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FESP FACULDADES
RAFFAEL OLÍMPIO ALBUQUERQUE SIMÕES DE MACEDO
ANULAÇÃO DO JULGAMENTO DO CONSELHO DE SENTENÇA POR DECISÃO
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E SEU CONFLITO COM O PRINCÍPIO DA
SOBERANIA DOS VEREDICTOS
CABEDELO-PB
2018
RAFFAEL OLÍMPIO ALBUQUERQUE SIMÕES DE MACEDO
ANULAÇÃO DO JULGAMENTO DO CONSELHO DE SENTENÇA POR DECISÃO
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E SEU CONFLITO COM O PRINCÍPIO DA
SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós Graduação da Fesp Faculdades para obtenção do título de especialista em Direito Penal, Direito Processual Penal e Segurança Pública.
Orientadora: Prof.ª Gabriella Henriques da Nóbrega
CABEDELO-PB
2018
M141a Macedo, Raffael Olímpio Albuquerque Simões de.
Anulação do julgamento do conselho de sentença por decisão contrária à prova dos autos e seu conflito com o princípio da soberania dos veredictos. / Raffael Olímpio Albuquerque Simões de Macedo. – Cabedelo, 2018.
49F Orientador: Profª Esp. Gabriella Henriques da Nóbrega. MONOGRAFIA (ESPECIALIZAÇÃO EM DE DIREITO PENAL, PROCESSO PENAL E
SEGURANÇA PÚBLICA) FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA. 1. Tribunal do Júri. 2. Princípio de Soberania dos Veredictos. 3. Decisão Contrária a Prova dos Autos. I. Título.
BC/FESP CDU: 343
RAFFAEL OLÍMPIO ALBUQUERQUE SIMÕES DE MACEDO
ANULAÇÃO DO JULGAMENTO DO CONSELHO DE SENTENÇA POR DECISÃO
CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E SEU CONFLITO COM O PRINCÍPIO DA
SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós Graduação da Fesp Faculdades para obtenção do título de especialista em Direito Penal, Direito Processual Penal e Segurança Pública.
Orientadora: Prof.ª Gabriella Henriques da Nóbrega Áreas de Concentração: Direito Processual Penal. Direito Constitucional.
Data de Aprovação: 23 de abril de 2018
Banca examinadora:
__________________________________________________
Prof.ª Gabriella Henriques da Nóbrega (Orientadora)
__________________________________________________ Pablo Juan Nóbrega de Souza da Silveira
__________________________________________________ Susyara Medeiros de Souza
Condenar um possível delinquente é
condenar um possível inocente.
(NÉLSON HUNGRIA, Comentários ao
código penal, 1981, Vol. V, p. 65).
RESUMO
A presente pesquisa tem o objetivo de analisar a anulação da decisão dos jurados
pela segunda instância no âmbito do Tribunal do Júri, mais especificamente a
anulação com fundamento na alínea “d” do inciso III do art. 593 do Código de
Processo Penal, quando a motivação se baseia na contrariedade da decisão do
conselho de sentença à prova contida nos autos do processo criminal. O cerne do
trabalho consiste em analisar se a anulação da decisão dos jurados viola o princípio
constitucional da soberania dos vereditos, que impera no julgamento dos crimes
dolosos contra a vida. A pesquisa em foco é dogmática, essencialmente bibliográfica
e jurisprudencial, e faz uso do método de abordagem dedutivo,. Inicialmente, será
feito um estudo do instituto do Tribunal do Júri, sua origem, sua evolução histórica e
seus princípios. Em seguida foi analisado mais pormenorizadamente o princípio da
soberania dos vereditos e a sua relação com a possibilidade de anulação do
julgamento do conselho de sentença por contrariedade à prova dos autos. Foi ainda
analisado o posicionamento dos tribunais superiores e de doutrinadores da área.
Concluiu-se sobre o problema da violação do princípio constitucional que garante a
soberania das decisões do conselho de sentença ao julgar seus pares no Tribunal
do Júri.
Palavras-chave: Tribunal do Júri; Princípio da Soberania dos Vereditos; Decisão
Contrária à Prova dos Autos.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 7
2 TRIBUNAL DO JÚRI: ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ................................ 9
2.1 História do tribunal do júri ............................................................................... 9
2.1.1 O tribunal do júri no Brasil ......................................................................... 14
3 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTO...................................................................... 17
3.1 Princípios constitucionais ............................................................................. 17
3.1.1 Plenitude de defesa .................................................................................. 17
3.1.2 Sigilo das Votações................................................................................... 18
3.1.3 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida .......... 20
3.1.4 Soberania dos veredictos .......................................................................... 22
3.2 Procedimento do Tribunal do Júri ................................................................. 22
3.2.1 Judicium accusationis ............................................................................... 22
3.2.2 Judicium causae ....................................................................................... 26
4 APELAÇÃO CRIMINAL E O TRIBUNAL DO JÚRI ............................................. 30
4.1 Apelação criminal ......................................................................................... 30
4.1.1 Apelação interposta contra decisão do Tribunal do Júri............................ 31
4.1.1.1 Nulidade posterior à decisão de pronúncia ............................................ 32
4.1.1.2 Sentença contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados ................. 33
4.1.1.3 Injustiça na aplicação da pena ou da medida de segurança ................. 34
4.1.1.4 Decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos ........ 35
5 A ANULAÇÃO DO JULGADO POR DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS
AUTOS E O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS ............................... 38
5.1 Entendimento do STF .................................................................................. 38
5.2 Entendimento do STJ ................................................................................... 39
5.3 Da possível violação ao princípio da soberania dos veredictos ................... 39
5.3.1 Decisão manifestamente contrária à prova dos autos .............................. 41
5.3.1.1 Veredicto condenatório .......................................................................... 41
5.3.1.2 Da decisão pela absolvição do réu ........................................................ 42
5.3.1.2.1 Do quesito genérico de absolvição.................................................... 43
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 46
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 48
7
1 INTRODUÇÃO
Neste trabalho será analisada a possibilidade de revisão das decisões
proferidas no âmbito do Tribunal do Júri, mais especificamente na hipótese prevista
no art. 593, inciso III, alínea “d” do Código de Processo Penal brasileiro, que permite
a interposição de apelação criminal contra as decisões do tribunal popular que forem
consideradas manifestamente contrárias às provas dos autos. Situação em que o
tribunal revisor poderá anular o julgamento e determinar que este seja novamente
realizado por novo conselho de sentença em nova sessão do Tribunal do Júri.
A pesquisa consiste em analisar se esta possibilidade de recurso e suas
consequências se coadunam com o princípio constitucional da soberania dos
veredictos, o qual não permite que as decisões do tribunal popular sofram
interferência dos juízes togadas, tendo em vista que é dado aos jurados a função de
juízes de fato para apreciar o mérito no julgamento dos crimes dolosos contra a vida,
competência constitucionalmente prevista para o tribunal do júri.
Na realização do presente trabalho foi utilizado o método dedutivo. Já a
metodologia utilizada foi bibliográfica e jurisprudencial, partindo-se da leitura de
autores renomados na área escolhida e da análise dos entendimentos firmados nos
tribunais superiores a respeito das questões levantadas, bem como de
posicionamentos importantes adotados no âmbito de alguns Tribunais de Justiça.
Inicialmente, será um breve relato sobre a origem e a evolução histórica do
Tribunal do Júri, com as primeiras notícias que se teve da sua existência e sua
evolução em várias épocas e sociedades, até que chegasse aos padrões atuais.
Será também contado o nascimento e a história do tribunal popular no Brasil,
com sua primeira previsão na Lei de Imprensa de 1822, com competência para
julgamento dos crimes de imprensa e sua evolução nas diversas constituições
promulgadas ao longo dos anos, até a sua formatação atual, prevista na
Constituição Federal de 1988, com competência mínima e exclusiva para o
julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Em seguida, será feito uma introdução aos princípios reitores do Tribunal do
Júri, previstos na Constituição Federal com força de cláusula pétrea, elencados no
rol dos direitos fundamentais.
Será também demonstrado, para possibilitar um melhor entendimento do
restante da pesquisa acadêmica, uma síntese do procedimento escalonado do
8
Tribunal do Júri, desde o oferecimento da denúncia até o julgamento em plenário
pelo conselho de sentença.
No quarto capítulo, far-se-á uma análise da previsões legais de cabimento de
recurso de apelação contra decisões proferidas pelo tribunal popular, analisando-se
suas características e desdobramento, com ênfase na apelação com fundamento na
alínea “d” do inciso III do art. 593 do Código de Processo Penal.
Encerrando o desenvolvimento, será estudada a relação entre a anulação da
decisão dos jurados por contrariedade à prova dos autos e a sua relação com o
princípio constitucional da soberania dos veredictos.
Para tanto, apresentar-se-á o posicionamento dos tribunais superiores e da
doutrina, análise da apreciação pelo tribunal revisor nos casos de decisão dos
jurados pela condenação do réu e também no caso de decreto absolutória,
observando-se, em cada caso, as nuances e consequências da revisão do julgado
pelo tribunal em grau de recurso.
Por fim, serão apresentadas as considerações finais com as conclusões
obtidas através da detalhada pesquisa realizada acerca do tema.
9
2 TRIBUNAL DO JÚRI: ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Atualmente no Brasil, o Tribunal do Júri é um órgão formado por vinte e
quatro juízes de fato, os chamados jurados, que decidem o mérito da causa e um
juiz de direito ou juiz togado, que preside o julgamento e profere a sentença,
acompanhando a decisão do conselho de sentença.
Por disposição Constitucional, o Tribunal do Júri hodierno no direito brasileiro
tem competência exclusiva para julgar os crimes dolosos contra a vida, quais sejam,
aqueles previstos no Título I do Capítulo I do Código Penal Brasileiro, são eles:
homicídio (Art. 121); induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (Art. 122);
infanticídio (Art. 123) e aborto (Art. 124 a 127).
Na Constituição Federal da República de 1988, o Tribunal de Júri encontra
suas bases no art. 5º:
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
2.1 História do tribunal do júri
As versões sobre a evolução histórica do Tribunal do Júri são controversas.
Há uma grande imprecisão doutrinária sobre a origem do Tribunal popular. Tal
dissenso nos posicionamentos sofre influência de diversos fatores. (NUCCI, 1999, p.
38):
Falta de acervos históricos seguros e específicos; o fato de o instituto estar ligado às raízes do direito e quase sempre acompanhar quaisquer aglomerações humanas, desde e principalmente as mais antigas, esparsas e menos estudadas, dificultando o estudo e a pesquisa; e de maior relevância, o fato de não se conseguir destacar um traço mínimo essencial à identificação de sua existência, para se poder afirmar a sua presença em determinado momento da história.
10
O termo Júri vem do Latim "jurare" que quer dizer fazer juramento. O Tribunal
Popular nasceu na antiga Palestina, em um período no qual prevaleciam naquela
região as associações comunitárias nas quais o povo encontrava-se unido por laços
sanguíneos e afetivos. Defendendo este entendimento, Nucci (2008, p. 38) elucida
que:
Na Palestina, havia o Tribunal dos vinte e três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de Israel.
Deste modo, nota-se que o Tribunal Popular passa a existir com a própria
organização social. As comunidades eram regidas pelos homens mais velhos e
estes, além de administrar a comunidade, aplicavam as regras que obrigatoriamente
deveriam ser acatadas por todos. Predominava o modelo patriarcal de sociedade.
O aparecimento do Tribunal do Júri, para Nucci (1999), remonta
possivelmente imputado à época Mosaica, o instituto teria nascido entre os Judeus
no Egito Antigo, baseado nas Leis de Moisés, no período em que foram
escravizados pelos Faraós. Para o mencionado autor, existia em meio a esse povo
um modo especifico para julgar aqueles que praticassem delitos. Publicidade,
julgamento por seus pares, cidadãos da comunidade e direito de defesa e produção
de provas ao acusado na tentativa de comprovar sua inocência eram características
atribuídas ao Tribunal Popular, como era chamado.
A referência Teocrática, naquela época, segundo Nucci (1999), era uma
característica marcante, pois na antiguidade a religião consolidava-se nas bases do
Estado e o Governante também administrava a religião sendo muitas vezes
considerado um deus vivo ou representante divino na terra, como os Faraós do
Egito. Também, a Obra Sagrada para os Judeus, no Antigo Testamento da Bíblia,
citavam o aludido Tribunal Ordinário, assim como fazem menção ao Conselho dos
Anciãos e ao Grande Conselho, Órgãos responsáveis pelos julgamentos.
Conforme Nucci (1999), o Júri Popular também esteve presente na
Antiguidade Greco-Romana, por meio da Lex Calpunia de 149 a. C., na qual foi
estabelecida a primeira quaestio. A quaestio é uma espécie de comissão de
inquérito, com o fim de investigar e julgar os casos de funcionários estatais que
tivessem causado danos ao Estado.
11
Em Atenas, na Grécia Antiga, existiam dois conselhos: a Helieia e o
Areópago. A primeira era um tribunal popular composto por uma grande quantidade
de heliastas, habitantes da cidade de Atenas que julgavam de acordo com sua
convicção logo após ouvir a defesa. Cabia à Helieia julgar atos de menor
importância para o povo. O segundo possuía capacidade para apreciar os delitos
criminais, principalmente aqueles cometidos com premeditação. Tal órgão também
era composto por cidadãos Atenienses, os quais usavam o senso comum e a
prudência para decidirem. Nos Tribunais Gregos, para ingressar era exigido
somente que os cidadãos apresentassem no mínimo trinta anos de idade,
cultivassem reputação ilibada e prestassem a quitação plena se seus débitos com o
tesouro público.
A respeito das Organizações Gregas, Nucci (2011, p. 38) menciona que:
Na Grécia, desde o Século IV a.C., tinha-se conhecimento da existência do Júri. O denominado Tribunal de Heliastas era a jurisdição comum, reunindo-se em praça pública e composto de cidadãos representantes do povo. Em Esparta, os Éforos (juizes do povo) tinham atribuições semelhantes às dos Heliastas.
O Tribunal popular nasceu na Palestina mas ganhou a feição atual na
Inglaterra, país onde o instituto foi perdendo toda a influência teocrática que tinha
desde os primórdios e, consequentemente, se desprendeu das amarras do Estado,
adquirindo a imparcialidade. Diante disto, Nucci (2011, p 38), compreende que:
O Tribunal do Júri, na sua feição atual, origina-se na Magna Carta, da Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o Júri antes disso. Na Palestina, havia o Tribunal dos Vinte e três nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais Cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com pena de morte. Os membros eram escolhidos dentre padres, levitas e principais chefes de famílias de Israel.
O Concílio de Latrão, em 1215 na Inglaterra, extinguiu os Juízes de Deus,
órgão que até então era designado para realizar os julgamentos, e constituiu o
Conselho de Jurados, que tinha o objetivo de julgar os crimes de bruxaria ou
aqueles com caráter místico. Perante a situação, foi instituído na Inglaterra o
Pequeno e o Grande Júri. O primeiro, composto por doze pessoas, era incumbido de
julgar apreciando o caso concreto, proferindo os veredictos. E o segundo, formado
por vinte e quatro pessoas, era encarregado de fazer a acusação.
Acerca do Tribunal do Júri Inglês, esclarece Rangel (2008, p. 485) que:
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Nesse conjunto de medidas, acusação pública, que até então era feita por um funcionário, espécie de Ministério Público, passou a ser feita pela comunidade local quando se tratava de crimes graves (homicídios, roubos etc.), surgindo assim, o júri que, como era formado por um número grande de pessoas (23 jurados no condado), foi chamado de grand jury (Grande Júri). Por isso era chamado de Júri de acusação.
Os Jurados, que eram as pessoas escolhidas dentre o povo de uma
comunidade onde o crime tivesse acontecido, precisavam decidir de acordo com o
que tinham conhecimento e baseados no que se falava, independentemente de
provas, já que isso era da alçada de outros doze homens de bem escolhidos entre
os vizinhos, que decidiam se o Réu era culpado ou inocente, formando deste modo,
um pequeno júri.
O Júri Inglês, em meio as suas características, é destacado pela sua
composição realizada mediante sorteio e o juramento para o cumprimento do
mandato, de modo que o conselho julgaria seus pares concidadãos, constatando
assim que tais características, de certa maneira, já eram encontradas nos Tribunais
antigos destacados.
Na época Medieval, período bastante conturbado para a ciência jurídica, o
Tribunal do Júri Inglês se consolidava, enquanto o restante da Europa ainda
passava pela dura realidade daquela época.
Sobre o Período Medieval, Beccaria (2007, p. 25) aduz que:
O povo tinha na nobreza apenas opressores e tiranos; e os que pregavam o Evangelho, enodoados na carnificina e com as mãos cheias de sangue, ousavam oferecer aos olhos do povo um deus misericordioso e de paz.
O poder da Igreja Católica destacava-se na época. O procedimento
processual empregado na procura da veracidade legítima trilhava o caminho da
tortura e da crueldade, com aplicação de penas de morte, comumente feitas em
espetáculos públicos com a intenção de confirmar o poderio do clero cristão e da
nobreza feudal.
Sobre as torturas Medievais, Beccaria (2007, p. 37) adiciona que:
É uma barbárie consagrada pelo uso na maioria dos governos aplicar a tortura a um acusado enquanto se faz o processo, seja para que ele confesse a autoria do crime, seja para esclarecer as contradições em que tenha caído, seja para descobrir os cúmplices ou outros crimes de que não é acusado, porém dos quais poderia ser culpado, seja finalmente porque sofistas incompreensíveis pretenderam que a tortura purgava a infâmia.
Deste modo, verifica-se que o Júri Inglês forma uma ressalva na Europa.
Naquele país, o poder da nobreza auferiu um alcance diferente, pois o objetivo de
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resguardar os direitos fundamentais do povo em face aos abusos cometidos pelo
poder despótico admitiu que os cidadãos julgassem seus pares, segundo os
discernimentos do bom senso e dos costumes, por isso a importância cominada à
Inglaterra para a organização do Tribunal do Povo.
Realçando o grande valor da legislação Inglesa, Rangel (2008) ressalta o
artigo 48 da Magna Carta Britânica, que preceituava que "Ninguém poderá ser
detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdade, senão em virtude
de julgamento de seus pares, segundo as leis do país”.
Vindo da Inglaterra, o Tribunal Popular chegou à França e, em seguida
disseminou-se pelo mundo. Sobre a propagação do Tribunal Popular, Nucci (2008,
p. 39) destaca que:
Após a Revolução Francesa, de 1789, tendo por finalidade o combate às ideias e métodos esposados pelos magistrados do regime monárquico, estabeleceu-se o Júri na França. O objetivo era substituir um Judiciário formado, predominantemente por magistrados vinculados à monarquia, por outro, constituído pelo povo, envolto pelos novos ideais republicanos.
Fundada em ideais iluministas, a Revolução Francesa colaborou para a
organização judiciária daquele país e o Júri criminal foi aprovado como instituição
judiciária. Deste modo, a partir de então, as decisões do Júri passaram a representar
a soberania desempenhada pelos cidadãos franceses como obrigação de todos.
A matéria criminal e a publicidade dos debates são as características que
mais se destacam no julgamento popular na França, mas o cidadão necessitaria ser
eleitor para alistar-se como jurado.
O procedimento do júri, na França, dividia-se em três fases: a Instrução
Preparatória, o Júri de Acusação, e a Sessão de Julgamento. O segundo, formado
por oito membros sorteados numa lista de trinta cidadãos. O terceiro formado por
doze membros sorteados entre uma lista de duzentos cidadãos com direito de
recusa de vinte pelas partes. O voto de cada Jurado era individual conforme seu
livre convencimento e, para a condenação, fazia-se necessária a maioria dos votos.
Ao contrário do sistema inglês, onde a condenação dependia de todos os votos.
No século XVII, nos Estados Unidos, antes da independência do país, onde a
competência do Júri tinha alçada para todos os delitos, o instituto se consolidou. A
organização do Júri não era igual nas treze colônias autônomas, mas apresentavam
algumas características em comum, tais com as formalidades, revestidas de
publicidade, o regime de plena oralidade e o contraditório.
14
O alicerce do Tribunal Popular para Tasse (2008) se acha assentada
continuamente em duas traves. Elas têm o papel essencial de consolidar a defesa
da imparcialidade do julgamento, em razão de que elas separam a subordinação do
julgador da estrutura do poder estatal, sendo assim uma o juízo oral e a outra o
Veredicto dos Jurados.
Tasse (2008, p. 20) aponta que:
Dessa forma concebido, o julgador passa a ser livre para decidir conforme a sua consciência e em acordo com os elementos de prova racionalmente trazidos ao seu conhecimento. Há um total desapego às próprias formulações legislativas, discursivamente neutras, mas representativas da vontade de quem detém o poder político e, portanto, edita as leis.
Logo após a entrada em vigor dos grandes tratados versando sobre Direitos
Humanos, se torna bem visível valor conferido ao princípio do Devido Processo
Legal e o propósito do legislador em resguardar o cidadão que está em investigação
em um processo penal, conferindo a este o Contraditório.
O Tribunal Popular possui como intenção afastar a influência que o poder
político exercer na atribuição de julgar e, em seguida, conferir aos indivíduos a
probabilidade de resolver o que vai acontecer ao réu de um delito. Torna-se assim,
um ato de civilismo, que caracteriza a responsabilidade dos cidadãos ante a
sociedade. Deste modo, Tasse (2008, p. 24) assegura que:
O exercício da democracia é presente, de forma destacada, no Júri, lugar no qual o cidadão, representando, a sociedade, diretamente afirma o seu posicionamento quanto a determinado fato submetido à sua análise, sem intermediários, na paz de sua consciência e na busca de auxiliar na construção de uma sociedade mais justa.
No decorrer do tempo, com o progresso e a disseminação do Tribunal do
Júri, pode-se dizer que ele atravessou séculos e continentes, cruzou por ditaduras e
democracias, encarou todos os vícios e virtudes da humanidade. O Tribunal do Júri
viveu momentos áureos nos quais seus princípios se fortificaram, todavia, abarcou
tempos complicados, frente às exceções dos Estados absolutos e dos regimes
autoritários.
2.1.1 O tribunal do júri no Brasil
Sobre a vinda do Tribunal do Júri para o Brasil, assim ensina Nucci (2011, p.
39):
15
O que teria feito o júri vir para o Brasil? SANTI ROMANO (Princípios de direito constitucional geral, p. 47-48) bem explica esse fenômeno de transmigração do direito, que, do seu país de origem, segue para outros, especialmente por conta da colonização, que impõe ao colonizado ideias e leis, bem como pela própria e inata “contagiosidade do direito”, nas palavras de Emerico Amari.
Com a Lei de Imprensa de 18 de junho de 1822, o Júri foi estabelecido no
Brasil com competência restrita ao julgamento de crimes de imprensa, era composto,
nas palavras de NUCCI (2011, p. 39), por vinte e quatro cidadãos “bons, honrados,
inteligentes e patriotas”, sendo suas decisões passíveis de revisão somente pelo
Príncipe Regente.
Foi a partir da Constituição Imperial de 1824 que o Júri passou a se
considerar como Órgão do Poder Judiciário, estendendo a sua competência para as
causas cíveis e criminais. O Brasil seguiu, com o Código de Processo Criminal de 29
de novembro de 1832, o sistema misto (Inglês e Francês), que declinava aos jurados
competência sobre as matérias de fato e de direito.
O Tribunal do Júri foi mantido foi mantido com a proclamação da república,
tendo ainda sido criado o júri federal. Na Constituição Republicana, o tribunal
popular entrou no rol de garantia e direitos individuais (art. 72, § 31, da Seção II, do
Título IV)
No texto constitucional de 1934, o Tribunal do Júri voltou a figurar na parte
dedicada ao pode judiciário (art. 72), sendo excluída da Carta Magna em 1937.
Voltou, porém, na Carta Magna de 1946, incluído de volta no capítulo referente aos
direitos e garantias individuais. Entretanto, NUCCI (2011, p. 40) questiona os reais
motivos da sua volta:
Embora as razões desse retorno tivessem ocorrido, segundo narra VICTOR NUNES LEAL, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas (Coronelismo, enxada e voto, p. 231-236).
Em 1967, a Constituição da República manteve o Tribunal do Júri, também no
capítulo de direitos e garantias individuais. A Emenda à Constituição de 1969 deu
trouxe a seguinte redação: “é mantida a instituição do júri, que terá competência no
julgamento dos crimes dolosos contra a vida”. Não se falou em soberania, sigilo das
votações ou plenitude de defesa (NUCCI, 2011, p. 40).
A Constituição Cidadã de 1988 manteve o Tribunal do Júri no capítulo
dedicado às garantias e direitos individuais, entretanto, reafirmou os princípios
16
abandonados na Constituição anterior: soberania dos veredictos, sigilo das votações
e plenitude da defesa.
17
3 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTO
Analisar-se-á adiante mais detalhadamente os princípios constitucionais do
Tribunal do Júri que prestigiados na Constituição Federal de 1988, bem como o seu
procedimento escalonado disposto no Código de Processo Penal
3.1 Princípios constitucionais
A Constituição Federal traz, no rol de garantias fundamentais, os proncípios
reitores do Tribunal do Júri.
3.1.1 Plenitude de defesa
O princípio da plenitude de defesa é um dos mais importantes no
procedimento escalonado do júri, garante que haja o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa garantidos pela Carta Magna aos acusados em geral.
Sobre o princípio da plenitude de defesa, acertadamente se posicionam Távora e
Alencar (2013, p.826):
A plenitude de defesa revela uma dupla faceta, afinal, a defesa está dividida em técnica e autodefesa. A primeira, de natureza obrigatória, é exercida por profissional habilitado, ao passo que a última é uma faculdade do imputado, que pode efetivamente trazer a sua versão dos fatos, ou valer-se do direito ao silêncio. Prevalece no júri a possibilidade não só da utilização de argumentos técnicos, mas também de natureza sentimental, social e até mesmo de política criminal, no intuito de convencer o corpo de jurados.
Desta forma, a plenitude de defesa garante que o acusado possa exercer sua
defesa de todas as formas admitidas pela lei, lançando mão de todas as
possibilidades para apresentar e provas sua versão dos fatos em análise no
processo criminal. Sendo inclusive, motivo que dá azo à nulidade qualquer ato que
viole o princípio da plenitude de defesa e impeça o réu de exercê-la na sua
totalidade, causando-lhe prejuízo e evidenciando cerceamento do seu direito de
defesa.
Existe uma discussão doutrinária a respeito do princípio da plenitude de
defesa, acerca da sua diferenciação do direito à ampla defesa, garantido aos
acusados em geral, e daquele princípio peculiar, previsto especificamente no âmbito
do Tribunal popular.
18
A discussão se dá a respeito da de se há ou não coincidência entre as duas
garantias, se a intenção do legislador teria sido criar princípios distintos, ou apenas
usou termos diferentes para evitar a repetição da nomenclatura, como destaca Nucci
(2011, p. 24):
Outro elemento a ressaltar é a previsão, realizada no mesmo art. 5º da CF, de duas garantias fundamentais (ampla defesa e plenitude de defesa). Para alguns, tais expressões possuem o mesmo significado. Portanto, neste último prisma, aos acusados em geral garante-se a defesa ampla e aos réus dos processos em trâmite no Tribunal do Júri, identicamente, garante-se a defesa ampla, embora, nesse caso, teria optado o legislador pela utilização de outro termo (plenitude).
Mas como o próprio Nucci (2011) adverte, não se deve fazer uma
interpretação das normas, sobremaneira das Constituição Federal, supondo-se que
nela haja termos e palavras inúteis ou repetitivas.
Conforme o renomado autor (NUCCI, 2011, p.25):
Amplo é algo vasto, largo, copioso, enquanto pleno equivale a completo, perfeito, absoluto. Somente por esse lado já se pode visualizar a intencional diferenciação dos termos. E, ainda, que não tenha sido proposital, ao menos foi providencial. O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos.
Desta forma, interpretando-se sistematicamente as previsões constitucionais
referidas e ainda, colocando-se no contexto do Tribunal do Júri, apresenta-se mais
sensata a opinião de que realmente o princípio da plenitude de defesa difere da
garantia à ampla defesa, sendo esta última mais limitada, referindo-se às vastas
possibilidades de defesa do acusados, enquanto aquele visa garantir uma defesa
completa e exaustiva ao acusado pela prática de crimes dolosos contra a vida.
3.1.2 Sigilo das Votações
O princípio do sigilo das votações, como o próprio nome diz, tem o intuito de
manter em segredo a decisão tomada individualmente por cada membro do
conselho de sentença, os juízes de fato.
19
A manutenção do sigilo visa garantir tranquilidade e segurança ao jurado para
que possa decidir tão somente de acordo com sua consciência e sua livre convicção,
livre de qualquer pressão ou medo de represálias, o que inviabilizaria a realização
de um julgamento isento.
A Lei nº 11.689 de 2008 trouxe importantes modificações ao Código de
Processo Penal, contribuindo para a efetivação da garantia do efetivo sigilo do voto
de cada jurado. Anteriormente ao advento da nova lei, versava o artigo 481 do CCP
da seguinte forma:
Art. 481. Fechadas as portas, presentes o escrivão e dois oficiais de justiça, bem como os acusadores e os defensores, que se conservarão nos seus lugares, sem intervir nas votações, o conselho, sob a presidência do juiz, passará a votar os quesitos que Ihe forem propostos. Parágrafo único. Onde for possível, a votação será feita em sala especial.
Já no art. 485, com redação dada pela Lei nº 11.689 de 2008, substituiu o
dispositivo acima transcrito e a exigência da votação em sala especial passou a ser
regra:
Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação. § 1o Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo. § 2o O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente
Importante salientar que o julgamento e o seu resultado são públicos, o que a
lei visa proteger e manter em sigilo é o voto individual de cada jurado, pelos motivos
acima já expostos, entre outros. Tal observação é importante de ser feita, tendo em
vista que, embora já superados, há questionamentos a respeito da
constitucionalidade da votação em sala especial, sob a alegação que violaria a
previsão constitucional do art. 5º, LX e art. 93, IX. Entretanto, como bem observado
por Guilherme de Souza Nucci (2011, p.28) “o próprio texto constitucional – em
ambos dispositivos – menciona ser possível limitar a publicidade dos atos
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processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social ou público assim
exigirem”.
Além do mais, como destacado por Nucci (2011, p. 29) “não é secreto o
julgamento, pois acompanhado pelo órgão acusatório, pelo assistente de acusação,
pelo defensor e pelos funcionários do Judiciário, além de ser conduzido pelo juiz de
direito”.
Muito embora a exigência de votação na sala secreta tenha contribuído para
guardar o segredo dos votos dos jurados, a alteração fundamental para a eficácia do
princípio do sigilo das votações trazida pela reforma na legislação processual penal
foi em relação à apuração dos votos. Anteriormente, todos os votos eram retirados
da urna e computados, o que, por via indireta, violaria o sigilo do voto quando a
decisão fosse unânime. A lei nova definiu nos parágrafos primeiro e segundo do art.
583 que a contagem dos votos se daria por maioria, ou seja, com mais de três votos
negativos ou afirmativos, se encerra a contagem e o restante dos votos é
descartado. Desta forma, não é mais possível saber quando a decisão dos jurados
foi unânime, impedindo a quebra do sigilo das votações.
3.1.3 Competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida
Atualmente no Brasil, o Tribunal do Júri tem competência para julgar os
crimes dolosos contra a vida, sejam eles consumados ou na forma tentada.
Entretanto anteriormente já foi competente para julgar outros tipos de crime, como
os crimes de imprensa por exemplo.
Importante frisar que a fixação da competência do Tribunal do Júri para julgar
crimes dolosos contra a vida é mínima, ou seja, nada impede que lei ordinária
amplie tal competência. O motivo para a fixação desta competência mínima pela
carta magna, propositalmente prestigiada como cláusula pétrea, foi garantir a
sobrevivência do tribunal popular, conforme explica Nucci (2011, p. 32):
O intuito do constituinte foi bastante claro, visto que, sem a fixação da competência mínima e deixando-se à lei ordinária a tarefa de estabelecê-la, seria bem provável que a instituição, na prática, desaparecesse do Brasil. Foi o que houve em outros países ao não cuidarem de fixar, na Constituição a competência do Tribunal Popular.
O Tribunal do Júri também é competente para julgar, além dos crimes dolosos
contra a vida, os crimes conexos a estes. E, como lecionam Nestor Távora e
21
Rodrigues Alencar (2013, p. 828), “mesmo que a infração conexa seja de menor
potencial ofensivo, será atraída ao procedimento escalonado do tribunal popular,
assegurando-se, para estas últimas, os institutos despenalizadores da Lei nº
9.099/95”.
Sobre a possibilidade de ampliação da competência do Tribunal do Júri e da
atração da competência para o julgamento dos crimes conexos aos dolosos da vida,
neste sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal:
A competência do Tribunal do Júri, fixada no art. 5º, XXXVIII, d, da CF, quanto ao julgamento de crimes dolosos contra a vida é passível de ampliação pelo legislador ordinário. II - A regra estabelecida no art. 78, I, do CPP de observância obrigatória, faz com que a competência constitucional do tribunal do júri exerça uma vis atractiva sobre delitos que apresentem relação de continência ou conexão com os crimes dolosos contra a vida. Precedentes. III - A manifestação dos jurados sobre os delitos de sequestro e roubo também imputados ao réu não maculam o julgamento com o vício da nulidade. (STF - HC: 101542 SP , Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2010, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-096 DIVULG 27-05-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-04 PP-01149)
Apesar de, como destaca Nucci (2011), ter havido debate sobre o conceito de
crimes dolosos contra a vida, vigorou o entendimento de que os são apenas aqueles
previstos como tal no Capítulo I do Título I da parte especial do Código Penal
(homicídio; induzimento, instigação e auxílio ao suicídio; infanticídio e aborto). O
Supremo Tribunal Federal já editou inclusive a Súmula 603, com o seguinte verbete:
“A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não
do Tribunal do Júri”.
Outra questão relevante é a da competência para o julgamento do crime de
genocídio. No julgamento do caso conhecido como “massacre Haximu”, onde
garimpeiros assassinaram diversos índios da etnia ianomâmis, os acusados foram
levados a julgamento pelo juízo monocrático federal. O STF entendeu que em casos
de genocídio, a competência é do juiz singular da Justiça Federal (NUCCI, 2011).
Entretanto, o posicionamento do renomado autor é de que a competência em casos
de genocídio deveria ser do tribunal popular, Nucci (2011, p. 35):
Quanto à competência, entendemos, nessa hipótese, que se trata de delito da alçada federal (art. 109, XI, CF), mas não de apreciação pelo juízo singular. Cabe ao Tribunal do Júri, a ser estruturado na órbita federal, julgas os delitos comuns dolosos contra a vida. O genocídio, em muitas situações, não passa de um homicídio coletivo,
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realizado com a intenção específica de dizimar uma determinada população ou grupo. Em suma, o genocídio pode, perfeitamente, adaptar-se ao conceito de crime doloso contra a vida, encaixando-se no art. 5º, XXXVIII, d, da Constituição Federal.
3.1.4 Soberania dos veredictos
A Constituição Federal de 1988 conferiu às decisões do conselho de sentença
do Tribunal do Júri o caráter de soberanas, ou seja, não podem ser alteradas em
seu mérito pelo juiz togado, que deve apenas proferir a sentença com base na
soberana decisão dos jurados.
Na definição de Nucci (1999, p. 387):
A soberania dos veredictos é a alma do Tribunal Popular, assegurando-lhe o efetivo poder jurisdicional e não somente a prolação de um parecer, passível de rejeição por qualquer magistrado togado. Ser soberano significa atingir a supremacia, o mais alto grau de uma escala, o poder absoluto, acima do qual inexiste outro. Traduzindo-se esse valor para o contexto do veredicto popular, quer-se assegurar seja esta a última voz a decidir o caso, quando apresentado a julgamento no Tribunal do Júri.
Entretanto, nas palavras do próprio Nucci (2011, p. 30), essa soberania é
ameaçada e muitas vezes não é respeitada:
Muitos tribunais togados não se têm vergado, facilmente, à decisão tomada pelos Conselhos de Sentença. Alguns magistrados procuram aplicar a jurisprudência da Corte onde exercem suas funções, olvidando que os jurados são leigos e não conhecem – nem devem, nem precisam – conhecer a jurisprudência dominante em tribunal algum.
Apesar da decisão dos jurados ser soberana, em grau de recurso, a lei
permite que seja anulada a decisão dos juízes de fato e mandado o caso a novo
julgamento pelo conselho de sentença e, em alguns casos, que seja proferida nova
sentença, substituindo a anterior anulada.
3.2 Procedimento do Tribunal do Júri
Para facilitar o entendimento do que vem adiante nesta pesquisa, quando se
tratará da possibilidade de anulação da decisão dos jurados e suas consequências
frente ao princípio da soberania dos veredictos, faz-se necessário uma breve
explanação sobre o rito especial para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
3.2.1 Judicium accusationis
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O procedimento do júri é escalonado em duas fases, a primeira, o juicium
accusationis, muito parecido com o procedimento comum ordinário, é iniciado com a
exordial acusatória (denúncia ou queixa), que, sendo recebida, dá início à relação
processual, com a citação do acusado para apresentar resposta à acusação,
alegando toda a matéria de defesa e indicando as provas que pretende produzir.
Parte-se então para a instrução, com oitiva das partes e testemunhas e
produção das provas requeridas pelas partes e deferidas pelo juiz.
Ao fim da instrução e após a apresentação das alegações finais das partes é
que surge uma grande diferença do rito do júri. O magistrado tem várias
possibilidades de decidir, diferentemente do rito comum.
A decisão do juiz, em regra, vai depender do binômio: materialidade e autoria.
Como prevê o Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. § 1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova. Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando: I – provada a inexistência do fato; II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; III – o fato não constituir infração penal; IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
Prevista no art. 413, a decisão de pronúncia acontece quando o juiz se
convence da materialidade de dos indícios da autoria, ou seja, quando há certeza da
existência do crime e evidências que levem a crer que o denunciado pode ter sido o
autor.
A decisão que pronuncia o acusado como bem aduzem Távora e Alencar
(2013, p.833) “tem a natureza de decisão interlocutória mista não terminativa. É
mista porque encerra uma fase sem por fim ao processo. É não terminativa por não
decidir o meritum causae, nem extinguir o feito.”
24
Importante frisar que a necessidade da certeza nesta fase recai apenas sobre
a materialidade, bastando indícios suficientes da autoria, tendo em vista que vigora
aqui o princípio do in dubio pro societate, ou seja, se há possibilidade de ter sido o
acusado o autor do crime, este deve ser levado a julgamento pelos seus pares, que
decidirão se é ele culpado ou não.
Como já mencionado, no júri, exceto em casos que permitam, de plano, a
absolvição do acusado, a decisão sobre o mérito da causa é do conselho de
sentença. Desta forma, na decisão de pronúncia, o magistrado deve limitar-se a
fundamentar a existência da materialidade e dos indícios de autoria que viabilizaram
o encaminhamento do réu para julgamento em plenário, sem, no entanto, adentrar
no mérito da causa, sob pena de nulidade da decisão.
Neste sentido, decisão do STJ:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. SEQÜESTRO E CÁRCERE PRIVADO. JUNTADA DE LAUDO PERICIAL. DESNECESSIDADE DE DESIGNAÇÃO DO NOVO INTERROGATÓRIO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO A RESPALDAR A CUSTÓDIA CAUTELAR. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. [...] 2. A sentença de pronúncia, por consistir mero juízo de admissibilidade da acusação, deve restringir-se a apontar a prova da materialidade e os indícios de autoria, sem realizar a análise subjetiva dos elementos probatórios, sob pena de influenciar o ânimo dos jurados. [...] 4. Ordem parcialmente concedida. (STJ - HC: 58151 SP 2006/0089153-9, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 03/10/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 23/10/2006 p. 332)
Não se convencendo da materialidade do fato e da existência de indícios
suficientes de autoria - lembrando que para a decisão de pronúncia devem coexistir
ambos – o juiz deve proferir uma decisão de impronúncia, assim definida por Nestor
Távora e Alencar (2013, p. 838)
A decisão de impronúncia não julga o mérito da denúncia, tendo, pois, conteúdo terminativo. É autêntica sentença porque encerra (ou, quando mais de um acusado, põe fim ao processo quanto ao que foi impronunciado), embora não aprecie os fatos com profundidade por deficiência probatória. A impronúncia encerra o judicium accusationis sem inaugurar a segunda fase.
A impronúncia faz coisa julgada secundum eventos probationis, ou seja,
dentro do prazo prescricional, desde que haja novas provas, pode ser feita uma
nova acusação contra o réu então impronunciado.
25
O art. 415 do Código de Processo Penal traz a possibilidade de absolvição
sumária, quando o juiz, adentrando no mérito, pode decretar a absolvição do
acusado, tendo em vista o juízo de certeza, visando evitar o desgaste desnecessário
de fazer o réu ser levado a julgamento no tribunal popular, quando, de logo, já há
substrato para sua absolvição. (TÀVORA, 2013)
A primeira hipótese que autoriza a absolvição sumária é a ausência de
materialidade. Como já dito, a certeza da materialidade é necessária para a
pronúncia, já a certeza da inexistência do fato imputado ao réu dá azo à sua
absolvição sumária. Por certo, não há lógica em se levar um acusado a julgamento
pelo júri quando resta comprovado que o fato a ele imputado sequer existe.
Outra situação que admite a absolvição do denunciado ainda na primeira fase
do procedimento escalonado do júri é prova de que o réu não foi autor ou partícipe
do crime. Aqui, como na hipótese anterior, havendo a certeza da ausência de um
dos elementos do binômio materialidade/autoria, é medida de direito a absolvição do
acusado. Sendo inequívoca a prova de que o suspeito não praticou ou contribuiu
para a prática do delito a ele imputado, não se pode leva-lo à fase seguinte do
procedimento especial do júri.
Também autoriza a absolvição sumária a atipicidade, ou seja, se ao final da
instrução ficar comprovado que o fato imputado ao acusado não está definido em lei
como crime, ainda que provada a existência fática e a conduta do réu, não há
alternativa que não o decreto absolutório, pois não se pode condenar ou mandar a
julgamento em plenário alguém se a própria lei não diz que o fato a ele imputado é
crime, respeitando-se assim o princípio da reserva legal.
Por último, tem-se a possibilidade de absolvição sumária quando presentes
causas de isenção da pena ou de exclusão do crime. As excludentes de
culpabilidade e de ilicitude (TÁVORA; ALENCAR, 2013).
As excludentes de ilicitude estão previstas no art. 23 do Código Penal:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
26
Por sua vez, a excludente de culpabilidade tem sua previsão no art. 26 do
Código Penal brasileiro:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Sobre a absolvição por excludente de culpabilidade, Nestor Távora e
Rodrigues Alencar lecionam da seguinte maneira (2013, p. 841)
Dentro das excludente de culpabilidade, a absolvição sumária por inimputabilidade do agente tem dado azo ao que se conhece por absolvição imprópria. A sentença é absolutória porque o réu que praticou o crime em situação como a de doença mental é “isento de pena”, consoante o teor da art. 26 do Código Penal. Essa isenção, todavia, é substituída pela aplicação de uma “medida de segurança”. Vale dize, embora o réu não seja terminologicamente “condenado”, a ele é imposta uma sanção denominada eufemisticamente de “medida de segurança”. A medida de segurança, aplicada pelo juiz singular, amputa a competência do júri, com esteio no laudo psiquiátrico acostado aos autos.
É possível que haja ainda a decisão de desclassificação do crime para e o
declínio da competência. Tal situação ocorre quando o juiz, ao analisar o caso,
entende não estar ali presente um delito não previsto no rol de crimes dolosos contra
a vida, afastando assim a competência do Tribunal do Júri. O juiz não define a nova
classificação do delito, apenas declina da competência, enviando os autos para o
juízo competente, como previsto no art. 419 do Código de Processo Penal.
A natureza da desclassificação é de “decisão interlocutória modificadora de
competência” (TÁVORA; ALENCAR, 2013, p. 843).
O ocorrendo a hipótese de pronúncia do acusado, prevista no art. 413 do
Código de Processo Penal, passa-se então à segunda fase do procedimento
especial do júri.
3.2.2 Judicium causae
Entendendo o magistrado que estão presentes a materialidade e indícios
suficientes de autoria, pronunciará o acusado. Preclusa a decisão, dá-se início à
segunda fase do rito escalonado de julgamento dos crimes dolosos contra a vida, o
judicium causae.
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Entretanto, a decisão de pronúncia produz coisa julgada apenas formal,
permitindo, desde que exista fato superveniente que altere a classificação do crime,
que haja modificações na pronúncia, mesmo após o seu transito em julgado.
Guilherme Nucci (2011), usando o exemplo de uma imputação classificada
como homicídio duplamente qualificado por motivo torpe e emprego de recurso que
dificultou a defesa da vítima, ilustra bem a possibilidade de alteração da decisão de
pronúncia após o seu trânsito em julgado:
Não há recurso das partes, ocorrendo o trânsito em julgado da decisão. Entretanto, antes do julgamento em plenário, emerge uma circunstância capaz de modificar a referida classificação. Imagine-se que prova superveniente, juntada aos autos, demonstre a existência de outra qualificadora (emprego de meio cruel, o que pode ser atestado por laudo médico). Deve o magistrado determinar a remessa dos autos ao Ministério Público para aditamento da denúncia (ou ao querelante da queixa-crime), afinal, cabe ao órgão acusatório a iniciativa da ação penal, logo, de qualquer ampliação da imputação. (NUCCI, 2011, p. 104)
Decidindo a acusação pelo aditamento da denúncia, abre-se o contraditório,
permitindo, inclusive nova produção probatória.
Em seguida ao pronunciamento da defesa, o magistrado irá exarar nova
decisão, incluindo o que for cabível dentro da nova tipificação dada ao delito.
A lei prevê que da decisão de pronúncia devem ser intimados pessoalmente o
acusado, o defensor nomeado e o ministério público e, na forma do §1º do art. 370
do Código de Processo Penal, o defensor constituído, o querelante e o assistente de
acusação. Dispões ainda que o réu solto, quando não encontrado, terá sua
intimação feita por edital.
Após a preclusão da decisão que pronunciou o acusado, inicia-se a
preparação para o julgamento em plenário. Devendo o juiz presidente tomar as
providências necessárias.
Inicialmente, devem as partes serem intimadas para requererem as provas
que pretendem produzir em plenário, inclusive o rol de testemunhas.
Não há um prazo determinado para a realização do julgamento após a
pronúncia, devendo a situação ser conduzida com observância à razoabilidade e à
proporcionalidade (NUCCI, 2011), dando-se preferência aos casos de réu presos,
entre estes, os presos há mais tempo, e ainda entre estes últimos, os que foram
pronunciados primeiro.
28
Há ainda a possibilidade de desaforamento, que é quando a competência
prevista em lei pode ser alterada, transferindo-se a comarca de realização do
julgamento.
Tal instituto visa a garantir a imparcialidade do julgamento e a segurança do
acusado ou ainda atender ao interesse da ordem pública, podendo ser requerido por
qualquer das partes ou por representação do próprio juiz presidente ao tribunal.
Uma vez iniciado a sessão em plenário, serão sorteados os sete jurados que
comporão o conselho de sentença. Após a instrução, acusação e defesa farão sua
sustentação oral com o tempo máximo de uma hora e meia para cada, tendo ainda
uma hora para réplica e igual período para tréplica. A lei prevê ainda que, havendo
mais de um acusado, serão acrescidos de uma hora os tempos mencionados.
Ao final, após esclarecidas possíveis dúvidas dos jurados, se dará início à
votação.
Os juízes de fato responderão acerca da materialidade, letalidade e autoria do
fato, posteriormente um quesito genérico sobre a absolvição do acusado, podendo o
julgamento ser logo decidido nos primeiros quesitos a depender da resposta dos
julgadores. Podendo além dos quesitos mencionados haver outros a depender da
natureza do caso sob análise.
Questão importante diz respeito à mudança trazida pela Lei nº 11.689/2008,
que transformou determinou a elaboração de um quesito genérico quanto à
absolvição, não mais sendo necessário inquirir aos jurados detalhadamente sobre a
tese defensiva.
Tal mudança tem uma influência considerável no momento de se analisa, em
sede de apelação, se a decisão dos jurados foi contrária à prova dos autos, o que
será discutido mais detidamente no capítulo correspondente ao tema.
Uma vez dado o veredicto pelo corpo de jurados, caberá ao juiz togado
apenas a elaboração da sentença, fixando, em caso de condenação, a pena do
acusado e seus efeitos, observando-se o disposto no art. 59 do Código Pena,
sempre em estrita observância ao que foi decidido pelos juízes de fato. Cabe ainda
ao juiz de direito presidir os trabalhos durante o julgamento em plenário,
esclarecendo eventuais dúvidas dos jurados, mantendo a ordem, se manifestando
sobre eventuais requerimentos ou incidentes levantados durante os trabalhos do
julgamento, e garantido que o réu possa exercer a plenitude do seu direito de
defesa.
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4 APELAÇÃO CRIMINAL E O TRIBUNAL DO JÚRI
Muito embora a Constituição Federal tenha elencado entre os princípios
reitores do Tribunal do Júri a soberania dos veredictos, a lei prevê algumas
situações onde a decisão do conselho de sentença pode ser anulada e o caso
levado novamente a julgamento pelo tribunal popular.
Entre as possibilidades de anulação da decisão, está a apelação criminal, que
será mais detalhadamente analisada a seguir.
4.1 Apelação criminal
O recurso é o meio pelo qual a parte em um processo judicial tem a garantia
do duplo grau de jurisdição, ou seja, o meio de solicitar que seja revista uma decisão
judicial que não lhe pareceu justa ou acertada. No direito processual penal há vários
recursos previstos na legislação, entre eles, a apelação criminal.
O recurso de apelação criminal tem sua previsão legal no art. 593 do Código
de Processo Penal, e como lecionam Nestor Távora e Rodrigues Alencar (2013), a
legislação processual não trata de maneira sistemática os recursos previstos nesta
seara. Desta forma, ainda conforme o autor, a apelação é um recurso com a
característica da subsidiariedade, tendo em vista que, por disposição do art. 581 do
CPP, é preciso primeiro avaliar-se a possibilidade de interposição de recurso em
sentido estrito contra a decisão que se pretende modificar ou anular, e, somente em
caso de resposta negativa para esta avaliação é que se deve vislumbrar a
possibilidade de manejo do recurso de apelação.
Sobre o cabimento da apelação, o grande doutrinador Eugênio Pacelli (2013,
p. 913):
Dessa maneira, reservado às interlocutórias o recurso em sentido estrito, quando cabível, a apelação se dirigiria às sentenças e às decisões com força de definitivas. Excepcionalmente, e somente por força expressa de texto legal, caberá apelação de decisões de outra natureza, como é o caso da impronúncia e da absolvição sumária (art. 416, CPP).
O autor traz também o conceito de sentença (PACELLI, 2013, p. 913):
As sentenças, ao contrário das decisões com força de definitivas, julgam a própria pretensão punitiva. Decidem, definitivamente, as questões relativas à existência de um fato, à delituosidade desse fato e sobre a respectiva autoria e até mesmo acerca da sua punibilidade (absolvição sumária, art.
31
397, IV, CPP). Definem, enfim, se o caso é de absolvição, ou condenação, incluindo a chamada absolvição imprópria, por meio da qual se reconhecem a existência, a tipicidade e a ilicitude do fato, mas se afasta a culpabilidade do agente; por isso, terminam por impor medida de segurança ao acusado (art. 386, parágrafo único, III).
O prazo legal para a interposição do recurso de apelação é de 05 (cinco) dias.
Com a peculiaridade de que no Tribunal do Júri, quando o recurso interposto contra
decisão do julgamento em plenário, a contagem do prazo se inicia a partir da leitura
da sentença:
É intempestiva a Apelação interposta quando esgotado o prazo disciplinado no art. 593 do CPP (no caso do Defensor Público, contado em dobro), que, em se tratando de processo da competência do Tribunal do Júri, tem como dies a quo a leitura da sentença na própria sessão de julgamento. (AgRg no Ag 1139439/ES, 5ª T., j. 05.11.2009, v.u., rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho).
Já no que diz respeito às funções do recurso de apelação, Távora e Alencar
(2013) classificam-nas em duas: função rescisória, que se dá quando a sentença
guerreada é substituída por uma nova, reformando-se a decisão anterior; e a função
rescindente, que ocorre quando a o órgão que julga o recurso não substitui a
decisão enfrentada, mas sim anula esta.
Távora e Alencar (2013, p. 953) esclarecem que a característica da apelação
que impugna julgamento realizado perante o tribunal popular:
A apelação contra as decisões dos jurados não terá o condão de possibilitar o reexame integral das decisões protegidas pela soberania dos veredictos (Tribunal do Júri). Calha destinguir: (1) se a apelação for manejada contra a sentença do juiz-presidente do júri, visando redução da pena, o tribunal ad quem se restringirá a reformar a aplicação do direito que foi dada pelo magistrado, não modificando o que decidido pelos jurados (função rescisória); (2) quando for a hipótese de modificação do que o júri afirmou, o órgão segundo grau deverá cassar a decisão do júri para mandar o acusado a novo julgamento, deixando intocada a soberania dos veredictos concernente ao mérito da demanda penal (função rescindente).
Assim, percebe-se que há peculiaridades nas apelações interpostas conta
decisões do conselho de sentença. Adiante, ver-se-á quais são as possibilidade de
insurgência contra os veredictos “soberanos” do Tribunal do Júri.
4.1.1 Apelação interposta contra decisão do Tribunal do Júri
O Código de Processo Penal prevê as hipóteses de recurso de apelação
criminal contra as decisões do tribunal do júri:
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Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...] III - das decisões do Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
§ 1o Se a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação. § 2o Interposta a apelação com fundamento no nº III, c, deste artigo, o tribunal ad quem, se Ihe der provimento, retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança. § 3o Se a apelação se fundar no nº III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação.
§ 4o Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra.
Detalhe importante, é que a parte recorrente, deve indicar, no ato de
interposição do recurso de apelação, em qual ou quais das alíneas se fundamenta a
apelação, ficando as razões recursais restritas ao fundamento apontado. (NUCCI,
2011)
Assim determina a súmula 713 do Supremo Tribunal Federal,: “O efeito
devolutivo da apelação contra decisões do júri é adstrito aos fundamentos da sua
interposição.”
Entretanto, conforme Nucci (2011, p.382), “a única possibilidade de alterar o
fundamento da apelação ou ampliar o seu inconformismo, abrangendo outras
hipóteses do inciso III, é fazê-lo ainda no prazo para apresentar a apelação.”
4.1.1.1 Nulidade posterior à decisão de pronúncia
A possibilidade de anulação do julgado prevista na alínea “a”, do inciso III do
art. 593 do Código de Processo Penal diz respeito à ocorrência de nulidade em
momento posterior à decisão que julgou presentes a materialidade e os indícios de
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autoria, enviando assim o acusado para julgamento pelos seus pares no Tribunal do
Júri.
Desta forma, nulidades ocorridas após a decisão que pronunciou o réu, pois,
logicamente, as que ocorreram antes desta foram passíveis de apreciação na
primeira fase do rito escalonado do júri, podem ser alegadas em sede de apelação.
Importante ressaltar que o momento oportuno para insurgir-se contra
possíveis nulidades ocorridas após a decisão de pronúncia é a abertura da sessão
de julgamento em plenário, e, apenas se o juiz de direito entender pela continuidade
do julgamento, será possível a arguição da preliminar de nulidade em sede de
recurso (NUCCI, 2011).
Ainda conforme Nucci (2011), é possível a impetração de habeas corpus por
parte do réu, quando rejeitada pelo juiz a nulidade levantada após a pronúncia,
sendo possível que o tribunal conceda a ordem anulando os atos eivados de
legalidade, determinando que sejam novamente realizados.
Outro ponto interessante que merece ser destacado diz respeito à situação da
prisão cautelar e suas consequências em caso de anulação do julgado.
Caso o réu tenha sido encarcerado preventivamente e absolvido no
julgamento em plenário e, consequentemente, colocado em liberdade, posterior
decisão que anule o decreto absolutório não tem o poder de, por si só e
automaticamente, reestabelecer a prisão cautelar. Para que haja um novo decreto
preventivo, deve haver a reapreciação do caso concreto pelo juízo competente.
4.1.1.2 Sentença contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados
Há possibilidade de interposição de recurso de apelação quando o juiz
presidente, ao aplicar a sentença, violar a lei ou proferir dispositivo em
desconformidade com o que foi decidido pelo conselho de sentença.
Tal hipótese diz respeito a equívoco do juiz na função de elaborar e proferir a
sentença de acordo com a decisão emanada dos jurados, os juízes de fato. Neste
caso, não há qualquer ameaça à soberania exercida pelo tribunal popular, mas tão
somente à possibilidade de correção de possível falha do magistrado.
Neste caso, pode o tribunal corrigir os equívocos havidos na sentença, sem
necessidade de novo julgamento.
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4.1.1.3 Injustiça na aplicação da pena ou da medida de segurança
A hipótese de apelação com fundamento erro ou injustiça na aplicação da
pena ou medida de segurança também não tem o condão de ameaçar o princípio da
soberania dos veredictos, uma vez que trata, do mesmo modo que o item anterior,
de apelação fundamentada em erro do magistrado, neste caso, no tocante à
aplicação da pena ou medida de segurança. Neste caso, o próprio órgão revisor
sanará o erro, proferindo nova sentença em substituição àquela que foi desafiada
pelo recurso, sem que o caso seja novamente analisado pelo corpo de jurados.
Hipóteses, como exemplo, de aplicação da pena muito acima do
recomendado legalmente para as circunstâncias do crime e do acusado ou então
uma reprimenda penal aquém do adequado para o caso concreto. Ou ainda a
aplicação de medida de segurança desproporcional com a situação concreta exigida
pela condição mental do réu. (NUCCI, 2011)
Entretanto, como assevera Nucci (2011, p. 384):
Observe-se, entanto, que a exclusão ou inclusão de qualificadoras, privilégios, causas de aumento ou diminuição de pena não podem ser empreendidas pelo Tribunal, uma vez que fazem parte da tipicidade derivada, integrante do crime doloso contra a vida, cuja competência para julgar pertence, com exclusividade, ao Tribunal do Júri.
Desta maneira, havendo equívoco dos jurados no acolhimento da tese de
existência de qualificadora sem que haja respaldo no conjunto probatório constante
nos autos, não pode o tribunal excluí-la, sob pena de usurpar a competência do
Tribunal do Júri, pode tão somente enviar o caso para novo julgamento, lastreado na
previsão da alínea “d” do inciso III, art. 593 do Código de Processo Penal.
Neste caminho é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. SUSPENSÃO DO PRAZO EM RAZÃO DAS FÉRIAS FORENSES. APELAÇÃO FUNDADA NO ARTIGO 593, III, D, DO CPP. PROVIMENTO DA APELAÇÃO PARA, DESDE LOGO, AFASTAR A QUALIFICADORA E REDUZIR A PENA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. [...] 3. Se o Tribunal ad quem, ao julgar a apelação interposta com fundamento no artigo 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal, conclui que a qualificadora reconhecida pelo Tribunal do Júri era manifestamente contrária à prova dos autos, não pode ele, desde logo, afastar a referida qualificadora e reduzir a pena, mas, isto sim, anular o julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, para que outro se realize, em cumprimento ao que estabelece o § 3º daquele artigo. 4. Recurso especial provido para reformar, em parte, o acórdão recorrido, e, em consequência,
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determinar a sujeição do recorrido a novo julgamento, nos termos do § 3º do artigo 593 do Código de Processo Penal. (STJ, Relator: Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Data de Julgamento: 01/06/2010, T6 - SEXTA TURMA)
4.1.1.4 Decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos
A previsão legal de apelação contra decisão dos jurados sob a alegação de
que o veredicto foi manifestamente contrário à prova dos autos se encontra no cerne
do objeto da presente pesquisa, pois se busca estabelecer a sua relação com o
princípio da soberanias dos veredictos e se há compatibilidade entre os institutos.
Trata-se de situação diferente das anteriores elencadas, pois o que é
colocado em análise pelo tribunal é a própria decisão dos jurados, que seria, em
tese, soberana. Soberania esta prestigiada pela Constituição Federal de 1988 como
garantia fundamental.
A cassação da decisão pode ocorrer quando o tribunal entender que o voto
dos jurados está em dissonância com o caderno probatório, hipótese que enseja a
anulação do veredicto.
Importante destacar que precisa ser clara e notória a incoerência e falta de
respaldo probatória na decisão emanada do Tribunal do Júri para que se possa
proceder a sua anulação, como mostra entendimento firmado pelo Superior Tribunal
de Justiça:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PROVIDO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. NULIDADE. EXCESSO DE LINGUAGEM. VÍCIO NÃO-CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. A anulação do julgamento pelo Tribunal do Júri sob o fundamento previsto no art. 593, III, d, do Código de Processo Penal exige que o veredicto atente contra as evidências dos autos, revelando-se incoerente e arbitrário, sem nenhum respaldo no conjunto probatório. [...] 3. Ordem denegada. (STJ - HC: 143268 ES 2009/0145434-5, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 27/05/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/06/2010)
Havendo mais de uma tese, ainda que contrárias, não há o que se falar em
decisão contrária à prova dos autos, tendo em vista a possibilidade de que tenha o
jurado optado por alguma delas. Neste sentido é a jurisprudência do Tribunal da
Cidadania:
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HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO POR TER SIDO PROFERIDO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS. ART. 593, III, D, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA DOS VEREDICTOS. 1. Consoante orientação pacífica desta Corte e do Supremo Tribunal, a submissão do réu a novo julgamento, na forma do disposto no art. 593, § 3º, do CPP, não ofende o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal. 2. É certo que existindo duas teses contrárias e havendo plausibilidade na escolha de uma delas pelo Tribunal do Júri, não pode a Corte Estadual cassar a decisão do Conselho de Sentença para dizer que esta ou aquela é a melhor solução. [...] (STJ - HC: 43225 SP 2005/0059759-6, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 23/02/2010, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/03/2010)
É uma situação peculiar onde o tribunal togado entra no mérito da decisão do
tribunal popular, analisando os fatos e proferindo juízo de valor acerca da correção
do veredicto emitido pelos juízes de fato.
Entretanto, não podem os juízes togados proferir nova decisão em
substituição à dos jurados, podendo somente cassar o julgado anterior e determinar
o reenvio do caso para apreciação novamente pelo conselho de sentença.
Nesta segunda oportunidade, será a sessão composta por jurados diferentes
daqueles que proferiram a decisão afastada pelo tribunal.
Para os que defendem a constitucionalidade da alínea “d”, inciso III do art.
593 do Código de Processo Penal, o fato de o tribunal togado não proferir nova
decisão e sim permitir ao tribunal popular jugar novamente o caso, não caracterizaria
usurpação da competência do júri, sendo respeitado o princípio da soberania dos
veredictos.
O entendimento dos tribunais superiores, como será visto no próximo
capítulo, é no sentido de que a anulação do julgamento do Tribunal do Júri pelo
órgão revisor não violara o princípio da soberania dos veredictos.
Por fim, uma vez anulada a decisão e levado a caso a novo julgamento, deste
segundo veredicto não cabe novo recurso de apelação sob alegação de que tenha
sido decidido em desconformidade com as provas dos autos.
Importante ainda destacar os desdobramentos correlatos à prisão cautelar do
acusado cujo julgamento foi anulado, conforme destaca Nucci (2011, p. 395):
Outro registro relevante diz respeito à prisão cautelar em contraste com o provimento ao apelo para a realização de novo julgamento. Supondo-se ter sido o réu absolvido em primeira instância e colocado em liberdade, o
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acolhimento da apelação interposta pelo Ministério Público não pode restaurar, automaticamente, os efeitos de eventual prisão preventiva que fora decretada pelo juiz de 1º grau, sem novos fundamentos.
Já no caso de réu que aguardava julgamento com prisão cautelar
determinada, havendo condenação e posterior anulação do julgado, é razoável que
seja mantida sua prisão processual, desde que subsistam os motivos que
fundamentaram sua decretação. Porém, excepcionalmente, pode o tribunal entender
que não havia ou deixaram de existir os motivos que fundamentaram o decreto
cautelar encarcerador, determinando assim que seja posto em liberdade o réu para
aguardar o novo julgamento.
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5 A ANULAÇÃO DO JULGADO POR DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS
AUTOS E O PRINCÍPIO DA SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Ante a anulação da decisão proferida pelo Tribunal do Júri, por ter entendido
o órgão revisor que o veredicto do conselho de sentença foi contrário à prova dos
autos, abre-se a discussão, como objetivo deste trabalho, de se agindo desta forma,
anulando a decisão dos jurados, não estaria o tribunal ad quem usurpando a
competência dos juízes de fato e violando assim o princípio constitucional basilar da
soberania dos veredictos no âmbito do Tribunal do Júri.
A seguir, analisar-se-á a questão, mostrando as opiniões doutrinárias e o
posicionamento dos tribunais superiores, realizando-se um cotejo analítico e
tentando delimitar até onde a atuação revisional da segunda instância interfere no
poder do conselho de sentença de julgar os fatos nos casos da sua competência.
5.1 Entendimento do STF
O Supremo Tribunal Federal tem entendimento firmado no sentido de que a
anulação da decisão dos jurados por terem supostamente decidido em
descompasso com o conjunto probatório contido nos autos do processo. Veja-se,
como exemplo, o julgado a seguir:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO, QUE TEVE O SEGUIMENTO NEGADO. ANULAÇÃO DE DECISÃO ABSOLUTÓRIA DE TRIBUNAL DO JÚRI. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA REGRA QUE ASSEGURA A SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO JÚRI. NÃO OCORRÊNICA. RECURSO NÃO PROVIDO. Esta Corte tem entendido que a anulação de decisão do tribunal do júri, por manifestamente contrária à prova dos autos, não viola a regra constitucional que assegura a soberania dos veredictos do júri (CF, art. 5º, XXXVIII, c). Nesse sentido, o HC 73.349 (red. p/ acórdão min. Maurício Corrêa, DJ de 1º.12.2000) e o RE 166.896 (rel. min. Néri da Silveira, DJ de 17.05.2002). [...] (STF - AI: 728023 RS , Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 08/02/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-039 DIVULG 25-02-2011 PUBLIC 28-02-2011 EMENT VOL-02472-01 PP-00183) Habeas corpus. 2. Constitucional e Processual Penal. 3. Tribunal do júri. Decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Anulação da decisão proferida pelo Conselho de Sentença e determinação de submissão do paciente a novo julgamento perante o Tribunal do Júri. 4. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que o princípio constitucional da soberania dos veredictos não é violado pela realização de novo julgamento do Júri, quando a decisão dos jurados for manifestamente
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contrária à prova dos autos. Precedentes. 5. Alegação de excesso de linguagem. Não ocorrência. 6. Ordem denegada. (grifou-se) (STF - HC: 112472 MG , Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 19/11/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-238 DIVULG 03-12-2013 PUBLIC 04-12-2013)
Desta forma, entende o excelso pretório que, mesmo em caso de absolvição
pelo conselho de sentença, a anulação do julgamento por considerar a decisão
contrária à prova dos autos não viola o princípio da soberania dos veredictos.
5.2 Entendimento do STJ
No mesmo caminho é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que
rechaça a tese de violação ao princípio da soberania dos veredictos em caso de
anulação da decisão com fulcro no art. 593, inciso III, alínea ”d” do Código de
Processo Penal, como demonstrado no julgado que se segue:
CRIMINAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL A QUO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA DOS VEREDICTOS. REEXAME DO CONJUNTOFÁTICO-COMPROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. I. As decisões emanadas do Conselho de Sentença consagram a vontade popular acerca dos crimes dolosos contra a vida que lhe são submetidos a julgamento. II. O Tribunal, ao qual a irresignação é dirigida, não pode substituir a vontade dos jurados, que é soberana, sendo possível apenas retificar a decisão contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados, retificar a aplicação da pena e corrigir dosimetria da pena fixada ou anular o julgamento e submeter o réu a novo Conselho de Sentença, na hipótese prevista no art. 593, inciso III, alínea d, do Código de Processo Penal, não se admitindo, contudo, nova apelação pelo mesmo motivo. III. A possibilidade de anulação do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos não ofende a soberania dos veredictos. [...] (grifou-se) (STJ - HC: 228182 PB 2011/0300851-7, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 27/03/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/04/2012)
5.3 Da possível violação ao princípio da soberania dos veredictos
Assim como os tribunais superiores, boa parte da doutrina entende ser
totalmente cabível a revisão do julgamento pelo tribunal ad quem, anulando a
decisão do conselho de sentença e reenviando o caso para a apreciação pelo
conselho de sentença, desde que a decisão anulada tenha sido manifestamente
oposta ao que consta nos autos.
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Segundo Nucci (2011, P.388), “o tribunal pode dar provimento à apelação,
para submeter o réu a novo julgamento, desde que determinada qualificadora não
encontre respaldo algum nos autos.” Desta forma entende o notável professor, que,
para haver a anulação com fundamento no art. 593, inciso III, alínea “d” do CPP é
preciso que haja erro claro na apreciação dos jurados sobre a matéria de fato.
Tal possibilidade de anulação da decisão dos jurados deve ser vista usada
com cautela que de maneira excecional, exigindo-se o senso comum sobre a
contrariedade da decisão, tendo em vista que são vários os aspectos que levam o
jurado a decidir no Tribunal do Júri, até mesmo, muitas vezes, fatores mais
emocionais que jurídicos. (PACELLI, 2013)
Sobre o conflito do dispositivo legal com o princípio constitucional, boa
definição é a do professor Eugênio Pacelli (2013, p. 916):
Naquela alínea, o que estará sendo questionado é a própria decisão do júri, configurando verdadeira exceção à regra da soberania dos veredictos. Por mais compreensível que seja a preocupação com o risco de erro ou desvio no convencimento judicial do júri popular, o fato é que o aludido dispositivo legal põe em xeque a rigidez da soberania das decisões do júri.
Desta feita, os tribunais entendem, como a doutrina, em alguns casos, que a
anulação do julgamento e o envio do processo a novo julgamento não viola o
preceito constitucional que dá a soberania às decisões do conselho de sentença.
Tal procedimento é possível desde que a decisão dos jurados seja, como diz
o texto legal, manifestamente contrária à prova dos autos. Surge aí a principal
questão, como é possível fazer-se esta valoração da correção ou não da decisão do
tribunal popular? Como aferir sua correlação com o conjunto probatório do processo
criminal sem invadir o mérito da decisão e sem que haja usurpação da competência
do conselho de sentença?
É certo que não há princípio absoluto e que a constituição e o ordenamento
jurídico devem ser interpretados de maneira sistêmica, sobrepesando princípios e
garantias muitas vezes em conflito, e ainda que o direito ao duplo grau de jurisdição
é uma garantia dos sujeitos processuais. Entretanto, qualquer que legitime o ato do
tribunal em anular a decisão do corpo de jurados, ainda que mande-se o caso para
novo julgamento, está sim o juiz togado invadindo o mérito da causa e usurpando a
competência do Tribunal do Júri.
Quando, por exemplo, os juízes de fato decidem pela absolvição do réu e o
tribunal ad quem, em sede de recurso, anula a decisão por ser ”contrária à prova
41
dos autos”, o que está fazendo senão emitindo um juízo de valor acerca do mérito
da causa? Ora, se os jurados absolveram o acusado e o tribunal se pronuncia
alegando que a decisão não encontra embasamento nos autos, está, por via
indireta, porém clara, asseverando que a decisão juridicamente correta a se tomar
seria a condenação. Desta forma, adentra, inegavelmente, no mérito da causa,
analisando os fatos e proferindo, ainda que não diretamente, seu juízo de valor.
5.3.1 Decisão manifestamente contrária à prova dos autos
Pois bem, mesmo admitida a interferência do juízo de segunda instância no
mérito da causa para sanar erros e corrigir injustiças, permanece a problemática de
como avaliar o equívoco na decisão dos jurados.
5.3.1.1 Veredicto condenatório
No caso de decisão pela condenação do acusado, apresenta-se mais simples
a valoração da contrariedade da decisão do jurado ao constante no caderno
processual. Tendo em vista que a tese acusatória é muito mais limitada que a
defensiva, tendo em vista que a acusação é feita amarrada aos termos da pronúncia
[art. 473 do CPP], diferente da defesa, que pode ser realizada na sua plenitude.
Desta forma, se a acusação sustenta que o acusado praticou um homicídio
qualificado por emprego de veneno e há nos autos laudo que comprove o
envenenamento como causa da morte da vítima, os jurados decidirão pontualmente
sobre a autoria e a qualificadora, em quesitos simples e objetivos. Podendo ser mais
facilmente analisado se a resposta afirmativa ou negativa encontra lastro probatório
nos autos.
Entretanto, é preciso que haja muita cautela nesta análise, tendo em vista que
só deve o tribunal anular o julgado quando realmente for inconteste a
incompatibilidade da decisão dos jurados com a verdade real demonstrada nos
autos, como nos exemplos anteriormente elencada. Pois, caso possa o tribunal
anule a decisão do conselho de sentença por considera-la injusta e abstratamente
contrária à provas carreadas durante a persecução penal, estará, de modo
inconstitucional, invadindo o mérito da causa e usurpando a competência dada pela
42
Carta Magna ao tribunal popular para julgar, com exclusividade, os crimes dolosos
contra a vida.
Neste sentido é preciosa lição de Nucci (2011, p. 388):
Em muitos casos, o tribunal, ao dar provimento ao apelo, embora não possa invadir o mérito e apenas determine a realização de novo julgamento pelo Tribunal do Júri (atuando outro Conselho de Sentença), está, na essência, revendo a decisão e valorando, sob seu ponto de vista, a prova existente. Tal medida é incabível e inconstitucional. Não se trata de atribuição do tribunal togado reavalia a prova e interpretá-la à luz de doutrina ou de jurisprudência majoritária. Cabe-lhe, unicamente, confrontar o veredicto dos jurados com as provas colhidas e existentes nos autos, concluindo pela harmonia ou desarmonia entre ambas .
Já no caso de decisão pela absolvição, devido à possibilidade de plenitude da
defesa e outros aspectos, torna bastante complicada a tarefa de apontar que foi
decidido em desconformidade com o conjunto probatório.
5.3.1.2 Da decisão pela absolvição do réu
Diferentemente do que acontece com o juiz togado, o jurado não tem a
obrigação de fundamentar suas decisões, como diz na própria exortação que todo
jurado é obrigado a fazer antes de iniciar o julgamento, deve decidir de acordo com
sua consciência e seu convencimento, sem a necessidade de atrelar sua decisão às
leis positivadas ou ao entendimento dos tribunais (NUCCI, 2011). O Código de
Processo Penal assim prevê:
Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação: Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça. Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão: Assim o prometo.
Quanto aos quesitos referentes à materialidade, letalidade e autoria, ainda é
possível se vislumbrar uma análise a respeito da decisão do jurado, pois se houver,
por exemplo, um laudo tanatoscópico nos autos afirmando que a vítima sofreu
lesões oriundas de disparo de arma de fogo e que tais lesões foram a causa do seu
43
óbito, uma resposta do jurado em sentido oposto é, de maneira até clara,
manifestamente contrária aos que consta nos autos.
Também quando o acusado confessa o crime, acusação afirma também que
foi ele o autor, e a nenhuma das teses de defesa se sustenta na negativa de autoria
ou participação, é possível que uma resposta negativa dos jurados ao quesito da
autoria seja tida como contrária às provas do processo.
Entretanto, a questão já não mais tão simples quando se trata da absolvição
propriamente dita, quando os jurados respondem afirmativamente ao quesito da
absolvição.
5.3.1.2.1 Do quesito genérico de absolvição
A Lei nº 11.689/2008, que tanta inovação trouxe ao Código de Processo
Penal, simplificou a redação dos quesitos e a votação. No tocante ao quesito sobre a
absolvição, o art. 483 do CPP, prevê, no seu inciso III, que, logo após o quesito
referente à autoria, obrigatoriamente, será indagado em forma de quesito ao jurado,
objetivamente, “se o jurado deve ser absolvido” e não mais detalhando nos quesitos
a tese sustentada pela defesa.
Ou seja, caso a tese defensiva tenha sido a legítima defesa, não mais há
necessidade de se indagar aos jurados se houve agressão injusta, atual ou iminente
e se o réu usou, de maneira moderada, dos meios disponíveis, para repelir o mal
que lhe causavam ou estavam prestes a causar. O jurado simplesmente responderá
se absolve ou não o acusado.
Desta forma, não é mais possível saber quais foram os motivos que levaram o
conselho de sentença a absolver o réu, pois o quesito genérico dá uma amplitude
enorme à possibilidade de circunstâncias que levaram o jurado a absolver o réu.
Como bem demonstrado na lição do professor Nucci (2012, p. 880):
Entretanto, a razão pela qual os jurados absolveram o réu, se for positiva a resposta, torna-se imponderável. É possível que tenham acolhido a tese principal da defesa (por exemplo, a legítima defesa), mas também se torna viável que tenham proferido a subsidiária (por exemplo, a legítima defesa putativa). Pode ocorrer, ainda, que o Conselho de Sentença tenha resolvido absolver o réu por pura clemência, sem apego a qualquer das teses defensivas.
O mesmo entendimento tem sido aplicado pelos tribunais pátrios, como se vê
nas decisões a seguir:
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EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - TENTATIVA DE HOMICÍDIO - JÚRI - ALEGAÇÃO DE DECISÃO DOS JURADOS CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS - INOCORRÊNCIA - QUESITAÇÃO ALTERADA APÓS A LEI Nº 11.689/08 - ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA ADMITIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. I - A partir da nova redação do art. 483 do CPP, após a Lei nº 11.689/08, é admitida a absolvição do réu por motivos desconhecidos e até mesmo por clemência. II - Se a nova formulação dos quesitos alargou as possibilidades de absolvição, fica, de fato, ao alvedrio dos jurados decidir pela não condenação do réu por motivos até alheios à sustentação defensiva. [...] (grifou-se) (TJ-DF - Apelação Criminal nº 1.0414.08.021745-1/001, Relator (a): Des.(a) Eduardo Brum , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/11/2012, publicação da sumula em 22/11/2012) APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 121 § 2º, IV, DO CÓDIGO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO. DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. ABSOLVIÇÃO POR CLEMÊNCIA. APELO DESPROVIDO, POR UNANIMIDADE. 1. A unificação dos quesitos, contendo todas as teses de defesa, possibilita que o réu seja absolvido por acolhimento de qualquer das teses suscitadas pela defesa ou simplesmente por clemência. Precedentes. 2. Recurso não provido, por unanimidade. (grifou-se) (TJ-PE - APL: 3050448 PE, Relator: Roberto Ferreira Lins, Data de Julgamento: 09/01/2015, 1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 19/01/2015)
Nestes termos, não há como se conceber qual o motivo que tenha levado o
jurado a absolver o acusado, qual tese defensiva ele tenha acolhido, se é que
acolheu alguma, tendo em vista que pode tê-lo feito por clemência ou qualquer outro
motivo que o tenha feito proferir a decisão de acordo com sua consciência, como
prometeu ao fazer o juramento.
O julgamento no Tribunal do Júri envolve muita emoção, discursos
inflamados, oradores muito bem preparados, tanto do lado da acusação quanto na
banca da defesa. Ou seja, há uma série de fatores não jurídicos e também não
relacionados necessariamente ao que está nos autos do processo, que influenciam
na decisão dos jurados. De modo que se torna uma
Partindo desta premissa, torna-se inviável anular o julgamento por decisão
manifestamente contrária à prova dos autos. Uma vez que, não se conhecendo os
fundamentos que levaram o jurado absolver o acusado, lembrando-se que tal
decisão não precisa se lastrear em motivações técnico-jurídicas, impossível afirmar,
acertadamente, que o veredicto do conselho de sentença foi de encontro ao
conjunto probatório do processo criminal.
Ainda na hipótese de resposta positiva ao quesito genérico de absolvição, só
se vislumbraria a possibilidade de anulação do julgado, em comprovada existência
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de violação do livre convencimento do jurado. Se, de alguma forma, ficasse
evidenciado que, por coação ilegal, ameaças ou influências externas, o juiz de fato
não decidiu de acordo com sua consciência, mas sim cedendo, por motivos
diversos, à imposição de terceiros, o que ensejaria nulidade do julgamento.
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo-se esta pesquisa, foi possível analisar a relativização do princípio
constitucional da soberania dos veredictos no âmbito do Tribunal do Júri ante a
possibilidade do tribunal togado adentrar no mérito das decisões do conselho de
sentença, taxando-as como contrária às provas constantes dos autos e, por
conseguinte, anulando o veredicto, enviando o caso novamente para a apreciação
do tribunal popular.
Não obstante o posicionamento dos tribunais superiores no sentido de que o
tribunal ad quem, ao anular a decisão dos jurados e permitir ao conselho de
sentença a reanálise do caso, não estaria adentrando no seu mérito e, portanto,
mantendo incólume o princípio constitucional da soberania dos veredictos, de fato há
a violação ou, no mínimo, a relativização do poder soberano de decidir outorgado
aos juízes de fato.
Percebe-se isto, pois, ao analisar a decisão sob a luz dos fatos contidos nos
autos, o órgão revisor já está inegavelmente, adentrando no mérito da causa e
usurpando dos jurados a competência de julgar, de acordo com sua consciência o
caso levado a julgamento.
Entretanto, levando-se em conta que não há princípio absoluto e prestigiando
o direito do acusado ao duplo grau de jurisdição, visando a evitar que erros e
arbitrariedades sejam admitidos e perpetuados, admite-se tal interferência dos
tribunal de segunda instância na decisão dos jurados.
Contudo, deve ser observado os limites para esta atuação, devendo haver
interferência apenas em caso erros inequívocos, onde, em cognição sumária se note
a discrepância da decisão em contraponto às provas contidas nos autos.
O que não se pode admitir é que o tribunal faça um juízo de valor do critério
de justiça ou de direito da decisão do jurado, pois, se não puder o revisor notar
claramente o equivoco no julgado, não pode dizê-lo contrário às provas, sob pena de
estar, agora além do limite da razoabilidade, usurpando a competência do Tribunal
do Júri.
Conclui-se também que esta tarefa de analisar a conformidade da decisão
dos jurados com o conjunto probatório se mostra menos complexa nos casos de
condenação, tendo em vista menor amplitude das teses acusatórias. Como também
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no caso de absolvição relacionada aos quesitos de materialidade, letalidade e
autoria.
Já quando a absolvição se dá de maneira direta, através do quesito genérico
“o jurado absolve o réu?”, conclui-se ser bem quase inimaginável a possibilidade de
taxar a decisão de contrária aos autos, uma vez que o jurado não tem a obrigação
de fundamentar seu voto, nem de fazê-lo de acordo com a técnica jurídica, tem
apenas do o dever de votar de acordo com sua consciência, podendo absolver até
mesmo por clemência.
Ante o apresentado, conclui-se que é possível a relativização do princípio da
soberania dos veredictos para evitarem-se injustiças e erros graves. Entretanto, esta
função precisa ser exercida com cautela e em caráter de excepcionalidade, sob
pena de usurpar-se a competência do tribunal popular, desprezando-se a soberania
do júri e esvaziando-se o instituto.
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REFERÊNCIAS
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