nas narrativas queestabeleciam uma clara conexão entre classes soci-ais e movimentos sociais, e a centralidade da clas-se operária como sujeito fundamental das trans-formações sociais, reduziram-se em toda a Améri-ca Latina neste novo milênio. O exame da literatu-ra a respeito nos revela um crescimento das análi-ses que ampliam o espectro dos sujeitos em cena,antes circunscrito ao movimento operário e aosmovimentos sociais das camadas populares no localde moradia. Movimentos sociais de outras cama-das, como os ambientalistas ou as mulheres dascamadas médias, focalizam outros atores sociaisna cena pública, como os que atuam nas ONGs.Essa mudança de foco levou muitos analistas aabraçar abordagens que se preocupam com as for-mas de organizar a participação e a mobilizaçãosocial, numa linha próxima às teorias norte-ameri-canas da mobilização política e estruturas de opor-tunidades organizativas.

Nesse cenário contraditório, o CLACSO(Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais)e seus pesquisadores representam um dos pólosde produção de conhecimento sobre os movimen-tos sociais que seguem uma abordagem da teóricacrítica, a exemplo de Seoane (2003), Taddei (2001),Boron e Lechini (2006), Sader (2005), Cattani eCimadamore (2007), Quevedo e Iokoi (2007), DiMarco e Palomino (2004). O CLACSO criou um“Observatório Social da América Latina” (20006a,2006b, 2007) para registrar e fazer avaliações peri-ódicas das lutas e dos movimentos da região.Christian Adel Mirza (2006), um de seus pesqui-sadores, analisou os movimentos sociais da Amé-rica Latina da perspectiva de novas formas de de-pendência que foram construídas com e pelos Es-tados Unidos, e das novas relações dos movimen-tos sociais com o sistema político vigente. O autordestaca a questão da autonomia como um proble-ma-chave: essa debilidade da autonomia em rela-ção às estruturas de poder decorre, segundo Mirza,porque existiria um vínculo histórico entre osmovimentos sociais e os partidos políticos. Doponto de vista metodológico, Mirza faz uma im-portante contribuição, ao analisar a relação entre

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os movimentos sociais e os sistemas políticos. Eleinvestiga, nos movimentos, o grau de organicidade,capacidade de proposta, capacidade de mobilizarpor meio de suas convocações, discurso político,grau de autonomia e taxa de afiliação (número demilitantes, participantes ou adeptos dos movimen-tos). Essas dimensões são analisadas em perspec-tiva histórica. Segundo ele, o fortalecimento dosmovimentos sociais não tem sido possível devidoa essa cultura política existente, herdada do sécu-lo XX. Concordamos com Mirza e, como exemplo,citamos o caso da herança do populismo para asSociedades de Amigos de Bairros, no Brasil, e ocaso do MST e suas relações com o PT, nacontemporaneidade, como também dos piquetei-ros e seus “panelaços” na Argentina. Acreditamos,entretanto, que essa cultura política de “depen-dência” dos sistemas políticos existentes vem des-de o tempo colonial. Touraine já afirmava, nos anos1980, que “a subordinação dos movimentos soci-ais à ação do Estado constitui a limitação mais gra-ve de sua capacidade de ação coletiva autônoma”(Touraine, 1989).

Outro autor, o mexicano Rafael Alvarez(2000), na contramão da grande maioria dos pes-quisadores, que deixam de lado a dimensão dopolítico em seus estudos, irá analisá-la com basena constituição da identidade do sujeito. Para ele,a constituição do sujeito social se dá a partir dolugar que ele ocupa no social, no político, no cul-tural e no espaço simbólico de outros sujeitos. Eledestaca a importância dos projetos sociais na cons-tituição do sujeito, não como algo pronto, mas simprocessual e tensionado pelas diferenças entre osatores de uma ação coletiva organizada como mo-vimento social. Projeto social é entendido aquicomo o projeto político-ideológico de um grupo,explicitado ou não.

A apropriação de conhecimentos e a expe-riência dos sujeitos são a base da prática políticaque irá nos explicar a construção dos projetos. Damesma forma, a cultura política vigente não é dadapronta ou preexiste, bastando encaixar-se na rea-lidade de um grupo. Ela também é gerada no pro-cesso, a partir dos valores que vão sendo assumi-

dos como básicos do grupo e pelo grupo. Não há,portanto, nada intrínseco, pré-dado. As constru-ções são relacionais, ainda que as estruturas maio-res existam a priori, antes das ações. Mas elas vãose modificando com as ações. Um movimento so-cial com certa permanência é aquele que cria suaprópria identidade a partir de suas necessidades eseus desejos, tomando referentes com os quais seidentifica. Ele não assume ou “veste” uma identi-dade pré-construída apenas porque tem uma etnia,um gênero ou uma idade. Esse ato configura umapolítica de identidade, e não uma identidade polí-tica. O reconhecimento da identidade política sefaz no processo de luta, perante a sociedade civil epolítica; não se trata de um reconhecimento outor-gado, doado, uma inclusão de cima para baixo. Oreconhecimento jurídico, a construção formal deum direito, para que tenha legitimidade, deve seruma resposta do Estado à demanda organizada.Assim, a questão da identidade aparece em ter-mos de um campo relacional, de disputas e ten-sões, um processo de reconhecimento dainstitucionalidade da ação, e não como um pro-cesso de institucionalização da ação coletiva, deforma normativa, com regras e enquadramentos,como temos observado nas políticas públicas noBrasil, na atualidade.

O movimento social, como um sujeito soci-al coletivo, não pode ser pensado fora de seu con-texto histórico e conjuntural. As identidades sãomóveis, variam segundo a conjuntura. Há um pro-cesso de socialização da identidade que vai sendoconstruída. Compartilhamos a idéia de Hobsbawmquando afirma que as identidades são múltiplas,combinadas e intercambiáveis. Ao contrário dapolítica de identidades construídas pelo alto, usu-almente de forma homogênea (nos termos critica-dos por Fraser, 2001), a identidade política dosmovimentos sociais não é única: ela pode variarem contextos e conjunturas diferentes. E mudaporque há aprendizagens, que geram consciênciade interesses. Os sujeitos dos movimentos sociaissaberão fazer leituras do mundo, identificar proje-tos diferentes ou convergentes, se participaremintegralmente das ações coletivas, desde seu iní-

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cio, geradas por uma demanda socioeconômica oucultural relativa, e não pelo simples reconhecimentono plano dos valores ou da moral.

A grande mudança observada nos estudossobre as políticas de parceria do Estado com a so-ciedade civil organizada está na direção do fococentral da análise: do agente para a demanda a seratendida. Reconhecem-se as carências e busca-sesuperá-las de forma holística. Olhares multifocaisque contemplam raça, etnia, gênero e (ou) idadepassam a ser privilegiados. O sujeito coletivo sedilacera, fragmenta-se em múltiplos campos isola-dos. Sozinhos, esses múltiplos sujeitos não têmforça coletiva, e o ponto de convergência entre elesé o próprio Estado. A interação do Estado por meioda ação de seus governos se faz mediante uma re-tórica que retira dos movimentos a ação propria-mente dita (Burity, 2006). Ela se transforma emexecução de tarefas programadas, tarefas que serãomonitoradas e avaliadas para que possam conti-nuar a existir. A institucionalização das ações co-letivas impera no sentido já assinalado: comoregulação normativa, com regras e espaços demar-cados, e não como um campo relacional de reco-nhecimento. A possibilidade da emancipação ficaconfinada aos espaços de resistência existentes.Há uma disputa, no processo de construção dademocracia, em seu sentido integrador versusemancipatório (Dagnino; Olvera; Panfichi, 2006).Resta o consolo de que, em médio ou longo prazo,isso poderá gerar aprendizado sociopolítico paraos movimentos sociais e contribuir para a cons-trução de valores, vindo a se desenvolver umacultura política alternativa ao que está posto.

A seguir, abordaremos as categorias que têmsido utilizadas nas análises sobre os movimentossociais na atualidade na América Latina, destacan-do-se duas: a de “rede” e a de “mobilização social”.

CATEGORIAS TEÓRICAS EM DESTAQUE:“rede” e “mobilização social”

Sabemos que novas categorias de análiseganharam centralidade nas ciências sociais a par-

tir dos anos 90, tais como mundialização,planetarização, sistema-mundo, sociedade mundiale sociedade dos indivíduos, processos de exclu-são e inclusão social, etc. As categorias de análisetambém se alteram no quadro das teorias dos mo-vimentos sociais: redes sociais passam a ter, paravários pesquisadores, um papel até mais impor-tante do que o movimento social. Mas eles asredefinem como redes de mobilização social. Aquestão da emancipação social persistiu restrita aalguns teóricos, não mais sob o crivo exclusivo daabordagem marxista. O território passou a ser umacategoria ressignificada e uma das mais utilizadaspara explicar as ações localizadas, mas orientadapara uma nova concepção de território, distanteda geografia tradicional, que a confundia com es-paço físico. Território passa a se articular à questãodos direitos e das disputas pelos bens econômi-cos, de um lado, e, de outro, pelo pertencimentoou pelas raízes culturais de um povo ou etnia. Aglobalização provoca a desnacionalização, e outrosatores, além do antigo Estado-nação, participamda disputa pelos territórios. As novas tecnologiasdigitais também entram como fator de mediaçãopara a apropriação de direitos e autoridade sobreele (Sassen, 2006). O território agora passa a servisto também sob a óptica de um ativosociofinanceiro, porque é fruto de um conjuntode condições, predominando o tipo de relaçõessociais e produtivas que são desenvolvidas ondeele se localiza. Classe social, raça, etnia, gruposreligiosos, recursos e infraestrutura passam a serindicadores para a análise de um território e seusconflitos. Territórios com pilares de sustentaçãocriados a partir da diversificação da estrutura pro-dutiva local, com uma desconcentração dessa baseprodutiva, tornam mais flexíveis às adaptaçõesnecessárias às mudanças exteriores, assim como odesenvolvimento de políticas de mobilização soci-al, necessárias às novas políticas de inclusão soci-al. Inclusão social substitui a categoria exclusãocomo objeto de estudos e pesquisas, num movi-mento contraditório, que acompanha a ênfase nasnovas políticas sociais. A categoria mobilizaçãosocial, sempre subordinada a outras, na análise

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do social, ganha vida, significado e dinâmica pró-pria. O universo das categorias marxistas fica res-trito a alguns autores. Justiça social, igualdade, ci-dadania, emancipação e direitos passam a dar lu-gar a outras categorias, como capital social, inclu-são social, reconhecimento social, empoderamentoda comunidade, autoestima, hibridismo, respon-sabilidade social, sustentabilidade, vínculos e la-ços sociais, etc.

Considerações sobre a categoria de “redessociais”

No Brasil, a partir dos anos 90, a tendênciados grupos sociais organizados se articularem emredes e criarem fóruns a partir dessas redes pas-sou a imperar como modismo, de um lado, e “exi-gência para sobrevivência”, de outro. À medidaque o cenário da questão social se alterou,novíssimos atores ou sujeitos sociais entram emcena, como as ONGS e as entidades do TerceiroSetor; as políticas sociais públicas ganharam des-taque na organização dos grupos sociais, gerandoinúmeros projetos sociais de intervenção direta narealidade social. Resulta desse cenário que a soci-edade civil organizada passou a ser orientada poroutros eixos, focada menos nos pressupostos ide-ológicos e políticos, e mais nos vínculos sociaiscomunitários organizados segundo critérios de cor,raça, idade, gênero, habilidades e capacidadeshumanas. Dessas articulações surgem as redes so-ciais e temáticas (gênero, faixas etárias, questõesecológicas e socioambientais, étnicas, raciais, reli-giosas), os fóruns, as câmaras, etc. A rede socialtem um enraizamento maior com as comunidadeslocais. A rede temática tem poder de articulaçãoque extrapola o nível local, atuando da esfera localaté a global. As redes sociais são importantes por-que nos indicam os vínculos e as alianças existen-tes nas redes temáticas. Os antigos e novos movi-mentos sociais, assim como as ONGs, utilizam-sedas redes de diferentes formas.

Rede é uma categoria muito utilizada na atu-alidade, com diferentes sentidos. Ela é importante

na análise das relações sociais de um dado territó-rio ou comunidade de significados, porque, alémde permitir a leitura e a tradução da diversidadesociocultural e política existente, sem cair em vi-sões totalizadoras da unicidade, elas têm certa per-manência e realizam a articulação da multiplicidadedo diverso, tanto em períodos de fortes fluxos dasdemandas, como nos de refluxo. Nas ciências exa-tas, a ideia de redes é muito antiga, e constitui-seem suporte de alguns conceitos-chave para algu-mas áreas da ciência, como a física. Nas ciênciashumanas e biológicas, a idéia de rede também nãoé nova: já nos anos 20 do século passado, tratou-se dos ciclos da vida, das teias alimentares etc.Mas, na atualidade, há novidades como na biologiamolecular, por exemplo. Na administração, as re-des têm sido utilizadas como instrumento auxiliarpara elaboração de fluxogramas ou avaliação de de-sempenho. As redes também têm sido analisadasna área de interação entre empresas e organizações,num ambiente institucional. No setor de gestão eplanejamento, o conceito de rede está associado aum processo de “desconcentração de meios de açãode uma organização e como resultado do processode agregação de várias organizações em torno deum interesse comum” (Fisher, 2008).

Nas ciências sociais, o uso de redes sociaistambém é antigo, embora tenha sido revigorado nosúltimos tempos como instrumento de análise earticulação de políticas sociais (Fontes, 2006;Lavalle et al., 2006; Marques, 2003, 2007) ou re-des de mobilizações e movimentos sociais na soci-ologia, tais como em Villasante (2002) e Scherer-Warren, (1993, 1999, 2007). Essa última vê, nasredes, uma possibilidade de retratar a sociedadecivil, captando uma integração de diversidades.Na Antropologia, a ideia de rede vem também deseus primórdios, com as redes primárias e secun-dárias, ao se classificarem as relações sociais entreos indivíduos. Callon, (1995), Laniado e Baiardi(2006), Caillé (2002) e Martins (2004), seguindo oparadigma da dádiva – ao redor da figura de M.Mauss –, situam as redes como produtoras de in-dividualidade, comunidades e conjuntos sociaisde trocas. Degenne (1999) vê as redes como um

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conjunto de métodos para o estudo das estruturassociais, sendo que as unidades da interação sãobásicas para o entendimento dos relacionamentos eseus vínculos sociais. A Geografia, há várias déca-das, fala das redes urbanas nas cidades. Atualmen-te, com a ressignificação do conceito de território,passou-se a falar de redes territoriais que transpõemas fronteiras da nação. São as redes transnacionais,tratadas, entre outros, por Tarrow (2005).

Barnes (1987) definiu rede como o conjun-to das relações interpessoais concretas que vincu-lam indivíduos a outros indivíduos, num dadocampo social, composto, por exemplo, por umasérie de atividades, eventos, atitudes, registros oraise escritos etc. Mas foi Castells (1999, 2001, 2008)que a inscreveu no cenário das ferramentasmetodológicas contemporâneas, ao tratar a socie-dade globalizada como uma rede, e as estruturassociais construídas a partir de redes como siste-mas abertos, dinâmicos, suscetíveis de inovações.Observa-se que há muitas matrizes teóricas quesustentam a ideia de rede. As categorias de análisesão similares, mas assumem sentidos diversosconforme a teoria ou paradigma que as articulam.Assim, temos: circulação, fluxo, troca, intercâm-bio de informações, compartilhamento, intensida-de, extensão, colaboração, aprendizagem, inova-ções, diversidade de articulação, pluralismoorganizacional, ação direta, institucionalidade, atu-ação campos cultural e político, descentralização,horizontalidade organizativa, flexibilidade, maioragilidade. O uso indiscriminado de termos novos,na busca de “ser moderno”, poderá estar deixan-do de lado outras categorias relevantes, tais comoarticulações, processos, relações, etc. Esse aparen-te esquecimento ou pseudomodernidade escondeo abandono de paradigmas tidos como “velhos”,substituindo-os por novos, que realizam outrasleituras e interpretação do social e do político. Paranós, a questão é complexa e diz respeito à lutapolítico-cultural de diferentes grupos sociais, nabusca de ressignificar conceitos, representações eimagens construídas na sociedade. Assim, paraalguns, rede substitui a categoria movimento soci-al; para outros, é um dos suportes ou ferramentas

dos movimentos, e, para outros ainda, a rede éuma construção que atua em outro campo, daspráticas civis, sem conotações com a política, emque a ideia de “público participante” substituiu ade militante etc.

Vários modelos operacionais têm sido apli-cados na análise institucional de redes no Brasil.Alguns desses modelos foram construídos no ex-terior, segundo a lógica da cultura e das relaçõesde trabalhos nos países onde foram criados. Ospróprios termos e categorias utilizados são nomea-dos na língua inglesa, por não terem tradução parao português, ou por simples aprisionamento aopensamento pré-construído no exterior. Neste tex-to, procuraremos fugir do pensamento coloniza-do, que não busca compreender e analisar a nossarealidade e a nossa cultura, que simplesmente apli-ca modelos construídos a-historicamente. As cate-gorias tempo histórico e localidade (geográfico-es-pacial ou espacial-virtual ou sociocultural) são in-dicadores fundamentais. Por isso, antes demapearmos uma rede, é necessário localizar seuobjetivo central no contexto histórico de seu tem-po. Ser moderno não é, para nós, aplicar o últimorecurso ou modelo apresentado no exterior, por-que agora estamos globalizados. Ser moderno é nãoser aprisionado por fórmulas (passadas, presentesou pretensamente futuras). Concordamos comNicolas Bourriaud, crítico e curador da Bienal deSão Paulo em 2006, quando diz: “No século pas-sado, o futuro era modelo de leitura do presente,hoje, talvez, o passado seja o modelo de leitura.Isto ocorre por conta da padronização do planeta,que apaga a memória, e a melhor forma de lutarcontra isso é não voltar ao passado, mas ler o pas-sado no presente, buscar novos itinerários no pas-sado e isso é muito importante”.1 Assim, ao anali-sar redes de mobilizações e outras categorias, faz-se um resgate de categorias teóricas do passado,muitas delas originárias das teorias dointeracionismo simbólico ou contribuições de L.Wirth, M. Mauss, E. Goffman e tantos outros. Masessas categorias só são úteis para ler o presente,

1 Cf. artigo do autor “Ser moderno no século 21 é olharpara o passado”. Folha de São Paulo, 16/10/2006.

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entendê-lo e buscar sua projeção futura, secontextualizarmos esse presente a partir das expe-riências históricas dos sujeitos coletivos em açãonesse mesmo presente.

No universo das nomenclaturas sobre asredes, alguns autores diferenciam redes associativasmovimentalistas (compostas de movimentos soci-ais) e redes de mobilização civis. Eles tendem aseparar essas duas correntes em termos históri-cos: a primeira corresponderia ao passado, princi-palmente à fase de organização dos cidadãos porcategoria de trabalhadores (nos sindicatos) ou ca-tegorias de moradores (nos movimentos de bair-ros e outros). Ou seja, reservam o termo movimentosocial e associativismo para um tempo passado.Para eles, o termo mobilização refere-se a um“associacionismo” moderno, criado num cenáriode políticas globalizadas, de cidadãos participan-tes nas políticas públicas, em que o termo movi-mento aparece como resultado de uma ação, e nãocomo seu sujeito principal. Essa polêmica remete-nos à segunda categoria central destacada nestetexto, que é a de mobilização social.

Considerações sobre a categoria de “mobilizaçãosocial”

Desde logo afirmamos que, para nós,mobilização social é um processo político e cultu-ral presente em todas as formas de organização dasações coletivas. Ela tem diversos sentidos, segun-do a fonte ou o campo onde se articula sua organi-zação, ou seja, em movimentos sociais, em ONGsisoladas ou atuando em redes e por meio de polí-ticas públicas estatais. Essa última fonte nos ex-plica também a centralidade da categoriamobilização a partir do ano 2000 e a necessidadede se refletir sobre ela do ponto de vista teórico.

Mobilização é uma categoria que nunca re-cebeu tratamento específico nos manuais e dicio-nários do pensamento social do século XX. Na-queles textos, especialmente na área da Sociolo-gia, encontramos o destaque para outras categoriaspróximas, tais como “mobilidade social”, sempre

associadas ao leque de categorias básicas que ex-plicavam a estrutura e o funcionamento da socie-dade, tratada em 1927 por Sorokin. Eventualmen-te, encontramos mobilização como um termoexplicativo para as ações de um movimento soci-al, no sentido do verbo francês “mobilizer”, darmovimento a algo, mas sempre de forma comple-mentar, nunca um termo que dê origem a um ver-bete, mobilização em si. Encontramos ‘mobilização’na Ciência Política. O Dicionário de Política, orga-nizado por Bobbio, Mateucci e Pasquino (1986),nos informa que o termo foi usado pela primeiravez na linguagem militar e indica o processo peloqual a população de um Estado se prepara paraenfrentar uma guerra. Curiosamente, é esse senti-do que lhe está sendo atribuído pelo governo bra-sileiro na atualidade, por meio uma lei que lhe dá,mediante aval do Congresso, o caminho legal paraconvocar civis em caráter de urgência, assim comorequisitar e ocupar bens e serviços, para a defesada soberania nacional. A lei se chama “MobilizaçãoNacional” (Lei 11.631, de 12/2007). Essa Lei dáorigem ao SINAMOB-Sistema Nacional deMobilização, ligada ao Ministério da Defesa. O iní-cio da discussão dessa Lei é bem anterior, masganhou impulso em 2002, como reação do gover-no brasileiro ao ataque terrorista que os EstadosUnidos sofreram em 11 de setembro.

Encontramos dois sentidos no Dicionáriode Política para o termo mobilização: política esocial. Mobilização política indica um processo deativação das pessoas, ou massas como preferemos estudiosos que usam o termo. Poderá ser feitatanto pelos governantes como por líderes da soci-edade civil. Reitera-se o sentido destacado acima.Mobilização social já tem outro sentido: refere-se aativações que visam à mudança de comportamen-tos ou adesão a dados programas ou projetos soci-ais. Mobilização social, nessa última acepção, en-volve uma série de processos, e um deles se arti-cula com o termo acima citado, mobilidade social– mudança de comportamento, aquisição de no-vos valores, acesso a meios de inclusão social, etc.Apela-se para a adesão do outro numa dada açãosocial, com um certo sentido já configurado.

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Mobilização remete aqui à categoria “participação”e configura-se no sentido que lhe é atribuído atu-almente no Brasil. Desmobilização será justamen-te o bloqueio à participação.

Ao final dos anos 70, Charles Tilly (1978)inscreveu o termo mobilização no campo das teo-rias sobre os movimentos sociais, ao defini-lo comoum dos quatro componentes da ação coletiva.Mobilização, para Tilly, envolve o caminho peloqual os grupos sociais adquirem recursos sufici-entes para tornar a ação coletiva possível. Ele tra-balhou as elaborações de M. Olson sobre a teoriada mobilização de recursos, para explicar as mobi-lizações políticas. Giddens (1993) atribui à catego-ria um significado um pouco diferente ao dadopor Tilly, já que seria o engajamento de grupospara a ação coletiva, sem ênfase no caráter instru-mental da ação.

Na atualidade, nas Ciências Sociais, há vá-rios autores que têm utilizado a categoria, a exem-plo de Boaventura de Souza Santos. Neste artigo,destacamos seu uso na América Latina, de umaforma peculiar: a dada pelo colombiano JoséBernardo Toro (2007). Toro fez do tema damobilização social o centro de um plano estratégi-co de atuação na realidade social visando a provo-car mudanças de comportamento. Ele passou pro-gressivamente a influir na agenda das políticaspúblicas dos anos de 1990 e no planejamento es-tratégico de centenas de organizações não-gover-namentais, que passaram a adotar seus conceitose sua metodologia operacional. Suas análises epropostas têm sido inspiração para ONGs e pro-gramas de reformas governamentais, principalmentena área da educação. Para Toro: “Mobilização Soci-al é o envolvimento ativo do cidadão, da organiza-ção social, da empresa, nos rumos e acontecimen-tos em nossa sociedade. Ela se traduz em peque-nas ou grandes ações e pode ser desempenhadade diferentes formas”. Ele trata o processo demobilização social como um instrumento, uma fer-ramenta para “convocar vontades”, na expressãodo autor. Aglutinar cidadãos para atuarem na rea-lidade onde vivem. Toro elabora uma metodologiade trabalho para os “produtores e re-editores soci-

ais”, termos também criados por ele para designarpessoas que irão levar a cabo a implantação e odesenvolvimento de processos participativos lo-cais, por meio de “projetos mobilizadores”. Dife-rentemente dos militantes de um movimento soci-al, com atuações voltadas para fora de suas reali-dades imediatas, onde se localizam as raízes dosproblemas de suas demandas, Toro preconiza queos produtores e re-editores (tidos como atores ouativistas) devem ter seu campo de atuação voltadopara o interior de suas realidades, focado no coti-diano, devem desenvolver processos de comuni-cação direta, atuar em redes comunicativas, for-mular e difundir mensagens claras, criar imaginá-rios sociais que despertem o desejo de engajamentonas pessoas, estudar e planejar o campo de suasatuações, desenvolver ações coletivas sem hierar-quias ou “donos” e acompanhar permanentemen-te os processos de mobilização. Criar fóruns, re-des, consórcios como parte do processo demobilização. Observa-se que há uma engenhariado social, um modo processual de organizar a açãocoletiva, fundamentado em modernas técnicas dacomunicação.

Para Toro, o movimento surge como resul-tado desse processo. Ou seja, há uma inversão naconcepção do que seja um movimento social. Otermo movimento é substituído inicialmente pormobilização e aparece somente no final do proces-so, basicamente fruto de um trabalho de colabora-ção, coesão, com ações propositivas. Movimento éum resultado e não o foco inicial da ação coletiva.Os conflitos são vistos, na abordagem de Toro,como naturais, inerentes ao ser humano e ao pro-cesso democrático. A chamada “coisa pública” éconstruída a partir da sociedade civil, e o Estadonão é detentor único do caráter público da gestão.Não há interesses de classes ou grupos sociais, háo interesse público que deve congregar todos paraa ação coletiva comum. Toro destaca que há apren-dizagens no processo de participação, e os especi-alistas sobre os temas em questão são vistos comreservas. Segundo o autor, os especialistas têmdificuldades para aceitar aberturas, ver novos ho-rizontes ou visões. Alerta-se que, em geral, tais

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especialistas se portam como quem já sabe de tudoe tem as respostas para tudo. Os indivíduos seleci-onados para atuar como re-editores devem ser ouestar preparados para “interpretar” a realidade se-gundo certos parâmetros. “Os males da sociedade”são vistos como resultados de uma ordem socialcriada pelos próprios indivíduos. Como não sãomales de origem natural, supõe-se que podem sermodificados por aprendizagens diárias, frutos deuma convivência social em que se aprende: a nãoagredir o semelhante, a comunicar-se, a interagir, adecidir em grupo, a cuidar de si, a cuidar do entor-no e a valorizar o saber social. A democracia é vistacomo uma ordem autofundada. Esse voluntarismoda ação coletiva impede a análise de localizar gru-pos de interesses, conflitos e lutas pelo poder. Des-tacam-se mais o indivíduo e seu comportamento enão a situação socioeconômica de um grupo. Todaa argumentação centra-se na busca de uma vonta-de para resolver problemas. Em resumo, nessaabordagem, não há preocupação com o entendi-mento da história social e política de um povo paraalém de seu local imediato. As causas e gênesesdos processos de exclusão e pobreza não são ana-lisadas. Parte-se de uma dada situação e busca-semobilizar pessoas para sua resolução, substituindoa “cultura da espera” pela “cultura da resolução, dofazer”. Certamente que há fundamentos teóricos queembasam e suportam essas análises, advindos deconcepções utilitaristas. O pensamento crítico, quevai às raízes do problema, busca sua compreensãoe causas, não tendo espaço, embora se invoque acriatividade, inovação e saberes locais.

A categoria movimento social no campo doconflito praticamente é substituída, na abordagemde Toro, pela de mobilização social, que tambémgera uma sigla MS, voltada para a ação coletiva,que busca resolver problemas sociais diretamente,via a mobilização e engajamento de pessoas. A di-mensão do político é esquecida ou negada. E essadimensão é o espaço possível de construção his-tórica, de análise da tensão existente entre os dife-rentes sujeitos e agentes sociopolíticos em cena. Éimportante relembrar que a abordagem de Torofundamenta as ações coletivas de milhares de ONGs

e entidades do Terceiro Setor em toda a AméricaLatina, um tipo de participação construída ouinduzida.

No Brasil, por exemplo, nem os movimen-tos sociais ou o associativismo morreram (muda-ram sim, segundo a nova conjuntura econômica epolítica), nem os novos “ativistas ou mobilizadores”dominam completamente a cena da sociedade ci-vil organizada (embora sejam hegemônicos na atu-alidade). Os novos ativistas são mobilizados paraparticipar de ações sociais estruturadas por agen-tes do chamado Terceiro Setor, ou por agênciasgovernamentais, via políticas públicas indutorasda organização popular, como nos conselhosgestores; ou mobilizados pelos fóruns temáticosnacionais, regionais ou internacionais, onde a pre-sença de antigos e novos movimentos sociais écorrente. Temos de reconhecer que as duas formasexistem na atualidade e, muitas vezes, seentrecruzam nos movimentos e nas organizaçõescívicas de ativistas, mobilizados em função de pro-jetos sociais pontuais. Os dados empíricos indi-cam-nos que essas duas modalidades continuarãoa existir por muito tempo. São duas formas deprotagonismo civil que atuam segundo polos dife-renciados da ação social: uma trabalha no campodo conflito e a outra no campo da cooperação ouintegração. Há tensões permanentes nas duas fren-tes. A solidariedade existe nas duas, mas de formadiferente: nos movimentos, ela é orgânica, criadapor meio da experiência compartilhada de perten-cer e vivenciar alguma situação de exclusão. Nasorganizações cívicas, ela é estratégica ou instru-mental, criada para atingir metas que resolvamproblemas sociais de grupos também excluídoseconomicamente ou culturalmente, a partir de in-teresses desses grupos, mas que foram desenha-dos por projeto ou programa de agentes externos.Segundo Domingues (2007), a mobilização socialfortalece a democracia na América Latina. Em en-trevista à Folha de São Paulo, ele afirma que “atendência é uma mobilização cidadã, ao lado doprocesso de institucionalização da democracia”(Folha de São Paulo, 30/12/2007, p.A18).

Uma grande diferença entre as duas abor-

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Se há diferenças do ponto de vista doinstitucional, há também pontos de convergência

dados pelas articulações e redes temáticas que secriam. As redes temáticas constituem inovações nocampo das ações coletivas da sociedade civil orga-nizada. Elas têm gerado, inclusive, metodologiaspróprias de investigação como as redes temáticascriadas a partir da análise de conteúdo de discur-sos ou textos (Bauer, 2005). As redes temáticas unemgrupos identitários em fóruns temáticos que, porsua vez, reforçam outros fóruns de articulação maisgeral, que extrapolam as fronteiras nacionais e seconstituem como grupos de pressão junto aos or-ganismos e instituições de cúpula internacionais.Criam sujeitos sociopolíticos que alçam vôos queultrapassam os territórios onde nasceram e têm suabase de atuação e militância.

Portanto, há diferentes paradigmas teóricos naatualidade para o estudo da ação dos sujeitos coleti-vos que produzem e reproduzem as demandas, ações,inovações ou até mesmo retrocesso nas ações coleti-vas organizadas. Este texto dá atenção para a formacomo os sujeitos investigados desenvolvem relaçõessociais e experiências cotidianas, porque são essasexperiências que dão especificidades às redes, aosseus nós articulatórios que ligam ações coletivasdiversas, e não a qualquer tipo de determinismopré-configuratório. Como há diversidade entre ossujeitos, as redes poderão estar mais ou menosinstitucionalizadas, segundo a sua composição,com alguma forma de juridização que normatizasuas ações. Isso não significa que sejam redes es-tatais ou governamentais, porque essa qualificaçãoincorreria num erro de confusão entre estado, go-verno e instituição de qualquer natureza, operan-do na sociedade civil, com ou sem algum tipo dearticulação ou parceria com os órgãos governamen-tais. Esses trabalhos são pactuados em parceriasconstruídas, por exemplo, entre as redes sociaisou temáticas e os agentes do poder público encar-regado de implementar políticas públicas, tais comoos conselhos gestores ou os consórcios de gestãode recursos naturais de uma dada região, que con-tam com representantes da sociedade civil organi-zada, do poder público, usuários e, em alguns ca-sos, produtores ou prestadores de serviços; ou ostrabalhos se localizam em ações e interações lo-

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cais, construídas a partir de vínculos sociais e re-des de sociabilidades, tais como as diferentes coo-perativas de produção existentes no país; ou sãotrabalhos de redes de movimentos sociais que cons-truíram, em algum momento de suas trajetórias,de forma ocasional ou permanente, entidadesinstitucionalizadas para viabilizarem suas práticas.

CONCLUSÕES

Partindo das transformações que acontece-ram no mundo nas últimas décadas e que acaba-ram por influenciar as mudanças de focos nosmovimentos sociais na América Latina, este artigoapresentou inicialmente uma breve conjuntura atualdos movimentos sociais latino-americanos. Desta-cou-se que eles não se limitam à política, à religiãoou as demandas socioeconômicas e trabalhistas.Movimentos por reconhecimento, identitários eculturais, e por direitos socioculturais ganharamdestaque, a exemplo do movimento dos indíge-nas, ao lado de novíssimos movimentos sociais,autodenominados como anti ou alterglobalização,com agendas de demandas e formas de articulaçãoglobais. O leque das abordagens sobre esses movi-mentos é amplo e diversificado. Não há uma teo-ria, mas várias teorias sobre os movimentos soci-ais. Elas buscam explicar o novo cenário deassociativismo civil, principalmente no Brasil. Po-líticas de identidade têm sido construídas porpolíticas públicas advindas de governos que as-cenderam ao poder de Estado, em vários paíseslatino-americanos, na última década. Essas políti-cas buscam “incluir” grupos e associações, tidoscomo vulneráveis. Categorias operacionais de in-tervenção na realidade social vêm sendoressignificadas nos marcos de uma política de in-clusão conservadora, gerando novas leituras e in-terpretações teóricas sobre a realidade social, tam-bém conservadoras, bem distantes das metasemancipatórias almejadas pelos movimentos soci-ais na década de 1980. Rede e mobilização socialsão duas categorias de destaque que compõem onovo dicionário sociopolítico. Elas têm sido utili-

zadas pelos analistas, por lideranças de movimen-tos sociais e pelos formuladores das políticas, deforma bastante acrítica. Este artigo buscou pontuaralgumas questões que essas categorias envolvem,no seu uso e referenciais de apoio, usualmentederivadas de matrizes da teoria social predominantenas academias norte-americanas, das teorias dasoportunidades políticas, mobilização social e es-truturas de mobilização organizativas. As novasgramáticas que elas têm produzido na interpreta-ção dos movimentos sociais latino-americanos dei-xam de lado temas caros, como o da autonomia, epriorizam a inclusão social, a integração nas açõese projetos sociais coletivos que envolvem movi-mentos sociais, ONGs, órgãos públicos ou funda-ções do Terceiro setor.

(Recebido para publicação em outubro de 2008)(Aceito em dezembro de 2008)

REFERÊNCIAS

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THEORETICAL APPROACHES TO THE STUDY OFSOCIAL MOVEMENTS IN LATIN AMERICA

Maria da Glória Gohn

This paper aims to analyze the scene of civilassociativism in Latin America, pointing out its socialmovements and the theoretical interpretations that havebeen made about them, taking as its point of view somecategories and the theories that give them support. Thetext begins with a brief characterization of the Latin-American scene, according to its main social movements,pointing out some of the alterations that are happeningstarting from the development of public policy aimed atthe social development, in partnership with theorganized civil society. Theories and theoreticians thathave researched the social movements in Latin Americaare presented and two theoretical categories quite usedat the present time are analyzed: networks and socialmobilization. The text ends with the followingobservation: there is a new scene in the civilassociativism and the scope of its theories andinterpretations is diverse. However, identity policieshave been built to “include” groups and associations,mobilized by governments through public policies.Operational categories of social intervention are actuallybeing ressignified as the cornerstones of a conservativepolicy of inclusion, generating new readings andtheoretical interpretations about social reality.

KEYWORDS: social movements, theories, associativism,networks and social mobilization.

LES APPROCHES THÉORIQUES DANS L’ÉTUDE DESMOUVEMENTS SOCIAUX EM AMÉRIQUE LATINE

Maria da Glória Gohn

L’objectif de ce travail est d’analyser le scénario del’associativisme en Amérique Latine. On y met enévidence les mouvements sociaux et les interprétationsthéoriques qui ont été faites à son propos, à partir decatégories spécifiques utilisées et des théories qui leurservent de support. L’analyse commence par une brèvecaractérisation du scénario latino-américain, en fonctionde ses principaux mouvements sociaux, où l’on montreplus clairement certains changements dus audéveloppement de politiques publiques dans le domainesocial, en partenariat avec la société civile organisée.On y présente des théories et des théoriciens ayant faitdes recherches sur les mouvements sociaux en AmériqueLatine et on y analyse deux catégories théoriques trèsutilisées actuellement: réseau et mobilisation sociale.Ce travail en arrive à la conclusion suivante: il existe unnouveau scénario au sein de l’associativisme civil etl’éventail des théories et des interprétations est varié.Toutefois des politiques d’identité ont été élaborées parles gouvernements au travers de politiques publiquespour “inclure” les groupes et les associations. Descatégories opérationnelles d’intervention sociale sur laréalité ont été re-signifiées selon les critères d’unepolitique d’inclusion conservatrice, permettant denouvelles lectures et interprétations théoriques de laréalité sociale.

MOTS-CLÉS: mouvements sociaux, théories,associativisme, réseaux et mobilisation sociale.