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Giselc Alciz LA VOURA ARCAICA: UMA ANALISE INTERSEMIOTICA Monogrofiu aprcscntada ao Curso de LClras da Faculdade de Ciencias Humanas, Lclras c Artcs, da Univcrsidade Tuiuti do PammJ., como requisilO parcial para a oblem;ao do grau de liccnciado. Oricntador: Denise Azevedo Duarte GuimarJes Curitiba 2006

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Giselc Alciz

LA VOURA ARCAICA: UMA ANALISE INTERSEMIOTICA

Monogrofiu aprcscntada ao Curso de LClras daFaculdade de Ciencias Humanas, Lclras c Artcs, daUnivcrsidade Tuiuti do PammJ., como requisilO parcialpara a oblem;ao do grau de liccnciado.

Oricntador: Denise Azevedo Duarte GuimarJes

Curitiba2006

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SUMARIO

l.INTRODU(:AO ..•............•.•..•...•...•.....•....•.. 1

2. LA VOURA ARCAICA: UMA ANALISE LITEAARIA2.1 Enredo, narrador, estilo e ponto de vista.2.2 Espa,o... . .2.3 Tempo .2.4 Personagens .2.4.1 Andre .2.4.2 Ana .2.4.3 Pedro

. 5.. 11

.. 13... 16

. 16..18...20

.... 21..22

....24

2.4.4 A miie .2.4.50 pai. .2.5 Hcideggcr em Lavoura Arcaica .

3. LA VOURA ARCAICA: UMA ANALISE CINEMATOGAAFICA3.1 Ficha tecnica .3.2 Narrador3.3.Personagens cinematograticos ....3.3.1 Andre.3.3.2 Ana3.3.3 Pedro . .3.3.4 Os pais . 313.4. Espa~o e tempo cinematografico 323.5. As contribui~ocs das tcorias de Antonin Artaud .35

. 25......... 26

..27....27...28

. 30

4. LA VOURA ARCAICA: UMA ANALISE INTERSEMIOTICA4.I.A for,a do vinho4.2.Pcl1as intimas4.3.Cultura Libanesa .4.4.Terra

.............. 36....... 37

. 39....40

. .41.......... .41

4.5.Trem .4.6.Gafanhoto

5.CONSIDERA(:OES FINAlS ....

6. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS .44

. .43

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RESUMO:

o objetivo dcste trabalho e analisar 0 filme Lavoura Arcaica de Luiz FernandoCarvalho numa pcrspectiva intersemiotica. Esse filme e a transcria~ao da obra Iiteniriade mesmo nome escrita por Raduan Nassar. 0 livro e 0 filme serao analisadosseparados e, por fim, sera realizada uma analise intersemi6tica sabre como 0 filme econstruido a partir do livro. Algumas ccnas scraa analisadas em dctalhcs, para mclhorserem identificados os USGS especificos de simbolos, cores, luminosidade, objetos,interprcta~ao dos atores, entre outros elementos.

Palavras-chave: analise intersemi6tica; Iitcratura; cinema; transcria~ao.

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ABSTRACT:

The aim of this project is to analyse the film Lavoura Arcaica by Luiz FernandoCarvalho in an intersemiotical prospect. This film is a "transcreation" of the book,which has the same name, by Raduan Nassar. The book and the film will be analysedseparately, and it will be realized an intersemiotical analysis about how the film isbuilt into the book. Some scenes will be analysed in details to identify specifics usesof simbals, colors, lights, objects, actor's interpretations, in others elements.

Key-words: intersemiotical analysis; literature, cinema, transcreation.

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J.INTRODU<;:AOo filmc Lavallra Arcaica, do dirctor Luiz Fernando Carvalho, e uma

lranscria~ao cia obra de mcsmo nome de Raduan Nassar. A adapla<;ao do romance

para 0 rotciro cincmalografico foi realizada pela proprio dircLor. Assim. sent realizada

lima compara~ao entre 0 livro e 0 liImc, i.lnalisando ted a a estrutura discursiva

utiliznda em ambos e cia mesma forma, treehos que foram suprimidos Oll acrescidos

para complementar 0 langa melragcm.

A obra de Raduan Nassar e lima narrativa intimista, com um estilo

aproximado da prosa-poetica, desse modo, 0 rotcirista nccessitou realizar uma

IradlH;ao illlersemiolica, ja que se trala de (TanSpOr ideias de lim Lexlo cscrito para urn

tcxto lihnico, 110 qual essas ideias senic cxprcssas por meio de lecnicas

cinCl11atognlficas.

o proccsso dc transpor ideias de lUll plano de escrita para lun plano de,

imagcm clevc SCI"pcnsado com cautela, visto que J11uitos roteiristas nao se adequam its

propostas dos escritores. Este C lUll fator essencial ao transcriar uma obra para 0

cinema, as idcias prccisam ser mantidas c adaptac1as com 0 auxilio de recursos

cinematogr:Hicos. como 0 enfoquc da cfunnra, angulayao e pianos, entre OlilrOS,

utiliz3lldo-sc tambclll de elementos scmiutil:os como 0 cecito dc cores. sons, gestos,

cCI1i:lrio, vestuario, ilumina<;iio c outros dctalhes relcvantcs pnra cxprcssar 0 que se

dcscja elll cac1a cClla. Esses c6digos poderao SCI"cxplol"ados con tonne as rclm;6cs que 0

dirctor quiser explorar em sua obra.

No caso de Lavoura Arcaica, acreclita-se nfio haver grandcs problemas com

sua transcria<;ao, pois Luiz Fernando Carvalho rcalizoll a adapta((fio da obra para 0

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roteiro com 0 intuito de manter a fidelidade ao cstilo narrativo de Raduan Nassar;

dessa maneira, como ja citado, analisaremos os rccursos utilizados para sua melhor

adaptayao. Desse modo, nossa inteny30 sera responder as seguintes quest5es:

• Como Luiz Fernando Carvalho traduziu a obra liter{lria Lavoura Arcaica para 0

cinema?

• Que reeursos cinematogriiticos 0 dirctor utilizou para melhor adaptac,:ao?

• Que recursos scmiMicos ele utilizou para melhor traduc,:aocia obra escrita para a

obra fflrnica?

LaVOllra Arcaica e uma hist6ria densa, cheia de lirismo, loucura, crotismo,

cOllflitos familiarcs. E a hist6ria de Andre, um dos filhos de uma familia de origem

libanesa, criado sob rfgida educayao e em uma fazenda. Ele possui lima mcntalidadc

inquieta e nao concorda com a vida que leva, pois seu desejo e conhecer 0 mUlldo e

des[rutar da vida.

Pela riqueza do enredo, 0 livro e 0 filme possuem elementos em COlllum que

foram respeitados na transcriac;ao: 0 tempo, 0 estilo de cpoca, caracterfsticas de cada

personagem, relayoes dial6gicas, como por cxcmplo, trac;os biografieos do autor,

relac,:ao com a parabola do "tilho pr6digo", as intlllcncias culturais libancsas c 0

erotismo.

Um tilme podc scr intcrpretado de maneiras difcrentes, entre palavras e

imagens 0 telespectador usara sua "bagagem cultural" para cstabc1eccr relac;ocs com 0

filme. Para cOllquistar a possibilidade de multiplas interpretayoes e necessario que 0

rotcirista, nessc caso, 0 roteirista-diretor, possua lim dominio dos c6digos

cinematogritticos e literarios. 0 uso correlo desses c6digos, que podcm ser visllais,

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sonoros, espacio-tcmporais, conlribuirao para uma visualizac;ao tolal do t-ilme,

suscitando diversas relac;oes e interpretac;oes da ohra.

Espera-sc que essa analise interscmi6tica possibilite retlexoes e relac;oes

intereSs31ltcs sobre essa imporlante obra de Raduan Nassar e sobre as tecnicas de Luiz

Fernando Carvalho, 0 qual ja rcalizou boas prodll(;oes de ambito internacionaL

Nosso objelivo gcral sera analisar a traduc;ao inlerscmiolica da obra Lavoura

Arcaica para 0 cinema. Incluindo como objetivos cspecificos:

• Allalisar a estrutura e cnredo da obra litcraria Lavoura Arcaica;

• J\precnder estruturas b{lsicas do texto para a an{liisc da rcprodur;ao nas imagcns

cincmalograficas;

• Analisar e situar provo.veis problemas de adaptac;[io!tradur;[io do romance no

longa mctragcm;

• Analisar as adequac;ocs interscmioticas realizadas pclo diretor-rolcirista no

filmc.

Esse trabalho compreendera Ires Illomcntos: a amllise da obra liten'iria, a

analise do filme c a an{ilisc comparativa entre obra Iitcr{lria e cincmalOgrMica.

Inicialmcnte, ser{l realizada uma 3n{lIise da obra Lavoura Arcaica de Raduan

Nassar. Ess<lanalise scni dclalhada, comprecndendo capitulo por capitulo. 0 scguinte

passo serfl analisar elementos narrativQs como ponto de vista narrativo, tcmpo, espac;o,

personagens. linguagem, cstilo, relar;oes dial6gicas, entre outros.

No aspecto relativo ao lilmc, serao abordados conceitos de cinema e recursos

cincmalogrMicos. com analise de cellas, assim como analise dc pcrsonagens.

caractcriza~i'io c interprct3'.;no, figurino, sonoplastia, linguagcm c estilo, tempo e

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efcitos cinematogriiticos. Com rcspeilo a interpretayao dos personagens, sera feila uma

breve abordagem e relavao, mencionada por Luiz Pernando Carvalho, com as teorias

teatrais de Antonin Artaud.

No terceiro momento, cntim, sera realizada a amllise inlcrscmiotica do livro

ao filme, em que sedio compreendidas rela96cs da inilucncia dns cores, em tcrlTIOS

gerais, e das cores nos figurinos, a iluminayao, slIprcssoes Oll acrescimos de cenas Oll

elementos da obra litcniria, bem como dos simbolos que sugerem compreensao do

psico16gico de Andre, como a terra, por cxcmplo, entre OlltroSelementos relcvantes.

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2. LA VOURA A RCAICA - UMA ANALISE L1TEAARlA

2.1 EN REDO, NARRADOR, ESTILO E PONTO DE VISTA

A obrn Lavoura Arcaica de Raduan Nassar csta dividida em duas partes

principais: A partida e 0 retorno. A partida do Ii[ho prodigo Andre, insatisfeito com a

vida que leva na fazenda, rcprimido pela euucac;no rigida libanesa que seu pai Ihe

oferece e a supcrprotcs;ao de sua mac. Ele estava sofrendo com a paixao correspond ida

pcb sua irma Ana, cansado dos trabalhos arciuos c arcaicos. 0 retorno para a [amilia,

que licoH deseSlruturacia com sua partida, «aquclc que tinha sc perdido tornoll ao lar,

aquelc pelo qllal chonlvamos nos [oi devolvido". (NASSAR, 2005, p.150) 0 retorno

para dcrrubii.-la.

o romance posslIi uma cstrutura naa-linear, sendo narrado em la pessoa,

Andre nos conta sua hist6ria, scus conflitos, SlIHS mcmorias. Dc csscncia intimista c

mClrtorialisla, a obra rcvcla trayos psicologieos de Andre, flash backs, sentimcntos,

lllon61ogos interiorcs, combinados a uma linguagcl1l dcscritiva C poclica.

Em um quarto de pCllsao inleriorana inicia a narrativa, Andre esta deilado no

velho assoalho quando Pedro, seu irlllilo mais velho bate a porta, veio busc{I-lo. Veslc-

se c abre a porIa. num abrac;o quc possuia a ror<;a dn ramilia inteira, Andre 0 convida a

scnla!". Em lim gcsto "aulorit{lria", Pedro lira 0 len~o do bolsa e diz para Andre abotoar

a camisa. Nessc momenta. rcvcla-sc lim dos trayos de rcprimcnda c cducac;ao rigida

daqucla C1J11i1ia.

Ap6s uma breve memoria de sua inmIH..:ia, de sua cabra Sudanesa, dos hftbilOS

cia fazcnda. da rel:u;ao da familia, de sua rela<;ao com sua mae, mile cssa que dcvorava

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todo amor ao seu filho, "vern, cora'rao, vern brincar com teus irmaos" (Jd.ib., p.33) no

quarto de pensao, Andre ofcrcee vinho ao irmao.

Numa retlexao embebida no liquido dionisiaco. os irmaos cntraram cm

profunda retlexao e lcmbran~as de suas vidas ale ali. Enquanto Pcdro eontemptava 0

dcsastre de sua familia "quanto mais eslrulurada, mais violento 0 baque, a fon;a e a

alegria de LImafamilia assim podem desaparecer com um tmico golpe" (ld.ib., p.28),

Andre evocava lembranyas sinestesicas da fazenda, os dias claros de domingo, 0

frescor do vento entre as arvores, os vestidos claros e leves das camponesas, a figura

de Ana. Ela, que ao som da Dauta, "impaciente, impetuosa, 0 eorpo de eamponia, a

tlor vermelha fcito um coalho de sanguc prendendo dc lade os cabelos negros e soltos,

essa minha irma que, como eu, mais que qualquer outro em casa, trazia a peste no

eorpo" (hUb., p.30), eneantava com sua danya cigana, despertando sempre 0 desejo do

irmao. Lembrou-se da sua partida, entao Pedro rclatou, como que por coincidencia, a

figura da mfic quando cste ia partir para buscar 0 filho perdido. Mae que jtt estava

pensando em aml1ssar 0 pao doce que seu filho tanto gostava.

Como num estouro de emot;ocs, lembranyas e revoltas, Andre grita para Pedro

que e lim epiletico, que e a desgraya da 1~lmfiia,que traz 0 demonio no corpo. Esse

nllor sc mistura a rd1cxoes sobrc as pes;as intimas cia familia, que era a forma

enconlrada por Andre para eonhcecr cada lim da t~lmilia.

Nas lembranyas da Illlllfiia, 0 rai <) cabeceira da mcsa. seguindo com seu ritual

solcne e scu diseurso. Parecia um profeta guiando sells "disci pulos" ao que era correlo.

"0 tempo C 0 maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsllmivel, 0

tempo e 0 !lOSSO melhor alimento; sem medida que 0 wohe,a, 0 tcmpo e contudo

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nosso bem de maior grandeza (...)" (/cUb., p.53-54) Assim seguiam-se sellS sermoes

nos momentos de reteiC;3o,"0 nosso ritual de austeridade".

Ainda divagando nas mcm6rias da familia, momentos eom Ana, as enconlros

na easa velha. Ana era como uma pombinha de sua inffmcia, procurava atrai-la com

annadilhas. Em mais lima explosao no cspacy:odiegctico, confessa il Pedro seu apego it

Ana. Ela era 0 motivo de sua loueura. Em algum lugar de sua memoria, mais alem,

tenta convcnccr Ana, de que nao havia nada de crrado, pois "a felicidade s6 pode ser

cncontrada no scio cia nunilia". Nessc momento, Ana csta em preees na capel a,

cant rita e chorando. sabc do que Ihes acomcte. Andre baba enlollqllceido, tentando

pcrsuadi-Ia.

Em seu retorno, Pedro cumpriu seu objetivo, trazer de volta 0 irmao perdido.

Aqui sc estabeleee lima relayao direta com a parabola do Pilho Pr6digo: "dali a pOlleo

comec;ariam de vespera os preparativos para celebrar a minha p[lscoa". Bem rccebido

apos a fuga, uma resla 0 esperava. Sell pai, sua mfie, sellS irmaos: Rosa, Zuleika, !-lucia,

Pedro, Ana e Lula. Uma melafora c rclutadn pOl'Andre. Sun familia era definida 1.:01110

uma arvorc. 0 galho da dircita vinha de seu pai, 0 galho da csquerda ciasua mae. 0 cia

direita "perfeito", 0 da csquerda cum cicalriz. Apos abrayos, bcijos e tim banho

revigorador, a con versa com 0 pai. Uma conversa IUlllultuada sobrc valores c

vercladciro amor, mas que Andre se dcsculpa e (\;1 nova luz ao pai, dizcndo quercr

merecer "dc coraCY:losinccro" scu a1110r.

Em seu quarto enconlra Lula, seu irm50 eayula. chateado por n:1o tcr

procurado por elc. Lula confcssa que vai fugir de casa. Galho csquerdo da hllllilia,

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segue exemplo do irmao. Andre tenta persuadi-Io que nao, nao vale a pena. Percebe

tambcm que sua caixa some, onde guardava IcmbralH;as de suas mulheres da cidade.

Na festa, todos cantam e danyam satisfeitos por sua volta, ele em um canto.

Em meio ao som das llaulas, ressurge Ana voluptuosa vestida com os objetos das

mulheres de Andre, profana. 0 patriarca furioso a atingc com um s6 golpe fatal. A

desllniJo da familia. 0 retorno para desaba-ia.

o inlimismo memoriaiista em Lavoura Arcaica gira em torno lias mem6rias

de Andre; como sc divagasse em suas lembranyas na minima sugesHio do passado, sua

inITincia foi algo marcante. Assim nos prcpara Raduan ao citar Jorge de Lima: "Que

culpa temos nos dessa planta da int~lncia, de sua seduyao, de seu viyo e constfmcia?".

Parte a parte, Andre, ° narrador protagonista, nos mostra momentos de sua infancia,

aqucla c1aridade, os longos passeios pela fazenda, 0 chciro, a luz, a ncccssidade da

natureza, expressa desde cedo pelo costume de esfregar os pes descalyos na terra. Essa

necessidadc de rclcmbrar 0 passado para justificar 0 presente.

Na modorra das tardes vadias na fazenda, era nllm shio 1{1 do bosque que elleseapava aos oHms da familia; <lliwinava a febre dos mells pes na terralllnida, cobria meu corpo de folhas e, dcitado a sornbra, Cll dormia napostura quieta de lima plmlla enfenna vergada ao peso de lun bataovcrmclho; nao cram duendes aqueles troncos todos ao redor, velando emsilcncio e chcios de pacicncia mel! sono adolescente? (ld. ib., p.13)

o convivio mental com os bOils tcmpos traz ,\ tona dctalhes nost{ligicos,

sineslesicos que dao forma ;:\narrativa, lcvando-nos de lIlll plano para outro com a

levcza da pocsia inscrida nos pcnsamentos c sentimcntos do personagem, COIllOao

descrever a t~lzenda de Slla inlTmcia: "0 pao caseiro sobre a mesa, 0 cafe C0111leite e a

mantcigllcira, essa c1arid<lde luminosa de nossa casa" (Jd.ib., p.27); e ao ralar do feno

de sua cUllla: "que graos mais brancos c scnificos, debulhando sorrisos pliiddos, se a

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varejeira do mcu sonho verde me saia pelos labios?" (Jdib., p. 51) Dctalhcs que nos

transportam para aquela atmosfera tao primitiva, lao simples, tao arcaica.

Raduan, no auge da paixao de Andre por Ana, utiliza como rccurso uma

linguagcm de prece religiosa, uma prece sagrada e profana a Deus para permitir que

essa paixao pudesse scr vivida. Apesar de Andre encontrar-se bem clistante de Deus e

sem fe, esse momenta surpreende por scr lim apc10 tao vibranle, profundo e quase

insano.

mcu Dcus, cu pedia um milagre e ell na rninha Jescren~a Te devo[vo a existencia.(...), 6 Deus, e ell em paga deste sopro voarei me deitando ternmllente sobre Teucorpo, e com mellSdedos aplicados re1l10verei0 anzo[ de DurOque Te fisgoll 11111diu aboca, lirnp<lndodepois com rigor Tell rosto machllcado, (. ..) limparei Tllas unhascscuras nas minhas unhas, co[hcrci, llma a uma, <IS[ibe[u[<lsque Jesovam no Tllpubis, (ld.ib., p.I05)

Em oulro momenlo, 0 autor usa cle discurso indirelo livre para a lluencia cia

narrativa, ou seja, transcreve pensamcntos (tluxo de cOllseicncia) Oll falas de forma

quase clireta, no caso de Raduan, para falas utiliza simplesmente aspas e, raramente

parenteses. Esse rccurso tlui com a "dcsconstru{(ao cia ppntuayao", outro hllor

marcanle no eSlilo cle Nassar, ciancio urn tom sem ritmo, em que 0 leilor necessita

aten{(ao para a seqUencia cle descriyoes e aconteeimentos. Em geral ele usa 0 ponto-e-

virgula como ponto final ou pausa para a leitura. Qutro elemento de linguagem e 0

minimo L1S0 de par{lgrafos. 0 alltor escreve scm inlerrupt;:oes, Oll seja, paragrafos, as

divisoes por cle 1I1ilizadasao os pr6prios momentos da narrativa.

( ...) assim que ele entrou, [kamos de frente llln para 0 outro, [lOSSOSolhosparaJos, era urn espac;o de terra seca que nos separava, tinha Slisto e espantonesse po, mas niio era uma deseoberta, nem sei 0 que era, e niio dizLnllloSnaJa, ate que ele estendeu os brac;os e fechou ern silencio as maos fortes nosIllCUSornbros e nos nos olharnos e nurn mornento preciso nOssas rnermiriasnos assaltararn os 01110S em aLropel0, e ell vi de repenle scus olhos selTlolharem, e roi entao que ele me abrayou, e eu senti nos seus braryos 0 pesodos brat;os cncharcados da familia intcira; vo[tarnos a nos olhar c' ell disse"nao Ie esperava" foi () que eu disse confLlso com 0 desajeito do quc dizia e

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ellCio de receio de mc deixar escapar nao importava com 0 que cu fossc In<lizer, mesmo assim Cli repeli "nao te cspcrava" roi isso 0 que eu dissc 111aislima vez e eu senti a forya podcrosa dn familia desabando sobrc mim comoum aguucciro pcsado enqllanlo clc dizia "nos te alllumos muito, nos Ieumamos muito" e era tudo 0 que cle dizia enquanlo me abray;wa mais limave7.; ( ... ) (kUb., p.ll)

Ainda sabre a Iinguagcm, c relcvante citar algumas figuras de linguagclll

como a meta fora e a sinestcsia. 0 estilo de escrcvcr de Raduan prcnde pelos rccursos

cllvolvelllCS, desse modo. suas I11clilforassao sofistic<ldas como "era de estrume mel!

travessciro, ali onde gennina a planta mais improv{lvel, certo cogumelo, certa !lor

vcncnosa, que brota COIllvirulencia rompendo 0 l11usgo dos textos dos mais velhos"

(Id.ib., p.52); <Oa voz de meu irmao, calma e serena como convinha, era ullla ora~ao

que ele dizia quando COI11CyOUa falar (era 0 mcu pai) da cal c das pedras da nossa

cotedrol.'· (/rl.ib., p.1S) e "as alho$ sao 0 condeia do carpa" (/d.ih., p.1S)

As sinestesias OCOITemcom mais freqUencia, pois Andre parece querer sentir,

provar e tcr em si tudo que Ihe cnvolvc, C0l110 quando qucria conhcccr mclhor cad a um

de sua casa por mcio das pelYasintimas.

a energia encarncolada e reprimida do mais rneigo cabelo do Pllbis, c nem erapn.;ciso revolver ll1uitu para enconlrar as manchas pcri6dicas de nogueira nofundilho dos p<lnos1cvcs das mulhcrcs (lU escutar 0 solw,:omudD quc subia doescroto engomando 0 algodao branco c macio das cueeas, era prcciso conhecer 0

corpo da familia imeira, leT !las miios as toalhas higienicas cobcrtas de IIIIl 1'6vermclho como se fosscm as 10<lllm$de um assassino, (hUb.. p.45)

Nassar usou tambcm, de lonna cspecifica, 0 discurso dircto no primciro

contato que Andre tcv<.:com Lula, sell irmao mais jOVCIll,em sell 1"<.:lorno.lssoocorre

para idcntificar lima certa inrormalidadc nessa conversa, .iii que Lula, pcrlcncente ao

mesmo galho de Andre cAlla, POSSLlCIllmentalidadc e desejos de liberdadc

scmclhanles.

Lula demorou para dcscobrir a cabcf;a e me olholl sc virar 0 corpo. rOSll:lnuoqualquer coisa hosli1 como sc tivcsse sido dcspcrtado, nno conscguindo contudocsconder sell conlcnlamento.-Voce donnia?

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-Claro! Entao voce nao viu que ell dormia?-13 que eu queria ter IIIll dedo de conversa com voce, roi s6 por isso que Ie acordci.-Conversar 0 que?-Acabo de voltar pm casa, Lula. (ldih., p.17S)

Os parenteses sao usados em alguns momentos em que sao dados

esclarecimcntos "( ...) cvitando conhecer os Illotivos irnpios da minha fuga (embora

sugerindo discretamcnte que mClIspass os [OSSCJl1 um mall cxemplo pro Lula, 0 cayula,

cujos olhos scmpre estivermn mais perto de mim), meu innao pos um sopro qucnte na

sua prece (...)" (Id.ib., p. 24). Silo marcas importantcs para sintctizar e, ao mcsmo

tempo, esclarccer detennilladas situac;:oes, <IS vezes, com lima cerra ironia '" ( ...) ele

(Pedro) que vinha caminhando sereno e seguro, lim tanto solene (como meu pai) (...)"

(ld.ib., p. 25), au ainda, para profundas revclaf;oes "Desde minha fuga, era calando

minha revolta (tinha contundencia mcu silencio! Tinha textura a minha raiva!) que eu,

a cada passo, me distanciava lit da fazenda (...)"(JcUh., p. 35)

Com essa abordagem genii, pode-se alinnar que Raduall Nassar, nessa obra,

usou de teenieas amplas e cocrentcs de acorda com cada SiLu'H,;aoe com cada

pcrsonagcm em especial, dcssa mancira, rcvelando um estilo mesclado dc prosa-

poetica com lrac;os agrcssivos e insanos.

2.2 ESPA<;;O

o cspac;o em Lavoura Arcaica compreende dais locais principais e

significalivQs: a fazendn e a pen sao interiorana. Suas descric;ocs tra7.cm a formac;ao de

uma imagclll visual de onde se passa a narn.lliva, a dcscriyfio de lima geogralia

litenlria, aprof'undando as relayocs do que sc C lalado na obra.

A nlzenda c manifeslada pela mente de Andre como limite para a liberdade e

para a fclieidadc, esses limites cia fazcnda silOas "Iimiles de mell pai". " nao passanclo

II

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de ilusao, no meu caso, a felicidadc que eu pudesse ter vislumbrado para ah~m das

divisas de meu pai;" (fcUb., p.24)

Essa relaryao e muito mais abrangcnlc do que 0 espayo fisico e geogn'itlco, e

um cspacro psicol6gico e moral. A fazcnda representa 0 proprio interior e tradiyao da

familia de Andre, uma lradicrao arcaica de cuhura e agricultura, de ser e de obedecer a

rigidas regras c dcvcres.

Na fazenda h{1outras divisoes, a casa grande, onde a familia mora; a cas a

vc1ha, onde Andre e Ana se encontram; e a carela, onde Ana rcza. A casa grande e

Huminada e chcia de alegria, alegria trnzida pelas mulheres da casa, mas tambem e

local de descanso c serm<lcs. A casa velha e possuidora de desejos e ilus6cs dos dois

personagens, local de clamor a Deus, local de tcntayao para Ana e ils vezcs dcsamparo

e sossego para Andre "ell procurava, cmbora me queimalldo, aliciar a casa velha, sell

silencio de Illorcegos, os sellS fantasmas, traze-Ios Lodos, como aliados" (fcUb., p.1 16);,

"sclllindo duas maos enormcs dcbaixo dos me us passos, mc recolhi na casa vclha da

f'lIzenda, liz dela 0 mel! refugio, 0 csconderijo 1(ldieoda Illinha ins6nia e suas do res"

(/cUb., p.93). A capcla e ullla prote~ao maior para os desejos de Ana, cia fica mais

resisLente aos sells anseios e ao que Andre nlla.

fazendo uma Pilll!>;.\no fluxo da minim prccc, agllilrdei perdido em confusos sonhos.meus olhos caidos no dorso dela. meu pensamcnto caido nUllla paragcm inquicta,mas tinha sido tudo inIHi!, Anil nilo sc mexia, continlHlVil de joclhos, tinha 0 corpode madeira, nem sci sc rcspirilvil (Idib., p.126)

Fora dos limitcs da fazenda. 0 espa~o C dc liberdade e felicidade. A pensao

inleriorana se estabelece como 11.11;de forma mais especirica podc-se relatar 0 quarto

de pen sao, que rcprcscnla para Andre lllll iugar (mica e sagrado. "Os olhos 110 teto. a

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nudez dentro do quarto; r6sco, azul ou violaceo, 0 quarto e inviolavcl: 0 quarto e

individual, e um mundo, quarto catcdral" (Jd. ib., p.9)

Quando Pedro CSt{lcom Andre na pensao, ambos embebidos em vinho e

aliviando suas consciencias c corar;oes, 0 quarto se toma menos valoroso. "naquele

meu quarto dccaido, cst1.lVamOSos dois .iii quase encharcados, as tlvas no forro, c

nossos olhos molhados" (ld.ib., p.70)

Em tim momento da obra, 0 narrador-personagem vai descrever um

pensamento seu a respeito do cspayo. Esse espayo relacionado com 0 tempo e 0

rom pimenlo do dcsconhecido, e a vontade de Andre conheecr 0 que h{l al6m das

fi'ontciras da razcnda, um anseio por liberdadc.

todo espao;,:o exisle para um passeio, passei a dizer, e a dizer 0 que nunca Imviascqucr suspcilaJo antes, nenhurn espa~o existe sc nao for fecundado, como quemcntra nl! mata virgcm e se a!oja no interior, como quem penetm 111lm circulo depessoa em vez de circunda-lo timidamente de longe (Jd.ib., p.S9)

2.3TEMJ'O

Os tempos em Lavoura Arca;ca sao de um rapido e ciclico movimcnto

temporal, van do cronol6gico ao psicol{")gico, tendo seu {Ipice com 0 denso, mas

tluente Jluxo de consciencia.

o tempo cronol6gico c marcado de fonna mais geral pela clivisao cia obra: A

par/ida e 0 retorno: esse reconhecimento e estabelecido pelo narrador-personagcm

Andre em sua ruga e com sua volta a casa paterna. ;\ primcira parte inicia-se no quarto

de pensao. s6 hft como identificar se e manha, tarde ou noitc quando Pedro pcrgunta

"por que as venezianas esUio fechadas'?" (Id. ib., p.16); ncssc momcnlo, Andre carre

abrir a janela "e fora tinha ltlll 11m de tarde tenro e quase frio, feito de um sol tibroso e

alaranjado ..." (Jdib., p.16) Manirestalll-se escassos periodos do dia nessa primeira

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parte da obra, 0 que ira sc repctir no segundo momento com um pouco mais de

freqOencia.

o retorno e marcado pelo resgate de Andre: "Pedro cumprira sua missao me

devolvendo ao seio cia l~l1njJia; foi um longo percurso marcado por um duro

recolhimento ..." (Jd.ib., p. 149) A partir desse momento algumas marcas cronologicas

aparecem, mas ntio htl identificayao de dia, mes, ano, cpoca. 0 que existem sao marcas

simples de tempo entre c1aridade e escLlridao, elemento import an Ie nessa narrativa:

" ...era ja noite quando chegamos, .. " (/(l.ib., p.149); " ... transformando a l10ite escura

do mell retorno nllma manha cheia de luz, armanclo desde cedo 0 cenario para minim

p,-lscoa.." (/d. ib , p.185); a periodizayao do dia rcaparccc com sua chegada a fazcnda.

Com 0 <lbandono cia fazcnda, hOllVCa ncccssidade do resgate do tilho

tresmalhado por sell irmao Pedro; chcgando a pen sao os dois lravam um dialogo em

que 0 tempo psicol6gico e 0 £luxo de consciencia se mesc1am ils Illcm6rias da famflia,

os motivos da fuga s50 expostos. 0 tempo e estendiclo at raves das cmoyocs, algumas

provoeadas pelo vinho.

No lempo psicologico. a obra revela por meio do estilo inovaclor do aulor

f'elizes manif'estayoes. Raduan Nassar partindo de lim determinado momenta cia fuga

de Anelre possibilila 0 conhecimento de toda historia do narrador-personagem, de seu

<lmor, de slia familia, dc SCliSpensamentos e em090es e de sua loucura por mcio do

proprio personagem. Para isso, utiliza 0 jlash-back mais descrilivo, quando 0 filho

prildigo rala dc Slla int~lncia e acontecimcnlos da familia e na fazenc1a, sells ncrvosos

m01l1cntos com Ana. Esse tempo psicologico e abundante na obra, 0 ritmo do livro sc

baseia nesse tempo eom a fiucncia de acontecimentos.

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Dcitado na palha. nil como vim ao mundo, eu conheci a paz; 0 quarto cslava escuro,em wlvez a hora em que as mllcs embalarn os filhos, soprando-Ihes ternas fanlasias;mas la fora ainda era dia, era lim 11m de tarde cheio de brandum, era UII1eeu tenrotodo fcilo de um rosa dubio e vagaroso; cal pensando nessa hom tranqilila ern queos rcbanhos procurarn ° pOljo e os passaros derradeiros buscam 0 repolIso; e pcnseilambCm que Cll poderia. sc TIlCdebruljassc na janela, vcr as mlvens csgan;adas sedcslocando pacicnlemenlc como as barbas de lim anciilo, ale que no ceu lima suaveconcha cscum apagassc 0 dia, cobrindo-sc aos pOLICOSde muilas mamas, pm nutrirna madrugadn mcninos de pijnma; (/(Ub., p.113-114)

o autor adiciona a esses itens 0 fluxo de conscicncia, que exala as

indigna~6cs de Andre, 0 que descja [alar, mas omite; 0 que pensa, mas teme rcvelar;

mescla suas cll1o~6es internas com as irnprcssoes do mundo externo.

o nuxo de consciencia surgiu em tempos modem os, cstilo usado par James

Joyce c Virginia Woolf; no Brasil par Clarice Lispcctor (epitania da visao). 0 stream

of cOI/J/sciouness (tluxo de conscicncia) e uma forma de centralizar as atel190es aos

personagens~ e <·lImabusca de uniao ate ccrto ponLo ilus6ria entre a dimensao CSpa90-

temporal externa e a ordem do discurso interna que surge na lilcratura como

aparcntcmcntc iI6gica·'. (Pouillol1, 1974, p.124)

Em Lavoura Arcaica. {} tluxo c Jescrit{} a partir dc lima linguagem poelica,

ritmada, mesclada a lembranyas e rcvcla~oes contundcntcs. parcce nao haver barrciras,

ncm limilcs tcmporais .

... c ell sabin por 'Inc elc linha pnrn<io. era s6 olh"r 0 sell roslo, Illas n:ioolhei, ell tambcm tinha coisns pm vcr denim dc mim, ell pode!'ia ern dizer "anossa dcslIni:io COlllC901l Illuito mais ccdo do que voce pcnsn, foi no lempo(!Il\ qllC a fc rnc crescia viruicnta na inffUlcia e em que ell era mnis I'ervorosoque qualquer outro em ensa" CII podcria dizer com segllrnn~a, mas nao era ahora de espccutar sobre os servi(fos obsctl]'os cia fe, Icvnntar suas pnrtesdcvnssas, () eonsllmo sncrnmenud cia carne e clo s<lngllC, investignndo a

vol(lpia e os Iremorcs da dcvocao, mcsrno assim ell passel pens:lI1do naminhn fila de eongregaclo maria no qllc ell, menino pio. deixava do Indo daenmn antes de me deitar e pensando lambem em como DClis me acordnva :iscinco lodos os dias pr'cu comUlIgar na primcirn missa ... (NASS'.-II? 200j.p.27)

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2.4 PERSONAGENS

2.4.1 Andre

Andre C 0 narrador-personagcm da abra. lilho de uma Camilia de libancscs,

1110ranuma fazenda, cansado dos trabalhos pesados e cia rigida cduca9ao do pai decide

partir para a cidade c desfrutar a vida lange do circulo familiar.

Ele passui grande Iigayao com a parabola do Pilho Prodigo, a qual foi conlada

pOl' Jesus Cristo aos fariscus e esta registrada no livra de Lucas na Biblia Sagrada. A

parilbola fala, basicamcnte, de lim homcm que tinha dais filhos; 0 mais novo pediu

seus bens e partiu. gastou tada sua fortuna com Slla vida absorta em prazcrcs e

iuxlirias. Abatcndo na regiflo grande lome, teve que ir trabalhar como guardador cle

parcos c dccidiu retornar a casa de sell pai, sendo Icstejado com sell retorno.

Andre, scmclhante personagem, e confuso, inst{lvcl, rcvoltaclo, insatisfcito.

Dcsdc crianva, Andre, em SCliS flash-backs, demonstrava seu jeito diferente de SCI';. .SlIClS fugas proporcionavam maior nten9ao cia familia. Ele gostava dc ticar sozinho no

I11ciodo maIO, 56 ele e a natureza, qucria pcrtencer ,) terra. a naturC7..ae nao sc scntir

prcso e submisso a sua familia, sentia-sc deslocauo.

E me lembrei quc a genIc sernpre Olivia nos scmlOeS do pai que os olhos s:10 ac:mdeia do corpo. c que se c1es crimI bOilS C porquc 0 corpo tinha luz, esc os olhos11110emm limp(J~ c que des rcvciav:ll1l um corpo tcnebroso, c cu ali, dianle de IllCUirmao, rcspiralluu tUll cheiro c:\ahado de vinho, sabia quc mcus olhos cram daiscaru~os rcpulsivos, mas nem liguei que fossem assill1. eu cslava era confuso c ateperdido, e lIle vi de repente fazendo coisas. IIIcxcndo as milos, correndo 0 (Iuarlo,como se mcu crnb:lr:lI;o viesse da desordcm que existia a Hleu !ado .. :' (hUb., p.15·16)

o filho pr6digo Andre se viu em connito com elc mcsmo e sLlspirava por

libcrdacle. "nao passando de ilusao. no Illeu caso, a tClicidadc que ell pudcssc ler

visilimbrado para alem das divisas de melt rai". (fcUb., p.24) Assim, "POllcos dias

depois, ajllntando tudo 0 que Ihc pcrlencia partiu 0 filho mais 111090para lim pais

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muito distante, e hi dissipou a sua [ortuna." (LUCAS 15, 13 - p.1369) Andre nao

possui, ou ao menDS, nao e reialado, se possuia grandes fortunas, mas como 0 filho

pr6digo da Biblia, ele pegou suas caisas rumo ao desconhecido, gastoll 0 que tinha

com proslilutas.

Urn rator que os difcrcncia, Ilcsse casa, e 0 sell retorno. 0 Who pr6digo

biblico voltOl! para cas a quando sc deLi conta de que passava l11uita fome e trabalhava

em pcssimas condic;:oes, sabcndo que na casa de sell pai cnconlraria conforto, com ida e

bom trabalho. HI Andre, mesilla na dt,vida do retorno, dccidiu sua volta quando em sell

quarto de pen sao (c pcrdic;:ao) seu irmao Pedro fai rcsgat{I-]o e tivcram uma longa

renexao sabre os fatas que 0 levaram ate ali. Podcria voltar ao monotonislllo cia

fazenda Oll Icehar a porta, mandar Icmbrmwas a familia e jogar-se a propria sortc.

o Jilho pr6digo cia lavoura arc<lica Lenta, em um suflO cia cOlltamina<;ao do

vinho, convcnccr 0 irmao de que ele era dirercnlc, de que era epilelico; que cle

voltasse para casa e grilasse que tinha um convulso na familia, que ele traz 0 dcm6nio

no corpo, que em uma l1laldi~fio para a familia le-Io. Andre qucr quc dcsistam dele, e

em uma "Iransfigura<;iio que hii. muito dcvia tcr-se dado em casa", exclama em "lim

Ouxo violcnto" 0 quanta insatisfeito estava e dcscjoso pcb dcsistCncia cia familia.

(f(Ub.. 1'.41) E interessante rcssalLar tcrmos como ·'transtigura<;ao". "vinho" c ate

mCSIl10 a rela<;ao do cpilctico como maldi<;fioe possessao do demonio IlCSSC momento

da obra. j{l que l1a Biblia os encontrmnos C0111frcqUCncia. Andre queria provar que nao

valia a pena Pedro cstar ali, quc sua fuga aconteccu par l1ao pertencer aquclc munclo

puro c ingcnuo cia razenda. Sua vontaclc scmprc fora scr "profeta" de sua propria

hist6ria, illt1dar sua igreja particular, "a igreja para meu usa, a igreja que treqiientarei

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de pes descalyos e corpo desnudo, despido como vim ao mundo" (Td.ib., p.89), ou seja,

governar sua vida.

Para tudo isso scr revel ado na obra, Raduan Nassar colocou Andre, como

narrador, al6111de personagem principal. Ele e tim pcrsonagem dimera que conduz a

narrativa e 1110straos fatos que acontecem e sellS pr6prios scntimentos e revoltas. Essa

narrativa cm primeira pessoa procura tornar prcscntc a personagcm, ou seja, diminuir a

dist{mcia entre a que esta escrito e 0 que est a sendo vivido e presenciado pelo

personagem; de modo, a expor a vida dele de forma mais profunda a medida que a

hisloria se desenvolve.

2.4.2 Ana

A personagcm Ana s6 nos e revel ada conformc a narrativa crcscc. E irma de

Andre, e ambos possucm lima paixao incestuosa.

Uma das primciras cicscri90es que aparecelll na obra, a rcvelam fisicamcntc e

de acordo COIll slias a~oes como ate mcsmo prohma e sensual, ja que esse momcnto

relatado se rcfcre a sua dallya "cigana" em uma festa entre os familiares na fazenda.

c nao tardava An:., impa(icntc, impcHlosa, 0 corpo de c:lInponia, a nor vcrrnelharcito um (oalho de sangue prcndcndo de lado os cabclos negros e soltos, essa minimirma que, COIllO CU, mais quc qualquer oulTO em casa, Imzia a pesle 110 corpo, ( ) asmilos graciosas girando 110 alto, toda cia chcia de uma sclvagcm clcgancia, ( ) emais imcmpesliva, C magnclizancio a !Odos, elf) roubava de rcpcntc 0 Icn~o brancode um dos m~()s, dcsfraldando-sc com a mao erguida acim3 cia cabcl,:a enquanlOscrpenteava 0 corpo (ld.ib.. p.30-31)

Nessa danviJ, Ana causa um forte eecilo em Andre que a observa dcntrc as

arvorcs: "Il1ClIS0lh05 chcios de amargura 11.10desgrudavam de minha irma que tinha as

plantas dos pes em fogo imprimindo m<1rcasque queimavam dentro de mil11..:' (ld.ib.,

p.33). Eles possuiam forte alrayaO, mesmo scndo lI1napaixao proibida. havia a desejo,

havia a illlsia de realizar aquela paix?io.

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Ana e uma personagem que pode resumir a obra, traz em suas caracteristicas

o sagrado dos incentivos religiosos e do born caminho que seu pai prega e 0 erotismo

do desejo proibido, da sensualidade musical de uma cultura tao rigida.

Sabendo da impossibilidade da relayfio com 0 irmuo, Ana sempre, confusa entre

seus sentimcntos e a moral religiosa, procurava no orat6rio da Hlzcnda fazer preces a

Deus para guic'L-la. Com seu perfil picdoso, Ana negligenciava as vezes seus

sentimentos, principal mente em um momento em que Andre tentava convence-Ia de

que nao havia nada de errado no amor cleles, mas era sim uma confirmayao do que a

pai Ihes falava "de que a feliciclade 56 pode ser encontrada no seio da HlInilia" Com

tocla resistencia de Ana, Andre parte rumo ao mundo, e ela inicia ai orayoes ardentes

para seu retorno; tanto que quando seu irmao volta, corre agradecer na capel a a Deus.

o apiee de seu personagem ocorre no final, em que Ana descobre uma eaixa

que Andre trouxe com objetos das prostitutas que "eonheceu" Ela desapareee atC 0

momento cia festa realizada para Andre, no qual aparece vest ida de forma vulgar e

lllllndana, com os objetos das mulheres cleAndre. Em mais uma de suas danyas, 56 que

dessa vez exageraclamente sensual, seu pai a mata em um s6 golpe, de transtorno

profundo ao vcr sua lilha exercendo lal vulgaridade.

EIll toda obra, nao h,i di,ilogos com Ana. Ela e apenas uma personagem mucla,

um objeto de desejo e COnlllSaO,que sc revela conforme slias ayoes, que vai sendo

construida de acordo com a evoluyao da narrativa c de scu cfcito para a obra. A danya

a revela com muito mais prohllldidadco pois e onde aconleec 0 auge de scus

sentimentos. Em Pllblico Ana se revela; contudo, Clll Illomcntos os quais Ana cst,j

sozinha com Andre, ela se ·'transfi.gura'; em pureza, timidez, misterio e silencio.

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2.4.3 Pedro

Pedro e 0 irmao mais velho, 0 que se afigura rna is ao pai, que respeita seus

cnsinamenlOS, 1IIhodo galho direilo, scm cicatrizes. Sua postura e finne, respeitosa e

obediente. Seu discurso e um reflexo dos serm6es paternos e sente-se responsavel em

resgatar 0 innao tresmalhado para 0 caminho correto e assim amenizar 0 sofrimento cia

familia e principalmente dos pais.

Sell encontro no quarto de pensan com Andre, a principio roi como cumpridor

de seu dever, mas algumas ta<;as de vinho depois Pedro se revelou parte cia figura de

Andre. Vinho que rcjcitava, mas que sc lomOll parle do momento e do dialogo entre

os dois irmaos, que os aproximoll. Pedro nan voltou 0 mcsmo desse encontro.

"Pedro, meu irmao, cram inconsistcntcs os scnn6cs do pai" ell disse de repcntccoma frivolidade de quem se rebela, sentindo par \Jill in stante, ainda que fugaz, suamao ensaiando com aspere7,a a gesto de reprimenda, mas logo se retraindo calada e

pressurosa, era a mao assustada da lamilia na saida da mesa dos sennoes. (Jd.ib.,pA7)

Com rcla~Jo ,'\panibola do Filho Pr{)digo, Pedro possui, em um sentido geral,

scmclhan\a com 0 innao mais vclho bfblico. Quando da volta do irmao mais novo, 0

irillao mais vclho eslava retornando do campo e perguntou a lIm servo 0 quc estava

acontecendo por ouvir musica e danyas. Sabendo da festa c do novilho morto para a

festa do irmao, ele tkou transtornado e questionou 0 pai:

"H{I tantos anos que te sir-va, semjalllais transgredir ordem a!gulllC! [ua, c nunca medeste tlln cahrito para festejar com meus amigos. E agora, que voltou este [ell Illho,que gaslOll os tellS hens com as merctrizes, logo lhe mandastc lIUl\(lr urn novilhogordo!" (LUCAS 15,29-30)

o pai argumentou positivamentc, dizendo que tudo que era do pai pertencia

(10 filho lllais velho, C que dcscjava que cle sc senlisse fcliz pela volta do irmao

perdido, Na obra iilenlria, 0 pai J~IZ lima Ccsta para Andre c Pedro! nessa festaj

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mostranl algumas mudan93s de comporl3mcillo com rcla9ao ao pai, "taciturno" clc

busca no meio das pessoas 0 pai, e indo ale clc age de forma inusilada.

e eu de pe vi meu irmao mnis (resloucndo nindn ao descobrir 0 pai, dispnrnnclo atecle, agarrando-lhc 0 brar;o, pux:!ndo-o num atTanco, sacudindo-o pelos om bros,vociferando lima sombria revc1a(,:ao, semeando nas suas ou(,:as urna semente insana.era a ferida de lao doida, era 0 grilo, era sua dor que supurava (ld,ib., p.192)

Pedro pcrde 0 contrale, perccbc que seguindo os passos de seu pai nao

rccebeu nada semel han Ie em troca c se poe a contestar.

2.4.4 A mJc

Uma mulhcr paci£ica, submissa, piedosa, <lmorosa. Andre e seu filho mais

amado, em vMios momentos do livro, ela dcmonstra seu amor a ele "vcm, cora9fio,

vem brincar com teus irmaos" (/cl.ib., 1'.33).0 tratamento del a com ele sc destaca por

uma relayJo extrema de (llllOr materna como quando Andre era crianya e ao acordar

sua mac Ihe scrviu um bocado de com ida na boca '''e assim que se alimenta um

cordeiro" (/elib., p.38)

Para 0 mho pr6digo, sua mae tinha lima forte intuiyfio quando desejou ir

em bora, Ilessc alvoroyo a acusa de SCI' 0 motivo de sua partida, sua supcrprotcs:fio. Dc

rato, cia era superprotctora, assim como sua ligura c rclacionada de forma intensa e

cspecialmente ao ato de gen.lr tilhos.

e ell pcnsci a mae lem algtllna coisa pm dizer que VOII lalvez esculnT, algunmeoisa pra dlzer que deve quem sabc ser guardada com cuidado, mas ludo 0 quc rudeQtlvir, scm que cia dissesse nada, foram as Irincas na lour;" antiga do Stll venlrc,ouvi £los seus olhos urn dilaecrado grilo de lIlae no parlo, senti sell frulo sccandotom mClt mau h;ililo quenle (hUh., p.68)

Essa miie roi diferenciada na rclas:50 que Andre fez cia arvorc, 0 lade csqucrclo

com ciealriz. lado da mJe, lim lado sentimental, Icvado pelas cmos;oes. pcla

fragilidadc. A mae que s6 p.ensavfl nas nccessidades dos lilhos, pensando na volta do

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filho, quando da ida de Pedro procurft-Io, para prcparar SClipao prefcrido; ou quando

de scu retorno, em que malo tilho chegando em casa, foi preparar seu banho e suns

roupas limpas e alvas. Uma mae cxtrcmamente dedicada e zelosa.

2.4.50 pai

Possui um tcmpcramcnto forte e aparenlclllcnte equilibrado. Busca com sellS

serm6es Illostrar 0 caminho do bem, do equilibrio e cia seguran~a na Ihmilia.

E a base cia galho direito, galho lirme e bem estruturado. Mantenedor de uma

educac;ao rigida para sells mhos, e um homclll que dispensa sentimenlalislllos; mas da

volta de Andre demollstra seu verdadeiro amor de pai scm pcrder as exigencias

costumeiras. "- Mel! corac;ao esta apertado de vcr tantas marCflSno Lell rosto, meu

n1l1O;essa e a colheita de qllcm abandona a casa por lima vida pr6diga." (hUb., p.158)

Deste momento, tenta compreender os motivos da fuga do mho aLeque Andre cede fI

discussao p,lra 11,10 cncolcriza-Io c promele sc csfors:ar para I11crccerseu amor sincero.

Com alcgria seu pai se clisp6e ~ fazcr lima testa para comcmorar seu retorno.

Seus sermocs aD redor cia mesa de jantar, esse "ritual de austeridaclc",

prcgando 0 autodominio, <l necessicladc de cvilar paixoes pcrigosas c vicios.

s6 atravcs da ramilia e que cada um em casa ha de :lUlllcntar sua cxislencia, e scemrcgando a cia que cada 11111em casa hit de sosscgar os pr6prios problemas, epreservando slIa uniiio <Iue cada 11111cm casa h{1 de rruir as mais sublimesrctompcnsas; noss:llci niio c relrair mas ir cncontro, nilo c separar mas rCllnir, onde

cstivcr lim h,i de CS\:lr 0 irmiio tarnbern ... (D<llllcs<l dos sefmi)es) (Jd.ih., p.148)

Do ambicntc lll1ido da familia, da fuga de Andre, seu retorno c da

reconciliat;iio de Andre com 0 pai, surge 0 apice do pai protela na resla cOll1cmoraliva

do filho pr6c1igo.

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o personagem sotl'e uma mutayao inesperada, e certo que 0 pai possuia uma

personalidade forte e nao gostaria de se desentender com os filhos. Depois de Andre,

Pedro na festa conversou de forma alterada com 0 pai, que se irritou. Algo inesperado

sendo que Pedro era um dos tilhos exemplares da familia. Ai ja houve um transtorno

para a personagcm do paL

Em momentos [inais, Ana aparcce danc;ando na festa vestida com um traje

vulgar e fora dos padr5es puros da fazenda. E "llmido pelo vinho, brilhou um instante

a luz morna do sol enquanto 0 roslo inteiro se cobriu de um braneo Sllbito e tenebroso,

e a partir dai lodas as rcdcas eederam ..." (/(Ub., p.192) E cheio de ira, 0 pai pegou seu

alfanje golpeando sua mha, mesmo aos grilos de prcvenc;uo dos familiares. Golpeando

Ana e golpcando as espcranyas de reconstruvao da HUlli1ia."era 0 pr6prio patriarca,

fcrido nos seus preecitos, que fora possuido de c6lera divina (pobrc pail). era 0 guia,

era a l<lbuasolene, era a lei que se incendiava" (!cUb., p.193)

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2.5. HEIDEGGEREM LAVOURA ARCATCA

Em Lavoura Arcaica, a temaLica do Tempo e do Scr sc revela par mcio da

manifestay[lo dos anscios de Andre c da afinnac;ao que expoe ao deixar sua casa para

buscar os prazcrcs do mundo:

Dcsde rninha fuga, era calando minha revoltn (l;nha conlundcncia 0 mell silcncio!Tinha tcxtura it minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava hi da fazcnda, ese acuso distrnido ell pcrgUlltusse "para unde eSlamos indo?"' - nao ;mportava queCII, crguendo os olho$, a1can~assc paisagens muilo novas, quem sabc menosaspcras, nao ;mportava que CII, caminhando, me conduzisse para reglues cada vez1ll:!;S afastadas, pois haveria de Ollv;r c1aramcnlC aos inCUS anseios urn juizo rfgido,era um cascalho, 11m usso rigoroso, dcsprovido de qualqucr d(lvida: "cstarnos indoscmprc para casa". (ltUb., p.35·36)

Essa nfirmac;ao "est amos indo scmprc para casa" c "0 gado scmprc vai ao

poero" sao elementos quc ecoam as ideias de Martin Hcideggcr, lim til6sofo alcmao,

que pensa no tempo pcla cxpressao kair6s, que manifesta a vcrdade real c viva e "e 0

tempo subjetivo da cxperiencia do tluir da vida, experimcntada como cnergia vital

espont,lnca". (BITTENCOURT, 2006, site Psyche)

Em LImade suas obras 0 Ser e 0 Tempo, Heiclcggcr descrcvcu essa verdade

viva c existencial como manifcstay<1o do scr em meio it autodcscoberta. Andre desde

adolescente scnte-se "cstranho no Illundo", na casa, no Ctmbientc l~uni1iar, c c cssa

imcrsao que cncontrou fora desse ambienle, esse apro[undamcnto na realidade que 0

levou de volta. Como a ncccssidadc do gado de voltar semprc ao poc;o para beber e

lima ncccssidade vital.

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3. LA VOURA ARCA/CA: UMA ANALISE CINEMA TOGRAFICA

3.1 FICHA TECNICA

Titulo: Lavoura Arcaica

Genero: Drama

Origem I Ano: Brasil, 2001

Durayao: 166 min

DireyRo, rotciTe e montagem: Luiz Fernando Carvalho

Dire~o de fotografia: Walter Carvalho

Dire¢o de arte: Yurika Yamasaki

Trilha sonora original: Marco Antonio Guimaraes

Figurinos: Beth Filipecki

Produtores: Luiz Fernando Carvalho, Mauricio Andrade Ramos, Raque\ Couto e Tibet Filme.

Elenco:

Selton Mello (Andre)

Simone Spoladore (Ana)

Leonardo Medeiros (Pedro)

Raul Cortez (pai)

Juliana Carneiro da Cunha (mac)

Caio Blat (Lula)

Premios Melhor COnlrihuit;iio Artistica - Festival de Montreal 2001

Premio E.~pecial do Juri - Festival de Havana 2001

Entre QUtros 50 Prernios em festivrus Nacionais e Internacionais.

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3.2. NARRADOR

A importfutcia da narra~ilo filmica se do, segundo Antonio Candido, pelos

seus recursos narrativos que trazern mobilidade, desenvoltura no tempo e no espa~o

aos personagens, fazendo com que eles tenham au busquem 0 mesma valor dos

personagens da literatura.

Na adapta~ilo filmica de Lavoura Arcaica proposta por Luiz Fernando

Carvalho, (semelhante it obra Iiteniria) 0 narrador apareco de duas formas: Andre

(Selton Mello), narrador-personagem. con versa com as demais personagens, seja no

passado au no prescote e, em alguns momentos, suas falas aparecem "fora" do plano

titmico, oa voz do proprio diretor Luiz Fernando Carvalho, quando vai retratar

nostalgias de sua infiincia, comportamentos all reflexoes sobre a vida e tempo.

a narrador-personagem possui digressOes em sua atua~ao oa obra~ tendo

momentos de exaltayao, loucura, desabafo, ruria; no cntanto, 0 narrador de "fora"

possui urn tom de voz unico, aparecendo de fOIDm reflexiva e profunda. Mesmo com

esses diferentes modos de manifestac;ao, 0 narrador permanece com 0 mesmo ponto de

vista sobre a narrativ~ ja que se trata da mesma "pessoa", nao havendo interfen!ncias

sobre os outros personagens.

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3.3. PERSONAOENS CINEMATooRAFlCOS

Os personagens cinematogrMicos corne~am a viver, segundo Antonio

Candido, quando encamam em urnator. Contudo, e interessante relevar que quando se

assiste a urn filme, 0 cantata que se tern nao e com pessoas, mas com imagens e vozes

dessas pessoas que necessitaram encamar 0 personagem e gravar suas a,Bes, falas e

postura.

o ator e urn dos responsaveis por mostrar a essencia do filme, desse modo e

de extrema importancia que seja realizada a preparacrao dos personagens algum tempo

antes das grava~5es, 0 chamado labara/ariD.

Esse laborat6rio, em Lavoura Arcaica, foi realizado numa fazenda no interior

de Minas Gerais. Como proposto, 0 estar prescote oa fazenda e respirar seu ar, 0

capinar, 0 ordenhar as vacas, 0 seroear oa terra, 0 participar intensamente dos afazeres

da fazenda ajudaram oa assimilacrao, oa construcrao e oa revela~ao do personagem, ja

que no cinema as cenas sao gravadas em diferentes ordens e 0 ator necessita estar

finne no personagem para nao deixa-Io fora de sintonia com 0 filme.

3.3.1 ANDRE

Na ohra cinematografica, Andre e interpretado por Selton Mello, ator farnoso

que ja atuou em importantes papeis do cinema brasileiro como Caramuru - a jnven~iio

do Brasil e Auto da Compadecida.

Selton Mello se adequou ao personagem, segundo Luiz Fernando Carvalho,

s6 ele poderia fazer esse papel. Andre exigiu de Selton uma imersilo no presente e nas

sensa~iies do prescntc. Em cenas de paixilo com Ana, ele conseguiu expressar 0 tom de

voz e os gestos confusos, amedrontados e desejosos necessarios. Em cenas de loucura

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(causados pelo vinho ou pela insanidade), ele usou tons de voz debochado, ir6nico e

ate perturbador, como em cenas com Pedro no quarto de pensao quando desejava

esclarecer as motivos que 0 levaram a sair de casa e persuadir 0 irmao a concordar

com isso. Nesses mesmos momentos, houve variatyoes entre loucura e serenidade

emocionada, em que Selton necessitou controlar olhares, tom de voz, expressoes

faciais (destacados pel0 close-up) e alienar seu pensamento nas profundezas das

lembran~as e dores do person.gem.

Essas v.riadas formas de interpreta~ilo do ator buscaram revelar 0 Andre de

Raduan Nassar, 0 Andre confuso, possuido, apaixon.do e revoltado. Cabe dar um

destaque para suas atuacroes em cenas er6ticas, principalmente de masturbacroes. em

que demonstram e objetivam a foccra da perversao e do erotismo na obra de Luiz

Fernando Carvalho e de Raduan Nassar.

3.3.2 ANA

Ana e interpretada por Simone Spoladore, atriz curitibana tarnbem conhecida

nacionalmente pela mini-serie Os maias e pela novela America.

A primeira aparityao no filmc ocorre da mesma fonna que no livro. Ana esta

dan~ando com os demais uma musica folcl6rica libanesa em uma festa na fazenda.

Aparece com uma tlor vennelha no cabelo. isso a ajuda em sua apresenta930 ousada e

sedutora. fatores que 56 manifesta nas festas da familia.

Ana nilo possui falas na obra literaria, nem na obra cinematografica. Isso

exigiu fortes expressQ($ da atriz, uma sensualidade timida nas cenas com Andre, em

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que sempre apresentava urn ar de indecisao se cedia aos desejos e as suas palavras de

arnor.

Sua personagem ligada ao pastoreio no filme possibilitou passar wna imagem

inocente, pura; assim como seus olhares sempre serenos, mas exageradamente serenos

e piedosos ap6s contatos amorosos com seu irmao, ia para a capela rezar, arrependida

de suas a~oes pecadoras e incestuosas.

Ana era como uma versao feminina de Andre, havia erotismo nela e urna

confusao que levava a loucura. A diferen.;:a entre eles nesse sentido, e que a loucura e a

confusilo de Andre lev.m il maslurb'9ilo e em An. levam a entreg. fervoros. n.

orayao, recursos opostos.

Houve urna cena, que Simone Spoladore considerou urn presente do diretor. A

cena em que Andre grita ser epiletico e surgern varias reayoes sombrias da familia

com relayao a essa "maldi.;:ao". No fim dessas cenas, Ana e a mae aparecem vestidas

de negro com urn. vel. sabre. mesa. Ela senlindo-se culpada pela fuga do irmiio e a

mae a consolando. Esse estado de culpa e revelado constantemente por essa

necessidade de orayao, assim como em urna das ultimas cenas do filme, em que Andre

retoma a casa e ao ouvir do innao Pedro a noticia, Ana em urn impeto de

agradecimenlo e loucura, carre para a c.pela agradecer a Deus.

Sem querer ser vista por Andre, em urn momenta Ana pega escondida a caixa

de recorda.;:oes mundanas das prostitutas do innao, e ressurge na festa insana e "traida"

vestida com esses objetos. Eles foram complemento para suas apari~oes sensuais na

festa da familia, s6 que dessa vez, a personagem exageradamente "encama" urna das

mulheres de Andre para recompensar seu irmao, agindo com certa loucura. Essa

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insanidade necessaria foi interpretada claramente por Simone. HOllve agressividade

nas tentativas das innas e da mae em cobri-la para esconder aquelas vestes. 0 retorno

de Andre mexeu com Ana, assim como as lembranc;as da caixa. Ana sentiu a dor da

trai9ao.

Segundo Simone Spoladore, nao foi facil conseguir 0 papel de Ana,

personagem com a qual tinha se identificado quando leu a obra de Raduan Nassar. 0

teste exigiu varias situ8c;oes e expressoes de Ana 80 som de musica, as quais Simone

superou por sua farcr;ae simplicidade de expressao no alhar.

3.3.3 PEDRO

Pedro e interpretado por Leonardo Medeiros. E 0 irmao mais velho, e desejou

por missao resgatar 0 irmao tresmalhado.

Esse personagem safre algumas mudanc;as nitidas no decorrer do filme, assim

como no livro. Sua primeira apari~ao se da oa pr6pria pensao, oode aparece como urn

retlexo do pai, decidido. rigido e questionador. A principia nega heber vinho com

Andre e 0 repreende varias vezes, mas conforme seu innao revela sellS pensamentos e

anseios, Pedro muda, silencia e e ele enta~ que oferece vinho.

Em uma das revela90es de Andre sobre as roupas intimas da familia, uma

cena de Pedro aparece com urn Jenc;:otirado do cesto e colocado sobre a cama e 0 que

se realiza e uma especie de masturbac;:ao, nao com sua genitalia, mas com seu anus e

m\degas. Na obra de Raduan Nassar nao existem suspeitas de homossexualidade, mas

no filme essa cena e outra de Andre acariciando ° peito de Lula sugerem esse

elemento.

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Pedro se esconde atras de sua figura de innao mais velho e responsavei pelos

acontecimentos na familia, mas na ultima cena do filme, discute como que em urn

desabafo agressivo com 0 pai, rea-rao inusitada dentre suas caracteristicas, despertando

a ruria e 0 desastre familiar. Nao e possivel detalhar os motivos de Pedro, nao existem

infonna90es no livro. Ele e urn dos personagens que muda de rea90es confonne

amadurece como personagem e se entrega a reflexoes em ambas obras.

3.3.4 OS PAIS

o pai e interpretado por Raul Cortez e a mile por Juliana Carneiro da Cunha.

o pai segue 0 recato da familia, e a rigidez do galho direito. Raul expressa 0 ar

aristocratico e cerimonioso nos sermoes do pai a mesa, a alegria natural (e a for\ia

sobrenatural tambem) embebida do vinho nas festas da fazenda e exerce sua

compaixao e perdao.

A escolha de Raul Cortez foi muito boa, pois ele e urn ator experiente e

interpretou 0 pai com a postura e a dureza no olhar de urn descendente libanes.

Ja Juliana Carneiro da Cunha, tambem experiente, trouxe no opaco de seus

olhos e de seu olhar 0 sofrimento e 0 carinho excessivo de mae, 0 ar piedoso, amoroso.

E uma das mais importantes personagens no filme, pois e dela que vern a essencia dos

objetos da casa e das roupas dos filhos.

Por volta dos anos 40, nas fazendas em geral, eram as maes que cosiam as

roupas para os filhos. As vestimentas possuiam 0 toque da mae, assim como 0 pao

caseiro, os alimentos, roupas de cama e tudo que havia na casa.

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Juliana, com a expressao de emotyao sofrida da mae, trouxe a tela os mais

puros e verdadeiros sentimentos da mae protetara.

3.4. ESPA<;:O E TEMPO CINEMA TOOWICO

A transposi9aO do espa90 Iitenirio para 0 espa90 cinematognifico traz consigo

difieuldades no limitar das expressoes e usa de recursos, pois 0 diretor busea urn ideal

quando utiliza elementos que satisfatyam0 que esta no livro.

A imagem em urn filrne ira expressar de fonna unica as ideias da obra 1iteraria

de acordo com os elementos que forem usados como luminosidade, ausencia de luz,

cores, natureza, clima, entre outros. Esses elementos cstao alem do espa~o geogratico,

cles dizcm 0 que nao esta sendo falado, mas 0 que esta scndo scntido c visto atraves

das imagens.

o primeiro espa90 trabalhado por Luiz Fernando Carvalho com 0 apoio de

Walter Carvalho, diretor de fotografia, foi 0 quarto de pensao, onde Andre ficou apos

sua fuga.

A principia, ele estei com as venezianas quase que completamente fechadas,

apos urnquestionamcnto de Pedro, Andre traz mais c1aridadcpara seu quarto. Rei nele

apenas uma cama encostada na parcdc com lcn~ois em urn branco encardido e muito

simples, uma cadeira e urnamesinha.

As cortinas de urn lipa de renda grosseira possuiam querubins desenhados,

nao deixando de mostrar 0 contraste religioso da obm. As paredes em cores pasteis

encardidas tinham em sua base desenhados arabescos antigos.

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o quarto possui urn ar opaeo, com poueos objetos e aspeeto muito simples. A

deeorac;ao e mobilhirio aeompanham rcsquicios areaicos da fazenda. Esse fator aliado

a pouea luminosidade, mesmo com as venezianas abertas, traz consigo urn lugar de

perturbac;ao e inseguranc;a para Andre.

Segundo Carvalho, "a luz e uma necessidade de subjetivac;ao das imagens" e

para adequar essa luminosidade era necessaria a ajuda do ator que fazia detenninada

cena, pais se a alma do ator-personagem estivesse escura au clara naquele instante, a

luz seguiria sua direc;ao e vice-versa. 0 ator fazia parte do espac;o cinematognifico e

ajudava a eria-lo.

Assim quando Pedro esta no quarto ha um contraste entre os innaos: Andre

que cstava nu sc veste de qualqucr jeito, scm abotoar a earnisa e scm vestir cahrado;

Pedro esta de terno. E interessante que ao passar das emo~oes iniciais e com as novas

e profundas emo90es do vinho e dos desabafos, Pedro apareee scm paleto e com a

eamisa desajeitada, agaehado a urn canto do quarto (Andre esta em DutrO) e OS dois

eome<;am a fazer parte integrante desse espa<;o, ambos rllstieos e desarrumados.

o segundo espac;o e a casa da fazenda e a fazenda em urn todo. Vma easa

grande, antiga e ventilada nas ecnas de inffincia de Andre, ela possuia uma

luminosidade especial, uma 1uzsubjcliva dos tempos de crian<;a.

E possivel enfatizar que a analise do espac;o nessa obra acompanha a analise

de tempo, ja que 0 espa<;o, e principalmente 0 estado desse espa<;o, sc rnanifesta de

aeordo com os scntimcntos que 0 tempo em questao rcvela.

Ambos diretores (geral e fotografia) buscararn coneentrar uma luz mais

domestiea c realmente rcalc;ar a claridade da infancia. A casa ja clara e rustiea

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possibilitou a criac;ao da imagem de eterna hannonia e uniao da familia. JA, no que

confere a outros tempos ou fases da vida de Andre, a casa e os perfodos do dia torn am-

se mais escuros.

Esse jogo de tons trouxe ao filmc uma boa pcrcepc;ao dos scntimentos dos

personagens. 0 uso da cor preta e branca, para Giacomantonio, "e mais comunicativo,

no sentido de pcrmitir que 0 significado da imagem seja logo alcanc;ado. sem distrair 0

observador com certos jogos cromaticos". (GUIMARAES, p.3) No caso de Lavoura

Arcaica. nao foram usadas exatamente essas cores, mas em gerai cores que nao

chamam a atenc;ao, cores de tons pasteis. 0 que prevaleceu foram poucas cores e mais

luz e 0 jogo significativo que oeOITeroi entre claro e escuro, eomunicando 0 subjetivo.

Na casa da fazcnda, tambcm foram usados pOUCOSobjctos, urn ambientc leve

com cores suaves, m6veis rUsticos bern escolhidos e localizados. Na sala de jaotar foi

colocada uma mesa looga cscura com nove lugares no centro da sala. Nos sennees do

pai havia sempre Juz somente na mesa ou urn lampiao sobre ela. lsso porque 0 pai, em

seu "ritual de austeridade", iria revelar as verdades e a profundidade de seus

ensinamentos era a tanica "Iuz" daqucle tar, seus senn6es iluminavam 0 caminho e a

vida de sellS filhos.

Outro espac;o IS a casa velha da fazcnda, de onde Andre lira lembranc;as de seu

avo e onde se encontra com Ana algumas vezes.

Quando das lembranc;as de Andre, essa casa era mais escura e com rnais

m6vcis, apcsar dc scr fate mais antigo de sua inffincia, cles ainda nao moravam na casa

grande da fazenda. Esse fator representa a rigidez, 0 medo e as apreensoes que tinha

desde os tempos de vida do avo dest. familia.

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Dos encontros com Ana e dos momentos de Andre a 565 na casa, ela era urn

refugio onde seu "eu" era manifestado e a de Ana tambcm. A casa era antiga, com

tabuas soltas, empoeirada, vazia e com urn pouco de palha no chao, que Andre trazia

para se deitar e estranhamente dar urn aspecto mais campestre e arcaico ao local.

o bosque apareceu algumas vezes em momentos de Festa da Familia. Havia

uma clareira, onde danc;avam todos ern uma grande roda e onde os musicos cantavam

e tocavam musica arabe Folc16rica. Dos vestuarios percebeu-se que as tons

pennaneciam semelhantes aos oulros habitantes da fazenda. 0 clima se estendia par

toda a familia.

A capela da fazenda possui um aspecto bern arcaico como tudo na fazenda. E

feita de pedras grandes e eneaixadas, possui urn altar simples sobre urn peda,o de

madeira. E urn local escuro, somente iluminado par velas. HA perto do altar, na cena

em que Andre conversa com Ana dcsesperado par uma reac;ao dela, algumas flores

secas que esta:o jogadas no chao, assim como pequenas plantinhas brotadas do chao.

Esse aspecto sujo da capeJa nesse momento sugere 0 estado espiritual de ambos

personagens. Ana eulpada e Andre ··euspindo" blasfemias para 0 Deus de Ana.

Com relac;ao ao tempo hist6rico que decorreu tanto a narrativa como 0 filme,

ha, quando Andre chega a cidade oode se refugia, 0 uso da musica '~Carinhoso",

conhecida no inicio do seculo, como identificador acompanhanle das imagens da fonte

da cidade, dos carros e dos moradores, tudo caracterizando entre as aoos 40 e 50.

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3.5. AS CONTRIBUI<;:OES NAS ANTONIN ARTAUD

Luiz Fernando Carvalho, no making-off, revela que para encontrar a exprcssao

necessaria para as personagens de Raduan Nassar se inspirou nas teorias de Antonin

Artaud.

Artaud foi urn pacta, ator e dirctor de tcatra frances inovador. Nclc, Carvalho

buscou 0 estimulo para que os atores (personagens) se comunicassem de fonna natural

e muito simples.

Uma das ohras estudadas pelo diretor foi Teatro do dup/o, em que Antonin

expoe suas ideias do teatro como extrema exprcssao do corpo e rejeita a palavTa como

clemento primordial no palco. Segundo Artaud,

A qucsll'I.oque sc coloca e de pcrmitir que 0 Icalro reenCQntrc sua verdadciralinguagcm, linguagcm espacial, linguagcm de gcstos. de alitudcs, de exprcssiks cde mlmica, linguagcm de gritos Conomatopcias, linguagem sonora, onde todos oselementos objetivos se transfonnam em sinais, sejam visuais, sejam sonoros, masque tcrilo tanta importiincia intclectual e de significados scnsrvcis quanto alinguagem de palavrds. (hnp:/lpl.wikipedia.orglwiki/Anlonin_Artaud)

Na interpreta,ao de SeHoll Mello como Andre e possivel perceber 0 efeito das

teorias de Artaud. 0 aqui e 0 agora foram priorizados e trouxeram simplicidade,

pureza e a intcnsidade de sensa~5es para a interprcta~ao.

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4. LAVOURA ARCA/CA: UMA ANALISE lNTERSEMIOTICA

Lavoura Arcaica foi escrita por Raduan Nassar em 1975, seoda transcriada

para 0 cinema em 200 I por Luiz Fernando Carvalho.

Primeiramente, nesse processo, foi necessaria que Carvalho adquirisse 0

conhecimento profunda do objeto, au seja, do texto que iria transcriar para realizar

essa reproduc;ao de forma eficiente e coerente. A reproduc;ao de urn texto escrito para

urn texto visual, necessita passar 0 mesma sentimento e significado atraves da

imagem. Vma interpretac;ao filmica do texto literario usa de diferentes elementos,

dentre eles cores, iluminac;ao, cemirio, musica. a propria interpretaC;3o direcionada do

ator, figurino, escolha do espac;o e seus objetos. Podem ocorrer acrescimos de cenas

que ajudam Da compreensao da ohra filmica au mesma supressoes de trechos da obra

litenuia que nao tern necessidade de serern reveJadas.

A amilise intersemiotica tende a aprofundar 0 conhecimento e interpretatyao

dos elementos usados pelo diretor, ou seja, a tradu~i\o do que esta escrito para 0 que

vai ser visto. Nesse sentido, 0 processo nao trata somente da tradw;ao do significado

do texto, mas da tradu~ao do proprio signo, a inventyao de algo equivalente, mas nao

exatamente igual. A tradut;ao na arte cinematografica deve ser inventiva, criativa.

4.1. A FOR<;A DO VINHO

o vinho, em tempos arcaicos na Grecia, ja estava relacionado ao sagrado e

profano nos espetaculos a Dionisio, Deus do Vinho. 0 vinho revela a aJegria, a

exalta~ao, a embriaguez e a verdade.

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o vinho entre os innaos Andre e Pedro senl aliado para 0 dhilogo no inicio de

ambas as obras. Em particular, quando Andre oferece urn copo para 0 innao mais

velho; este copo transparente com urn liquido escuro, que lembra sangue, bebida

dionisiaca, sera focalizado oa mao de Andre, suspenso por alguns segundos. Nessa

cena e ern Qutras, 0 focalizar do copo com vinha sera significativo pete dado momento

da entrega aD vinha. No inicio da conversa, Pedro esta finne em seu proposito de

recobrar 0 juiza do innao e leva~lo para casa. Andre, por sua vez, comC't3 a beber e

oferece a bebida, 0 vinho ira revelar a sua verdade, a vcrdade que nao pade ser dita.

Pedro, com rela~ao ao vinho, tenta resistir e previne Andre: "nao vern deste

vinho a sabedoria das lirroes do paj", "nao e 0 espirito deste vinho que vai reparar tanto

estrago em nossa casa". Mais alem, compartilha da bebida e houve os desabafos de

Andre. Ap6s insano delirio do irmao, e Pedro quem oferece vinho a Andre como sinal

de tregua para esquecer das dores e sofrimentos da vida.

4.2. PECAS iNTIMAS

Na obra de Raduan Nassar, Andre. em sua longa conversa com 0 innao Pedro

na pensao. 0 questiona se algum dia cle analisou as roupas intimas da familia. Para

Andre era ali no cesto de roupas usadas e sujas que pade eonhecer urn poueo mas de

cada urn de sua casa.

era preciso conhecer 0 corpo da familia inteira, ler nas maos as toalhas higienicascobertas de urn p6 vermelho como se fossem as toalhas de urn assassino. conheceros humores lodos da familia mofando com cheiro avinagrado e podre de varizes nasparedcs frias de urn cesto de roupa suja; (p.45)

Luiz Fernando Carvalho recriou esse momento narrado por Andre em urn dos

quartos da casa grande da fazenda. Sobre a cama, ele estendia pe9a por pe9a tirada do

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cesto. Carvalho usou urn enquadramento que sai do fundo do cesto. Nele sao

visualizadas as pec;as que saem, a boca do cesto, as maos que as tiram e parte da

parede clara do banheiro ou quarto da casa.

Nessa cena, e possivel relacionar 0 que Andre fala a respeito das pel'as. Essa

visao da camera coloca as pec;as na "escuridao" do cesto e 0 filho pr6digo as tira, uma

a uma, com muito cuidado na analise. Desse modo, ele analisa a cada urn da familia,

quer conhecer rninuciosamente cada wn, 0 rnais profunda possivel.

Na continuac;ao da cena, Pedro tern urn lenero nas maos e 0 dispoe sobre a

cama, abaixa as calc;as e deita-se sobre 0 lenc;a. Essa cena nao esta clara quanto a essa

masturbac;ao, no entanto, na obra literaria, os lenc;os masculinos sao citados como alga

impuro, "os lenc;os dos homens antes estendidos como salvas pra resguardar a pureza

dos lenl'6is" (PAS)

Numa outra perspectiva, essa observac;ao das pec;as intimas possui urn carater

extremamente sinestesico, tanto no livro quanto no filme. Em uma obra literaria, as

descric;oes sinestesicas sao realizadas envolvendo uma diferente fonna de expressao.

Quando sao passadas para a imagem, transcriadas para 0 cinema, os sentidos sao

levados a ser produto de uma linguagem hibrida, composta de varios tipos de signos.

Nas cenas que faram analisadas, 0 visual, 0 Uitil e, de certa fonna a mem6ria

olfativa, foram recriadas como 0 sentir as pecas, sentir seus odores, sentir a textura

delas ever suas cores, manchas, significados.

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4.3. CULTURA LIDANESA

Carvalho resgatou alguns aspectos da cultura dos emigrantes Iibaneses que,

fugidos dos conflitos de seu pais, chegaram ao Brasil no comcyo do seculo XX.

No filme, esse fator e percebido com frcqiil!ncia em diversas cenas. Uma das

primeiras e a cena da festa no bosque at"is da fazenda, em que Ana aparece pela

primeira vez. H:i urn resgate das musicas folcl6ricas arabes, todos danyam em urn

grande circuio, gritam e cantam em sua lingua de origem. Ana aparece danyando com

urn lenero oa mao, que tira do bolsa de urn dos homens que ali estao, e com a

expressiyidade e faccra, pc no chao e sensualidade oriental.

Na cena em que a mae vai acordar 0 Andre criany8 para ir it. missa. 80 brincar

e fazer c6cegas em seu titho, murmura uma cantiga infantil em arabe tambem. Nessas

e em outras cenas, 0 diretor procurou deixar a marea da cultura e da lingua arabe como

identidade da obra e da educa9ilo implantada naquela familia.

Em tennos hist6ricos, pode-se relacionar muitas outras cenas a raiz da cultura

libanesa. A religiao que e revelada em ambas as obras e a Cat6lica. pois no Libano

existiam, e existem. apesar de nenhuma ser oficial do pais, duas religioes

predominantes: cat6lica de rito maronita e a mucrulmana. 0 interessante e ressaltar que

os cat6licos de rito maronita, quando foram perseguidos dentro do pais, se refugiaram

nas montanhas antes de unir-se a Igreja de Roma. De la os emigrantes libaneses

cat61icos trouxeram sua tendencia aos trabalhos de lavoura e pastoreio. Na obra

cinematografic~ percebe-se esse efeito, Ana recolhendo as ovelhas, os irmaos

trabalhando a terra.

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No figurino, os model os. cortes e tecidos foram resgatados de acordo com as

roupas desses emigrantes lamborn, aproximadamente da decada de 40. Os tecidos

c1aros de algodao, leves e extremamente camponeses.

o trabalho com a cultura arabe foi bern aprofundado e analisado. Todos esses

detalhes ajudaram na revelal;ao da '~alma" dessa obra Iiteniria no cinema.

4.4. TERRA

Andre em algumas cenas aparece descal,o ou tirando seus cal,ados para

esfregar seus pes na terra. Em geral, sao cenas em que Ana aparece, e essa

necessidade vern acompanhada de urn desejo sexual, ja que Andre e Ana alimentam

umapaixao.

e os meus olhares nao se continham. eu desamarrava os sapatos, tirava as meias ecom os pes brancos e limpos ia afastando as folhas secas e alcan~ando abaixo delasa camada de espesso hUmus. e a minim vontade incontida era a de cavar 0 chilo comas pr6prias unhas e nessa cova me deitar a superficie e me cobrir inteiro de terraumida. (p.32)

Ana sempre aparece descalc;a no filme, com 0 pe no chao, na terra,

simbolizando 0 mesmo desejo de seu irmao. Ela, dessa forma, e sensualidade em toda

a perspectiva de seu personagem. Por outro lado, apesar de Andre ser muito mais

sexual do que sensual, suas cenas apresentam-no tirando 0 calc;ado no impulso do

desejo.

A terra e simbolo de fertilidade e fecundidade, por sua vez, 0 desejo esta

implicito em seu significado. Ela aparece em outras cenas, como quando alguem esta

arando a terra, novamente representando a fertilidade do solo. Por ser uma fazenda,

tudo esta relacionado a terra. A terra que produz frutos, a terra que proporciona

desejos.

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4.5. TREM

Luiz Fernando Carvalho, na primeira cena em que Andre esta se masturbando

no quarto de pensao, adiciona urn som de trem que se aproxima e se toma mais forte e

alto con forme 0 filho pr6digo evolui em seu prazer.

Essa manifesta,ao do trem reaparece na cena em que Andre se revolta e

alucinado grita para seu irmao Pedro ser epiletico. Ambas as cenas trazem urn apice

ern sua essencia. Em uma, ele esta em urn momenta elevado de suas sensa~5es, e oa

outra, ele sai de si e desabafa.

o trcm como recurso sonoro traz uma elevavao, no caso, de seus sentimentos,

humor, rea,ao ao externo e interno. Simbolicamente, 0 trem e sinal de evolu,ao. Em

Lavoura Arcaica, ele proporciona a evoluvao das revela~5es de Andre para 0 mundo

extemo, 0 que foi incompreendido e escondido, veio a tona.

4.6. GAFANHOTO

o gafanhoto aparece uma (mica vez e e em uma das illtimas eenas do filme.

Andre esta conversando com 0 irmao Lula e este revela que iria fugir de casa como

ele, mas nao seria tao covarde a ponto de vol tar. Nessa discussao, Andre percebe ° que

"plantou" em sua casa e 0 que sua fuga provocou. De repente, urn gafanhoto pousado

em urna mao e focalizado.

Segundo a Biblia Sagrada, os gafanhotos foram pragas mandadas como

castigo as planta,oes. Sua simbologia, em geral, e a praga e a devasta,ilo.

Para 0 fllme, acrescentar essa cena "solta". mas de significado rico,

contextualiza e resume os efeitos da fuga de Andre e de seu retorno. 0 filho pr6digo

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I.n<;ou • "semente d. disc6rdi.". Ele e LuI. faziam parte do g.lbo problematico d.

familia, e 0 abandono da casa do pai trouxe a vontade de se 1ibertardaquele mundo

arcaico e opressivo. 0 gafanhoto f01 a marca da praga lancrada por Andre, a partir de

entao, 0 baque da familia roi maior.

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5. CONSIDERAC;:OES FINAlS

Ao analisar 0 trabalho da transposi9i!o realizado por Luiz Fernando Carvalho

da ohra liteniria Lavoura Arcaica, nao fica dificil perceber as elementos que utilizou

para melhor traduzir para a imagem 0 que est. eserito na obra.

Carvalho, mesmo em sua pesquisa de elementos e objetos de epoea,

luminosidade subjetiva e busea da essencia oa interpreta~ao dos atores, trouxe as telas

urna das possiveis jnterpreta~oes da ohra. Assim, cabe ao diretor envolver 0 publico

com a sua transposicrao da obra, a sua interpretacrao da obra. E passivel aqui citar que,

Luiz Fernando Carvalho foi feliz nesse trabalho, pois buseou no autor do livro Raduan

Nassar apaio paradesenvolvimento dessa obra cinematograiica.

o diretor suprimiu POllCOS momentos da narrativa e acrescento~ de forma

adequada, cenas que enriqueceram a tradu~ao da ob~ como as cenas analisadas nesse

trabalho; 0 gafanhoto como simbolo da contamina~ao; 0 trem como fanna de

intensidade aeompanhando as seDsa90es de Andre; 0 vinho com seu poder

"desmascarador".

A obra literaria revela urn ar mais lirico e poetico, esse fator tambem emantido pelo diretor em algumas falas dos personagens no filme, assim para tomar

mais forte e reflexivo a cena, e claro, unido it interpreta~ao profunda e simples dos

atores.

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6. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:

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VIEGAS, Rosemari Fag.; MARCHELLl, Paulo Sergio. C6digos de linguagem nodiscurso sabre 0 cinema. Significa~ao: revista brasileira de semi6tica. Sao Paulo:Anna Blumme, junho de 2005.

PEIRCE, Charles S. Semi6tica. Sao Paulo: Perspectiva, 2000.

PLAZA, Julio. A Arte da Traduryiio Intersemiolica. Sao Paulo: Perspectiva, 2003.

BALOGH, Anna Maria. Conjunroes, disjunryoes e Iransmutaroes: da litera[uro aDcinea e Ii TV. Silo Paulo: Anna Blume, 1996.

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POUlLLON, Jean. a tempo do romance. Sao Paulo: Cultrix, 1974.