Upload
lucas-henrique
View
43
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
FILOSOFIAVolume 02
2 Coleo Estudo
Sum
rio
- F
iloso
fia Frente A03 3 Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
Autor: Richard Garcia Amorim
04 19 Plato e Aristteles: os mestres do pensamento antigoAutor: Richard Garcia Amorim
FRENTE
3Editora Bernoulli
MDULOFILOSOFIA
CONTEXTO HISTRICO: ATENAS, O CENTRO CULTURAL E POLTICO DO MUNDO GREGO
Para compreendermos a filosofia de Scrates e dos
sofistas e o que eles representaram na histria da Filosofia,
precisamos antes de tudo compreender o contexto histrico
em que floresceram seus pensamentos.
Uma observao muito importante a ser feita para que
o estudo da Filosofia seja ainda mais interessante e que
sua compreenso se d de maneira mais eficiente que a
filosofia, o pensamento filosfico, as reflexes filosficas so
fruto do momento histrico de uma sociedade. Isso significa
que as mudanas no pensamento filosfico acompanham as
transformaes histricas de um povo. Em ltima instncia,
o objetivo da Filosofia compreender a realidade, buscando sua
verdade ltima. Dessa forma, imperativo tomar a realidade
como ponto de partida dessa reflexo. Por isso a importncia da
histria, da realidade em si para a Filosofia. Sem esse contato
com a realidade, a filosofia poderia se tornar um modo de pensar
e de viver que no tem conexo com a histria, com as questes
humanas dentro da realidade, o que faria do pensamento
filosfico algo desprovido de sua beleza e razo de ser.
Atenas hoje
O perodo em que vivem Scrates e os sofistas sculos V e IV a.C. pode ser caracterizado por duas mudanas que servem como referncia para as suas reflexes. A primeira a mudana da Filosofia na perspectiva geogrfico-poltica, em que ela se desloca da sia Menor e da Magna Grcia, onde ficam as cidades de Clofon, feso, Mileto, Samos, entre outras o bero da filosofia pr-socrtica , para a Grcia Continental, a tica, mais especificamente para Atenas. A segunda mudana diz respeito preocupao filosfica: enquanto os pr-socrticos se preocupavam com a natureza e sua origem, nesse novo momento, a preocupao da Filosofia se volta ao homem e sociedade.
Atenas desponta como a maior e mais importante de todas as cidades-estado (poleis) gregas, tornando-se a grande polis, principalmente depois de sua vitria na guerra contra os persas, e representando o que h de melhor no mundo grego. Com o progressivo enriquecimento, fruto principalmente do crescente comrcio e da expanso martima, surge uma classe comerciante muito influente, que passa a exigir uma participao maior e mais consistente no comando da cidade e na tomada de decises. Dessa forma, necessrio que sejam consolidadas as instituies democrticas como consequncia de uma maior necessidade de participao do demos na vida poltica.
Historicamente, o poder concentrava-se nas mos de poucos homens, que representavam a aristocracia dominante desde os primrdios da civilizao, quando os homens ainda viviam em pequenas vilas e se organizavam em torno da agricultura e da posse de terras. Com a formao das poleis, a partir do sculo VIII a.C., essas aristocracias ainda se impunham pela tradio e pela autoridade daqueles que representavam o poder, inclusive religioso. Porm, nesse novo cenrio de transformaes e de desenvolvimento, a aristocracia comea a perder seus privilgios. Dessa forma, ocorrem reformas polticas importantes, como a de Slon, que, em 594 a.C., criou leis a que todos, sem distino entre famlias e pessoas, deveriam se submeter sem apelar s tradies particulares patriarcais.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
03 A
4 Coleo Estudo
Outra reforma que merece destaque a de Clstenes, que, a partir de 510 a.C., organizou a poltica, principalmente as instituies, que representariam o lugar apropriado para as manifestaes dos cidados no governo e na tomada de decises na cidade. Dentre essas instituies, temos a Boul, conselho de quinhentos cidados que eram escolhidos por sorteio, responsvel por cuidar das questes polticas cotidianas, e a Ekklesa, assembleia geral de todos os cidados atenienses. Assim, o poder de administrar a cidade, de criar leis, de resolver conflitos, de declarar o incio ou o fim de guerras, estava nas mos do povo. Estabelece-se, dessa forma, a democracia (Demos: cidados, povo; krtos: poder. O poder dos cidados ou do povo).
Slon (638-559 a.C.)
Uma observao importante: apesar de a democracia, tal como a conhecemos hoje, ter sua origem na Grcia, o modo como os gregos viviam sua democracia muito distinto do modo como a democracia contempornea se organiza. A democracia atual representativa, o que significa que so escolhidos senadores, deputados, vereadores, presidente da Repblica, governadores e prefeitos para falar em nome do povo, representando seus interesses e necessidades. A democracia ateniense apresenta diferenas essenciais em relao democracia atual. Primeiro, dela no participa todo o povo. Mulheres, crianas, estrangeiros e escravos so excludos, sendo considerados cidados somente os homens maiores de 21 anos, livres, naturais de Atenas e que tinham posses, pelo menos uma casa e alguns escravos. Em segundo lugar, uma democracia direta ou participativa (diferente da representativa), em que os cidados podem manifestar em praa pblica (gora) suas opinies e ideias, participando diretamente do processo de tomada de deciso.
O voto no exercia a funo de eleger algum como representante do povo, mas servia de instrumento de manifestao da vontade particular para a deciso em casos especficos.
Ao contrrio do que ocorria antes, na nova poltica ateniense, no h espao para que alguns se imponham, pelo poder ou prestgio, acima dos outros, sendo agora todos os cidados iguais perante a cidade. Dessa forma, o conhecimento de alguns sobre um assunto especfico no os faz melhores do que os outros. Os atenienses consideravam que um dos modos de tirania era a imposio do saber ou da fora de indivduos sobre a opinio dos demais, postura no mais admitida. Na poltica ateniense, aquele que possui mais tcnica ou o que possui mais competncia no pode ser considerado mais importante do que os outros cidados que no as possuem.
Dois princpios fundamentais guiam a democracia grega:
Isonoma: igualdade de todos os homens perante a lei.
Isegora: o direito de todo cidado expor em pblico suas opinies e ideias.
No campo econmico, Atenas se torna uma potncia sem precedentes na histria da Grcia. Pelo desenvolvimento do comrcio e do artesanato, a cidade transforma-se em um porto cosmopolita pelo qual chegam e partem praticamente todos os produtos produzidos e comercializados entre os vrios povos do mundo conhecido nessa poca. Consequentemente, Atenas se transforma em um centro urbano importantssimo, com um poder blico e naval tambm sem precedentes, o que criar srias rivalidades com outros povos, gerando, inclusive, a Guerra do Peloponeso1, narrada detalhadamente por Tucdides e Xenofonte.
Guerreiros lutando na Guerra de Poloponeso
1 Guerra ocorrida entre os anos 431 e 404 a.C., em Peloponeso, larga pennsula ao sul da Grcia. Tal confronto, um dos mais importantes e conhecidos da Antiguidade, se deu entre Atenas, que constitua o mais importante polo poltico e comercial do mundo no sculo V a.C., e Esparta, cidade-estado grega de tradio tipicamente militarista e que cultivava hbitos austeros para formar o carter guerreiro de seus cidados. Segundo Tucdides, a razo fundamental da guerra foi o crescimento do poder ateniense e o temor gerado por esse crescimento entre os espartanos devido ascendente influncia dos atenienses na Pennsula de Peloponeso. A guerra teve um final trgico para os atenienses: diante do poderio militar de Esparta, Atenas se rendeu, e a antiga aristocracia ateniense, com a ajuda dos espartanos, executou um golpe poltico, acabando com a democracia e implantando um sistema de governo autoritrio, a Tirania dos Trinta, que durou menos de um ano. Em 403 a.C., a democracia foi novamente introduzida na cidade.
Frente A Mdulo 03
5Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
Mesmo em meio Guerra do Peloponeso, nesse perodo, conhecido como O Sculo de Pricles (de 440 a 404 a.C.), Atenas atingiu o auge de seu desenvolvimento. Os textos a seguir ilustram o crescente e espetacular desenvolvimento de Atenas nesse perodo:
Atenas, pelo papel de liderana na guerra contra os persas,
pela prosperidade econmica crescente e pelos poetas
que haviam elevado sua vida intelectual a alturas jamais
alcanadas antes, tornou-se o centro intelectual da Grcia.
Quem quisesse ganhar reputao como pensador tinha que
passar por Atenas. Os produtos do mundo inteiro estavam
disposio do cidado de Atenas. Novas esttuas dos
deuses erguiam-se com esplendor, no imortal trabalho
dos mais finos artistas. O povo ouvia, nos festivais de
Dioniso, as palavras e cantos da tragdia e deliciava-se
com a engenhosidade flamejante e barulhenta da comdia.
Multides se acotovelavam nas salas de conferncia dos
sofistas, com sua nova sabedoria vestida no manto belo e
sedutor da linguagem, convidando os jovens a serem seus
alunos. O demos aquecia-se ao sol, na serena conscincia
do poder, quando se sentava no Pnyx nos tribunais.
ZELLER, E. Outlines of the history of Greek Philosophy. Kegan Paul: Londres, 1931. p. 95.
Sabemos conciliar o gosto pelo belo com a simplicidade e
o gosto pelos estudos com a coragem. Usamos a riqueza
para a ao e no para uma v exibio em palavras. Entre
ns, no desonroso admitir a pobreza; mas o no tentar
evit-la. Os mesmos homens podem dedicar-se aos seus
negcios particulares e aos do Estado; os simples artesos
podem entender suficientemente das questes polticas.
Somente ns consideremos quem delas no participa um
intil, e no um ocioso. por ns mesmos que decidimos
dos negcios da cidade e deles temos idia exata: para
ns, a palavra no nociva ao; o que nocivo no
informar-se pela palavra antes de se lanar ao.
TUCDIDES. Livro I, 40, 1-3. Orao de Pricles ou Orao fnebre, discurso pronunciado pelo governante
Pricles no funeral cvico dos primeiros mortos durante o primeiro ano da Guerra do Peloponeso. Tal orao representa o elogio dos valores atenienses contra os
espartanos, cujos valores so militares e aristocrticos, considerando somente as coisas prticas, defendendo
que o conhecimento, a discusso, a teoria, o pensamento poderiam amolecer o esprito, contribuindo
negativamente para a formao do verdadeiro guerreiro. Atenas, ao contrrio, depois do aparecimento da
democracia, cultiva mais os valores intelectuais que propriamente os valores prticos do homem guerreiro.
A TRAGDIA GREGA: COMO EDUCAR UM POVO A PARTIR DOS NOVOS VALORES DA POLIS
A tragdia grega, gnero literrio e teatral, ocupou um
papel de suma importncia para os gregos, principalmente
nos sculos V e VI a.C., e foi representada pela figura de
importantes trgicos, como Sfocles, squilo e Eurpides.
A primeira importncia da tragdia est ligada ao aspecto
cvico do povo e da cidade, sendo, portanto, utilizada como
instituio social de carter democrtico. As tragdias so
representadas durante as festividades cvicas de Atenas,
e o seu coro formado por um colgio ou grupo de
cidados, sendo que a prpria cidade quem financia os
escritores e as apresentaes. fundamental destacar que
a tragdia traz uma reflexo sobre a cidade e o surgimento
da democracia.
O segundo aspecto da tragdia, intrinsecamente ligado
ao seu papel cvico, tem como fundo as transformaes
das relaes entre os homens. Inicialmente, os homens
pagavam os crimes com outros crimes, vingavam-se uns
dos outros na mesma proporo da violncia sofrida, pois
assim dizia o direito dado pelos deuses. Um crime sangrento
cometido por um homem ou por sua famlia era retribudo
igualmente, porque assim diziam as leis e as tradies
aristocrticas. Tais crimes eram impostos pelos prprios
deuses, que determinavam ser essa a lei natural a ser
cumprida por todos.
Em geral, as tragdias eram trilogias, e na terceira parte
da tragdia os deuses davam aos homens a possibilidade
de decidirem por si mesmos, mesmo contra a lei natural
da tradio, as penas aos crimes cometidos. Dessa forma,
a democracia, efetivada na discusso e no dilogo, seria
a responsvel por decidir os novos destinos dos homens,
atravs das leis criadas e dos julgamentos realizados em seus
tribunais. Desse modo, a tragdia se refere ao surgimento
da cidade, das leis, dos direitos e da poltica democrtica.
Na tragdia, observa-se a contraposio entre a tradio
cega das leis divinas e os novos caminhos possibilitados pela
democracia e pelas leis humanas.
Porm, se de um lado existem os direitos garantidos aos
homens pelos deuses ou pela prpria natureza, do outro,
existem as leis da cidade, que podem conflitar com esses
direitos tradicionais, criando problemas para os homens.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
6 Coleo Estudo
Antgona capturada e levada ao seu tio Creonte aps enterrar seu irmo Polinice contra as leis da cidade
Um dos melhores exemplos desse conflito encontra-se
na obra Antgona, de Sfocles. Nesta, veremos Antgona,
que desobedece a lei da cidade para poder enterrar
seu irmo Polinice. Segundo essa lei, Polinice, morto aps
atentar contra a cidade, governada por Creonte (tio de
Antgona), foi acusado de traio poltica. Por isso, sofreria
como pena o no sepultamento de seu corpo, no recebendo,
assim, as honras do ritual fnebre. Isso significa dizer que
sua alma no passaria para a outra vida. Dessa forma, o
corpo do traidor deveria ficar exposto ao tempo para ser
devorado pelos animais. Antgona, ento, desrespeita essa
lei (lei da cidade e no dos deuses), por amor ao seu irmo
morto e pelo dever da tradio, a qual dizia que as mulheres
deveriam enterrar os mortos de suas famlias. A essncia
da histria a discusso que ocorre a partir do seguinte
aspecto: Antgona deveria obedecer as leis da cidade, dos
homens (decretadas por Creonte), ou deveria seguir as leis
naturais, divinas, que lhe garantiam o direito de enterrar
seu irmo?
Sirab
der8
7 /
Cre
ativ
e Com
mon
s
Runas do Teatro grego na cidade de Epidauto
O terceiro e ltimo aspecto da tragdia se refere a uma
das caractersticas mais interessantes dessas histrias:
a figura do heri ou herona. O que marca definitivamente a
vida desses personagens o fato de que h um conflito entre
suas vontades particulares e o destino. Eles acreditam saber
o que no sabem e tentam alterar seus destinos mesmo
contra a vontade dos deuses, trazendo para si mesmos e
para aqueles que lhe so prximos acontecimentos terrveis.
Quando esses heris ou heronas julgam estar fazendo suas
prprias vontades, na verdade, esto trilhando o caminho
j traado pelo destino, que, inexoravelmente, acaba por
acontecer. Ao contrrio, quando julgam estar cumprindo
as leis dos deuses, eles esto, na verdade, seguindo suas
prprias vontades. A principal caracterstica da tragdia a
discusso acerca da vontade, da liberdade e da conscincia
dos homens. Se num primeiro momento o heri ou herona
apresentado com todo esplendor e envolto numa urea de
glria por sua fora e vida, num segundo momento, o destino
se transforma e o mesmo personagem glorioso vtima de
acontecimentos trgicos, que alteraro bruscamente seu
destino, destruindo suas alegrias e levando-o ao caos.
Mscara utilizada nas apresentaes teatrais gregas
muito importante notar que as questes tratadas pela
tragdia dizem respeito diretamente aos homens que, com
a cidade e a democracia, so livres, colocando em xeque
os limites de tal liberdade. Sobretudo, a tragdia grega tem
a clara inteno de educar os homens segundo os valores
morais e cvicos da cidade. So lies morais que levam o
homem a refletir sobre seu papel no mundo e sobre sua
autonomia diante de sua prpria vida e histria.
Frente A Mdulo 03
7Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
Um dos exemplos mais clssicos dessa luta entre desejos
e vontades pessoais que vo de encontro ao destino traado
est presente na conhecida obra dipo Rei, tambm de
Sfocles. Alis, Antgona, personagem qual nos referimos
anteriormente, uma das filhas de dipo. Acompanhemos
a narrao:
Laio, rei de Tebas, consultando o Orculo, recebeu a
informao de sua maldio: no poderia ter filhos, pois,
se tivesse, seu prprio filho, ao crescer, o mataria e se
casaria com a prpria me, Jocasta. Contrariando o vaticnio
do Orculo, Jocasta fica grvida. Tentando escapar da ira
dos deuses, Laio manda matar a criana logo aps seu
nascimento. Ordena que seus servos levem o menino para
longe e o eliminem. Perturbados e compadecidos com a
situao da criana, os servos no tm coragem de mat-la.
Cumprindo parcialmente sua misso, somente furam seu
calcanhar com um cravo e deixam a criana abandonada
para que morra longe de seus olhos. Um pastor que andava
perto daquele lugar, ouvindo o choro do beb, recolhe-o e o
entrega a Polbio, rei de Corinto, que o cria como seu filho
legtimo. A criana recebe o nome de dipo, que significa
de calcanhar inchado. dipo cresce completamente alheio ao
seu passado, acreditando ser de fato filho legtimo de Polbio.
J adulto, dipo, que era prncipe de Corinto, insultado
por um bbado, que o acusa de ser filho ilegtimo do rei.
Embora Polbio tente tranquilizar seu filho, este, muito
perturbado com tal acusao, recorre ao Orculo para tirar
suas dvidas. O Orculo de Pton (chamado mais tarde de
Orculo de Delfos) no responde sua dvida, mas lhe d a
terrvel informao de que ele est destinado a matar o pai e
casar-se com sua prpria me. Ainda mais perturbado com
tal profecia, dipo, que no quer que isso acontea, tenta
mudar o seu destino: foge de Corinto em direo a Tebas.
Em uma encruzilhada rumo a Tebas, dipo depara-se com
uma carruagem que vem em sua direo. frente est o
arauto, que ordena rudemente a dipo que se afaste e saia
do caminho, tentando empurr-lo para fora da estrada.
dipo, sendo prncipe, no aceita tal ordem e se pe a
lutar com os soldados e todos os que estavam em seu
caminho. Para sua desgraa, um dos homens que vinham
na carruagem era seu pai verdadeiro, o rei Laio, mas,
at ento, ele no sabe deste fato e mata tambm o pai,
continuando sua viagem a Tebas.
Chegando nas portas da cidade, se defronta com a esfinge,
monstro terrvel que vive sobre a rocha, com o rosto e peito
de mulher, corpo de leo e asas de guia. A esfinge parava
todos os que ali passavam propondo-lhes um enigma.
Aqueles que no conseguiam decifr-lo eram devorados.
Ela assolava a cidade, impondo medo e terror a todos os
que ali viviam.
Creonte, irmo de Jocasta, viva de Laio, e agora rei de
Tebas, prometia sua coroa e a mo da irm ao homem que
conseguisse libertar Tebas do monstro. dipo se props a
tal feito. Armado com uma lana, ele se colocou diante da
Esfinge. O monstro, ento, do alto do rochedo, props-lhe
este enigma:
Qual o animal que pela manh anda sobre quatro ps,
ao meio-dia sobre dois e noite sobre trs?
o homem, respondeu dipo imediatamente. Quando
criana, ele engatinha a quatro patas. J adulto, sobre dois
ps e, na velhice, usa uma bengala como apoio, andando
sobre trs ps.
Mus
eo G
rego
rian
o Et
rusc
o
dipo e a esfinge
Diante da resposta correta ao enigma, a Esfinge atirou-se do
alto do rochedo. dipo tornou-se o rei de Tebas e casou-se
com Jocasta, sua me. A profecia feita a Laio se cumprira.
S depois que uma nova maldio cai sobre Tebas,
maldio que seria afastada apenas quando o assassino de
Laio fosse descoberto e expulso, que os fatos vm tona.
dipo toma conhecimento de que o destino se realizou e
que havia matado seu pai verdadeiro e sua mulher era
tambm sua me. Ele no consegue suportar a verdade
e arranca os prprios olhos.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
8 Coleo Estudo
A NOVA EDUCAO ATENIENSE UMA NOVA ARET
Com as reformas realizadas por Slon e Pricles, um novo
cenrio social, poltico, econmico e cultural se torna real
em Atenas. Com a gradativa perda do poderio por parte
da aristocracia dominante, com o desenvolvimento de uma
nova classe social, composta de artesos e comerciantes,
e com o nascimento da democracia, os valores caros a
essa nova classe, como as tcnicas, a habilidade pessoal e
os mritos, passam a ser valorizados como caractersticas
importantes e superiores ao homem forte, belo e guerreiro,
modelo de vida apregoado pela antiga tradio aristocrtica.
A polis democrtica destaca sobremaneira os ofcios e os
artesos, ao valorizar as artes e as tcnicas. Estas, antes
pensadas como dons especiais dados aos homens pelos
deuses, perdem seu ar mtico. Assim, acredita-se que
se os homens podem construir e transformar a natureza
de acordo com suas necessidades, isso se deve no aos
dons especiais concedidos pelas divindades, mas ao
hbito e experincia necessrios ao aprimoramento e ao
aperfeioamento do exerccio. Observamos que, tal como
na cosmologia criada pelos pr-socrticos, a vida comum
da cidade torna-se cada vez mais voltada para o homem
real, capaz de dirigir sua vida e de produzir aquilo que
necessrio para o seu bem e o de sua cidade, como as leis
e as artes.
A valorizao das tcnicas significa, alm de valorizar uma
classe social no aristocrtica, isto , uma classe social cujo
valor no vem do sangue e da linhagem, valorizar tambm
a ao humana na natureza e na cidade. O homem em sua
relao com o mundo e a ao, eis os temas da tcnica.
CHAU, Marilena de Souza. Introduo histria da
Filosofia: dos pr-socrticos a Aristteles. Vol. 1.
So Paulo: Brasiliense, 1994. p. 118.
Com a presena da tragdia e com a valorizao das
artes em Atenas, tornou-se necessrio repensar a educao
dos atenienses, principalmente dos jovens. Nesse sentido,
os gregos recebiam uma educao focada no aprimoramento,
no aperfeioamento do homem de forma que ele pudesse
atingir a Aret, que, entendida dessa forma, significa
excelncia, mrito, valor.
Anteriormente, para a aristocracia de sangue e linhagem,
a Aret significava a formao do guerreiro belo e bom, que
se resumia na figura do jovem guerreiro, de corpo perfeito,
forjado pelo exerccio e pelo treinamento fsico, possuidor
de uma coragem mpar para a guerra e decidido, se fosse
necessrio, a morrer na frente de batalha, coroado pela
bela morte. No entanto, com a nova Aret, o modo ideal
de vida do ateniense se modifica.
Segundo a antiga Aret, os guerreiros no podiam
trabalhar, devendo ficar no cio at o dia em que sairiam
para a guerra. Por isso, era imprescindvel a presena do
escravo para os trabalhos manuais, desprezados por serem
vistos como tarefa indigna para os homens superiores.
A educao do guerreiro era feita no ginsio, visando
perfeio do corpo, e com preceptores que lhe ensinavam
poesia, a partir de Homero e Hesodo, para a perfeio do
esprito. Esses belos e fortes guerreiros pertenciam estirpe
dos ristoi (os melhores).
Euph
ileto
s Pa
inte
r
Homens gregos se exercitando
Porm, tal educao no atendia mais nova realidade
da polis grega, que agora era composta de uma classe de
comerciantes marcada pela democracia, pelas artes, pelo
artesanato e pelo comrcio. A nova Aret passa a ser, assim,
a formao do cidado para o comando e direo da polis.
Dessa forma, a excelncia, a perfeio buscada pelo homem
agora moral, poltica, refere-se tica, resume-se nas
virtudes cvicas do cidado que deve ser capaz de, correta e
dignamente, pensar no bem da polis. O ideal de excelncia
agora o cidado como bom orador, aquele que, na gora,
pronuncia seu discurso e faz poltica. A democracia, maior
e mais importante caracterstica da polis, se faz pelo logos,
pela palavra, pela discusso.
Frente A Mdulo 03
9Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
Logo se fez sentir a necessidade de uma nova educao
que satisfizesse aos ideais do homem da polis [...]
Seguindo as pegadas da antiga nobreza (que mantinha
rigidamente o princpio aristocrtico da raa), a polis tratou
de realizar a nova Aret, considerando todos os cidados
livres do Estado ateniense como descendentes da estirpe
tica e fazendo-os membros conscientes da sociedade
estatal, obrigados a servir ao bem da comunidade [...]
Sua finalidade era a superao dos privilgios da antiga
educao para a qual a Aret s era acessvel aos que
possuam sangue divino (os ristoi). Coisa no difcil de
alcanar pelo pensamento racional que ia prevalecendo.
Havia somente um caminho para conseguir este fim:
a formao consciente do esprito [...] a Aret poltica
no podia nem devia depender de sangue nobre, mas
da admisso do povo (demos) no Estado [...] A idia de
educao consistia em usar a fora formadora do saber,
a nova fora espiritual da poca, ecoloc-la a servio
dessa tarefa [...] Era preciso, antes de tudo, romper a
estreiteza das antigas concepes, seu mtico preconceito
do privilgio do sangue, e colocar em seu lugar a fora
espiritual e moral do saber, da sopha.
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidia: a formao do homem grego. Traduo de Artur M. 3. ed. Parreira.
So Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 337.
Monumento que representa a democracia grega baseada na discusso das ideias
OS SOFISTAS: OS MESTRES NA ARTE DE ENSINAR
As informaes acerca dos sofistas so raras e incertas.
Isso porque no so conhecidas obras escritas pelos
mesmos, a no ser a de Iscrates, um sofista tardio. Porm,
dos mais importantes sofistas, como Protgoras, Grgias e
Hpias, no se tem mais do que citaes e fragmentos ditos
por Tucdides, Aristfanes, Plato e Aristteles, que, inclusive
eram seus inimigos. Isso significa que o conhecimento das obras e dos fragmentos sobre os sofistas esto presentes nas crticas feitas aos mesmos por aqueles que no concordavam com a atividade sofstica.
E qual era a atividade dos sofistas? Como dito anteriormente, com as mudanas ocorridas em Atenas na passagem de um poder aristocrtico para a democracia, surge uma nova Aret. Esse novo modo de vida marcado profundamente pela figura do cidado, que deve cultivar os valores cvicos, principalmente a democracia, de forma que os cidados possam governar a cidade discutindo e tomando decises em conjunto na gora. Para que essa discusso fosse possvel, para que os homens pudessem efetivamente participar dessa democracia, era essencial que os cidados tivessem as habilidades necessrias para tal discusso. No haveria democracia, nos moldes atenienses, se os homens no fossem capazes de falar, de expor suas ideias, de manifestar seus argumentos. Era essa a funo dos sofistas: ensinar o cidado a falar. Os sofistas eram mestres na retrica e na oratria, ambas entendidas como a arte de falar bem. Eram professores, muitas vezes itinerantes, que, passando de cidade em cidade, ensinavam queles que podiam pagar por sua arte e suas lies. Eram profissionais que ensinavam os jovens e davam mostras de sua eloquncia ao manipular as palavras no meio do povo, e s o faziam por meio de pagamento. Os sofistas so considerados os primeiros professores na histria da educao. Eles ensinavam a arte de argumentar e persuadir, arte esta fundamental para que, na democracia direta, o cidado se destacasse com argumentos e convencesse com suas discusses. Quem soubesse falar melhor, quem soubesse levar o outro ao convencimento, quem tivesse habilidade e astcia nas palavras ganhava a discusso em praa pblica.
O significado do termo sofistaSofista vem de sophos, que significa sbio. A palavra tem a
mesma raiz do termo filosofia, sendo ambas procedentes de sophia (sabedoria). Desse modo, em sua origem, a palavra sofista e sua derivao sofisma no tm qualquer um dos sentidos pejorativos que adquiriu com o tempo, devido s crticas, principalmente, de Plato e Aristteles, pensadores mais famosos na histria da Filosofia. Devido s suas influncias, at o sculo XIX, os historiadores da Filosofia consideraram a sofstica em seu sentido menos nobre, como se os sofistas ensinassem somente a arte de enganar por meio de discursos eloquentes e sedutores, fazendo com que mentiras se passassem por verdades. Somente no sculo XX foi construda uma viso menos tendenciosa e mais livre da sofstica, chegando-se concluso da importncia desse ensinamento e desse grupo para a formao da cidadania grega e para o fortalecimento da Filosofia.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
10 Coleo Estudo
A mudana das preocupaes da Filosofia: o surgimento do homem como foco da Filosofia
Com as transformaes histricas ocorridas na Grcia,
a preocupao da Filosofia se deslocou da natureza,
representada pela filosofia pr-socrtica e pela busca da
arch, para o homem. O que interessa agora no mais
investigar o cosmos, mas sim pensar o homem como
cidado, considerando-se todos os aspectos polticos, sociais,
econmicos e culturais que dizem respeito aos homens livres
e responsveis pelo futuro da cidade. Podemos dizer que
houve uma verdadeira revoluo espiritual, uma guinada
antropocntrica em que o importante tornou-se a polis,
as leis, o governo, a cidadania, deixando-se de lado o estudo
da origem do Universo e de seu funcionamento. nesse
contexto que compreendemos a importncia dos sofistas
para a histria da Filosofia, pois eles despontam como os
grandes responsveis por ensinar aos cidados aquilo que
era essencial para que a democracia se tornasse possvel:
a arte de falar.
O relativismoOs sofistas transmitiam seus ensinamentos tanto para
pequenos grupos de adultos quanto para os mais jovens
em aulas particulares individualizadas, principalmente para
aqueles provenientes de famlias mais abastadas, que viam
nos ensinamentos sofistas o caminho mais curto e promissor
para uma ascenso dentro da poltica. Afinal, falar bem
possibilita ser ouvido e seguido por outros, possibilita fazer
valer suas ideias e se sobrepor aos demais.
Desse modo, os sofistas eram muito bem recebidos pelas
famlias das classes sociais emergentes, constitudas pelos
comerciantes e artesos. Porm, eram duramente criticados
pelas famlias da aristocracia tradicional, que acreditavam que
ser cidado no algo que se aprende, mas que nasce com
o homem, assim, no possvel ensinar aquilo que natural
ao homem. Para a aristocracia, a atividade dos sofistas era
uma afronta prpria natureza: afinal, como homens, na
maioria estrangeiros (principalmente da regio da Jnia, pois
praticamente no existiam sofistas atenienses), poderiam
chegar sua cidade, desconhecendo sua estirpe privilegiada,
e querer ensinar o que no pode ser ensinado?
Os sofistas tambm eram criticados pelos socrticos, uma
vez que, ao ensinarem a arte de argumentar, de persuadir,
de convencer, eles trabalham simplesmente com a doxa,
com a opinio, no estando comprometidos com a verdade
(altheia), que, para os socrticos, seria a mesma para todos
os homens. Para os sofistas, o que importa no o contedo
da ideia, mas sim a maneira como ela argumentada,
podendo ser convincentemente defendida como certa ou
errada, dependendo das intenes de quem as defende ou
as contradiz.
Ren
M
agritt
e
Os sofistas no acreditavam em verdades absolutas, por isso todas as ideias so relativas. Ser que existem verdades absolutas?
Como, para os sofistas, possvel argumentar
persuasivamente contra ou a favor de qualquer ideia, isso
significa que eles no acreditam na existncia de verdades
nicas e absolutas. Ao discursarem em praa pblica,
os sofistas introduzem em Atenas o ardor e o interesse
pela dialtica, enquanto disputa de ideias, e pela retrica,
a arte de falar bem. Trazem tambm tona uma questo
fundamental para a compreenso de seu pensamento:
a crtica pretenso da Filosofia de alcanar as verdades
ltimas das coisas. Ser que realmente existe uma natureza,
uma essncia, uma verdade nica e determinante que
exclusiva para todos os homens? Ou ser que as verdades
no passam de convenes humanas sobre temas variados
que podem se alterar de acordo com o argumento?
Moradores da Jnia, regio porturia que recebia vrias
embarcaes vindas de outras regies, os sofistas concluram
que os valores e as ideias so muitos e variam de acordo
com cada povo e de lugar para lugar, assim, defendiam no
existirem normas, ideias e valores nicos e absolutos para
todas as pessoas. Por isso, os sofistas so considerados
relativistas.
Frente A Mdulo 03
11Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
Em Atenas, defendendo os democratas contra a
aristocracia, os sofistas afirmam que as normas e os valores
antigos, prprios dessa classe, no passam de convenes
que adquiriram, com o passar do tempo, carter de verdade
nica e inaltervel, mas podiam sim ser alteradas ou mesmo
desconsideradas. Para eles, as verdades morais, polticas,
religiosas, a natureza dos homens divididos como melhores
ou piores , a origem dos estados e das cidades, tudo isso
pura conveno, no natureza, no physis, mas to
somente manifestaes da vontade humana em algum
tempo anterior.
Desse modo, se tudo conveno, se tudo opinio criada
e no determinada pela natureza, tudo pode sofrer alteraes.
Para isso, basta que se argumente, que se convena, que se
apresentem as razes. este, alis, o significado de retrica:
a arte de oferecer argumentos que possam persuadir os
homens daquilo que melhor e til para eles e para a cidade.
A arte da retrica fundamenta-se, ento, na dialtica, que
a arte de discutir e confrontar ideias.
A retrica ensina, em primeiro lugar, que o que conta
no o fato em si, mas o que dele aparece, aquilo que
pode persuadir os homens. a arte do logos que no
somente discurso e raciocnio, mas tambm aparncia
e opinio, na medida em que estas se opem aos fatos,
e sua finalidade a persuaso. Em honra dos sofistas, deve
ser dito que a persuaso prefervel fora e violncia
e que a retrica , por excelncia, uma arte democrtica
que no pode florescer numa tirania. Por isso Aristteles
lembra que o nascimento da retrica em Siracusa coincidiu
com a derrubada do tirano.
GUTHRIE, W. K. C. The Sophists. Cambridge
University Press: Londres, 1971. p. 188.
A sofstica no uma escola, pois no tem um fundador.
um ensinamento, uma paidia. Os sofistas ensinavam a
defender e a atacar, uma ou outra coisa, quando conveniente,
da mesma forma e com a mesma fora persuasiva. Por isso,
aquele que discute deve aprender tanto os argumentos
contrrios quanto os favorveis ao mesmo assunto, se
quiser vencer a discusso e fazer valer sua opinio sobre
a dos demais.
Dentre os mais importantes sofistas, temos Protgoras de
Abdera e Grgias de Leontini, conhecidos como os primeiros
pensadores da sofstica. Falemos destes dois expoentes da
arte da argumentao.
Protgoras de Abdera (481-411 a.C.)
Nascido na cidade de Abdera, Protgoras viajou por toda a
Grcia, passando por Atenas vrias vezes e sendo considerado
nessa cidade um verdadeiro sbio. Teve papel importante na
poltica, principalmente na poca de Pricles. Teve de fugir
de Atenas quando foi acusado de atesmo ou impiedade, por
dizer que a religio no passava de uma conveno humana.
Protgoras morreu em um 411 a.C., quando o navio em que
estava naufragou ao se dirigir Siclia.
Busto de Pitgoras
Sua mais importante frase, que resume seu pensamento
e em grande medida toda a sofstica, :
O homem a medida de todas as coisas; das que so por
aquilo que so e das que no so por aquilo que no so.
Dessa frase, infere-se o princpio do homo mensura, ou
seja, do homem como medida das ideias e das verdades.
Dessa forma, o homem aquele que mede, que julga, que
avalia todas as coisas, como as experincias, as normas
e os fatos em geral. Com esse pensamento, Protgoras
quer negar que exista um critrio absoluto de verdade que
determine o falso e o verdadeiro. Assim, o nico critrio de
avaliao das coisas o prprio homem individual. Se o
homem individual o critrio para tudo, cada um pensa e
julga da maneira que mais lhe convier ou que se adequar
s suas necessidades e invenes. Portanto, ningum est
errado, mas cada um possui a sua prpria verdade.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
12 Coleo Estudo
Nas Antilogias, Protgoras vai trazer o princpio de que,
em torno de cada ideia, h raciocnios que se contrapem.
Assim, possvel dizer e contradizer a mesma ideia, tudo
depende da habilidade daquele que diz.
Registra-se tambm que Protgoras ensinava
a tornar mais forte o argumento mais fraco (Antilogia).
O que no quer dizer que Protgoras ensinasse a
injustia e a iniqidade contra a justia e a retido, mas,
simplesmente, que ele ensinava os modos como, tcnica
e metodologicamente, era possvel sustentar e levar
vitria o argumento que, em determinadas circunstncias,
podia ser o mais fraco na discusso (qualquer que fosse o
contedo em exame).
REALE, Giovanni. Histria da Filosofia: filosofia pag antiga. v. 1. So Paulo: Paulus, 2003. p. 77.
Para Protgoras, a virtude seria a capacidade de levar o
interlocutor a se convencer de que o ponto de vista daquele
que diz melhor e merece ser aceito, mesmo que seja
contrrio ao seu. Dessa forma, podemos tambm afirmar o
carter utilitarista da teoria de Protgoras: como no existem
valores nicos ou absolutos, existe o que til quele que
defende uma ideia, sendo mais oportuno que a defenda de
acordo com seus interesses pessoais.
Grgias de Leontini
(483/84-375 a.C.)
Natural da cidade de Leontini, Grgias, ao lado de
Protgoras, um dos mais importantes sofistas. Viveu
em Atenas durante alguns anos, tendo antes morado e
ensinado na Siclia. Passou os ltimos anos de sua vida
em Larissa, na Tesslia, onde veio a falecer com mais
de 100 anos.
Em Sobre a Natureza ou sobre o no-ser, Grgias defende
a ideia niilista2, que pode ser entendida em trs momentos
ou teses:
1. No existe o ser, ou seja, nada existe. Para
Grgias, se as diversas posies filosficas acerca
do ser so contrrias, logo, elas se anulam
reciprocamente. Dessa forma, o prprio ser no
existe, pois no pode ser nem um, nem muitos,
nem criado nem incriado, sendo, portanto,
absolutamente nada.
2. Mesmo se o ser existisse (pela primeira tese,
ele acredita que no existe), este no poderia
ser compreendido. Grgias defende que podemos
pensar em coisas que no existem, como sereias ou
cavalo alado, mas que isso no faz com que essas
coisas sejam criadas. Desse modo, h uma ruptura
entre o ser e o pensamento.
3. Mesmo se existisse o ser e ele pudesse ser
pensado, este no poderia ser descrito ou
explicado pelas palavras. Segundo Grgias, as
palavras no podem ser fiis ao exprimir aquilo que
o homem est vendo ou pensando. Por exemplo,
impossvel ao homem expressar pelas palavras
as cores que est vendo ou as sensaes internas
de alegria ou tristeza.
Para Grgias, a palavra tem autonomia e pode ser utilizada
de qualquer forma, pois no est vinculada ao ser ou
tentativa de traduzi-lo como uma verdade. Segundo esse
sofista, deve-se utilizar a palavra ou o discurso como meio
de sugesto e persuaso com fins prprios.
SCRATES [...] meu amigo Scrates, que no temo proclamar o
homem mais justo de seu tempo [...]
Plato. Carta stima.
Nascido em Atenas por volta de 470 a.C., filho do escultor
Sofronisco e da parteira Fenarete, Scrates considerado
o fundador da chamada filosofia clssica. Ao que tudo
indica, estudou geometria e astronomia com Arquelau e se
aproximou da concepo de cosmos de Anaxgoras. Saiu
da cidade somente trs vezes, e todas elas para lutar na
Guerra do Peloponeso. Nunca assumiu um cargo poltico de
importncia na cidade, como foi o caso de Pricles, tendo
2 Niilismo: Termo usado, na maioria das vezes, com intuito polmico, para designar doutrinas que se recusam a reconhecer realidades ou valores cuja admisso considerada importante. Teoria filosfica que se fundamenta na ideia de que no existe o ser. Sendo assim, alcanar a verdade sobre alguma coisa impossvel. Niilista aquele que no acredita nas verdades e que rejeita a possibilidade de alcan-las.
Frente A Mdulo 03
13Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
tido apenas duas participaes nos tribunais da cidade,
nas quais se recusou a cumprir ordens que iam contra as
leis de Atenas. A terceira vez que esteve no tribunal foi
como ru. Em seu julgamento, o qual discutiremos adiante,
foi condenado pena capital, morrendo aos 70 anos de
idade.
Louv
re M
useu
m
Busto de Scrates. Museu do Louvre, Paris
Diz a Histria que Scrates comeou a se dedicar Filosofia quando, aps visitar o Orculo de Delfos e ouvir uma voz interior que chamou de damon (espcie de esprito bom ligado pessoa e que indicava os caminhos que ela no deveria trilhar), entendeu a inscrio acima da porta do templo que dizia Conhece-te a ti mesmo, tomando esta mxima como sua misso at a morte. Teve uma vida pobre e despojada com sua mulher Xantipa e com seus filhos, deixando de lado todas as tarefas prticas para vivenciar a sua misso. Dedicava-se dia e noite ao conhecimento de si e levava todos os que dele se aproximavam a buscar o mesmo, por meio dos famosos dilogos, realizados em praa pblica, em crculos fechados de amigos ou qualquer outro lugar em que percebesse ser possvel alcanar tal conhecimento.
O problema das fontesScrates no possui nenhuma obra escrita. Tudo o
que sabemos a seu respeito provm de fontes indiretas, principalmente das obras de Xenofonte, Aristfanes, Plato e Aristteles. At o sculo XVIII, o que se conhecia deste pensador era quase exclusivamente o Scrates das obras de Plato. Por um bom tempo, existiu a tese de que Scrates no passava de um personagem criado por Plato.
A partir da, os estudos que procuravam o verdadeiro Scrates
se multiplicaram. A partir do sculo XVIII, o filsofo alemo
Hegel afirmou que o Scrates histrico era, na verdade,
o Scrates de Xenofonte. Hoje, aps inmeros embates
sobre a verdadeira identidade e caractersticas desse homem,
o pai da filosofia, tal problema foi superado, pois so vrias
as vises existentes sobre Scrates. Na obra de Xenofonte, por
exemplo, temos a viso do Scrates piedoso, justo, guerreiro,
patriota, honrado. de Xenofonte a imagem, talvez uma das
mais caractersticas da atividade socrtica, que coloca Scrates
em praa pblica, perguntando, interrogando os transeuntes
sobre o que verdade, a justia, etc. De Aristfanes, ficou
a imagem mais divertida, mas no fidedigna, de Scrates.
Em sua comdia As Nuvens, Aristfanes elabora uma
caricatura de Scrates como um sofista, amoral, interesseiro,
enganador, que vive nas nuvens e diz coisas incompreensveis
aos homens. De Aristteles, temos a imagem do Scrates
como o criador da cincia (conhecimento das coisas por meio
dos conceitos universais e necessrios, dando ao homem
o conhecimento da epistme, ou seja, o conhecimento
verdadeiro da essncia das coisas), produzindo o mtodo
de investigao cientfica que levaria os homens verdade,
fundamentalmente verdade que diz respeito tica, aos
valores que determinam o comportamento humano.
A ltima e mais importante fonte de conhecimento de
Scrates , sem dvida, Plato, seu discpulo mais importante.
Plato construiu a imagem do Scrates inimigo dos sofistas,
criador da filosofia especulativa. importante dizer que o
Scrates dos dilogos escritos por Plato se transforma.
Em um primeiro momento, os dilogos platnicos retratam
o Scrates histrico. Num segundo momento, os dilogos
apresentam a figura de Scrates, mas as ideias so de
Plato, que coloca na boca de seu mestre os seus prprios
pensamentos.
Scrates: a prpria encarnao da Filosofia
A filosofia socrtica se baseia, fundamentalmente, nas
ideias do Conhece-te a ti mesmo e do S sei que nada
sei. A preocupao central de Scrates, e o que mais
importante de toda a sua filosofia, foi pensar o homem tal
como os sofistas j faziam. Scrates no se interessa pelo
conhecimento da origem do Universo, como era tpico do
pensamento pr-socrtico, nem mesmo pelas tcnicas do
bom discurso, o que ir criticar nos sofistas, mas a inteno
do pensamento socrtico encontrar a verdade que ir servir
como critrio das aes dos homens que vivem em sociedade.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
14 Coleo Estudo
Mnon: Voc pode me dizer, Scrates, se a virtude algo
que pode ser ensinado ou que s adquirimos pela prtica?
Ou no nem o pensamento nem a prtica que tornam
o homem virtuoso, mas algum tipo de aptido natural ou
algo assim?
Scrates: [...] Voc deve considerar-me especialmente
privilegiado para saber se a virtude pode ser ensinada ou
como pode ser adquirida. O fato que estou longe de saber
se ela pode ser ensinada, pois sequer tenho a idia do que
seja a virtude [...] E como poderia saber se uma coisa tem
uma determinada propriedade se sequer sei o que ela ?
Diga-me voc prprio, o que virtude?
Mnon: Mas no h nenhuma dificuldade nisso. Em
primeiro lugar, se sobre a virtude masculina que voc
quer saber, ento fcil ver que a virtude de um homem
consiste em ser capaz de conduzir bem seus afazeres de
cidado, de tal forma que poder ajudar seus amigos e
causar dano a seus inimigos, ao mesmo tempo tomando
cuidado para no prejudicar a si prprio. Ou se voc quer
saber sobre a virtude da mulher, esta tambm pode ser
facilmente descrita. Ela deve ser uma boa dona de casa,
cuidadosa com seus pertences e obediente a seu marido.
H ainda uma virtude para as crianas do sexo masculino
ou feminino, uma outra para os velhos, homens livres ou
escravos, como voc quiser. E h muitos outros tipos de
virtude, de tal forma que ningum ter dificuldade de dizer
o que . Para cada ato e para cada momento, em relao
a cada funo separada, h uma virtude para cada um de
ns, e de modo semelhante, eu diria, um vcio.
Scrates: Acho que tenho sorte. Queria uma virtude e voc
tem todo um enxame de virtudes para me oferecer! Mas
falando srio, vamos levar adiante esta metfora do enxame.
Suponha que eu lhe perguntasse o que uma abelha,
qual a sua natureza essencial, e voc me respondesse
que h muitos tipos de abelhas, o que voc diria se eu lhe
perguntasse ento: mas por ser abelhas que elas so
muitas e de diferentes tipos, distintas umas das outras?
Ou voc concordaria que no quanto a isso que diferem,
mas quanto a outra coisa, outra qualidade como tamanho
ou beleza?
Mnon: Eu diria que enquanto abelhas elas no so
diferentes umas das outras.
Scrates: Suponha ento que eu lhe pea: exatamente
isto que quero que voc me diga. Qual a caracterstica
em relao qual elas no diferem, mas so todas iguais?
Voc teria algo a me dizer?
Mnon: Sim.
PLATO. Mnon. 72a-72b.
Perguntando sempre o que ...?, Scrates se pe a
servio da verdade em busca de definies claras e nicas
sobre aquilo que determina a moral humana.
Sua misso comea quando seu amigo Querefonte,
ao consultar o Orculo de Delfos e lhe perguntar quem
era o homem mais sbio do mundo, recebeu a notcia de
que esse homem era Scrates. Imediatamente foi contar
ao amigo o que disse o Orculo. Surpreso com tal notcia,
Scrates sabia que o Orculo no podia estar errado e ento
colocou-se a questionar o que poderia haver por detrs de
tal revelao. Neste momento, comea a chamada Pesquisa
Socrtica: Scrates visita todos os homens considerados
sbios de seu tempo, como os artesos, polticos e poetas
mais importantes, dialogando com eles para verificar o que
haveria nele prprio de diferente que pudesse fazer com
que ele, e no os outros, fosse considerado o mais sbio de
todos os homens. Ao terminar suas visitas, uma ideia lhe era
clara: enquanto os outros acreditavam que de fato sabiam
tudo, Scrates sabia que no sabia nada, ou seja, percebeu
que os outros acreditavam saber sobre todas as coisas e por
isso se fechavam ao conhecimento, enquanto ele admitia que
aquilo que conhecia era muito pouco ou insignificante em
relao a tudo o que se pode conhecer. Scrates reconhece
que, a cada conhecimento obtido, uma nova ignorncia
surge. Dessa forma, Scrates resume o prprio esprito da
Filosofia, que se constitui na busca incessante pela verdade
por meio da investigao, da crtica, do questionamento.
Em Scrates, a Filosofia vista mais como atitude do que
como um conjunto de conhecimentos e saberes prontos e
acabados sobre o homem e o mundo.
O mtodo de anlise conceitual
Quando Scrates se pe a dialogar com seus interlocutores,
ele busca deliberadamente no as opinies variadas de cada
um sobre aquilo que est sendo discutido, mas sim o conceito
em si. Para Scrates, no importa o que cada pessoa pensa
sobre o assunto ou os exemplos de uma ao que tenha tal
caracterstica, como aes corajosas de um determinado
homem, a Scrates interessa o que a prpria coragem,
o conceito de coragem, de justia, de verdade, etc.
Vejamos um exemplo, retirado do dilogo Mnon, que se
inicia exatamente com essa pergunta:
Frente A Mdulo 03
15Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
Como se v na citao anterior, o que Scrates busca o
conceito de virtude e no exemplos de atitudes virtuosas.
Este o objetivo do mtodo de anlise conceitual: buscar a
essncia e no as caractersticas que diferenciam a virtude
do homem da virtude da mulher ou da criana.
Raf
ael S
anzi
o
Scrates em sua prtica do dilogo.
muito importante esclarecer que o objetivo de Scrates
ao buscar a verdade sobre todas as coisas refere-se
diretamente vida dos homens na cidade. Chamado de
pai da tica, Scrates acredita que as aes humanas
devem seguir os mesmos valores, sendo estes racionalmente
atingidos por todos. Um dos maiores problemas socrticos
est no campo da ao: como os homens devem agir? O que
correto fazer? Como devemos nos portar como cidados?
Quais devem ser os caminhos para governar a cidade? Dessa
forma, ao buscar as ideias ou conceitos nicos, Scrates
acredita que tais conceitos so os fundamentos das aes
humanas. Tais ideias determinariam ento o certo e o errado,
o bom e o mau, o justo e o injusto, etc. A finalidade da vida
tica a autonomia, que consiste na capacidade do homem
de se guiar, criando para si, por meio da razo, suas prprias
leis e normas morais.
Mas como possvel encontrar esse conceito?
O mtodo socrtico do conhecimento
Como j foi dito, Scrates utiliza o dilogo para encontrar
o conceito ou a verdade nica. Acredita que esse conceito
esteja dentro do homem, bastando ser despertado. A isso
chamamos maiutica ou parto das ideias. No mesmo dilogo
Mnon, Scrates deixa claro essa ideia:
Que te parece meu caro Mnon? Este rapaz no me disse
em resposta justamente o que pensava? [...] E, entretanto,
como dizamos h pouco, ele nada sabia destas coisas [...]
Portanto, em todos aqueles que no sabem o que so certas
coisas, se encontra o conhecimento verdadeiro dessas coisas
[...] E tais conhecimentos foram despertados nele como de
um sono; e creio que se algum lhe fizer repetidas vezes e
de vrias maneiras perguntas a propsito de determinados
assuntos, ele acabar tendo uma cincia to exata como
qualquer pessoa da tua sociedade [...] Ele acabar sabendo,
sem ter possudo mestre, graas a simples interrogaes,
extraindo o conhecimento de seu prprio ntimo [...] Ora,
se antes e durante a vida este escravo nada aprendeu,
porque nele h conhecimentos que, despertos pela
interrogao, transformam-se em conhecimentos cientficos.
certo, pois, que sua alma sempre os possuiu [...] Uma
coisa posso afirmar e provar por palavras e atos: que ns
nos tornamos melhores, mais ativos e menos preguiosos,
se cremos ser um dever procurar o que ainda no sabemos.
PLATO. Mnon. 85a-86e.
Perceba bem que a verdade e a cincia so inatas no homem porque este racional. Pela razo, o homem busca em si e por si a verdade racional, que so os conceitos sobre as coisas. Conhecer encontrar o caminho para o despertar da verdade. Desse modo, o pensamento pode encontrar em si e por si mesmo o conhecimento da verdade.
As opinies sobre o que virtude, colocadas num primeiro momento como resposta pergunta realizada so claramente rejeitadas por Scrates. Tais opinies no passam de vises parciais e particulares da manifestao de algo que maior, ou seja, as ideias e os conceitos. O que Scrates prope um questionamento do senso comum, das vises particularizadas da verdade para alcanar o conhecimento em si mesmo. Desse modo, o dilogo socrtico quer despertar no interlocutor a conscincia de que ele no sabe aquilo que at ento achava que sabia. O princpio para o conhecimento seria o reconhecimento de que no se sabe. A busca pela verdade parte do conhecimento emprico, sem exatido, para a perfeio do conhecimento verdadeiro, mais completo e perfeito.
Para Scrates, o conceito a ideia do que a coisa em si mesma, em sua essncia, que universal, assim como universal a razo que a encontra. Ao dizer que a verdade est no homem, Scrates est afirmando que a razo humana, ao se movimentar na direo da verdade, encontraria em si mesma tal verdade. Se a racionalidade a mesma para todos e opera pelos mesmos caminhos em todos, deve-se ento alcanar os mesmos resultados pelo seu exerccio. Assim, o conhecimento manifestado no dilogo que leva verdade nica.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
16 Coleo Estudo
O caminho que leva ao conhecimento verdadeiro se d
na forma de dilogo e pode ser dividido em duas partes.
A primeira chamada de exortao, em que Scrates
chama o interlocutor para a conversa, para a discusso,
para o exerccio da filosofia, de forma a buscar a verdade
juntamente com ele. A segunda parte a indagao,
em que Scrates faz perguntas, comenta as respostas
e refaz outras perguntas com o objetivo de colocar seu
interlocutor cada vez mais prximo de encontrar a verdade,
que fundamentalmente tarefa dele mesmo. Na busca da
verdade, o processo s pode ter como protagonista o prprio
indivduo. Tal processo acompanha graus diferentes e mais
aprofundados de abstrao, em que o homem, se colocando
a investigar, vai se aproximando por suas prprias foras e
concluses daquilo que procura, ou seja, da verdade em si.
Scrates nunca responde ao que pergunta. Sua tarefa
mostrar o caminho e ajudar seu interlocutor a trilh-lo,
porm, os ps com os quais esse caminho ser percorrido o
raciocnio do prprio interlocutor. Scrates indica o caminho,
no d a resposta, ensina e pescar, no entrega o peixe.
O mtodo socrtico do conhecimento pode ser dividio
em dois momentos: o primeiro a ironia e o segundo,
a maiutica. Por ironia, no se entende uma atitude
debochada e desrespeitosa com seus interlocutores (apesar
de encontrarmos nos dilogos tal atitude, conforme pode ser
constatado na obra Apologia de Scrates, de Plato), mas
uma atitude de refutao dos argumentos com o objetivo de
enfraquecer os preconceitos e opinies de carter sensorial
e sem fundamentao. O segundo momento do mtodo a
maiutica ou parto das ideias. Uma vez que o interlocutor
percebeu as contradies de seus prprios argumentos
e opinies, percebeu que no passam de achismo, que
no so verdades, mas to somente ideias superficiais,
os homens podem alcanar a verdade em si, ou seja,
os conceitos nicos e universais.
Scrates retirou a noo de parto das ideias da atividade
de sua me. Sendo parteira, Fenarete ajudava as mulheres
a trazerem luz o filho. Ela somente ajudava, auxiliava,
dava os instrumentos ou indicava o caminho, mas quem
d luz o filho a me. Denominando-se um parteiro de
ideias, Scrates somente auxilia, indica o caminho, mostra
as ferramentas, mas quem d luz as ideias, quem encontra
a verdade o prprio indivduo. A funo do filsofo no
transmitir um conhecimento pronto e acabado, mas sim de
educar, mostrar o caminho e direcionar ao conhecimento
verdadeiro, a epistme, retirando o homem da simples
opinio, a doxa. E, como inerente a todo parto, o das ideias
tambm dolorido e penoso. Reconhecer que no se sabe
o que se achava que sabia, reconhecer a prpria ignorncia
sobre as coisas, trata-se de um exerccio de abnegao e
muitas vezes de humilhao, principalmente para aqueles
que acreditam saber tudo, o que se pode constatar na
concluso do dilogo Teeteto, em que Scrates afirma:
Mas, Teeteto, se voltar a conhecer, estar mais preparado
aps esta investigao, ou ao menos ter esta atitude mais
sbria, humilde e tolerante em relao aos outros homens,
e ser suficientemente modesto para no supor que sabe
aquilo que no sabe. (210c)
As diferenas entre Scrates e os sofistas
A partir do que foi dito, podemos compreender as
diferenas fundamentais que distinguem a filosofia de
Scrates da atividade dos sofistas. O sofista um professor
de poltica, de oratria, de retrica, de virtude. Ele ensina
aos homens as tcnicas para poderem defender suas
ideias de modo a levar seu interlocutor ao convencimento.
No esto preocupados com a verdade, at porque no
acreditam que exista uma s verdade sobre as coisas. Os
sofistas se julgavam conhecedores, sbios, detentores de
um conhecimento que seria transmitido a quem pagasse
por ele. Falam em forma de monlogos, no discutem,
afinal, eles transmitem um saber pronto e acabado. Sendo
cticos, os sofistas no acreditavam em verdades nicas
para todos, mas a verdade que se sobressairia s demais
seria a daquele que melhor argumentasse. No importava
o contedo da ideia, mas sim como ela seria exposta. Ao
contrrio dos sofistas, Scrates no ensina, ele pergunta.
No expe, induz reflexo. O conhecimento j est dentro
do homem e deve somente ser despertado com a ajuda do
filsofo, por isso achava errado cobrar para ensinar, por
isso chamava os sofistas de prostitutos do saber. Scrates
busca a verdade e no a aparncia mutvel das coisas
ou a beleza e as tcnicas do argumento. Scrates sai da
multiplicidade das opinies contrrias para a unidade do
conceito, da verdade nica. Sai da imagem das coisas, da
simples opinio, para alcanar a coisa em si, o conhecimento
verdadeiro e nico.
Frente A Mdulo 03
17Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
O julgamento e a morte de Scrates
Scrates foi levado ao tribunal como ru pela primeira vez
e dali saiu direto para a priso para aguardar o dia de sua
morte. Suas acusaes: corromper a juventude e impiedade.
Impiedade significa que ele fora acusado de introduzir novas
crenas e de ensinar novos deuses para os cidados. Um dos
argumentos que sustentam essa tese o de que Scrates
dizia escutar uma voz interior, o damon, acreditando que
este seria como deus que lhe indicava o que no deveria fazer.
Ao ser acusado de corromper os jovens, acusado de
perverter os filhos dos aristocratas com seus ensinamentos,
levando-os a duvidarem dos valores tradicionais atenienses.
Ao que tudo indica, o julgamento foi manipulado. Scrates
no se defendeu e aceitou sua condenao. Mesmo no
perodo em que esteve preso, esperando o dia de sua morte,
tendo possibilidade de fugir, ele no aceitou tal proposta em
fidelidade s leis da cidade.
Jacq
ues-
Loui
s D
avid
Scrates no leito de morte, 1787.
A verdadeira injustia do julgamento est no fato de
que os juzes no aceitaram o ensinamento socrtico
mais importante: o de que, para passar da doxa, dos
preconceitos, cincia, verdade, necessrio no aceitar
passivamente o que est posto e cristalizado como verdade
incontestvel. Para saber o que a virtude, a coragem,
a justia, a piedade, etc., valores caros aos cidados e
polis, necessrio, antes de tudo, saber de fato o que so
esses valores e no simplesmente aceitar o que eles parecem
ser, as opinies sobre eles. No fundo, a cidade tinha medo
de Scrates. Seus questionamentos, seus dilogos e sua
eloquncia ameaavam os mais poderosos, que temiam que
o pensamento levasse dvida, ao desrespeito s leis e,
ainda mais grave, que mostrasse aos homens que os que
em primeiro lugar e antes de todos deveriam respeitar e
serem fieis s leis no o faziam.
EXERCOS DE FIXAO
01. Atenas, pelo papel de liderana na guerra contra os
persas, pela prosperidade econmica crescente e pelos
poetas que haviam elevado sua vida intelectual a alturas
jamais alcanadas antes, tornou-se o centro intelectual
da Grcia. Quem quisesse ganhar reputao como
pensador tinha que passar por Atenas. Os produtos
do mundo inteiro estavam disposio do cidado de
Atenas. Novas esttuas dos deuses erguiam-se com
esplendor, no imortal trabalho dos mais finos artistas.
O povo ouvia, nos festivais de Dionisos, as palavras e
cantos da tragdia e deliciava-se com a engenhosidade
flamejante e barulhenta da comdia. Multides se
acotovelavam nas salas de conferncia dos sofistas,
com sua nova sabedoria vestida no manto belo e
sedutor da linguagem, convidando os jovens a serem
seus alunos. O demos aquecia-se ao sol, na serena
conscincia do poder, quando se sentava no Pnyx
nos tribunais.
ZELLER, E. Outlines of the history of Greek Philosophy.
Kegan Paul: Londres, 1931. p. 95.
A partir do texto e daquilo que foi estudado sobre o
contexto histrico de Atenas, EXPLIQUE por que foi
necessria uma nova educao ou Aret na cidade.
02. No se faz democracia, nos moldes atenienses, sem que os homens tenham a capacidade e habilidade de
falarem, de exporem suas ideias, de manifestarem seus
argumentos.
A partir do trecho anterior, EXPLIQUE o papel dos sofistas
para a vida poltica da cidade.
03. Perguntando sempre o que ...?, Scrates se pe a servio da verdade em busca de definies claras e nicas
sobre aquilo que determina as aes humanas.
De acordo com o estudado, EXPLIQUE a atitude de
Scrates expressa no trecho anterior e sua importncia
para a filosofia.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
18 Coleo Estudo
05. A filosofia socrtica se baseia, fundamentalmente, nas ideias do Conhece-te a ti mesmo e do S sei que nada sei.
EXPLIQUE, a partir do estudado sobre Scrates,
o significado dessas frases.
06. [...] E tais conhecimentos foram despertados nele como de um sono; e creio que se algum lhe fizer repetidas vezes e
de vrias maneiras perguntas a propsito de determinados
assuntos, ele acabar tendo uma cincia to exata como
qualquer pessoa da tua sociedade [...] Ele acabar sabendo,
sem ter possudo mestre, graas a simples interrogaes,
extraindo o conhecimento de seu prprio ntimo [...]
PLATO. Mnon. 85a-86e.
RELACIONE a citao anterior com a maiutica socrtica.
07. A retrica ensina, em primeiro lugar, que o que conta no o fato em si, mas o que dele aparece, aquilo que
pode persuadir os homens. a arte do logos que no
somente discurso e raciocnio, mas tambm aparncia e
opinio, na medida em que estas se opem aos fatos,
e sua finalidade a persuaso. Em honra dos sofistas,
deve ser dito que a persuaso prefervel fora e
violncia e que a retrica , por excelncia, uma arte
democrtica que no pode florescer numa tirania. Por
isso, Aristteles lembra que o nascimento da retrica em
Siracusa coincidiu com a derrubada do tirano.
GUTHRIE. W. K. C. The Sophists. Cambridge University Press:
Londres, 1971. p. 188.
A partir do texto anterior, EXPLIQUE por que a viso de
que todos os sofistas eram enganadores e inescrupulosos,
defendida por alguns autores, nem sempre precisa.
08. Ficai certos de uma coisa: se me condenares por ser eu como digo, causareis a vs mesmos maior prejuzo que a
mim. [...] Neste momento, atenienses, longe de atuar em
minha defesa, como poderiam acreditar, atuo na vossa,
evitando que, com a minha condenao, cometais uma
falta para com a ddiva que recebestes do deus. Se me
matardes, no vos ser fcil encontrar outro igual, outro
que, embora seja engraado diz-lo, por ordem divina se
agarre inteiramente cidade, como a um cavalo grande
e de raa, mas um tanto lerdo por causa do tamanho e
precisado de uma mosca-de-madeira que o estimule [...]
PLATO. Apologia de Scrates. So Paulo: Nova Cultural,
1999. Coleo Os Pensadores. p. 81.
A citao anterior foi retirada da obra Apologia de
Scrates, em que o filsofo se defende diante do
tribunal devido s acusaes que recebeu de corromper
a juventude e impiedade.
De acordo com o texto, JUSTIFIQUE a posio de
Scrates ao dizer que a cidade seria mais prejudicada
com sua morte do que ele prprio.
EXERCCIOS PROPOSTOS01. Registra-se tambm que Protgoras ensinava a tornar
mais forte o argumento mais fraco. O que no quer
dizer que Protgoras ensinasse a injustia e a iniqidade
contra a justia e a retido, mas, simplesmente, que ele
ensinava os modos como, tcnica e metodologicamente,
era possvel sustentar e levar vitria o argumento
que, em determinadas circunstncias, podia ser o mais
fraco na discusso (qualquer que fosse o contedo em exame).
REALIE, Giovanni. Histria da filosofia: filosofia pag antiga.
v. 1. So Paulo: Paulus, 2003. p. 77.
A partir de seus conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto relacionando o trecho anterior com o relativismo sofista.
02. A verdade, porm, outra, atenienses: quem sabe apenas o deus, e ele quer dizer, por intermdio de
seu orculo, que muito pouco ou nada vale a sabedoria
do homem, e, ao afirmar que Scrates sbio, no se refere propriamente a mim, Scrates, mas s usa meu
nome como exemplo, como se tivesse dito: homens, muito sbio entre vs aquele que, igualmente a
Scrates, tenha admitido que sua sabedoria no possui
valor algum.
PLATO. Apologia de Scrates. So Paulo: Nova Cultural, 1999. Coleo Os Pensadores. p. 73.
REDIJA um texto explicando qual a verdadeira educao segundo Scrates e como o conhecimento pode ser alcanado.
03. [] enquanto tiver nimo e puder faz-lo, jamais deixarei de filosofar, de vos advertir, de ensinar em toda ocasio quele de vs que eu encontrar, dizendo-lhe o que
costumo: Meu caro, tu, um ateniense, da cidade mais importante e mais reputada por sua sabedoria, no
te envergonhas de cuidares de adquirir o mximo de
riquezas, fama e honrarias, e de no te importares nem
pensares na razo, na verdade e em melhorar tua alma?
E se algum de vs responder que se importa, no irei
embora, mas hei de o interrogar, examinar e refutar e,
se me parecer que afirma ter adquirido a virtude sem a ter, hei de repreend-lo por estimar menos o que vale mais e mais o que vale menos [].
PLATO. Apologia de Scrates, 29 d-e.
De acordo com o texto e com o estudado sobre Scrates, EXPLIQUE o que o filsofo quer dizer ao afirmar que os homens deveriam melhorar sua alma.
04. O homem a medida de todas as coisas; das que so por aquilo que so e das que no so por aquilo que no so.
EXPLIQUE, de acordo com o estudado, a citao do sofista Protgoras.
Frente A Mdulo 03
19Editora Bernoulli
FILO
SOFI
A
GABARITO
Fixao01. Com as transformaes histricas, econmicas
e polticas ocorridas em Atenas, a antiga
educao dos jovens, que se voltava quase que
exclusivamente para a aristocracia ateniense, se
preocupando com a formao do guerreiro bom
e belo, no atendia mais realidade da cidade.
Diante das transformaes, marcadas pelas
exigncias de uma nova classe social formada
pelos comerciantes, pela presena das artes e do
artesanato e, principalmente, da democracia, foi
necessrio uma nova Aret, agora voltada para a
poltica, para a formao do cidado que buscava
a excelncia, a perfeio moral, enfim, as virtudes
cvicas. Para isso, era necessrio educar o jovem
para que este pudesse participar ativamente da
vida pblica da cidade.
02. Os sofistas eram mestres de retrica. Eles
constituam um grupo de professores, conhecidos
como sbios em sua poca, que se dedicavam a
ensinar a arte da retrica e da oratria. Diante
das mudanas ocorridas na Grcia, as cidades
agora so governadas pelos homens que, em
praa pblica, discutem poltica. Nesse contexto,
era fundamental que os cidados pudessem
apresentar com eficincia e clareza suas ideias,
uma vez que, em uma democracia participativa,
todos os cidados tm o direito de falar e de
apresentar seus argumentos e ideias. Dessa
forma, os jovens eram educados na arte da
sofstica, que consiste em apresentar de forma
convincente e sedutora os argumentos a fim de
vencer uma discusso.
03. Scrates tido por alguns como o verdadeiro
fundador da Filosofia. Tal importncia se deve ao fato
de que Scrates, diferentemente dos pensadores
anteriores, os pr-socrticos, se preocupou
com o homem e com sua vida em sociedade.
O fundamento de sua filosofia encontra-se
exatamente no fato de buscar verdades que
deveriam orientar a vida dos homens em
sociedade. Ao perguntar o que ...?, Scrates
pretende encontrar as verdades ou conceitos
nicos que deveriam ser o fundamento de todos
os atos humanos. Uma de suas contribuies
definitivas Filosofia foi orientar a investigao
das ideias para a busca da verdade nica, seu
objeto por excelncia.
SEO ENEM
01. Um de vs poderia intervir: Afinal, Scrates, qual a tua ocupao? Donde procedem as calnias a teu
respeito? Naturalmente, se no tivesses uma ocupao
muito fora do comum, no haveria esse falatrio,
a menos que praticasses alguma extravagncia.
Dize-nos, pois, qual ela, para que no faamos ns
um juzo precipitado. Teria razo quem assim falasse;
tentarei explicar-vos a procedncia dessa reputao
caluniosa. Ouvi, pois. Alguns de vs achareis, talvez,
que estou gracejando, mas no tenhais dvida:
eu vos contarei toda a verdade. Pois eu, Atenienses,
devo essa reputao exclusivamente a uma cincia.
Qual vem a ser a cincia? A que , talvez, a cincia
humana. provvel que eu a possua realmente,
os mestres mencionados h pouco possuem, qui,
uma sobre-humana, ou no sei que diga, porque essa
eu no aprendi, e quem disser o contrrio me estar
caluniando. Por favor, Atenienses, no vos amotineis,
mesmo que eu vos parea dizer uma enormidade;
a alegao que vou apresentar nem minha; citarei
o autor, que considerais idneo. Para testemunhar
a minha cincia, se uma cincia, e qual ela,
vos trarei o deus de Delfos.
PLATO. Apologia de Scrates. So Paulo: Nova Cultural,
1999. Coleo Os Pensadores. p. 65.
Scrates concebe a vida poltica como o meio legtimo de
as pessoas encontrarem o melhor caminho para a vida em
sociedade. Essa verdade deve, no entanto, ser a mesma
para todos, uma vez que o conhecimento verdadeiro o
para todos. Segundo Scrates, o melhor caminho seria
aquele que
A) decidido pela sociedade na praa pblica ou em
assembleia poltica, uma vez que todos tm os
mesmos direitos na polis.
B) busca a justia entendida como essncia ou verdade
nica, pois esta seria a verdadeira guia das aes
humanas.
C) fosse decidido pelo melhor discurso proferido pelo
poltico e que conseguisse, pela retrica, convencer
a maior parte da populao.
D) resultado do parto das ideias, que o modo pelo
qual as pessoas decidem, por meio do dilogo, qual
a melhor maneira de se viver em sociedade.
E) est contido nas leis da cidade, uma vez que, para
ser justo, necessrio que se viva segundo as leis.
Scrates e os sofistas: o homem como centro do problema filosfico
20 Coleo Estudo
Propostos01. Os sofistas eram relativistas, pois, ao contrrio
de Scrates, no acreditavam que havia uma s verdade sobre as coisas, ou seja, cada pessoa, de acordo com suas experincias e ideias, poderia ter sua prpria verdade, que so relativas a cada homem. Dessa forma, a ideia ou verdade que sobressairia, por exemplo, nas discusses polticas na gora seria aquela melhor argumentada. Dessa maneira, Protgoras, um dos mais importantes sofistas, ensinava s pessoas que a ele recorriam, e que pagavam por isso, as tcnicas de argumentao para tornar a ideia, mesmo que fraca, mais forte que a dos demais e para convencer a todos de que tal ideia seria a melhor. Vale ressaltar que, como dito anteriormente, aos sofistas no importa o contedo da ideia, mas to somente como ela transmitida e argumentada.
02. Segundo Scrates, o conhecimento no propriedade de ningum, pois somente o deus sabe tudo, ou seja, somente o deus sbio. Uma vez dito isso, podemos compreender que os mortais, dentre eles o prprio Scrates, devem reconhecer que aquilo que eles possuem como conhecimento nada, ou nfimo, diante de tudo o que h para se conhecer. Portanto, sbio no quem sabe todas as coisas, mas, ao contrrio, sbio aquele que sabe que no sabe tudo e, por isso, em uma atitude humilde, reconhece sua ignorncia. S a partir do reconhecimento da prpria ignorncia possvel alcanar o conhecimento, pois se o homem acredita possuir todo o conhecimento, ele se fecha, no podendo conhecer mais nada.
03. Para Scrates, os bens materiais, a fama, a glria, as riquezas no podem trazer a verdadeira felicidade e realizao ao homem. Somente o conhecimento verdadeiro, manifestado nas aes dos homens, pode faz-los melhores. Quando Scrates se refere a melhorar a alma ele est afirmando que as preocupaes dos homens devem superar as preocupaes materiais e passageiras, o que s possvel pela dialtica, entendida como verdadeiro remdio da alma. Pelo dilogo e pela busca sincera do saber, o homem se torna melhor. Somente o conhecimento da verdade pode dar sentido vida humana.
04. Protgoras um dos mais importantes sofistas. Seu pensamento est na base da paidia sofstica, uma vez que seus pensamentos daro sentido prtica qual os sofistas se dedicavam. Ao dizer que o homem a medida de todas as coisas, Protgoras defende que as verdades so variveis. Isto significa que cada homem pode ter suas prprias verdades, pois no existiria uma nica verdade sobre as coisas. Cada um avalia as coisas segundo seus prprios critrios, sendo que a verdade que prevalecer ser a daquele que melhor apresentar seus argumentos e convencer os demais.
05. Essas afirmaes emblemticas resumem, de certa forma, todo o pensamento de Scrates. A primeira frase, Conhece-te a ti mesmo, escrita no frontispcio do Orculo de Delfos, revela a verdade mais clara e evidente defendida pelo filsofo,
a de que as verdades esto dentro do prprio homem. Ao buscar a verdade por meio de um exerccio de reflexo, o homem encontra dentro de si a fonte do conhecimento que poder torn-lo justo e virtuoso. A segunda frase, s sei que nada sei, revela a crena de Scrates de que o conhecimento uma busca constante e que o sbio verdadeiro, ao reconhecer sua prpria ignorncia, se abre possibilidade do conhecimento que nunca ser saciada. Ao contrrio, segundo Scrates, aquele que acredita saber tudo, ao se fechar ao conhecimento, torna-se ignorante.
06. Segundo a filosofia de Scrates, o conhecimento encontra-se dentro do prprio homem. Adormecido, esse conhecimento precisa ser despertado. Para o filsofo, a filosofia no teria outra funo a no ser levar os homens a despertarem em si aquilo que est adormecido, ou seja, as verdades. Pelo dilogo, o homem faria o parto das ideias. Essa imagem do conhecimento como um parto retirada da atividade da me de Scrates, que era parteira. Tal como uma parteira ajuda a mulher a dar luz, o filsofo ajuda os homens a fazerem o parto da ideia. Isto a maiutica socrtica. Pelo dilogo, o filsofo levava seus interlocutores a encontrarem o conhecimento que existe dentro deles mesmos.
07. A sofstica ocupou papel de destaque na democracia grega. Lembremos que a caracterstica da democracia participativa exatamente a possibilidade de todos discutirem, expor seus argumentos, pensando no que seria melhor para a cidade. Dessa forma, a nica instncia legtima na qual as decises pudessem ser tomadas era a praa pblica ou gora. Se no fosse a discusso livre, proporcionando a efetivao da igualdade dos cidados, a cidade poderia retroceder a um regime tirnico, em que somente um tem razo e os demais devem obedec-lo cegamente.
08. Scrates acreditava ter recebido dos deuses uma misso, a de levar os homens da ignorncia ao conhecimento verdadeiro. Para isso, utilizava da ironia e da maiutica em seus dilogos, com a inteno de fazer o parto da ideias, mostrando para os homens que o conhecimento que eles possuam no passava de uma opinio sobre o assunto tratado. Devido sua atividade na cidade, Scrates incomodou profundamente muitos poderosos, que se sentiam ameaados por sua atividade e o acusaram por crimes falsos. Diante do tribunal, Scrates afirma que ele era um dom para a cidade, ou seja, que ele era necessrio exatamente por levar os homens da ignorncia ao conhecimento. Desse forma, sua morte seria um prejuzo para a prpria Atenas, uma vez que dificilmente surgiria outro Scrates capaz de levar os homens ao conhecimento verdadeiro e livr-los da ignorncia.
Seo Enem01. B
Frente A Mdulo 03
FRENTE
21Editora Bernoulli
MDULOFILOSOFIA
PLATO: A CRIAO DA METAFSICA
Raf
ael S
anzi
o
Escola de Atenas, Rafael, 1506-1510. Afresco
500 cm 700 cm. Palcio Apostlico, Vaticano.
Raf
ael S
anzi
o
Plato e Aristteles
Plato aponta para cima, numa clara referncia ao mundo inteligvel. Aristteles tem sua mo direcionada para baixo, referindo-se realidade sensorial.
Vida e contexto histricoFilho de Aristo e Perictona, Plato um dos pensadores
mais importantes de toda a histria da Filosofia. Nascido em 427 a.C. em Atenas, Plato descendia da antiga nobreza daquela cidade. Pela sua descendncia, teve uma educao esmerada para se tornar um guerreiro bom e belo, tal como era comum queles que pertenciam sua estirpe, frequentando o ginsio para formao do belo e sendo educado pela msica e pela poesia para a formao do guerreiro bom. Ao mesmo tempo, foi formado para a poltica, na nova Aret, e para a guerra, segundo os antigos costumes da aristocracia.
Estudou com Crtilo, com o qual aprendeu as ideias de Herclito. Aos vinte anos, tornou-se discpulo de Scrates, tendo sido o mais importante de seus seguidores. Teve contato com os pitagricos, com os quais aprendeu a importncia da Matemtica. Alguns defendero que, com os pitagricos, conheceu o pensamento de Parmnides.
Morreu em 347 a.C., aos 80 anos. No se sabem as causas exatas de sua morte, mas, ao que tudo indica, foi acometido por alguma doena. Diz-se que, ao receber a visita de um amigo, j no leito de morte, em estado febril, solicitou escrava que tocasse a lira enquanto conversava com seu visitante, como era de costume e fazia parte da hospitalidade ateniense. Segundo esse relato, algumas horas mais tarde a febre aumentou e Plato faleceu.
A Atenas que Plato conheceu em sua infncia, a que vivia seu auge de desenvolvimento poltico, econmico, cultural e que despontava como centro do mundo, no foi a mesma Atenas de sua juventude e maturidade. A Atenas que Plato conheceu ao se tornar jovem estava em claro declnio, devido, principalmente, Guerra do Peloponeso. Prestes a ser invadida pelas tropas da Macednia, a grande polis grega havia perdido sua democracia e seu povo estava desorientado. Aos dois anos de idade, Plato vivenciou dois fatos importantes que representam os problemas aos quais a cidade estava submetida: a morte de Pricles, um dos mais importantes polticos atenienses, e uma peste, que matou milhares de pessoas, aprofundando ainda mais a grave crise ateniense. Devido a esses fatos, Atenas tentou, inclusive, negociar uma trgua com seus inimigos espartanos, trgua essa que durou curtos seis anos, sendo a guerra restabelecida at 404 a.C., com a vitria de Esparta.
Plato e Aristteles: os mestres do pensamento antigo
04 A
22 Coleo Estudo
A segunda rea em que Plato se destaca na Acadmica. A escola fundada por Plato, conhecida como Academia, foi o primeiro instituto de pesquisa filosfica do mundo. Em clara oposio retrica sofstica (Plato declarou uma verdadeira guerra contra este grupo), a Academia se diferencia por pregar a discusso e a dialtica aplicada como o ideal e o esprito da educao, de forma que seus alunos possam se tornar autnomos no pensamento. Isso significa que Plato no tem um conjunto de saberes que so transmitidos como ideias prontas e acabadas, pelo contrrio, o objetivo de sua escola desenvolver no aluno o livre pensamento, estimular a pesquisa tica e poltica, induzir busca pelas verdades que so postas prova pelos argumentos contrrios e pela discusso, mtodo caracterstico do processo dialtico. A Academia manteve vivo e atuante o esprito socrtico.
Plato e a fundao da metafsicaPor metafsica, entende-se aquilo que est para alm
do mundo fsico ou material. De acordo com a metafsica, tambm chamada de ontologia, os seres so formados por duas dimenses: a fsica, que compreende as coisas materiais e sensveis, portanto mutveis, e a essncia, que se constitui naquilo que imutvel e que s compreendido pela racionalidade humana. Dessa forma, pode-se dizer que a metafsica busca encontrar ou conhecer aquilo que essencial do ser e que est para alm de sua matria.
Diz-se que Plato fundou a metafsica, pois a filosofia platnica foi a primeira a afirmar a existncia de uma outra realidade superior realidade do mundo sensvel. Essa dimenso suprassensvel, metafsica, ficou conhecida como o mundo inteligvel ou, como mais comumente chamada, mundo das ideias. interessante ressaltar que, atualmente, existem algumas crticas a esse nome, pela confuso que pode trazer. No entanto, nessa concepo, deve-se entender por ideias no uma simples formulao racional da inteligncia humana ou capacidade intelectiva, mas formas inteligveis que existem por conta prpria e que constituem a essncia ou causa primeira da realidade sensvel.
Plato est preocupado com um conhecimento do ser que ultrapasse a simples aparncia, que pode gerar uma multiplicidade de saberes. Para ele, existe um saber nico sobre as coisas, um saber imutvel e essencial que deve ser encontrado para que o homem possua o conhecimento verdadeiro. Aqui encontramos a diferena entre Plato e Scrates. Enquanto Scrates est preocupado em conhecer a essncia da ao, ou seja, os conceitos sobre os valores ou princpios que devem ser tomados como fundamentos das aes humanas por isso sua discusso sobre o que justia, coragem, amor, amizade, virtude, etc. , Plato vai mais alm em busca de uma teoria do ser. Com essa teoria, Plato buscar pensar uma natureza ltima dos seres,
As obras de Plato e a AcademiaDuas foram as grandes reas em que Plato se destacou:
nos escritos e na Acadmica.
Mosaico de Pompia. A Academia de Plato.
Aps muitos anos discutindo-se a autenticidade dos escritos de Plato, hoje se acredita que temos acesso totalidade de suas obras. Estas se dividem em treze cartas, duas obras no dialogadas, escritas na forma de longos trechos expositivos (Apologia de Scrates) e (Menexeno) e vinte e trs dilogos, em que o personagem principal sempre Scrates, seu mestre, dialogando com um ou alguns homens. Quanto aos dilogos, podemos dividi-los em socrticos, aqueles nos quais Plato tenta ser fiel s ideias de Scrates, e os no socrticos, nos quais Plato, apesar de continuar a se referir a Scrates como protagonista, coloca na boca deste suas prprias ideias. Os dilogos no socrticos tambm recebem uma diviso: dilogos da mocidade (em que Plato ainda est bem prximo das ideias de Scrates), da maturidade (no aporticos, isto , inconclusivos, em que Plato expe com mais clareza as suas prprias ideias) e da velhice (em que Plato assume um tom menos de dilogo e mais de discurso).
Papiro Oxyrhynchus, com trecho da Repblica, de Plato.
Frente A Mdulo 04
FILO
SOFI
A