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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA GEOGRAFIA URBANA Rio de Janeiro / 2010 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO Conteudista Conteudista Fernando Souza Paulo

Geografia Urbana

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VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

GEOGRAFIA URBANA

Rio de Janeiro / 2010

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À

UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

ConteudistaConteudistaFernando Souza Paulo

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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO

Todos os direitos reservados à Universidade Castelo Branco - UCB

Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, armazenada ou transmitida de qualquer forma ou por quaisquer meios - eletrônico, mecânico, fotocópia ou gravação, sem autorização da Universidade Castelo Branco - UCB.

Universidade Castelo Branco - UCBAvenida Santa Cruz, 1.631Rio de Janeiro - RJ21710-255 Tel. (21) 3216-7700 Fax (21) 2401-9696www.castelobranco.br

Un3g Universidade Castelo Branco

Geografi a Urbana / Universidade Castelo Branco. – Rio de Janeiro: UCB, 2010. - 52 p.: il.

ISBN

1. Ensino a Distância. 2. Título.

CDD – 371.39

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Apresentação

Prezado(a) Aluno(a): É com grande satisfação que o(a) recebemos como integrante do corpo discente de nossos cursos de gradu-

ação, na certeza de estarmos contribuindo para sua formação acadêmica e, consequentemente, propiciando oportunidade para melhoria de seu desempenho profi ssional. Nossos funcionários e nosso corpo docente es-peram retribuir a sua escolha, reafi rmando o compromisso desta Instituição com a qualidade, por meio de uma estrutura aberta e criativa, centrada nos princípios de melhoria contínua.

Esperamos que este instrucional seja-lhe de grande ajuda e contribua para ampliar o horizonte do seu conhe-cimento teórico e para o aperfeiçoamento da sua prática pedagógica.

Seja bem-vindo(a)!Paulo Alcantara Gomes

Reitor

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Orientações para o Autoestudo

O presente instrucional está dividido em três unidades programáticas, cada uma com objetivos defi nidos e conteúdos selecionados criteriosamente pelos Professores Conteudistas para que os referidos objetivos sejam atingidos com êxito.

Os conteúdos programáticos das unidades são apresentados sob a forma de leituras, tarefas e atividades com-plementares.

As Unidades 1 e 2 correspondem aos conteúdos que serão avaliados em A1.

Na A2 poderão ser objeto de avaliação os conteúdos das três unidades.

Havendo a necessidade de uma avaliação extra (A3 ou A4), esta obrigatoriamente será composta por todo o conteúdo de todas as Unidades Programáticas.

A carga horária do material instrucional para o autoestudo que você está recebendo agora, juntamente com os horários destinados aos encontros com o Professor Orientador da disciplina, equivale a 60 horas-aula, que você administrará de acordo com a sua disponibilidade, respeitando-se, naturalmente, as datas dos encontros presenciais programados pelo Professor Orientador e as datas das avaliações do seu curso.

Bons Estudos!

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Dicas para o Autoestudo

1 - Você terá total autonomia para escolher a melhor hora para estudar. Porém, seja disciplinado. Procure reservar sempre os mesmos horários para o estudo.

2 - Organize seu ambiente de estudo. Reserve todo o material necessário. Evite interrupções.

3 - Não deixe para estudar na última hora.

4 - Não acumule dúvidas. Anote-as e entre em contato com seu monitor.

5 - Não pule etapas.

6 - Faça todas as tarefas propostas.

7 - Não falte aos encontros presenciais. Eles são importantes para o melhor aproveitamento da disciplina.

8 - Não relegue a um segundo plano as atividades complementares e a autoavaliação.

9 - Não hesite em começar de novo.

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SUMÁRIO

Quadro-síntese do conteúdo programático ................................................................................................. 09

Contextualização da disciplina .................................................................................................................... 11

UNIDADE I

AS CIDADES AO LONGO DA HISTÓRIA

1.1 - Evolução do espaço urbano ao longo da história: da Antiguidade às cidades capitalistas .................. 131.2 - A decadência das cidades na Idade Média ........................................................................................... 141.3 - Relações entre urbanização e industrialização ..................................................................................... 171.4 - As cidades no capitalismo comercial e industrial ................................................................................. 18 1.5 - Urbanização nos países subdesenvolvidos ........................................................................................... 191.6 - Relações entre o urbano e o rural ......................................................................................................... 22

UNIDADE II

PRODUÇÃO NO ESPAÇO URBANO

2.1 - Usos do solo e valorização do espaço urbano ..................................................................................... 242.2 - Agentes produtores do espaço ............................................................................................................. 302.3 - Cidades: espaço de exclusão ................................................................................................................ 30

UNIDADE III

METROPOLIZAÇÃO E AS NOVAS TENDÊNCIAS DE URBANIZAÇÃO

3.1 - Rede e hierarquia urbana ..................................................................................................................... 373.2 - Metropolização e desmetropolização .................................................................................................. 393.3 - Problemas das grandes cidades ............................................................................................................ 41

Glossário ...................................................................................................................................................... 45

Gabarito ....................................................................................................................................................... 46

Referências bibliográfi cas ............................................................................................................................ 48

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9Quadro-síntese do conteúdo programático

UNIDADES DO PROGRAMA OBJETIVOS

I- AS CIDADES AO LONGO DA HISTÓRIA1.1. Evolução do espaço urbano ao longo da história1.2. Processo de urbanização1.3. Relação entre urbanização e industrialização1.4. As cidades no capitalismo comercial e industrial 1.5. Urbanização nos países subdesenvolvidos1.6. Relações entre o urbano e o rural

• Compreender como se desenvolveu o processo de formação do espaço urbano no Brasil, bem como re-lacionar o processo de urbanização e industrialização, destacando as contradições existentes entre as cidades do mundo subdesenvolvido e as do mundo desenvol-vido, bem como será abordada a relação entre o rural e o urbano no Brasil.

II- PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO2.1. Uso do solo e valorização do espaço urbano2.2. Agentes produtores do espaço2.3. Cidade: espaço de exclusão

• Compreender a atuação dos agentes modeladores do espaço urbano brasileiro, atribuindo uma ênfase à questão da exclusão nas metrópoles brasileiras que está vinculada aos usos do solo e a consequente va-lorização deste, que gera um marcante processo de segregação em nossas cidades.

III- METROPOLIZAÇÃO E AS NOVAS TEN-DÊNCIAS DE URBANIZAÇÃO3.1. Rede e hierarquia urbana3.2. Metropolização e desmetropolização3.3. Problemas das grandes cidades

• Compreender a formação da rede urbana brasileira, percebendo as transformações ocorridas nesta a par-tir do aperfeiçoamento dos meios de comunicações e transportes, que têm conduzido a um intenso proces-so de fuga das grandes metrópoles e um consequente crescimento das cidades pequenas e médias que se tornaram atrativas ao grande capital.

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11Contextualização da Disciplina

Há apenas dois séculos, somente 2% da população mundial vivia em centros urbanos. Hoje, quase metade dos 6,6 bilhões de habitantes do planeta reside em cidades. Essa mudança mostra uma profunda transformação no modo de viver da humanidade durante os séculos XIX e XX.

O fenômeno da urbanização está estreitamente ligado ao da industrialização, que se desenvolveu de forma intensa no decorrer dos últimos dois séculos. Nos chamados países desenvolvidos, a multiplicação das fábricas, do comércio e dos serviços públicos, decorrente da expansão econômica propiciada pelo avanço das tecnolo-gias de produção resultantes da Revolução Industrial, tirou as pessoas do campo e levou-as para as cidades. Esse processo iniciou-se na Inglaterra e no século XX estendeu-se para praticamente todos os cantos do globo.

Já no contexto dos países emergentes ou de industrialização tardia este fenômeno apresenta algumas nuan-ces, marcadas pelas contradições encontradas no campo que desde o período colonial sempre fora por demais concentrador, o que contribuiu em muito para o chamado êxodo rural que, todos os anos, conduzia enormes contingentes populacionais a deixar o campo em direção às principais cidades destes países, gerando assim um processo de urbanização acelerada, conduzida sem a geração de infraestrutura urbana que acompanhasse este ritmo de crescimento.

Logo, a urbanização é o processo de crescimento da população urbana em ritmo mais acelerado que o cresci-mento da população rural, ou seja, o resultado da transferência da população rural para o meio urbano, aliado ao seu próprio crescimento natural.

O objetivo desta disciplina é despertar em nossos discentes a necessidade de se pensar as grandes transforma-ções que ocorreram no espaço citadino no decorrer da história. Para dar conta disso, reuniu-se um conjunto de ideias que foram sendo construídas ao longo dos últimos tempos sobre este espaço marcado por uma constante metamorfose.

Teremos como centro do debate a necessidade de construção de um “modo possível de pensar a cidade” nos dias atuais – através da Geografi a – em um momento em que a sociedade urbana se estabelece a partir da ge-neralização do processo de urbanização no mundo.

Segundo Carlos (2004: 11)

“A cidade, enquanto construção humana, é um produto histórico-social e nesta dimensão aparece como trabalho materializado, acumulado ao longo do processo histórico de uma série de gerações. Expressão e signifi cação da vida humana, obra e produto, processo histórico cumulativo, a cidade contém e revela ações passadas, ao mesmo tempo em que o futuro, que se constrói nas tramas do presente – o que nos coloca diante da impossibilidade de pensar a cidade separada da sociedade e do momento histórico analisado.”

O momento atual mostra continuidades e descontinuidades que se combinam como consequência das muta-ções na relação espaço/tempo urbanos, traduzidas nos “lugares da metrópole“ sob a forma de rupturas de ritmo, da realização desigual do poder, das interações entre classes distintas, que se manifestam em movimentos de construção e modifi cação, interpretadas na paisagem urbana e passíveis de serem apreendidas na vida cotidiana (onde aparecem sob a forma de confl ito).

Sendo assim, nos deparamos com a imprescindível necessidade de descobrir os conteúdos mais profundos do processo de urbanização hoje, a partir das contradições que estão postas no mundo moderno e que se revelam, com toda a sua força, nas metrópoles.

O diagnóstico do espaço citadino também nos expõe a uma situação de crise das cidades, que se faz visível através do agravamento de velhas contradições, bem como da produção de outras novas problemáticas, que Carlos (2004) conceitua como sendo um movimento triádico que surge enquanto persistências/ transforma-ções/deteriorações dos lugares da vida.

Deste modo, uma gama variada de profi ssionais tem se dedicado a este desafi o de analisar a cidade. Contudo, uma questão parece ser fundamental para a elucidação do espaço urbano atual: qual é a base na qual se funda a prática social, em marcha, nos grandes centros urbanos hoje, capaz de revelar nossa condição “pós-moderna”?

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12O ponto de partida para a análise da cidade surge através da compreensão de que a sociedade o produz, e

nesta condição apropria-se dele e o domina. Na apropriação se colocam as possibilidades da invenção que faz parte da vida e que institui o uso que explora o possível, ligando a produção da cidade a uma prática criadora (Carlos, 2004).

Este processo ocorre porque o homem habita seus espaços como atividade de apropriação, o que signifi ca que esta se refere a um lugar determinado no espaço, a uma localização e distância construída pelo indivíduo e a partir da qual que se relacionam com outros lugares da cidade, atribuindo-lhes características peculiares.

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13UNIDADE I

1.1 - Evolução do Espaço Urbano ao Longo da 1.1 - Evolução do Espaço Urbano ao Longo da História: da Antiguidade às Cidades Capitalistas História: da Antiguidade às Cidades Capitalistas

AS CIDADES AO LONGO DA HISTÓRIAAS CIDADES AO LONGO DA HISTÓRIA

As primeiras cidades, como Ur e Babilônia, foram edifi cadas cerca de 3.000 anos antes da era cristã, na região conhecida como Mesopotâmia, nos vales dos rios Tigre e Eufrates, no atual Iraque. Outras cidades surgiram nessa época, quase sempre associadas a grandes rios, que proporcionavam terras férteis e irri-gação, garantindo a produção necessária de alimentos para abastecê-las: Mênfi s e Tebas (Egito), no vale do Nilo; Mohenjo-Daro, no vale do Indo (Índia); Pequim no vale do Rio Amarelo (China), entre outras.

Para fi ns de referência nos dias atuais, estas cida-des seriam consideradas pequenas, entretanto, para aquele contexto histórico, tratava-se de grandes aglo-merações humanas. Historiadores afi rmam que, por volta de 2.500 a.C., Ur chegou a ter cerca de 50 mil habitantes e a Babilônia, próximo de 80 mil.

Por volta de 500 a.C, cidades foram erguidas tam-bém na parte do mundo que mais tarde viria a ser designada como continente americano. O melhor exemplo é Teotihuacán (posteriormente Tenochtitlán, capital do Império Asteca, hoje Cidade do México), que chegou a ter 100 mil habitantes.

Com o passar do tempo, as cidades foram fi cando maiores. Atenas, a mais importante cidade-estado grega, em sua fase áurea chegou a ter cerca de 250 mil habitantes. Mas, sem dúvida, a grande cidade da Antiguidade foi Roma. A capital do Império Roma-no chegou a contar, em seu apogeu, no início da era cristã, com um milhão de habitantes. Foi também o grande centro econômico e cultural do período, sendo considerada a primeira rede urbana que se tem conhe-cimento, devido à sua interligação com outros espa-ços com os quais mantinha relações ou controle.

O que levou a humanidade, ao longo de sua histó-ria, a concentrar-se em cidades, a ponto de algumas terem se tornado, em determinados períodos, muito grandes?

Estas indagações foram contextualizadas através de dados históricos que demonstram a importância da produção do excedente alimentar como primeira con-dição a permitir o aparecimento de população separa-

da de áreas produtivas, ainda que esta produção não tivesse, inicialmente, um caráter econômico.

Neste momento de presença de aglomerados, o exer-cício das tarefas de signifi cado valor e a justaposição social, em consonância com as formas de percepção do mundo dos grupos, são extremamente importan-tes. Como os aglomerados guardavam pequenas di-mensões e pouca população, não havia diferenciações sociais e níveis de interdependência econômica entre as famílias.

Segundo Durkheim (1965), o adensamento popula-cional foi criando novas diferenciações. Mais tarde, passa a ser importante e necessário desenvolver a co-municação e a interdependência entre estes grupos, o que deu origem à divisão do trabalho, que acabou sendo entendida por muitos como uma solidariedade orgânica. Entretanto, as mudanças que hoje ocorrem com tanta velocidade, não foram tão rápidas neste período histórico, ou seja, as mudanças levaram um período maior para se concretizarem.

Os aglomerados foram o tipo de organização so-cial que mais se aproximaram das primeiras cidades, entretanto, somente a partir de algumas condições pode-se interpretá-los separadamente das áreas de produção, e isto ocorreu quando a acumulação per-mitiu a garantia de subsistência às categorias sociais administrativas e àquelas voltadas para a segurança.

Para melhor compreendermos as condições neces-sárias para a consolidação destes aglomerados como sendo os primórdios das cidades, recorremos às pes-quisas de Henri Lefebvre (1972; 1991; 1999) e tam-bém do livro de Jaques Le Goff (1988) que defi nem que as condições necessárias são as seguintes:

- Evolução dos processos de produção na agricultu-ra e no pastoreio;

- Adensamento populacional;- Separação espacial entre agricultura e pastoreio;- Divisão da produção social: o agricultor e o pastor;- Inovações que proporcionaram o desenvolvimento

do artesanato.

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14Pode-se levar em consideração então, o papel do

simbólico na escolha de localização de um aglome-rado. Assim, os sítios escolhidos para as primeiras aglomerações permanentes não resultavam apenas de características naturais, mas também do fato de os lu-gares serem revelados, no sentido de serem sagrados.

As condições naturais tinham um importante papel quando da escolha do local do estabelecimento dos primeiros aglomerados, porque elas eram um dos maiores obstáculos para a fi xação de novas técnicas. As técnicas vieram, mais tarde, proporcionar um ex-cedente produtivo e um maior crescimento e desen-volvimento das populações aglomeradas, ocupadas com tarefas não produtivas.

Estas concepções estão muito bem explícitas em Paul Singer (1981: 13) que defende a seguinte ideia:

a formalização da existência da cidade foi se dando na medida em que as relações entre os citadinos e produtores do campo foram sendo institucionaliza-das, de forma a assegurar a transferência de mais produto à cidade.

Na concepção de Souza (2003a) devemos destacar que o aparecimento e a proliferação de cidades pelo mundo antigo, na Mesopotâmia, no vale do Nilo e no vale do Rio Indo, e mais tarde na China, na bacia do Mediterrâneo e na América das civilizações pré-co-lombianas, teve relação não apenas com as inovações técnicas que permitiram a agricultura e a formação de excedentes alimentares capazes de alimentar uma ampla camada de não produtores diretos — com des-taque, aqui, para a irrigação em larga escala —, mas também com as mudanças culturais e políticas pro-fundas, mudanças da ordem social em geral.

A norma foi a de que o aparecimento de formas cen-tralizadas e hierárquicas de exercício do poder – e, com efeito, a formação de sistemas de dominação, com monarcas e seus exércitos –, que permitiu, ao lado das inovações técnicas, uma crescente extração de excedente alimentar, sobre o fundamento da opres-são dos produtores diretos. Os impérios da Antiguida-de foram, além disso, disseminadores de cidades, pois elas eram pontos de apoio para manter a supremacia militar nas regiões conquistadas.

Sendo assim, com base em Souza (op.cit.) é pos-sível considerarmos que as primeiras cidades sur-giram como resultado de transformações sociais gerais — econômicas, tecnológicas, políticas e culturais —, quando, para além de povoados de agricultores (ou aldeias), que eram pouco mais que acampamentos permanentes de produtores diretos que se tornaram sedentários, surgem assentamen-tos permanentes maiores e muitos mais comple-xos, que vão abrigar uma ampla população de não produtores: governantes (monarcas, aristocratas), funcionários (como escribas), sacerdotes e guerrei-ros. A cidade irá, também, abrigar artesãos espe-cializados como carpinteiros, ferreiros, ceramistas, joalheiros, tecelões e construtores navais, os quais contribuirão, com suas manufaturas, para o fl ores-cimento do comércio entre os povos.

Em vários sentidos, por conseguinte, a cidade di-fere do tipo de assentamento neolítico que a prece-deu, menos complexo.

Ao avaliarmos o contexto da Antiguidade, pode-mos perceber que a localização espacial de deter-minada cidade estava intimamente ligada às condi-ções naturais. Os agrupamentos que se localizavam ao longo dos rios, ou em áreas semi-áridas, tiveram que desenvolver técnicas que lhes proporcionasse meios de controlar as cheias, ou realizar práticas de irrigação, atividades. Para a realização destas tarefas era necessário um poder centralizado, coor-denador destas atividades, o que fez com que hou-vesse uma maior especialização das mesmas.

Singer (1981:18) afi rma que “o convívio urbano reunia uma massa de consumo capaz de impulsio-nar a divisão interna do trabalho, repercutindo no desenvolvimento das forças produtivas”.

Segundo Sposito (1994), ainda que muitos avan-ços tenham sido conseguidos em relação à com-plexidade de uma organização social e também ao nível da urbanização, como por exemplo, o pro-gresso nas escritas, as características das cidades na Antiguidade, por si só e acondicionadas no sis-tema que estavam inseridas, acabaram por levá-las a decadência.

1.2 - A Decadência das Cidades na Idade Média 1.2 - A Decadência das Cidades na Idade Média

Com a decadência do Império Romano, que culmi-nou com a queda de Roma em 476 d.C. (ver fi gura 01) — fato que marca o início da Idade Média —, a urbanização entrou em crise e as cidades foram gradativamente perdendo importância, conforme o feudalismo se implantava. Neste contexto da Idade

Média, aliás, a cidade recebe uma conotação muito diferente daquela que se caracterizou na Antiguidade. A sociedade era extremamente concentrada em pe-quenos espaços e em lugares de produção e de trocas em que se misturavam o artesanato e o comércio, to-dos alimentados por uma economia monetária.

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Figura 01 - Roma foi a grande cidade do fi nal da Antiguidade e início da era cristã. Foi, para o Império Romano, o que Londres é para o Reino Unido ou Nova York é para os Estados Unidos. Polarizava vastos territórios interligados ao centro do Império por várias estradas. Na foto, de 1998, ruínas do Fórum Romano. Fonte: Valdemir Cunha/Editora Abril, 2000.

No seio da Idade Média, algumas relações vão se inverter, ou seja, são diferentes do que acontecia na Antiguidade. O senhor apoiava-se nos campos; domi-nava um território reduzido e desejava expandi-lo. No que se refere à propriedade feudal, a cidade sai de um processo duplo: a decomposição do Império Romano (que não obstante deixa atrás de si terras cultivadas e vastos espaços já unidos por laços comerciais e polí-ticos) e a chegada dos bárbaros que restabelecem uma comunidade, a dos camponeses.

Os feudos produziam praticamente todos os ali-mentos de que necessitavam, por intermédio da agri-cultura e da pecuária, e em seu interior passou a se desenvolver um artesanato rudimentar. Com isso, o comércio reduziu-se signifi cativamente e a cidade perdeu importância econômica, pois deixou de ser o centro de trocas e de produção artesanal.

Politicamente, o feudalismo caracterizou-se por uma forte descentralização territorial de poder. Os senhores feudais, por possuírem grandes extensões de terras, praticavam um regime de servidão que obrigava os servos a pagarem pelo uso da terra. Esse pagamento era feito em mercadorias, principalmente alimentos, que abasteciam o feudo.

A Europa Ocidental estava, nesse período, fragmen-tada em uma infi nidade de feudos. Os territórios, sob o poder dos senhores feudais, portanto, eram muito pequenos se comparado ao dos antigos impérios. No interior do feudo, porém, o poder era centralizado, exercido unicamente pelo senhor feudal, dono das terras e dos meios de produção. As cidades, que per-deram as funções políticas e comerciais, perderam igualmente sua função cultural, que foi praticamente monopolizada pela Igreja. Todo o conhecimento téc-nico e científi co, assim como toda a produção literária e artística acumulada e registrada nos séculos anterio-res, acabou arquivado nas bibliotecas dos conventos e mosteiros das muitas ordens religiosas. (Le Goff, 1988).

Aconteceu um refl uxo no processo de urbanização, que já vinha ocorrendo havia muito tempo, sobretudo no Império Romano. Não se desenvolveram novas ci-dades e as antigas se esvaziaram. As cidades medievais da Europa Ocidental eram fortifi cações construídas para proteger castelos, igrejas e uma pequena população, mas sem uma função urbana defi nida (ver fi gura 02). Somen-te no fi nal da Idade Média é que houve um renascimento urbano, identifi cado na construção de novas cidades, e no crescimento das remanescentes.

Figura 02 - Na Idade Média, as cidades perderam importância, pois o poder político estava descen-tralizado, estava nas mãos dos senhores feudais. No desenho de Guillaume Revel, feito no século XV, Castelo de Cautrenon. Fonte: Desenho de Guillaume Revel, feito no século XV, Castelo de Cautrenon. Editora Scicipione, 2008.

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16Neste sistema urbano aberto, as cidades da Idade

Média também passam a gerar algo diferente no que se refere ao setor econômico que gerará a indústria; no setor social, com o aparecimento da propriedade de bens móveis, e no setor político com o surgimento do Estado.

Henry Lefebvre (1972: 44), afi rma que:

“os resultados históricos da primeira grande luta de classes e das formas sociais na Europa são as seguin-tes: cidade contra campo; burguesia contra feudalis-mo; propriedade de bens móveis/propriedade privada contra propriedade fundiária/comunitária”.

Já Le Goff (1988), neste sentido, afi rma que “seriam as cidades da Idade Média muito mais parecidas com as cidades Modernas, do que as primeiras com as ci-dades da Antiguidade”.

Sendo assim tão eminentes suas características, foi no seu interior que começaram a acontecer certas de-sagregações, permitindo o aparecimento de relações tão intrínsecas, que culminaram no desenvolvimento e organização de um sistema dominante que se rees-truturou a partir das ingerências que foram surgindo a cada momento, com capitalismo.

A partir do século XIII, iniciou-se na Europa uma lenta retomada do comércio, em parte como conse-quência do movimento das Cruzadas, que abriram o Mar Mediterrâneo, fechado pelos muçulmanos desde o século VIII, e permitiram a circulação de produtos orientais. A rede urbana foi se ampliando à medida que o comércio se libertava das amarras do imobilis-mo feudal. Em fi ns do século XV, algumas cidades tinham proporções consideráveis para a época, desta-cando-se Veneza, Milão, Paris, Nápoles e Constanti-nopla. As principais rotas comerciais eram marítimas e se conectavam com as rotas asiáticas em Constan-tinopla, no Cairo e em outros pontos comerciais do Oriente Médio.

O renascimento comercial e, paralelamente, o urba-no, foi o prenúncio de um novo sistema de produção que estava se estruturando em substituição ao feuda-lismo: o capitalismo. Esse novo sistema econômico provocaria profundas alterações políticas, sociais e culturais que, evidentemente, teriam repercussões fundamentais no espaço geográfi co, sobretudo urba-no. Como viria a ser a cidade capitalista? Que função ela exerceria nesse novo sistema? O que mudaria na organização do espaço geográfi co? São algumas das indagações que devemos tentar elucidar, para que possamos compreender o papel das cidades no cená-rio capitalista.

Com o advento do capitalismo em fi ns do século XV, ainda em sua etapa comercial, a cidade voltou a centralizar as trocas, pois o comércio tinha como fi -

nalidade fundamental a acumulação de capitais. Não imperava mais o escambo (a troca de um produto por outro) ou mesmo a venda de produtos para a ime-diata aquisição de outros mais necessários. Em vez disso, passou-se a comprar coisas que pudessem ser comercializadas por um preço maior, com o intuito de conseguir lucro, ou seja, as coisas passaram a ser mercadorias. A partir daí, a cidade voltou a ser o lugar privilegiado para a realização do comércio e a urbani-zação foi ganhando cada vez mais impulso.

Outro impulso fundamental à urbanização foi a vol-ta do poder político às cidades. Com a progressiva centralização política dos Estados Nacionais Abso-lutistas, as capitais voltaram a ser o lugar do poder, novamente polarizando o domínio de grandes por-ções territoriais, a ser centros culturais, satisfazendo a necessidade de ilustração da nobreza e da burguesia ascendente. Assim, as capitais dos países adquiriram grande força econômica, política e cultural.

Muitas cidades comerciais surgiram em torno dos castelos e das igrejas, no interior das muralhas, nos burgos, onde os comerciantes buscavam proteção durante suas longas viagens, particularmente na fase fi nal do feudalismo. Com a expansão do comércio e a consequente concentração populacional, os burgos acabaram estendendo-se para além dos limites das muralhas, num crescimento concêntrico.

O capitalismo, portanto, surgiu na cidade, ligado à busca de acumulação de capitais por meio do co-mércio, e impulsionou o surgimento de muitos outros núcleos. Com isso, foi se constituindo uma rede de cidades ao longo das rotas comerciais, o que exigiu o gradativo aperfeiçoamento do sistema de transportes.

O início de um processo de urbanização verdadei-ramente consistente, com uma grande expansão das cidades, só veio a ocorrer com o advento da industria-lização, no século XVIII, e a consequente necessida-de de concentração da produção.

David Harvey (1978) ressalta que a cidade não é um fenômeno criado pelo capitalismo. Ela precede esse sistema econômico, como já deixamos claro no início deste texto, contudo podemos afi rmar que o capita-lismo seja o grande responsável por um processo de urbanização que ainda está em curso.

Outra associação de causa-efeito que podemos con-ceber, mas que nem sempre é verdadeira, é a do de-senvolvimento das cidades e da indústria. No entanto, é inegável que, sob o capitalismo industrial, a cidade ganhou um impulso sem precedentes na história e, vi-sivelmente, modifi cou-se. A partir de fi ns do século XVIII, as cidades que mais cresceram foram as in-dustriais. Mesmo aquelas que tinham outra função, seja político-administrativa, seja de infraestrutura (fornecimento ou recebimento de matérias-primas,

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17por exemplo) — mas que davam suporte à industria-lização —, cresciam.

O capitalismo industrial, pela necessidade de produ-zir ao menor custo possível, precisou concentrar pes-soas em áreas reduzidas do espaço geográfi co. Nesse estágio do desenvolvimento capitalista, já havia um

considerável avanço da produção industrial, que exi-gia uma aglomeração de pessoas e de infraestrutura — transporte, energia, comunicação etc. Ao mesmo tempo, já havia uma grande capacidade de produção de alimentos para abastecer as aglomerações urbanas em crescimento, acentuando a divisão do trabalho en-tre campo e cidade.

1.3 -1.3 - Relações Entre Urbanização e Industrialização

Se a revolução manufatureira se orientou, pelo me-nos em seu princípio, contra a cidade, conquistando-a, de fora para dentro, a revolução industrial teve por palco, desde o início, a área urbana.

Singer (1981) ressalta que o resultado deste proces-so — a moderna unidade de produção, a fábrica — é necessariamente um fenômeno urbano. Ela exige, em sua proximidade, a presença de um grande número de trabalhadores. O seu grande volume de produção requer serviços de infraestrutura (transportes, arma-zenamento, energia etc.), que constituem o cerne da moderna economia urbana. Quando a fábrica não sur-ge já na cidade, é a cidade que se forma em volta dela. Mas é, em ambos os casos, uma cidade diferente. Em contraste com a antiga cidade comercial, que impu-nha ao campo o seu domínio político para explorá-lo mediante uma intrincada rede de monopólios, a cida-de industrial se impõe graças à sua superioridade pro-dutiva. A burguesia industrial toma o poder na cidade em nome do liberalismo e varre para fora do cenário a competição das formas arcaicas de exploração. O capital comercial perde seus privilégios monopolís-ticos e acaba se subordinando ao capital industrial, reduzido ao papel de mero intermediário.

Quando ocorre a Revolução Industrial, a economia mundial, no sentido de uma ampla divisão internacio-nal do trabalho que engloba cidade e campo de vários países, já estava consolidada. Nesta economia mun-dial, a posição dos vários países não era a mesma. O acesso ao mercado externo de cada país dependia do seu poder político, sobretudo de sua capacidade de monopolizar colonialmente territórios no além-mar e de dominar rotas marítimas. Neste sentido, a Grã-Bretanha despontava, no fi m do século XVIII, como a potência líder da economia mundial. É o domínio inglês de uma ampla gama de mercados externos a condição chave de a Revolução Industrial ter se ini-ciado naquele país.

Podemos então afi rmar que as cidades ganharam fundamental importância durante o capitalismo in-dustrial, por reforçarem o papel de centro do poder político e econômico, por serem os centros de trocas e, diferentemente da cidade comercial, agora também da produção de mercadorias — notadamente as capi-tais de Estado.

Contudo, não podemos reduzir a urbanização a um fenômeno do modo de produção capitalista. Esque-cem que antes do surgimento do capitalismo já havia cidades e urbanização, desde que existe uma divisão social e territorial do trabalho? No entanto, não se tra-ta, obviamente, sempre da mesma urbanização.

Neste cenário, merece ser destacado o papel da cida-de de Londres, capital do Reino Unido, maior cidade do mundo e sede do maior império colonial dos sécu-los XVIII e XIX, que já naquele contexto se confi gu-rava como uma cidade multifuncional.

Este papel atribuído à cidade de Londres nos fi ca muito evidente quando analisamos a obra do cientista político galês Raymond Williams (1989: 205):

Londres, capital do mundo

Londres já tinha meio milhão de habitantes em 1660, numa época em que a segunda maior cidade, Bristol, contava cerca de 30 mil. De 1700 a 1820, a popu-lação chegou a 1250000. A centralização do poder político; a substituição do feudalismo por uma aris-tocracia rural e, em seguida, por uma burguesia rural, com todos os efeitos subsequentes sobre a moder-nização da terra; o desenvolvimento extraordinário de um comércio mercantil: esses processos notáveis haviam ganhado um irresistível impulso no decorrer do tempo — uma concentração e uma demanda que alimentavam a si próprias. A cidade do século XIX, na Grã-Bretanha como em outros lugares, seria uma criação do capitalismo industrial.

Enfi m, parece-nos nítido que Londres, já naquele contexto uma metrópole, desempenhou para o Impé-rio Britânico o mesmo papel que Roma desempenha-ra para o Império Romano. Nesse sentido, a cidade era o cenário ideal para as principais decisões que ocorriam em meio ao Império Moderno.

Devemos, no entanto, salientar que o papel de desta-que de Londres não estava restrito somente à questão de ser o centro político-administrativo, econômico e cultural como fora Roma. Muito mais que isso, foi, e continua sendo, uma cidade industrial, portuária e um importante centro fi nanceiro, ou seja, a cidade mo-

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18derna, inserida numa economia muito mais comple-xa, possui funções múltiplas, que lhe conferem uma importância muito maior do que a cidade antiga ou medieval.

Além disso, Londres (ver fi gura 03) infl uencia-va o campo britânico e uma série de cidades tipi-

camente industriais que foram surgindo nas regiões carboníferas do país, como Liverpool, Manchester, Birmingham, Leeds, Glasgow e Bristol. Infl uenciava ainda vastos territórios (cidade e campo), que davam suporte à produção industrial britânica, em várias re-giões do globo. Londres foi, portanto, a “capital do mundo” durante o capitalismo industrial.

Figura 03 - Londres foi o centro do mundo durante os séculos XVIII e XIX. É com-preensível que muitos mapas-múndi tenham o seu centro de projeção no meridiano de Greenwich, que passa pela capital britânica. Na foto, de 2002, o Big Ben, cartão postal da cidade. Fonte: Wagner Santos/Kino Editora Scipione 2008.

Segundo Lefebvre, (1970; 1972), no decorrer do processo histórico, a cidade muda de qualidade e signifi cado conforme se transforma o meio técnico-científi co. Ou seja, a estruturação do território, da qual a urbanização é parte integrante, não é estática, mas muda de caráter em termos de peso e signifi cado/ qualidade.

O que nos leva a acreditar que a urbanização, longe de ser um processo autônomo, era parte integrante e essencial da produção do espaço pelo capitalismo, ao mesmo tempo em que concentrava o seu desenvolvi-mento num movimento dialético.

1.4 -1.4 - As Cidades no Capitalismo Comercial e Industrial

Se durante o capitalismo competitivo pouca impor-tância foi atribuída ao contexto urbano, isto mudou de fi gura com a reprodução ampliada, com a globaliza-ção da economia e com o desenvolvimento do meio técnico-científi co, que intensifi caram a concentração de capital nos centros industriais e criaram uma pres-são crescente por parte do capital e da força de tra-balho por investimentos em infraestrutura, melhoria da habitação, serviços etc. Era necessário reorganizar o espaço urbano e tornar os sistemas urbanos efi ca-zes tanto para implementar a acumulação de capital quanto para apaziguar a inquietação social. Neste sentido, o Estado desempenhou um papel chave no (re)planejamento das cidades e em sua adequação às novas necessidades que se antepunham ao desenvol-vimento do capitalismo.

Se, na Antiguidade, Roma foi a principal cidade e no contexto do capitalismo industrial este papel foi atribuído a Londres, no cenário atual, marcado pela globalização, o papel de cidade símbolo do mundo é atribuído a Nova Iorque, que embora não seja a capital dos Estados Unidos, é o principal ícone desse país, além de ser considerada a “capital” do mundo.

Essa metrópole simbolizou, durante três quartos do século XX, a dianteira econômica e tecnológica dos estadunidenses perante o mundo. Nesse período, foi a maior cidade do planeta, o maior centro comercial, fi nanceiro e cultural. É a sede de alguns dos mais im-portantes órgãos do mundo (como, por exemplo, a ONU), de importantes bancos e empresas multinacio-nais, além de ter a maior bolsa de valores do planeta,

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19a NYSE, em Wall Street, e a bolsa eletrônica Nasdaq, em Times Square. Muitas de suas estruturas urbanas, como o World Trade Center1, foram construídas para representar simbolicamente como os estadunidenses

1As torres gêmeas do World Trade Center foram destruídas no ataque terrorista ocorrido em 11/09/2001.

se viam diante deles mesmos e diante do mundo. É a cidade global por excelência. Nova York foi a capital do mundo no século XX e continua a ter esse prestí-gio no alvorecer do século XXI.

1.5 -1.5 - Urbanização nos Países Subdesenvolvidos

As grandes metrópoles subdesenvolvidas são hoje a expressão do antagonismo e da desigualdade sociais materializados na paisagem urbana. Esta afi rmativa se consolida, em primeiro lugar, porque o fenômeno de urbanização acelerada, observado no mundo nos últimos 40 anos ocorreu, em grande parte, nos países da periferia do sistema, os chamados países subde-senvolvidos. Em segundo lugar, porque, uma vez isto posto, observa-se que são justamente as metrópoles destes países que são as áreas atrativas para os ins-trumentos de excelência do fenômeno de expansão da economia-mundo capitalista que se convencionou chamar de globalização.

Para Borja e Castells (1997) e Sassen (1998), as metrópoles dos países subdesenvolvidos que já al-cançaram certo nível de industrialização são sedes de grandes corporações transnacionais e de institui-ções fi nanceiras, de redes de informação, teleportos e sistemas de telefonia celular e de comunicação por cabo, de bens de consumo sofi sticados e atividades de serviços, que são elementos da modernidade asso-ciada à globalização. Tais elementos assumem caráter essencialmente urbano, a tal ponto, que servem de pa-râmetro de defi nição das cidades-globais.

O fenômeno de urbanização observado em grande parte dos países subdesenvolvidos apresenta-se muito vinculado ao processo de industrialização tardia da periferia, pois a atratividade exercida pelos polos in-dustriais sobre a massa de mão de obra expelida do campo (em especial nos países que receberam empre-sas multinacionais que alavancaram a passagem de economias agroexportadoras para economias semi-industrializadas, como o Brasil, México ou a Índia) provocou, a partir da década de 60, a explosão de grandes polos urbanos no Terceiro Mundo, que não receberam, contudo provisão de habitações, infraes-trutura e equipamentos urbanos que garantisse qua-lidade de vida a essa população recém-egressa do campo.

Na maioria dos casos, o Estado se apresentou in-capaz ou pouco se empenhou para isso, devido à abundância de mão de obra ofertada (que reduzia seu poder de reivindicação) junto às elites, interessadas em manter baixos os níveis salariais e o custo da mão de obra. O resultado desse fenômeno passou a ser conhecido como urbanização desigual ou periférica, que é caracterizada pela presença de gigantescas me-trópoles industriais fordistas subdesenvolvidas (mal equipadas de termos de infraestrutura, concentrado-ras da produção industrial e da massa de mão de obra disponível e marcadas pela divisão social do espaço urbano.

Segundo Sampaio Jr. (1999), já nos anos 70, Caio Prado Jr. vislumbrava o caráter excludente dessa for-ma de urbanização:a inexorável desarticulação da industrialização agravaria de maneira gigantesca o excedente estrutural de mão de obra, o qual, pela sua magnitude absoluta e pela sua elevada concentração nos centros urbanos, tenderia a tornar cada vez mais difícil e traumática a sua posterior integração no de-senvolvimento capitalista, agravando ainda mais a crise social.

A América Latina (continente formado basicamente por nações subdesenvolvidas e emergentes) é o lo-cal onde ocorrem os maiores índices de urbanização do mundo com taxas em média na casa de 75% (em 2000), segundo a Cepal.

Outro fato marcante que devemos nos ater é que en-tre as vinte maiores áreas metropolitanas com mais de 10 milhões de habitantes do mundo, apenas qua-tro (Tóquio, Nova York, Los Angeles e Osaka) estão localizadas em países desenvolvidos ou do Norte, estando as demais localizadas em países subdesen-volvidos, contudo um outro fato nos chama a aten-ção para o continente latino-americano, que das vinte concentra somente quatro das áreas mais populosas). (ver tabela 01)

Tabela 01 - As aglomerações urbanas com 10 ou mais milhões de habitantes em 2005

MetrópolePopulação (em milhões) Crescimento médio (%)

1975 2005 2015* 1975-2005 2005-2015*

1. Tóquio (Japão) 26,6 35,2 35,5 0,93 0,082. Cidade do México (México) 10,7 19,4 21,6 1,99 1,053. Nova York (Estados Unidos) 15,9 18,7 19,9 0,55 0,60

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204. São Paulo (Brasil) 9,6 18,3 20,5 2,15 1,135. Mumbai (Índia) 7,1 18,2 21,9 3,15 1,846. Délhi (Índia) 4,4 15,0 18,6 1,08 2,127. Xangai (China) 7,3 14,5 17,2 2,28 1,728. Calcutá (Índia) 7,9 14,3 17,0 1,98 1,739. Jacarta (Indonésia) 4,8 13,2 16,8 3,37 2,4110. Buenos Aires (Argentina) 8,7 12,6 13,4 1,20 0,6511. Daca (Bangladesh) 2,2 12,4 16,8 5,81 3,0412. Los Angeles (EUA) 8,9 12,3 13,1 1,07 0,6313. Karachi (Paquistão) 4,0 11,6 15,2 3,56 2,6714. Rio de Janeiro (Brasil) 7,6 11,5 12,8 1,39 1,0715. Osaka-Kobe (Japão) 9,8 11,3 11,3 0,45 0,0416. Cairo (Egito) 6,4 11,1 13,1 1,82 1,6617. Lagos (Nigéria) 1,9 10,9 16,1 5,84 3,94

18. Pequim (China) 6,0 10,7 12,9 1,91 1,8219. Manila (Filipinas) 5,0 10,7 12,9 2,53 1,9020. Moscou (Rússia) 7,6 10,7 11,0 1,12 0,34

UNITED Nations Department of Economic and Social Affairs/Population Division. World urbanization prospects: the 2005 revision. Disponível em: <www.un.org/esa/population/publications/wup2005/2005wup.htm>. Acesso em: 14 dez. 2006. * Estimativas.

Essas megacidades, localizadas na periferia do mun-do, justamente em virtude dessa urbanização acelera-da e por demais excludente, apresentam atualmente, constantemente, um quadro de absoluta pobreza.

Ermínia Maricato (2000) nos revela, com detalhes em seu trabalho, que o fenômeno da urbanização per-mitiu signifi cativas melhorias em alguns indicadores sociais e econômicos, principalmente nos demográ-fi cos. O continente latino-americano – e, também, nosso país –, conheceu melhorias nos seus índices de expectativa de vida ao nascer, ou ainda uma profunda redução nas taxas de mortalidade infantil, em grande parte decorrente do aumento da infraestrutura urbana básica ofertada (saneamento, água tratada etc.).

Em seu relatório anual a Cepal revela que apesar destas melhorias percentuais apresentadas na Améri-ca Latina, em virtude de sua alta taxa de urbanização, ainda predomina a pobreza2 econômica (devido aos baixos salários) sobre aquela por falta de infraestrutu-ra básica adequada.

No contexto dos anos 1980, as carências físicas (necessidades básicas não satisfeitas) superavam em porcentagem a incidência de pobreza (54% e 35%, respectivamente), já no contexto dos anos 1990, essa relação havia se invertido, com o índice de pobreza somando 36%, contra 32% da população sem sane-amento básico (Arriagada, 2000:11). Ainda segundo Arriagada (op.cit), 60% dos pobres da América Lati-

na moram em zonas urbanas, situação que converte o continente na região em desenvolvimento que melhor exemplifi ca o processo mundial de urbanização da pobreza.

Para Maricato (op.cit.), a urbanização desigual pro-vocou também uma piora nos índices socioeconômi-cos (crescimento, renda, desemprego e violência) e urbanísticos (crescimento urbano e aumento de fave-las).

Estes espaços citadinos localizados na periferia do mundo são, portanto, no início do século XXI, um ce-nário marcado por um alto grau de pobreza, oriundo da natureza estruturalmente desequilibrada da indus-trialização tardia e da urbanização periféricas. Basea-do nisso, quando retomamos Caio Prado Junior, já ci-tado anteriormente, percebemos que sua preocupação tinha fundamento, já nos anos 70, e hoje é evidente a impossibilidade de reintegrar o contingente excessivo de mão de obra nos grandes centros urbanos, o que agrava inexoravelmente o quadro social destas me-trópoles.

Este quadro social encontrado nas metrópoles da periferia do mundo recebe um contorno ainda mais dramático na medida que estas começam a se inserir na globalização, que tenta imprimir suas caracterís-ticas modernizantes, acentuando o quadro de insta-bilidade social existente nestes espaços citadinos, pois, no contexto urbano, a contradição estrutural das

2A ONU defi ne como pobre a pessoa que ganha menos de 400 dólares por ano. Ainda segundo a Cepal, na América Latina, cerca de 220 milhões de pessoas viviam na pobreza no ano 2000, o que representa aproximadamente 45% da população do continente (Cepal, 2000a). No mundo, esse número se eleva a 1,3 bilhão de pessoas, ou um quinto da população mundial (Ibase, 1997), boa parte concentrada nas grandes metrópoles da periferia. As condições de pobreza encontradas nessas cidades podem ser verifi cadas pela alta porcentagem de moradores vivendo em habitações subnormais.

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21economias de desenvolvimento desigual e combina-do se traduz pela incompatibilidade entre os bairros globalizados da cidade formal e os assentamentos di-tos subnormais, que confi guram a tipologia majoritá-ria da cidade real, nas zonas periféricas abandonadas pelo capital e pelo poder público.

A leitura de Maricato (2000) nos conduz a entender que as cidades subdesenvolvidas materializam a mar-ginalidade social em países que combinam o atraso com o moderno. Seu problema é, portanto, o mesmo da sociedade subdesenvolvida: a subordinação abso-luta à lógica dos negócios, por meio da histórica su-perexploração do trabalho e hiperdepredação do meio ambiente, que parecem ter chegado, na sociedade e nas cidades, a níveis intoleráveis. Contudo, as ações de imposição do capitalismo hegemônico, pelo novo paradigma da globalização, e as novas matrizes de planejamento urbano que as acompanham, parecem apenas reforçar essa situação.

A ideia, de que a cidade globalizada encontra mais chances de sobrevivência quanto mais souber se in-serir na competição pela atração de investimentos e de sedes de grandes empresas transnacionais, quanto mais investir nos avançados sistemas de informação e comunicação, na modernização de sua infraestrutura, no fortalecimento do terciário avançado e em canais de conexão com o capital fi nanceiro internacional, su-postamente capaz de dar nova vida às áreas urbanas degradadas, se apresenta marcada por contradições, pois o arcabouço técnico desse novo planejamento divide as ações de intervenção no espaço urbano em várias escalas, todas elas vinculadas às comunicações ou às atividades conectadas à economia globalizada: teleportos, centros empresariais, espaços para feiras e congressos, parques tecnológicos, aeroportos, ho-téis, operações de embelezamento e modernização dos espaços públicos etc.(Borja e Castells, 1997). Na verdade, o resultado deste processo modernizante descrito por Borja e Castells, é a consolidação de uma pujante renovação imobiliária das áreas mais nobres, resultante da inserção destes espaços e de seus ato-res locais, essenciais para a dinamização econômi-ca urbana (os empreendedores imobiliários, as elites fundiárias, o poder público e os investidores, sejam estes nacionais ou internacionais) ao redor das cons-truções, com intuito de mapear e melhor explorar as dinâmicas econômicas dos lugares de forma que estas áreas se tornem atraentes para os potenciais investi-mentos (Arantes et alii, 2000 e Vainer, 2000).

Dentro desta perspectiva, nota-se a inexistência de preocupações com questões sociais mais urgentes, contrapondo-se à farta presença de termos como va-lorização, negócios, visibilidade, inserção na dinâmi-ca econômica e outros, que remetem à nova função concorrencial das cidades.

Neste cenário, a realidade social das metrópoles subdesenvolvidas parece ter sido simplesmente es-quecida. Ocorre, de fato que, mais uma vez, mo-delos técnico-teóricos de planejamento estratégico, que são importados de uma realidade que não é a da periferia, são implantados nestes países como se fossem a chave para a caminhada rumo ao Primeiro Mundo. A incompatibilidade entre essas receitas e a realidade encontrada nas metrópoles da periferia do mundo levou Ermínia Maricato (2000) a cunhar a expressão as ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias.

Para fi ns de melhor caracterizarmos o processo de urbanização nos países subdesenvolvidos, recorre-mos mais uma vez ao trabalho de Ermínia Maricato (2000: 187):

- Os processos verifi cados nos países subdesen-volvidos foram superpostos no tempo enquanto nos desenvolvidos eles aparecem em momentos diferentes. Embora a revolução urbana tenha alcan-çado uma amplitude impossível de ser medida, o crescimento demográfi co e econômico, o progresso da informação e as tentativas da organização do es-paço são concomitantes. A força conjunta de todas essas revoluções é tão grande que as cidades e as redes urbanas mais recentes e menos estruturadas oferecem pouca resistência aos novos fatores de transformação. - No período 1950-1960 os ritmos mais fortes de crescimento urbano são os dos países subdesen-volvidos. De 1950 a 1960, a população urbana au-mentou de 59,3% nos países subdesenvolvidos e de apenas 31% nos países desenvolvidos. A exceção à regra é a URSS, que teve um elevado crescimento urbano; trata-se em parte de uma compensação à brutal queda dos anos 40, em decorrência da guerra. - Atualmente a taxa de urbanização varia muito se-gundo os continentes e os países mas, exceção feita à América do Sul, a citada taxa continua em geral fraca. Para se ter uma ideia desse fenômeno basta observar que as cinco maiores cidades da Índia, por exemplo, têm 3% da população total do país (no Japão elas equivalem a 19%). As dez maiores cida-des, também para a Índia, só alcançam 4% da popu-lação total (25% no Japão), enquanto a população urbana é, em números absolutos maior que a popu-lação total da Grã-Bretanha. Na África, a percen-tagem da população urbana é geralmente pequena. - Na América Latina, as proporções são bem mais fortes: A urbanização dos países subdesenvolvidos foi mais recente e mais rápida, efetuando-se num contexto econômico e político diferente dos países desenvolvidos. Tem características originais, que a diferenciam nitidamente da urbanização deste últi-mo grupo de países.

Page 22: Geografia Urbana

221.6 -1.6 - Relações Entre o Urbano e o Rural

Há muito tempo a dicotomia rural e urbano vem des-pertando o interesse nos meios acadêmicos tanto no Brasil como no mundo, haja vista que a atuação das forças capitalistas e sua reprodução no espaço acaba-ram por incorporar algumas áreas rurais com algumas características urbanas em determinadas regiões, com práticas e produtos advindos da cidade. Em outros as-pectos, os trabalhadores e as famílias rurais passaram a se adaptar à realidade de escassez produtiva e de créditos, assim como o baixo valor dos produtos.

Essa dicotomia teve início com a divisão social e territorial do trabalho, que trouxe indicativos de pro-dução específi cos de cada espaço. As cidades, fru-tos dessa divisão, surgiram a partir de comunidades agrárias. “O ambiente urbano” é, deste modo, uma resultante de aglomerações localizadas em ambien-tes naturais transformados, e que para a sua sobre-vivência e desenvolvimento necessitam dos recursos do ambiente natural. Isto é muito bem explicitado em Mamigonian (1996: 204-205):

Diferentemente do que imaginam os funcionalistas (Durkheim), as relações cidade-campo não são sim-plesmente complementações de atividades, elas são geradas por desigualdades latentes e geram por seu turno novas desigualdades e confl itos de interesses. As cidades exploram os campos, retirando-lhes parte de suas produções a pretexto de proteção ou outra “razão” qualquer.

Tais diferenças ocorrem com magnitudes diferen-ciadas, de acordo com o tempo e o espaço. No Brasil, as modifi cações no meio rural tiveram maior sentido em meados do século XX, o meio rural é composto por diversos elementos que se transformaram.

Devemos destacar que tais transformações modifi -cam a noção de rural e urbano, em caráter social e econômico, rearranjando a noção dicotômica que per-meava até meados do século XX (Carneiro, 1999a; 1999b). Neste aspecto, a “delimitação de fronteiras entre a cidade e o campo, a partir de uma classifi ca-ção sustentada em atividades econômicas ou mesmo em hábitos culturais, se torna cada vez mais difícil”. (Fialho, 2000, p. 9).

O geógrafo Ruy Moreira (2007: 94-95) nos revela que:

durante séculos, a paisagem rural foi o quadro típico da arrumação geográfi ca das sociedades. A mudança gradativa da divisão de trabalho ocorreu e se acen-tuou devido a evolução das técnicas, estabelecendo novas mobilidades às pessoas, que começam a criar e migrar para as cidades, alterando os vazios e acres-

centando aos espaços novos signifi cados. A cultu-ra rural, então, recua em todos os cantos diante do avanço da cultura urbana. E o próprio campo se torna urbano com o tempo.

Com base nisso, é possível notarmos que o rural e o urbano nada mais são que o mesmo espaço, produ-zidos e usados de modo diferente. A necessidade de que as pessoas têm em se aglomerar para facilitar seu sustento e segurança, recriaram o meio típico rural num processo de urbanização, com fatores explícitos que diferenciam um lugar como urbano, que são: a infraestrutura, a facilidade de relações entre as pes-soas, como o comércio, as informações, a caracteri-zação de um padrão cultural típico de uma sociedade, e a atividade de domesticação e extrativismo fora do local onde as pessoas se abrigavam em seus habitats, como ocas, tendas e casebres construídos por diferen-tes componentes, caracterizando seu padrão cultural.

O meio urbano se formou a partir do rural, e criou tal distinção, dicotomia e colocação, devido ao es-paço que cada lugar seria capaz de compreender. O antagonismo de um mesmo espaço só pode ser perce-bido no entendimento do que é, e qual a relação des-te com o homem. Esse afastamento é aparente e real ao mesmo tempo. Aparente, pois não há prospectos de sobrevivência de pessoas em áreas urbanas, sem a necessidade de áreas rurais, não sendo verdade o processo inverso.

Real, pois oferece formas de uso do espaço distin-tos, porém, complementares, contudo diversos até mesmo no sentido de valorização dos lugares, já que o meio urbano é, hoje em dia, mais bem valorizado que o rural. A construção do meio urbano e as con-glomerações de pessoas no meio rural, mesmo sem se tornar urbano legalmente ou não, fazem com que suas culturas se afl orem através do sentido imaterial, subjetivo, composto por ideias, hábitos, vontades e costumes, e principalmente na representação de seus objetos materiais, como suas casas, seus alimentos, utensílios, ferramentas, representando as necessida-des e evolução cultural de uma comunidade.

Diante desse ponto de vista, é certo que o espaço urbano oferece diversas oportunidades ao morador da área rural, como a educação, saúde, trabalho (ou desemprego), lazer, entre outros. Porém, esses bene-fícios não são comuns a todos, considerando as opor-tunidades, o conhecimento, sobretudo os aspectos econômicos. Por outro lado, os moradores das cida-des, principalmente das grandes metrópoles, veem no meio rural, um subterfúgio de descanso, harmonia e tranquilidade diante do modo de vida urbana, ou seja, um lugar de tempo lento.

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23Contudo, quando observamos o cotidiano existente

em algumas áreas do Brasil, percebemos que algumas destas encontram-se integradas com o setor industrial no Brasil, observa-se que ocorre uma mudança signi-fi cativa do rural, através do uso das técnicas, difundi-dos pelo processo de globalização, em áreas como as comunicações, as informações, além do emprego da tecnologia no propósito agrícola. Porém, essas modi-fi cações possuem estilos excludentes e segmentados, já que essa vinculação não ocorre em todo território, mas em apenas aqueles cujo espaço foi incorporado pelo poder do capital. “Cria-se, praticamente, um mundo rural sem mistérios onde cada gesto e cada resultado deve ser previsto, de modo a assegurar a maior produtividade e a maior rentabilidade possí-vel.” (SANTOS, 1999: 242).

O progresso tecnológico que eleva a produção agro-pecuária em algumas áreas, intensifi cando a quanti-dade de desemprego no campo, só é possível através de tecnologias criadas na cidade, mesmo que dissemi-nadas pela utilização no campo, modifi cando na dinâ-mica do espaço geográfi co (do campo e da cidade). No campo, a reestruturação econômica e produtiva trazida pelo processo de globalização fez com que houvesse uma abertura dos mercados, acelerando as trocas e relações comerciais, intensifi cando-se a com-petitividade, com base em cadeias agroalimentares

que comandam a produção e o comércio atacadista em nível global, restringindo algumas regiões produ-toras, e até mesmo países. (SCHENEIDER, 2003).

Enfi m, tanto o campo e quanto a cidade, são mar-cados cada um com suas especifi cidades, e designam a construção social do espaço, dentre de uma mesma lógica de produção, mas com interesses diversos no que tange as suas singularidades. Esses dois concei-tos são frutos de diferentes conteúdos, bases forma-das através do modo de vida e das oportunidades, que são o rural e o urbano. A junção dos conteúdos aos referidos espaços, são confi gurados como espaço ru-ral e espaço urbano, de acordo com seus respectivos sistemas de objetos e ações (SANTOS, 1999).

Isso defi ne que, tanto no campo, quanto na cidade, pode haver características rurais ou urbanas, e isso se refl ete no modo de vida das pessoas, e no conjunto sistemático de objetos e ações desenvolvidas por elas. Ainda que cada espaço possua seus valores, hábitos, práticas e comportamentos específi cos, estes são produzidos e reproduzidos por pessoas, de manei-ra harmoniosa ou na maioria das vezes, confl ituosa, podendo ser concebidas em espaços diversos, como um homem ou o conjunto desses em uma cidade, ou pessoas habituadas à vida da cidade, com suas prerro-gativas urbanas, vivendo no espaço rural.

Exercício de Fixação da Unidade I 1. Observe a foto a seguir:

As paisagens urbanas, nas sociedades capitalistas, são dinamizadas pela apropriação e pelo uso intensivos do solo urbano, que defi nem a função e a forma das cidades. Tendo a foto como referência.a) Identifi que e descreva dois aspectos dessa paisagem, quanto à forma, que demonstram a apropriação e o uso do solo urbano. b) Apresente duas funções das cidades contemporâneas que dinamizam as paisagens urbanas.

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24 UNIDADE II

2.1 -2.1 - Uso do Solo e Valorização do Espaço UrbanoUso do Solo e Valorização do Espaço Urbano3

PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANOPRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO

3 Este subcapítulo é uma adaptação de um trecho de minha dissertação de mestrado, intitulada Favela Bairro – O desafi o da integração de espaços segregados na metrópole carioca, defendida em 19 jun 2008, no PPGEO/UERJ.

As metrópoles brasileiras são palco de uma incrí-vel valorização do espaço destinado à moradia. Este fato, acentuado nas últimas décadas, eleva os imó-veis urbanos a preços incompatíveis com a média de rendimento da população. E essa valorização cria uma cidade segregada, já que parte da população se vê obrigada a ocupar espaços ilegais, como as fave-las, assentamentos ou mesmo a ocupação de prédios abandonados.

Esta observação é muito bem explicitada na pesqui-sa de Ermínia Maricato (2000). A autora nos revela, com muita propriedade, a problemática que represen-ta a questão da moradia nas grandes cidades e, tam-bém aponta que esta é uma consequência do cresci-mento urbano desordenado, aliado a uma valorização do espaço. Estas características são decorrentes da lógica desenvolvimentista que impera nas metrópoles brasileiras, tão marcadas pela cisão social. Neste con-texto, a autora aponta (MARICATO 2000: 147):

(...) Nunca é demais repetir que não é por falta de planos ou legislação urbanística que as cidades bra-sileiras crescem de modo predatório. Um abundante aparato regulatório normatiza a produção do espaço urbano no Brasil (...). A inefi cácia dessa legislação é de fato, apenas, aparente. (...) Ao lado da detalhada legislação urbanística (fl exibilizada pela corrupção na cidade legal), é promovido um total laissez-faire na cidade legal. A ocupação ilegal da terra urbana não só é permitida como é parte do modelo de de-senvolvimento urbano no Brasil (...). A ilegalidade da provisão de grande parte das moradias urbanas (expediente de subsistência e não mercadoria capita-lista) é funcional para a manutenção do baixo custo da força de trabalho, como também para um mercado imobiliário e especulativo (...) que se sustenta sobre a estrutura fundiária arcaica.

Esta questão relativa à habitação popular vem ga-nhando destaque em meio à literatura especializada, além de ser tema de várias pesquisas em meio às ci-ências sociais no Brasil.

Isso fez com que a favela, no contexto atual da so-ciedade brasileira, fosse considerada um espaço in-serido ao da cidade apesar de muitas não terem sua

situação fundiária regularizada, porém não se pode esquecer que, nem sempre, isso ocorreu na história brasileira, principalmente no cenário carioca.

Procurando aprofundar o tema, torna-se convenien-te destacar o fato de que espaço não é somente um produto ou refl exo das incontáveis relações que ocor-rem no seu interior, é também uma força capaz de reproduzir relações. Esta afi rmação encontra respaldo nas pesquisas de Santos (1987) e de Salgueiro (2003), que nos revelam toda a riqueza da localização e a im-portância da acessibilidade aos bens e serviços que a cidade pode proporcionar ao citadino.

Santos (198:81) nos afi rma que:

Cada homem vale pelo lugar onde está o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando in-cessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes de sua própria condição.

Já a pesquisadora Salgueiro (2003:99) nos revela que:

A cidade é um conjunto de lugares apropriados e produzidos pelos grupos sociais experienciando tem-pos e ritmos diferentes. Todo lugar é produto social, e, portanto espacialidade, apropriado pelas práticas sociais na satisfação das necessidades individuais e coletivas de reprodução e de identifi cação.

Ao se analisar estas passagens, em consonância com o fato das favelas representarem imagens marcantes na cidade, não se pode deixar de considerar o fato de estes espaços representarem a lógica de um modelo excludente de desenvolvimento, legislação e gestão espacial, que se proliferou nas cidades brasileiras e, em especial, na metrópole carioca e, por conseguinte, possibilitou a proliferação do acesso à habitação, por meios informais e ilegais.

Sendo assim, torna-se evidente que a ocorrência deste fenômeno da exclusão social se materializa em lugares e momentos específi cos, sendo estes compos-tos por pessoas reais, que vivenciam problemas que

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25vão muito além de uma simples nomenclatura esta-belecida para caracterização de espaços. Os estigmas estabelecidos para com estes espaços segregados aca-bam por ratifi car as desigualdades intraurbanas, por meio da cisão entre os espaços das classes mais favo-recidas (asfalto) e o dos menos favorecidos (favela).

O aumento da pobreza urbana, a falta de alternativas habitacionais para as famílias de menor poder aquisi-tivo no meio formal associados à falta de políticas pú-blicas voltadas para as camadas carentes têm gerado um défi cit habitacional de proporções catastrófi cas, uma vez que já atingem um patamar de mais de 6,5 milhões de domicílios (IBGE, 2000).

Se pelo lado habitacional a questão já é excessi-vamente problemática, quando avaliamos as conse-quências socioeconômicas, urbanísticas e ambientais desse processo, percebemos que tem sido por demais, grave e alarmante, uma vez que afeta de forma direta os moradores do setor informal, e, também gera con-sequências sobre a cidade e a sua população.

A lógica da produção dos espaços favelados vem tomando tamanha proporção no país, que, embora seja um fenômeno característico das regiões metropo-litanas, começa a se confi gurar em várias das cidades brasileiras, como fruto do crescimento da informali-dade.

Cabe salientar, ainda, que a favela não é a única for-ma de habitação ilegal produzida todos os dias nas cidades brasileiras; existem outras formas, tais como: os loteamentos, os cortiços e as ocupações irregula-res, além dos conjuntos habitacionais criados pelos governos estaduais.

Estas formas de habitação confi guram uma opção marcada pela insegurança e precariedade, em virtu-de de como ocorre a relação de compra e venda de lotes nas favelas e nos loteamentos clandestinos. A questão da posse e da propriedade sobre estes espaços se apresentam marcadas pela incerteza jurídica, além, é claro, dos conturbados processos de consolidação dos assentamentos. Contudo, nessa pesquisa, o tema central de analise será somente a inserção dos espaços favelados na metrópole carioca.

Enfatiza-se a favela no contexto da irregularidade nacional, a qual representa um fruto da falta de pla-nejamento e gestão pública do Estado para com esses espaços. Não há como negar o fato de que na relação

4Nos censos demográfi cos do IBGE, a “ilegalidade” aparece através da noção “aglomerado subnormal”, que equivale às favelas com mais de cinquenta domicílios. Para o IBGE o principal critério defi nidor da favela é a ilegalidade fundiária, ou seja, se o domicílio recenseado está sobre um lote ocupado segundo a declaração do próprio morador. Portanto, o en-tendimento que o morador tem da condição de propriedade de seu imóvel – ocupado ou comprado – interfere diretamente nas estatísticas ofi ciais. Para a Prefeitura, a “ilegalidade” urbana abrange um universo maior do que o do IBGE, incluindo favelas, loteamentos clandestinos e loteamentos irregulares, além da ilegalidade edilícia (da própria construção). Cabe observar, que parte signifi cativa da ilegalidade caracterizada como edilícia pode estar atrelada à ilegalidade fundiária e/ou urbanística. Sabemos que tal correlação não é necessária, mas poderíamos indagar, por exemplo, até que ponto a ilegalidade fundiária induz às demais ou, ao contrário, a construção edilícia ou urbanística dentro dos parâmetros legais é utilizada como instrumento facilitador para futura legalização do loteamento (LAGO, 2003, p.10).

entre Poder Público e as diferentes partes que com-põem a cidade, ocorreram e ainda ocorrem de for-ma desigual, em virtude de ora privilegiarem alguns espaços, ora atuarem de forma cirúrgica em outros, sendo que para as favelas agem sob o princípio de que representam uma patologia espacial, que deve ser corrigida, ordenada e disciplinada, sob a lógica de uma ação urbanizadora.

Enfi m, nos parece claro que a cidade se expande pela ação espontânea da população ou de forma pla-nejada, a fi m de atender aos interesses dos grupos hegemônicos atrelados ao capital imobiliário. Logo, torna-se evidente que a signifi cativa concentração de pobreza nas metrópoles brasileiras tem como expres-são um espaço dual: de um lado, a cidade formal e, de outro, o seu contraponto absoluto: a cidade formal. A precariedade e a ilegalidade são seus componentes genéticos e contribuem para a formação de espaços urbanos sem atributos de urbanidades.

Quando se vislumbra a dicotomia espaço formal e informal na metrópole carioca, é possível perceber nitidamente que esta cisão encontra respaldo em ele-mentos que estruturam esta interpretação da cidade como partida entre asfalto e favela.

Em sua obra Cidade Partida (1994), o jornalista Zuenir Ventura discute o binômio “favela x asfalto”, que representa, nos últimos anos, uma das formas mais correntes no tratamento da questão das favelas, como uma expressão comum nos discursos de pes-quisadores, moradores de favelas ou não, como tam-bém do próprio Estado, especialmente quando este atua no sentido de “integrar” as favelas ao bairro e à cidade, como por exemplo afi rma o Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, datado de 1993.

A utilização frequente pela mídia dessas metáfo-ras tais como “cidade partida” e “desordem urbana”, entre outras confere à concepção dualista da favela, legitimidade social. Por outro lado, emergem ações, por parte de governos e instituições ligadas à gestão pública da pobreza, com novos discursos sobre a fa-vela que subsidiam a política de “integração da favela ao bairro”.

Em tempo, nos parece evidente um reconhecimento explícito por parte do Poder Público de que há, em algum nível, uma cisão que separa a cidade dita “for-mal”, com suas ruas ordenadas a partir de um deter-minado referencial, com propriedades juridicamente

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26legitimadas e com todo um aparato de serviços pú-blicos, da cidade dita “informal”, a saber, as favelas reconhecidas ofi cialmente como locais sem ordena-mento urbanístico, de ocupação irregular dos terrenos e marcadamente carentes de determinados serviços e equipamentos urbanos. Caberia indagar, entretanto, se essa cisão, apesar de reconhecida pelo Estado, não teria sido uma consequência de suas próprias ações, e dos interesses que este representa.

Torna-se nítida, que essa bipartição da cidade é uma forma diferenciada de intervenção do Estado, que cindiu a cidade ao estabelecer planos urbanísticos se-gregadores, com o intuito de separar e melhor contro-lar as camadas populares.

Enquanto é possível encontrar um aparato de nor-mas e legislação que regulamenta a relação de com-pra e venda nas áreas do mercado formal de imóveis, encontramos nestas áreas os terrenos que pela lei es-tão em condições de receberem programas de urba-nização, bem como as políticas habitacionais fi nan-ciadas pelo governo ou órgãos de fi nanciamento. Isso permite o acesso a um pequeno reduto de famílias ao mercado de propriedades legais nas cidades brasilei-ras. Para os mercados irregulares e informais, restam os espaços, aos quais, a legislação urbana e ambien-tal não conseguiu incorporar ao meio formal. Estas concepções encontram respaldo na pesquisa desen-volvida pela arquiteta Ermínia Maricato (2000:161), ao destacar que:

Os mercados restritos e altamente especulativos, ao cercear o acesso à cidade e à moradia para todos, e controlar as terras mais bem localizadas, restringem também as alternativas legais de construção do am-biente urbano, como veremos em seguida. Mesmo quando o poder público se empenha (o que não tem sido uma regra geral) para responder às necessidades das camadas de mais baixa renda, seja de habitação, de infraestrutura ou de equipamentos urbanos, sua efi cácia fi ca comprometida pelo custo especulativo das terras e dos imóveis. Há outros motivos para essa inefi cácia, mas esse é, sem dúvida, um dos principais.

Essas terras estão localizadas, principalmente, em áreas de preservação, áreas públicas, áreas que não estão, assim, aptas à edifi cação, que aos objetivos do mercado formal não se inserem ao planejamento e gestão urbanística.

Contudo, as intervenções públicas em espaços fa-velados na metrópole carioca não se constituem num

fato recente. Predominantemente voltadas para a im-plantação de alguns benefícios vinculados à infraes-trutura estas ações intervencionistas chegaram, a cer-to momento, a ter um aspecto bastante negativo com a política de remoção de favelas adotada nos anos 60.

Evidencia-se assim, a ideia de que as ações de pla-nejamento muitas vezes receberam o apoio do poder público, que tinha como objetivo principal promover restrições de moradia às classes de mais baixa renda, através dos códigos de postura. Esta afi rmação en-contra respaldo em Rezende (1982:31-32), que nos revela que a formulação de códigos de postura ou pla-nos diretores não é isenta de ideologias, uma vez que se “(...) trata-se de atitudes assumidas politicamente com determinados segmentos sociais, de acordo com a relação dialética estabelecida em detrimento da maioria (...)”.

Os registros históricos revelam a face contraditória de uma política desestruturadora dos laços de soli-dariedade e convivência social e da própria relação que os indivíduos mantinham com o lugar, manifes-tada nas suas dimensões materiais e simbólicas5, mas mantida, em contrapartida, pelo argumento da “higie-nização”, com oferta real de moradias em melhores condições infraestruturais.

Partindo desta gama de situações geradas pela questão da informalidade na produção de habitação entre as camadas carentes, começava-se a pensar no enfrentamento desta constrangedora situação de ile-galidade. Neste sentido, podemos citar como exem-plo elucidativo o Plano Diretor6 da Cidade do Rio de Janeiro, elaborado durante a gestão do prefeito Mar-cello Alencar (1988-92).

O conceito de plano diretor, segundo Ribeiro e Car-doso (1990:85) referem-se:

tradicionalmente, ao planejamento do uso do solo urbano, ou seja, defi nição das atividades mais ade-quadas para determinadas áreas da cidade – o “ zo-neamento”, defi nição de gabaritos e índices de ocu-pação do solo; defi nição de áreas de expansão urbana e proteção ambiental; e normas para a abertura de loteamentos ou para parcelamento da terra urbana. Tendo em vista a defi nição que aparece na Constitui-ção (defi nição de função social da cidade e da própria sede), a abrangência do Plano Diretor pode ser maior, incluindo o planejamento da atuação do poder públi-co sobre a cidade e a utilização dos novos instrumen-tos previstos na Constituição.

5Remoção que signifi cava o afastamento do indivíduo da sua moradia próxima ao seu local de trabalho, sem se preocupa-rem com o desenvolvimento simultâneo de um sistema de transporte efi caz.

6Pelo Art. 182, da Constituição da República, o Plano Diretor passava a ser uma obrigação dos municípios com mais de 20 mil habitantes, e tinha por objetivo promover um pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes (p.82).

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27Na concepção deste autor o plano diretor deve ser

entendido como parte integrante do processo contínuo de planejamento e abrangendo a totalidade do territó-rio do município, supondo que sua elaboração,assim como a sua implantação, é atribuição exclusiva do município e garante a participação das entidades re-presentativa nas suas duas fases. Merece ser desta-cado ainda que no plano diretor deve-se atribuir um destaque especial à questão do uso das terras públicas para a habitação popular, cabendo ao estado o papel de elaborar diretrizes e normas para o desenvolvi-mento urbano e a regularização dos espaços clandes-tinos e de áreas faveladas e de baixa renda.

Estes temas são de extrema importância para os espaços favelados, pois sem estes instrumentos, não existe o menor sentido em falar a respeito da autono-mia e da justiça social.

Na concepção de Rolnik (1994), a elaboração deste Plano Diretor deveria ser um instrumento de reforma urbana, garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a plena realização da função social da propriedade. Já para Ribeiro (1990), apesar de o plano diretor apresentar limites de toda ordem, possui uma extraordinária primazia frente a outras formas de intervenção não planejadas no espaço urbano. Neste sentido, esclarece o autor:

os planos diretores não deveriam ser compreendidos como instrumentos amortecedores das contradições sociais que caracterizam a vida urbana – através de suas potencialidades de instrumento de ordenamen-to e controle do uso do solo – mas como possíveis contratos sociais, ou melhor, contratos urbanos, cuja duração estará subordinada à dinâmica da vida polí-tica (...). Por outro lado, a noção de contrato implica a existência de fóruns e canais institucionalizados de negociação que correspondem à possibilidade de manifestações políticas dos interesses em jogo na disputa do espaço da cidade e dos recursos urbanos (p.20-21).

Segundo Coelho (1990), não existe a cidade ideal que, em geral, os urbanistas e planejadores do espaço urbano perseguem. Existe uma cidade, no contexto capitalista, herdada com espaços segregados, com

uma verticalização excessiva, com periferias sem in-fraestrutura e sobre a qual procuraremos reconstruir visando à isonomia social e espacial.

Na concepção deste autor, essa compreensão deve orientar a crítica técnica e política dos antigos pla-nos diretores, que foram responsáveis pela produção, em geral, de avaliações, levantamentos de dados sem maiores seleções e análises, gerando uma série de diretrizes gerais sobre o município que se choca-vam com a realidade social e econômica da cidade, sendo, por conseguinte, um dos fatores responsáveis pelo fato destes planos em muito pouco conseguirem atenuar a dinâmica socioeconômica segregadora que impera nas cidades.

Este enfrentamento, contudo, só começou a rece-ber a devida atenção no início do ano de 2001, com a elaboração do Estatuto da Cidade7, uma vez que, por meio dele, alguns direitos dos moradores de áreas informais passaram a ser reconhecidos. Pelo Estatuto, passavam a vigorar novas diretrizes e instrumentos de políticas urbanas que visavam a garantir a função social da propriedade, do direito à segurança e à mo-radia, além do direito à cidade e à gestão democrática do espaço.

Essas prerrogativas por intervirem de forma deci-siva no mercado de terras e no permanente processo segregatório aos quais estavam constantemente ex-postas as populações de baixa renda, principalmente pelo fato de que as políticas públicas de planejamento urbano no Brasil, seja por meio de intervenções ur-banas, sejam pelos planos diretores, sempre prioriza-rem setores da sociedade, possibilitando acúmulo de investimentos para uns e ausência de recursos para outra parte considerável da sociedade.

A ilegalidade era um grande empecilho à perpetua-ção do direito à cidade8 e ao rompimento com o ce-nário de cidade segregadora. O Estatuto, porém, veio trazer novas normatizações sobre a regularização fun-diária; que já era uma realidade desde a promulgação da Constituição Brasileira de 1988. Vale ressaltar, contudo, que estas normas e leis ainda encontram di-fi culdades e resistências para serem implementadas na sua plenitude.

7No Brasil, o Estatuto da Cidade, aprovado pelo Congresso Nacional em junho de 2001, obriga o Plano Diretor a estabe-lecer planos não apenas para o espaço urbano, mas para todo o território do município, incluindo, portanto, o espaço rural. O Estatuto, dessa maneira, considera algo que é consequência do processo de urbanização e já vem se manifestando de forma mais intensa desde os anos 1960 – a forte integração entre o espaço rural e o urbano. Assim o Plano Diretor é uma lei municipal, obrigatória para municípios com mais de 20 mil habitantes e que cria um sistema de planejamento e gestão do município, determinando as políticas públicas a serem desenvolvidas em um prazo de dez anos em todas as áreas da administração.8A expressão “direito à cidade” utilizada é visualizada a partir dos conceitos apresentados no livro intitulado O direito à cidade. O fi lósofo Henri Lefebvre (1969), expôs, de forma crítica, a maneira como a burguesia, com seu projeto de cidade, destruiu a vida urbana e toda a sua riqueza. O urbanismo, segundo a ideologia do autor, é apresentado sendo o principal instrumento da burguesia na modifi cação do espaço urbano, e pressupunha uma espécie de chaga espacial no desejo de um espaço social harmonioso e normalizante.

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28Apesar da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto

da Cidade estabelecerem a função social da cidade e a função social da propriedade, aplicadas por meio do Plano Diretor Municipal, como foi mencionado ante-riormente, planos e leis são aplicados de acordo com as circunstâncias, difi cilmente contrariam o interesse dos detentores do poder (MARICATO, 2001).

As experiências históricas com Planos Diretores no Brasil mostram que eles se aplicam apenas a uma parte da cidade formal, tomam o mercado como re-ferência e desconhecem as necessidades e os anseios da maior parte da sociedade, bem como ignoram a cidade ilegal. Flávio Villaça (1999) desenvolveu pro-fundas análises sobre o caráter ideológico dos Planos Diretores no Brasil destacando sua característica de “planos-discursos” cheio de boas intenções, contudo, contrariados pela realidade devido ao rumo tomado pelo crescimento urbano. As obras ou investimentos induzem mais o rumo das cidades do que os planos.

Ao nos depararmos com a interpretação que Fernan-des (2003) faz sobre a temática da regularização fun-diária que consta na Constituição de 1988, podemos perceber ainda que as políticas de regularização de favelas, no período após a promulgação desta Cons-tituição, foram baseadas no argumento de que, em-bora não houvesse no texto original da Constituição, nenhuma menção específi ca à questão das favelas, a garantia de moradia fora considerada uma matéria de competência concorrente da União Federal, dos esta-dos da federação e também dos municípios. Cabe ao poder público a promoção de programas de melhorias das condições de saneamento básico e de habitação e de construção de moradias, estando, ainda, dentro das suas esferas de atuação, o combate à pobreza e aos fa-tores de marginalização, bem como a integração dos menos favorecidos.

As metrópoles vivem sob a ótica capitalista, segun-do a qual a “indústria imobiliária” cada vez mais in-corpora novas áreas, não se apresenta planejada para as camadas mais pobres da sociedade, o que contri-buiu, contraditoriamente, com o aumento de lança-mentos imobiliários, destinados às classes de maior poder aquisitivo. Do mesmo modo, são incipientes e

desordenados os investimentos públicos e privados em projetos para a população carente do Rio de Janeiro.

Esta conjuntura conduziu a metrópole ao crescimento da chamada cidade ilegal, vislumbrada sob a ótica do espaço-produto que teria a função de fornecer a mão de obra para os bairros elitizados da cidade. A favela representava, por um lado, uma estratégia de sobrevi-vência, e por outro, condenava os seus habitantes a um aspecto de não cidadão, pelo fato de residirem em um espaço elaborado sem a devida regulamentação do po-der público.

Contudo, quando analisamos o exemplo da metrópo-le carioca, é nítido que a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, uma cidade notadamente marcada por espa-ços desprovidos dos serviços públicos, se viu pressio-nada a consolidar e integrar de forma efetiva as favelas ao restante da cidade formal, buscando dotá-la de uma estrutura similar à encontrada no restante da cidade e, consequentemente, reconhecer seus moradores como cidadãos.

Surgia assim, nos anos 90, após a aprovação do Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro, o Progra-ma Favela-Bairro aprovado sob uma nova perspectiva de se visualizar a favela como áreas de interesse social. O Programa Favela-Bairro representa para o discurso ofi cial, o repositório da ideia de integração social entre favelas e o restante da cidade do Rio de Janeiro, por meio da noção de que as melhorias urbanas e os bene-fícios sociais implementados permitem em ler a favela como bairro, ou mesmo como uma área integrada ao bairro.

Contudo, este modelo de ação implementado pela Prefeitura estava muito mais vinculado ao chamado planejamento estratégico, cujos preceitos passaram a sobrepor-se aos que nortearam o Plano Diretor9. O Programa Favela-Bairro passou a integrar o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro10, elaborado entre 1993 e 1995, tendo sido articulado à lógica do novo modelo. Antes de nos debruçarmos na tentativa de comprovar tal articulação, é importante esclarecer, sucintamente, as diretrizes gerais do planejamento es-tratégico11.

9Segundo Maricato (2000, Pág. 167), no Rio de Janeiro, os investimentos em obras não obedeceram a um plano urbanístico holístico previamente discutido e formulado. Mas, além de seguirem orientação dominante dos interesses já mencionados, há que se reconhecer que eles atuam em localizações precisas, para formar um cenário grávido de símbolos, que é potencia-lizado pela publicidade e pela mídia de um modo geral. A cidade ofi cial, a mais visível, apresentou mudanças na imagem de espaços estrategicamente localizados.10O PECRJ teve seus projetos de modernização da cidade concentrado no Instituto Pereira Passos, um órgão municipal di-retamente vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo. Estes projetos têm como meta principal tornar a cidade do Rio de Janeiro um cenário atraente ao capital fi nanceiro e imobiliário.11Na concepção de Carlos Vainer (2000), o planejamento estratégico se inspirou em conceitos e técnicas oriundas do pla-nejamento empresarial, originalmente e, segundo seus defensores, devem ser adotadas pelos governos locais em razão de estarem as cidades submetidas à mesma lógica e desafi os que as empresas. Para este pesquisador, se durante muito tempo o debate acerca da questão urbana remetia, entre outros, a temas como crescimento desordenado, reprodução da força de trabalho, equipamentos de consumo coletivo, movimentos sociais urbanos, racionalização do uso do solo, a nova questão urbana teria neste contexto como ótica central a problemática da competitividade urbana. Neste ensaio, o autor também discute a necessidade de se promover a cidade para o exterior e o desenvolvimento de uma imagem competitiva e positiva apoiada numa oferta de infraestrutura e de serviços que exerçam a atração de investidores, visitantes e usuários solventes à cidade e que facilitem suas “exportações”: serviços de seus profi ssionais etc.

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29Para se alcançar uma melhor compreensão desta ló-

gica, foi necessário recorrer aos conceitos estabeleci-dos por Borja e Castells (1997), defensores e propaga-dores deste modelo. Os autores citados afi rmam que o planejamento estratégico é uma forma de condução da mudança baseada em uma análise participativa da situação e de sua possível evolução e, também, para a defi nição de uma estratégia de investimento dos es-cassos recursos disponíveis nos pontos críticos.

Logo, num contexto capitalista, como o encontrado na metrópole carioca, o diagnóstico estratégico leva em consideração o contexto (globalização), o territó-rio (em suas variadas dimensões) e a administração (a lógica dos atores públicos). Segundo os mesmos au-tores, são consideradas, especialmente, as dinâmicas e atuações em marcha, as demandas sociais, os pontos críticos e “gargalos” e as potencialidades.

Partindo destas prerrogativas, determinam-se a situ-ação previsível, os cenários possíveis e a situação de-sejável, defi nindo-se as ações a serem tomadas. Estas ações compreendem objetivos, linhas ou estratégias a serem desenvolvidas e projetos concretos que pos-sam ser implementados no curto prazo, tais como in-tervenções físicas, programas econômicos e sociais, medidas administrativas, campanhas cívicas etc. Os planos estratégicos, na maioria das vezes, abarcam ações relativas: à acessibilidade e à mobilidade; ao equilíbrio social; aos recursos humanos; à informação e à telecomunicação; ao auxílio à produção; à quali-dade da administração pública; à qualidade dos ser-viços públicos; à cultura e infraestrutura econômicas (BORJA; CASTELLS, 1997).

As ações norteadoras consideradas fundamentais devem corresponder a uma visão estratégica do de-senvolvimento urbano, através da sensatez de uma intervenção com outras interferências paralelas ou complementares que condicionam aspectos impor-tantes de sua viabilidade; pela qualidade da execução dos projetos, tanto em seus aspectos físicos, como de equipamento, serviços, promoção de imagem etc.; e pela capacidade de mobilizar iniciativas, recursos pú-blicos e privados e de gerar os usos sociais requeridos pela intervenção (BORJA; CASTELLS, 1997).

O valor estratégico de um plano não reside somente na função ou forma específi ca da intervenção, mas,

sobretudo em seu efeito sobre a dinâmica urbana. Borja e Castells (1997) enfatizam, além disso, que um plano estratégico, diversamente de um plano diretor é um plano integral com alguns objetivos territorializáveis; visa a projetos, mas não os loca-liza, essencialmente, no espaço; baseia-se no con-senso e na participação em todas as suas fases; em-prega análise qualitativa e de elementos críticos; é um plano de compromissos e acordos entre agentes para ação imediata ou a curto prazo; é um plano de ação que visa a modernizar a cidade e torná-la competitiva no cenário globalizado12.

Parece-nos claro, contudo, que a integração do Programa Favela-Bairro ao Plano Estratégico do Rio de Janeiro implicou um processo de contex-tualização, compondo um conjunto maior de es-tratégias e ações planejadas e integradas com um objetivo central: tornar o Rio uma metrópole com crescente qualidade de vida, socialmente integrada, respeitosa da coisa pública e que confi rmasse sua vocação para a cultura e para a alegria de viver. Ou seja, uma metrópole empreendedora e competitiva com capacidade para ser um centro de pensamento, de geração de negócios para o país e sua conexão privilegiada com o exterior (Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro, versão on-line).

Segundo Maricato (2000) as obras de infraestru-tura urbana alimentam a especulação fundiária e não a democratização do acesso à terra para mo-radia. Proprietários de terra e capitalistas das ati-vidades de promoção imobiliária e construção for-mam um grupo real de poder e de defi nição das realizações orçamentárias municipais. As diversas instâncias de governo tendem, por questões diver-sas, a benefi ciar o capital imobiliário ou os grandes grupos privados, quando da alocação dos investi-mentos públicos.

Este empobrecimento urbano se faz latente na medida em que se prolifera em virtude do aumento de subsídios ao capital imobiliário, principalmente, em contraste com ao declínio dos recursos locais destinados às classes mais carentes. Produz-se, por conseguinte, uma concentração maior na redistri-buição da renda real, resultando numa conjuntura urbana marcada por inovações urbanas, políticas de consumo fragmentadas e especulativas.

12Manuel Castells e Jordi Borja enfatizam que no contexto da globalização, as cidades passam a depender cada vez mais das formas de articulação da economia global e, por consequência, a “nova fronteira da gestão urbana” consistira em “si-tuar cada cidade em condições de enfrentar a competição global da qual depende o bem-estar de seus cidadãos” (BORJA e CASTELLS: 1997; p.31). Nesta abordagem, não há contradição entre a agenda da competitividade e a da sustentabilidade urbanas, visto que uma não pode existir sem a outra. Aliás, os dois autores estabelecem uma relação entre qualidade de vida urbana e competitividade, afi rmando que “as novas condições de produção, distribuição e comunicação convertem a quali-dade de vida urbana em um fator essencial de atratividade para investimentos e para a mão de obra altamente qualifi cada. Ao mesmo tempo, o entorno social positivo permite aumentar a produtividade dos recursos humanos ao mesmo tempo em que ajuda a desenvolver atitudes positivas” (op.cit. p. 204).

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302.2 -2.2 - Agentes Produtores do Espaço

Na tentativa de desvendarmos o papel que cada um dos agentes produtores do espaço urbano desempenha no cenário citadino, recorremos aos principais expo-sitores da geografi a urbana brasileira, na tentativa de delimitarmos a importância e as funções exercidas por cada um, bem como se dá a relação entre estes.

Para Marcelo Lopes de Souza (2000: 22),

entender corretamente a cidade e as causas de seus problemas é uma condição prévia indispensável à ta-refa de se delinearem estratégias e instrumentos ade-quados para a superação desses problemas.

Já Corrêa (1995), o espaço urbano é fragmentado, pois possui diferentes tipos de uso - áreas comerciais, industriais, residenciais ou de expansão urbana. No entanto, essas diversas áreas encontram-se articula-das através dos chamados fl uxos, ou seja, pela circu-lação de pessoas, de mercadorias, de investimentos ou de decisões. Ainda de acordo com o autor:

O espaço urbano capitalista – fragmentado, articula-do, refl exo, condicionante social, cheio de símbolos e campo de lutas – é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agentes que produzem e consomem o espaço.(p.11)

De acordo com Carlos (1991), a cidade é produ-to das contradições de classe e envolve interesses e necessidades diversas. Assim, o espaço é produzido através das lutas que ocorrem na cidade.

Nesse contexto, Corrêa (1995) identifi ca como agen-tes sociais envolvidos na produção do espaço urbano: os proprietários fundiários e dos meios de produção, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos so-ciais excluídos. Na sua concepção, os dois primeiros agentes possuem interesses confl itantes, pois os pro-prietários dos meios de produção necessitam de ter-renos amplos e baratos, não estando interessados na especulação fundiária. Ao passo que os proprietários fundiários veem na retenção de terras uma possibili-

dade de ampliar seus lucros, pois ao criar uma escas-sez de oferta haverá um aumento de preço.

Já em relação à atuação dos promotores imobiliários - conjunto de agentes que realizam, parcial ou total-mente, as seguintes operações: incorporação, fi nan-ciamento, construção e comercialização do imóvel, Corrêa(1995) afi rma que esta ocorre de modo desi-gual. Seus investimentos são voltados principalmente para a construção de imóveis para atender às classes mais abastadas da sociedade, criando e acentuando a segregação residencial que caracteriza a cidade capi-talista.

Enfi m, Corrêa conclui que ao produzirem favelas, invadindo terrenos públicos ou privados, os grupos sociais excluídos tornam-se, efetivamente, agentes modeladores, produzindo seu próprio espaço.

David Harvey (1980) destaca que em relação ao ca-pital imobiliário, “Há numerosos e diversos atores no mercado de moradia, e cada grupo tem um modo dis-tinto de determinar o valor de uso e o valor de troca”. (p. 139). Vale destacarmos que, para o referido autor, na economia capitalista, o solo e suas benfeitorias são mercadorias e, como qualquer outra mercadoria, pos-suem um valor composto por duas dimensões: o valor de uso (utilidade que determinado objeto possui) e o valor de troca (poder de compra que a posse de um objeto transmite).

Em seu estudo sobre o processo de verticalização em São Paulo, Maria Adélia Aparecida de Souza (1994), comenta que no Brasil existem pelo menos três tipos de agentes produtores do espaço urbano: os incorporadores, os construtores e os vendedores. No entanto, como afi rma a autora, identifi cá-los não é ta-refa simples, pois:

o mesmo agente pode assumir os três tipos ou um ou dois deles. O que ainda se deve comprovar é que eles (os tipos) podem agregar-se ou desagregar-se, neste ou naquele empreendimento, assumindo, portanto, papéis e fi guras jurídicas que variam com o tempo. (p.189)

2.3 -2.3 - Cidades: Espaços de Exclusão

O espaço citadino é dotado de uma unidade contra-ditória, composta pela distinção entre as classes so-ciais, expressa na organização do espaço. A produção do espaço urbano na conjuntura capitalista inclui pro-cessos espaciais dos quais a exclusão social é o que mais ratifi ca as desigualdades sociais e a estruturação de classes13.

13CORRÊA, Roberto Lobato. Os processos sociais e a cidade. In: Trajetórias Geográfi cas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

Nas sociedades capitalistas – onde o acesso a bens ocorre pela via do consumo – a renda torna-se fator ressaltante no que se refere à distribuição da popu-lação na cidade. A residência é uma mercadoria que se atrela não apenas à sua qualidade material, mas também à sua localização no espaço da cidade. Isso signifi ca que o acesso à renda é determinante para se-

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31gregação residencial, muito embora outras variantes, como origem, etnia e religião, também possam infl uir nesse processo, a depender do contexto socioespacial.

Na medida em que a renda é uma expressão das relações de classe, verifi ca-se que a segregação, en-quanto resultado da produção capitalista do espaço urbano, é uma demonstração espacial da própria ci-são de classes. Logo, a distinção residencial ocorre nos termos da reprodução das relações sociais14, visto que se atrela à capacidade de se pagar pela residência. Se a questão fi nanceira interfere na localização, isso acaba por infl uenciar, igualmente, no acesso a equipa-mentos e recursos, que não estão disseminados equi-tativamente no interior da cidade. Em compensação, a diferenciação social produz comunidades distintas, cuja singularidade refl ete-se em valores próprios, construídos a partir do jeito com que os indivíduos enfrentam sua realidade. Isso signifi ca que as áreas residenciais desenvolvem meios distintos para a in-teração social15.

A segregação socioespacial é um processo espacial dotado de grande complexidade que abarca compo-nentes estruturais, ligados à produção capitalista da cidade e, ainda, elementos vinculados às especifi cida-des de cada sociedade. Sendo assim, a espacialização que o processo de exclusão adquire é resultante da relação entre os processos mais estruturais e estrutu-rantes e as características socioculturais de cada con-texto socioespacial.

No Brasil, onde o legado das relações sociais pro-cedentes da colonização é um item de nossa confor-mação sociocultural, a relação entre as classes domi-nantes e as classes oprimidas foi se construindo numa composição de dominação/opressão e paternalismo/assistencialismo. Ao mesmo tempo em que essas relações foram sendo empregadas pelos setores do-minantes como forma de manutenção das estruturas vigentes de poder, os setores populares as incorporam como forma estratégica de sobrevivência e relação com os setores dominantes, caracterizando, assim, um cenário em que as disputas não se materializam no formato de confronto direto, entretanto a partir de interações marcadas de simbolismo, de malandragem e do famoso “jeitinho brasileiro”.

Para sairmos do campo teórico e observarmos este contexto na prática de uma grande metrópole, toma-mos a metrópole carioca para fi ns de visualização destes fenômenos, uma vez que esta se constitui uma nítida cidade segregada. A produção do espaço urba-no na cidade do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em

14HARVEY (1975) apud. CORRÊA (1997 p. 133-34).15Idem.

que se voltou para os interesses dos setores infl uentes, em especial quanto às demandas do capital, também incorporou aqueles elementos interacionais herdados de nossa conformação sociocultural. Neste sentido, o caráter simbólico foi marcante, na medida em que se buscou expressar uma utopia urbana conservadora e um processo de distinção socioespacial caracterizado pelo desejo de depreciação dos setores populares e de seus espaços de habitação.

Observa-se que é marcante, no processo de forma-ção socioespacial do Rio de Janeiro, a convivência entre ricos e pobres em um espaço urbano marcado em sua paisagem por contradições socioeconômicas e culturais. Para Sandra Pesavento16 (2002: 160)

a especifi cidade e a perversidade das condições de realização do capitalismo no Brasil “dão margem a um contexto em que as representações assumem, de direito e de fato, preeminência sobre o real. O peso do simbólico sobrepõe-se à realidade: o parecer tem efeito de ser e, como tal, é julgado e avaliado. A cre-dibilidade do imaginário se impõe, mesmo que as condições concretas de existência neguem os discur-sos e as imagens que sobre a realidade se produzem. A aparência e a fachada têm alta signifi cação e o de-talhe é tomado pelo conjunto.

A acomodação de espaços favelizados na cidade do Rio de Janeiro foi atravessada por um duplo processo de distinção no espaço urbano. Por um lado, signifi -cou a afi rmação da favela como espaço de moradia e de lutas da população carente e, por isso, valorizado por ele como espaço de referência. Daí a importância do samba e do baile funk, da capoeira, do companhei-rismo e de inúmeros outros traços que caracterizam as interações sociais na favela.

Em contrapartida, esse processo de segregação re-presentou a referenciação da favela como espaço estigmatizado pelos setores elitizados, que almejam uma cidade limpa e ordenada, veem nas favelas os principais empecilhos aos seus anseios.

Assim, ao rotularem as favelas como espaços im-pregnado de conotações negativas, os setores domi-nantes ambicionam, de um lado, justifi car ações que tenham por fi nalidade a eliminação das favelas. De outro, ações que, uma vez voltadas para seus morado-res, tenham a função de desempenhar um controle so-cial sobre eles. Em relação a isso, Robert Pechman17 acredita que ao longo do processo de incorporação de uma civilidade à ordem colonial, iniciada com a chegada da família real ao Rio de Janeiro, instaura-se

16PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Imaginário da Cidade. Visões literárias do urbano. Paris; Rio de Janeiro; Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. 17PECHMAN, Robert Moses. Cidades estreitamente vigiadas. O detetive e o urbanista. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002.

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32um processo de constituição de polos antitéticos, do estabelecimento entre o bem e o mal. Cita os folhetins como importantes recursos para isso, já que tiveram o papel de descobrir os “selvagens” da cidade ou, em outros termos, as “classes perigosas”, sobre as quais deveria incidir a ação civilizatória. Pesavento18 tam-bém chama a atenção para isso no que se refere ao processo de afi rmação de uma identidade urbana do Rio de Janeiro, onde se revelou “o caráter de classe que marca a consolidação das elites: a sua excludên-cia, assinalada pela negação do outro” (p. 170). Pode-se elucidar tal processo a partir de uma crônica de Olavo Bilac, onde se revela o reconhecimento e ao mesmo tempo a repugnância aos constrastes urbanos do Rio de Janeiro em processo de remodelação e mo-dernização urbana:

e naquele amplo boulevard, sobre o asfalto polido, contra a fachada rica dos prédios altos, contra as car-ruagens e carros que desfi lavam, o encontro do velho veículo, em que os devotos bêbados urravam, me deu a impressão de um monstruoso anacronismo: era a ressurreição da barbária – era uma idade selvagem que voltava, como uma alma de outro mundo, vindo perturbar e envergonhar a vida da idade civilizada.19

Deste modo, as camadas populares e, por conse-quência, seus espaços de habitação foram sendo to-mados como obstáculos ao intento civilizatório. En-tretanto, expulsá-los da cidade não seria útil, pois, desse modo, não poderiam cumprir funções subalter-nas. Controlá-los, contudo, era essencial. Isso come-ça a se dar, justamente, em volta das representações que incidem sobre eles e que passam a sustentar as práticas do Estado em sua luta contra a “barbárie” e “selvageria”.

De acordo com Janice Perlman20, os setores domi-nantes apoiam-se na construção de representações sociais sobre as favelas e seus moradores, incutindo no imaginário social coletivo a ideia que na favela vive a bandidagem e a malandragem, em um suposto contexto de desordem social. Isso remete à ideia da favela como aglomeração patológica, segundo a qual, a favela é vista como “uma aglomeração desordenada de vagabundos desempregados, mulheres e crianças abandonadas, ladrões, bêbados e prostitutas”.

Esses “elementos marginais” viveriam, de acordo com essa imagem construída sobre eles, em condi-ções insalubres de moradia, em favelas que prejudi-cam e enfeiam a paisagem urbana. Os moradores das favelas são vistos, ainda, como “parasitas” que sugam recursos públicos sem dar retorno, ocupando áreas que poderiam ser utilizadas para fi ns mais lucrativos

18 PESAVENTO, op. cit. 19BILAC, Olavo. Crônica. Kosmos, Rio de Janeiro, ano 3, n. 10, out. 1906 apud. PESAVENTO (2002, p. 186).20 PERLMAN, Janice. O mito da marginalidade. Favelas e política no Rio de Janeiro. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000 [1977]. p. 4221 PERLMAN, op. cit.

e funcionais. A solução apresentada é a erradicação das favelas21.

Por outro lado, soluções menos radicais – mas que

permanecem vendo o favelado como indesejável, são aquelas baseadas em posicionamentos intermediá-rios, que veem as favelas como uma calamidade ine-vitável, consequência natural do crescimento urbano. Assim sendo, “os favelados são considerados neces-sários como mão de obra barata e votos fáceis de comprar, apesar de serem julgados economicamente pouco produtivos, politicamente despreparados, e socialmente indesejáveis”. A solução apresentada é a política assistencialista e paternalista do Estado.

O fato é que o Estado, como representante dos inte-resses dos setores privilegiados, ao agir a seu favor, atua com as mesmas referências criadas por esses se-tores sobre as favelas, infl uindo, assim, nas políticas que implementa.

As considerações de Janice Perlman, apesar de esta-rem distantes quase 30 anos, demonstram um cenário que pouco variou do ponto de vista da visão cons-truída sobre as favelas e seus moradores, cujas bases interpretativas se mantém. A conservação de determi-nados traços, tais como a ideia de desordem e bandi-dagem, vem ganhando força atualmente, podendo-se dizer, portanto, que essa visão se renovou, agora com novas variáveis, das quais a que possui maior peso é a presença do tráfi co de drogas nas favelas e seus desdobramentos na cidade como um todo.

Formas de segregação espacial

Iniciaremos este subcapítulo onde discutiremos a as variadas formas de segregação espacial existente nas cidades, incorporando ao texto, uma entrevista da geógrafa Ana Fani Carlos, Professora Titular do De-partamento de Geografi a da USP, ao Jornal O Globo, publicada em 01 jun. 2003, onde a referida pesquisa-dora do espaço citadino discute a questão do status imobiliário x cidadania.

Geógrafa condena status imobiliário em detrimento da cidadania

Não é só quem vive do lado de fora de cancelas e portões que é contra o projeto de lei 048/303. Segun-do o Ministério Público, são frequentes as reclama-ções de moradores que se dizem intimados a colabo-rar com recursos para cobrir gastos com serviços, em especial de segurança, que antes estavam sob respon-sabilidade da prefeitura ou do governo do Estado.

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33"É ilegal exigir desses moradores que paguem a

taxa, embora o Tribunal de Alçada Civil até aceite a cobrança", afi rma a promotora pública de habitação e urbanismo Cláudia Beré. "O fato de existir seguran-ça armada e motorizada só coloca o morador a salvo de tudo se ele não sair de lá. E, mesmo assim, se ele não for atacado por alguém de dentro", argumenta. "A rua é um espaço público, de ir e vir, onde a sociabili-dade é possível", diz a geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos, 50, professora da Faculdade de Ciências So-ciais, Letras e Filosofi a da USP (Universidade de São Paulo). Para ela, existe uma tendência de as pessoas extrapolarem para as ruas de bairros consolidados da cidade aquilo que, nos anos 70 e 80, originou os con-domínios fechados.

"No Alto de Pinheiros [distrito com predominância da classe A, na zona oeste], esse fenômeno de criação artifi cial de condomínios é bastante comum. Os mo-radores, com guaritas, tomam conta de uma parte da cidade que não lhes pertence e criam uma espécie de status imobiliário em detrimento da cidadania."

Na Subprefeitura de Santana-Tucuruvi, há dez soli-citações de fechamento por mês, afi rma o subprefeito Maurício Pacheco. Mas, segundo ele, "a maioria das ocorrências é feita de forma irregular". É o caso de quatro ruas do bairro Palmas do Tremembé (Zona Norte). "São vitais para escoar o trânsito local, mas foram fechadas com placas de concreto."

"As pessoas estão usando a desculpa de que a segu-rança pública é problemática, mas todos têm direitos iguais de ter proteção. Além disso, os defensores dos fechamentos acabam por criar guetos e se valem de seguranças particulares. Temos informação de que estes se valem das restrições constitucionais da en-trada da polícia em áreas particulares e se tornam a autoridade local, acobertando ocorrências conforme a posição social do infrator", diz Beré. FOLHA de S.Paulo. 1º jun. 2003, p. 2. Imóveis.

Outro pesquisador que destaca esta ideia de isola-mento e a criação dos enclaves fortifi cados em meio às grandes metrópoles como uma forma de fuga é Mike Davis (1993:74) que em seu livro A Cidade de Quartzo afi rma que:

mesmo os bairros mais ricos se isolam atrás de mu-ros guardados por polícia privada armada e por mo-derníssimos equipamentos de vigilância eletrônica. Nós vivemos em cidades brutalmente divididas entre "células fortifi cadas" da sociedade afl uente e "luga-res de terror" onde a polícia guerreia contra o pobre criminalizado.

A leitura de Davis (op.cit) nos conduz identifi car que o processo de segregação urbana é um resultado

da insegurança da sociedade, produto de desigualda-des socioeconômicas ou concentração de renda mate-rializadas por um modelo de gestão que sempre:

- priorizar os investimentos em infraestrutura nas áreas já favorecidas da cidade;

- negligenciar a implantação de uma política habita-cional efi caz voltada para a população de baixa renda;

- possibilitar a territorialização das áreas mais ca-rentes pelo crime organizado em virtude da reduzida atuação governamental;

- implementar política de segurança em caráter per-manente apenas nas áreas mais ricas, em contraste com uma atuação episódica nos espaços populares.

Já para Paulo César da Costa Gomes (2002:84) existe uma nítida separação entre classes sociais na metrópole carioca, como se fossem dois espaços que vivessem num constante confl ito, como vemos na passagem abaixo:

Atualmente, no Rio de Janeiro, com frequência, po-demos ler nas manchetes dos jornais que a polícia "ocupou", "invadiu" ou "fez um cerco" à favela. Este vocabulário nos leva a pensar que se trata de uma situação de guerra entre territórios, por meio do qual se afi rma claramente que estes espaços estariam sub-metidos a forças hegemônicas diferentes: de um lado, a sociedade "legalmente" constituída; de outro, um território controlado "informalmente" pela força ou pelo prestígio de grupos marginais.

Em Teresa Pires do Rio Caldeira (1997:118) a pes-quisadora nos revela com riqueza o surgimento destes enclaves na metrópole paulistana:

Nas últimas décadas, a proliferação de enclaves vem criando um novo modelo de segregação espacial e transformando a qualidade da vida pública em muitas cidades ao redor do mundo. Enclaves fortifi cados são espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer ou trabalho.

A leitura destes autores nos conduz a concluir que a formação destes enclaves fortifi cados em meios as grandes metrópoles são uma resultante de um modelo de crescimento urbano desordenado, afeta o ambiente urbano com uma nítida queda na qualidade de vida. Surgem assim os bairros ou enclaves fortifi cado, lo-cais isolados e protegidos, acessíveis, no entanto a uma população de renda diferenciada, que são cha-mados de "edge cities", nos Estados Unidos.

Marcelo Lopes de Souza (2000) analisando a pre-senças destes enclaves nas metrópoles conclui que:

O resultado de tudo isso é (...) mais que um padrão complexo de segregação; o que se vai gerando é

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34uma espacialidade caracterizada por sérios confl itos e tensões, pelo desafi o de grupos criminosos à ação do Estado e pelas estratégias espaciais defensivas utilizadas por parcelas das camadas médias e altas da sociedade. A cidade que daí emerge é, ao mesmo tempo, uma unidade espacial interna e externamente integrada sob o ângulo econômico (...) e um espaço fraturado sociopoliticamente e cada vez menos vi-venciado como um ambiente comum de socialização. (p.217)

O surgimento destes enclaves tem provocado pro-fundas modifi cações na paisagem urbana, dentre as quais merecem uma atenção especial o aumento da segregação espacial, uma maior exclusão social, e o aumento da privatização de domínios públicos, tais como ruas e praças, além da restrição no convívio social, fenômenos estes resultantes de uma cultura do medo que se desenvolve nas grandes metrópoles mundiais.

A resultante desta separação é a materialização de novos signifi cados que surgem no espaço urbano tais como:

- as imensas diferenças entre as áreas centrais e as pe-riféricas das regiões metropolitanas;

- a ocupação precária das invasões e loteamentos clan-destinos em contraposição à alta qualidade dos bairros reservados às camadas de maior renda;

- a linha divisória entre o morro e o asfalto e as muitas outras variantes dessa cisão, presentes nas cidades de di-ferentes tamanhos e diferentes perfi s econômicos;

- a cidade dividida entre a porção legal, rica e com infraestrutura, e a ilegal, pobre e precária, expressa as desigualdades de renda e é mais um agente na reprodu-ção dessa desigualdade porque a população que está em situação desfavorável acaba tendo muito pouco acesso às oportunidades de trabalho, cultura e lazer.

Exercícios de Fixação Unidade II

1. Leia a letra da música de Mano Brown, “Na porta do bar”:

"Você viu aquele mano na porta do bar,Ultimamente andei ouvindo ele reclamarQue a sua falta de dinheiro era problema,Que a sua vida pacata já não vale a pena,Queria ter um carro confortável,Queria ser um cara mais notado.Tudo bem, até aí nada posso dizer,Um cara de destaque também quero ser (...)A lei da selva, consumir é necessário;Compre mais, compre mais,Supere seu adversário.O seu status depende da tragédia de alguém.É isso, capitalismo selvagem."(Mano Brown. CD Racionais MC's. Faixa 3, Zimbabwe, São Paulo, s/d.)

a) Qual a crítica expressa em relação à sociedade atual?b) Relacione a letra da música a um aspecto do cotidiano da periferia urbana das metrópoles brasileiras. Dis-corra sobre esse aspecto.

2. "(...) O resultado de tudo isso é (...) mais que um padrão complexo de segregação; o que se vai gerando é uma espacialidade caracterizada por sérios confl itos e tensões, pelo desafi o de grupos criminosos à ação do Estado e pelas estratégias espaciais defensivas utilizadas por parcelas das camadas médias e altas da sociedade. A ci-dade que daí emerge é, ao mesmo tempo, uma unidade espacial interna e externamente integrada sob o ângulo econômico (...) e um espaço fraturado sociopoliticamente e cada vez menos vivenciado como um ambiente comum de socialização. (...)"

Adaptado de SOUZA, Marcelo José de. "O desa-fi o metropolitano". Rio de Janeiro: Bertrand Bra-sil, 2000.

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35Família de classe média alta gozando de seu merecido lazer, em terrenos cedidos pelas prefeituras cariocas dos últimos 30 anos.

As metrópoles estão, neste início de século, enfrentando uma crise de governabilidade; nas periferias planetá-rias, porém, essa crise já faz parte da vida cotidiana, independentemente de classes sociais.

Com base no texto responda ao que se pede:

a) Apresente duas razões para o aumento, nas últimas décadas, da tensão nas metrópoles brasileiras.b) Cite duas estratégias espaciais utilizadas pelas classes média e alta como defesa contra a violência explícita nas metrópoles.

3.

Projeto Rede Memória da Maré-CEASM

Favelário Nacional (fragmentos) - Carlos Drummond de Andrade

Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer,medo só de te sentir, encravadafavela, erisipela, mal do montena coxa fl ava do Rio de Janeiro.

Medo: não de tua lâmina nem de teu revólverNem de tua manha nem de teu olhar.Medo de que sintas como sou culpadoe culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.

As favelas fazem parte da vida e da paisagem do Rio de Janeiro, onde cerca de 18% da população do município vivem em áreas residenciais consideradas precárias. Entretanto, uma parcela ponderável da sociedade vê esses bairros populares como territórios uniformes da pobreza e da violência.

a) Apresente a imagem negativa predominante a respeito das favelas do Rio de Janeiro e de seus moradores.b) Apresente características da vida cotidiana nesses espaços que neguem a visão socialmente predominante acerca das favelas.

4. Nas últimas décadas, a proliferação de enclaves vem criando um novo modelo de segregação espacial e transformando a qualidade da vida pública em muitas cidades ao redor do mundo. Enclaves fortifi cados são espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer ou trabalho.(Teresa Pires do Rio Caldeira, Enclaves fortifi cados: a nova segregação urbana, "Novos Estudos". São Paulo: CEBRAP, março de 1997, p. 155).

a) O que tem causado a disseminação dos chamados enclaves fortifi cados?b) Aponte duas consequências nas relações sociais com a disseminação dos enclaves fortifi cados.c) Cite duas modifi cações na paisagem urbana que vêm ocorrendo com a disseminação dos enclaves fortifi ca-dos.

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365. A história de Jorge ilustra uma mudança na estrutura de emprego observada, principalmente, nas metrópoles brasileiras.

Aponte e explique duas causas para o aumento do setor informal urbano.

Depois de vinte anos como motorista de ônibus e dois amargando desemprego devido à “idade avançada”, Jorge de N. conquistou a liberdade. Aos 46 anos, ele consegue uma renda mensal de R$ 1.200, o triplo do que ganhava quando dirigia coletivos às vezes mais de 10 horas por dia. Para garantir essa renda, Jorge conduz numa van um pequeno grupo de passageiros, em quatro viagens diárias da Central do Brasil a Cabuçu na Baixada Fluminense.

Fonte: JB, 09/06/1999.

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37UNIDADE III

3.1 - 3.1 - Rede e Hierarquia Urbana Rede e Hierarquia Urbana

METROPOLIZAÇÃO E AS NOVAS TENDÊNCIAS DE METROPOLIZAÇÃO E AS NOVAS TENDÊNCIAS DE URBANIZAÇÃOURBANIZAÇÃO

Iniciaremos este subcapítulo com um texto do Prof. Marcelo Lopes de Souza (2003: 76) que discute a questão da hierarquia da rede urbana e seu uso pelas diferentes classes sociais:

(...) Difi cilmente pessoas que morem em cidades de baixa posição na hierarquia da rede e que estejam si-tuadas no entorno de um centro importante ou mes-mo de um núcleo metropolitano pensarão em “galgar os degraus” paulatinamente, preferindo, como é de se esperar, ir diretamente ao centro mais importan-te, queimando etapas. Isso se dá principalmente em nossos dias, devido às facilidades de transporte. De-pendendo do poder aquisitivo, há aqueles que, mes-mo residindo longe de um centro de alta posição na hierarquia da rede urbana, poderão se dar ao luxo de, pegando um avião, ir direto a um centro maior (por exemplo, para tratamento médico), às vezes situado até mesmo no exterior, queimando muitas etapas. Em contraste com isso, há aqueles outros, tão numero-sos, que, devido à sua pobreza, ao não encontrarem em sua cidade o bem ou serviço de que necessitam, simplesmente terão de abrir mão dele, por não terem condições de buscá-lo em um centro maior. A mobi-lidade espacial é função da renda, e isso infl uencia decisivamente a maneira como a rede urbana é viven-ciada e a própria estrutura da rede.

O autor nos afi rma ainda que"a rede urbana não é 'inocente', no sentido de ser um 'simples' conjunto de cidades ligadas entre si por fl uxos de pessoas, bens e informações, como se isso fosse coisa de menor im-portância ou não tivesse a ver com os mecanismos de exploração econômica e exercício do poder existentes em nossas sociedades." (SOUZA, 2003)

As cidades são centros de difusão de bens e servi-ços. Na rede urbana, cada cidade desempenha fun-ções que estão relacionadas com sua capacidade de oferecer bens e serviços para um amplo mercado con-sumidor. Assim, o grau de importância de uma cidade depende da amplitude de sua área de infl uência. De acordo com o IBGE (2000).

Partindo das observações de Souza (2003) pode-mos então afi rmar que uma rede urbana se consolida quando há conjunto de cidades que mantêm relações (culturais, comerciais, fi nanceiras etc.) entre si, sob o

comando de um centro urbano mais importante. Este distribui bens e serviços para os demais municípios que estão sob infl uência. Os centros urbanos inter-mediários, por sua vez, prestam serviços e fornecem mercadorias para os centros urbanos locais, ainda me-nores.

No território brasileiro, encontram-se metrópoles nacionais, metrópoles regionais e capitais regionais. Essa classifi cação é baseada na distribuição de servi-ços e de mercadorias pelo território nacional.

As metrópoles nacionais, São Paulo e Rio de Janei-ro, oferecem serviços exclusivos, atraindo pessoas de outros centros. Os melhores hospitais do país, por exemplo, estão em São Paulo. Também fi cam na me-trópole paulistana, as sedes de muitos bancos e em-presas que atuam em todo o Brasil.

No Rio de Janeiro encontra-se uma intensa vida cul-tural. Com uma agenda repleta de casas de espetácu-los, teatros e cinemas. Mas a cidade se destaca no ce-nário nacional por sediar importantes órgãos federais, herança da época em que foi capital do Brasil. É caso do IBGE, criado em 1937. Desse modo, as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro são visitadas por milhares de pessoas de todas as partes do país em busca de serviços que só são encontrados nestas localidades.

As metrópoles regionais abastecem os centros re-gionais, segundo sua capacidade de criar serviços e mercadorias. Salvador, Recife e Fortaleza são me-trópoles regionais do Nordeste brasileiro. Elas dis-tribuem serviços médicos, educacionais e fi nanceiros por todo o espaço regional.

Curitiba e Porto Alegre são os mais importantes centros urbanos da Região Sul. Elas praticamente dividem Santa Catarina em duas partes. O norte e a área em torno de Florianópolis são infl uenciados por Curitiba. O sul de Santa Catarina está sob a infl uência de Porto Alegre.

Já Belo Horizonte, uma metrópole regional interio-rizada, exerce infl uência por uma vasta área que se prolonga até o norte de Minas Gerais. O chamado Tri-ângulo Mineiro, no qual localizam-se as cidades de Uberaba e Uberlândia, é a zona de infl uência de São

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38Paulo. Por sua vez a Zona da Mata Mineira, onde fi ca Juiz de Fora, está fortemente ligada ao Rio de Janeiro.

Contudo, antes de fecharmos este subcapítulo faz-se necessário discutir uma polêmica que povoa os livros de geografi a, que se refere à questão do Brasil possuir ou não uma cidade global. Muitos autores creditam esta posição a São Paulo, para isto recorremos ao pro-fessor de planejamento urbano João Sette Whitaker Ferreira da FAU/USP que nos afi rma em seu traba-lho: “Globalização e Urbanização Subdesenvolvida”, qual o papel da metrópole paulistana na rede urbana brasileira:

Não se pretende aqui negar o caráter globalizado de um importante número de atividades econômicas desenvolvidas hoje em São Paulo, em especial na chamada nova centralidade das Avenidas Faria Lima, Berrini e Águas Espraiadas. Tampouco se quer negar que a cidade desempenhe de fato um papel de des-taque na nossa inserção na economia globalizada. O questionamento que se faz aqui diz respeito ao grau de importância que se dá a essa inserção e, portan-to ao papel global da cidade e à crença de que ela seja uma via efi caz para a modernização do país, em moldes que não sejam os dos interesses das burgue-sias nacionais, mas sim os do conjunto a sociedade. Parece que a ênfase dada por pesquisadores e profi s-sionais de planejamento ao estudo sobre a maneira e a posição com que a metrópole se insere na rede das cidades globais refl ete uma matriz teórica equi-vocada, pois importada dos países centrais, e que não responde aos desafi os próprios da nossa realidade. Uma matriz, aliás, que não se adapta em nenhuma metrópole de países da economia dependente. É um caso típico de ideias fora do lugar. (Maricato 2000). Qual é, então, a modernidade que queremos? A da possibilidade de autodeterminação da nação nos mol-des da democracia e da equidade econômica e social. Porém, o modelo de ajuste estrutural neoliberal e sua vertente urbanística do planejamento estratégico só servem, como visto, para produzir mais exclusão e garantir a entrada no Primeiro Mundo apenas de al-guns privilegiados. Pode-se, então, perguntar: para a solução dos problemas estruturais que impedem o desenvolvimento efetivamente includente e a cons-trução de uma nação que controle o seu próprio desti-no, qual a vantagem, na ponta do lápis, em São Paulo ser uma cidade-global?

Cidades globais

Para conceituarmos o termo Cidade Global recor-remos aos pesquisadores que mais se dedicaram a desvendar as nuances desta temática que foram Peter Hall e Saskia Sassen.

Na concepção de Hall (1966: 54), a “Cidade Glo-bal” é:

como uma região economicamente preponderante do Estado-Nação,conectada a outras cidades do mundo de forma “a manifestar os interesses políticos e eco-nômicos do governo nacional”.

Com base nisso podemos então afi rmar que seriam os principais centros urbanos, que teriam a função de irradiarem o progresso tecnológico, concentrando os mercados fi nanceiros e as sedes de grandes empresas transnacionais, podendo ainda serem contextualiza-das como os vetores mais importantes da globaliza-ção.

Por estas cidades circulam a maior parte do capital que alimenta os mercados fi nanceiros internacionais a cada ano. Entretanto, a importância desta rede de cidades globais vai muito além dos progressos tecno-lógicos que elas disseminam ou mesmo os serviços especializados para a indústria e ou mesmo o fato de concentrarem as estruturas de comando das maiores empresas transnacionais. Na concepção de Saskia Sassen (1998) é por meio da rede de cidades globais que a economia global é administrada, coordenada, planejada e servida.

Em resumo, são destes espaços que emanam o poder econômico. No topo dessa hierarquia estão as princi-pais metrópoles do primeiro mundo, como Londres, Nova York e Tóquio. Mas a rede se estende também pela periferia de Cingapura, Cidade do México e São Paulo.

Sassen (op.cit) defende que:

algumas dessas cidades preenchem o que seria mais bem descrito como funções de portal: elas adminis-tram o fl uxo (de dinheiro, serviços e pessoas) de en-trada e saída do país” (p.17).

Em comum, essas redes apresentam uma enorme desproporção em sua distribuição geográfi ca. 80% estão nos países desenvolvidos (que detêm apenas 20% da população mundial).

Sassen (op.cit) em “As cidades na economia mun-dial” nos revela que essa disparidade refl ete, de um lado, os efeitos desiguais da globalização pelos con-tinentes, de outro, o crescimento mais acelerado da população dos países menos desenvolvidos: 2% ao ano, contra 0,3% nos países desenvolvidos.

Existem cidades, como Paris ou Londres, que per-tencem a uma hierarquia urbana nacional e a um sis-tema em nível global. Por outro lado, cidades situadas fora dessas hierarquias tendem a se tornar periféricas ou ainda mais periféricas do que tem sido até então. O tamanho tem pouco a ver com o desenvolvimen-to. Com menos de um milhão de habitantes, Zurique (Suíça) é uma cidade global, enquanto Lagos (Nigé-ria), com uma população 10 vezes maior, não é.

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39A mesma lógica de exclusão, entretanto, se apli-

ca no interior das próprias cidades globais. Sassen (1998: 25) explica que:

a atual economia pós-industrial precisa de mão de obra extremamente qualifi cada e bem remunerada para executar serviços fi nanceiros, legais ou de con-sultoria. Ao mesmo tempo, cresce a demanda por trabalhadores pouco qualifi cados para exercerem serviços de limpeza e segurança, por exemplo. São

a maioria e tendem a ser expulsos, pela elevação do custo de vida, para a periferia e áreas deterioradas das mesmas cidades globais.

Sassen (1998: 28) afi rma que não há dúvidas de que a globalização aumenta os níveis de iniquidade entre lugares e dentro das cidades, entre aqueles que se benefi ciam das novas formas de concentração de atividades estratégicas e aqueles que trabalham nos setores tradicionais.

3.2 -3.2 - Metropolização e Desmetropolização

Como já foi visto na unidade I deste instrucional, na Antiguidade existiram grandes cidades, centros de importantes civilizações, na Índia e na China, no Egito e no Império Inca. Roma tinha bem mais que meio milhão de habitantes, população espantosa para a época e que só viria a ser igualada na Europa do sé-culo XVIII. A famosa Atenas provavelmente atingiu os 200 mil habitantes.

Entretanto, foi a Revolução Industrial que originou o fenômeno da metropolização. Até as primeiras dé-cadas do século XX, as imensas aglomerações urba-nas que se formaram nos países industriais eram as maiores cidades do mundo. Londres e Paris já eram grandes cidades antes da industrialização. Tinham mais de meio milhão de habitantes em 1750.

Embora a maioria das metrópoles criadas pela Revo-lução Industrial já fossem cidades importantes numa época anterior, existem casos de núcleos urbanos mo-destos que experimentaram processos de metropoli-zação gerados pela industrialização. Chicago (EUA), às margens do Lago Michigan, e Osaka, na planície japonesa do Pacífi co, exemplifi cam esse fenômeno.

Atualmente, nos Estados Unidos e no Japão, a ten-dência à concentração geográfi ca da produção e do comércio parece estar originando um novo tipo de aglomeração urbana: a megalópole.

Megalópoles são grandes regiões urbanizadas cons-tituídas em um espaço polarizado (região de infl uên-cia em um determinado centro urbano) por duas ou mais metrópoles. O conjunto da megalópole apresen-ta uma forte integração econômica e intensos fl uxos de pessoas e mercadorias. Meios de transporte rápi-dos - trens expressos, autopistas e pontes aéras - sus-tentam esses fl uxos.

A primeira megalópole a se constituir - e ainda hoje a mais importante - é a Bos-Wash, o imenso eixo ur-bano polarizado pelas metrópoles de Boston, Nova York-Nova Jersey, Filadélfi a, Baltimore e Washing-ton. Ocupando terras pertencentes a dez estados e centenas de governos municipais, a megalópole da Costa Leste prenuncia a superurbanização do futu-

ro. A megalópole não é apenas uma aglomeração de metrópoles, mas também uma coleção de subúrbios. Nos Estados Unidos existem mais dois espaços com a vocação de se transformarem em megalópoles. Um é a zona altamente urbanizada do sul dos Grandes Lagos, de Chicago a Pittsburgh, que abrange grandes cidades, como Milwaukee, Detroit e Cleveland. Ou-tro é o cinturão industrial da Califórnia, constituído após a Segunda Guerra Mundial, que se estende de São Francisco a San Diego (San-San), passando por Los Angeles.

No Japão, onde a maior parte da população e da pro-dução industrial está espremida nas terras escassas do litoral sudeste, nasceu a megalópole de Tokaido, cujos pontos extremos são as metrópoles de Tóquio, Yokohama e Osaka, abrangendo ainda os grandes centros urbanos de Nagoia, Kobe e Kyoto. O trem-bala é, talvez, a imagem que melhor sintetiza a unida-de da megalópole do Pacífi co.

No caso brasileiro, podemos afi rmar que o início do processo de metropolização no Brasil está pauta-do no processo de industrialização, que conduziu ao crescimento urbano nas principais metrópoles, tendo este processo se consolidado, no contexto dos anos 60, quando a população urbana ultrapassa a rural, na região Sudeste. Consolida-se a formação do mercado nacional e um de seus principais pilares é exatamente a urbanização do território e seu respectivo sistema de cidades.

De modo geral, o fenômeno é signifi cativo e os di-ferentes índices refl etem diferenças qualitativas liga-das à forma e ao conteúdo da urbanização. Tal fato é resultado do impacto da divisão social e territorial do trabalho que ocorreu, ao longo deste século, de modo diferenciado no território. No Sudeste e no Sul, o de-senvolvimento industrial e o dinamismo dos diversos tipos de trabalho asseguraram uma rede urbana mais complexa.

Durante séculos, a urbanização brasileira ocorreu em pontos isolados, como verdadeiras ilhas, tornan-do-se generalizada somente a partir do século XX. Pode-se dizer que Salvador comandou a primeira

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40rede urbana do país, mantendo sua primazia até me-ados do século XVIII, quando a capital da colônia se transfere para a cidade do Rio de Janeiro. As relações entre o litoral e o interior eram frágeis neste período. O povoamento e as riquezas geradas pela agricultura e a mineração ensaiaram os primeiros passos rumo ao processo de urbanização.

A partir da década de 70, ocorre a difusão genera-lizada das modernizações, tanto no campo como na cidade. A construção e expansão de estradas de ro-dagem e a criação de um moderno sistema de teleco-municações possibilitaram maior fl uidez no território, além de permitir a unifi cação do mercado em escala nacional.

Para compreendermos melhor a dinâmica do pro-cesso de metropolização ocorrido no Brasil em me-ados do século anterior – mais abrupta em algumas unidades da federação que em outras, mas em todo o território nacional intensa e transformadora – desen-cadeou a confi guração de espacialidades, num contra-ponto entre áreas de concentração e de esvaziamento, aglomeradoras e densas ou de ocupação rarefeita e com reduzidos fl uxos de interconexão entre poucas centralidades expressivas recorremos a SANTOS e SILVEIRA (2001), referindo-se tanto à presença de população e de atividades econômicas, quanto do meio técnico-científi co-informacional.

É notória que até os anos 70, a indústria, usufruin-do as possibilidades das cidades, impôs uma lógica aglomerativa como condição básica à produção e re-produção do capital. O fenômeno da metropolização aconteceu como centralidade fundamental a esses processos. Nos anos 80, num contexto de crise, par-ticularmente do investimento industrial, seguido pela abertura econômica e reestruturação produtiva, foi estimulada uma forma distinta de articulação das eco-nomias regionais, que resultou no que se entende por “desconcentração” da economia (PACHECO, 1992 e 1996) ou da polarização, com relativa “dispersão” da indústria e “reconcentração” regional (DINIZ, 1993; DINIZ e CROCCO, 1996) novas atividades econô-micas.

Surgia no contexto dos anos 90, algumas indagações de como se comportariam os centros urbanos, subsi-diando e vivendo os efeitos desses processos e mes-mo se confi rmada a esperada “desmetropolização” estaria associada à de “desindustrialização”?

Para dar conta de compreendermos esta dinâmica vigente no espaço urbano brasileiro recorremos a Santos (1993:286) que aponta esses fenômenos como aparentemente contraditórios, pois metropolização e desmetropolização são, na verdade, complementares, e o que se assiste é ao “reforço da metropolização

juntamente com uma espécie de desmetropolização”. Este autor enfatiza que “algumas metrópoles – como por exemplo São Paulo – colocam-se como “onipre-sentes”, ou seja, no comando de um mercado centra-lizado, apoiado em bases informacionais, desorgani-zando e reorganizando as atividades periféricas em todo o território.” (p.288)

Visto isto, torna-se perceptível que nestas metrópo-les ocorre uma refuncionalização dos espaços, reco-locando-os como polos modifi cados, que se tornam cada vez mais seletivos para a alocação de atividades e população. As funções de comando e gestão, que passam a caracterizar as metrópoles, altamente tecni-fi cadas, dispensam trabalhadores, particularmente os menos qualifi cados. Os novos objetos urbanos inseri-dos nesses espaços desencadeiam uma onda de valo-rização imobiliária e induzem a um deslocamento de atividades subsidiárias e de ocupações menos solvá-veis para áreas mais distantes, porém conectadas ao núcleo central.

Assim, grandes metrópoles e mesmo suas áreas me-tropolitanas podem crescer menos, mas expandem-se. Porém, também se expandem as metrópoles de menor porte, estendendo suas áreas periféricas e incorporan-do novos municípios ao núcleo metropolitano, que se tornam similares às suas próprias centralidades intraurbanas.

Nas metrópoles menores, a dinâmica posta no fi nal dos anos 90 confi rma a presença de fortes externalida-des urbano-metropolitanas junto a redes de relações tangíveis e intangíveis, que propiciam a inovação e assinalam a persistência dos espaços aglomerados.

Diante desta nova dinâmica que confi gura nas áreas metropolitanas, algumas indagações surgem, como por exemplo, se a persistência da aglomeração e a presença de uma metrópole modifi cada deixariam intactas a composição, hierarquia e articulações esta-belecidas pela rede urbana brasileira? ou se permane-ceriam se dando relações hierarquizadas, subordina-das, ou os centros estariam desenvolvendo conexões reticulares? As articulações verticais – com uma rede mundial de cidades – estariam fazendo sucumbir às relações horizontais, portanto inviabilizando proces-sos efetivamente regionais ou mesmo articulações nacionais? A morfologia resultante do aglomerado não estaria impondo rediscutir o próprio conceito de cidade? Diante da leitura dessa nova dinâmica, que confi rma a consolidação de algumas categorias, sua ampliação/extensão, e a tendência à irrelevância de outras, pode-se falar de reestruturação do território? Sob a perspectiva das morfologias concentradoras e aglomeradas espacialmente, não seriam elas contra-ditórias ao fato de estarem se consolidando uma ex-pansão horizontal da urbanização e do meio técnico-

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41científi co-informacional, ou seja, da “modernização” do território?

Perante estes questionamentos, retomamos a pes-quisa de SANTOS (op.cit) que nos indica a resposta a estes questionamentos, na sua concepção não se trata disso. A partir do momento em que o território bra-sileiro se torna efetivamente integrado e se constitui como mercado único, o que à primeira vista aparece como evolução divergente é, na verdade, um movi-

mento convergente. Há uma lógica comum aos diver-sos subespaços.

Essa dinâmica é concebida pela divisão territorial do trabalho em escala nacional, que privilegia dife-rentemente cada fração em dado momento de sua evolução. A lógica é comum, os resultados regio-nais e locais são diferentes. (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.273-274)

3.3 -3.3 - Problemas das Grandes Cidades

O fenômeno de urbanização está estreitamente liga-do ao da industrialização, como já vimos neste texto, este processo se desenvolveu de forma intensa no de-correr dos últimos dois séculos. A multiplicação das fábricas, do comércio e dos serviços públicos, decor-rente da expansão econômica propiciada pelo avanço das tecnologias de produção resultantes da Revolução Industrial, tirou as pessoas do campo e levou-as para as cidades. Esse fenômeno ocorreu inicialmente na Inglaterra e no século XX estendeu-se para pratica-mente todos os cantos do globo.

Logo, a urbanização é o processo de crescimento da população urbana em ritmo mais acelerado que o crescimento da população rural, ou seja, o resultado da transferência da população rural para o meio ur-bano.

Essa transição do rural para o urbano não se dá sem traumas. Os problemas que assolam as megalópoles e metrópoles, especialmente em países pobres, são tão complexos e de dimensões tão grandes quanto o número de habitantes, dessas localidades. A desigual-dade de renda, característica dos grandes centros, que faz com que riqueza e miséria coexistam, estimula a violência urbana, a criminalidade e o tráfi co de dro-gas.

A agressão ao meio ambiente adquire características dramáticas nas grandes cidades – com a grande quan-tidade de lixo e esgotos, a ocupação das áreas de ma-nanciais, a necessidade de prover milhões de pessoas com água potável e a forte poluição do ar, assim como o problema do trânsito – metrópoles, como Santiago do Chile, e megalópoles como São Paulo, Cidade do México e Londres, entre outras, precisaram implantar rodízio para a circulação de veículos como forma de amenizar os congestionamentos gigantes, que parali-sam as vias e agravam a poluição do ar. No sistema de rodízio, parte dos veículos não pode sair à rua em dia e horário preestabelecidos, revezando-se segundo o fi nal da numeração das placas.

As nações em desenvolvimento passaram a conviver mais de perto com a urbanização a partir de 1950, ano

em que 30% da população mundial morava em áreas urbanas. Foi nessa época que começou um processo mais intenso de industrialização, que ainda mostra grandes diferenças regionais. As nações desenvolvi-das já se encontram muito urbanizadas, com pelo me-nos 75% da população morando em cidades. Já a taxa de urbanização média dos países pobres e em desen-volvimento, por exemplo, ainda é relativamente baixa – apenas 40% da população é urbana, com exceção da América Latina e do Caribe, onde essa taxa é tão alta quanto a das nações ricas. Nos próximos 30 anos, o crescimento urbano tende a se localizar sobretudo na África e na Ásia, áreas nas quais a população ainda é predominantemente rural. Um estudo da ONU mos-tra que até 2030 mais da metade (56%) de asiáticos e africanos estarão vivendo em cidades.

O crescimento da urbanização é um fato indiscutí-vel, mas o mesmo não ocorre com os critérios para defi nir o que é um aglomerado urbano. Um núcleo só pode ser chamado de urbano quando 85% da popula-ção vive em área com densidade demográfi ca acima de 150 habitantes por Km², segundo os parâmetros adotados pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), fórum de dis-cussão e coordenação de políticas econômicas sociais de 30 dos países mais ricos do mundo. Mas existem países, como o Brasil, que não adotam esse parâme-tro.

Há consenso, porém, que os números urbanos pos-suem características comuns, independentemente do porte: construções (casas, prédios públicos e comer-ciais), vias de tráfego (ruas, avenidas); dispõem de es-colas, hospitais e centros de lazer; têm sua atividade econômica predominante relacionada ao comércio, aos serviços e à indústria.

O surgimento das chamadas megacidades (aglome-rados urbanos com mais de 10 milhões de habitantes) é consequência direta do processo de urbanização. Em 1975, só existiam cinco megacidades no mundo: Tóquio (Japão), Nova York (EUA), Xangai (China), Cidade do México (México) e São Paulo (Brasil). Atualmente, esses aglomerados já são 19, e as pro-

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42jeções indicam que o número aumentará para 23 até 2015. Apenas quatro dessas megacidades fi cam em países desenvolvidos (Tóquio, Nova York, Los An-geles e Osaka), o que se mantém nas projeções para 2015.

As estimativas apontam também para uma prolife-ração de centros urbanos com mais de 1 milhão de habitantes. Em 2000 eram 387 no mundo, sendo 29% nos países ricos e 71% nos pobres e em desenvolvi-mento. Em 2015, eles já serão 554 – e mais de três quartos estarão localizados em nações pobres e em desenvolvimento. A razão desse aumento está no fato de que a população dos países pobres cresce muito maior que a dos mais ricos (2,3% e 0,4% ao ano, res-pectivamente).

Na Europa, uma longa tradição urbana, muito ante-rior à Revolução Industrial, deu origem a uma rede densa de cidades médias, vilas e povoados. Essa base urbana, quando atingida pela industrialização, gerou uma complexa hierarquia de cidades, isto é, a clas-sifi cação das cidades de um país ou de uma região pelo grau de importância de cada centro urbano, que depende da extensão do mercado atingido pelas mer-cadorias e serviços distribuídos. Por isso, as metró-poles convivem com centenas de cidades de porte in-termediário, que congregam a maioria da população urbana.

O mundo subdesenvolvido não conheceu essa tradi-ção urbana. O processo de urbanização se realiza em países marcados pelo contraste entre algumas poucas grandes cidades e um oceano de núcleos rurais. Em muitos desses países, quase toda a migração rural-ur-bana está direcionada para uma ou duas metrópoles, que crescem num ritmo muito mais rápido que as ou-tras. Em consequência, ocorre o processo de macro-

cefalia urbana, ou seja, da concentração exagerada de população nas cidades mais importantes.

O resultado disto é o crescimento das periferias pobres em relação às regiões centrais, onde existe melhor infraestrutura, uma das características da ur-banização nos países em desenvolvimento. O motivo disso é que, com o acelerado êxodo rural que carac-teriza o crescimento da maioria das metrópoles dos países subdesenvolvidos, as cidades não estão pre-paradas para absorver o grande número de morado-res que chegam. Faltam desde moradias, serviços de água e luz e saneamento até ruas asfaltadas, escolas e hospitais.

Um dos aspectos mais perversos desse problema é que o processo de urbanização convive, nos países pobres, com a favelização, os cortiços e a venda em todo o mundo passa de 1 bilhão. Existem casos em que até há moradia adequada para a população, mas a parcela mais pobre não tem condições econômicas de pagar pelo aluguel nem pela compra da casa própria. Os urbanistas afi rmam que essa camada da população precisa de programas habitacionais governamentais subsidiados para que sua renda seja capaz de garantir uma moradia digna.

Uma medida adotada por alguns países em desen-volvimento são a urbanização e a readequação de fa-velas, dotando-as de água, esgoto e energia elétrica, como forma de melhorar as condições de vida dos habitantes.

Nas nações industrializadas, os problemas decor-rentes da urbanização são de outra natureza. O maior desafi o de suas cidades, que já atingiram um nível satisfatório de urbanização e qualidade de vida são o repovoamento e a revitalização das áreas centrais que, em muitos casos, se encontram degradadas.

Exercícios de Fixação da Unidade III

(MOREIRA, Igor. "O espaço geográfi co". São Paulo: Ática, 2003.)

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431. No mapa acima, encontra-se representado o modelo informacional presente no território brasileiro.

Explique por que, nesse modelo:

a) São Paulo é considerada a metrópole mundial brasileira;b) ocorre uma ruptura na hierarquia urbana tradicional.

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44

Se você:

1) concluiu o estudo deste guia;2) participou dos encontros;3) fez contato com seu tutor;4) realizou as atividades previstas;

Então, você está preparado para as avaliações.

Parabéns!

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45Glossário

Enclave: Em Geografi a Urbana designa um território que é totalmente envolto por um território diferenciado na paisagem. Exemplos de enclaves: Um condomínio de luxo em meio a uma área carente de uma cidade que são defi nidos como enclaves fortifi cados. Enclaves fortifi cados são espaços privatizados, fechados e monitora-dos para residência, consumo, lazer ou trabalho

Bolsões de Pobreza: Pobreza, circunstância econômica na qual uma pessoa carece dos recursos básicos para satisfazer as mínimas necessidades de assistência e assistência médica, alimentação, moradia, vestuário e edu-cação. No espaço urbano são comuns em favelas e loteamentos clandestinos.

Rede Urbana: É formada pelo sistema de cidades, no território de cada país interligadas umas às outras atra-vés dos sistemas de transportes e de comunicações, pelos quais fl uem pessoas, mercadorias, informações etc. Obviamente as redes urbanas dos países desenvolvidos são mais densas e articuladas, pois tais países apresen-tam alto nível de industrialização e de urbanização, economias diversifi cadas e dinâmicas, vigoroso mercado interno e alta capacidade de consumo. Quanto mais complexa a economia de um país ou de uma região, maior é a sua taxa de urbanização e a quantidade de cidades, mais densa é a sua rede urbana e, portanto, maiores são os fl uxos que as interligam. As redes urbanas de muitos países subdesenvolvidos, particularmente daqueles de baixo nível de industrialização e urbanização, são muito desarticuladas, por isso as cidades estão dispersas no território, muitas vezes nem mesmo formando propriamente uma rede.

Hierarquia Urbana: É a escala de subordinação entre as cidades, geralmente da seguinte forma: as pequenas cidades que existem aos milhares, que se subordinam as cidades médias, que existem em número menor que as pequenas cidades, estas, as cidades médias, que se subordinam às cidades intermédias. As grandes cidades ou metrópoles, que são muito poucas. Esta teoria está relacionada com o ranking de cidades, desde a mais pequena até à que tem maior população e mais serviços e bens considerados centrais, bem como população.

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46Gabarito

Unidade I

1. a) Dois aspectos da paisagem entre os indicados abaixo, além de outros:- destaca-se a presença de prédios que demonstram o crescimento vertical das cidades e a valorização do solo

urbano;- evidencia-se a existência de ruas e avenidas, cujos traçados geométricos defi nem os fl uxos de automóveis, a

circulação de pessoas e mercadorias;- observa-se pouca arborização que, oriunda de projetos paisagísticos, substituiu a vegetação nativa;- percebe-se a impermeabilização do solo urbano, oriundo das obras de engenharia: ruas, avenidas, calçamen-

to e prédios.

b) Duas funções entre as indicadas abaixo, além de outras:- as cidades funcionam como centro de decisões políticas;- as cidades exercem a função de comandar as atividades econômicas e fi nanceiras;- as cidades constituem lugares privilegiados de disseminação do modo de vida e cultura urbanos;- as cidades, hierópolis, têm função devocional;- as cidades têm a função de promover a concentração e a circulação de mercadorias, pessoas e capitais;- as cidades têm por função disseminar o marketing e o consumo de bens e serviços;- as cidades têm por função proporcionar atividades de lazer e turismo;- as cidades têm por função produzir e disseminar conhecimento e informação;- as cidades funcionam como locais privilegiados para a instalação de indústrias e concentração de mão de

obra;- as cidades têm por função promover e disseminar a divisão territorial do trabalho;- as cidades constituem lugares privilegiados de habitação e moradia;- as cidades têm por função oferecer equipamentos, bens e serviços sociais e culturais à população.

Unidade II

1. a) A crítica expressa nos versos em relação à sociedade atual recai sobre a condição de exclusão social recorrente em vários lugares, principalmente nas grandes cidades de países subdesenvolvidos. Há uma ênfase na contradição entre uma sociedade que estimula o consumismo em oposição ao fato de que a maior parte da população não dispõe de poder aquisitivo para tudo o que se induz a consumir, através da publicidade.

b) A falta de perspectivas que pudessem resultar em melhores condições de vida para a parcela mais pobre da população, sobretudo os jovens, é um aspecto relevante que pode ser relacionado ao tema da canção.

Segundo o Censo 2000, têm sido signifi cativos os índices de homicídios entre jovens, do sexo masculino entre 16 e 24 anos de idade. Tais dados fazem sentido quando se observa que a maior parte da população desempre-gada se enquadra nesse perfi l social.

Segundo o IBGE, esse fenômeno é mais intenso nas áreas periféricas das áreas metropolitanas, principalmen-te em São Paulo e no Rio de Janeiro.

2 a) - A crise econômica reduz os investimentos produtivos aumentando o desemprego;- A crise de governabilidade inviabiliza a formação de um espaço mais democrático;- A difusão de padrões de consumo acentuam as contradições sociais;- A redução de investimentos socioeconômicos voltados para os grupos sociais menos privilegiados;- A ampliação das redes do narcotráfi co.

b) - A autossegregação em condomínios exclusivos;- A fuga para cidades médias, onde a violência ainda não é tão grave;- O aumento de centros de diversão exclusivos, como shoppings centers;- O cercamento de praças e áreas de lazer públicas, principalmente nos bairros mais valorizados da cidade;- O aumento dos gastos em segurança particular.

3. a) A visão predominante no senso comum atribui aos espaços das favelas a concentração da pobreza, da ilegalidade, da marginalidade, da violência, do caos, da desordem social, do poder e do controle do tráfi co de drogas e de foco da violência que hoje grassa na cidade. Essas características são generalizadas para todas as favelas e todos os seus moradores.

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47b) A outra visão é a de que a favela se constitui em um espaço de moradia possível para um grupo social

formado em sua maioria por famílias de trabalhadores que não têm condições de obter uma casa própria ou de pagar aluguel e/ou de trabalhadores que se sujeitam a morar em condições mais precárias, mas em locais mais próximos do trabalho, do que em áreas muito distantes, onde o preço da moradia é mais barato, mas a inefi ci-ência dos transportes e os gastos monetários e de tempo com esses transportes pesam demais em seu orçamento e em sua condição física.

4. a) O crescimento urbano desordenado afeta o ambiente urbano com queda na qualidade de vida. Surgem os bairros ou enclaves fortifi cado, locais isolados e protegidos, acessíveis, no entanto a uma população de renda diferenciada ("edge cities").

b) segregação espacial, maior exclusão social, privatização de domínios públicos, restrição no convívio so-cial.

c) Condomínios com tecnologias de vigilância e controle do espaço; infraestrutura bem aparelhada.

5. A crise econômica e a modernização do parque industrial, bem como de alguns ramos de serviços, têm leva-do à redução da oferta de empregos com carteira assinada (precarização das relações de trabalho) e à exigência de maior qualifi cação da mão de obra, levando a população excluída deste mercado de trabalho a desempenhar atividades não formais relacionadas a pequenos empreendimentos comerciais, serviços pessoais e domésticos, e como ambulantes, atividades que requerem pouco capital e menor qualifi cação.

Unidade III

1. a) São Paulo é a metrópole mundial brasileira porque exerce controle sobre os principais sistemas de co-municação, além de oferecer bens e serviços mais sofi sticados e diversifi cados. É a partir de São Paulo que as atividades econômicas realizadas no território brasileiro são integradas à economia internacional, visto que há uma concentração das sedes de grandes empresas na cidade.

b) Ocorre devido à expansão das redes telemáticas, em que um número crescente de usuários e empresas negociam diretamente entre si, independentemente de distâncias físicas e do porte das cidades na qual estão sediados.

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48Referências Bibliográficas

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