95
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE EDUCAÇÃO Gean Pierre da Silva Campos A Teoria dos Conjuntos e a Música de Villa-Lobos: uma abordagem didática São Paulo 2014

Gean Pierre Da Silva Campos Rev

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Tese de Doutorado

Citation preview

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE EDUCAO

    Gean Pierre da Silva Campos

    A Teoria dos Conjuntos e a Msica de Villa-Lobos: uma abordagem didtica

    So Paulo

    2014

  • Gean Pierre da Silva Campos

    A Teoria dos Conjuntos e a Msica de Villa-Lobos: uma abordagem didtica

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo, como parte dos requisitos necessrios para obteno do grau de Doutor em Educao. Orientador: Prof. Dr. Oscar Joo Abdounur

    So Paulo 2014

  • Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio

    convencional ou eletrnico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

  • Nome: CAMPOS, Gean Pierre.

    Ttulo: A Teoria dos Conjuntos e a Msica de Villa-Lobos

    Subttulo: uma abordagem didtica

    Aprovado em: ____________________

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. Oscar Joo Abdounur IME/EDM - FEUSP Julgamento: _____________ Assinatura: ________________

    Profa. Dra. Abigail Fregni Lins DME - UEPB Julgamento: _____________ Assinatura: ________________

    Profa. Dra. Adriana Csar de Mattos IGCE - FEUSP

    Julgamento: _____________ Assinatura: ________________

    Profa. Dra. Circe Mary Silva da Silva Dynnikov DLCE - UFES Julgamento: _____________ Assinatura: ________________

    Profa. Dra. Maria do Carmo Santos Domite EDM - FEUSP

    Julgamento: _____________ Assinatura: ________________

  • Lourdes, por tudo.

  • AGRADECIMENTOS

    A Oscar Joo Abdounur, Circe Mary, Bibi Lins, Maria do Carmo, Adriana Csar, Paulo de Tarso Salles, Sivio Ferraz, Helena Chamlian, Fernanda Nali, Tom Boechat, Simone Neiva, Reginaldo Aquino, Andr Bordinhon, Ana Paula Chaves, Edilson Barboza, Erlon Paschoal, Tulio Busato, Bruno Venturim, Marcos Ramos, Kenny Caliman, Zuleica Nali, Carlos Papel, Fernando Duarte, Edigar Gusmo, a todos da Secretaria da Ps da Faculdade de Educao, Coseas, Marina Macambyra, Ana Maris, Alexandre Barbatto, Claudia Wilezelek, Flavio Luiz, Silmara Cardoso, Gigi Dantas, Marcio Pinho, Marina Macambyra, Neuton Arajo, Roberto Votta, Marcelo Coelho, Felipe Salles, muito obrigado!

  • RESUMO

    CAMPOS, Gean Pierre. A Teoria dos Conjuntos e a Msica de Villa-Lobos. 2014. 99 p. Tese (Doutorado) Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2014. Essa pesquisa tem como foco principal explorar como obras musicais de Villa-Lobos so passveis de serem lidas ou analisadas por meio de uma racionalidade matemtica. O intuito buscar um enfoque didtico alternativa didtica para a abordagem de conceitos oriundos da Teoria dos Conjuntos, baseados nos estudos do matemtico Georg Cantor (Teoria Ingnua dos Conjuntos) e nos estudos de Allen Forte (Teoria dos Conjuntos aplicada Msica). Busca-se trazer para o universo da Msica e da Matemtica ambas as teorias, por meio de um enfoque transdisciplinar, e situar o saber em regies em que o aspecto afetivo j adquiriu nveis capazes de dar sentido ao conhecimento e propiciar a assimilao de significados relacionados outra rea. Em busca desses objetivos, e ainda estudar possveis indicaes das relaes entre Matemtica e Msica em um cenrio didtico/pedaggico, essa obra lana mo da afetividade, transdisciplinaridade e pensamento analgico como forma de articular reas aparentemente distantes, mas com forte semelhana em suas estruturas. Esse estudo pretende explorar (1) trabalhos que usaram a Teoria dos Conjuntos em anlises de obras de Villa-Lobos, (2) processos criativos e composicionais presentes em obras musicais de Villa-Lobos, (3) tcnicas matemticas de anlise musical, (4) tipos e estruturas matemticas que possam auxiliar em anlises musicais e verificar de que maneira a racionalidade matemtica est presente na composio musical. Este estudo ao pesquisar trabalhos que usaram a Teoria dos Conjuntos em anlise musical de obras de Villa-Lobos preenche uma lacuna na teoria musical; evidencia estruturas matemticas que auxiliam na anlise musical, mostrando a presena da racionalidade matemtica. Uma das grandes contribuies desse trabalho estabelecer relaes de analogia entre contedos do currculo da matemtica, frequentemente traduzidos por cdigos numricos, e aspectos da rea musical, reconhecidos por sons.

    Palavras-chave: Relaes Matemtica e Msica; Teoria dos Conjuntos; Villa-Lobos.

  • ABSTRACT

    CAMPOS, Gean Pierre. The Set Theory and The Music of Villa-Lobos: a didactic approach. 2014. 99 p. Ph. D. Thesis School of Education, University of So Paulo, So Paulo, 2014. This research is mainly focused on exploring how musical works by Villa-Lobos are likely to be read or analyzed by a mathematical rationality. The aim is to seek a didactic approach a teaching alternative in order to deal with concepts from the Set Theory, based on studies by mathematician Georg Cantor (Naive Set Theory), and from studies of Allen Forte (Set Theory applied to Music). It intentsthe following: to bring both theories into the world of Music and Mathematics through a transdisciplinary approach; to situate knowledge in areas where the affective aspect has already acquired levels able to make sense of such knowledge; to encourage the assimilation of related meanings from area to the other. In the pursuit of such goals, and still researching possible indications of the relationship between Mathematics and Music in a didactic/pedagogical scenario, this work makes use of affection and transdisciplinarity analogical thinking as a way of articulating seemingly distant areas with yet strong similarities in their structures. This research therefore explores (1) studies that used the Set Theory in analysis of works by Villa-Lobos, (2) creative and compositional processes present in musical works by Villa-Lobos, (3) mathematical techniques of musical analysis, (4) types and mathematical structures that can assist in musical analysis, and it verifies how the mathematical reasoning is present in the composite musical work. The present study, by researching papers that used the Set Theory in musical analysis of works by Villa-Lobos, fills a gap in music theory; it shows evidence of mathematical structures that can assist in musical analysis, showing the presence of mathematical reasoning. A major contribution of this work is to establish relations of analogy between the mathematical content of the curriculum, often translated by numerical codes, and aspects of Music recognized by sounds.

    Keywords: Mathematics and Music Relations; Set Theory; Villa-Lobos.

  • LISTA DE FIGURAS Figura 1 Disposio das Notas no Teclado ................................................................................ 32 Figura 2 Eixo Cartesiano em Analogia Pauta Musical ............................................................ 32 Figura 3 Pauta com Linhas Suplementares ................................................................................. 33 Figura 4 - Claves ............................................................................................................................ 33 Figura 5 Notao em Nmeros Inteiros para a Escala Cromtica. ............................................. 34 Figura 6 Escala de D Maior com os Tons e Semintons. ........................................................... 34 Figura 7 Armaduras de Claves de Escalas com Sustenidos ....................................................... 35 Figura 8 Armadiuras de Claves de Escalas com Bemis. ......................................................... 36 Figura 9 Ciclo das Quintas com Sustenidos ............................................................................... 36 Figura 10 Melodia Principal Segmentadas em Tretacordes 47. ............................................... 39 Figura 11 - Linha tracejada indicando a segmentao dos trechos a1 e a2 da seo A ................ 41 Figura 12 Simetrias Formadas Pela Melodia (NERY, 2012) ..................................................... 42 Figura 13 Eixo de Simetria ......................................................................................................... 42 Figura 14 Diagrama de Venn com Invarincias ......................................................................... 44 Figura 15 Exemplos com Conjuntos, Subconjuntos e Invarincias ........................................... 44 Figura 16 Notas para a Mo Esquerde e Direita do Piano .......................................................... 46 Figura 17 Compasso 24 Alma Brasileira ................................................................................. 50 Figura 18 - Sequencias de Conjuntos. .......................................................................................... 51 Figura 19 - PC Set Calculator ....................................................................................................... 52 Figura 20 Compassos 50 e 51. .................................................................................................... 53 Figura 21 Compassos 29 e 30 Conjuntos Arpejados ...............................................................54 Figura 22 Invarincia entre dois conjuntos..................................................................................55 Figura 23 Compassos 34 e 36 com Conjuntos Complementares ...............................................55 Figura 24 Escala Pentatnica de Fa# Maior ...............................................................................56 Figura 25 Simetrias e Propores em Alma Brasileira ...............................................................57 Figura 26 Compassos 50 e 51 .....................................................................................................58

  • LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Numerao da Escala Cromtica .................................................................................. 26

    Tabela 2 - Principais intervalos ..................................................................................................... 27

    Tabela 3 Classes de Intervalos (STRAUS, 2013, p. 11) ............................................................ 29

    Tabela 4 - Padro simtrico da forma da msica (PENTEADO, 2012) ........................................ 39

    Tabela 5 - Forma da Msica .......................................................................................................... 54

  • SUMRIO

    INTRODUO ........................................................................................................................... 11 CAPTULO I - TEORIA DOS CONJUNTOS .......................................................................... 18

    1.1 Teoria dos Conjuntos de Cantor .......................................................................................... 19 1.2 Teoria dos Conjuntos de Forte ............................................................................................. 22 1.3 Conceitos e definies bsicos da Teoria dos Conjuntos em Msica .................................. 24

    CAPTULO II A RACIONALIDADE NA MSICA DE VILLA-LOBOS ........................ 35 2.1 Conjuntos e subconjuntos .................................................................................................... 35 2.2 Simetria ................................................................................................................................ 39 2.3 Invarincias .......................................................................................................................... 40 2.4 Complementaridade ............................................................................................................. 42

    2.5 Choros n5 Alma Brasileira ................................................................................................ 44 CAPTULO III PROPOSTA DIDTICA ............................................................................. 57

    3.1 Introduo ........................................................................................................................... 57 3.2 Oficinas Interdisciplianares ................................................................................................ 65 3.3 Oficinas/Planos de Aulas .................................................................................................... 68

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................................... 75 GLOSSRIO ............................................................................................................................... 79 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................................... 82 ANEXOS ....................................................................................................................................... 87

  • 11

    INTRODUO

    Este trabalho pretende explorar processos composicionais de Villa-Lobos a partir da Teoria dos Conjuntos e outras estratgias analticas que contenham alguma racionalidade matemtica. O intuito relacionar Matemtica e Msica e contribuir didaticamente para o ensino e aprendizagem de ambas as reas. Numa anlise de nossas pesquisas, relatos, aulas, entre outros, percebemos que a relao Msica/Matemtica provoca algum interesse, e, em alguns casos, estranheza. Em termos gerais, a Msica apresenta-se como arte associada ao dom, que pode ser vista em espetculos, teatros, shows e frequentemente como sinnimo de alegria, diverso e entretenimento. J a Matemtica surge quase sempre associada a rea das exatas, tratada como cincia e vinculada a ambientes acadmicos, escolares, de pesquisa, frequentemente como sinnimo de seriedade, dificuldade e associada a frmulas.

    A histria nos mostra que o que denominamos hoje Msica e Matemtica no se classificavam to dicotomicamente como relatamos. Pitgoras foi o primeiro a relacionar razes de cordas vibrantes a intervalos musicais, tornando-se o descobridor do que viria a ser o quarto ramo da Matemtica1 por meio de suas experincias com o monocrdio2. Pitgoras observou que pressionando um ponto situado a 3/4 do comprimento da corda em relao a sua extremidade e tocando-a em seguida, ouvia-se uma quarta acima do tom emitido pela corda inteira. Exercida a presso a 2/3 do tamanho original da corda, ouvia-se uma quinta acima e a 1/2 obtinha-se a oitava do som original. A partir desta experincia, os intervalos passam a denominarem-se consonncias pitagricas. Essa concepo musical da Escola Pitagrica permanece forte durante toda a Idade Mdia3.

    J no Renascimento (sculo XIV a XVI), nomes como Ludovico Fogliani, Gioseffo Zarlino, Joannes Kepler, Marin Mersenne, Ren Descartes, Jean Philippe Rameau, G. W. Leibniz, dentre

    1 Na Idade Mdia, as artes liberais eram consideradas disciplinas prprias para formao de um homem livre, desligadas de toda preocupao profissional, mundana ou utilitria. As Artes Liberais eram formadas pelo Trivium - Lgica, Gramtica e Retrica - e pelo Quadrivium - Aritmtica, Geometria, Astronomia e Msica (BOYER, 1987). 2 Instrumento composto por uma nica corda estendida entre dois cavaletes fixos sobre uma prancha ou mesa possuindo um cavalete mvel colocado sob a corda para dividi-la em duas sees. 3 Boetius (480-524 d. C.) foi o principal nome que contribuiu para sistematizao da msica ocidental (PAHlEN, 1991, apud ABDOUNUR, p. 21), atravs de seu livro De Institutione Musica, escrito no incio do sculo VI d.C, e influenciou a maioria das obras e tratados terico-musicais da Idade Mdia.

  • 12

    outros, contriburam para a relao matemtica/Matemtica. Nesse perodo, com o predomnio da matematizao, experimentao e mecanizao, presentes na Revoluo Cientfica, o misticismo relegado a um segundo plano, ganhando espao o uso de instrumentos experimentais. Na Idade Mdia, as formas musicais passaram de uma caracterstica meldica para uma Matemtica de caracterstica harmnica, que se intensifica no Renascimento com o desenvolvimento harmnico.

    No Sculo XVII temos o Temperamento4, j incipiente no sculo XVI, tornando-se mais recorrente e recomendado nos sculos XVIII e XIX com Rameau (1737) e C.P.E. Bach (1762), em que os diferentes temperamentos assumidos em Matemtica no decorrer do tempo em diferentes culturas culminaram para o temperamento igual como as diversas bases numricas em matemtica concebidas em distintos povos e pocas convergida para a atual base 10 (ABDOUNUR, 1999).

    No contexto do Sculo XX, Arnold Schoenberg e seus alunos Alban Berg e Anton Webern dedicaram-se aos estudos de um sistema de composio chamado Dodecafonismo5. Esse sistema composicional pretendia acabar com o papel predominante da tnica6 no sistema utilizado na Matemtica ocidental conhecido como Tonalismo, predominante entre os sculos XVII e XX. O dodecafonismo baseia-se na utilizao das 12 notas musicais que compe a escala cromtica e deve ter igual nmero de ocorrncias em cada composio musical. Sendo assim, Schoenberg desenvolveu um mtodo no qual sries matemticas so utilizadas para que nessa sequncia de notas no seja repetida nenhuma at que todas as 12 notas da escala cromtica sejam utilizadas. Cada srie pode ser usada em quatro formas: Original, Invertida, Retrgada e na Retrgrada da Invertida (MENEZES, 2002).

    Atualmente, encontramos inmeras pesquisas e livros dedicados a estudar e pesquisar as relaes entre Matemtica e Matemtica para diversos fins. Citamos, como exemplo, uma obra especfica de Oscar Abdounur e de referncia para esse trabalho, o livro Matemtica e Matemtica: o pensamento analgico na construo de significados, resultado de pesquisa de doutorado nas

    4 Afinao de uma escala em que todos ou quase todos os intervalos resultam ligeiramente imprecisos, porm sem que fiquem distorcidos (SADIE, 1994, p. 938), aqui usado no sentido de Temperamento Igual que a diviso do intervalo de oitava em 12 semitons associados a relaes de freqncias exatamente iguais (ABDOUNUR, 1999, p. 79). 5 O nome vem do grego ddeka, que significa 12. 6 A tonalidade um termo que designa uma srie de relaes entre notas, em que uma em particular, a tnica, a principal (BOYER, 1987, p. 953).

  • 13

    relaes entre essas reas contextualizadas no eixo histrico/didtico e que versa acerca do pensamento analgico sob a perspectiva da rede de significados, inteligncia coletiva e inteligncia como um espectro de mltiplas competncias. Outros trabalhos foram desenvolvidos como a dissertao de mestrado A Pesquisa no mbito das Relaes Didticas Entre Matemtica e a Matemtica: estado da arte de Delma Pilo, que apresenta o estado da arte das pesquisas acerca dessa relao no mbito do ensino/aprendizagem no Brasil. A autora classificou as dissertaes e teses em quatro grupos: Relao Matemtica e Matemtica utilizando analogias, para estruturar/auxiliar na aprendizagem; Msica utilizada como ferramenta para o ensino da Matemtica; matemtica aplicada no composio musical e trabalhos de cunho filosfico das relaes Matemtica e Msica (PILO, 2009, p. 58). Uma tendncia apontada pela autora consiste na dimenso cognitiva presente em todas as pesquisas e fundamentadas por teorias de Piaget, Vygotsky, Lvy, Gardner, entre outros, e conclui que tais relaes favorecem o processo educacional de ambas as reas.

    Nosso trabalho de mestrado tambm pesquisou prticas pedaggicas interdisciplinares envolvendo Matemtica e Msica. Nele, o intuito era buscar alternativas didticas que auxiliassem no ensino/aprendizagem de fraes, razes, propores, progresses geomtricas, notas, intervalos e escalas musicais e como essas atividades podiam facilitar o ensino/aprendizagem de ambas as reas. Para isso, promovemos oficinas interdisciplinares junto a alunos e professores dessas reas, em que pudemos debater, confrontar ideias e realizar alguns experimentos que tinham a Matemtica e a Msica e suas respectivas histrias como base. Por meio da histria da relao Matemtica/Msica baseamos a trajetria para as oficinas. Os dados foram obtidos e analisados por meio de gravaes em udio e videoteipe, por relatrios feitos pelo pesquisador e observadores e ainda por questionrios respondidos ao final de cada Oficina. As anlises dos dados mostraram que nossa proposta favorece a afetividade, nos termos de Henri Wallon, autor que adotamos no recorte terico, e facilita o ensino/aprendizagem de alguns dos conceitos abordados. Para Wallon (2007), a afetividade e a cognio esto intimamente ligadas e uma atua na outra, ou seja, o desenvolvimento afetivo ocorre simultaneamente com o desenvolvimento cognitivo, e vice versa.

    Com a anlise dos dados e fatos coletados constatamos que a proposta defendida vivel para ser realizada em sala de aula. As atividades desenvolvidas podem ser uma alternativa para os conceitos abordados no trabalho, elevando o nvel de motivao, afetividade e interesse do aluno,

  • 14

    fazendo aluno e professor trabalharem diversos tipos de inteligncias simultaneamente e contribuindo para um melhor ensino e aprendizado. As Oficinas mostraram ser um importante meio de ressignificao na prtica pedaggica e na forma de apresentao dos contedos envolvidos neste trabalho. Para a rea musical, serviram para compreender as estruturas da Msica atravs da Matemtica, aproximando campos do conhecimento considerados distantes. Para rea Lgico-Matemtica, tiveram a oportunidade de perceber novas formas de apresentao de contedos.

    de grande relevncia para nosso atual trabalho as obras que utilizam a Teoria dos Conjuntos para anlise de obras de Villa-Lobos. Dentre os trabalhos que obtivemos contato, podemos citar um que referncia, o livro de Paulo de Tarso Salles, Villa-Lobos: Processos Composicionais, de 2009, na qual o autor procura explicar a obra villalobiana a partir de seus processos composicionais, utlizando simetrias, aspectos texturais e harmnicos. Com a anlise pautada na Teoria dos Conjuntos, Salles lida com a Msica de Villa-Lobos a partir de conjuntos de notas, nmeros, sequencias e conjuntos de classes de alturas como forma de tentar explicar as escolhas musicais do compositor.

    Problematizao, objetivos e justificativa

    Durante o mestrado e principalmente nas Oficinas que realizamos como procedimento de pesquisa7 surgiram novas perspectivas, dvidas e interesses, algumas das quais consideramos pertinente no incluir ou pesquisar naquele momento, mas cientes de sua importncia para um momento futuro. Nossa preocupao era no desviar dos objetivos iniciais da pesquisa e tornar um trabalho muito amplo para o mestrado. Essa atual pesquisa nasce, portanto, das indagaes e inquietaes surgidas em nossa pesquisa de mestrado e que agora pretendemos transformar em tese de doutorado. Um dos importantes assuntos mencionados que surgiu com frequncia nas Oficinas diz respeito ao processo de criao musical (composio ou elaborao de uma msica). A trajetria para obteno da escala temperada (CAMPOS, 2013, p. 116) e a construo de

    7 Em nosso mestrado organizamos oficinas junto a professores e alunos licenciandos de matemtica e msica. Nessas Oficinas, sugerimos atividades que envolviam as duas reas e atravs dos questionrios, relatrios e videoteipes gravados nas oficinas, procuramos averiguar de que maneira as relaes entre matemtica e msica poderiam ser utilizadas.

  • 15

    instrumentos musicais (2013, p. 127) fizeram esse assunto aparecer constantemente. Entre essas discusses, temos algumas dvidas que procuraremos responder a partir dessa pesquisa, sendo elas: possvel analisar obras de Villa-Lobos luz da Teoria dos Conjuntos ou mesmo por algum tipo de racionalidade matemtica? Como relacionar Matemtica e Msica a partir de anlises em obras musicais de Villa-Lobos e contribuir no ensino e aprendizagem de ambas as reas?

    Dadas as consideraces anteriores, esse trabalho objetiva explorar alternativas didticas para conceitos da Teoria dos Conjuntos por meio de anlises de obras musicais de Villa-Lobos e observar o quanto de racionalidade matemtica existe nessa obra musical. Alm desse objetivo central, estamos em busca de outros objetivos secundrios: elaborar estratgias para o ensino da Msica e da Matemtica fazendo uso de analogias entre as duas reas do saber; utilizar a Msica para o ensino e a aprendizagem da Matemtica e vice-versa. Em busca desses objetivos, lanaremos mo de conceitos como afetividade, transdisciplinaridade e pensamento analgico como forma de articulao de reas e conceitos aparentemente distantes, podendo funcionar como agente facilitador na aprendizagem tanto da Matemtica como da Msica.

    A Teoria dos Conjuntos um contedo abordado desde a educao infantil, com conceitos bsicos de agrupamentos e colees, passando pelo Ensino Mdio com os conjuntos numricos, relaes, funes, at cursos de Graduao e Ps-Graduao, com aplicaes em diversas reas. Em alguns casos, esses conceitos se mostram descontextualizados e sem significado para o educando o que acarreta um ensino rgido, tedioso e com tpicos que aparecem sem ligaes. Alm disso, autores como Soares (2001), Ferreirs (1999), entre outros, debatem o impacto do Movimento da Matemtica Moderna (MMM) nos currculos da escola bsica. Nestes trabalhos h questionamentos sobre avanos, retrocessos e como foram, e ainda so, abordados em livros didticos e no prrprio currculo de nossas escolas. Esse movimento tinha o objetivo tornar a Matemtica escolar mais contextualizada e ajustada s mudanas que ocorriam no mundo e tinha como principal eixo articulador a Teoria dos Conjuntos. Ao citar esse tema, temos o intuito de mostrar a grande importncia que a Teoria dos Conjuntos tem em nosso currculo e a pertinncia de nossa atual pesquisa em mostrar alternativas para a abordagem de alguns conceitos, pois pretendemos nos concentrar na relao Matemtica e Msica, no mbito do ensino e aprendizagem, e conduzir para situaes que favoream a dar significados conceitos outrora distantes, dando vazo aptides e oferecendo solo frtil para que o afetivo e o cognitivo aflorem.

  • 16

    Soma-se pertinncia da escolha por anlises e exemplos em obras de Villa-Lobos o fato de que, apesar da extensa obra e de ser considerado um dos maiores compositores brasileiros, Villa ainda carece de trabalhos que possam evidenciar esse rtulo (SALLES, 2009). Alm disso, ainda hoje encontramos questionamentos quanto a uma suposta deficincia em suas tcnicas composicionais e uma certa dose de experimentao em suas composies. Conforme argumenta Salles, pesquisador do nosso mais importante compositor, sua obra ainda um desafio musicologia brasileira j que no se sabe precisamente no que consiste seu estilo, sua tcnica e suas estratgias no manejo da forma e do material harmnico, em que mesmo as sries de obras famosas e divulgadas como as Bachianas Brasileiras e os Choros so ainda um mistrio com relao aos procedimentos empregados, alm de problemas editoriais que abrangem instrumentao, reviso e outros. Villa-Lobos lembrado ainda por suas contribuies como educador e relacionadas ao Canto Orfenico8, um dos maiores projetos j visto na histria e considerado por alguns o maior legado que o compositor deixou para o Brasil. Ainda que no seja esse o foco desse trabalho, o assunto inevitavelmente ser tangenciado ao mostrar um pouco de sua vida e obra.

    A partir de nossas pesquisas, percebemos uma lacuna no que concerne a estudos que tratem da relao entre Matemtica e Msica e que possam ser utilizados pelo professor dessas reas, tanto para seu prprio entendimento, quanto como apoio para o ensino de tpicos matemticos e musicais em que a relao entre as duas reas seja especialmente importante. Ao nosso entender, deve-se fazer uso de uma linguagem sensvel tanto ao professor de Msica quanto ao professor de Matemtica que possibilite a ambos compreender e construir noes de conceitos matemticos contidos na Msica, e vice-versa.

    8 O canto orfenico foi uma tradio do sculo XIX em quase toda a Europa, designando o canto coral capella. No Brasil, o canto orfenico era conhecido e praticado desde 1912, mas somente com o trabalho de Villa-Lobos ganhou alcance e importncia. Para ele, o canto orfenico era o meio eficaz de educao das massas, pois integrava a sociedade num sentimento coletivo e disciplinado de amor ptria (PAZ, 1989).

  • 17

    Estruturao dos Captulos

    O trabalho organiza-se em trs captulos. Primeiramente apresentaremos a Teoria dos Conjuntos em uma breve contextualizao histrica, desde a noo intuitiva de Georg Cantor e seus estudos sobre a continuidade e o infinito, at um detalhamento dos conceitos que direcionamos como base para as anlises posteriores das obras musicais. Nesse sentido, dialogamos ainda com Allen Forte e sua Teoria dos Conjuntos aplicada Msica que tambm fornece aporte para nossa anlise da obra de Villa-Lobos no Captulo 2 , com o objetivo de dar nfase s relaes e correspondncias entre Matemtica e Msica atravs de contedos que podero ser aplicados em ambos, como a representao das notas musicais por uma numerao sequenciada.

    Posteriormente, no segundo captulo, realiza-se um detalhamento dos processos composicionais

    de Villa-Lobos, que aqui chamaremos de Categorias de Anlise da Teoria dos Conjuntos. Para

    tal, nos valemos de definies propostas por tericos da Matemtica como Halmos (1974), Weyl (1952), entre outros, traduzidas para a linguagem musical por meio de exemplificaes em obras de Villa-Lobos, instaurando analogias entre essas duas reas. Nesse sentido, dialogamos com

    pesquisas j realizadas nessa perspectiva, como a obra de referncia de Paulo de Tarso Salles. O captulo segue com uma proposta de anlise da obra Choros n 5 de Villa-lobos, tambm conhecida como Alma brasileira, em que procuraremos ressaltar as categorias detalhadas e exemplificadas anteriormente. Essa obra configura-se como um estudo de caso, priviligiando como tais procedimentos analticos podem favorecer a abordagem de aspectos musicais e matemticos, na tentativa de trazer esses conceitos para a rea de maior afinidade e com isso buscar formas de auxiliar o entendimento tanto para estudantes de Matemtica quanto de Msica.

    No terceiro e ltimo captulo teceremos consideraes acerca dos resultados obtidos na anlise de Alma brasileira e nos demais trabalhos que foram exemplificados pelas categorias de anlise. Nos deteremos tambm nas implicaes didtico/pedaggicas explorando as vias de possibilidades para aplicaes de conceitos relativos Teoria dos Conjuntos em sala de aula, em consonncia com conceituaes de afetividade, transdisciplinaridade e pensamento analgico. Para finalizar, estabeleceremos as consideraes finais pertinentes pesquisa.

  • 18

    1. TEORIA DOS CONJUNTOS

    Ao nos referirmos Teoria dos Conjuntos, podemos entend-la atrelada a um ramo da Matemtica dedicado ao estudo dos conjuntos e de suas propriedades. Durante muito tempo a Teoria dos Conjuntos ou a noo intuitiva do que vem a ser conjunto foi usada por matemticos e filsofos. A noo intuitiva da Teoria dos Conjuntos aparece em meados do sculo XIX, com os estudos do matemtico Georg Cantor (1845 1918) que, juntamente com Richard Dedekind, pesquisava a respeito da continuidade e o infinito conceitos rodeados de controvrsias e correspondncias biunvocas entre conjuntos numricos e representaes de funes de varivel real atravs de sries trigonomtricas, tentando mostrar uma unicidade da representao para funes com infinitos pontos singulares, chegando a ideia de conjunto derivado (BOYER, 1997; CANTOR, 1955; DAUBEN, 1990). H indcios de antecipaes9 da Teoria dos Conjuntos, mas com Cantor e com sua procura por uma formulao mais rigorosa do conceito de infinito, que nasce a ento Teoria dos Conjuntos que resultou em uma linguagem universal para a Matemtica e deu sustentao terica para diversos conceitos, tais como funes, equivalncia, ordem, conjuntos numricos, entre outros10.

    Os estudos de Cantor acerca da Teoria dos Conjuntos baseava-se em uma ideia aparentemente simples: relacionar, elemento por elemento, conjuntos bem definidos por uma correspondncia unvoca. Intuitivamente, a correspondncia de elementos um a um entre dois conjuntos o emparelhamento de um conjunto com o outro, de modo que cada elemento de um conjunto tenha um correspondente no outro. Para conjuntos finitos, dizemos que conjuntos de elementos tm o mesmo nmero (cardinal) se podem ser postos em correspondncia biunvoca (BOYER, 1997, p. 392). Portanto, no necessrio que contemos ou que conheamos os elementos dos conjuntos para que possamos determinar se so ou no equivalentes. Partindo desse princpio, possvel provar que o conjunto dos nmeros racionais, que tem infinitos elementos, enumervel, pois podemos fazer uma bijeo entre os conjuntos dos nmeros racionais com o conjunto dos

    9 Bernad Bolzano (1851) chegou a uma clara compreenso do conceito de equipotncia de conjuntos a partir do livro Paradoxos do Infinito, publicao feita depois de trs anos de sua morte. 10 Os incrveis resultados de Cantor o levaram estabelecer a teoria dos conjuntos como uma disciplina matemtica completamente desenvolvida, chamada Mengenlehre (teoria das colees) ou mannigfaltigkeitslehre (teoria das multiplicidades), ramo que em meados do sculo vinte teria efeitos profundos sobre o ensino da matemtica (BOYER, 1997, p. 394).

  • 19

    nmeros naturais.

    Primeiramente, a Teoria dos Conjuntos recebeu o nome de Teoria Ingnua dos Conjuntos com uma linguagem e notao ainda no axiomatizada. Em linhas gerais, as contribuies feitas teoria ingnua dos conjuntos, do final do Sculo XIX at o incio do XX, desenrolaram no que veio a ser a teoria axiomtica dos conjuntos. Nesse intervalo, a ideia do que seria um axioma tambm sofreu alteraes: se antes costumava ser visto como uma verdade absoluta independente do contexto, nos idos de 1900, o que se entendia por axioma flexibilizou-se como uma verdade que dependia da estrutura subjacente e, portanto, um axioma escolhido numa determinada estrutura poderia ser falso em outra que diferisse da original, gerando contradies. Nesse perodo, outros conceitos tambm foram questionados e pensados sob outras perspectivas. Na verso ingnua, no usamos uma linguagem estritamente formal ao tratar os conceitos envolvidos, se comparada verso axiomtica. Para evidenciar as diferenas, podemos citar o famoso Paradoxo de Russel11, em que notaremos o tipo de problema que se encontra quando no se define com maior rigor o que se entende por conjunto. Na poca de Cantor, lidava-se com conjuntos de maneira informal. Subentendia-se que o leitor entendia a notao usada para o conjunto em questo e, portanto, no era costume definir conjuntos tomando por base outro conjunto12 cuja existncia j estava assegurada (BOYER, 1997). Na tentativa de esclarecer, procuraremos retomar em tpicos as definies pertinentes a Teoria dos Conjuntos, embora saibamos que toda conceituao redutora, mas que facilitaro a compreenso da proposta posterior desse trabalho.

    1.1 Teoria dos Conjuntos de Cantor

    11 O Paradoxo de Russel, exposto em 1902, define o conjunto dos conjuntos que no pertencem a si mesmo. Pergunta-se: o conjunto A pertence a si mesmo? Se A no pertence a A ento, pela definio, A no pertence a A. Por outro lado, se A pertence a A, ento, pela definio, A no pertence a si mesmo. Contradio! O paradoxo de Russel, tambm conhecido como Paradoxo do Barbeiro, pode ser assim reformulado: numa cidade existe um barbeiro que s barbeia as pessoas que no se barbeiam a si prprios. Pergunta-se: quem faz a barba do barbeiro? Quando respondemos essa pergunta somos levados a uma contradio! 12 Evitaremos um paradoxo, como o de Russell, definindo previamente um conjunto, e a partir dele construindo outro conjunto, usando o Axioma da Especificao.

  • 20

    Conjunto: Cantor esboou, em vrios pontos de sua obra, caracterizaes ou definies do conceito de conjunto. Em 1882, props uma definio de conjunto como (...) uma totalidade de elmentos que podem ser combinados em um todo por uma lei. Posteriormente, j em 1895, afirmava conjunto como qualquer coleo ou agrupamento de objetos definidos e distintos pela nossa percepo ou pensamento, os quais se chamam elementos do conjunto. Por conjunto entendemos toda coleo M de objetos bem definidos em nossa percepo ou pensamento, que chamamos de elementos de M. Um elemento de um conjunto pode ser um gato, uma laranja ou uma nota musical. Um conjunto pode ele mesmo ser elemento de outro conjunto. Designaremos os conjuntos por letras maisculas A, B, C, e os elementos por por letras minsculas a, b, c, .

    Pertinncia: Outro conceito principal da Teoria dos Conjuntos de pertinncia, denotado pelo smbolo derivado da letra grega (psilon). Analogamente, indica que no ocorre a pertinncia. Por exemplo, escrevemos x A para indicar que x pertence ao conjunto A, e x A quando x no pertence a A. A relao de igualdade entre dois conjuntos A e B simbolizada por: A = B. De maneira semelhante, escrevemos A B para expressar que A diferente de B. Axioma da Extenso: Dois conjuntos so iguais se e somente se tm os mesmos elementos. Em outras palavras, um conjunto determinado por sua extenso. interessante entender que o axioma da extenso no somente uma propriedade necessria da igualdade, mas uma asseo no trivial sobre a pertinencia (HALMOS, 1973). Se A e B so conjuntos e se todo elemento de A um elemento de B, dizemos que A subconjunto de B ou que B inclui A:

    A B ou B Axioma da Especificao: a todo conjunto A e toda condio (propriedade) S(x) corresponde um conjunto B cujos elementos so exatamente aqueles elementos x de A para os quais S(x) vlida. O Axioma da Especificao tambm conhecido como Axioma da Separao ou Axioma da Compreenso nos diz que dado um conjunto e uma sentena acerca deste, podemos obter um novo conjunto. Como exemplo, seja A o conjunto dos pssaros, e considere B = {x A: x sabi}. Isto pode ser lido como B o conjunto dos pssaros sabis. Tomaremos como base para construo de um conjunto vazio o que no contm nenhum elemento simbolizado por . Pelo Axioma da Extenso esse conjunto nico. Formalmente temos que: dado um conjunto A, o

  • 21

    conjunto vazio pode ser definido como:

    = {x A tal que x x} Axioma do Par: dados dois conjuntos quaisquer, existe um conjunto a que ambos pertencem. O Axioma do Par nos diz que, dados dois conjuntos a e b, existe um conjunto C tal que, C tal que a C e b C. Uma formulao equivalente para esse axioma que para dois conjuntos quaisquer existe um conjunto que contm ambos e nada mais (HALMOS, 1973, p. 10). A forma usual para esse conjunto {a, b}, chamado par no-ordenado, pois {a, b} o mesmo que {b, a}, ou seja, podemos mudar a ordem dos elementos e continuaremos com o mesmo conjunto. Isto decorre do Axioma da Extenso, j que a e b so os nicos elementos de ambos os conjuntos.

    Unio: para toda coleo de conjuntos, existe um conjunto que contm todos os elementos que pertencem a, pelo menos, um dos conjuntos da dada coleo. Em outras palavras, para toda coleo A existe um conjunto U tal que se a A para algum A em U ento a U. Alm disso U nico pelo axioma da extenso e denominado unio do conjunto. Usando o Axioma do Par e o Axioma da Unio, podemos definir a unio de dois conjuntos, digamos A e B - simbolizado por AB -, como sendo o conjunto cujos elementos pertencem a A ou a B. A definio geral de unio implica no caso especial que x A B se e somente se x pertence a A ou a B ou a ambos:

    A B = {x, tal que x A ou x B} Interseco: de forma semelhante e com muitos pontos anlogos, podemos definir outra operao muito importante da Teoria dos Conjuntos: a interseco. Seja dois conjuntos, digamos A e B, a interseco desses dois conjuntos o conjunto A B, dado por:

    A B = {x A: x B} E como x A B se e somente se x pertence a ambos, segue que:

    A B = {x, tal que x A e x B} Quando AB = , dizemos que os conjuntos A e B so disjuntos.

    Dados trs conjuntos A, B e C, existem duas identidades as quais podem ser demonstradas como leis distributivas envolvendo unies e intersees que so frequentemente usadas:

    A (B C) = (A B) (A C) e A (B C) = (A B) (A C). Complemento: Se A e B so conjuntos, definimos a diferena entre A e B ou, como mais

  • 22

    conhecido, complemento relativo de B em A, como sendo o conjunto A B definido por:

    A B = {x, x A tal que x B}. Nesta defino, no necessrio supor que B A. Para este trabalho e para facilitar a exposio de certos conceitos, vamos considerar que existe um conjunto que contm todos os outros conjuntos que podemos denominar conjunto universo. Assumiremos tal conjunto por ora, j que no iremos lidar com conjuntos muito grandes no momento.

    Axioma da Potncia: Para cada conjunto existe uma coleo de conjuntos os quais contm, entre seus elementos, todos os subconjuntos do dado conjunto. Tal axioma nos diz que dado um conjunto A podemos obter um conjunto P(A) = {X: X A}, denominado conjunto potncia (ou conjunto das partes de A). Como exemplo, considere o conjunto A = {a, b, c}. Ento o conjunto potncia de A dado por P(A) = {, {a}, {b}, {c}, {a, b}, {a, c}, {b, c}, {a, b, c}}. Vemos que A possui 3 elementos e P(A) possui 8, que uma potncia de 2, pois 8 = 23.

    1.2 Teoria dos Conjuntos de Forte

    O sistema tonal13, que surgiu com Pitgoras e foi predominante por sculos, foi base para um estilo de Msica composta entre 1650 at 1900, consolidando-se no classicismo e sendo muito utilizada atualmente a Msica Ocidental em sua grande maioria, por exemplo. Desse modo, poderamos incluir diversos compostores, tais como Bach, Handel, Haydin, Mozart, Beethoven, Wagner, Brahms e todos os seus contemporneos que utilizaram da chamada harmonia tonal para compor suas obras. O que caracteriza esse estilo de Msica a utilizaco de um centro tonal que d sentido de centro de gravidade. A harmonia tonal baseada quase que exclusivamente nas escalas maiores e menores e seus acordes so construdos com estruturas de teras, ou seja, em teras sobrepostas, tal como o acorde de d maior que formado pelas notas d-mi-sol. Alm disso, esses acordes so construdos sobre diversos graus da escala, formando uma tonalidade, e

    13 A harmonia tonal no est limitada ao perodo 16501900. Ela iniciou bem antes desse perodo e continua at hoje em dia ligue o rdio ou a televiso, oua um msica de fundo em supermecado, so praticamente todas centradas no sistema tonal. Mas a delimitao aqui indicada em 1900 indica que muita da msica dita sria ou de concerto tm estado mais interessados em harmonias no tonias, e isso no significa que a harmonia tonal deixou de existir (KOSTKA, 2006).

  • 23

    relacionam entre si e com o centro tonal, adquirindo uma funo padro dentro da tonalidade.

    Toda essa hegemonia do sistema tonal foi colocada em questo com a tentativa de reorganizao de sons e escalas do dodecafonismo propostas por Schoenberg e seus discpulos. Essa proposta, chamada de sistema dodecafnico ou atonal, estabelece que em cada composio seja fixada uma determinada ordenao das 12 notas da escala cromtica escolhida pelo compositor, designada srie. Uma srie pode ser vista como uma sequncia dos 12 sons (em que no se repete nenhum), arranjados numa determinada ordem e usados em qualquer oitava e em qualquer ritmo. O compositor pode usar a srie ou na sua forma original, ou invertida, ou retrgrada (lida do fim para o princpio), ou mesmo ainda transposta por alguns meios-tons.

    A Teoria dos Conjuntos aplicada Msica vem preencher uma lacuna na teoria e na anlise musical. Essa teoria foi introduzida por Milton Babbit, mas sistematizada por Allen Forte em seu livro The Structure of Atonal Music (1973) e que foi de suma importncia para compreender e analisar boa parte da Msica do sculo XX.

    Amparamo-nos tambm no trabalho de Joo Pedro Paiva de Oliveira em seu livro Teoria Analtica da Msica do Sculo XX, de 1986. Este ltimo autor tem mostrado uma preocupao em respaldar a atividade de anlise e composio, num contexto que sempre est em rpida mutao. Alm disso, a obra de Oliveira tem como idioma original a lngua portuguesa de Portugal o que nos facilita para mostrar exemplos e tambm para que o leitor que se interesse por esse trabalho, com bibliografia em sua lngua materna.

    Encontramos nessa teoria vrios operadores que so como uma alternativa lgica para a ausncia de hierarquias tradicionais do sistema tonal, procedimento mais simples e eficaz para analisar combinaes intervalares e que se manteve importante para analisar parte da produo musical do Sculo XX. Apesar do conceito de Conjunto ser um dos mais primitivos da Matemtica, levou muito tempo para se pudesse representar notas musicais atravs nmeros e, a partir da, relacionar esse conceito com a Teoria Cantoriana e aplicar axiomas e operaes da Matemtica, como unio, interseco, complementaridade, e trabalhar com termos como pertinncia, subconjunto, elemento, entre outros. Essa teoria desenvolveu tambm uma terminologia para a anlise musical pautada em termos como conjunto de classes de notas14. Segundo Forte (1973), o repertrio da

    14 Conjuntos de classes de notas so os blocos constitutivos de muitas msicas ps-tonais. Um conjunto de classes de notas uma coleo no ordenada de classes de notas. um motivo pelo qual muitas caractersticas

  • 24

    Msica atonal se caracteriza por combinaes no usuais de notas, bem como combinaes familiares de notas em ambientes no usuais.

    Com objetivo de compreender as possibilidades mais finitas do universo cromtico, os subconjuntos possveis so reduzidos a sua ordem normal ou a sua forma primria, obtendo-se uma representao numrica de quaisquer subconjuntos da escala cromtica dispostos em uma tabela que facilita uma referncia rpida. Cada forma primria agrupada de acordo com seu nmero cardinal, pela quantidade de elementos de cada conjunto. Por exemplo, o conjunto 3-1 designado por Forte (1973) configura a primeira forma (cromtica) do cardinal 3, contendo as classes de altura 0,1,2. Pode-se dizer, dessa maneira, que a forma normal expressa a menor relao intervalar possvel entre os elementos de um conjunto, sendo encontrada por meio da ordenao e permutao desses elementos, enquanto que a forma primria encontrada quando uma forma normal ajustada para que seu elemento inicial seja o 0. A terminologia emprestada da Matemtica. Dessa forma, um termo consagrado pela teoria musical como som comum entre conjuntos vem a ser renomeado como invarincia, que na Teoria dos Conjuntos chamamos de interseo. J as manipulaes com os intervalos so chamadas de operadores, transposio (T), inverso (I) e multiplicao (M), para citar as principais.

    1.3 Conceitos e definies bsicos da Teoria dos Conjuntos em Msica

    Nesse momento, iremos abordar conceitos bsicos de sistematizao analtica para fornecer suporte metodolgico para as anlises da obra Alma Brasileira e exemplos que traremos nas categorias de anlise. Estes modelos simblicos permitiro analisar diferentes tipos de estruturas musicais e, paralelamente, destacar uma perspectiva didtica que adquira aplicabilidade para o aluno e/ou professor nas reas em questo Matemtica e Msica tentando ressignificar conceitos que, em alguns casos, fogem de uma intuio imediata e/ou que podem parecer muito abstratos. Nas anlises propostas, alternaremos a representao numrica e a tradicional (com os nomes das notas, nomes dos intervalos, etc.), para que essa alternncia nos dois processos de representao possa estimular o leitor a relacionar ambas ou permitir que escolha aquela que

    identificadoras registro, ritmo, ordem foram ignoradas. O que permanece simplesmente a identidade bsica de classes de notas e de classes de intervalos de uma ideia musical (STRAUS, 2013, p. 29).

  • 25

    melhor se adapte.

    Cabe frisar que so conceitos introdutrios de contextualizao que no exigem o domnio de um instrumento musical, nem por parte do professor nem do aluno, o que no contrape a importncia de que se leve a Msica para sala de aula. Como proposta que dialoga e aproxima duas reas, de extrema importncias ouvir as obras que esto nesse trabalho Caso ainda o leitor tenha familiaridade com algum instrumento musical, por exemplo, um piano, teclado ou violo, importante que toque os exemplos antes ou depois de ler as sees desse captulo. Falar sobre Msica e no ouvi-la se torna pouco produtivo e no informativo, e a apreciao da Msica deve ser uma experincia vivida tanto pelo aluno quanto pelo professor. Como suporte, pode-se lanar mo da tecnologia que hoje nos fornece softwares e programas que simulam o som de teclado que mostre as 12 notas presentes no teclado. A proposta exige algum esforo, mas que pode ser suprido com leitura e prtica aqui mencionadas sem nenhuma necessidade de que sejam instrumentistas. Observamos tambm que, no tpico da analise, usaremos conceitos da Msica que devem ser compreendidos apenas como informao referencial, e no como um conceito a ser detalhado para uso, j que no se tem objetivo de tocar msica ou analisar msica, mas apropriar-se desse conhecimento contextual para estabelecer relaes entre as reas.

    Esta pesquisa aborda algumas das caractersticas estruturais do sistema sonoro formado pelos doze meio-tons temperados, orientando-se para uma aplicao especfica na obra do compositor Heitor Villa-Lobos e averiguando tcnicas composicionais que contenham alguma racionalidade Matemtica, com particular incidncia para o estilo habitualmente chamado de atonal. Basearemos nossas anlises nos eixos formal, meldico e harmnico, no abordando nesse trabalho teorias relacionadas ao ritmo ou aos contornos sonoros. A ttulo de exemplificao, usaremos obras que fizeram parte de nossa reviso bibliogrfica no mbito Teoria dos Conjuntos Heitor Villa-Lobos.

    a. Representao em Nmeros Inteiros

    Se denominarmos a sequncia de 12 sons da escala cromtica do sistema temperado como sendo 0 para do, 1 para do sustenido, 2 para r, e assim sucessivamente, teremos para o nmero 11 a nota si e o prximo d podemos associar ao nmero 0 novamente (Tabela 1) lembrando que notas de mesmo nome so consideradas equivalentes. Uma das razes principais para a utilizaco

  • 26

    de nmeros inteiros para modelar os sons musicais do sistema temperado que ambos partilham de vrias propriedades comuns, das quais as mais importantes so os de serem ordenados e discretos:

    Tabela 1 - Numerao da Escala Cromtica

    Com isso, sendo a nota s representada pela letra n, a nota meio tom acima de s ser representada algebricamente pelo nmero interio n + 1 e, analogamente, a nota meio tom abaixo pelo nmero inteiro n 1. Dizemos ento que o conjunto dos nmeros inteiros um modelo para o conjunto dos sons musicais15 e, portanto, a manipulao do modelo poder representar a manipulao daquilo que modelado, desde que envolva apenas as caractersitcas estuturais que so comuns a ambos. Poderemos ento utilizar diversas propriedades inerentes ao funcionamento operativo dos nmeros que podero ser utilizadas para as notas musicais, e vice versa, levando em considerao alguma limitaes (OLIVEIRA, 1998). Em nossas anlises, as notas sero referenciadas por nmeros em correspondencia com as notas musicais, alm da notao em forma silbica d, r, mi, f, etc. . O conjunto de todas as notas musicais ser representado pelo conjunto dos nmeros inteiros no qual chamaremos de espao musical.

    b. Intervalos

    Intervalo um dos conceitos mais importantes em toda a teoria da Msica. Se entendermos que estaremos lidando com um conjunto de notas musicais que formaro um espao musical especfico, podemos pensar em uma srie de relaes caractersticas desse espao, tais como, por exemplo, distncia, movimentos entre dois pontos, medidas de diversos tipos. Pensando de

    15 Um conjunto de sons musicais da escala temperada finito, diferentemente do conjunto dos nmeros inteiros que infinito. Estamos interessados nos sons audveis para um ser humano, limitado aproximadamente pelas frequencias entre 20 Hz e 20.000 Hz.

  • 27

    maneira abstrata chamaremos de intervalo o espao16 entre dois pontos pertencentes a esse espao musical. Ento podemos afirmar que para dois pontos s e t pertencentes a este espao musical (aqui usaremos a notao int para intervalo), temos:

    int (s, t) = t s

    Por exemplo, aplicando essa definio, sendo fa = 5 e si = 11, temos:

    Int (11, 5) = 6

    O intervalo entre as notas fa e si igual a 6 (ou seis meio-tons na escala cromtica). Em Msica classifica-se intervalos derivados do modelo terico tonal. Embora nossas anlises estejam pautadas pela numerao supracitada, util que tambm seja apresentada essa nomenclatura:

    nome tradicional n de semitons Unssono 0 2 menor 1

    2 maior, 3 diminuta 2 3 menor, 2 aumentada 3 3 maior, 4 diminuta 4 4 justa, 3 aumentada 5

    4 aumentada, 5 diminuta 6 5 justa, 6 diminuta 7

    5 aumentada, 6 menor 8 6 maior, 7 diminuta 9

    7 menor, 6 aumentada 10 7 maior, 8 diminuta 11

    Tabela 2 - Principais intervalos

    c. Equivalncia

    No espao musical, h algo especial acerca do intervalo de oitava. Notas separadas por uma ou mais oitavas so geralmente percebidas como equivalentes17. O nome R, por exemplo, dado

    16 Na maioria das vezes, e em diversos livros de teoria musical, encontramos a definio de intervalo como sendo a distncia entre duas notas. Mas, para ns, preferimos a opo de descrever intervalo como sendo um espao de separao e no a distncia entre duas notas, ligados ao conceito matemtico de distncia, que ultrapassa o carter intuitivo que pretendemos transmitir nesse momento (OLIVEIRA, 1998, p. 2). 17 A notao musical reflete essa equivalncia ao dar o mesmo nome s notas relacionadas por oitavas. Notas relacionadas por oitava so denominadas com um mesmo nome porque elas soam muito semelhantes e porque a msica ocidental as trata como funcionalmente equivalentes (STRAUS, 2013).

  • 28

    no somente para uma nota especfica, como o R que est a dois meio-tons do D central18, mas tambm a todas as outras notas que esto a uma ou mais oitavas acima ou abaixo dela. Podemos ento concluir que elementos do espao musical que esto uma ou mais oitavas de distncia so considerados semelhantes ou equivalentes , por razes de ordem fsica, funcional ou mesmo histrica. No Espao Musical h uma relaco binria de equivalncia que o particiona em subconjuntos disjuntos chamados classes de equivalncia. A unio de todas as classes de equivalncia forma o espao musical completo:

    Uma classe de equivalncia formada por todas as notas que tm o mesmo nome, ou, em outras palavras, elementos do espao musical que se encontrem separados pelo intervalo de oitava, ou seus mltiplos, pertecem mesma classe de equivalncia (OLIVEIRA, 2013, p. 4).

    Por exemplo, para que duas notas s e t estejam em uma mesma classe de equivalncia, essas tm que obedecer:

    s = t + 12k (com k sendo um nmero inteiro e o nmero 12 os sons da escala cromtica)

    d. Classes de Notas e Classes de Altura

    O espao musical, j definido anteriormente, constitudo por uma sucesso cromtica de notas que se estende para o agudo e para o grave ad infinitum. Tambm pode ser dividido em partes, tomando como base a relaco de equivalncia que correspodem aos 12 meio-tons da escala cromtica. A estas classes de equivalencia chamaremos de Classes de Altura ou Classes de Notas19 ou em ingls pitch-class (pc), assim temos:

    Classe de Altura 0 = (... -48, -36, -24, -12, 0, 12, 24, 36, 48, ...) Classe de Altura 1 = (... -47, -35, -23, -11, 1, 13, 25, 37, 49, ...) Classe de Altura 2 = (... -46, -34, -22, -10, 2, 14, 26, 38, 50, ...) Classe de Altura 3 = (... -45, -33, -21, - 9, 3, 15, 27, 39, 51, ...)

    ...

    ...

    18 As expresses Do central, Do3 e C3, referem-se mesma nota, que a nota "D 3", convencionada como referncia para a extenso da maioria dos instrumentos musicais. a nota que est exatamente no meio da pauta dupla, entre a pauta superior e a inferior. 19 Straus (2013) denomina Classes de Notas.

  • 29

    Classe de Altura 10 = (... -38, -26, -14, -2, 10, 22, 34, 46, 58, ...) Classe de Altura 11 = (... -37, -25, -13, -1, 11, 23, 35, 47, 59, ...)

    e. Classe de Intervalos

    Como consequncia dos conceitos anteriores, um intervalo entre classes de notas tambm denominado de classe de intervalos. Como cada classe de notas contm vrias notas individuais, a classe de intervalos tambm ter vrios intervalos entre notas individuais. Com a equivalncia de oitava, intervalos maiores do que uma oitava so considerados equivalentes s suas contrapartes dentro da oitava. Alm disso, intervalos entre classes de notas maiores do que seis so considerados equivalentes aos seus complementos (Tabela 3):

    Tabela 3 Classes de Intervalos (STRAUS, 2013, p. 11)

    f. Notas e registros de oitava Nota em Msica referente a altura do som. A nomenclatura atual notas musicais atribuda a

    Guido Darezzo e foram assim fixadas: d, r, mi, f, sol, l, si. Utilizaremos a altura

    relacionando essas notas com o teclado do piano, usando as notas d como exemplo. O d mais

    prximo do meio do teclado chamado de d central ou do3 (d trs). Movendo para a direita do

    teclado teremos as notas d mais agudas chamadas de d4, d5, d6 e d7. De maneira anloga,

    movendo para a esquerda do teclado teremos as notas d mais graves, chamadas de d2, d1 e

    d-1. Na figura abaixo representamos as notas no piano:

    Figura 1 Disposio das notas no teclado

  • 30

    Em ingls utiliza-se as primeiras letras do alfabeto para representar os nomes das notas em latim: A (l), B (si), C (d), D (r), E (mi), F (F) e G (Sol). Em portugus utilizamos a nomenclatura latina e interpretamos as letras do alfabeto A B C D E F G como cifras que representam as notas.

    g. Notao em pauta

    Nosso sistema de notaco musical similar a um grfico no plano cartesiano, com o tempo indicado no eixo das abscissas (x) e a altura no eixo das ordenadas (y). No exemplo abaixo, esto representadas duas notas, R ocorre antes mais alta que a nota S:

    Figura 2 Eixo cartesiano em analogia pauta musical (KOSTKA, 2006)

    Uma pauta consiste em cinco linhas e quatro espaos em que usada na Msica para indicar altura e tempo da nota. Uma pauta pode ser infinitamente expandida atravs de linhas e espaos suplementares (Figura 3):

    Figura 3 Pauta com linhas suplementares

    No comeo da pauta temos um smbolo chamado clave que indicar que alturas iro ser associadas s linhas e espaos. As claves usadas neste trabalho sero a clave de sol e clave de f.

  • 31

    As claves fazem com que a posio da nota d3 e consequentemente todas as outras notas seja diferente na pauta (Figura 4):

    Figura 4 Claves (KOSTKA, 2006)

    Teremos os acidentes que sero utlizados para grafar as notas na pauta, que so mostrados na tabela abaixo (Tabela 4):

    Sustenido Eleva em um semitom20 a nota natural

    Bequadro Cancela um acidente

    Bemol Abaixa em um semitom a nota natural

    Tabela 4 Acidentes

    h. Escalas

    Escalas so como conjuntos que contm como elementos notas musicais. Por exemplo, a escala de d maior ser um conjunto de notas diferente da escala de sol maior, que ser diferente da escala de d menor, e assim por diante. Escalas com mesmas notas em sua formaco sero consideradas iguais, com por exemplo d maior e l menor, como veremos a seguir. Existem diversos tipos de escalas, cada uma com diferentes caractersticas e composio e, a ttulo de exemplificao, mostraremos as escalas cromtica, maior e menor, que so as mais utilizadas.

    A escala cromtica a base da Msica Ocidental. So doze notas, todas separadas por semitons Comeando no d3 na clave de sol, a representao dos nmeros inteiros que apresentamos anteriormente ser (so as doze notas da escala cromtica utlizada na maioria das Msica no ocidente):

    20 Um semitom a distncia entre uma tecla no teclado para a prxima tecla, seja ela branca ou preta.

  • 32

    Figura 5 Notao em nmeros inteiros para a escala cromtica

    A escala maior um padro com uma sucesso de semitons (meio tom) e tons (tom inteiro) dentro de uma oitava, assim como todas as outras escalas. Se pensarmos somente nas teclas brancas, teremos dois semitons dentro de uma oitava (oito notas de d a d), que sero entre o mi e f e entre si e d. Um tom inteiro iremos para a segunda nota mais prxima. Usando novamente as teclas brancas do teclado teremos cinco tons inteiros em cada oitava, entre o d e r; r e mi; f e sol; sol e l; l e si. Assim, o padro da escala maior ser tom-tom-semitom-tom-tom-tom-semitom, que o mesmo encontrado nas teclas brancas do teclado de um d at o prximo d (Figura 6):

    Figura 6 Escala de d maior com tons e semitons.

    A escala menor, tambm denominada de escala menor natural, ter sua formaco intervalar com tom-semitom-tom-tom-semitom-tom-tom. Essa escala pode ser comparada com a escala maior com 3, 6 e 7 notas abaixadas em meio tom, como ilustramos abaixo:

    Obs.: Temos tambm as escalas menor harmnica, com a 3 e 6 abaixada, e a menor meldica, com somente a 3 abaixada em relao a escala maior. Essas duas escalas so menos usadas e funcionam como uma extenso da escala menor natural. Abaixo, a comparao entre as escalas

  • 33

    d menor harmnica e d menor meldica em relao a escala de d maior:

    d. Armaduras de Claves

    um padro de sustenidos ou bemis que aparecem no comeo de um pentagrama e indicam que certas notas grafadas naquela linha ou espao sero alteradas de forma ascedendente com os sustenidos ou descedente com os bemis. Podemos relacionar as armaduras de clave com as escalas maiores e menores atravs do padro de tons e semitons que apresentamos anteriormente. Em cada caso, podemos encontrar a escala maior ou a respectiva tonalidade subindo em meio tom a partir do ltimo sustenido (Figura 7):

    Figura 7 Armaduras de claves de escalas com sustenidos.

    H tambm sete armaduras de clave que usam bemis. Exceto a tonalidade de f maior, o nome da escala e sua respectiva tonalidade a mesma do penltimo bemol na armadura de clave:

    Figura 8 Armaduras de claves de escalas com bemis

    Podemos memorizar as armaduras de clave atravs do Ciclo das Quintas, que um diagrama

  • 34

    paracido com um relgio (Figura 9). No sentido horrio temos a sequencia sempre com a prxima escala uma quinta abaixo. Neste ciclo, h tambm uma forma conveniente de achar as escalas relativas escalas com as mesmas notas em sua formao com os respectivos acidentes das escalas maiores e menores. Por fora a sequencia de escalas maiores (smbolos em letras maisculas) e por dentro a sequencia de escalas menores (smbolos em letras minsculas):

    Figura 9 Armaduras de claves de escalas com sustenidos

  • 35

    2. A RACIONALIDADE NA MSICA DE VILLA-LOBOS

    Os processos composicionais de Villa-Lobos figuram em diversos momentos em suas composies. Nesse captulo iremos nos concentrar nessas tcnicas que, de algum modo, mostram um procedimento composicional em que a racionalidade matemtica esteja presente. Chamaremos esses processos composicionais ou mesmo estruturas composicionais de Categorias de Anlise, e, para fins de delimitao, destacaremos (1) conjuntos e subconjuntos; (2) simetrias; (3) invarincias; (4) complementaridade. Importante ressaltar que poderamos incluir diversas categorias nessa analise, como matrizes, determinantes, vetores, permutaces, entre outras, mas que no foram privilegiados devido limitao temporal imposta por um trabalho de pesquisa. Para finalizar esse captulo, prope-se uma anlise da obra Choros n5, tambm conhecida por Alma Brasileira, como um estudo de caso em que ressaltaremos as quatro categorias citadas anteriormente.

    2.1 Conjuntos e Subconjuntos

    O termo conjunto21, utilizado em contextos musicais de anlise, significa grupamentos de classes de alturas e se refere a motivos22 que sustentam composies de algumas composies principalmente aquelas com caractersticas ps-tonais. Esse conjunto pode aparecer melodicamente (notas em sequncia), harmonicamente (notas tocadas simultaneamente), conter ou estar contido em subconjuntos, conter entre 0 e 12 classes de alturas, etc. Os conjuntos so, na maioria das vezes, utlizados com as terminologias tricorde, tetracorde, pentacorde, hexacorde, heptacorde e octacorde em sua classificao. J o termo classe de conjuntos refere-se aos conjuntos relacionados uns aos outros, tanto pela transposio quanto pela inverso. Os conjuntos podem ser relacionados pelo nmero de classes de alturas que contm ou por seu contedo

    21 Conjunto se refere aos motivos que fundamentam a estrutura de alturas, em que a estrutura motvica a base de todas as melodias e de todas as harmonias, de todos os grupamentos de alturas e, ainda, das vozes condutoras. Por isso, precisamos de um outro termo substituindo o termo 'motivo' que descreva estas estruturas formadas por alturas. Este termo 'conjunto', significando grupamentos de alturas". (Lester, 1989, pp. l1-13). 22 Na musica ps-tonal, os motivos so essenciais na determinao das alturas da pea, porque no h nenhuma linguagem de alturas comum a todas as peas" (Lester, 1989, p. 4).

  • 36

    intervalar (KOSTKA, 1999, p. 97). Para compreender as possibilidades finitas do universo da escala cromtica, os subconjuntos possveis so reduzidos sua ordem normal ou em sua forma primria. Obtemos assim uma representao numrica de todos os subconjuntos da escala cromtica, dispostos em uma tabela ordenada, sistematizada por Forte23 (1973) em uma tabela com 220 formas primrias ver apndice s quais atribuiu um nmero de classificao, chamado FN (Forte number). Cada uma das formas primrias designada pela quantidade de elementos de cada conjunto. Por exemplo, o conjunto 3-1 a primeira forma (cromtica) do cardinal 3, contendo as classes de altura 0,1,2. A forma normal expressa assim a menor relao intervalar possvel entre os elementos de um conjunto, sendo encontrada por meio da ordenao e permutao desses elementos. J a forma primria encontrada quando uma forma normal ajustada para que seu elemento inicial seja o 0.

    O artigo Organizao harmnica no movimento final do Quarteto de Cordas n 15 de Villa-Lobos24 de Paulo de Tarso Salles (2008) mostra conjuntos e subconjuntos no trecho incial do quarto movimento, obra composta em Nova Iorque em 1952 e dedicada ao The New Music Quartet. Para o autor, a curiosidade despertada pelo modo como a harmonia assume uma caracterstica no-tonal foi o motivo da escolha desse movimento. Em funo dessa caracterstica, a adoo de uma tcnica analtica como a Teoria dos Conjuntos pareceu ser bastante pertinente.

    O autor diz que o problema inicial para o emprego analtico da Teoria dos Conjuntos a segmentao do material musical em unidades significativa pois trata-se de um recorte arbitrrio que requer certo bom senso e no est livre de imperfeies. Nesses casos, o emprego de conjuntos de notas e subconjuntos feito para segmentar o material musical que vai ser analisado, procurando seguir, por exemplo, frases meldicas em planos definidos como melodia principal inicial tocadas pelo violoncelo e imitaes pelos outros instrumentos. Salles observa, dessa forma, que a superposio progressiva das melodias secundrias gera formaes

    23 Forte (1973) elencou todas as classes de conjuntos possveis, a Lista de formas primitivas dos conjuntos de classes de notas, criando tambm uma nomenclatura numrica para distingui-las, onde o primeiro nmero indica a cardinalidade, ou seja, quantas classes de notas distintas formam o conjunto e o segundo nmero, a ordem do conjunto na lista de formas primitivas. Por exemplo, o conjunto 4-3 possui cardinalidade 4, ou seja, formado por quatro classes de notas e o terceiro conjunto de cardinalidade 4 que aparece na lista de Forte, que poder ser consultada em um dos anexos desse trabalho. 24 Disponvel em: . Acesso em: 10 de outubro 2013.

  • 37

    de acordes (conjuntos), aparecendo principalmente nas partes de cello, viola e 2 violino nos compassos 10-12. Aps a segmentao do ,material, podemos observar na figura que so formados vrios subconjuntos todos originados do conjunto (4-7) mostrando uma quantidade de sons comuns entre esses subconjuntos. Uma maneira possvel de apresentar esse exemplo evidenciando esses conjuntos a partir do som, experimentando esses conjuntos auditivamente e tocando em um teclado ou violo as notas de cada conjunto. Mesmo sendo notas diferentes, a sensao de equivalncia ser ouvida, pois se trata de conjuntos com os mesmos intervalos em regies diferentes ( mais fcil observar visualmente no teclado). O aluno que tem maior afinidade com a Msica poder entender que se trata de conjuntos iguais tocados em regies diferentes, mas com o mesmo espao intervalar.

    Figura 10 - Melodia principal segmentada em tetracordes 4-7. Os nmeros utlizados imediatamente abaixo das notas

    na partitura so suas classes de alturas e os nmeros entre parenteses so a forma normal de cada conjunto

    2.2 Simetria

    Um aspecto importante na obra de Villa-Lobos diz respeito simetria25. O compositor evidencia esse conceito em diversas de suas composies em consonncia com compositores que tambm utilizaram esse aspecto em suas obras, tais como Stravinsky, Webern, entre outros. Para Weyl (1952) simetria termo originalmente vindo da geometria analtica uma ideia que, ao longo dos tempos, os homens tm tentado compreender e criar ordem, beleza e perfeio. Em Msica, esse conceito tem a noo de uma harmonia de propores, associada a uma beleza ideal e clssica. Tal conceito relaciona-se ao aspecto geomtrico e pode se apresentar nas formas bilateral, translacional, rotacional e ornamental. Para esse trabalho, nos concentraremos nos trs

    25 Nesse trabalho, iremos discutir simetria baseados nos estudos de Weyl (1997) e Salles (2009).

  • 38

    primeiros tipos de simetria, pois, em Msica, mais fcil a percepo dessas trs primeiras formas, por serem bidimensionais e por poderem ser mais bem percebidas quando analisamos a Msica na partitura (SALLES, 2009).

    A simetria bilateral ou simetria de reflexo acontece quando uma figura, quando refletida em relao a um eixo (eixo de simetria), corresponde ponto a ponto com a imagem original. Reflexo a simetria bilateral obtida colocando-se um objeto diante de um espelho e considerando-se a forma e sua imagem. Na simetria de reflexo existe um eixo que poder estar na figura ou fora dela, e que servir como um espelho refletindo a imagem da figura desenhada. A figura poder ter vrios eixos de simetria.

    Weyl (1952), quanto a esse tipo de simetria, pontua se tratar de um conceito absolutamente preciso e estritamente geomtrico. Um objeto, ente ou forma que possui simetria de reflexo tem um plano imaginrio que divide em duas partes idnticas de natureza espetacular. Esses eixos so encontrados na Arquitetura, na Geometria Plana, na Biologia, no Desenho Geomtrico etc. A simetria de translao existe uma mundana que preserve a figura, podendo-se movimentar em qualquer direo de forma que a alterao coincida com a figura original. Translao um movimento tal que todos os pontos da figura percorrem segmentos paralelos de mesmo comprimento.

    Outro exemplo de simetria de que nos fala Weyl a rotao ao redor de um ponto, que e quando existe uma rotao diferente da identidade que preserve a figura. Pode-se dizer que ocorre simetria rotacional quando um objeto girado sob um eixo permanece inalterado. Rotao um movimento onde todos os pontos de circunferncias com centro em O e todos esses arcos correspondem a uma medida de ngulo. Ela uma simetria simples tambm chamada de simetria cclica ou simetria rotatria. Na simetria de rotao a figura toda gira em torno de um ponto que pode estar na figura ou fora dela, e cada ponto da figura percorre um ngulo com vrtice nesse ponto.

    O artigo Simetria na forma e no material harmnico da Ciranda n 4 de Villa-Lobos de Ronaldo Alvez Penteado (2012) prope uma anlise de aspectos da simetria como elemento estrutural da obra tambm conhecida como Sapo Jururu, de Heitor Villa-Lobos. Essa pea, de 1926, relaciona a temtica folclrica de superfcie a uma tendncia de composio ps-tonal da poca, que consistia em recorrer simetria para elaborar o material formal e harmnico da seo no tonal da pea. A seo A pode ser segmentada em duas partes: a1 que vai do comeo da pea at

  • 39

    a primeira parte do compasso 3, e a2, que vai do final do compasso 3 at o compasso 4. A linha tracejada no segmento abaixo indica a segmentao em a1 e a2 da seo A (Figura 11). A reduo do segmento a1 na recorrncia da seo A ressalta uma caracterstica do processo

    composicional de Villa-Lobos: passagens com forte identidade simtrica, mas em que a segunda

    metade traz alguma seo que se apresenta desconstruda em relao primeira.

    Figura 11 - Linha tracejada indicando a segmentao dos trechos a1 e a2 da seo A (PENTEADO, 2012)

    No campo formal, a pea apresenta um padro de simetria translacional: Ao falarmos em forma ternria do tipo A-B-A, por exemplo, reconhecemos um padro que translacional quanto h a repetio da seo A. Nenhum elemento novo exceto ao fato de, com a segmentao da seo A, verificar-se o padro de simetria do tipo rotacional. Na reapresentao da seo A, aps o trmino da seo B, Villa-Lobos apresenta o segmento a2 e encerra a pea com o segmento a1 (Tabela 5).

    Nesse sentido, tendo a seo B como eixo, a simetria do tipo rotacional:

    Tabela 5 - Padro simtrico da forma da msica (PENTEADO, 2012)

    Outros exemplos de simetria aparecem na dissertao de mestrado Os Voos do Passarinho de Pano e anlise dos processos composicionais na sute Prole do Beb n2 de Villa-Lobos de Walter Nery Filho (2009). O autor usa a Teoria dos Conjuntos como metodologia e comprova a preferncia do compositor por elementos de estruturao ligados a processos de simetria, o que contribui, segundo Walter Filho, para desmitificar argumentaes relacionadas a uma certa falta

  • 40

    de tcnica como compositor. No exemplo O Passarinho de Pano observa-se que a nota L sobressai naturalmente por ser repetitiva e que sofre a ao de elementos melodicamente interferentes (Figura 12) que modificam a impresso causada por sua reiterao, o que causa uma sonoridade modulada. Aponta ainda que j nos compassos iniciais percebe-se a preocupao do compositor com aspectos de simetria:

    Figura 12 - Simetrias formadas pela melodia utilizando a nota l idenficado pelos crculos (NERY FILHO, 2012)

    O autor assinala outros exemplos de simetria nesta obra, como o caso das unidades assinaladas com tringulos em que este fator transparece j em uma observao visual. Essa simetria revela-se ao comparar o contedo intervalar presente nas duas quilteras do compasso 18. Um eixo de simetria se estabelece pelo fato de ambas as estruturas formarem agrupamentos que pertencem mesma classe de conjuntos:

    Figura 13 - Eixo de simetria formado com contedos intervalares

    2.3 Invarincias

    Quando um conjunto de classes de notas transposto ou invertido, seu contedo mudar

  • 41

    inteiramente, parcialmente, ou no mudar. Notas mantidas em comum entre dois membros diferentes da mesma classe de conjuntos podem prover uma continuidade musical importante. De modo inverso, uma ausncia de notas em comum pode enfatizar o contraste entre dois membros diferentes da mesma classe de conjuntos. Dessa maneira, um termo consagrado pela teoria musical como som comum ser renomeado como invarincia. Essa terminologia empregada tomada de emprstimo da Matemtica, em que podemos fazer uma analogia com o conceito de interseco. As manipulaes com os intervalos so chamadas de operadores, em que os principais so a transposio (T), a inverso (I) e a multiplicao (M). O nmero de invarincias pode ser calculado a partir do vetor intervalar, em relao ao fator de transposio. O vetor intervalar consiste em um conjunto de seis classes de intervalos, que expressa todas as relaes de intervalo em um conjunto de classes de altura, neste caso, o clculo das invarincias mais complicado (FORTE, 1973).

    O artigo Anlise do material harmnico nos compassos iniciais do Noneto de Villa-Lobos de Paulo de Tarso Salles (2010) mostra invarincias no material harmnico nos compassos iniciais do Noneto, de Villa-Lobos entre conjuntos de notas. Nessa obra, pode-se observar uma complexa organizao de simetrias e uso de algumas invarincias, e, para tratar alguns agrupamentos sonoros dentro do sistema temperado, Salles se apropria da Teoria dos Conjuntos desenvolvida por Forte (1973). Aps segmentao da msica com unidades discretas para evidenciar um contexto ps-tonal na pea, adotando a nomenclatura de Forte (1973) para designao dos conjuntos sonoros que atuam como acordes, melodias e elementos de texturas. O autor considera, em primeiro plano, a interao entre a melodia do saxofone e o primeiro acorde tocado pelo piano, em que o tetracorde do sax e o hexacorde do piano apresentam uma invarincia que funciona com eixo de simetria (as notas l e do), coordenando as interaes harmnicas com as demais alturas:

    Figura 14 Diagrama de Venn mostrando a invarincia interseco entre dois conjuntos

  • 42

    Outro exemplo de invarincia acontece no compasso trs em que o piano toca uma verso

    transposta de vrios componentes do primeiro acorde, resultando no hexacorde 6-z26:

    Figura 15 Exemplo mostrando conjuntos, subconjuntos e invarincias

    2.4 Complementaridade

    Em qualquer conjunto, as classes de notas que ele exclui constituem seu complemento. Portanto, o complemento do conjunto [3,6,7] [8,9,10,11,0,1,2,4,5]. Todo conjunto e seu complemento, quando tomados juntos, por exemplo, no caso das notas musicais, devem conter todas as doze classes de notas e para qualquer conjunto contendo n elementos, seu complemento ir conter 12 n elementos. Cabe observar que h uma semelhana intervalar entre um conjunto e seu complemento, que sempre possuem uma distribuio semelhante de intervalos (diferente da ideia de que quaisquer que sejam os intervalos que um conjunto tenha em quantidade, o seu complemento tem sempre menos). Para conjuntos complementares, a diferena no nmero de ocorrncias de cada intervalo igual diferena entre o tamanho dos conjuntos. Exemplificando no contexto ainda da Msica, se um tetracorde tem o vetor intervalar 021030, o seu complemento de oito notas ter o vetor 465472. O conjunto de oito notas tem quatro a mais de todos (exceto para o trtono, do qual ele tem dois a mais). Como se pode notar, o conjunto maior como uma verso expandida do seu complemento menor.

    Conjuntos relacionados por complemento tm uma distribuio proporcional de intervalos considerando-se que o contedo intervalar no modificado pela transposio ou inverso, e o relacionamento intervalar mantido mesmo quando os conjuntos so transpostos ou invertidos. Portanto, ainda quando os conjuntos no forem literalmente complementares (um contm as notas excludas pelo outro), o relacionamento intervalar ainda mantido desde que os conjuntos

  • 43

    sejam abstratamente complementares (membros das classes de conjuntos relacionados por complemento). Tomemos a exemplo os conjuntos {0,1,2} e {0,1,2,3,4,5,6,7,8}. Eles no configuram complementos literais um do outro, basta notar que todos os membros do primeiro conjunto esto contidos no segundo. No entanto, so membros de classes de conjuntos relacionados por complemento e tm uma distribuio semelhante de intervalos. Conjuntos relacionados por complemento no tem tanto em comum quanto conjuntos relacionados por transposio ou inverso, mas eles tm uma sonoridade semelhante por causa da semelhana do seu contedo intervalar.

    A relao de complemento tem particular importncia em msicas nas quais as doze classes de notas estejam circulando relativamente livres e na qual o agregado (uma coleo contendo todas as doze classes de notas) seja uma unidade estrutural importante. Os cardinais, cuja soma 12, so complementares. Dessa maneira, as colees pentatnica (5-35) e diatnica (7-35) so complementares entre si, visto que a ordenao dos conjuntos de classes de altura na tabela de Forte dispe os conjuntos de acordo com esse critrio, e alguns hexacordes so complementares a si prprios. A complementaridade tambm acontece entre verses transpostas ou invertidas do mesmo conjunto de classes de altura, em que essas verses complementam-se para formar o total cromtico. Outra propriedade tambm associada noo de complemento chama-se similaridade, que pode ser observada em classe de alturas e em classe de intervalos.

    A dissertao de mestrado Concerto para Piano e Orquestra n 1 de Villa-Lobos: um estudo analtico-interpretativo de Raimundo Fortes (2004) mostra aspectos de complementaridade quando aborda o uso intencional por Villa-Lobos de padres e combinaes entre teclas brancas e pretas do piano. Nesse trabalho, Fortes caracteriza essa complementaridade no segundo captulo A Politonalidade26 das Teclas Brancas e Pretas, a partir de diversos exemplos. Em um dos exemplos evidencia a utlizao estruturada melodicamente por teclas brancas na parte superior e pretas na parte inferior da partitura (mo direita e esquerda) e ainda o acorde final deste trecho (Figura 16):

    26 Termo que designa a superposio de melodias, cada qual com uma tonalidade diferente.

  • 44

    Figura 16 Notas para a mo esquerda e direita do piano (OLIVEIRA, 1984, p. 22)

    Outro artigo de referncia que fala sobre complementaridades entre teclas brancas e pretas utilizadas por Villa-Lobos o Black Key versus White Key: a Villa-Lobos device27, de Jamary Oliveira (1984). Nesse artigo o autor comenta que a combinao de teclas pretas e brancas era uma preocupao real de Villa-Lobos em suas peas, utilizando este recurso at o extremo, com bvias consequncias para seu prprio estilo. Villa-Lobos mostra que o uso das possibilidades de alternncia entre teclas pretas e brancas pode ser visto de duas maneiras. Em primeiro lugar, como prprio de seu tratamento em relao ao nmero de notas, tanto melodicamente e harmonicamente alternncia; e, em segundo como a formao motivica e sua relao com a batida subdiviso.

    2.5 Choros n5 Alma Brasileira

    No escrevo dissonante para ser moderno. De maneira nenhuma. O que escrevo conseqncia csmica dos estudos que fiz, da sntese a que cheguei para espelhar uma natureza como a do Brasil. Quando procurei

    27 Disponvel em: . Acesso em: 10 de outubro 2013.

  • 45

    formar a minha cultura, guiado pelo meu prprio instinto e tirocnio, verifiquei que s poderia chegar a uma concluso de saber consciente, pesquisando, estudando obras que, primeira vista, nada tinham de musicais. Assim, o meu primeiro livro foi o mapa do Brasil, o Brasil que eu palmilhei, cidade por cidade, estado por estado, floresta por floresta, perscrutando a alma de uma terra. Depois, o carter dos homens dessa terra. Depois, as maravilhas naturais dessa terra. Prossegui, confrontando esses meus estudos com obras estrangeiras, e procurei um ponto de apoio para firmar o personalismo e a inalterabilidade das minhas idias.

    Heitor Villa-Lobos

    Composta em 1925, o Choros n5 tambm chamado de Alma Brasileira uma das composies mais conhecidas e executadas de Villa-Lobos para piano. Com 4 30 (gravao do Autor) de durao, a obra foi dedicada Arnaldo Guinle e teve como primeira audio conhecida em 16 de outubro 1940, no Festival de Msica Brasileira no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, interpretada por Bernardo Segall (VILLA-LOBOS, 2009, p. 13). Villa-Lobos estava em uma fase de afirmao de suas tcnicas e de um idioma brasileiro e nacionalista na arte de compor.

    Nesse rpido panorama sobre o Choros n 5 observamos no s o uso de estruturas diatnicas, mas tambm estratgias tonais tradicionais, como os recursos mais utilizados pelo compositor nessa obra. A utilizao de tpicos brbaros e indgenas na seo central corresponde tentativa de representao de uma vertente ancestral que faria parte do trip ibrico-africano-indgena que comporia a Msica popular brasileira e que serviria como mote para a produo dos Choros. Um conceito que parece explicar essa associao natural o domnio musical do rudo e a estrutura atabaque ao piano utilizada a partir do compasso 34 que refora essa interpretao com sua percussividade e carter tribal. Por outro lado, o Choro n 5 lega aos elementos diatnico-tonais o papel de representantes da tradio, ainda que remetentes a elementos historicamente mais recentes do que as tribos indgenas e so mais antigos do que os dispositivos musicais utilizados na representao dos indgenas (ultracromatismo, octatonismo, etc.).

  • 46

    Por fim, na repetio da seo A, Villa-Lobos encerra com um arpejo no-diatnico cadencial, finalizado com o acorde de d maior com quinta aumentada e stima maior, onde evidencia a importncia da sonoridade dissonante em sua sntese final entre Msica Popular e vanguardstica, bem como uma reminiscncia de sentimento nacional posto ao fim da pea. Mostra um procedimento inverso ao do compasso 45, com o qual obtm dissonncias que resultam da bricolagem de estruturas musicais tradicionais - as trades. Em resumo, o que importa para Villa-Lobos, tanto nessa obra quanto nas outras em anlise, a interao e a recriao, processos dinmicos e fluidos que se delineiam como fundamentais para a compreenso desse repertrio em que as estruturas musicais constroem poticas de modernidade e sugestes de brasilidade.

    Nessa msica, Villa-Lobos associa estruturas diatnicas civilidade: (...) poucos anos depois de finda a guerra, e no sem ter antes vivido a experincia bruta da Semana de Arte Moderna, de So Paulo, abandonava consciente e sistematicamente o seu internacionalismo afrancesado, para se tornar o iniciador e figura mxima da Fase Nacionalista em que estamos (ANDRADE, 1939/91, p.25).

    Tal declarao tangencia dois pontos pertinentes ao objeto de anlise dos Choros n 5: o sentimentalismo e a tristeza. Villa-Lobos possua certa tendncia ao exagero em suas afirmaes, como Mrio de Andrade deixava exposto em suas falas: Villa-Lobos oito ou oitenta. E somos forados a reconhecer que mais numerosamente ele no se deixa ficar no oito das discries e das sabedorias, em vez, prefere o oitenta dos espalhafatos, dos espetculos, das teorizaes nascidas em cima da hora.

    O processo de anlise comea com a segmentao da escolha das alturas, ou seja, um conjunto de notas (ou alturas) estruturalmente relevantes. Depois, classifica-se esse conjunto a partir das Tabelas de Forte e ento atribui a esse conjunto a distribuio de seus intervalos em sua forma compacta, conhecida com forma normal28. A inteno da anlise mostrar exemplos da utilizao de uma racionalidade matemtica que estava presente nas tcnicas composicionais de Villa-

    28 Um conjunto de classes de notas pode ser apresentado musicalmente de vrios modos. Contrariamente, muitas figuras musicais diferentes podem representar o mesmo conjunto de classes de notas. Se quisermos ser capazes de reconhecer um conjunto de classes de notas, no importando como ele seja apresentado na msica, ser til coloc-lo numa forma simples, compacta, e facilmente compreensvel, chamada forma normal. A forma normal a maneira mais compacta de escrever um conjunto de classes de notas permite ver com mais facilidade os atributos essenciais de uma sonoridade e compar-la com outras sonoridades (STRAUS, 2013).

  • 47

    Lobos. Analisaremos os planos formal, harmnico e meldico em busca dessa racionalidade, dividindo em partes e adotando a Teoria dos Conjuntos e a nomenclatura de Allen Forte (1973) para designar conjuntos, subconjuntos, relaes entre conjuntos, simetrias, propores, complementos, grupamentos sonoros em forma de melodias, acordes, conjuntos de notas, entre outros.

    A primeira seo da msica (Parte A), que vai do compass