Gn 4,1-7. a História de Caim e Abel

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    A HISTÓRIA DE CAIM E ABEL: ALGUNS ELEMENTOS PARA COMPREENSÃO DO TEXTO 

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    I  – TRADUÇÃO

    1.1. O texto bíblico

    `hw"hy>-ta, vyai ytiynIq' rm,aTow: !yIq;-ta, dl,Tew: rh;T;w: ATv.ai hW"x;-ta,  [d;y" ~d'a'h'w> 1

    `hm'd'a] dbe[o hy"h' !yIq;w> !aco h[ero lb,h,-yhiy>w: lb,h'-ta, wyxia'-ta, td,l,l' @s,Tow: 2

    `hw"hyl; hx'n> mi hm'd'a]h' yrIP. mi !yIq; abeY"w: ~ymiy" #Qe mi yhiy>w: 3

    `Atx'n> mi-la,w> lb,h,-la, hw"hy> [v;YIw: !h,bel.x, meW Anaco tArkoB. mi aWh-~g:  aybihe lb,h,w> 4

    `wyn"P'  WlP.YIw:  daom.  !yIq;l. rx;YIw:  h['v' al{ Atx'n> mi-la,w> !yIq;-la,w> 5

    `^yn #bero taJ'x; xt;P,l; byjiyte al{ ~aiw> taef. byjiyTe-~ai aAlh] 7 

    `AB-lv' m.Ti hT'a;w>

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    1.2. A Tradução elaborada

    1. E o homem conheceu (coabitou com) Eva sua mulher. E ela concebeu e gerou

    Caim. Então ela disse: consegui homem o auxílio de IHWH.

    2. E ela continuou a fazer parir seu irmão Abel. E ocorreu que Abel tomava conta de

    rebanho (de ovelhas e cabras) e Caim era trabalhador na terra (cultivável).

    3. Então ocorria que no fim de um tempo fazia chegar Caim do fruto da terra,

    oferenda a IHWH.

    4. E Abel fez trazer outra vez dos primogênitos de seu rebanho e da gordura. Então

    olhava IHWH em direção a Abel e em direção da sua oferenda.

    5. E em direção de Caim e em direção a oferenda dele não olhou e então ele (Caim)

    irou.

    6. E dizia IHWH para Caim por que irou e por que lhe abateu tua face?

    7. A quem não se fazia tornar algo bom erguerá. Mas se não te comportar bem junto

    a tua porta o pecado se acampará.

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    ytiynIq : hnIq - QAL  - Obter, conseguir, adquirir, comprar, resgatar, remir; NI : sercomprado;verbo qal perfei to, 1ªpesso a comum sing ular. 

    vyai : Homem

    `hw"hy>-ta, : ta, : Partícula acusativa de Objeto Direto ou preposição: junto com,com o auxílio de, junto a, ao lado de, na presença de; hw"hy : IHWH, Senhor

    db[o hy"h'  yq; w>  aco  h[e r lbh,-yhiy>w: lbh'-ta,  wyxa' -ta, tdll @sTo w:

     2preparava foi Caim ovelha pastoreava Abel aconteceu e Abel irmão deu à luz acrescentou E

    `hm'da]

    terra (cultivável) 

    @s,Tow:  -  w:  :  mas, e; @sy :  QAL : Acrescentar, continuar a, somar; NI : seracrescentado; HI : acrescentar, superar, aumentar, continuar a fazer; verbo hitpahelimp erfeito 3ªpesso a femin ino singu lar.

    td,l,l' : dly : QAL : Dar à luz, parir, tornar-se pai, gerar;NI : nascer, ser nascido,ajudar a dar à luz; parteira; PU : nascer, ser nascido, gerar, fazer dar à luz; HO : sernascido; HIT : ter a descendência reconhecida; verbo qal inf in i to cons t ruto  

    wyxia'-ta, : ta, : Partícula acusativa de Objeto Direto; xa : Irmão; wy: suf ixo 3ª mascul ino s ingular 

     

    lb,h'-ta : ta, Partícula acusativa de Objeto Direto; lb,h' :  Abel 

    lb,h,-yhiy>w: _ : w: , - e, então, quando, mas, assim; hyih : QAL: tornar-se, acontecer,ocorrer, ser haver, ter, acontecer; NI :acontecer, ocorrer ; verbo qal, 3ªpessoamascul ino s ingular

    lb,h :  Abel

    h[ero  - h[r  – QAL : pastorear, tomar conta de rebanho; HI : apascentar; verboqal p art icípio , mascu lino sin gu lar.

     

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    !aco : gado menor, isto é, ovelhas e cabras 

    !yIq;w> : w> : vav conjuntivo;

     !yIq - Caim

    hy"h' :  :  hyih : QAL: tornar-se, acontecer, ocorrer, ser haver, ter, acontecer;NI :acontecer, ocorrer ; verbo qal, 3ªpesso a masc ul ino singu lar.

    dbe[o  : QAL:  preparar (o solo), trabalhar (como escravo), servir, adorar (a Deus),render culto; NI : trabalhado, ser cultivado; PU : ter trabalhado, ser escravizado; HI :fazer trabalhar,obrigar ao trabalho, manter na escravidão, escravizar; HO : deixar-seinduzir a um serviço/ culto; verb o qal part i cípio mas cu lino s ing ular  

    `hm'd'a] : terra (cultivável), solo, chão, superfície da terra 

    `hw"hyl hxn>mi  hm' d'a]h'  yrIP. mi  yq;   abY" w:  ~ymiy"   #Qmi   yhi y>w:

     3IHWH para oferenda (cultivável) terra a fruto de Caim trouxe e tempos fim de aconteceu E 

    yhiy>w:  - w:  : então, e, assim; hyh  – QAL: ser, tornar-se, existir, haver, NI : ser,acontecer, ocorrer, ter, acontecer; verbo qal imperfei to, 3ªpessoa mascu l inos ingular . 

    #Qe mi : mi : preposição: de, fora de, mais do que; #Q : fim 

    ~ymiy"  - ~wy : Dia, ano, tempo 

    abeY"w:  :  w:  :  então, quando, agora, ou, mas, que, assim; awb ;  QAL : Entrar,chegar, vir coabitar; sobrevir-se, cumprir-se, suceder; relacionar-se, seguir; HI : fazerentrar, fazer vir; trazer; HO : ser trazido, ser levado; verbo h iphi l im perfei to, 3ª pessoa mascul ino s ingu lar 

     

    !yIq; : Caim 

    yrIP. mi : m : de; yrIP : Fruto 

    hm'd'a]h' : h :  Artigo definido; hm'd'a : Solo, terra 

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    hx'n> mi  -  Dádiva, presente, oferta, sacrifício, oferenda, presente, dom, oblação,sacrifício 

    `hw"hyl; : l; : para ; hw"hy : IHWH, Senhor

    lbh,-la, hw" hy> [vYI w:  h, blx,meW Anac tArkB.mi  aWh-~g aybhe  lbh, w>

     4 Abel a IHWH estimou e gorduras de e rebanho primogênito de ele igualmente trouxe Abel Então

    `Atxnmi-la,w> 

    dele oferenda a e 

    lb,h,w> - w : então, quando, mas, que, assim; lb,h :  Abel 

    aybih : awo  ob : QAL : Entrar, chegar, vir coabitar; sobrevir-se, cumprir-se, suceder;relacionar-se, seguir; HI : fazer entrar, fazer vir; trazer; HO : ser trazido, ser levado;verbo hiph i l perfei to, 3ªpesso a mascu l ino sin gular . 

    aWh-~g: o : ~g: : Novamente, outra vez, de novo, igual, semelhante; aWh : Ele, ela 

    tArkoB. mi : m : de; rkoB : Primogênito; nome com um mascu l ino p lu ral . 

    Anac : Ovelha, rebanho; A: suf ixo 3ªpessoa mascu l ino s ingular . 

    !h,bel.x, meW : W : então, quando, agora, ou, mas, que, assim me - de; !hbel.x : Gordo, banha, gordura, o melhor, o escolhido

    [v;Yiw : w : então, quando, agora, ou, mas, que, assim; h[v  – QAL : olhar para,olhar, estimar, dar apreço, considerar, desviar os olhos; HI : desviar os olhos de, HIT :olhar ao redor ( com ansiedade); verbo qal imp er fe ito 3ªpessoa m ascul inos ingular . 

    hw"hy : IHWH, Senhor

    lb,h,-la, : la : para, a, em direção a, até, contra : lb,h :  Abel 

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    Atx'n> mi-la,w>  :  w>  - e;  la,  :  para, a, em direção a, até, contra;  tx'n> mi : Oferenda, presente, dom, oblação, sacrifício; A :  dele; : suf ixo 3ª pessoamascul ino s ingular .

    `wynP WlP.Yw:  dao m.  yIq; l rxYw:  h['v' al{  Atxn>mi-la, w>  yI q;-la,w>

     :5semblante Caiu e extremamente Caim a irou e considerou não oferenda para e Caim para E 

    !yIq;-la,w> - w> : e, então mas, que; la,  : Para, a, em direção, até, contra; !yIq : Caim 

    Atx'n> mi-la,w> : w> : e, então, quando, agora, ou, mas, que, assim; la, : Para, a,em direção, até, contra; hx'n> mi : Oferenda presente, dádiva, oferta 

    al{ : não 

    h['v'  : QAL : olhar para, olhar, estimar, dar apreço, considerar, desviar os olhos;HI : desviar os olhos de, HIT : olhar ao redor ( com ansiedade); verbo qal perfei to, 3ª pessoa mascul ino s ingu lar .

     

    rx;YIw: : w: : e, então, quando, agora, ou, mas, que, assim; hrx : QAL : esquentar-se, inflamar-se, irar-se; NI : estar zangado: HI : deixar inflamar, ser inflamado; HIT :irritar-se, impacientar-se; TIFEL : concorrer, competir; verbo qal, 3ª pessoamascul ino s ingular 

     

    !yIq;l> : l> : a, para; !yIq; : Caim 

    dao m : excessivamente, muito, extremamente, extraordinariamente 

    WlP.YIw: : w: : e, então, quando, agora, ou, mas, que, assim; lpn : QAL : cair; HI :fazer cair, deixar cair, lançar, atuar (para baixo), abater; HIT : cair sobre, atacar,mostrar-se; verbo qal perfei to 3ªpessoa masc ul ina s ingu lar  

    wyn"P'  :  hn,P'  : Face, semblante, rosto, feição; suf ixo 3ªpessoa mascul ino

    s ingular  

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    `^ynp' Wlp.n"  hM' lw> %l' hr' x hM'l' yq'-la,  hwhy> rmaYO w:

     6(?) semblante caiu por que e para irou por que Caim para IHWH disse E 

    rm,aYOw: - w: e, então, quando, agora, ou, mas, que, assim; rma : QAL : Dizer, falar,dizer algo sobre si mesmo, exprimir através da fala; HI : fazer declarar; HIT :vangloriar, gloriar-se; verbo qal imp erfeito 3ªpesso a mascu l ino s ingu lar. 

    hw"hy> : IHWH, Senhor  

    !yIq'-la, : la, : Para, a, em direção de; !yIq': Caim 

    hM'l' : Partícula interrogativa; hM; . : O que? para que? por que? para que... não 

    hr'x'  :  QAL : esquentar-se, inflamar-se, irar-se; NI : estar zangado: HI : deixarinflamar, ser inflamado; HIT : irritar-se, impacientar-se; TIFEL : concorrer, competir;verbo qal perfei to, 3ªpesso a mascu l ino singu lar.

     

    %l' : em direção a, oposto a, para, junto a 

    hM'l'w>  :  w>  :  e, então, quando, agora, ou, mas, que, assim, destarte; hM'l : Partícula interrogativa; hM; . : O que? para que? por que? para que... não

    Wlp.n"  :  lpn :  QAL : cair; HI : fazer cair, deixar cair, lançar, atuar (para baixo),abater; HIT : cair sobre, atacar, mostrar-se; verbo qal p er fe i to , 3ª pessoamascul ino p lural 

     

    ^yn taef.  byjyT-~ai   aAlh]

     7ti para e jaz pecado o porta para tratar bondosamente não (não) e dignidade comportar-se bem não (não) quem A

    `AB-lvm.Ti hTa; w> AtqWvT

    como dominaste tu e desejo 

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    aAlh] - rva : quem, qual; al :  não 

    byjiyTe-~ai : ~ai : se, não, quando, desde, seja, ou;

    bji iy:QAL

    : ir bem, agradar;

    HI : tratar bondosamente, tratar graciosamente, fazer bem a alguém, tornar algo bom,comportar-se bem; advérbio: bem profundamente; verbo hiphi l imperfei to, 2ª pessoa mascul ino s ingu lar 

     

    taef. :  aefn -  Ato de erguer-se, dignidade, exaltação; verbo qal inf ini t ivoconst ruto  

    ~aiw>  : w> : e, então, quando, agora, ou, mas, que, assim, destarte; ~ai  : se, não,quando, desde, seja, ou 

    al{ : não

    byjiyte  :  bjy :  QAL : ir bem, agradar, ser bom, estar bem, estar alegre, seragradável; HI : tratar bondosamente, tratar graciosamente, fazer bem a alguém,tornar algo bom, comportar-se bem; advérbio: bem profundamente; verbo hiphi limp erfeito, 2ªpesso a mascul ino singu lar  

    xt;P,l; : l : Para, a, em, de, sobre, perto, junto, ao lado de : xt;P, :  Abertura,entrada da porta, entrada, porta 

    taJ'x; : Pecado, expiação, sacrifício pelo pecado

    #bero  : #br : QAL : deitar-se, acampar-se, estar deitado, jazer, estar acampado;HI : fazer deitar-se, deixar acampar-se, deixar repousar, cobrir, revestir; verbo qalpar ticípio sin gu lar

    ^yl,aew> : w> : e, então, quando, agora, ou, mas, que, assim, destarte; la/ : Para, a ,em dentro, ao lado, junto, perto, contra, diante de; ^y: suf ixo 2ªpessoa mascu l inosingular.

    Atq'WvT. : hq'WvT : Desejo, saudoso, nostálgico, impulso, avidez; At: suf ixo 3ª pessoa mascul ino s ing ular.

     

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    II  – ANÁLISE SEMÂNTICA

    No ciclo das origens Gn 4  – 6, encontramos as histórias ou genealogias. A

    saga de Caim e Abel pertence à genealogia dos descendentes de Adão.Para análise vamos proceder com a seguinte divisão de Gn 4, 1-7.

    vs.1-2: Genealogia de Caim e Abel

    vs. 3-4: Oferenda de ambos a IHWH

    vs. 5-7: Rejeição da oferenda de Caim e a indignação dele perante IHWH.

    2.1. A genealogia de Caim e de Abel

    Dentro desse pequeno bloco alguns elementos são importantes para a nossa

    análise semântica. O primeiro deles está referente ao verbo conhecer  [dy . Desse

    radical procede a palavra conhec imento 1 . O israelita conhece com o coração. Não

    há distinção entre pensamento e desejo. O conhecimento atinge seu objeto, ao

    mesmo tempo em que o desejo toma posse dele. Por isso o encontro sexual é

    também conhecimento (Gn 4,1; 17,25). Nesse contexto, o verbo vincula uma relação

    entre o homem  (Adão) e a mulher 2  (Eva).

    O termo hebraico para designar homem no sentido genérico de "ente

    humano" é Adam 3   e enosh . Apesar da incerteza etimológica, Adam  e adamesh  

    (solo cultivável) estão relacionados um ao outro (Gn 2, 7). Adam   é quase sempre

    um conceito coletivo, embora em Gn 2, 5ss é o nome do ancestral da humanidade.

    Enosh  é incerto, mas o hebreu ouve ressoar nele o verbo anash  que significa "ser

    1 Johannes B. BAUER. Dic ionário de Teo log ia Bíbl ic a , vol. I, pp. 204-210.2 Idem, vol. II, pp.733-740 e Alan UNTERMAN. Dic ionário Judai co d e Lendas e Tradições , p. 184.3 VV.AA. Dic ionário Cul tu ral da Bíbl ia , p. 25.

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    fraco." Conforme a concepção semita, o homem é realidade coletiva unificada.

    Portanto, a palavra hebraica Adão   significa homem no sentido coletivo (o gênero

    humano) e o Gn 1, 27 precisa que ele foi criado por IHWH “homem e mulher”. 

    Eva 4  é o nome da primeira mulher, esposa de Adão, mãe de Caim, Abel e

    Set. Formada a partir da "costela" do homem, ela é da mesma natureza que ele, em

    tudo igual a ele. Chama-se i sh-sha , feminino de ish , o homem. Eva é explicada por

    um jogo de palavras que reconhece nela a mãe de todos os viventes (Gn 3, 20). A

    mulher está ligada à função de gerar e dar continuidade à vida. No Judaísmo a

    mulher é figura-símbolo de Israel, de Jerusalém ou de Sião. Uma mulher ortodoxa é

    limitada em seus próprios papéis públicos de liderança:  não pode servir como rabino

    ou como diretor laico ou como juiz ou como testemunhas num “beit din” e se tiver

    irmãos não herda a propriedade de seu pai.

    E Adão conheceu Eva. Desse conhecimento nasce Caim 5 , o  primeiro filho

    deles. O texto de Gn 4, 1-7 começa com a narrativa do nascimento de Caim, aquele

    que foi conseguido graças a IHWH. Há uma relação entre o verbo hnq' 

    adqui r i r pois quando Eva concebeu e deu à luz a ele e disse: adquirir um homem

    com ajuda de IHWH (Gn 4,1). Ele é agricultor (Gn 4,1-2). Caim também significa em

    hebraico “qayan” , ferreiro. Nesse sentido, a descendência dele abrange as tribos

    cameleiras de grandes nômades, os músicos ambulantes e os ferreiros. Representa

    o mundo disparatado, temido pelos pastores de pequenos rebanhos que sofrem

    suas rapinas e são representados aqui por Abel. Em Gn 4, 17 encontramos Caim

    relacionado a construtor de cidade e pai de uma civilização (Gn 4,22) e assassino de

     Abel (4, 2-8).

    Abel 6  é o segundo filho de Adam e Eva. O nome significa respiração, vapor,

    exalação. Era pastor 7  (nômade ignorante), morto pelos agricultores (instruídos) epersonifica os pastores nômades em oposição ao seu irmão Caim, o agricultor

    sedentário. Ambos ofereceram a IHWH sacrifícios, mas Ele preferiu os animais de

     Abel aos produtos da terra de Caim. Abel é considerado a típica vítima inocente.

    Quanto ao ofício de Abel, pastor, em muitas culturas tem sentido simbólico

    4 Dicio nário de Símbo lo s , p. 108.5

     Alan UNTERMAN. Dici onário Judai co d e Len das e Trad ições , p. 52.6 Ad de VRIES. Dictionary of Symbo ls and Imagery , p. 1.7 Johannes B. BAUER. Dic io nário de Teol og ia Bíbl ic a , vol. II, pp.821-822.

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    religioso, sendo visto como a figura paterna, protetora, em muitas culturas. As

    insígnias dos reis egípcios são derivadas dos pastores. IHWH é pastor do povo de

    Israel. Os antigos israelitas eram um povo pastoril. A bíblia contém inúmeras

    passagens que evocam a vida dos pastores. Era uma existência sofrida, por isso os

    ricos proprietários empregavam assalariados a quem pagavam, em dinheiro ou em

    espécie, para vigiar os rebanhos, combater os ladrões, as feras selvagens e

    conduzir os animais aos poços de água e trazê-los de volta à noite aos seus currais.

     A  ovelha 8   é  símbolo do amor, da caridade. Ela dá sua carne e leite para

    fortalecer os fracos e a lã para o frio.

    2.2. A Oferenda de Caim e de Abel a IHWH

    Caim e Abel oferecem os frutos de seus trabalhos. O primeiro, os frutos da

    terra e o segundo, a primícia de seu rebanho. Cada um oferece o melhor de si. Abel

    traz das primícias do seu rebanho e da gordura 9  do mesmo. A gordura em diversas

    culturas, era sinal de prosperidade, por isso também de oferta valiosa aos deuses,

    por ser dotada das forças especiais dos respectivos animais, dos quais foi obtida. A

    gordura de uma parte do animal e a escolha de uma porção, que era sagrada aos

    deuses na inauguração de um tabernáculo. Um novilho era morto e o sangue era

    espalhado sobre os chifres e usado para aspersão, enquanto a gordura era

    queimada. Os restos eram incinerados fora dos acampamentos como sacrifício

    impróprio.

    2.3. A rejeição da oferenda de Caim e a indignação dele perante IHWH

    No Antigo Testamento, a face 10, o “rosto” é considerado mais importante que

    a cabeça. Sempre usado no plural, significa as várias maneiras que se tem de entrar

    em contato com o semelhante. Expressa uma escala cheia das emoções e

    sentimentos, para os hebreus11 (dor, alegria, vergonha e a serenidade). Irritar-se, no

    sentido de ser rejeitado é descrito por um semblante caído. É muito comum, os

    israelitas mencionarem a face de IHWH, querendo significar a própria pessoa Dele,

    8 Ad de VRIES. Dictionary of Symbo ls and Imagery , p. 418.9 Dicio nário de Símbo lo s , p. 141 e Ad de VRIES. Dict ionary of Symbols and Imagery , p. 177.10  L. MOULOUBOU E F.M du BUIT. Dic io nário Bíbli co Un iv ersal , p. 283.11 The Anchor Bible Dict ionary , p.743-744.

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    sua presença (Sl 31, 21; 80,17). Assim, quando IHWH por cólera desvia sua face,

    afasta-se do homem. Face é a mais comum palavra do AT denominada como a

    presença num sentido mais amplo do que apenas rosto. A palavra “panin” é

    referente a estar (na) ou deixar a presença de um rei, de um superior ou de um ser

    na presença de IHWH.

    No relato bíblico, IHWH considera a oferenda de Abel e rejeita a de Caim, que

    fica irado. É a primeira vez que a Escritura menciona a palavra pecado 12  ajx no

    contexto de relação social (4,7). No AT, o pecado não é uma transgressão de uma

    lei moral, mas a ruptura do laço pessoal do crente com IHWH. O sentido bíblico do

    pecado acentua seu caráter concreto, objetivo e os preceitos do Decálogo

    especificam a melhor maneira de permanecer fiel à aliança divina (Dt 5, 1-22).

    12 VV. AA. Dici onário Cul tu ral da Bíbl ia , p. 198.

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    III  – ANÁLISE LITERÁRIA

     A perícope de Gn 4, 1-7, encontra-se no bloco literário dos mitos: Gn 1 –11,

    especificamente no ciclo das Origens, Gn 4 –6, em que está situado o bloco dashistórias ou genealogias dos descendentes de Adão. Essa história constitui uma

    saga.

    Dentro do bloco literário, está o capítulo 4 do Gênesis que é constituído por

    26 versículos. Este capítulo apresenta três perícopes: o relato de Caim e Abel (Gn 4,

    1-16); a descendência de Caim (Gn 4,17-24) e a descendência de Set (Gn 4, 25-26).

    Para análise, iremos tomar a história de Caim e Abel (Gn 4, 1-16) e dentro dessa

    perícope, fazermos um recorte limitando-nos aos versículos de Gn 4, 1-7.

    3.1. Coesão Interna:

     Analisaremos cada um dos versículos da perícope Gn 4, 1-7, a fim de verificar

    a coesão textual.

    O versículo 1 descreve que o homem coabitou com Eva e esta deu à luz a

    Caim (adquirido com a ajuda de IHWH). Alguns verbos nos chamam a atenção, o

    verbo [dy  (conhecer/coabitar) que está no QAL perfeito  expressando ação

    concluída; os verbos hrh  (conceber) e dlye  (dar à luz) estão no QAL imperfeito,demonstrando ação incompleta, inacabada. Por último o verbo conseguir/ adquirir

    que está no QAL perfeito: Caim foi adquirido com o auxílio de IHWH.

    O versículo 2 é coeso com o 1, pois Caim e Abel são filhos do homem (Adão)

    e de Eva. Portanto, o ponto de coesão é a filiação de ambos. Entretanto, há

    elementos a serem analisados. Abel parece nascer normalmente, sem o auxílio de

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      17 

    IHWH. Este mesmo versículo 2, informa-nos as funções de Caim, lavrador e Abel,

    pastor.

    Quanto ao versículo 3, temos a referência à oferenda, fruto da terra, de Caim

    ao Senhor.

    O versículo 4 refere-se a Abel que traz as primícias do seu rebanho e da

    gordura (fartura) deste e IHWH a considerou.

    Há em nível destes dois versículos um ponto de coesão, a oferenda. Porém

    há dois elementos a serem analisados. O primeiro refere-se a Caim que leva a sua

    oferenda no fim de um tempo (dia). Para a ação de Caim, verbo awob (trazer) está no

    HIFIL imperfeito, indicando ação inacabada. A segunda consideração a ser feita é

    que Abel oferece das primícias e da fartura do rebanho. Temos o mesmo verbo awob, entretanto para ação de Abel ele está no HIFIL perfeito, ação concluída. A ação

    de IHWH ao olhar para a oferenda de Abel é inacabada, através do verbo h[v 

    (considerar/estimar) no QAL imperfeito, significando que de fato, a oferenda agradou

    a IHWH, que Ele parece ter uma atitude contemplativa diante da atitude de Abel.

     A ira de Caim é caracterizada no versículo 5, quando ele percebe que sua

    oferenda desconsiderada por IHWH. No caso de Abel (v.4) a ação do verbo éinacabada. Aqui temos o mesmo verbo h[v (considerar/ estimar) acompanhado de

    uma partícula negativa al (não). O autor o coloca no QAL perfeito, indicando que

    IHWH não aceitou de fato a oferenda de Caim. Vale lembrar que Caim ficou (muito)

    decaído e isso é demonstrado pela partícula daom (extremamente).

    No versículo 6 temos uma indagação de IHWH a Caim. O verbo rma 

    (dizer/falar) encontra-se no QAL imperfeito, indicando uma fala continuada de IHWH

    Perguntando-lhe porque a face de Caim decaiu. É como se IHWH o questionasse

    constantemente. A atitude de Caim é ação acabada, ele está irado. O verbo hrx (irar) no QAL perfeito demonstra isso.

    O versículo 7 parece estar destoando de todos os outros. Os anteriores nos

    permitem extrair conclusões. Neste, há um elemento novo, o pecado. Há também

    uma mudança de assunto e de conteúdo, a atitude moral de Caim. Dá-se a

    impressão de que este versículo foi (estruturado) escrito posteriormente por uma

    tradição deuteronomista por sistematizar um conceito teológico-moral no texto

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    (pecado). Apesar desses elementos, tem-se uma coesão, através do

    questionamento de IHWH a Caim, entre os versículos 6 e 7.

    Quanto ao estilo, o texto está em forma de prosa, de forma linear e objetiva,

    sendo que ações acontecem sucessivamente e uma se torna conseqüência da

    outra.

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      19 

    IV – ANÁLISE DO CONTEXTO

     A grande dificuldade de contextualizar Gn 4, 1-7 se deve ao fato de ser um

    mito (saga), o que lhe possibilita se deslocar ao longo da história sem perder a suaatualização. O interessante do mito é que ele é uma criação histórica que supera a

    própria história. Daí não termos precisão ao situá-lo historicamente. Outra

    dificuldade é a de precisar o (s) redator(es), pois não há consenso entre os biblistas

    sobre a autoria do Pentateuco. Acreditava-se na teoria das fontes, mas

    hodiernamente já não tem muito significado13. Diante disso, vamos nos valer das

    análises já feitas neste trabalho para encontrarmos pistas que nos ajudem a

    contextualizá-lo.Há dois elementos que o texto bíblico nos coloca e que são fundamentais.

    Entre os dois irmãos há uma diferença de atividades. Caim é agricultor e Abel,

    pastor. Dentro dessa análise, uma indagação se coloca: por que Deus aceita a

    oferenda de Abel e rejeita a de Caim, se Caim oferece produtos da terra e esta é

    para o israelita, sagrada? Não é nossa intenção respondê-la neste momento, mas o

    certo é que o texto bíblico aponta para um princípio de rivalidade entre agricultores e

    pastores que disputavam o uso da terra.Isso significa dizer que o ambiente do texto é agro-pastoril e expressa o

    conflito entre os agricultores sedentários e os nômades. Como o texto é um mito,

    não se fecha em si mesmo, permite-nos contextualizá-lo também num outro

    ambiente, o conflito entre campo e cidade. Seja como for, é escrito por uma classe

    israelita que está sendo espoliada por uma outra.

    Sociologicamente os agricultores se caracterizavam por moradias fixas

    construídas de tijolos de barro e viviam em aldeias ou cidades. Eles se dedicavam à

    13 Milton SCHWANTES. As tr ibos d e Javé  – Um a Experiênc ia Parad igmátic a , p. 104.

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    agricultura, à lavoura e cultivam cereais, vinho, verduras e frutos e criavam gado

    bovino14, portanto, eram proprietários de terras, visto que o gado bovino exigia maior

    espaço para sua sobrevivência. Os agricultores migrantes eram pessoas sedentárias

    que alternavam entre agricultura e criação de gado. Viviam na terra cultivada

    próximos às cidades fortificadas e grande maioria das vezes na dependência

    delas15.

    Quando os israelitas foram para a terra de Canaã (Canaã=Caim, têm o

    mesmo radical) cada um recebeu um lote de terra. Essas classes abastadas, com o

    passar do tempo foram se enriquecendo e comprando as terras dos pequenos

    agricultores. Surgiram conflitos entre latifundiários e os pequenos agricultores que

    lutavam para não perderem seu pequeno pedaço de terra. O trabalho era familiar epraticado com o auxílio de alguns servos. Além dos conflitos, os agricultores

    enfrentavam o problema da seca, os ventos fortes do leste (siroco), a praga de

    gafanhotos e os exércitos invasores16.

    Na época somente as planícies litorâneas e a de Jezrael eram ocupadas. Na

    planície situavam as cidades fortificadas que dominavam o mundo rural dos

    camponeses, a grande maioria da população cananéia, explorando-os.

    Com a queda do imperialismo egípcio, mantenedor das cidades-estados,estas entram em crise profunda, digladiando-se entre si em busca de hegemonia

    umas sobre as outras. Quem sofria as conseqüências eram os agricultores que

    encontravam dificuldades de plantar e de colher, porque suas terras eram

    verdadeiros campos de batalhas dos monarcas cananeus. Após esse conflito nasce

    Israel e uma tentativa dos lavradores de se instalarem na planície: “um texto egípcio

    de 1220 a.C. refere-se a um Israel que devemos procurar na Planície de Jezreel,

    fazendo frente aos reis cananeus e a uma expedição militar egípcia. Este Israel sãoos lavradores que se rebelam contra os espoliadores.”17 

    Os camponeses pagavam tributos ao soberano e esse pagava tributos ao

    Egito. À medida que os camponeses não conseguiam saldar seus compromissos,

    tornavam-se escravos por dívidas. Muitos, para escaparem delas fugiam para as

    estepes, áreas de ninguém e se organizavam em grupos seminômades. Como

    14 Herbert DONNER. A História de Israel e dos Po vos Vizinho s, Vol. I, p. 52.15 Idem , p. 56.

    16 Encicl opédia Ilu str ada da Bíbli a , p. 267.

    17 Milton SCHWANTES. As tr ibos d e Javé  – Um a Experiênc ia Parad igmátic a , p. 106. 

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    sobrevivência a economia deles era baseada na produção de caprinos. Suas vidas

    eram constantes migrações em busca de água e de pastagens para os animais.

    Nesta época, surgem muitos conflitos por causa da terra. O certo é que aos poucos

    o campesinato cananeu vai se desvencilhando dos monarcas das planícies e

    buscando as montanhas, libertando-se do regime das cidades-estados.18 

    Os seminômades vivem em tendas e se alimentam do gado criado em

    pastagens extensivas, sobretudo dos pequenos animais, ovelhas e cabras. Alguns

    tinham bovinos (raros), camelos para se locomoverem e para o transporte de

    carga19. O grupo dos nômades se caracterizava por caçadores, coletores,

    agricultores migrantes, criadores de gado miúdo, metalúrgicos, ambulantes, ciganos

    e dos foras-da-lei das cidades20. O grupo dos agricultores e dos nômades erafechados em si e se excluíam mutuamente. Os nômades conduziam seus rebanhos

    às estepes e às margens do Crescente Fértil21. Isso era possível quando chovia e os

    territórios das estepes e dos desertos se cobriam com uma vegetação muito pobre e

    parca às necessidades dos rebanhos.22 

    No verão os nômades, se quisessem manter vivo o seu gado, eram obrigados

    a deslocar seu rebanho para o interior da terra cultivada, porque a estepe e o

    deserto não lhes ofereciam possibilidade de pastagens ao animais, devido à falta dechuva. Em alguns casos era possível entrar em acordo com os agricultores em

    relação ao uso das pastagens, visto que os rebanhos faziam um trabalho de

    fertilização, fornecendo esterco ao solo. Isso nem sempre era possível e

    freqüentemente se tinham conflitos nesse nível23.

    Os nômades criavam ovelhas e cabras, pois eram animais bem adaptados às

    encostas íngremes. As ovelhas serviam para fornecer lã e alimentação. Em Israel, a

    cauda gordurosa era considerada um excelente prato. A lã preta das ovelhas eratecida e utilizada para a cobertura das tendas. A lã branca para a confecção de

    roupas. As cabras forneciam carne e leite (coalhada) e os seus pêlos eram utilizados

    para a confecção de tecidos grosseiros e para a fabricação de odres. As ovelhas e

    cabritos eram mortos nos sacrifícios do tabernáculo e do templo. O rito dos

    18 Milton SCHWANTES. As tr ibos d e Javé  – Um a Experiênc ia Parad igmátic a , p. 107. 19 En ci clopédia Ilu st rad a da Bíbl ia , p. 259.

    20 Herbert DONNER. A História de Israel e dos Po vos Vizinho s, Vol. I, p.56. 21 At las da Bíblia , p. 822 Herbert DONNER. A História de Israel e dos Po vos Vizinho s, Vol. I, p. 53.

    23 Idem,  p. 53 

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    seminômades era matar um cordeiro ou cabrito e colocar o sangue no mastro e

    sacrificar a carne. A ovelha e o cabrito eram produtos preciosos para eles, a

    sobrevivência.

    No século XII, a Palestina dominada por monarcas e colonizada pelos

    egípcios impunha uma prática religiosa citadina. “O cul to citadino, vive, pois das

    realidades camponesas.”24 Isso significa dizer que a religião era uma legitimação do

    poder cananeu e egípcio sobre os camponeses e servia para a expropriação dos

    bens deles e entregá-los ao tempo e ao Estado, no período das festas, das

    colheitas, no recolhimento dos dízimos e tributos. “No mundo cananeu de planície, a

    religião citadina é religião de arrecadação de tributos. E, justamente, por ter esta

    função assume matizes da vida do agricultor. Seu tema central é o ciclo da naturezaporque sua função é a arrecadação do resultado ou fruto do trabalho dos

    camponeses.”25 

    O seminomadismo e o nomadismo eram um modo de vida no primitivo Israel.

    O pastoreio das estepes (no inverno) nos planaltos (na primavera e no verão),

    constituíam formas de pastoreio transumante. Os pastores moravam em meio aos

    povos sedentários de Canaã e do Egito. Os israelitas nômades pastoris

    compartilhavam com os israelitas agricultores um ressentimento comum: o conflitocontra a dominação exploradora do feudalismo cananeu e do imperialismo egípcio,

    dos quais sofriam do mesmo modo26.

    Portanto, o conflito que aparece na perícope de Gn 4, 1-7 é entre as cidades-

    estados e o campo e a luta é pela terra. Dado tudo isso, não reta dúvida de que o

    texto é escrito a partir da óptica dos lb,h (Abel), “sopro/vapor”, significando os povos

    oprimidos, mas que IHWH olha para eles.

    24 Milton SCHWANTES. As tr ibos d e Javé  – Um a Experiênc ia Parad igmátic a , p. 108. 25 Idem, p. 108. 

    26 Norman K. GOTTWALD. As Tribos d e Iahweh , p. 441-479.

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    V  –  A PERSPECTIVA TEOLÓGICA

     A perícope analisada tem um sentido muito profundo. Entretanto, algumas

    interpretações parecem ser reducionistas, empobrecendo o significado dela. Há umaforte tendência nos meios eclesiásticos de interpretar a atitude de Caim e de Abel

    através de um juízo moral, a partir do egoísmo de Caim e da bondade de Abel. Se

    consideramos que Abel era pastor, essa classe também não era muito bem vista no

     Antigo Israel, pois eram salteadores de pastagens. Ora, se se fecha nesta questão,

    torna-se difícil um diálogo teológico. Vamos tentar outro caminho, talvez mais árduo

    e interpretar o texto a partir do olhar de IHWH sobre Caim e Abel.

     A contextualização nos mostrou que o(s) autor(es) retrata (m) um conflitobásico, a luta pela terra. Partindo disso, vamos nos propor responder à questão

    levantada: por que IHWH considerou a oferenda de Abel e não a de Caim, se este

    oferece do fruto da terra e esta é para o israelita, sagrada? O problema não é tão

    simples de resolver, temos que perscrutar primeiramente quem é IHWH, a partir da

    teogonia israelita, visto que a teologia deste texto é a partir do javismo, isto é, a

    nomenclatura utilizada pelo redator bíblico é IHWH e não EL, por exemplo.

     A dimensão da transcendência divina é manifestada por três elementos: ocosmo, a antropologia e a história que se constituem evidências para mostrar a

    realidade de IHWH. A perícope analisada contém essas três dimensões. A cidade e

    o campo estão dentro de uma estrutura cosmológica. Entretanto, não se constroem

    sozinhos se não há o elemento antropológico que por sua vez faz a história e é

    nessa construção histórica que IHWH se revela.

    No princípio era o EL, depois BAAL  –  deuses da natureza e do Estado que

    tinham poder sobre a vida e sobre a morte. Posteriormente surge IHWH, que gera

    um povo a partir do evento da libertação. É esse acontecimento que faz com que

    IHWH seja chamado pelos israelitas de “nosso Deus”, pois fez do povo, gente, isto é,

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      24 

    Ele os elegeu e o povo ganhou uma identidade. Portanto, Israel passa a ser TU para

    IHWH.

    Dado isso, podemos trabalhar os outros elementos teológicos de Gn 4,1-7.

    Se partíssemos de um julgamento moral, limitar-nos-íamos somente a um

    conceito, o de pecado. Corremos o risco de determinar que IHWH não aceita a

    oferenda de Caim porque é pecaminosa.

    IHWH ama Caim. Tanto o é que ele é gerado com a ajuda Dele e tem

    possibilidade de escolher o seu caminho. Isso nos permite desmontar um outro

    conceito, o de um Deus excludente. IHWH tem uma opção sim, que está acima de

    povos ou de categorias sociológicas, religiosas, mas é pela vida. Sendo assim,

    temos um fio condutor bastante amplo e que evita análises fundamentalistas.Em Israel a questão da terra é central. Terra para o israelita é vida. No texto

    de Gn 4, 1-7, temos dois elementos de fertilidade: hm'd'a ]  (terra cultivável) e ATv.a 

    (mulher). Poderíamos definir esse pensamento da seguinte forma: a terra cultivada

    (hmd'a ] ) e a mãe de todos os viventes (hW"x) geraram Caim e Abel. Portanto, ambos

    estão estritamente ligados à da terra. O problema é o mau uso dela.

     A terra de Caim é fértil. Porém ele não a partilha e leva a sua oferenda “no fimde um tempo”, ou seja, ele  oferece as migalhas da vida. IHWH quer vida em

    abundância. Abel, como o próprio nome diz é algo fugaz e representa os pequeninos

    (vida passageira/sopro) que oferece as primícias, isto é da abundância. Na luta pela

    terra, a opção de IHWH é olhar por aqueles que lutam pela vida e conseguem

    oferecê-la como gratuidade, mesmo não a tendo (sopro). Isso faz com que até IHWH

    contemple esta ação.

    Em Gn 4, 1-7, podemos compreender a profundidade da ação de IHWH. Ele é

    o Deus que sente com o seu povo. A grandeza Dele se torna pequenez e ele é

    capaz de estimar a gordura do rebanho, isto é, um Deus-Companheiro, aquele que

    come da mesma comida (pão) do seu povo. Conforme nossa pesquisa, a parte

    gordurosa da cauda de um cordeiro era um excelente prato e IHWH se torna aquele

    que faz refeição com o seu povo. Fazer refeição é celebrar a festa da vida e da

    alegria. E quando IHWH aceita a oferenda do pequeno faz com ele aliança. A

    aliança é estabelecida pelo olhar da transcendência, porque quando IHWH

    contempla deixa vir à tona sua identidade.

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      25 

    E Deus contemplou a vida. Ao fazê-lo Caim fica irado e o semblante dele

    decai. Ele perde a sua identidade perante IHWH. Quem não promove a vida, perde a

    identidade de si mesmo e se afasta do Doador da Vida. Aqui é necessário ir ao texto

    hebraico hwhy> 

    rm,aYOw

    :

    . O verbo rm,a (falar, dizer) está no QAL imperfeito e tem ação

    incompleta. Isso significa dizer que o “falar” de IHWH é um constante questionar

    sobre a oferenda da vida. A oferenda de Caim não é aceita não porque é invejoso,

    mas porque ele comete um pecado sério contra aqueles que são pequenos e IHWH

    é o Deus dos pequenos. O pecado de Caim é não partilhar da fertilidade de sua terra

    que poderia gerar vida em abundância.

    O olhar contemplativo de IHWH não se fixa onde não há a oferenda da vida.

    Seus olhos não conseguem contemplar estruturas de morte. Caim, mesmo ajudado

    por Deus, escolhe um projeto de opressão e tem liberdade para isso. O ápice de sua

    ação contra a vida vai além de Gn 4, 1-7 e temos o “primeiro” homicídio. “Disse Caim

    a Abel, seu irmão: vamos ao campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu

    irmão, e o matou.” (Gn 8). A ação foi concluída, Abel é morto no campo, local da

    fertilidade, onde se geram os frutos da terra. Mas IHWH pôs em Caim um sinal para

    que ninguém tirasse a vida dele (Gn 15).

    Como conclusão, a perspectiva teológica nos faz questionar as relações

    sociais em nossa sociedade. A saga de Caim e de Abel se atualiza nos dias

    hodiernos e tem a sua aplicabilidade. Quem são os “Cains” e os “Abeis”? Países

    desenvolvidos e subdesenvolvidos? Latifundiários e sem-terras? Enunciados para tal

    não faltam! O que nos interessa e que nos questiona é que apesar dos sinais de não

    partilha da vida (Caim) presentes em nossa sociedade, há aprofunda e agradável

    oferenda da Esperança (Abel). E o olhar da transcendência de IHWH continua

    contemplar e a proteger os pequeninos. Para os insensíveis parece que cessaram

    as profecias e IHWH silenciou. Desde aquele tempo até hoje, a fala de Dele não

    cessa (Gn 4,7). Ele grita em favor da vida questiona perenemente aquele que não a

    promove. Quem luta pela vida não tem a face decaída e não perde a sua identidade,

    porque tem nela o brilho da força criadora de IHWH.

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