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FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM IMAGEM-MOVIMENTO:
ATUALIZAÇÕES DE NOVAS PRÁTICASPOLÍTICAS NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Larissa Ferreira Rodrigues1
Doutoranda em Educação (PPGE-Ufes)
1 INTRODUÇÃO
A formação continuada de professores como um movimento de constituição de
subjetividades criadoras nas escolas, tem chamado nossa atenção como um importante
processo que, ao percorrer por redes de conversações tem possibilitado a produção de
trabalhos coletivos e inventivos, elaborando subjetividades a-centradas que encarnam
nas escolas outras lógicas que não a de um aprender e ensinar triste, enclausurado,
dogmático e moralizante.
Deste modo, estes escritos lançam-se a compor pensamentospesquisas ou um projeto de
pesquisa sobre as possibilidades de problematizar os processos de formação continuada
de professores do Ensino Fundamental pela repetição diferencial (DELEUZE, 2006) dos
usos e da produção de imagens no cotidiano escolar, apostando na atualização de novas
práticaspolíticas para os processos de subjetivação docente.
Apoia-se nas teorizações de Carvalho (2008, 2009, 2012), Deleuze (1990, 1991, 1992,
1999, 2006), Deleuze e Guattari (1995, 1996), com objetivo de compreender os modos
pelos quais os movimentos de usos e de produção de imagens nas redes de formação
continuada de professores escapam e resistem às lógicas identitárias e
representacionais que modelizam o processo de subjetivação docente no cotidiano
escolar.
1 contato – [email protected]
2
Com este intuito, busca-se a intercessão entre os procedimentos dos estudos com o
cotidiano e da pesquisa cartográfica, deslizar entre as “linhas e planos” (DELEUZE;
GUATTARI, 1995) ou “mergular” na rebeldia do cotidiano escolar, (ALVES;
OLIVEIRA, 2002), que produz saberesfazeres que não são passíveis e domináveis.
Mapear os processos, os fluxos e os movimentos das “redes de conversações e ações
complexas” (CARVALHO, 2009) que se entrelaçam na formação continuada dos
professores.
Esses intuitos estão nas fronteiras de nosso saber. Passam entre nosso saber e nossa
ignorância (DELEUZE, 1992). É no limite entre o que conhecemos e o que não
sabemos que se produz o sentido de lançar-se a pesquisar a formação continuada de
professores para além dos modelos, identidades e representações criadas sobre o que é
ser professor, como, porque e para que, ou seja, em suas dobras de representação e
inventividades.
2 MAPAS DE PENSAMENTOSPESQUISAS METAMORFOSEADOS
Imagem Metamorfose III – 1967-1968 – M.C. Escher
O desenho de mapas é entendido como um importante modo de acompanhar e de
produzir potências sobre determinados assuntos e experiências. Deleuze e Guattari
(1995) ao caracterizá-lo como algo sempre aberto e conectável, podendo ser revertido,
rasgado, rasurado, ajudam a pensar sobre as pesquisas em Educação pelo viés do mapa.
3
Assim, lançamo-nos a desenhar mapas e também percorrer pelas multiplicidades, pelas
dobras da subjetividade, que não se determinam pela existência de um fora e de um
dentro, um sujeito e um objeto, um passivo e um ativo.
Não existe alguém que só se lança a conhecer um objeto exterior. O que há são relações
de forças, ou seja, dobras. Relações coextensivas, na qual o de dentro é constituído pelo
o de fora. Segundo Gallo (2012, p.207), “Para Deleuze, a subjetividade não é outra
coisa senão esta dobra do fora para o dentro, na mesma medida em que o dentro se
dobra para fora”. Deste modo, o conhecimento é uma duplicação do de-fora no de-
dentro, conforme Clareto e Nascimento (2012, p.316),
[...] assim, não se estabelece uma relação de um sujeito – que, com sua boa vontade, busca pela verdade, pelo verdadeiro – com um objeto, dado independentemente, que contém a verdade. O conhecimento não busca pela verdade “naturalmente”. Nesse sentido, conhecer aqui não é ex-plicar – ou seja, desdobrar o já conhecido – mas interpretar.
Neste sentido, o mapa de subjetividades ou dos modos de subjetivação se
metamorfoseia de acordo com os modos com os quais as linhas da vida (molares,
moleculares e de fuga) dobram-se sobre ele. Dobras que não se dão sem tensões, sem
misturas, sem ilusões e incertezas provocadas pelas imagens, pelos movimentos.
Segundo Deleuze (1991, p.113),
A luta por uma subjetividade moderna passa por uma resistência às duas formas atuais de sujeição, uma que consiste em nos individualizar de acordo com as exigências do poder, outra que consiste em ligar cada indivíduo a uma identidade sabida e conhecida, bem determinada de uma vez por todas. A luta pela subjetividade se aprensenta então à diferença e direito à variação, à metamorfose.
Entendendo o conhecimento como algo que é produzido nestas tensões, incertezas e
misturas que se dobram e redobram sobre os sujeitos, trazemos as imagens do artista
Escher2 como uma maneira de potencializar o deslocamento dos dogmatismos e da
2 - Maurits Cornelis Escher (1898-1972) é um artista Holandês que deixou suas marcas pelas xilogravuras, litografias e meios-tons. Elaborou uma obra que produz um efeito de movimento, transformações, que sai do padrão usual geométrico ao olhar infinito de deslocamentos. (disponível em www.mcescher.com)
4
fixação, convidando a pensar as produções acadêmicas como pensamentospesquisas
metaforseados.
Pensamentospesquisas que não abarcam toda a “verdade” sobre os processos de ensino,
de aprendizagem e de formação continuada de professores, mas que se inscrevem como
olhares sobre o fenômeno educativo que ao se voltarem para as experimentações
ancoradas no real social, apresentam-nos algumas interpretações possíveis.
Desenhar mapa é se pautar em uma formação rizomática, “que cresce entre e no meio
das outras coisas” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, P.30), é se dedicar a “mostrar até
que ponto do rizoma se forma um fenômeno de massificação, de burocracia, de
leadership, de falsificação, etc., que linhas subsistem, no entanto, mesmo subterrâneas,
continuando a fazer obscuramente rizoma” (p.24).
É a partir desta concepção que consideramos a relevância dos pensamentospesquisas
sobre e com a educação. É neste campo que buscamos nas “fronteiras de nosso saber e
ignorância” (DELEUZE, 2006), conhecer como as produções acadêmicas no nível de
Doutorado ajudam a problematizar os efeitos que os usos e a produção de imagens têm
produzido na formação continuada de professores, que em repetição diferencial
atualizam outros modos de subjetivação docente.
Lopes (2008), destaca que o projeto filosófico de Deleuze vai perceber a relação entre
pensamento com que lhe é exterior pela criação. Entendendo criação por figuras
complementares: a diferença e a repetição. Pensa a criação como “repetição
diferencial”.
Para Deleuze (2006, p.16),
Há duas direções de pesquisa na origem deste livro: uma concerne ao conceito de diferença sem negação, precisamente por que a diferença, não sendo subordinada ao idêntico, não iria ou 'não teria de ir' até a oposição e a contradição a outra concerne a um conceito de repetição tal que as repetições físicas, mecânicas ou nua (repetição do mesmo) encontrariam sua razão nas estruturas mais profundas de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um “diferencial”. Estas duas direções de pesquisa juntaram-se espontaneamente, poi, em todas ocasiões, estes conceitos de uma diferença pura e de uma repetição complexa pareciam reunir-se e confundir-se.
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É na superfície das linhas da “repetição diferencial” que se compõe este rizoma/mapa de
produção de pesquisa acadêmica. Para este desenho, tomamos algumas palavras como
platôs, como produto e produtoras de intensidades: formação continuada de
professores; práticaspolíticas; subjetivação docente; representações docentes; usos e
produção de imagens.
Estas palavrasplatôs agenciadas pela imanência das linhas molares e moleculares, não
nos servem como ideologia ou apenas como produção científica, mas como
agenciamentos de conversas, de escritas, de pensamento e de ação no e com o sistema
educativo.
A partir destes platôs de intensidades e de sentidos, rascunhamos um pequeno mapa das
produções de teses no banco de dados da capes entre os anos 2009 a 2011. Tomando
estas palavrasplatôs como palavras-chave, encontramos um corpus de 235 teses, sendo
78 relacionadas com a formação continuada de professores, 69 acerca de
práticaspolíticas, 26 sobre subjetivação docente, 60 tratando das representações
docentes e 2 que abordam o usos e produção de imagens.
Dentre as 235 teses foram selecionadas 28 para leitura, com intuito de compreender
como estas produções ajudam a pensar e compor nosso campo problemático, levando a
indagar: De que modo estas pesquisas se apresentam sobre nossa máquina desejante de
pensar um processo de repetição diferencial para a formação continuada a partir dos
usos e produção de imagens no cotidiano escolar? Como abrem o campo educativo e
quais olhares dedicam a ele?
O Platô Formação Continuada de Professores é atravessado por concepções que
indicam que este é um processo concebido por ações, representações, modelos ou
territórios que levam a outros territórios, desencadeando imagens que se movimentam
pela pura ação dogmática, enquadrando a formação docente também como imagem-
movimento, “[...] a própria coisa apreendida no movimento como função contínua. A
imagem-movimento é a modulação do próprio objeto” (DELEUZE, 1990, p.40).
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Neste platô também passam imagens e experimentações em um campo micropolítico de
invenções, negociações, compartilhamentos, coletividade e de sensibilidade. Imagens
que se desdobram da imagem-movimento e originam a imagem-tempo.
A imagem-tempo é o fantasma que sempre assombrou o cinema, mas foi preciso o cinema moderno para dar corpo a esse fantasma. Essa imagem é virtual, em contraposição à atualidade da imagem-movimento. Mas, se virtual se opõe a atual, não se opõe a real, muito pelo contrário. Dirão ainda que essa imagem-tempo pressupõe a montagem, tal como a representação indireta a pressupunha. Mas a montagem mudou de sentido, ganhou nova função: em vez de ter por objeto as imagens-movimento, das quais ela retira uma imagem indireta do tempo, tem por objeto a imagem-tempo, extrai desta as relações de tempo, das quais o movimento aberrante agora apenas depende. Conforme uma expressão de Lapoujade, a montagem tornou-se “mostragem” (DELEUZE,1990, p. 56).
Quanto ao Platô PráticasPolíticas, essa palavraplatô dá passagem para intensidades de
pesquisas que apostam em um movimento imbricado entre práticas e políticas
educativas, destacando que há um revezamento entre uma e outra que produz modos
outros de atuar no cotidiano escolar.
Estas intensidades ligam-se à compreensão, segundo Ferraço e Carvalho (2012, p. 3)
[…] de que as políticas são práticas, ou seja, são ações de grupos políticos sobre questões específicas com a finalidade explicitada de mudar algo existente em algum campo de expressão humana. Ou seja, as políticas são, necessariamente, práticas pessoais e coletivas dentro de um campo qualquer no qual há, sempre, lutas de posições diferentes e mesmo contrárias. Dessa maneira, as pessoas e os grupos, em suas ações, produzem políticas que, muitas vezes, não são visíveis aos que analisam “as políticas”, porque foram formados para enxergar, exclusivamente, a perspectiva que é dominante e/ou que atende aos interesses dos dominadores como “dispositivos” que dirigem como imagem especular o ver, o falar e o julgar.
O Platô subjetivação docente é agenciado por componentes distintos que não se
reduzem a uma produção simples e estruturante do que é ser ou tornar-se professor.
Algumas pesquisas indicam que a subjetivação é algo que se procede por fluxos,
negociações, estabelecendo-se em relações, interações, conexões, produzindo sentidos
diferenciados para os processos de constitução do professor. Brito(2010, s/p) ao estudar
este processo como formador uma subjetividade desterritorializada, destaca que Guattari
(1992) “[...] sugere que a “subjetividade” não pode escapar da invenção criadora e nega
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uma subjetivação melancólica e reconhecedora, reprodutora e subordinada aos valores
vigente, sem força para produzir a si mesma”.
Em relação ao Platô representações docentes é preciso considerar e problematizar que
entre estas representações, multiplicidades extensivas ou formas, são produzidos vários
campos de forças que tencionam a dissolução de modelos padronizados e fixos,
buscando também composições professorais em fluxos intensivos.
Assim, Deleuze e Guattari (1995) dizem que não há dualidades entre as máquinas
molares e moleculares, mas apenas multiplicidades (extensivas e intensivas) que
formam um mesmo agenciamento, ou uma figura sem rosto.
O Platô usos e produção de imagens aponta que as intensidades estão concentradas em
pensar nos usos e produção de imagens do livro didático e como procedimentos
metodológicos de pesquisa. Deste modo, a pouca produção acerca desta temática
sugere-nos que cabe realizar um movimento importante de pesquisa junto a este platô,
ou seja, verificar quais intensidades passam por ele quando tocam as redes de formação
continuada de professores e suas imagens.
Imagens que forçem o movimento do pensamento, as expressões artísticas e cognitivas
de alunos e professores a passarem pelo acaso do encontro, para além de aprendizagens
de conteúdos, mas que provoquem em meio à repetição do cotidiano, a diferenciação do
ensino e da aprendizagem. 'Imagem-movimento, imagem-tempo, imagem-cristal'
(DELEUZE, 1990), que forçem o pensamento a entrar em relação com o outro de meu
pensamento.
Mapear as produções acadêmicas por platôs de intensidades ajuda mobilizar nosso
pensamentopesquisa ao destacar que entre os contornos homogeneizadores e
representacionais que a docência foi adquirindo, é possível dissolver estas formas e
depois construir um novo território inventivo para os processos de formação continuada
de professores.
3 COMO CRIAR PARA SI UM CORPO SEM ÓRGÃOS DE
PENSAMENTOPESQUISA?
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Imagem Hell, copy after hieronymus bosch 1935 – M.C. Escher
Em uma ponta extrema de nosso saber e ignorância, talvez apenas 'movidos pelas
paixões' (CARVALHO, 2009) ainda não sabemos, somos levados pelas indagações,
pelos embates em nosso campo de atuação a aumentar ou a diminuir nossa potência de
pensar e de agir coletivamente sobre os processos formativos.
A imagem 'Hell, copy after hieronymus bosch 1935' de Escher ajuda a pensar a
elaboração de um campo problemático que desloca nosso olhar para um corpo que é
intensamente produzido e não apenas produto. Corpo vivo, vazio de estrutura, mas
potencialmente cheio de multiplicidades e intensidades. Corpo-máquina-desejante, que
não tem início e fim, mas somente meio, que se compõe pela dobra da vida nela mesma
e por ela mesma. Deleuze e Guattari (1995, p. 43) ressaltam que,
O corpo sem órgãos não é morto, mas um corpo vivo, e tão vivo e tão fervilhante que ele explusou o organismo e sua organização. […]. O corpo pleno sem órgãos é um corpo povoado de multiplicidades. E o problema do inconsciente, seguramente, nada tem a ver com a geração, mas com o povoamento, com a população.
Então, como compor um CsO para a pesquisa, capaz de agenciar no heterogêneo
cotidiano escolar, em vez de reproduzir uma formação docente, um currículo, uma
escola, um mundo? Como deslocar os processos formativos da imagem dogmática do
pensamento, do ensino doutrinário para linhas deslizantes que convidam o desenrolar de
um pensamento também deslizante, nômade, intensivo, sensível e inventivo que
produza subjetivadades desterritorializadas ou imagem-cristal?
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É em meio à montagem de uma maquinaria de oposições: imagem dogmática do
pensamento x pensamento nômade; representação x invenção; linhas molares x linhas
moleculares; atual x virtual; que buscamos, como fez Deleuze, segundo Sales (2006),
diluir estas extremidades, encontrar o ponto zero ou o Corpo sem Orgãos, o ponto onde
passam as intensidades e as forças moventes para outras maneiras de tecer a formação
continuada de professores.
Pensamos como Deleuze (1997, p.35), que é preciso “ver as coisas pelo meio e não de
fora” para assim tentar dissolver ao máximo as fronteiras guardiãs de devires e
acompanhar sua metamorfose em acontecimentos ao ensino, à aprendizagem e a
formação de professores.
Deste modo, um campo de forças se constitui como um campo problemático de
pesquisa: Cartografar como os movimentos de usos e de produção de imagens nas
redes de formação continuada de professores podem escapar e resistir às lógicas
identitárias e representacionais que modelizam o processo de subjetivação docente no
cotidiano escolar.
A postura assumida aqui é a de uma cartografia dos agenciamentos que tecem as redes
de formação continuada de professores no cotidiano escolar. Segundo Deleuze (1992, p.
109), realizar “uma microanálise”, ou para Foucault (1979), “uma microfísica do
poder”, ao “abrir as palavras e rachar as coisas”, não buscamos “origens mesmo
perdidas ou rasuras, mas pegaríamos as coisas onde elas crescem, pelo meio”
(DELEUZE, 1992, P.109).
5 SUBJETIVAÇÃO DOCENTE EM DOBRAS DE REPRESENTAÇÃO E
INVENTIVIDADE
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Imagem Eight heads, basic block 1922 woodcut – M.C. Escher
A imagem 'Oito Cabeças' (Eight Heads) de Escher permite pensar num movimento de
dobras de subjetivação, dobras de representação e dobras de inventividades. Como
argumenta Gallo (2012, p.207),
[…] não faz sentido falar em uma 'interioridade' do sujeito, como se ali habitasse uma consciência, uma substância, um 'eu' como uma mônada, como algo indestrutível, indivisível e idêntico a si mesmo (apenas representações). Mas tampouco faz sentido fazer habitar nessa interioridade um inconsciente, um “não-eu” como advoga a psicnálise (apenas invenções). Deleuze (1992, p. 270) chegou a escrever, tempos depois, que, mesmo que o cérebro diga eu, este é um outro, segundo a fórmula poética de Rimbaud, o sujeito, esse eu afirmado, está mais para superjecto do que para um injecto. Isto é, mais exterioridade do que interioridade (grifo nosso).
Assim, Deleuze (2006) ao se apoiar nas teorizações de Nietzsche sobre a ‘vontade de
verdade’ que assombra a produção do pensamento, ajuda a problematizar as “clausuras”
do ensino, aprendizagem e das produções de subjetividade nas escolas.
Deleuze destaca que esta ‘vontade de verdade’ imprime uma lógica de busca por uma
verdade já dada, pré-estabelecida. Uma lógica na qual o sujeito se lança a busca de uma
verdade que lhe é exterior e já está posta. Cabendo ao professor ensinar os conteúdos,
aplicar metodologias, regras, atingir metas e objetivos oficialmente instituídos e, aos
alunos, se apropriar pacificamente destes conhecimentos e produzir bons resultados.
Para Clareto e Nascimento (2012, p.310), “[...] o que caracterizaria tanto professor e
aluno, quanto a escola e a educação, seria desejar aquilo que é mais pesado. O exercício
de força estaria em assumir mais e mais as cargas im-postas, sobre-postas, pro-postas”.
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Segundo Deleuze (2006), para esta maneira de conhecer, bastaria uma boa vontade do
pensador ou uma condução moral do pensamento e, uma natureza reta, ou seja, uma
afinidade com o verdadeiro. Cria-se para o autor uma imagem dogmática, ortodoxia ou
moralizante do pensamento.
Uma imagem de pensamento que desenvolve uma lógica da árvore ou da raiz, que tem
um eixo principal, um centro, que por binarismo, acopla-se na sociedade, nas
instituições, nas pessoas e nos modos de conhecer. Uma lógica que dicotomiza as
relações nas escolas entre os que ensinam e os que aprendem (professores x alunos),
entre os que pensam o currículo e os que o realiza (SEME3 x professores). Como dizem
Deleuze e Guattari (1995, p. 13),
[...] este pensamento nunca compreendeu a multiplicidade: ele necessita de uma forte unidade principal, uma unidade que é suposta para chegar a duas, segundo um método espiritual. E do lado do objeto, segundo um método natural, pode-se sem dúvida passar diretamente do uno para três, quatro ou cinco, mas sempre com a condição de dispor de uma forte unidade principal, a do pivô, que suporta as raízes secundárias.
Porém, a vida é composta por diferentes linhas, que atuam diretamente na constituição
dos indivíduos e dos grupos sociais. A imanência e o imbricamento destas linhas
atravessam todo o tecido social e, portanto, também os processos de formação de
professores, como dizem Deleuze e Parnet (1998).
Existem movimentos formativos com bases moralizantes, tristes, cansativos, repetitivos
e enfadonhos, mas também brechas que permitem a fuga dos modelos e desta
ancoragem. Linhas de fuga são traçadas em meio a esta imagem de pensamento, de
formação continuada, permitindo a emergência de uma imagem criadora, inventiva da
vida. Brito (2010), então vai dizer que “[...] há tantas imagens em cada pessoa, há tantos
modos de ser, tantos despatriamentos, como uma espécie de coletivo em cada indivíduo,
o que provocaria outros olhares, sem rigidez, sem espanto e horror”.
3 Secretaria Municipal de Educação.
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Portanto, a vida é feita de movimento, de fluxos, formas e forças que se conectam,
desconectam e ao se reconectarem, se metamorfoseiam. Estes movimentos, agenciados4
e agenciadores de relações e de hibridismo, permitem composições dinâmicas e
provisórias, tanto para o processo de constituir-se docente, quanto para o ensino,
aprendizagem e para a vida, o que possibilita a produção de práticaspolíticas para os
currículos e para a formação continuada de professores, pois, de acordo com Ferraço e
Carvalho (2012, p. 3) “[...] as práticas são políticas negociadas nas complexas redes de
saberes, fazeres e poderes das escolas e dos sistemas educacionais, constituindo-se
como políticas de currículo”.
Assumindo a perspectiva de que práticaspolíticas são criadas nas escolas e que se
constituem com uma política de currículo, pretendemos compreender os processos de
formação continuada de professores não como algo pautado em produção de
subjetividade centrada. Importa pensar o constituir-se a partir de outros modos de
singularização para além de lógicas identitárias, para além de modelos representacionais
acerca do que se é ou deve ser professor, haja vista que:
Vemos, sofremos mais ou menos uma poderosa organização da miséria e da opressão. E não nos faltam esquema sensório-motores para reconhecer tais coisas, suportá-las ou aprová-las, comportando-nos como se deve, levando em conta nossa situação nossas capacidades, nossos gostos. Temos esquemas para nos desviar quando é desagradável demais, para nos inspirar resignação quando é horrível, para assimilar quando é belo demais... Como diz Bergson, não percebemos a coisa ou a imagem inteira, percebemos sempre menos, só percebemos o que estamos interessados em perceber, ou melhor, o que temos interesse em perceber devido a nossos interesses econômicos, nossas crenças ideológicas, nossas exigências psicológicas. Portanto, geralmente percebemos apenas clichês. Mas, se nossos esquemas sensório-motores se bloqueiam ou se interrompem, um tipo de imagem pode aparecer: uma imagem ótico-sonora pura, a imagem inteira e sem metáfora, que faz surgir a coisa em si mesma, literalmente, em seu excesso de horror ou de beleza, em seu caráter radical ou injustificável, pois não tem mais de ser ‘justificada’ como bem ou como mal ... Esse foi o problema sobre o qual nosso estudo precedente se encerrou: extrair dos clichês uma verdadeira imagem (DELEUZE, 1990, P.31).
4 Este termo se remete ao que Deleuze e Guattari (1995, p.12) chamaram de agenciamento maquínico “[...] é direcionado para os estratos que fazem dele, sem dúvida, uma espécie de organismo, ou bem uma totalidade significante, ou bem uma determinação atribuível a um sujeito, mas ele não é menos direcionado para um corpo sem órgãos, que não para de desfazer o organismo, de fazer passar e circular partículas a-significantes, intensidades puras, e não para de atribuir-se os sujeitos aos quais não deixa senão um nome como rastro de uma intensidade.
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Assim, a longa citação de Deleuze compõe com nossos pensamentos o desejo de
problematizar as imagens da docência e as que são produzidas por ela, como atuantes
nos modos de subjetivação dos professores que ocorrem no cotidiano escolar. Importa
assim, conhecer a imagem-movimento dos processos formativos, mas também
compreender as rupturas que os lançam para além dos clichês de “professor-vocação”,
“professora-mãe”, “professor-empreendedor” e outros tantos que configuram uma
“certa” imagem da docência neste país.
Deste modo, Machado (2009, p. 274), diz que;
Ao se desvincular do esquema sensório-motor, que existe em função da ação, a percepção do personagem – e do espectador – atinge seu limite, sendo capaz de ir além dos clichês que nos impedem de ver o que o real tem de insuportável, inaceitável, que nos impede de ter uma relação direta com o real.
Deleuze nos impulsiona a pensar nas possibilidades/impossibilidades de se extrair dos
clichês uma imagem verdadeira. Uma imagem-tempo, imagem ótico-sonora pura dos
processos formativos de professores, que não estejam paralisados pela contemplação e
pelo prolongamento da imagem-ação que remete uma coisa a outra, um modelo de
formação a outro, a uma montagem das políticas formativas que pouco mobilizam a
sensibilidade e o pensamento dos professores.
Tomando os usos e as produções de imagens no cotidiano escolar, por uma imagem-
tempo, ou imagem-cristal, importa-nos o que em coalescência entre atual e virtual, entre
a coexistência do passado e presente, atualizam processos diferenciados de formação
continuada de professores. Segundo Machado (2009, p.280)
[...] o cristal reverte a subordinação do tempo ao movimento e revela uma imagem-tempo direta. O que o visionário, o vidente vê no cristal, com seus sentidos libertados, é o tempo, é o jorro do tempo como desdobramento, como cisão em presente e passado, presente que passa e passado que se conserva: o tempo em sua diferenciação.
Consideramos, assim, a importância do par conceitual atual-virtual para uma cartografia
dos processos de subjetivação docentes mobilizados pelos usos e produções de imagens
nas redes de formação continuada de professores.
Pensamos nesta possibilidade/impossibilidade, haja vista que para Sales (2006, p.236),
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[...] o virtual expõe o transcendental, o intensivo, campo especulativo pré-subjetivo e pré-objetivo composto por uma multiplicidade de instâncias ainda informais (as diferenças, as singularidades), dimensão inconsciente, pré-linguística, problemática, pré-sensível, ligada a uma experiência real. O atual relata o empírico, o extenso, campo dos sujeitos e objetos já formados, a dimensão da própria consciência, da linguagem, das soluções, do vivido e das experiências possíveis comuns.
Ao considerar o par conceitual atual-virtual como um campo extensivo-intensivo,
pensamos como Brito (2010, s/p), que as “imagens da subjetividade são efêmeras e
transitórias” e, isto leva-nos a indagar: Em meio a tantos agenciamentos que as imagens
da subjetividade sofrem e produzem, quais as possibilidades de pensar no processo de
formação continuada como um movimento de produção e invenção de práticaspolíticas
dentro das escolas?
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar modos intensivos e inventivos para a formação continuada de professores, o
ensino e o aprendizado pela repetição diferencial dos usos e das produções de imagens
que emergem no cotidiano escolar, atualizando novas práticaspolíticas e modos de
subjetivação docente e, consequentemente outros modos de existência na educação é
possível.
É necessário transitar entre nosso saber e nossa ignorância para ir além dos modelos,
identidades e representações criadas sobre o que é ser professor, como, porque e para
que, ou seja, em suas dobras de representação e inventividades. Deleuze (2006, p.18),
diz que é “necessariamente neste ponto que imaginamos ter algo a dizer”.
8 REFERÊNCIAS
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Eduardo; CARVALHO, Janete Magalhães. Currículos, Pesquisas, conhecimentos e
produção de subjetividades. Petrópolis, RJ: DP et Alii. Vitória, ES: NUPEC/UFES,
2012.
BRITO, Maria dos Remédios. A subjetividade em desterritorialidade: traços
imagéticos formativos. Congresso Internacional de Filosofia e Educação. Caxias do
Sul, RS, maio de 2010.
15
CARVALHO, Janete Magalhães; FERRAÇO, Carlos Eduardo. Prefácio. In:
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CLARETO, Sônia Maria; NASCIMENTO, Luiz Alberto Silvestre. A sala de aula e a
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_______; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia.
Vol.1.Tradução: Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
_______; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.3.Tradução: Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1996.
ESCHER. M.C. site: www.mcescher.com. Acesso em 10/04/2013.
GALO, Silvio. Do currículo como máquina de subjetivação. In: FERRAÇO, Carlos
Eduardo; CARVALHO, Janete Magalhães. Currículos, Pesquisas, conhecimentos e
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2012.
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