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7/23/2019 FONSECA (2003) O Processo de Substituio de Importaes
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CAPTULO 11
O PROCESSO DE SUBSTITUIO DE IMPORTAES1
PEDRO CEZAR DUTRA FONSECA2
A CONTROVRSIA SOBRE AS ORIGENS DA SUBSTITUIO DE
IMPORTAES
Um dos traos mais marcantes da economia brasileira a partir de 1930 a
expressiva expanso do seu setor industrial. Este, principalmente aps 1933, comeou a
liderar as taxas de crescimento da renda e do emprego, ao mesmo tempo que as culturasde exportao sofriam os revezes da crise internacional. A crise da agroexportao criava
condies para que a economia se direcionasse preponderantemente ao mercado interno, o
que contou com a poltica econmica governamental a seu favor. Iniciou-se, assim, um
perodo de aproximadamente cinco dcadas que duraria at o final da dcada de 1970,
com a concluso dos investimentos do II PND, do governo Geisel que conhecido
comoprocesso de substituio de importaesPSI.
A Crise dos Anos 1930 como Impulso ao Processo
1Captulo publicado no Livro Formao Econmica do Brasil / Organizadores: Jos Mrcio Rego e
Rosa Maria Marques. So Paulo: Saraiva, 2003. Agradeo a Jaciara Irazoqui pelo trabalho qualificado de digitao e
correes formais deste captulo, bem como a Maria Aparecida Grendene de Souza pelas sugestes.
2Professor titular do Departamento de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul e Pesquisador do CNPq.
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Embora a origem da indstria brasileira remonte s ltimas dcadas do sculo XIX,
tendo continuidade ao longo da Repblica Velha, foi na dcada de 1930 que o
crescimento industrial ganhou impulso e passou por certa diversificao, iniciando
efetivamente o Processo de Substituio de Importaes PSI. Convm salientar, portanto,
que entende-se porsubstituio de importaessimplesmente o fato de o pas comear a
produzir internamente o que antes importava, o que ocorrera no Brasil com certa
expresso na Repblica Velha. O que usualmente denomina-se PSI, todavia, supe mais
que isto: que a liderana do crescimento econmico repouse no setor industrial, que este
seja responsvel pela dinmica da economia, ou seja, que crescentemente seja responsvel
pela determinao dos nveis de renda e de emprego. Assim, se na Repblica Velha o
setor industrial crescia induzido pelo crescimento e pela diversificao do setor
exportador, a partir de meados da dcada de 1930 a economia retomou o crescimento doproduto a despeito da crise do setor exportador, sob a liderana dos setores voltados ao
mercado interno.
A tese segundo a qual a industrializao dos pases latino-americanos vincula-se s
crises da agroexportao atribuda aos economistas da CEPAL3, principalmente a Celso
Furtado e Ral Prebisch, e vulgarmente conhecida como teoria dos choques adversos.
Esta, em sua verso mais simplificada, argumenta que as crises das atividades
exportadoras criavam condies para que a economia se voltasse ao mercado interno, sob
a liderana do setor industrial, por vrias razes:
a) a crise incide diretamente sobre o balano de pagamentos, encarecendo as
importaes e diminuindo a demanda de exportaes, deteriorando o preo dos bens
exportveis no mercado internacional e dificultando o acesso a capitais e emprstimos
3 A Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe uma das cinco ComissesRegionais das Naes Unidas, criada pela resoluo 106 (VI) pelo Conselho Econmico e Social, em 25de fevereiro de 1948 com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da Amrica Latina, coordenaras aes para a sua promoo e reforar as relaes econmicas de seus estados-membros com as demaisnaes do mundo.
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para financiar os dficits em conta corrente. Este contexto leva os governos normalmente
a recorrerem a desvalorizaes da moeda nacional, o que contribui para encarecer as
importaes, criando um mercado interno indstria nacional, ou seja, h uma mudana
de preos relativos favorvel produo domstica;
b) a crise, ensejando a contrao da arrecadao de impostos, incita os governos a
adotarem polticas monetrias expansivas para cobrir dficits oramentrios. A
dificuldade de contrair gastos no mesmo montante da queda de impostos efetiva-se
inclusive por razes polticas, j que as crises so normalmente acompanhadas pelo
crescimento do descontentamento e aumento das presses de diversos segmentos sociais,
inclusive por crdito, por parte dos setores empresarias mais afetados. A poltica
monetria expansiva contribui para baixar as taxas de juros, favorecendo os setores
voltados ao mercado interno, incentivando o investimento e a ampliao da produodomstica;
c) a crise, ao estreitar a arrecadao de impostos e simultaneamente ocasionar
dficits na balana comercial, cria condies para que os governos majorem as tarifas
sobre os importados, contribuindo, em decorrncia, para alterar os preos relativos em
favor da produo nacional.
Evidencia-se, portanto, que a crise da agroexportao induz ao crescimento
industrial por forar o governo a adotar polticas voltadas a resolver problemas em seu
prprio mbito, como os dficits pblico e do balano de pagamentos. Para tanto, atua em
variveis bsicas, como as taxas de cmbio, de juros e de impostos, contribuindo para
incentivar a industrializao. Neste caso, a teoria dos choques adversosno restrita to
somente idia de que a crise da agroexportao favoreceu, por si s, o crescimento
industrial. A mesma s comea a dar conta do incio do PSI quando se tem presente que,
crise estrutural da agroexportao, denunciada pelo mercado, somaram-se polticas
econmicas capazes de, associadamente, empolgarem uma ampla reorientao da
economia.
No caso brasileiro, algumas peculiaridades ajudam a reforar esta associao
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Mercado/Estado para imprimir novo direcionamento economia. Entre as quais,
destacam-se:
a) do lado do mercado, cabe destacar no s o crescimento e a razovel
diversificao da produo industrial ocorrida na Repblica Velha, ainda no seio da
economia cafeeira, que j manifestava tendncia a crises cada vez mais freqentes e
duradouras. Tratava-se de uma crise estrutural, de longo prazo, pois desde o incio do
sculo XX esta cultura precisava de medidas intervencionistas para garantir a
lucratividade do setor, por exemplo, o Convnio de Taubat, de 1906, que consagrava o
intervencionismo no mercado do caf, as caixas de converso e de estabilizao, sem
contar as desvalorizaes cambiais recorrentes. As baixas elasticidade-preo e
elasticidade-renda do caf, associadas expanso desenfreada da oferta criavam uma
situao insustentvel a longo prazo. Nas palavras clssicas de Celso Furtado, ao seprevalecerem desta situao semimonopolstica para defenderem os preos, estavam eles
destruindo as bases em que se assentar o seu privilgio4;
b) j do lado do governo, preciso destacar que no Brasil, durante a Repblica
Velha, consagrara-se a frmula do federalismo fiscal. Esta, associada a um
presidencialismo que repousava em grande parte no controle do voto pelos governadores
dos estados, significava, em matria de tributao, que os impostos de exportao ficavam
a cargo dos estados, enquanto cabia ao governo federal os impostos sobre importao.
Isso foi praticamente uma exigncia paulista por ocasio da proclamao da repblica e
resultava num alto grau de autonomia s oligarquias mais fortes frente ao governo federal;
ao mesmo tempo que, atrelando as receitas deste ao desempenho das importaes,
atrelava-as indiretamente ao prprio desempenho do setor exportador.
Dessa forma, a crise no balano de pagamentos tornava-se, ao mesmo tempo, uma
crise nas finanas pblicas. A desvalorizao cambial, a expanso monetria e as tarifas
alfandegrias eram respostas do governo federal deteriorao de suas finanas, o que
4FURTADO. C. Op. cit., p. 183.
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induz a crer que, pela teoria dos choques adversos, a industrializao no se constitua em
propriamente uma opo, ou fruto de uma conscincia poltica explcita de um grupo
dirigente vinculado aos interesses industriais, mas decorrncia no planejada da forma
com que as crises eram enfrentadas. As crises da agroexportao j se verificavam antes
de 1930; mas fora justamente a desencadeada nesta dcada que, por sua magnitude e
profundidade, foi capaz de redirecionar definitivamente a economia. Nas palavras de
Prebisch:
A grande depresso mundial marca definitivamente o fim desta forma de desenvolvimento (...).Ante a impossibilidade de manter o ritmo anterior de crescimento das exportaestradicionais, ou de o acelerar, impe-se ento a substituio de importaes principalmentedas indstrias para contrabalanar essas disparidades, e inicia-se assim o desenvolvimentopara dentro dos pases latino-americanos5.
Essas so tambm as linhas gerais da clssica interpretao de Celso Furtado noscaptulos 30 a 33 do livro Formao Econmica do Brasil. Segundo esta, o governo
federal, ao comprar o excesso de caf decorrente da crise, agiu de forma que os preos do
produto se sustentassem, no permitindo que cassem tanto quanto cairiam caso no
houvesse essa interveno. Assim, o governo teria optado por uma poltica de expanso
creditcia para fazer frente crise, em vez de implementar um programa de austeridade
nos moldes ortodoxos. Como conseqncia, fazia uma poltica de cunho keynesiano de
sustentao da demanda agregada e do emprego, no s na cultura cafeeira, mas, pelo
efeito multiplicador, em todo o complexo econmico que crescera em sua volta.
Para implementar esta poltica expansiva em contexto de crise, o governo no
poderia contar com emprstimos externos. Da resultava uma conseqncia indesejada, j
que a expanso creditcia, ao manter relativamente o nvel de renda nominal, mantinha o
nvel de importaes enquanto as exportaes passavam por forte contrao. Assim, a
poltica expansiva acabava por repor o estrangulamento externo, forando adesvalorizao do mil-ris, alterando os preos relativos entre os bens importados e os da
5PREBISCH. Op. cit., p. 86.
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produo domstica. Criava-se, portanto, uma situao praticamente nova na economia
brasileira, que era a preponderncia do setor ligado ao mercado interno no processo de
formao de capital6. Abria-se espao, assim, para o rompimento com a Antiga Diviso
Internacional do Trabalho (ADIT), que reserva aos pases perifricos, na linguagem da
CEPAL, o papel de fornecedores de alimentos e matrias-primas agrcolas aos pases
centrais.
Os Limites da Crise para Explicar a Industrializao
Apesar da argumentao convincente das teses que defendem as crises e o
estrangulamento externo como fatores desencadeadores do PSI verificado a partir de
1930, vrias crticas surgiram enfocando seus fundamentos, inclusive com alternativas de
interpretao. Boa parte destas explora a radicalidade simplificadora da dicotomia
cepalina economia agroexportadoraversus substituio de importaes, que tem
1930 como marco divisrio. Inicialmente explicitada de forma incisiva por C. M. Pelez,
posteriormente foi enriquecida com outros argumentos e parcialmente aceita pelos
economistas cepalinos.
Para embasar suas crticas teoria dos choques adversos, um procedimento
metodolgico desta abordagem crtica consiste em no s mostrar que a indstria j
existia e tinha relativa importncia antes de 1930, bem como negligenciar o crescimento
industrial posterior a esse ano. Assim, perde sentido entender-se a substituio de
importaes como um processo iniciado em 1930, quando a indstria transforma-se em
centro dinmico da economia: ao contrrio, o PSI visto como um processo lento e
gradual, originado no seio da economia agroexportadora e em decorrncia de seucrescimento e diversificao.
6FURTADO. Op. cit., p. 197.
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Essas teses podem, com certa licenciosidade, serem denominadas como
industrializao induzida pelas exportaes. Em uma verso mais simplificada, elas
advogam que o efeito rendadas exportaes de caf, com a gerao de riqueza, capital,
mercado e infra-estrutura estradas de ferro, portos, eletrificao e economia urbana em
geral , criava condies para a industrializao, associando-a prpria necessidade de
diversificao da riqueza, principalmente do comrcio importador e exportador, um dos
setores de maior lucratividade no contexto da agroexportao. Em verses mais
sofisticadas, mostram que a revoluo burguesa brasileira, para usar a expresso de
Florestan Fernandes, j estava em processo bastante adiantado no alvorecer do sculo XX,
aps contornar as principais barreiras que se antepunham a seu desenvolvimento, como a
escravido, em termos econmicos, e a monarquia que lhe assegurava sustentao
poltica. Em adio, cabe mencionar que vrios estudos mais recentes tm mostrado acomplexidade social das primeiras dcadas do sculo XX, inclusive com movimentos
sociais urbanos de vulto, como as greves de 1917, de alcance nacional, os quais seriam
inconcebveis numa economia estritamente agrria.
Quanto poltica econmica da dcada de 1930, Pelez procurou contestar Furtado
no que tange s medidas que anteciparam a teoria keynesiana, voltadas sustentao de
gastos pblicos como poltica anticclica. Furtado havia argumentado que se havia
praticado no Brasil, inconscientemente, uma poltica anticclica de maior amplitude que
a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos pases industrializados7. Mas esta
anlise sustentava-se na expanso monetria e creditcia como alternativa heterodoxade
financiamento, j que aumentava o dficit em plena crise, violando o preceito clssico das
finanas sadias.
Pelez, entretanto, procurou evidenciar que foi principalmente recorrendo a novos
tributos sobre o caf, e no ao crdito, que o governo financiara sua poltica. Assim, a
soluo foi buscada dentro do prprio setor cafeeiro. J em fevereiro de 1931, o governo
7FURTADO. Op. cit., p. 192.
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federal comprou parte do caf estocado e o retirou temporariamente do mercado, tendo o
Estado de So Paulo contribudo com parte do pagamento. A seguir, criavam-se vrios
outros impostos sobre o caf, numa clara inteno de conter a oferta.
Outros autores, posteriormente, procuraram melhor precisar este debate sobre as
fontes de financiamento da poltica de defesa do caf. Fishlow, por exemplo, procurando
certa eqidistncia entre Furtado e Pelez, argumentou que tal sustentao fora possvel
devido inelasticidade da demanda do caf no mercado internacional, a qual permitiu que
parte significativa destes novos impostos fosse repassada aos consumidores estrangeiros.
Simo Silber, por sua vez, concluiu que mais de 50% das compras do Conselho Nacional
do Caf no perodo 1931-1934 foram financiadas por crdito, o que ajuda avalizar a tese
central de Furtado8.
Mas ainda h outro tipo de crtica no menos importante teoria dos choquesadversos que, indo alm da poltica econmica governamental, questiona a origem do
capital industrial e do mercado de trabalho. A pergunta clara: se verdade que a
substituio de importao teve lugar nas crises do modelo agroexportador, mais
especificamente na maior de suas crises, a da dcada de 1930, qual a origem dos bens de
capital? O estrangulamento externo e a desvalorizao cambial inerentes s crises, ao
mesmo tempo que atuavam em benefcio da produo industrial de bens de consumo,
encareciam os bens de capital e intermedirios necessrios para que esta mesma produo
se efetivasse.
O governo brasileiro, na dcada de 1930, de fato utilizou mecanismos de incentivo
indstria nascente. Cita-se, por exemplo, a criao em 1937 da Carteira de Crdito
Agrcola e Industrial do Banco do Brasil, a qual, na ausncia de bancos de fomento,
iniciava oficialmente o que o Estado s de forma pontual fizera na Repblica Velha: o
financiamento de capital fixo e de giro indstria. Menciona-se, ainda, que em 1935 o
8VERSIANI, F. e BARROS, J. R. M. de, (orgs.). Op. cit., p. 173-207.
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governo brasileiro assinou tratado de comrcio com os Estados Unidos, o qual estabelecia
vantagens a alguns produtos de exportao brasileiros caf, borracha e cacau em
troca de redues de 20% a 60% na compra de artigos industriais norte-americanos, como
mquinas, aparelhos e aos. Se, primeira vista, pode parecer uma reproduo da diviso
internacional do trabalho tradicional, com o pas perifrico buscando mercado para seus
produtos agrcolas, na verdade d para se notar j uma mudana: o pas, alm disso,
procurava facilitar no a importao de bens de consumo, mas de bens de capital e
insumos necessrios para promover a industrializao. No pode ser considerado,
portanto, um acordo que visava reproduzir in totuma ADIT, constituindo-se em ato que
permite detectar uma nova postura do governo brasileiro.
Mas a resposta bsica sobre a origem destas mquinas e equipamentos vincula-se
ao entendimento de que, j existindo indstrias no Brasil antes de 1930, no se precisavanecessariamente import-las com urgncia, pelo menos nos primeiros anos da Grande
Depresso, at a utilizao plena da capacidade instalada. Assim, pondera Versiani,
analisando o caso da indstria txtil algodoeira, um dos setores mais importantes poca,
muitas mquinas j tidas como obsoletas voltaram a operar na dcada de 1930, pois a
crise, encarecendo as importaes, garantia uma reserva de mercado ao produtor local,
viabilizando altos custos de produo e preos impensveis na poca do mil-ris
valorizado. Neste sentido, as flutuaes do cmbio, inerentes instabilidade de uma
economia agroexportadora, como a cafeeira da Repblica Velha, possibilitavam que, nos
momentos de mil-ris valorizados, houvesse facilidade s importaes de bens de capital,
enquanto nos perodos de desvalorizao cambial crescesse a produo de bens de
consumo domstico. Por isso, boa parte do empresariado nascente teve sua matriz no
comrcio importador/exportador, com experincia no s por seu conhecimento do
mercado consumidor como dos mercados fornecedores externos, alm da familiaridade
com as oscilaes e peculiaridades do mercado cambial. Cabe ainda assinalar, com base
em Versiani, que a crise no necessariamente crise para todos: os produtores com menor
custo de produo beneficiam-se na concorrncia e lhes assegurada taxa de lucro
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compensadora, principalmente com a falncia e a expulso do mercado dos produtores
marginais. Os que esto frente deste processo certamente conseguem acesso
importao de mquinas e equipamentos, inclusive porque a crise, sendo internacional,
desvaloriza o preo dos bens de capital, muitas vezes mais que compensando o efeito
altista do mil-ris desvalorizado9.
Esse tipo de abordagem certamente supera a dicotomia teoria dos choques
adversos versus industrializao induzida pelas exportaes, pois mostra que ambas
podem ser associadas para uma explicao mais acabada das fases iniciais do PSI.
Mas, alm dessas abordagens que apontam para uma relao mais complexa entre
a agroexportao e o PSI, chamando ateno para variveis tidas como de natureza
estritamente econmicas, como a infra-estrutura gerada (portos, estradas de ferro,
eletrificao), a expanso da economia urbana e do mercado, bem como os ciclos e ascrises , h outras que, em confluncia com abordagens sociolgicas e antropolgicas,
chamam ateno para aspectos no menos importantes, s vezes, decisivos para se ter
uma viso mais acurada do processo histrico.
Cabe indagar, como questionamento: como as grandes crises, como a iniciada em
1929, so internacionais, por que estas incitaram a industrializao em alguns pases
como Brasil, Argentina e Mxico, e no em outros pases da Amrica Latina? Por que o
Brasil superou positivamente a crise, aproveitando esta oportunidade histrica para
alterar seu modelo de crescimento, enquanto outros no tiveram outro caminho seno o da
regresso?
Para responder a essas questes fica desde o incio estabelecido que no bastam
nem o estrangulamento externo nem as crises: preciso que os pasespossuam certas pr-
condiespara que as crises sejam superadas voltando-se ao mercado interno e
industrializao, criando condies ao PSI. Neste aspecto, a riqueza, o capital e o
mercado interno criados pela economia cafeeira, aproveitando-se da situao quase de
9Ibid. p. 138-142.
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monoplio do Brasil no mercado internacional nas primeiras dcadas do sculo XX,
tornam-se indispensveis para explicar as possibilidades, quase sem paralelo na Amrica
Latina, para que, no aprofundamento da crise, o pas tivesse a alternativa concreta de
voltar-se produo industrial substitutiva de importaes para atender o mercado
interno. Outro exemplo que se pode lembrar o da Argentina, com a vantagem da
especializao em duas mercadorias mais nobres: a carne e o trigo.
Mais que isto: o crescimento e a expanso da economia cafeeira deu lugar ao
aparecimento de novos agentes, segmentos e classes sociais, sem os quais dificultaria ou
inviabilizaria uma reorientao da economia to profunda em to curto perodo de
tempo10.
Em primeiro lugar, a agroexportao de caf, com todas as atividades que em torno
dela se expandiram, caracterizando um processo de desenvolvimento capitalista, ensejouo aparecimento de empresrios. Neste aspecto, vale ter presente que no basta que a renda
esteja concentrada em mos de um segmento social ou de uma classe para haver
industrializao: preciso que estes homens, como agentes individuais, estejam dispostos
a investir, ou seja, aplicar esta renda monetria para reproduzi-la e expandi-la, ou seja,
investir seu capital, tendo como lgica definidora sua prpria expanso, por meio do
lucro.
A economia cafeeira paulista desde cedo, j pela metade do sculo XIX, difundira
o trabalho assalariado, em contraste com a antiga cafeicultura de base escravista, dos
bares do cafdo Vale do Paraba (RJ). Assim, ao contrrio do clssico modelo europeu
em que o capitalismo em seu nascedouro associou-se s atividades urbanas, contrastando
com o campo feudal, no Brasil as atividades propriamente capitalistas, com base na busca
do lucro e no trabalho assalariado, tiveram por epicentro uma atividade primria de
exportao. Nesta surgiu um grupo de homens que, ao longo do tempo, expandiu seus
capitais s atividades urbanas, muitas vezes no como produtores diretos, mas como
10COHN.G. Op. cit., p. 285-98.
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acionistas de firmas comerciais, de bancos e de empresas industriais, embora parte
significativa dos empresrios industriais, pelos estudos realizados at agora, tenha sua
origem vinculada mais diretamente ao comrcio importador/exportador. Warren Dean
defendeu que neste burgus imigrante que j veio da Europa com algum capital e,
desta forma, no se confunde com a massa dos imigrantes que veio para ser mo-de-obra
das fazendas de caf ou pequenos proprietrios de terra do Rio Grande do Sul , que se
encontra a matriz da burguesia industrial. Mas convm destacar que estes imigrantes em
boa parte enriqueceram no comrcio importador/exportador, de maneira que nesta
atividade, exercida j no Brasil, em que o capital expandiu-se e houve a necessidade de
diversific-lo11.
A imigrao, no entanto, colaborou para que pudesse se configurar plenamente um
processo de substituio de importaes no Brasil no s pelo lado do capital, mastambm do trabalho, ao trazer grande massa de homens desprovidos de propriedade, aptos
e dispostos ao trabalho assalariado. H de assinalar a dificuldade para que a massa de
escravos ou dos brancos pobres da sociedade escravista se constitusse em mercado de
trabalho, portando-se como homens livres em busca de um emprego em troca de salrio.
Nas palavras de Cardoso de Mello12: H homens, mas o mercado de trabalho est vazio,
porque os homens, em quantidade superabundante, no podem ser submetidos pelo
capital. Embora documentos mostrem negros trabalhando em fbricas tanto em So
Paulo como no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, a maioria expressiva era branca e
com destaque para sobrenomes italianos e alemes, especialmente nos dois primeiros
Estados.
A transformao do escravo em assalariado industrial, embora possvel, encontrava
obstculo tanto no preconceito do empresrio que atribua em boa medida os problemas
11SILVA.Srgio. Op. cit., p. 94-96.
12MELLO, J. M. Cardoso de. Op. cit., p. 77.
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scioeconmicos decorrentes da crise do escravismo origem biolgico-racial, bem como
na dificuldade de os escravos, principalmente os do campo, sujeitarem-se disciplina
rgida do trabalho de uma fbrica.
A economia cafeeira, dessa forma, por meio da imigrao e de sua prpria
expanso, resultante de seu efeito multiplicador nas atividades urbanas, foi capaz de gerar
agentes e novos segmentos sociais indispensveis a um efetivo processo de
industrializao.
A SUBSTITUIO DE IMPORTAES COMO MODELO DE
INDUSTRIALIZAO
O Estrangulamento Externo como Varivel Propulsora
Quando se analisa a substituio de importaes como um processo, est-se
chamando ateno para um fenmeno histrico bem determinado, ocorrido no tempo e no
espao por exemplo, no Brasil, no sculo XX sujeito a avanos, recuos e crises,
circundado por motivaes polticas e decises humanas, governamentais ou de mercado.
Mas o mesmo fenmeno pode ser analisado como modelo,em suas determinaes mais
gerais e abstratas, procurando reter o essencial de sua configurao e apreendendo suas
caractersticas definidoras bsicas, para tentar entender sua lgica de desenvolvimento,
sua dinmica. Neste caso, o modelo, sendo construdo com alto grau de abstrao, capaz
de abarcar vrias situaes histricas distintas e servir como alicerce para o entendimento
do PSI em qualquer pas latino-americano, ou mesmo em outras partes do mundo que
tenham se industrializado pela via da substituio de importaes. Claro que o modelo
pouco tem a contribuir para a explicao de pases que se industrializaram, mesmo
tardiamente, no sculo XX, mas no propriamente substituindo exportaes, mas
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voltando-se a mercados externos, como os chamados tigres asiticos.
Dessa forma, a anlise da substituio de importaes como modelo no d conta
da explicao mais acabada de por que e de que forma o Brasil se industrializou ao longo
do sculo XX, mas ajuda a entender determinados marcos essenciais para uma posterior
investigao mais complexa, quando, a sim, vm tona as particularidades de cada pas,
a correlao das foras polticas pr e contra a industrializao, o tipo de economia
agrria do qual partiu, o tamanho do mercado interno e a qualificao da mo-de-obra,
entre outros fatores.
A anlise da substituio de importaes como modelo foi realizada
principalmente pelos economistas cepalinos, como Ral Prebisch, Celso Furtado, Anbal
Pinto e Maria da Conceio Tavares, nas dcadas de 1950 e 1960. Mesmo que vrios
estudos posteriores tenham aperfeioado e criticado estes autores, suas anlisesconsagraram-se como ponto de partida imprescindvel para o debate. Este o caso do
trabalhoAuge e Declnio do Processo de Substituio de Importaes no Brasildivulgado
inicialmente em 1963 por Tavares, depois publicado na coletnea da autora de 1972,Da
Substituio de importaes ao capitalismo financeiro, o qual se tornou clssico por
representar a mais bem elaborada e profunda sntese do pensamento cepalino sobre o
tema e que tem a particularidade de ser, posteriormente, objeto de crtica da prpria
autora, como se ver mais adiante.
O ponto de partida definidor destas anlises consiste em entender a substituio de
importaes como resposta ao estrangulamento externo, a vulgarmente denominada teoria
dos choques adversos. As crises da agroexportao, incidindo em cheio sobre a balana
comercial, traziam tona as contradies de uma economia que, embora, voltada para
fora, no conseguia gerar divisas para manter sua pauta de importaes e pagar o servio
de sua dvida externa. Mesmo abordando este lado financeiro do problema, os
economistas cepalinos centravam suas anlises sobre o estrangulamento externo no lado
real da economia, enfatizando os problemas estruturais que acabavam se manifestando na
balana comercial, com conseqncias negativas que se alastravam para o conjunto da
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economia. Por exemplo: as dificuldades da balana comercial associava-se estrutura da
pauta de exportaes, centrada em um ou dois produtos primrios, que por sua vez eram
produzidos de forma extensiva, com baixa produtividade, em grandes propriedades
improdutivas. Assim, a estrutura agrria ajudava a explicar a pouca dinamicidade das
exportaes e as dificuldades no balano de pagamentos.
Mas por que as economias latino-americanas, nas primeiras dcadas do sculo XX,
sofriam com problemas de balana comercial, mesmo que voltadas para fora? Para
responder a essa pergunta, preciso ter presente que os economistas cepalinos tinham em
mente um modelo de economia mundial bipolarizado os pases centrais,
industrializados e desenvolvidos, lderes no desenvolvimento tecnolgico, e os pases
perifricos, agrcolas, atrasados e subdesenvolvidos. No modelo agroexportador, essa
dualidade manifestava-se internamente ao se constatar nas economias perifricas um setorexportador com vnculos ao exterior, ligado umbilicalmente aos pases centrais, mas que
no imprimia nenhum ou pouco dinamismo economiainterna13,que convivia com um
setor de subsistncia produzindo basicamente alimentos para o mercado domstico,
normalmente com tecnologia bastante rudimentar e com baixa produtividade.
As diferenas estruturais das exportaes e importaes dos pases centrais e
perifricos ajudam a evidenciar por que estes ltimos ocupavam um lugar subordinado na
diviso internacional do trabalho.
Quanto s exportaes, preciso notar que as economias centrais so tambm
exportadoras, inclusive lderes mundiais em diversos itens. O problema, portanto, no
13Note que essa interpretao vai ao encontro da teoria dos choques adversose negligencia
completamente a importncia da economia cafeeira para o processo de industrializao do Brasil.Certamente isto no se verificou com o caf paulista, mas pode ser verdade para outros pases latino-americanos, nas economias de enclave, em que as atividades exportadoras pouca irradiao causavam nosistema produtivo interno. Tambm pode ser o caso de estados nordestinos, como Pernambuco, em que aeconomia canavieira foi incapaz, por diversas motivaes histricas, de induzir a um processo deindustrializao mais amplo; ou mesmo da borracha da Amaznia, no incio do sculo XX.
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reside na atividade exportadora em si, mas no que se exporta e na forma com que estas
atividades se inserem no conjunto da economia, que efeitos so capazes de desencadear
no conjunto do sistema econmico. Ora, nos pases centrais as exportaes so
importantes mas no determinam o nvel de renda e de emprego quase exclusivamente,
como nas economias perifricas, pois nelas o investimento privado ou pblico I e G,
na equao da demanda agregada so, tal qual as exportaes (X), imprescindveis
para explicar o crescimento de longo prazo daqueles pases. Isto porque os pases centrais
so lderes na inovao e na difuso de tecnologia: no fundo, este dinamismo
tecnolgico e os ganhos de produtividade dele decorrentes que determinam sua liderana
econmica internacional, o que se reflete tanto na sua produo interna como para
exportao. Nos pases centrais no h o dualismo antes mencionado, j que a produo
para o mercado interno no substancialmente diferente da do mercado externo; esta no uma especializao, mas um desdobramento natural do progresso tecnolgico dos
pases lderes. Nestes no se pode distinguir um setor exportador quase parte da
economia interna, como nos pases perifricos.
Tais condies contrastam com as exportaes dos pases perifricos, que,
centradas geralmente em um ou dois produtos, pouco irradiam seu dinamismo
internamente. Por isso, a dualidade da diviso internacional do trabalho reproduz-se
internamente, pois se configuram dois setores, um exportador e outro de subsistncia, um
voltado para o exterior e outro para o mercado interno, com pouca ou nenhuma interao
entre ambos.
Mas as importaes dos pases centrais tambm contrastam com as dos perifricos.
Os primeiros importam basicamente produtos primrios e matrias-primas, enquanto os
segundos buscam no exterior bens de consumo industriais, bens de capital e
intermedirios. Esse perfil de comrcio exterior ensejou a mais famosa tese cepalina, a da
deteriorao dos termos de intercmbio. Segundo essa tese, o comrcio internacional
prejudicava os pases especializados na exportao de produtos primrios nas relaes de
troca com os pases industriais, pois os preos relativos dos produtos primrios no s
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caam mais nas crises que os da indstria, como havia uma tendncia de longo prazo ao
barateamento relativo deles. Os pases perifricos, portanto, apresentavam capacidade de
importar declinante o que ajuda a explicar o recorrente estrangulamento externo das
economias latino-americanas.
CAPACIDADE DE IMPORTAR = Qx. Px,
Pm
Sendo: Qx= quantidade exportada
Px= preo mdio das exportaes
Pm= preo mdio das importaes
Fica visvel que, caso os preos relativos dos produtos exportados no se alterarem com
relao aos importados, a capacidade de importar varia diretamente com a quantidade exportada. Entretanto, se os
preos dos importados crescerem mais rapidamente que os exportados, as quantidades exportadas devem ser
aumentadas para manter a mesma capacidade de importar. Assim, cada vez precisa-se vender mais produtos
primrios para comprar do exterior os mesmos produtos industriais. Esta a tese da deteriorao dos termos de
intercmbio, antiga na literatura econmica, pois j defendida pelo alemo List, no sculo XIX, e que teve em
Prebisch seu maior defensor no contexto latino-americano das dcadas de 1950 e 1960, tornando-se marca do
pensamento cepalino.
A mensagem cepalina era clara: o modelo agroexportador condenava os pases
latino-americanos estagnao e ao subdesenvolvimento. Era suas crises (os choques
adversos) que possibilitavam romper com o modelo, pois o estrangulamento externo
forava o pas comear a produzir internamente os bens anteriormente importados. Assim,
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a incapacidade de manter o fluxo de importao de produtos industriais dava ensejo a uma
mudana de modelo, e da ter incio um processo de substituio de importaes, mesmo
que isto no se desse por deliberao intencional dos governos latino-americanos, os
quais, em geral, eram vistos como mais prximos dos interesses das oligarquias agrrias
que dos setores industriais e urbanos.
O estrangulamento externo tornava-se, portanto, o principal fator desencadeador da
substituio de importaes. Para Prebisch, mais ainda, consistia na prpria razo de ser
da industrializao; tanto que, se fosse resolvido, no haveria por que insistir com a
necessidade de mudana de modelo:
Com efeito, se um pas em desenvolvimento, graas expanso dos seus mercados exteriores,consegue dar s suas exportaes um ritmo similar ao da sua procura de importaes, tercorrigido as disparidades do seu intercmbio, e no necessitar de continuar com a poltica
substitutiva de importaes14
.
O estrangulamento externo pode ser absoluto ou relativo. absoluto quando a
capacidade de importar estagnada ou declinante, como acontece nas crises. E relativo
quando a capacidade de importar cresce, mas em ritmo inferior ao da renda, uma
tendncia de longo prazo das economias especializadas na exportao de produtos
primrios. Esta diferena no apenas formal: se o estrangulamento externo for absoluto
pode inviabilizar a prpria substituio de importaes, pois impede que o pas adquira doexterior mquinas, equipamentos, insumos e outros itens indispensveis produo
industrial. Por isso, pode-se dizer que o estrangulamento externo no apenas o incentivo
e a razo de ser da substituio de importaes, mas pode-se transformar em seu limite,
pois ser barreira ao crescimento industrial caso atinja uma magnitude tal que impea
manter o fluxo mnimo de importaes necessrias ao processo produtivo industrial.
Essa dupla face do estrangulamento externo, ser simultaneamente
fator desencadeador e limitante, remete diretamente ao que significa substituio de
importaes. Trata-se de um processo de desenvolvimento que, antes de reduzir o
14PREBISCH, R. Op. cit., p. 93.
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quantumdas importaes, altera sua pauta, mudando o perfil do setor externo. Este deixa
de ser o responsvel ltimo pela dinmica econmica pela determinao da renda e do
emprego, como no modelo agroexportador , mas passa a ter uma nova funo crucial, a
de garantir o fluxo de divisas necessrio para importar outros produtos, desta vez os
necessrios a garantir a produo industrial. O termo substituio de importaes, por
isso, pode gerar equvocos e at ser imprprio, pois pode dar a entender que se trata de
um modelo ou estilo de desenvolvimento que visa levar os pases autarcia, quando, na
verdade, para se substituir algumas importaes precisa-se partir para outras, fruto da
demanda derivada, sem contar os novos itens que vo aparecendo internacionalmente e
que tendem a ingressar na pauta de importao dos pases de industrializao tardia, pois
sua indstria no acompanha o mesmo ritmo da inovao dos pases centrais.
Dessa forma, pode-se dizer que no modelo de substituio de importaes oproblema da busca de divisas ser constante, e o estrangulamento externo, antes de ser
solucionado, reaparece em cada conjuntura, o que estimula que sejam implementadas
novas ondas de substituio. A restrio da capacidade de importar exigir dos governos
contnua ateno, com o risco de inviabilizar, potencialmente, a prpria continuidade do
desenvolvimento industrial substitutivo de importaes. Nas palavras de Prebisch :
Em resumo, o processo de substituio tem de ser contnuo, enquanto no se corrigirem astendncias dspares, que no se podero corrigir caso se mantenha o presente mdulo deintercmbio. Realizadas umas substituies, sobrevm a necessidade de realizar outras, ecada vez surgem novos e crescentes obstculos15.
O PSI comea geralmente pelos bens de consumo popular, de tecnologia mais
simples e de mais fcil produo, exigindo investimentos mais acessveis e com demanda
cativa preexistente. Poder-se-ia esperar que gradualmente o pas fosse para os bens mais
sofisticados, inicialmente de consumo, depois os intermedirios e, finalmente, os bens de
capital. Mas a dinmica do modelo mais complexa. Na consagrada metfora de Tavares,
15PREBISCH, Ral. Op. cit., p. 87.
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praticamente impossvel que o processo de industrializao se d da base para o vrtice dapirmide produtiva, isto , partindo dos bens de consumo menos elaborados e progredindolentamente at atingir os bens de capital. necessrio para usar uma linguagemfigurada que o edifcio seja construdo em vrios andares simultaneamente, mudandoapenas o grau de concentrao em cada um deles de perodo para perodo16.
Assim, o processo supe uma complexidade que no pode ser entendido como
linear; embora as ondaspossam se concentrar em algumas categorias de produtos, em
cada perodo de tempo, o prprio processo produtivo exige que algumas outras categorias
sejam substitudas concomitantemente, para viabilizar a continuidade da substituio de
importaes.
Deixaremos temporariamente a anlise abstrata para ilustrar com um exemplo
histrico: no Brasil, o PSI seguiu bem de perto o modelo sugerido por Tavares. O perodo
que vai do incio da recuperao econmica da dcada de 1930 at 1955, muitas vezes
denominado de industrializao restringida, predominou a substituio de importaes de
bens de consumo popular; entretanto, na prpria dcada de 1930 o crescimento industrial
atingiu setores no tradicionais, como minerais no metlicos, metalrgica, papel/papelo
e qumica. Por outro lado, a construo da Usina Siderrgica de Volta Redonda fazia o
Brasil ingressar, em grande escala, na produo do ao, imprescindvel para o prprio
crescimento industrial. Do perodo que vai de 1956 a 1973, ou seja, de JK ao fim do
Milagre (1968-1973), a produo industrial voltou-se prioritariamente aos bens deconsumo durveis, os quais lideravam o crescimento industrial mas, consigo,
impulsionavam os setores de bens de consumo popular, os intermedirios e de capital,
cujas taxas anuais de crescimento foram menores, mas tambm significativas. Finalmente,
o PSI completa-se no Brasil no final da dcada de 1970, com a implementao do II PND
do governo Geisel, voltado a substituir importaes de bens intermedirios e de capital,
que ainda impunham barreiras produo interna. Em cada uma dessas fases houve
16TAVARES, Maria da Conceio. Op. cit., p. 46.
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determinada categoria de bens que predominou, mas a cada onda de substituio novos
bens de todas as outras categorias eram substitudos, mostrando a interdependncia
setorial do sistema econmico e as cadeias produtivas que iam se formando, envolvendo
uma complexa inter-relao entre fornecedores, compradores e consumidores das
matrias-primas e insumos bsicos aos bens finais.
Dessa forma, o PSI pode ser entendido como responsvel por mudanas de vulto
nas economias em que ocorre, ampliando e diversificando a capacidade produtiva
industrial. O centro dinmico das economias gradualmente deixa de ser o setor exportador
para repousar no mercado interno, sob a liderana do investimento privado (I) e/ou
pblico (G). Nas palavras de Tavares, trata-se de um modelo fechado pois se
desenvolve praticamente no mbito de estados nacionaisfechados ,e tambmparcial,j
que a base exportadora continua sem dinamismo, com as principais mudanas ocorrendona economia urbana e industrial, mantendo a estrutura agrria arcaica e aprofundando os
diferenciais de produtividade entre campo e cidade. O modelo, portanto, repe um novo
dualismo.
Por outro lado, o modelo, entendido inicialmente como uma sada para os pases
perifricos se contraporem diviso internacional do trabalho que lhes era perversa, teve
como resultante histrico no propriamente qualquer rompimento com a ordem
econmica internacional, antes disso, nova forma de insero, em que qualitativamente
alterava sua dependncia. A nova diviso internacional do trabalho que surge aps a
Segunda Guerra Mundial enterrar de vez a antiga dicotomia entre pases perifricos
agrrios e pases centrais industriais, j que alguns pases latino-americanos passaram
ento a conviver com acelerado crescimento industrial, sem, todavia, romper com o
subdesenvolvimento. Este subdesenvolvimento industrializado, na expresso de alguns
autores, tem no Brasil o caso mais tpico, onde a industrializao avanou sem reverter na
mesma intensidade vrios indicadores sociais, antes aprofundando a concentrao da
renda e trazendo consigo novas relaes de dependncia, principalmente financeiras e
tecnolgicas.
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Crises e Desequilbrios Potenciais do Modelo
J foi assinalado que o modelo de substituio de importaes tinha um limite
reposto em cada conjuntura, decorrente de sua prpria lgica: ao voltar-se para o mercadointerno e sem difundir a produtividade com a mesma intensidade e velocidade no setor
exportador, geralmente centrado em poucos produtos primrios, tornava o
estrangulamento externo um problema a ser recorrentemente enfrentado, freqentemente
tornando-se barreira ao crescimento industrial acelerado que, afinal, era o objetivo e a
razo de ser do prprio modelo. medida que o PSI avanava, assim, era de esperar que
ficasse cada vez mais difcil substituir novas importaes, pois crescia o volume de
capital, a qualificao da mo-de-obra e o nvel tecnolgico necessrios aos novos
investimentos.
Dessa forma, medida que o PSI se desenvolvia, vrios problemas e contradies
comeavam a aflorar, dificultando ou, em alguns pases, at inviabilizando sua
continuidade e expanso.
A esses, alm dos problemas j mencionados acima, acrescentam-se os seguintes
apontados pelos economistas cepalinos, principalmente Prebisch (1962), Furtado (1968) e
Tavares (1972):
a) No incio do PSI, o crescimento da economia trazia consigo a ampliao do
emprego e, com isso, do mercado consumidor. De fato, pode-se pressupor que a demanda
no era problema para a indstria nascente nas primeiras fases do PSI, j que justamente
seu crescimento se prendia em vir atender demanda domstica preexistente, uma vez
que, com o estrangulamento externo, no poderia ser mantido o fluxo de importaes.Nesse sentido, a demanda preexistia oferta: produzindo-se internamente, havia o
mercado domstico pronto a ser atendido.
Entretanto, ao avanar o processo, com a exigncia de maior volume de capital e
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tecnologias mais sofisticadas, poupadoras de mo-de-obra, o emprego no crescia a taxas
capazes de garantir um mercado de massas. Em outras palavras: cresciam as relaes
capital/produto (K/Y) e capital/trabalho (K/L), implicando um descompasso entre a baixa
absoro relativa de mo-de-obra e as necessidades de formao de um mercado
consumidor capaz de absorver a produo domstica;
b) medida que o processo ia avanando, cresciam as necessidades de
financiamento e de poupana argumentava-se que a falta desta era parcialmente
amenizada pela concentrao de renda , j que cada vez era necessrio maior volume
de capital. O fato de a tecnologia ser importada gerava presso sobre o balano de
pagamentos, aguando o estrangulamento externo. Mesmo com o relativo fechamento do
mercado interno, os produtores locais eram induzidos a utilizar as novas tecnologiascapital-intensivas, seja porque diminuam custos seja porque a compra de bens de capital
do exterior geralmente eram subsidiadas, sem contar que os investidores estrangeiros, ao
investirem, j traziam consigo as novas tcnicas;
c) O avano do PSI fazia tornar mais ntida a contradio do modelo de exigir, para
sua reproduo, cada vez mais capital e mo-de-obra qualificada, justamente o que
escasso na Amrica Latina, e liberar recursos naturais e mo-de-obra de baixa
qualificao, justamente o que era abundante. Nas palavras de Tavares, havia
um completo divrcio entre as funes macroeconmicas de produo (virtuais) que seriammais adequadas a uma tal dotao de recursos e aquelas que resultam por agregao dasfunes microeconmicas efetivamente adotadas pelos empresrios no processo desubstituio de importaes, face ao sistema de preos relativos existentes17;
17TAVARES, M. da Conceio. Op. cit., p. 52.
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d) Esses problemas aprofundavam-se ainda mais com a baixa produtividade da
agricultura, em contraste com a elevao da produtividade mdia das atividades urbanas e
industriais. Assim, o dualismo campo/cidade aprofundava-se e o xodo rural, seja pela
atrao pela cidade seja pela expulso do homem do campo, contribua para aumentar
ainda mais o desemprego. Dessa forma, havia populao mas no mercado (populao
com poder aquisitivo para adquirir os produtos industriais).
A baixa produtividade rural na maioria das anlises cepalinas associava-se
propriedade da terra, concentrada nas mos de latifundirios pr-capitalistas, com
mentalidade mais rentier e menos burguesa. Esse comportamento no-empresarial dos
proprietrios de terra as oligarquias rurais ajudava a endossar uma das mais caras
teses do pensamento cepalino: a da inelasticidade da oferta agrcola. Esta propunha que,
ao aumentarem os preos dos produtos primrios, por exemplo, por presso da demanda,os proprietrios de terra no reinvestissem a receita adicional na produo e na melhoria
de produtividade, que poderia, num perodo seguinte, por meio do crescimento da
quantidade ofertada, fazer os preos carem. A oferta, nessa situao, era inelstica, ou
seja, no respondia ou era pouco sensvel ao estmulo da elevao dos preos. No
sendo os empresrios os que buscavam maximizar lucros, os proprietrios de terra no
reinvestiam na produo, mas se comportavam como consumidores de bens de luxo, ou
imobilizavam sua renda e no lucro comprando novas propriedades,
preferencialmente imveis ou terras, a exemplo da antiga nobreza. A reforma agrria
tornava-se a palavra de ordem para reverter o quadro; fazia-se mister levar o capitalismo
ao campo.
Esse conjunto de teses e proposies bastante articuladas entre si formava uma
explicao bastante convincente para a crise que as economias latino-americanas
passavam no incio da dcada de 1960. O prprio artigo de Maria da Conceio Tavares,
publicado em 1963, busca entender no s o auge como o declnio do PSI, com a
percepo que esta era sua crise derradeira. Entretanto, tratava-se mais de uma crise no
modelo que do modelo, j que na economia brasileira o mesmo duraria at o final da
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dcada de 1970, com a expressiva substituio de bens intermedirios e de capital do
governo Geisel, sem contar as altas taxas de crescimento doMilagre(1968-1973), quando
ocorreu significativa substituio de importaes de bens durveis de consumo.
Entretanto, a explicao cepalina para esta crise do incio da dcada de 1960
deixava claro, de um lado, os problemas da industrializao substitutiva de importaes,
tal como vinha ocorrendo na Amrica Latina, algo no negligencivel, j que a CEPAL
consagrara-se como porta-voz dos idelogos da industrializao latino-americana. De
outro lado, o conjunto de teses possua um forte poder de seduo por sintetizar todo um
complexo de fenmenos em uma nica explicao-sntese, j que todo o diagnstico
apontava para a perda de dinamismo do modelo causada pela estreiteza do mercado vis--
vis a alta tecnologia empregada, do que resultava uma tendncia estagnao ou
subconsumo.
SUBCONSUMISMO
Nome pelo qual so designadas as teses que, sob diferentes argumentos, responsabilizam a falta de
consumo como principal causa das crises. Geralmente, considera-se que o francs Sismondi, no incio do sculo
XIX, foi o precursor do subconsumismo, ao afirmar que na sociedade capitalista industrial nascente havia uma
tendncia do crescimento da oferta, impulsionado pela produtividade, muito superior ao do mercado consumidor,
pressionado pelos salrios de subsistncia. O subconsumo, assim, causaria crises de superproduo. O mais famoso
subconsumista, no entanto, Malthus, que adicionou aos argumentos a tendncia a poupar e a entesourar, que
tambm conspirariam para a estreiteza dos mercados. H verses marxistas das teses consumistas, que exploram a
tendncia pauperizao da classe trabalhadora em contraposio a uma tendncia de aumento de produtividade
impulsionada pela concorrncia intercapitalista, o que geraria um excesso de produo sobre a demanda. Esta seria
uma explicao para a acirrada busca de mercado por parte dos pases lderes, responsvel pelas guerras e pelo
imperialismo.
As teses subconsumistas conseguiram adeptos na Amrica Latina na dcada de 1950 a
1960. Defendia-se, ento, que para a indstria latino-americana crescer era preciso ampliar o mercado interno: j que
constituda majoritariamente por bens de consumo popular, argumentava-se que s poderia crescer e se expandir se
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houvesse aumentos salariais e/ou que se incorporassem novos segmentos ao mercado consumidor, por meio de
medidas redistribuidoras de renda. Assim, faziam-se necessrias reformas estruturais voltadas redistribuio de
renda e ampliao do mercado consumidor, como as reformas agrria e educacional. Note-se que, dentro deste
diagnstico, o subconsumismo no se opunha ao capitalismo e economia de mercado, mas propunha um conjunto
de medidas redistributivas de maneira a viabiliz-lo e torn-lo mais harmnico e equilibrado socialmente.
Configurava-se, assim, uma anlise crtica do modelo de substituio de
importaes. Diferentemente de seus tradicionais opositores, de tradio mais liberal, que
sempre diagnosticavam os problemas de desemprego, inflao e de balano de
pagamentos como decorrentes da prpria lgica intervencionista do modelo, que violava a
lei das vantagens comparativas no plano externo e criava um empresariado protegido e
avesso concorrncia, dependente de subsdios e tarifas alfandegrias, agora a crtica
partia dos prprios cepalinos. Assinalava-se, por exemplo, e de forma muitas vezes
idealizada, o contraste entre a industrializao tal como ocorrera na Europa, que iniciara
com pequenas empresas, baixa tecnologia, mercado estreito e utilizando menos capital e
mais mo-de-obra e que, gradualmente, adotava novas tecnologias medida que o prprio
mercado crescia, indo em direo a uma formao econmico-social mais harmnica e
equilibrada, bastante diferente do dualismo latino-americano.
Na Amrica Latina, a tecnologia importada associava-se a um mercado estreito, a
uma baixa organizao sindical e a uma estrutura agrria arcaica, o que resultava num
capitalismo desequilibrado, onde o subconsumo coexistia com inflao e desemprego. Da
a existncia de:
Inflao estrutural, pois decorrente da prpria estrutura fundiria (a
inelasticidade da oferta agrcola) e da incapacidade de o Estado aumentar as receitas, seja
por presso poltica dos segmentos de altas rendas seja por sua incapacidade de cortar
despesas, frente ampliao das demandas sociais decorrentes da rpida urbanizao e da
prpria necessidade de estimular o desenvolvimento; e
Desemprego estrutural, pois mesmo nos pases com as mais expressivas
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taxas de crescimento industrial, como Brasil, Argentina e Mxico, o setor secundrio no
conseguia absorver a populao que migrava para as cidades. Mesmo que todo o estoque
de capital mquinas e equipamentos da indstria estivesse plenamente empregado,
havia uma parte da populao estruturalmente desempregada. Tratava-se de problema
mais srio que o desemprego involuntrio keynesiano, pois este supe coexistncia com
capacidade ociosa, de modo que polticas de estmulo demanda agregada poderiam,
simultaneamente, aumentar o emprego do trabalho e do capital. O desemprego estrutural
da mo-de-obra evidencia o desequilbrio das economias latino-americanas, j que pode
ocorrer com pleno emprego do capital. Reflete a escassez deste, de modo que s polticas
de longo prazo, centradas no desenvolvimento econmico, poderiam reverter este quadro.
Dessa forma, seja nas etapas iniciais ou mesmo nesta primeira grande crise do PSI,
ocorrida no incio da dcada de 1960, a CEPAL no deixou de reafirmar sua propostabsica para reverter o subdesenvolvimento: a industrializao acelerada, mesmo que cada
vez mais difcil. Para vencer esses obstculos, fazia-se necessrio um Estado atuante,
capaz de planejar, antever e investir para evitar os pontos de estrangulamentoque iriam
aparecer medida que o processo fosse avanando, por exemplo, a eletricidade, que
precisa ter a demanda prevista antecipadamente para que a oferta possa se expandir em
tempo de no obstar o crescimento dos demais setores da economia.
Crticas ao Modelo Cepalino
A previso de estagnao econmica dos economistas cepalinos no se confirmava
medida que passavam os anos da dcada de 1960, ao mesmo tempo que golpes militaresem vrios pases latino-americanos inviabilizavam suas propostas reformistas. O Brasil,
caso tpico, comeava um grande ciclo de crescimento econmico a partir de 1968,
inclusive com inflao relativamente baixa e aumento expressivo da produo e da
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produtividade agrcolas, o que se chocava com as principais teses cepalinas, pois no se
implementara a reforma agrria.
Dentro desse contexto, novas interpretaes sobre a formao histrico-econmica
latino-americana e sobre o PSI emergiram. As primeiras crticas teoria dos choques
adversos, mencionadas no incio deste captulo, remontam a essa poca. Apenas para fins
de ilustrao, mencionar-se-o outras teorias crticas s concepes cepalinas,
principalmente aquelas que mais de perto dizem respeito ao modelo de substituies de
importaes.
a) a teoria do bolo: esta afirma, em um aforismo, que preciso crescer o bolo para
depois distribuir, e foi largamente utilizada, implcita ou explicitamente, pelas equipes
econmicas dos governos militares como forma de criticar tanto as polticas salariais
consideradaspopulistasdos governos anteriores a 1964, quanto para legitimar o abandonodas reformas distributivistas. Seus fundamentos bsicos residem nas concepes clssicas
que postulam ser a poupana pr-requisito ao investimento, bem como em teorias de
desenvolvimento econmico como a de Rostow, que entende este como resultado de uma
sucesso de etapas necessrias, sendo que as fases iniciais exigem sacrifcios sociais para
que seja possvel uma arrancada, capaz de romper o crculo vicioso do
subdesenvolvimento. Havia forte apelo ao senso comum: nenhum pas pode distribuir
renda sem t-la, de modo que o sacrifcio presente seria compensado pela gerao futura;
b) a teoria da dependncia: em sua verso mais conhecida e acabada, proposta por
Cardoso e Faletto em 1970, inspirava-se em Marx e Max Weber para, numa anlise de
cunho sociolgico, repensar a formao histrico-social latino-americana. Criticou os
economistas cepalinos por subestimar as variveis polticas em suas anlises, como as
classes sociais e suas relaes com o Estado, entendendo este como vinculado
correlao de foras sociais que se organizam e se expressam por meio da poltica. A
teoria da dependncia chamava ateno para as foras internas como condicionantes do
processo histrico que, com vnculos ao exterior, estabelecem elos de dependncia e
associao. Dessa forma, considera ultra-simplificado o modelo cepalino de centro
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versusperiferia, deslocando o foco da anlise da polaridade pas contra pas a
questo nacional para as classes e interligaes concretas verificadas no processo
produtivo, capazes de aproximar segmentos locais com associados externos. A teoria da
dependncia, finalmente, passava a defender muitas economias latino-americanas, como a
brasileira, que no estavam estagnadas nem condenadas estagnao, antes passavam por
acelerado processo de desenvolvimento capitalista ao longo do sculo XX, processo este
capaz de mudanas histricas de vulto como a industrializao e que ocorria sem
romper com seu carter subordinado na diviso internacional do trabalho, como
prescrevera a CEPAL; ao contrrio, desenvolvimento e dependncia eram fenmenos
antes coexistentes que excludentes;
c) a crtica razo dualista: deve-se fundamentalmente a Francisco de Oliveira(1981) que, em uma perspectiva marxista, critica as teorias do subdesenvolvimento
cepalinas por ignorarem as determinaes do modo de produo capitalista na formao
do capitalismo perifrico, marginalizando perguntas do tipo a quem serve o
desenvolvimento econmico capitalista no Brasil? O dualismo entre um setor modernoe
outro atrasado criticado, j que o moderno cresce e se alimenta da existncia do
atrasado, devendo-se salientar no uma dicotomia formal entre ambos, mas a unidade de
contrrios;
d) as anlises do ciclo endgeno: A primeira crtica s teses cepalinas a partir de
dentro apareceu em 1972, com o trabalhoAlm da Estagnaode Tavares e Serra (1972).
Tratava-se fundamentalmente de negar que haveria uma tendncia estagnao da
economia, j que a relao K/Y no necessariamente cresceria sempre, pois as novas
tecnologias podiam ser poupadoras de capital, uma vez que os preos relativos de novas
mquinas e equipamentos podem cair, com relao aos antigos, alm de terem,
geralmente, mais produtividade. Esse aumento de produtividade elevaria as taxas de lucro
esperadas, mantendo o nvel de investimento e de produo.
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Mas a crtica mais acabada ao subconsumismo deu-se com a
utilizao, pela prpria Tavares (1978, 1986), do modelo de Kalecki para interpretar a
economia brasileira. Este conclui, a partir de determinadas hipteses como curto prazo,
em que tecnologia e estoque de capital so dados, alm da existncia de capacidade
ociosa que os lucros independem dos salrios, j que, para o conjunto do sistema
econmico, os lucros se igualam ao investimento mais o consumo capitalista (ou: P = I +
Cc). Dessa forma, poderia haver crescimento do produto mesmo com rebaixamento dos
salrios reais dos trabalhadores, pois a demanda efetiva poderia ser mantida pelos
prprios capitalistas e pelas camadas de mais altas rendas alm da exportao. Assim, no
haveria mais espao para o subconsumismo das teses cepalinas, que advogavam a
ampliao do mercado interno como necessria para o crescimento econmico.
No modelo tridepartamental de Kalecki, o Departamento 1, D1produz os bens decapital, o D2produz os bens de consumo dos capitalistas e o D3,os bens de consumo dos
trabalhadores; supe-se que os bens intermedirios sejam produzidos nos mesmos
departamentos dos bens finais a que se destinam. Somente o D3 perderia com a
concentrao de renda, j que para seus capitalistas o salrio era ao mesmo tempo custo e
demanda. Num padro de renda concentrada, em que o D1 articula-se com o D2 nos
setores dinmicos da economia como sugeria ser a partir de 1955, como Plano de
Metas de JK at, pelo menos, o final doMilagre, os salrios so apenas custos, pois os
capitalistas no mais deles dependem para realizar sua produo:
Ou seja, o problema do antagonismo entre consumo dos trabalhadores e acumulaoencontra uma soluo dinmica mediante uma acelerao da taxa de acumulao, queacarreta uma acelerao do consumo dos trabalhadores, embora em ritmo inferior18.
O modelo de Kalecki, por outro lado, associou-se a contribuies de outros
autores, como Marx e Schumpeter, para ensejar nova interpretao economia brasileira,principalmente durante o PSI. O perodo de 1933-1955 visto como de industrializao
18TAVARES. Op. cit., p. 50.
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restringida, pois, embora a liderana da acumulao estivesse no setor industrial, estava
restrita ao D3, s reproduzindo o capital varivel, ou seja, a fora de trabalho. Nas
palavras de Cardoso de Mello, a partir de 1933 pode-se dizer que,
H industrializao, porque a dinmica da acumulao passa a se assentar na expansoindustrial, ou melhor, porque existe um movimento endgeno de acumulao de capital emque se reproduzem, conjuntamente, a fora de trabalho e parte crescente do capital constanteindustriais; mas a industrializao se encontra restringida, porque as bases tcnicas efinanceiras da acumulao no so suficientes para que se implante, num golpe, o ncleofundamental da indstria de bens de produo, que permitiria capacidade produtiva cresceradiante da demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento industrial19.
Somente com o bloco de investimentos do Plano de Metas, a partir de 1955,
encerrar-se-ia esta fase da industrializao restringida, com a instalao da grande
indstria de base, a qual permitia a reproduo do capital constante os bens de capital.
A partir de ento, os ciclos da economia passariam a ser determinados endogenamentepela expanso e diversificao do setor industrial, como em qualquer economia
capitalista.
Ressalta-se que essa nova concepo mantinha a periodizao cepalina ao
privilegiar a Grande Depresso como fundamental para o processo de industrializao do
Brasil: no mais com a velha polaridade entre desenvolvimentopara foraepara dentro,
mas porque a comeava efetivamente um processo de industrializao, com o
crescimento do setor industrial libertando-se da dependncia que o atrelava, direta ou
indiretamente, pelo lado da realizao dos lucros, economia cafeeira20. Entretanto, o
rompimento significativo em vrios aspectos: a) ao trazer baila, como central, no a
substituio de importaes em si, mas o entendimento do processo como constituio
das foras produtivas capitalistas, o que passa a privilegiar os fatores internos em busca
da determinao de ciclos endgenos; b) ao admitir a importncia da economia cafeeira
para o surgimento das primeiras indstrias, ainda na fase agroexportadora; c) ao romper
19MELLO,J. M. Cardoso de. Op. cit., p. 110.
20Ibid. p. 111.
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com a viso antes sintetizada com a metfora do edifcio, em que o PSI no poderia ir
linearmente da base para o vrtice da pirmide; a incisiva afirmao de que a indstria
estava restringidaaos bens de consumo surpreende ao negligenciar justamente uma das
idias mais ricas do processo expressas por Furtado, Prebisch e pela prpria Tavares; d)
mesmo que as novas teses no ignorem os condicionantes externos, ao lerem o processo
histrico centrados na busca de ciclos endgenos, acabaram por negligenciar um aspecto
fundamental que a CEPAL tinha a seu favor: trabalhar com economia aberta, mesmo com
o modelo simplificado de relao centro/periferia, com o que ressaltava, j em primeira
mo, a insero internacional do pas, o estrangulamento externo, os problemas
recorrentes do balano de pagamentos e as dificuldades de absoro tecnolgica
questes cruciais no contexto histrico do PSI.
Como decorrncia, o estrangulamento externo perde o papel-chave que ocuparanas teses cepalinas, e o PSI enfocado no tanto com a singularidade que estas buscavam
enfatizar da tardia industrializao latino-americana, j que o novo marco terico
passvel de reproduzir, com alto grau de abstrao, qualquer economia capitalista.
O PROCESSO DE SUBSTITUIO DE IMPORTAES NA ERA DE
VARGAS
O Perodo 1930-1937 e a Mudana de Modelo
Quando Vargas tomou posse como chefe do Governo Provisrio, em
novembro de 1930, fruto do movimento revolucionrio iniciado no ms anterior, pois sua
chapa, a Aliana Liberal, havia sido derrotada nas urnas pelo situacionista paulista Jlio
Prestes, o Brasil j se encontrava mergulhado em profunda crise econmica, que
internacionalmente j iniciara h mais de um ano. Em 1931-1932, as importaes
perfaziam um tero de seu valor de 1928, e as exportaes caram quase a metade. A
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queda da capacidade de importar foi de cerca de 40% 21.
Diante desse quadro, o governo federal, aps uma breve tentativa de uma poltica
cambial liberal, reintroduziu o monoplio cambial no Banco do Brasil e estabeleceu
critrios de prioridades cambiais no mercado de divisas, priorizando compras oficiais,
pagamento do servio de dvida pblica e importaes oficiais, alm de decretar
sucessivas moratrias de dvidas em moeda estrangeira. Esse intervencionismo durou pelo
menos at 1934, quando foi afrouxado. Alm disso, promoveu a desvalorizao do mil-
ris, que perdeu mais de 50% do seu valor com relao ao dlar somente entre 1930 e
193122.
Enquanto isto, os estoques de caf se avolumavam: somente no Estado de So
Paulo, calcula-se, havia 18 milhes de sacas estocadas e a nova safra prevista para 1931
era de 17,5 milhes; diante de uma demanda externa de 9,5 milhes, o excedente de ofertasobre a demanda externa era de 26 milhes de sacas. O governo, em abril de 1931,
decidiu criar um imposto de 10shillingssobre cada saca de caf exportada, receita com a
qual faria um fundo para comprar o excedente; em dezembro do mesmo ano, elevou-o
para 15 shillings. Estabeleceu ainda um imposto de 20%, em espcie, sobre o caf
exportado e outro de 1 mil-ris sobre cada novo cafeeiro plantado no Estado de So
Paulo. Alm disso, comeou a destruio dos estoques, que iniciou em cerca de 10% da
safra de 1931-1932 at alcanar 40% da de 1937-1938, estimando-se que, no total, foram
destrudas 70 milhes de sacas. Assim, pode-se afirmar que o intervencionismo
econmico da dcada de 1930 comeou no pela indstria, mas no mercado do caf, cuja
poltica era traada, a partir de 1933, pelo Departamento Nacional do Caf, cujos diretores
eram nomeados pelo Ministro da Fazenda.
A poltica do governo, de proceder desvalorizaes cambiais, ao mesmo tempo que
tributava as exportaes e tentava impedir o aumento da produo de caf, afastava-seda
21ABREU. Op. cit., p. 74.
22Ibid. p. 74.
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tradicional prtica da Repblica Velha, de no sinalizar aos cafeicultores que sua
atividade era problemtica a longo prazo. Ao contrrio, conseguia simultaneamente
segurar em parte os preos sem estimular a oferta, ao mesmo tempo que colaborava para
que o caf perdesse peso na pauta de exportaes e que esta se diversificasse. De fato, no
perodo 1934-1939 o caf alcanou 47,8% do valor das exportaes, em contraste com
72,5% do perodo 1924-1929, enquanto o algodo crescia de 1,9% para 17,6%, de um
para outro.
Os dois primeiros anos da dcada de 1930 foram os mais difceis; em 1933, mesmo
com o estrangulamento externo, a economia comeava a se recuperar, sob a liderana do
setor industrial, que cresceu 11,2% anuais entre 1933-1939, enquanto a agricultura
alcanava pouco mais de 2% entre 1934-1937, para uma taxa mdia da economia, neste
ltimo perodo, de 6,5% ao ano.Embora os ramos tradicionais, como alimentos, txtil e bebidas representassem de
70% a 80% do valor agregado industrial, no que confirma a interpretao de que a mesma
estava centrada na produo de bens no durveis de consumo o D3de Kalecki , de
forma alguma pode-se concluir que estivesse restringidaa ele. Os segmentos industriais
que mais cresceram entre 1933-1939 conquanto muitas vezes partissem de uma base
pequena, o que torna qualquer crescimento percentualmente expressivo foram os de
papel e papelo, metalrgica e minerais no metlicos, enquanto entre 1932-1937 a
produo fsica de ferro gusa aumentava 240%, a de ao em lingotes 123% e a de
laminados 142%23.
A poltica econmica do perodo no confere razo s teses que vem
ortodoxia na poltica econmica implementada pelo governo, como as de Pelez. Este
fixa-se no oramento superavitrio proposto pelo governo entre 1931-1933 e em algumas
declaraes ministeriais, para defender que os dficits oramentrios existentes na
23VILLELA e SUZIGAN. Op. cit., p. 216.
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execuo oramentria deveram-se Revoluo Paulista de 1932 e s secas do nordeste
daquele ano, que inclusive foraram uma expanso monetria no planejada, pois o
governo era comprometido com o princpio ortodoxo das finanas sadias. Assim, os
dficits eram no planejados, nada tendo a ver com a poltica keynesiana enaltecida por
Furtado. Entretanto, preciso esclarecer que as declaraes oficiais nem sempre foram
ortodoxas, como mostram os discursos de Vargas no perodo, bem como no pode restar
dvida no que diz respeito poltica econmica efetivamente implantada, profundamente
intervencionista, principalmente no mercado cambial e da produo/exportao de caf
portanto, do que havia de mais relevante poca para intervir e inovar, como na
destruio do produto.
Apesar de todas as discusses na literatura, pode-se ainda concluir que a clssica
interpretao de Furtado sobre o carter anticclico e keynesiano, mesmo antes da TeoriaGeral,acerta no essencial, j que o governo, na prtica, tolerava os dficits e intervia no
mercado para assegurar preos, embora no da forma tpica proposta por Keynes, de
investimentos pblicos no produtivos, mas comprando e destruindo estoques de caf.
Alm disso, a proposta essencial de Furtado continua em p, que o efeito multiplicador
desta poltica no conjunto do sistema econmico e, em especial, na indstria, dirigindo-o
para dentroconfirmando, apesar de todas as crticas e novas teses, que o estrangulamento
externo da dcada de 1930, em pases como o Brasil, contribuiu decisivamente para
incrementar o PSI.
Entretanto, as evidncias no corroboram as teses cepalinas segundo as quais a
poltica econmica era executada exclusivamente como forma de o governo sobreviver
aos choques adversos, administrando-os. Estas tm subjacentes a tese de que a poltica
pr-industrializao foi no-intencional, conseqncia inesperada, quando na verdade
outras iniciativas governamentais revelam o contrrio. Neste aspecto, deve-se ter a
precauo necessria ao analisarem-se declaraes de autoridades, muitas vezes em tom
moralista e austero, mais como exigncia do cargo que reflexo de sua prtica efetiva. Da
mesma forma, no se poderia esperar que a conduo das polticas monetria, cambial e
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fiscal tivessem de ser sempre linearmente expansiva e pr-industrializante, ignorando-se
as dificuldades de conjunturas de crise, que s vezes exigem medidas restritivas por
decorrncia da poltica de estabilizao, a despeito das convices desenvolvimentistas
dos dirigentes.
Quanto conscincia e intencionalidade das polticas, vale assinalar: a) a reforma
tributria de 1934, de carter protecionista e em acordo com as propostas defendidas por
lideranas empresariais da poca; b) em 1931, o governo probe a importao de
mquinas para certas indstrias e, por presso empresarial, prolonga-a at 1937, numa
clara proteo s indstrias j instaladas; c) a concesso de crdito ao setor industrial
mostra uma tendncia crescente na dcada de 1930, culminando em 1937 com sua
oficializao por meio da criao da Carteira de Crdito Agrcola e Industrial do Banco
do Brasil; d) a criao de diversos rgos, no aparelho do Estado e sob a hegemonia doexecutivo, voltados diversificao agrcola e a beneficiar a agroindstria (Instituto do
Acar e do lcool, do Cacau da Bahia, de Biologia Animal, de Qumica, entre outros,
numa poltica de praticamente criar para cada produto relevante um instituto); e) a
reforma educacional, proposta por Francisco Campos, que privilegiava o ensino tcnico e
profissional e reformava o ensino tradicional da Repblica Velha, preparador de elites e
centrado em disciplinas como Latim, Francs, Filosofia, Literatura e Histria, em prol de
outro, mais voltado s cincias e formador de profisses (curso Normal, para preparar
professores primrios, cursos tcnicos agrcolas e comerciais, nfase s engenharias e a
formao de mo-de-obra de escritrio economia e contabilidade no nvel superior;
f) a legislao trabalhista, implementada desde a criao, j em novembro de 1930, do
Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio no dizer de Vargas, o Ministrio da
Revoluo e que mostra a conscincia da necessidade de legalizar e administrar os
conflitos sociais urbanos, apontando para um projeto de nao no mnimobastante diverso
da tradicional viso agrarista e exportadora das elites24.
24FONSECA. Op. cit., p. 204-212.
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Esse grau de conscincia pr-industrializante no estava presente na formao da
chapa oposicionista da Aliana Liberal, em 1929, mas foi sendo construdo ao longo da
dcada de 1930. Contou, de um lado, com o apoio decisivo do exrcito, por meio dos
tenentes que, de rebeldes na Repblica Velha, passavam a ocupar postos relevantes na
poltica, medida que parte dos antigos polticos oligarcas eram excludos do centro do
poder. Vale assinalar, ento, que as foras polticas que constituram aAliana Liberal
polticos civis tradicionais, descontentes com o situacionismo e com a imposio, por
parte de Washington Lus, do paulista Jlio Prestes para suced-lo , no coincidem com
as que resolveram em 1930 partir para um levante armado, a revoluo. Boa parte dos
aliancistas no pretendia partir para esta aventura, afinal bem-sucedida, e sem o apoio das
foras armadas dificilmente o golpe de estado se consolidaria. A partir da, a participao
dos militares na poltica torna-se uma constante, inclusive na deposio de Vargas, em1945.
O governo procurou legitimar-se com nova constituio, em 1934, atendendo
reivindicao da oligarquia paulista, mas a Constituinte elegeu Vargas Presidente da
Repblica, por meio do voto indireto. A nova constituio consagrava o
intervencionismo, a supremacia do executivo e a legislao social, mas foi insuficiente
para acalmar os diversos focos oposicionistas que partiam seja dos antigos polticos
oligarcas seja dos integralistas ou dos comunistas, capazes de mobilizar massas urbanas.
O Estado Novo viria tir-los de cena, reafirmando o projeto gestado pelo prprio
governo.
Estado Novo e Ps-Guerra
Em 10 de novembro de 1937, Vargas, com o apoio das foras armadas, deu o golpe
do Estado Novo, fechando as casas legislativas do pas, em todos os nveis, nomeando
interventores para os executivos estaduais e outorgando nova constituio. O novo regime
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possua forte cunho autoritrio e intervencionista, consagrando a supremacia do poder
executivo federal e algumas conquistas da Revoluo de 1930, como a legislao do
trabalho.
As justificativas oficiais para o golpe de estado no diferem muito de suas
verdadeiras razes: associavam-se motivos internos, como a polarizao poltica do pas
entre integralistas e comunistas e a dificuldade de o governo de, dentro dos marcos de
regras democrtico-liberais, constituir foras suficientes para consolidar seu projeto, at o
contexto de ameaa e, posteriormente, de guerra mundial, com a bipolarizao
internacional entre o Eixo e os Aliados. Ideologicamente, o Estado Novo aproximava-se
do fascismo, embora no contasse com um partido nico mobilizador, e respaldava-se na
colaborao de idias de vrios pensadores, como Francisco Campos e Oliveira Vianna
os denominadospensadores autoritrios dos anos 1930, que pregavam uma sriede reformas modernizantes e pr-industrializao, contra o marasmo rural das
oligarquias, julgando impossvel implement-la sem um estado forte e impessoal, que se
impusesse sobre poderes locais arcaicos, e sobre outros opositores, como os polticos
tradicionais desgostosos com os rumos da revoluo e os comunistas. Por isso, alguns
autores vem no Estado Novo algo que lembra a revoluo pelo altode Bismark, em que
a industrializao e a constituio da ordem econmica e poltica capitalista partiu mais
de uma deciso poltica que de determinaes econmicas emanadas do mercado.
A interveno econmica iniciada em 1930 aprofundou-se durante o Estado Novo;
mesmo que no houvesse um plano de governo, no moderno sentido da palavra, o
governo deixava claro seu projeto industrializante e em prol da diversificao do setor
primrio e das exportaes. A complexidade do aparelho estatal fez surgir novo segmento
social: a burocracia. Para tanto, cria-se o DASP Departamento Administrativo do
Servio Pblico, para recrutar por concurso os funcionrios pblicos, substituindo-se as
antigas nomeaes polticas dos coronis e polticos, tirados parcialmente de cena com a
ditadura. Nos Estados so criados rgos para executar as mesmas funes os
daspinhos. Mas a maioria destes rgos dizia respeito diretamente indstria e s
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riquezas estratgicas (Conselho Nacional do Petrleo, Aparelhamento de Defesa,
Conselho de guas e Energia, Comisso de Defesa da Economia Nacional, Fbrica
Nacional de Motores, Comisso Executiva do Plano Siderrgico Nacional, Companhia
Siderrgica Nacional, Comisso de Combustveis e Lubrificantes, Servio Nacional de
Aprendizagem Industrial SENAI, Comisso do Vale do Rio Doce, Companhia
Nacional de lcalis, Servio Social da Indstria SESI, Conselho Nacional de Poltica
Industrial e Comercial). Alguns se voltavam ao fomento de culturas especficas (Instituto
de Mate e do Pinho, Servio Nacional do Trigo) e, outros, racionalizao administrativa
e de tomada de decises (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, Plano de Obras
Pblicas, Conselho Nacional de Ferrovias, Coordenao de Mobilizao Econmica,
Comisso de Planejamento Econmico e Superintendncia da Moeda e do Crdito
SUMOC).Apesar das intenes governamentais, nos primeiros anos do Estado Novo a
economia desacelerou seu ritmo de crescimento, principalmente entre 1939 e 1942,
quando cresceu apenas 0,4% e a indstria 1,6%. As dificuldades de importao,
decorrentes da guerra, so apontadas geralmente como causa, mas as taxas so
recuperadas a partir de 1942, com a indstria voltando a crescer em mdia 9,5% e o PIB
6,4% entre 1942-1945.
Os primeiros anos do Estado Novo ajudam a evidenciar a correlao entre o
volume de divisas e taxas de crescimento. O estrangulamento cambial obrigou o governo
a suspender o pagamento da dvida externa e a estabelecer controles de cmbio, alm de
manter uma taxa cambial nica e desvalorizada. Mas a guerra encarregar-se-ia de reverter
este quadro: enquanto permanecia a dificuldade de importar e o governo estabelecia
racionamento para o trigo e a gasolina, as exportaes cresciam para os pases aliados e o
preo do caf se recuperava. Assim, obtm-se saldo positivo nas transaes correntes,
passando-se ento a adotar polticas mais liberais, como a possibilidade de os
exportadores poderem vender at 70% das divisas no mercado (30% deviam ser vendidas
ao Banco do Brasil taxa oficial de cmbio). A poltica monetria mais apertada dos
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primeiros anos do Estado Novo tambm foi substituda por outra mais frouxa; a inflao,
ento, comeou a se acelerar, ficando entre 15% e 20% ao ano. Mais importante que as
taxas de crescimento em si, destaca-se sem dvida, a construo da siderrgica de Volta
Redonda, tornando-se um marco simblico desta poca, pois inaugurou a forte presena
estatal na produo de insumos bsicos, fato que seria uma das mais relevantes
caractersticas do PSI brasileiro.
A entrada do Brasil na guerra junto aos Aliados e o fato de o equilbrio de foras
ter pendido a favor destes tornaram a ditadura estado-novista insustentvel. A partir de
1943 j eram evidentes as contradies entre as polticas interna e externa do regime.
Aps uma tentativa de redemocratizao com a continuidade de Vargas no poder o
queremismo, ele derrotado por um golpe militar em 1945. Antes, havia criado dois
partidos, o Partido Social Democrtico (PSD), mais conservador, e o Partido TrabalhistaBrasileiro (PTB), com base na estrutura sindical e no eleitorado urbano, enquanto a
oposio aglutinava-se na Unio Democrtica Nacional, a UDN. Em eleio realizada em
2 de dezembro de 1945, foi eleito com 55% dos votos o general Eurico Gaspar Dutra
(PSD), que fora Ministro da Guerra de Vargas.
O final da guerra consagra a hegemonia norte-americana, cujas bases foram
estabelecidas no acordo de Bretton Woods, em 1944. Este condena os protecionismos
vigentes desde a crise de 1929 e consagra o abandono do padro ouro por parte dos
pases, com exceo dos Estados Unidos, estabelecendo o dlar como padro
internacional, para o qual os demais pases deveriam estabelecer taxas fixas de cmbio.
No Brasil, a paridade cambial mantm-se fixa em Cr$ 18,50 por dlar, enquanto a
inflao brasileira fora o dobro da norte-americana durante a guerra. Esta valorizao do
cruzeiro, associada demanda de importaes e ao forte crescimento econmico dos
ltimos anos do Estado Novo, explica a elevao das importaes, que logo se manifestou
no balano de pagamentos e na perda de reservas, principalmente de moedas conversveis.
Isso obrigou o governo, em julho de 1947, retornar aos controles cambiais e adotar o
sistema de contingenciam