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Floresta do povo_para_o_povo

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FLORESTA DO POVO PARA O POVO1

Moacir José Sales Medrado2

Não se pode negar que este país megadiverso, chamado de Brasil, uma das nações biologicamente

mais ricas do planeta, desde o descobrimento, tem tido suas florestas ameaçadas via desmatamento

para a conversão de paisagens naturais em outras paisagens exigidas pelo estabelecimento de

atividades voltadas ao desenvolvimento socioeconômico, por vezes, assentado na superexploração dos

recursos naturais.

Esta destruição das florestas e de seus habitantes primitivos não se deu para que outros povos

adentrassem a floresta para nela viver ou para explorá-las – exceto no caso da extração de minérios -

mas sim para substituí-las por cidades, povoados e vilas. Por isto, a conversão dos habitats naturais em

paisagens agrícolas e/ou florestais industriais - e por muitas vezes, em terras degradadas - foi o impacto

principal que causamos sobre o ambiente natural.

No que diz respeito ao setor florestal, em alguns casos as pessoas de fora da floresta substituíram os

povos-da-floresta – os indígenas - sem, no entanto, alterar as florestas, substancialmente, sem

transformá-las em paisagens urbanas. Um desses casos, diz respeito aos seringueiros na Amazônia. É

provável que eles sejam a primeira geração do que denomino povos-na-floresta a ser reconhecida

nacionalmente. A partir deles e graças à luta articulada por Chico Mendes tais povos deixaram de ser

invisíveis para serem, junto com os povos-da-floresta o centro das atenções de ambientalistas,

ecologistas e ecodesenvolvimentistas quando tratam de desenvolvimento sustentável.

A partir do movimento liderado por Chico Mendes, os povos-na-floresta não mais se restringiram aos

seringais. Eles passaram a viver em reservas extrativistas, áreas de manejo florestal comunitário,

projetos de assentamento agroextrativista, projetos de desenvolvimento sustentável, projetos de

assentamento florestal e, infelizmente, até mesmo em áreas localizadas no interior de unidades de

conservação de uso direto e indireto. Estamos, portanto, vivenciando uma época em que a floresta

tropical deixou de ser, somente, uma moradia do povo tribal. Ela passou a acolher, também, pessoas

que ainda estão em processo de adaptação a este tipo de moradia.

Os movimentos sobre as florestas brasileiras, e suas consequências sobre o ambiente, exigiram a

regulamentação do uso das mesmas. Para tal, por último, o governo brasileiro, ouvindo a população,

reiterou, através da Lei 12.727 de 17 de outubro de 2012 modificada pela Medida Provisória 571, que as

florestas existentes no território nacional e demais formas de vegetação nativa são bens de interesse

comum a todos os habitantes do país, e que todos terão a responsabilidade com:

1. a preservação não somente das florestas, mas também das demais formas de vegetação nativa, da

biodiversidade, do solo e dos recursos hídricos;

1 Texto publicado na Revista Opiniões.

2 Engenheiro Agrônomo, Especialista em Planejamento Agrícola e em sistemas agroflorestais, Doutor em

Agricultura na área de Fitotecnia. Diretor Geral da MCA - Medrado e Consultores Agroflorestais Associados Ltda.

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2. a integridade do sistema climático, para o bem-estar das gerações presentes e futuras;

3. a função estratégica da produção rural na recuperação e manutenção das florestas e demais formas

de vegetação nativa;

4. a função das florestas na sustentabilidade da produção agropecuária;

5. o estabelecimento de um modelo agropecuário e florestal ecologicamente sustentável, que concilie o

uso produtivo da terra e a contribuição de serviços coletivos das florestas e demais formas de vegetação

nativa privada;

6. a integração entre a Política Nacional do Meio Ambiente, a Política Nacional de Recursos Hídricos, a

Política Agrícola, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, a Política de Gestão de

Florestas Públicas, a Política Nacional sobre Mudança do Clima e a Política Nacional da Biodiversidade;

7. a necessidade de fomentar a inovação para o uso sustentável, a recuperação e a preservação das

florestas e demais formas de vegetação nativa; e

Por fim, estabeleceu a responsabilidade comum de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em

colaboração com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da

vegetação nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais. Alem disso, propôs

a criação e mobilização de incentivos jurídicos e econômicos para fomentar a preservação e a

recuperação da vegetação nativa, e para promover o desenvolvimento de atividades produtivas

sustentáveis.

Espera-se que com esta lei, fique entendido que foi criado, a partir do jogo legítimo de interesses da

sociedade, o conceito de floresta do povo para o povo, legitimando desta forma o uso das florestas

naturais pelos povos-da-floresta, pelos povos-na-floresta e pelas pessoas de fora da floresta que

apesar de não viverem nela, necessitam de seus serviços ambientais, na forma de floresta urbana e,

também, na forma de floresta plantada para recuperação de passivos ambientais por nós estabelecidos

ao longo de nossa história agrícola, industrial e do processo brasileiro de urbanização.

O conceito de floresta do povo para o povo, quando trata da “função estratégica da produção rural na

recuperação e manutenção das florestas” incorpora, também, o estabelecimento de plantações florestais

comerciais (principalmente as certificadas) que ajudarão a: (i) diminuir a pressão sobre as florestas

naturais possibilitando que estas sejam utilizadas para seus fins mais nobres como a manutenção da

biodiversidade, a prestação de serviços ambientais, e a geração de produtos biotecnológicos; (ii) gerar

energia para complementar e tornar mais limpa nossa matriz energética evitando a utilização de

madeiras de vegetação natural naturais para produção de carvão; (iii) gerar riquezas através da

exportação de papel, celulose e produtos de madeira com alto valor agregado; (iv) gerar

desenvolvimento sustentável de seu entorno através de programas de fomento florestal a pequenos

agricultores principalmente via a utilização de sistemas agroflorestais.

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Por fim, espera-se que sejam estabelecidas políticas públicas que possam: (i) modificar totalmente a

situação de penúria em que vivem os indígenas brasileiros, dando-lhes segurança em seus limites e

qualidade de vida como seres humanos dignos; (ii) resolver a situação das ocupações das unidades de

conservação (estima-se que para cada 100 ha de floresta protegida, 23 há estão ocupados de forma

irregular) e das famílias que as ocupam; (iii) assegurar a conservação dos recursos naturais de forma

estrategicamente localizada nos biomas nacionais e não de forma caóticas muitas vezes voltadas

simplesmente para evitar que a silvicultura ou a agricultura comercial se estabeleça e prospere; (iv)

retirar os entulhos burocráticos que têm travado o desenvolvimento do agronegócio brasileiro, com

destaque para a silvicultura comercial; e (v) contribuir para que o fomento florestal não pereça – isto tem

ocorrido em alguns locais - e, ao contrário, se fortaleça e se modernize. Só assim, teremos,

efetivamente, uma floresta de todos para todos em benefício do Brasil e do Planeta.