Ferrari Filho; Terra - Reflexões Sobre o Método Em Keynes

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    Reflexes sobre o mtodo em KeynesReflections on the method of Keynes

    FERNANDO FERRARI FILHO

    FBIO HENRIQUE BITTES TERRA*

    RESUMO: Provavelmente, a questo do mtodo seja uma das mais controvertidas discusses

    relacionadas obra de Keynes. As controvrsias podem ser resumidas em trs principaislinhas: (i) o atomismo ou o organicismo como unidade de anlise econmica de Keynes;(ii) a continuidade ou a descontinuidade das bases filosficas, em termos epistemolgicos emetodolgicos, do pensamento de Keynes; e (iii) a especulao acerca do mtodo cientficoutilizado por Keynes. O objetivo do artigo centra-se na ltima das linhas da controvrsia,qual seja, discutir o mtodo cientfico na obra de Keynes. Subjacente a tal objetivo, apesardos indcios de que o mtodo do autor est relacionado tanto ao indutivo quanto aohistrico-indutivo, explorar-se- o primeiro mtodo, uma vez que, por um lado, ele dizrespeito teoria do conhecimento (epistemologia) desenvolvida por Keynes em seu Treatise

    on Probability e, por outro lado, ele est presente em algumas de suas importantes obraseconmicas.PALAVRAS-CHAVE: Keynes; Teoria Keynesiana; Metodologia Cientfica.

    ABASTRACT: The question of method raises probably some of the most controversialdiscussions of the work of John Maynard Keynes. Briefly, the controversies fall into threemain areas: (i) the unit of analysis, i.e., whether Keynes economic theory is atomisticor organic; (ii) whether or not there is continuity in Keynes philosophical foundationsthroughout his work; and (iii) speculation about the scientific method Keynes used. In that

    context, this paper aims to explore the latter of these lines of controversy. The idea is toshow that, considering his insights related to the inductivism, mainly in the Treatise onProbability, there are evidences that Keynes method was historical and inductive.KEYWORDS: Keynes; Keynesian Theory; Scientific Methodology.

    JEL Classification: B2; B4; E 12.

    Revista de Economia Poltica, vol. 36, n 1 (142), pp. 70-90, janeiro-maro/2016

    * Respectivamente, Professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), PortoAlegre, RS - Brasil e pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]; Professor adjunto da UniversidadeFederal de Uberlndia, Uberlndia, MG Brasil. E-mail:[email protected]. Submetido: 7/Maro/2014;Aprovado: 17/Outubro/2014

    70 Revista de Economia Poltica 36 (1), 2016 http://dx.doi.org/10.1590/0101-31572016v36n01a05

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    I have derived valuable assistance from unpublishedwritings of G. E. Moore and J. M. Keynes: from the for-

    mer as regards the relations of sense-data to physicalobjects, and from the latter as regards probability and

    induction.

    (Bertrand Russell, prefcio doThe Problems of Philosophy, 1912)

    INTRODUO1

    Na busca pelo conhecimento, o mtodo cientfico cumpre papel fundamental,pois o meio regrado e ordenado pelo qual o sujeito aborda um objeto desconhe-cido o fenmeno ansiando circunscrev-lo a ponto de compreend-lo e com eleestabelecer uma relao de conhecimento. As tcnicas e normas que o mtodo en-

    volve devem ser aceitas pela comunidade cientfica e funcionam como alicercespara que o conhecimento obtido seja vlido. Assim sendo, o mtodo define osprocedimentos que permitem compreender as caractersticas de um fenmeno, tan-to para apreend-lo em si quanto para entender suas relaes de semelhana, des-semelhana, causas e efeitos uni ou multideterminados, com outros objetos.

    O debate sobre o mtodo em John Maynard Keynes tomou corpo nos anos1980 como resultado do resgate terico dos escritos originais do autor, reunidos epublicados nos Collected Writings of John Maynard Keynes(CWJMK), por parteda teoria ps-keynesiana. No obstante, talvez seja a referida questo uma das maiscontroversas nas vrias interpretaes sobre as ideias e concepes tericas deKeynes, haja vista a diversidade de posies sobre qual seria o seu mtodo. Sem apretenso de simplificar o debate, possvel resumi-lo em trs principais linhas,quais sejam: (i) o atomismo ou o organicismo como unidade de anlise da teoriaeconmica de Keynes; (ii) a continuidade ou a descontinuidade das bases filosficas,em termos epistemolgicos e metodolgicos, do pensamento de Keynes ao longode sua obra; e (iii) a especulao acerca do mtodo cientfico utilizado por Keynes.

    Cada uma destas linhas tornou-se uma agenda de pesquisa que, embora com

    inerente interface, possui desenvolvimentos prprios e circunscritos aos objetos emdebate. Citem-se, por exemplo, nas discusses sobre o atomismo ou organicismo,as controvrsias entre Bateman (1989) e Davis (1989-1990), favorveis ao atomis-mo, e Carabelli (1985) e Winslow (1986, 1989a, 1989b) e Rotheim (1989-1990),em acordo com o organicismo. Por sua vez, os trabalhos de ODonnell (1989, 2002)se destacam no que se refere continuidade nos princpios filosficos que funda-mentam uma determinada viso de mundo de Keynes, enquanto que Bateman(1989, 1991) prope a ruptura e Gerrard (1992) e Carvalho (1992) denotam tantorupturas quanto continuidades.

    1Os autores gostariam de agradecer a dois pareceristas annimos pelas crticas e sugestes. Naturalmente,os erros remanescentes so de responsabilidade nica dos autores.

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    O objetivo do artigo centra-se na ltima das linhas de controvrsia, isto ,discutir o mtodo cientfico utilizado por Keynes. Como trao distintivo e ao mes-mo tempo contributivo literatura pertinente, o artigo se restringe a explorar oprincpio da induo e, por conseguinte, o mtodo indutivo na obra de Keynes, sobo argumento de que os referidos princpio e mtodo, por um lado, foram desenvol-vidos por ele na teoria do conhecimento (epistemologia) apresentada em seu Trea-tise on Probability(TP) e, por outro lado, esto presentes em suas obras econmi-cas. Em especial, o artigo mostra que, para Keynes, o princpio da induo eracomposto pelas analogia e induo pura, sendo que esta ltima est relacionada aomtodo histrico-indutivo, destacado pela teoria ps-keynesiana como o mtodocomumente utilizado por Keynes em sua obra.2

    No entanto, parte-se do pressuposto de que, em virtude de sua vasta e eclticaproduo, seria difcil o mtodo histrico-indutivo ter sido o nico utilizado porKeynes, muito embora seja tal mtodo bastante pertinente ao caracterstico prag-matismo do autor. No por menos que a teoria ps-keynesiana no trata a indu-oper sicomo o mtodo de Keynes, mas destaca que o autor se debruou sobreo fenmeno econmico a partir da observao do tempo histrico do real world,conforme o mtodo histrico-indutivo, a que, por sua vez, Bresser-Pereira (2012)3chamou de mtodo histrico-dedutivo, ao argumentar que a cincia econmica temque ser modesta, racional e pragmtica, para que sirva como instrumento com-preensvel de interveno poltica sobre a realidade.

    A despeito da diferena dos autores acima mencionados, este artigo utilizar o

    termo induo como insight/referncia para especular-se sobre o mtodo indutivo (ouhistrico-indutivo) em Keynes,4pois, assim, o autor o faz na TP, ao defender e mostraras condies de validade deste mtodo, esforo este que alcanou a ressonncia ilus-trada pela epgrafe deste artigo. Como se buscar mostrar, a induo foi defendida eutilizada por Keynes, em mbito individual, como um importante meio de se investi-gar a racionalidade e o comportamento epistemolgico humano, tanto quanto, emnvel macroeconmico, para entender o funcionamento do sistema econmico.

    2

    Para maiores detalhes, veja Davidson (1972), Eichner (1984), Robison (1984), Chick (1998), Dow(2001) e Chick e Dow (2001).3 Conforme Bresser-Pereira (2012, p. 299), economia deve ser uma cincia modesta, uma cinciaracional e uma cincia pragmtica. Uma cincia modesta porque [...] relaes [so] [...] confrontadascom a realidade [...] [porque] estrutura e instituies esto em permanentes mudanas [...] [e] incerteza[...] [faz parte] do comportamento econmico. Uma cincia razovel porque homens e mulheres soseres racionais [...] E uma cincia pragmtica porque crescimento e estabilidade financeira so osprincipais objetivos polticos das modernas sociedades democrticas. Esses pressupostos da cinciaeconmica apresentados por Bresser-Pereira (2012) esto relacionados ideia de que a CinciaEconmica um modelo aberto, em que o mtodo de anlise o histrico-estruturalista e indutivo,instituies importam, os comportamentos psicolgico-expectacionais dos indivduos, como classes

    sociais, so relevantes e prevalecem incertezas na tomada de decises, entre outros (Lawson, 1997; Chick,2004).

    4 Para os autores, os mtodos indutivo e histrico-indutivo tero o mesmo sentido, uma vez que dadosfatuais e inferncias a partir da histrica so importantes para a anlise de Keynes.

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    Nesse sentido, buscar-se-o evidncias de que o mtodo indutivo est presenteao longo da obra de Keynes e a apresentao das evidncias ser feita, principal-mente, por meio de citaes e referncias explcitas obra do autor, como comums investigaes sobre histria das ideias. Para tanto, no somente o TP ser usadocomo referncia, mas o Tract on Monetary Reform (Tract), de 1923,oTreatise onMoney(TM),de 1930, e a The General Theory of Employment, Interest and Money(GT), de 1936. Desta forma, a anlise passar por praticamente trs dcadas deproduo intelectual de Keynes, haja vista que o TP, embora publicado em 1921,foi escrito entre 1906 e 1908.

    Alm desta introduo, o artigo conta com outras quatro sees. Na segunda,ser feita uma reviso da literatura pertinente s contribuies sobre a questo domtodo em Keynes. Na terceira sero resgatadas as concepes epistemolgicas efilosficas de Keynes expressas em seu TP.Na quarta seo, sero evidenciadas aspassagens e os argumentos que corroboram a hiptese de que o mtodo indutivo uma evidncia na obra de Keynes, por mais que se tenha cincia de que, devidoao seu pragmatismo, para ele o normativo e o convencional no faziam parte doreal world, pois o tempo e as mudanas, enfim a historicidade, e a incerteza acaba-vam condicionando as tomadas de decises. Por fim, apresentam-se as considera-es finais.

    AS DIVERSAS INTERPRETAES SOBRE O MTODO DE KEYNES

    Como mostram Hegenberg (1976), Caldwell (1989) e Blaug (1999), vrios soos mtodos utilizados na busca pelo conhecimento. No que toca ao mtodo induti-vo h duas concepes possveis. A primeira delas, segundo Keynes (1921), relacio-na-se Francis Bacon e John Stuart Mill e diz respeito a se conceituar a induocomo a enumerao de evidncias particulares observveis a partir das quais sepode generalizar. A segunda concepo a contribuio desenvolvida pelo prprioKeynes na TP, ao definir a induo no apenas como a generalizao decorrente deum somatrio de instncias particulares, mas envolvendo tambm o uso da analogia. enumerao das evidncias, Keynes chama induo pura, ao passo que da somadela com a analogia tem-se o mtodo indutivo. Conforme Keynes (1921:, p. 316),

    eu considerei melhor [...]usar induo em si para todos os tipos de raciocnios quecombinem, de uma forma ou de outra, induo pura com analogia.5

    Na cincia econmica, como mostram Blaug (1975, 1999) e Corazza (2003),a diversidade de posies epistemolgicas e metodolgicas no diferente do que

    5 importante destacar que Blaug (1999) tambm argumenta que h um duplo sentido no termoinduo, porm, relacionado no ao mtodo de se generalizar a partir de casos particulares, mas

    possibilidade de se demonstrarem as generalizaes alcanadas. Por um lado, em seu uso lgico, ainduo o argumento que pode ser demonstrado e, assim, possui o carter de certeza. Por outro lado,o sentido ordinrio do termo se refere ao uso cotidiano que, contudo, no se preocupa com argumentosdotados de certeza.

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    se v na filosofia da cincia como um todo. A ttulo de ilustrao, Fonseca (2003)aponta o mtodo como um dos pontos fundamentais da crtica de Malthus, empi-rista, a Ricardo, racionalista, enquanto que Germer (2003) mostra como o mtodode Marx foi central para que ele fizesse a crtica economia poltica clssica. Noobstante, a crtica de Keynes ao mtodo empregado por Ricardo e seus seguidores uma constante na GT:

    Ricardo oferece-nos a suprema realizao intelectual, inalcanvelaos espritos fracos, adotando um mundo hipottico distante da expe-rincia como se fosse o mundo da experincia e, ento, nele vivendoconsistentemente. Para a maioria de seus sucessores o senso comum nopode ajudar a romp-lo [o mundo ricardiano] sem prejuzo sua con-sistncia lgica. (1964, p. 192)

    Por sua vez, so inmeras as interpretaes sobre o mtodo em Keynes: ohistrico-indutivo e a importncia do empirismo; o Keynesian Kaleidicsde Shack-le (1969); as influncias legadas por Marshall; o pluralismo metodolgico; o m-todo keynesiano prprio; e a utilizao da lgica ordinria nas exposies meto-dolgicas e tericas do autor ao invs da lgica formal. Essas interpretaescircunscrevem-se a debater o mtodo cientfico tanto em Keynes quanto nos ps--keynesianos e conseguem ilustrar a diversidade de opinies que circunda o referidoassunto.

    Dow (2001) destaca que embora Joan Robinson tenha sido a primeira a utili-

    zar-se do termo teoria ps-keynesiana, suas contribuies no se preocuparam emdebater o mtodo de Keynes em particular, mas, sim, as diferena da agenda depesquisa ps-keynesiana em relao da sntese neoclssica. Embora Robinson notenha realizado uma pesquisa sistemtica sobre o mtodo em Keynes, possvelperceber a preocupao dela em indicar que a teoria econmica preocupe-se emcompreender, explicar e influenciar a histria do real world (Robinson, 1984). Pa-ra tanto, a teoria no pode ser uma doutrina ideolgica (como a presuno emfavor do laissez-faire) nem uma tautologia (como a frmula quantitativa MV = PT)(Robinson, 1984, p. 17).

    Linha semelhante segue Eichner (1984, p. 192), para quem a teorizao deveexplicar o conjunto de fenmenos empiricamente observveis (que, no contextosocial, so os acontecimentos histricos do mundo real). Preocupando-se paraalm da consistncia interna com a coerncia emprica das teorias, o autor apontaque nas cincias sociais, em que experimentos controlados so improvveis, a va-lidade de um determinado modelo econmico depende de ele gerar os resultadosprevistos quando praticados em alguma poltica pblica. Davidson (1972) igual-mente destaca o ponto de partida e de chegada das teorias keynesianas como sendoo real world, acrescentando o seu carter no-ergdico e, portanto, incerto e emconstante evoluo histrico-institucional (Davidson, 1982-1983).

    Estas contribuies podem ser sintetizadas como mtodo histrico-indutivo,cuja ideia consiste em capturar, ao longo do tempo histrico, as evidncias obser-

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    vveis a partir das quais se poder generalizar alguma teoria. O processo de inves-tigao se inicia com a observao de certas regularidades da concretude do realworld, em anteposio s proposies apriorsticas da tradio ortodoxa, e se con-clui quando, por meio da induo, o fenmeno foi apreendido, compreendido eexplicado. Para Bresser-Pereira (2009), na medida em que uma determinada gene-ralizao indutiva ser utilizada para explicar a realidade histrica, o caminho devolta da teoria induzida para a realidade ser a deduo. Desta forma, em francaoposio ao mtodo hipottico-dedutivo utilizado pelos neoclssicos, o autor de-nomina o mtodo de Keynes, bem como dos economistas clssicos como Smith,Marx e Malthus, como histrico-dedutivo, e afirma que todos os modelos quepartem de uma observao ou de um evento real seriam tambm histrico-deduti-vos (Bresser-Pereira, 2009, p. 167).

    Abre-se, aqui, espao ao argumento trazido por Carvalho (2003: 177) de queo mtodo da GT apresentavaKeynes enquanto o agente econmico e [ao mesmotempo] o investigador da economia. Ou seja, o mtodo de Keynes o dispunhaconcomitantemente como terico e teorizado, experimentador e observador do realworld. Logo, Keynes parecia preocupar-se no somente com o mundo em si, mascom o mundo tal qual ele percebido e esta percepo s poder ser apreendidapelo terico se seu mtodo lhe permitir fazer parte do mundo a ser modelado. Emsuma, Carvalho (2003) est ressaltando o empirismo, isto , a experincia, comoessencial elaborao terica de Keynes. Fonseca (2010) tambm salienta a impor-tncia conferida por Keynes fundamentao emprica como substncia para aobteno do conhecimento, mas usa como modelo terico para tanto o mtodopragmtico americano, de Charles Peirce, William James e John Dewey.

    Shackle (1969) foi outro importante autor a se debruar sobre o mtodo emKeynes e, diga-se de passagem, um dos primeiros a faz-lo. Para ele, Keynes exami-na momentos de equilbrio nas variveis, porm, em um ambiente em que o com-portamento humano baseado em expectativas influencia intempestivamente a tra-jetria econmica a ponto de os equilbrios serem precrios, no autorregulados,fora do pleno emprego e, sobretudo, cruciais, pois a dinmica do sistema econmi-co dificilmente retorna a pontos de repouso exatamente iguais. Ao se unirem (i) aanlise de momentos de equilbrio, (ii) a condio de o ponto de equilbrio anali-sado ser instvel e (iii) o comportamento humano imprevisvel, tem-se os trs ladosdo mtodo caleidoscpico, Keynesian Kaleidics, que sintetiza para Shackle (1969)o mtodo de Keynes na GT.

    Outra linha de investigao ressalta a herana legada por Marshall ao mtodode Keynes. Eichner (1984) aponta que Marshall era adepto da teoria evolucionriade Darwin e, assim, atentou-se para a apreenso da dinmica dos fenmenos, pre-ocupando-se com as leis de movimento dos sistemas, bem como de seus subsistemascomponentes. Carvalho (1992) evidencia esta preocupao tanto em Marshallquanto em Keynes ressaltando a importncia que ambos deram s mudanas daestrutura econmica ao longo do tempo, algo ilustrado por Crotty (1990) ao ex-plicar como Keynes observa o real worldpara escrever a GT. No caso especficoda dinmica dos sistemas, Carvalho (1992) destaca que Keynes baseia-se na pers-

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    pectiva expectacional para estabelecer a interao entre o curto e o longo prazosdas economias monetrias da produo.6No obstante, so influncias legadas aKeynes por Marshall, como apontam Carvalho (1992) e Chick e Dow (2001), ouso de instrumentos analticos como as funes de oferta e de demanda e a noode equilbrio parcial, em que as influncias entre duplas de variveis so analisadasalm de serem mensuradas por elasticidades. Em especial, Chick e Dow (2001)denominam este procedimento de pesquisa parcial de anlise por segmentao/compartimentao, e o entendem como o caminho encontrado por Marshall eKeynes para analisarem por etapas um fenmeno orgnico e complexo, tal qual aEconomia.

    Outra influncia de Marshall sobre Keynes a relevncia de o desenvolvimen-to terico se referenciar no comportamento humano mdio (Carvalho, 1992). No por menos que as menes ao homem mdio ou comum so uma constante nasobras de Keynes, como mostra a seguinte citao: a prosperidade econmica excessivamente dependente de uma atmosfera poltica e social que agradvel aohomem de negcios mdio (Keynes, 1964, p. 162, itlico adicionado). Indo nessadireo, Chick e Dow (2001) mostram a descrena de Marshall com relao steorizaes por demais abstratas e que poderiam acabar por retirar utilidade dacincia econmica, algo que Keynes (1964: 297), por sua vez, entendia poder ser

    a grande falha dos mtodos simblicos pseudo-matemticos de formalizar sistemaspara a anlise econmica.

    Corazza (2009) ressalta mais uma influncia de Marshall sobre Keynes, que

    diz respeito sugesto de Marshall de o mtodo a ser usado depender das circuns-tncias e da natureza do fenmeno. No haveria um mtodo a priori e todos ospossveis deveriam ser utilizados, desde que cabveis situao. Desta forma, se-gundo Corazza (2009, pp. 7-8), Keynes poderia ser considerado um pluralistametodolgico, pois

    Keynes faz uma combinao dos mtodos indutivo e abstrato de-dutivo adequados e aplicveis soluo de problemas especficos. [...]Keynes no parece ter adotado nenhum desses caminhos extremos, nemunicamente o indutivo e muito menos o mtodo a priori abstrato deduti-vo [...]Ele pode ser definido como um pluralista na definio do mtodoem economia.

    Argumentao similar, porm sem destacar influncia de Marshall, foi feita porODonnell (1989, p. 327): metodologicamente, ele [Keynes] aceitou na economiaa deduo, bem como a induo, e procurou envolver os modos de raciocnio tanto

    6Kregel (1976) utiliza-se desta interao entre expectativas de curto e longo prazos para compor astrs possveis pontos de equilbrio do sistema keynesiano, quais sejam: (i) equilbrio esttico, em que asexpectativas de curto e longo prazo no se movem; (ii) equilbrio estacionrio, em que as expectativasde curto prazo se movem, mas no contaminam as de longo prazo; e (iii) equilbrio mvel, em que asexpectativas de curto prazo se movem e contaminam as de longo prazo.

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    formais quanto no formais. Contudo, o argumento de fundo de ODonnell (1989),diferentemente do carter pluralista apontando por Corazza (2009), o de queavesso a extremos em suas posies tericas, Keynes teria percorrido o caminho domeio em virtualmente todas as esferas, seja na filosofia, seja na economia ou napoltica (ODonnell, 1989, p. 325). Logo, o pluralismo de Keynes adviria de elehesitar assumir posies radicais, implicando, inclusive, um leque de mtodos assu-midos pelo autor. Chick e Dow (2001) tambm arguem em mesmo sentido, mas comuma hiptese subjacente diferente de Corrazza (2009) e ODonnell (1989): paraas autoras, Keynes utilizou-se de uma variedade de mtodos por conta da comple-xidade dos sistemas abertos e orgnicos, tal qual o real worldeconmico.

    Para Carabelli (1985), em linha com Carvalho (2003), o mtodo de Keynes noTPfaz com que a epistemologia do cientista econmico seja a mesma do agenteeconmico. Contudo, a autora, seguida por Souza (2003), encontra em Keynes uma

    postura que , ao mesmo tempo, antiempiricista, antirracionalista e antipositivista,e, portanto, confronta a tese de ser Keynes um pluralista metodolgico, como querCorazza (2009), ou utilizar-se do indutivismo e do dedutivismo, como apontaODonnell (1989). A tese de Carabelli (1985) denota que Keynes detentor de ummtodo prprio, cujo fundamento encontra-se no TP, e que se sustenta em a pro-babilidade ser definida como uma relao cognitiva, de natureza orgnica entreindivduo e todo, que usa da linguagem ordinria e no da lgica formal e que mutvel ao longo do tempo. Mesmo sustentando que Keynes se utiliza de mtodoprprio, a autora no o sintetiza em um conceito ou nomenclatura e, assim sendo,

    resta apenas a noo de que esta mistura de antiempiricismo e antirracionalismoera o ncleo da posio epistemolgica peculiar de Keynes e torna difcil descrevera posio dele em termos simples (Carabelli, 1985, pp. 151).

    A tese de Carabelli (1985) alinha-se a duas discusses: uma sobre Keynes deterum mtodo prprio e outra sobre o uso da lgica ordinria. Sobre a primeira dis-cusso, h contraposies sobre estarem no TPas bases de um mtodo prprio deKeynes. Carvalho (1988) aponta o TPcomo um esforo de Keynes em debater osfundamentos da tomada de deciso por intermdio da induo. Por sua vez, na GT,conforme Carvalho (1988), Keynes dedica-se a examinar como os indivduos to-

    mam decises em contextos de informao inescapavelmente incompleta. Gerrard(1992) corrobora esse ponto de vista, pois sustenta que o Keynes do TP preocupa--se com temas mais especulativos enquanto que o Keynes da GT centra-se emquestes de ordem prtica.7

    No entanto, Chick (1998) e Chick e Dow (2001) argumentam, assim comoCarabelli (1985), que o mtodo de Keynes ancora-se na lgica ordinria ou hu-mana, como chamam Chick e Dow (2001). De acordo com Costa (2002), a lingua-gem formal busca explicar os fenmenos por meio lgico-simblico alheio a am-

    7Este ponto guarda estreita relao com as discusses sobre a continuidade ou ruptura das posiesfilosficas de Keynes ao longo de sua obra. Para mais, veja: ODonnell (1989, 2002) e Bateman (1989,1991).

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    biguidades, enquanto a forma ordinria toma como modelo a linguagem docotidiano, do espao em que se vive. Esta forma de se entenderem e de se apresen-tarem os fenmenos tem ntima relao com o terico e teorizado serem o mesmosujeito, pois implica que o investigador faz perguntas e busca respostas usando amesma lgica que os agentes comumente se utilizam. Na TP, Keynes faz clara alu-so lgica ordinria como meio de expresso terica, ao argumentar que estesescritores que se constrangem sob exagerada preciso [...] so algumas vezes me-ramente pedantes. H muito a ser dito, em favor de se entender a substncia doque se diz o tempo todoe nunca se reduzir o substantivo de seu argumento aostatus mental de xou y (Keynes, 1921, p. 19).

    Como se pode perceber, h uma disperso de contribuies sobre o mtodoem Keynes.8No entanto, a diversidade de interpretaes faz continuar a existir aseguinte pergunta: qual o mtodo de Keynes? Para os propsitos de um artigo,responder a esta questo de forma cabal complexa, apesar de se especular sobreele. Todavia, tendo como referncia o resgate das contribuies originais de Keynesacerca da induo, entende-se que o mtodo indutivo exerce influncia em sua obra.

    OS INSIGHTSDE INDUO EM KEYNES

    No exagero se afirmar que o TP uma obra sobre epistemologia. Nesteparticular, Keynes deixa claro nas primeiras pginas do livro o que diferencia o seutrabalho em relao ao estado das artes das discusses sobre a matria:

    Na maioria dos ramos da lgica acadmica, como a teoria do silo-gismo ou a geometria do espao ideal, todos os argumentos procuramter certeza demonstrativa. Eles pretendem ser conclusivos. Mas muitosoutros argumentos so racionais e pretendem ter certo peso sem seremconclusivos. Na metafsica, na cincia e na conduta [tica] a maioria dosargumentos, sobre os quais ns habitualmente baseamos nossa crenaracional, so admitidamente inconclusivos em maior ou menor grau. [...]O rumo dado pela Histria do Pensamento trajetria da lgica estimu-

    lou o ponto de vista de que raciocnios duvidosos no se incluem no seumbito. Mas, no exerccio concreto da razo no nos servimos apenas dacerteza, nem consideramos irracional depender de um raciocnio duvido-so. (Keynes, 1921, p. 2)

    Assim, no TP, Keynes lana as bases de uma teoria do conhecimento em quea probabilidade detm um papel central. No entanto, sua concepo de probabili-dade no contabiliza frequncia de eventos para a realizao de clculos que resul-

    8Talvez isso tenha se refletido na prpria metodologia da escola ps-keynesiana, pois, como apontamCaldwell (1989) e Dow (2001), vigora nesta teoria a ideia de pluralismo metodolgico, embora aindano se tenha sequer esta posio sido estabelecida no interior do paradigma ps-keynesiano.

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    tem em inferncias mais ou menos provveis, mas relaciona premissas com argu-mentos que delas decorrem, sobre os quais se tem maior ou menor grau deconvico. Conforme Keynes junto com o termo evento, que at aqui deteve toimportante lugar na fraseologia da matria, eu dispensarei tudo [...] e ser mais doque um progresso verbal discutir a verdade e a probabilidade deproposies, em

    vez da ocorrncia e da probabilidade de eventos (Keynes, 1921, p. 4).O conhecimento obtido por um processo que tem como ponto de partida o

    entendimento direto, que o primeiro passo para que se possa conhecer. Havendoo entendimento, o indivduo, por meio da intuio, alcana um determinado co-nhecimento direto. O entendimento direto decorre de experincias dos indivduosque, por sua vez, envolvem (i) o uso dos sentidos, (ii) a compreenso de significadose (iii) a percepo de dados derivados dos fatos. Portanto, o entendimento diretoconstitui a experincia pelo uso dos sentidos, da compreenso e da percepo9e aintuio que dele emana pea-chave para a obteno do conhecimento direto.

    As proposies, por sua vez, so os objetos do conhecimento e da crena(Keynes, 1921, p. 11) e h dois conjuntos de proposies, as premissas e os argu-mentos (ou concluses). As premissas so o conhecimento direto obtido pelo examedos objetos e a concluso o resultado do raciocnio feito a partir das premissas.Em outros termos, em suas experincias os indivduos alcanam conhecimentodireto e deste so capazes de raciocinar outros, a que Keynes (1921) chama indire-tos. Nas palavras do autor deste modo, ento, distingo entre conhecimento diretoe indireto, entre aquela parte de nosso conhecimento que baseada no conheci-mento direto e naquela parte que baseada no raciocnio (Keynes, 1921, p. 13).

    Se, em metfora, o raciocnio a ponte entre as premissas e a concluso, algica a estrutura inerente desta ponte e a probabilidade a relao lgica que setrava, via raciocnio, entre os dois lados ligados pela ponte. Sobre esta probabili-dade relacional h algum grau de convico racional que o indivduo possui nasconcluses que ele raciocina a partir de um conjunto de proposies conhecidas.Por isso, sobre a probabilidade nada podemos dizer, alm de que se trata de umgrau de crena racional inferior ao da certeza; e, devemos dizer, se quisermos, queela lida com graus de certeza (Keynes, 1921, p. 14). A probabilidade refere-se,neste cenrio, ao indivduo deter maior ou menor grau de crena racional em seuargumento. Por analogia, a certeza o maior grau possvel em que se pode acredi-

    tar no raciocnio, isto , ela o grau mximo de crena racional.A relao de probabilidade devida experincia individual e , assim, subje-tiva10e relativa11. Inclusive quando se tratam de axiomas lgicos, supostamente

    9Keynes (1921) diz ainda que a memria tambm pode ser fonte de conhecimento; contudo, para amemria tornar-se o que , ela foi anteriormente experincia, compreenso ou percepo.

    10 Neste ponto, cabe um esclarecimento: no TP, Keynes deixa claro que a lgica no sujeita ao caprichohumano e, portanto, uma coisa em si, objetiva e independe do sujeito. Contudo, ao criticar o TP, Frank

    Ramsey argumenta que a lgica proposta por Keynes subjetiva. Keynes, no obiturio de Ramsey, aceitaa crtica de Ramsey, argumentando que a lgica apresentada no TP subjetiva ou humana. Para mais,veja Keynes (1972), Winslow (1986) e Chick e Dow (2001).

    11 Esta discusso tem intensa interface com a linha de pesquisa atomismo versusorganicismo como

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    mais objetivos, h subjetividade, pois devemos admitir que isso [axioma lgico]tambm relativo constituio da mente humana e que esta constituio podevariar em algum grau de homem para homem (Keynes, 1921, p. 17). O conheci-mento est sujeito, portanto, s peculiaridades que surgem de diferentes introspec-es, valores, expectativas individuais e outras caractersticas subjetivas que con-dicionam, ainda que intuitivamente, o comportamento humano (Keynes, 1973).Com tais bases de entendimento direto, algum processo mental, difcil de ser des-crito (Keynes, 1921, p. 12), conduzir o indivduo ao conhecimento.

    Em suma, no TPo conhecimento intuitivo fundamental para a formao deuma crena racional. Por sua vez, o grau de crena racional sustenta-se no peso doargumento, ou seja, no conjunto de evidncias disponveis aos indivduos no mo-mento de formulao do conhecimento indireto. Quanto maior o conjunto deevidncias disponveis, maior confiana ter o sujeito nos argumentos que ele pro-

    pe. A probabilidade, ento, tem uma relao significativa com a confiana nosdados disponveis e no necessariamente com a frequncia de disponibilidade dosdados, de forma que as aes dos indivduos no podem ser baseadas em umadistribuio de probabilidade associada a todos os possveis eventos futuros.12

    Em linhas gerais, este o contedo epistemolgico do TPque serviu de basepara Keynes apresentar a forma pela qual se obtm o conhecimento, bem como suaconcepo de probabilidade. Assim sendo, resta perguntar: sob tal epistemologia,qual o mtodo que permite ao raciocnio chegar do entendimento direto ao conhe-cimento direto e deste ao indireto? Em outras palavras, qual o caminho pelo qual

    se alcana das experincias o conhecimento? Enfim, qual o mtodo do conhecimen-to? Para Keynes processos indutivos tm formado, claramente, em todos os temposuma vital, habitual, parte da maquinaria da mente (Keynes, 1921, p. 250).

    O mtodo indutivo segrega-se, para Keynes (1921), em duas tcnicas: a ana-logia e a induo pura. A analogia o raciocnio em que se comparam semelhanase dessemelhanas entre evidncias dos objetos. Ela pode ser em nvel das evidnciasde entendimento direto para com conhecimento direto tanto quanto entre objetosconhecidos e outros que se desejam conhecer. Na induo por analogia, funda-mental que se apresentem analogias negativas, isto , diferenas nos objetos, pois

    quanto maior a variedade entre eles, melhor a generalizao. A analogia positiva,por sua vez, so as semelhanas que os objetos detm. Ao se conhecerem as seme-lhanas e dessemelhanas dos objetos particulares possvel ir alm deles, ou seja,pode-se generalizar.

    A induo pura a generalizao pela multiplicao dos casos particulares, emque o argumento ancora-se no somatrio de evidncias conhecidas que se agregamao conhecimento direto. Contudo, pouco adianta a multiplicao de instncias em

    unidade relevante de teorizao e anlise em Keynes. Para mais, veja: Bateman (1989, 1991) e Davis(1989-1990), Carabelli (1985), Winslow (1986, 1989a, 1989b) e Rotheim (1989-1990).

    12 No demais ressaltar que, se no TPh o binmio probabilidade-peso, na GT o binmio expectativa-estado de confiana.

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    condies uniformes de experimentao. Caso se faam cem experimentos exata-mente iguais, bastante improvvel que surjam evidncias diferentes a ponto de seterem generalizaes alternativas. Melhor relacionar os objetos sob condiesdiferentes, no tempo e no espao, para que se evidenciem as dessemelhanas e seeliminem as instncias no essenciais generalizao.

    Em suma, o mtodo indutivo rene em parte, analogia e, em parte, induopura. A analogia fortalecida pela induo pura, desde que se tenha a multiplicaode evidncias por experincias no uniformes que agreguem dessemelhanas redu-toras das possibilidades de generalizaes alternativas dos objetos em comparao.Quanto mais (i) analogias negativas e positivas forem percebidas e (ii) casos parti-culares se somarem experincia do indivduo, maior o peso que ele ter em seuargumento, conduzindo-o uma maior crena racional em suas proposies. Ento,

    o objetivo de se ampliar o nmero de evidncias surge do fato de

    que estamos quase sempre conscientes de alguma diferena entre os ob-jetos e de que mesmo onde a diferena conhecida insignificante ns po-demos suspeitar de que podem existir mais, especialmente quando nossoconhecimento dos objetos muito incompleto. Toda nova evidncia podediminuir as semelhanas no essenciais entre os objetos e por introduzir--se uma nova diferena amplia-se a Analogia Negativa. Por esta razo, esomente por esta razo, novas instncias so necessrias. (Keynes, 1921,p. 269)

    Por implicar concluses a partir de evidncias particulares, o mtodo indutivosempre traz consigo a incerteza, haja vista o clebre problema da induo de DavidHume. Contudo, Keynes (1921) no enxerga qualquer problema nisso, pois suaprobabilidade no intenta a verdade da relao entre premissas e concluso, masa razoabilidade dela. Decorre disto, no TP, a probabilidade lidar com graus decerteza em um conhecimento, isto , em uma generalizao. O conhecimento, mes-mo incerto e no terminante, lgico e vlido, mesmo quando no dotado deverdade demonstrativa, como o um teorema.13

    Quando o indivduo induz, considera-se que o conhecimento direto do qual

    decorre sua concluso verdadeiro. Entretanto, a condio de verdade das premis-sas um requisito para que delas se possa concluir e nada implica que a referidaverdade seja inquestionvel. Pelo contrrio, coerente com sua concepo metodo-lgica, Keynes argumenta que

    no h nada de novo na suposio de que a probabilidade de umateoria gira em torno das evidncias em que ela se apoia; e comum afir-mar que uma opinio provvel com base nas evidncias inicialmente mo, diante de outras informaes tornou-se insustentvel. Enquanto

    13Nas palavras de Keynes (1921, p. 284), mas certo que Newton e Huygens s foram razoveisquando suas teorias eram verdadeiras e que seus erros foram frutos de fantasias desordenadas?.

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    muda nosso conhecimento ou nossas hipteses, nossas concluses tmnovas probabilidades, no em si, mas em relao s novas premissas.(Keynes, 1921, p. 7)

    De acordo com Keynes (1921: 282), a utilidade da induo depende, sem

    dvidas, do contedo atual da experincia e, assim, a experincia sensorial ummeio de entendimento, de conhecimento, de formulao de hipteses e de se con-ferir utilidade prtica ao saber via induo. No entanto, a forma pela qual Keynesconcebe a induo, e principalmente pelo papel cumprido pela analogia, no arestringe matria do fato, mas permite seu uso em nveis abstratos (haja vista aprpria experincia pela compreenso de significados), indo alm da induo purahistrico-indutiva (ou histrico-dedutiva, la Bresser-Pereira, 2012). Nestes moldes,a induo em Keynes incorpora os referidos mtodos, mas no se restringe a eles,podendo-se consider-los como formas de expresso do indutivismo em Keynes. Ainduo, desta forma, pode ser utilizada nas diversas disciplinas cientficas, inclu-sive naquelas que se relacionam ao estudo do comportamento humano, como ascincias morais e que Keynes (1973) entendia ser a natureza da Economia. Logo,

    eu no quero sugerir pelo uso do termo indutivo que estes mtodos[analogia e pura induo] esto necessariamente confinados aos objetosda experincia fenomnica e quilo que por vezes chamado questesempricas; ou evitar desde o princpio a possibilidade do uso deles eminvestigaes abstratas e metafsicas. (Keynes, 1921, p. 252)

    O mtodo indutivo, sob a lgica da probabilidade de Keynes, hbil a trataro fenmeno econmico, no somente porque apresenta uma teoria do conhecimen-to relacionada ao modo pelo qual os sujeitos raciocinam, imbudos de motivos,expectativas, incertezas psicolgicas (Keynes, 1973, p. 300), mas, tambm, porpermitir que, diante de seu carter inconclusivo, a teoria evolua ao longo do tempo,pela incluso de novos entendimentos e conhecimentos. Muito embora, a induono consiga chegar a generalizaes completamente acuradas (Keynes, 1964, p.247), os modelos por ela construdos so abertos, pela complementaridade entre

    analogia e pura induo, incorporao do conhecimento novo. Mesmo diante deum material inconstante e heterogneo, consegue-se segregar os fatores semiper-manentes e relativamente constantes daqueles que so transitrios ou flutuantes abem de desenvolver uma forma lgica de se pensar sobre os ltimos e de entendera sequncia de tempo em que eles surgem nos casos particulares (Keynes, 1973, p.297). No custa lembrar que tais fatores flutuantes ou transitrios so os que Key-nes (1964, p. 247) argumenta, na GT,que na prtica exercitam uma influnciadominante sobre nosso objeto e relacionam-se quilo que Chick e Dow (2001)chamaram de anlise por segmentao/compartimentao.

    Ademais, o princpio da unidade orgnica torna a incerteza devida induoainda mais radical. Consoante Keynes (1973), por causa da unidade orgnica otodo maior do que o somatrio das partes que o compem e, portanto, as unida-

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    des individuais no podem ser redutveis a partes iguais, conhecidas e previsveis.Um indivduo desconhece a forma pela qual o outro elenca evidncias para gene-ralizar sendo que a deciso de cada um tem o poder de alterar o todo para almdaquilo esperado pelo agente. No bastasse ser o ambiente desconhecido, ele ainda passvel de alterao dinmica pelas decises que os indivduos tomam, deforma fragmentada e descoordenada. Assim, o conhecimento e o grau de crenaracional dos indivduos em suas concluses podem oscilar de maneira intempestiva,pois as premissas nas quais se ancoram alteram-se com constncia.

    No obstante, o conhecimento por induo corrobora, ainda, o carter noer-gdico da realidade, destacado por Davidson (1982-83). Como aponta Hayes(2006), a noergodicidade uma caracterstica inerente dos sistemas/modelos aber-tos (Lawson, 1997) e resulta do fato de que as evidncias no se distribuem commdia zero no espao amostral ou nos dados temporais, de forma que o valor espe-rado delas no pode ser calculado. Mesmo no caso especial de isso acontecer ouseja, a ergodicidade dos modelos neoclssicos a induo a partir de dados parti-culares no permite a certeza do conhecimento, pois, como afirma Keynes (1921),a regularidade de certos fenmenos, como o sol levantar-se todas as manhs , nomximo, uma correlao indutiva e no um conhecimento certo dos fenmenosobjetivos. Uma nova evidncia, mesmo que se posicione na mdia da amostra, podeocasionar argumentos completamente novos que alteram por completo o antigostatus quo. Logo, melhor a crena que o sol deve nascer amanh, ao invs dacrena de que ele sempre nascer (Keynes, 1921, p. 298).

    Para que se possa concluir sobre como o mtodo indutivo importante emKeynes, buscam-se evidncias de que o exposto no TP tenha sido praticado peloautor ao longo de sua obra. Nesse sentido, a prxima seo vai nessa direo. Co-mo mencionado na Introduo do artigo, o recorte analtico dar-se- sobre trsobras econmicas de Keynes, quais sejam: Tract, TMe GT.14

    AS EVIDNCIAS DO MTODO INDUTIVO EM KEYNES

    Podem-se perceber evidncias de que Keynes se utiliza da epistemologia e dametodologia expressas em seu TPsob dois mbitos: (i) no comportamento doagente teorizado e (ii) no seu mtodo enquanto terico. Diga-se de passagem, oprimeiro mbito o mais comumente debatido na literatura; contudo, tambm nosegundo possvel notar o papel do mtodo indutivo em Keynes como uma dasformas pela qual ele se apodera do fenmeno a ser compreendido. No obstante,os dois mbitos so a expresso daquilo que Carvalho (2003) pontua como o in-vestigador enquanto agente econmico. O terico partcipe da realidade tantoquanto um agente e, ento, consegue experiment-la e teoriz-la.

    Pois bem, se para fins de epistemologia e metodologia o tempo pode no ser

    14Nas referncias, veja-se: Keynes (1971a, 1971b, 1964), respectivamente, ao Tract, ao TM e GT.

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    uma varivel fundamental, para a investigao econmica ele . ao longo deleque as decises dos agentes se concretizam, inclusive aquelas sobre a ampliao desua riqueza. Sendo o conhecimento incerto, no h como conhecer qual a formadesta concretizao, se vantajosa ou no. Por conta disso, os agentes criam expec-tativas, e no certezas, sobre o futuro. Essa a aplicao da noo keynesiana deprobabilidade, conforme atestam, na GT, as palavras de Keynes (1964, p. 148):

    por muito incerto eu no quero significar a mesma coisa que mui-to improvvel. Cf. meu Tratado sobre a Probabilidade [...] [e] o estadoda expectativa a longo prazo, sobre a qual se baseiam nossas decises,no depende somente do prognstico mais provvel que podemos formu-lar. Depende, tambm, da confiana com que fazemos este prognstico.

    Ainda sobre a incerteza no mbito do agente, no Tract os indivduos, a partir

    de seus hbitos, reservam encaixes monetrios e, assim, influenciam o nvel depreos. No TM, as expectativas se traduzem tanto na taxa natural de juros, queiguala poupana e investimento, quanto nos comportamentos bull e beardos agen-tes no mercado financeiro, bem como na relao entre taxa de desconto e ganhosesperados dos agentes. Pode-se ainda ressaltar na GTo confronto, dependente doconhecimento incerto que os agentes possuem sobre o futuro, entre a eficinciamarginal do capital e a preferncia pela liquidez e sua consequente taxa de juros.Assim, a dinmica econmica torna-se condicionada ao modo pelo qual os agentesabsorvem e raciocinam ao longo do tempo e sob incerteza.

    No obstante, notvel que analogia e induo pura so fundamentais paraa tomada de deciso do agente. No TMa igualdade entre poupana e investimen-to depende da equivalncia entre a taxa de juros do mercado e a taxa de jurosnatural. Logo, o comportamento do agente e a dinmica econmica so influencia-dos pela analogia que o agente faz entre o juro natural e o juro de mercado. Esteele conhece no presente, mas seu comportamento futuro no. Da expectativa, poranalogia, que ele fizer entre o presente e o futuro depender sua maior ou menoralocao de moeda na circulao financeira do capital. Na GT, como mostra Hes-se (1987), a eficincia marginal do capital e a preferncia pela liquidez ancoram-seno pensamento, por analogia, de que as condies conhecidas do presente se asse-melharo s do futuro.

    Como visto, para a induo pura somam-se evidncias que so acessveis aoindivduo. Caso este seja um empresrio buscando elementos para decidir sobre aampliao de seu estoque de capital produtivo, lhe sero conhecidos o valor dosalrio mnimo, a taxa de desemprego, o nvel de preos e o grau da concorrncia,entre outros fatores. Alm disso, a poltica econmica tambm interpretada comouma evidncia sobre o ambiente de negcios. Por isso ela deve atuar, por um lado,buscando estabilizar automaticamente o ciclo econmico e, por outro lado, estru-turando um cenrio institucional propcio aos investimentos produtivos, comoargumentam Ferrari Filho e Terra (2011). Por sua vez, as convenes destacadaspor Keynes na GTtambm representam conhecimento sobre o qual se ancora o

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    animal spirits dos empresrios. De todas estas formas, multiplicam-se as evidnciasdiretamente conhecidas de maneira que os argumentos dos investidores sobre ofuturo tenham mais peso e, portanto, lhes implique maior estado de confiana.

    Se os agentes lidam com o resultado incerto de suas aes, o mesmo vale paraas autoridades econmicas. As polticas monetria e cambial, por exemplo, operambuscando influenciar o comportamento dos agentes e, portanto, no so de impac-to direto sobre a atividade econmica. No por menos que no Tracte no TM,livros que investigam, notadamente, os fatores que fazem variar o nvel de preose, por consequncia, o valor da moeda, Keynes ctico sobre os resultados passveisde serem alcanados pela poltica monetria. Na GT, em que a varivel preo secundria em relao s variveis emprego e produto, o ceticismo de Keynes comrelao poltica monetria parece ser mais profundo do que nos livros anteriores, medida que afirma: de minha parte eu sou presentemente ctico acerca do su-

    cesso de uma poltica meramente monetria no sentido de influenciar diretamentea taxa de juros (1964, p. 164). Por isso, a preferncia de Keynes pela polticafiscal, cujo impacto na demanda agregada imediato (Ferrari Filho e Terra, 2011).De todo modo, por funcionar como um conhecimento direto ao indivduo, desdeo Tract, afirmava Keynes,

    o remdio residir, de preferncia, em se controlar o padro de valor[...] colocando-se em marcha algum fator contrrio tendncia. Mesmose a poltica no for completamente bem sucedida, tanto em compensar

    as expectativas ou em evitar movimentos atuais, ela ser uma melhoriana poltica de ficar-se quieto. (1971a, p. 35)

    Note-se, portanto, que nas obras econmicas analisadas, a presena da induotal qual desenvolvida por Keynes no TP evidente. Cabe procurar, agora, elemen-tos que permitam localizar o papel do mtodo indutivo na abordagem que Keynesrealiza para apreender o fenmeno econmico. Assim sendo, so notveis as diver-sas aluses experincia ao longo do Tract, do TM e da GT.Nesse particular,vrios so as funes dela, mas todas se referem coleta de evidncias para seabordar o sistema econmico. A experincia serve como fonte de problemas parainvestigao, a exemplo do Tract, em que as flutuaes no valor da moeda desde1914 foram em uma escala to grande a ponto de constituir, com tudo o que elaenvolve, um dos mais significantes eventos na histria econmica moderna (1971a,p. 1).15A experincia, ademais, inspira categorizaes para se modelarem compor-tamentos, tais como a segunda categoria de depsitos de poupanas compreendeo que, em linguagem emprestada das bolsas de valores, ns chamaremos de posiobear (Keynes, 1971b, p. 223).

    A experincia tambm base para Keynes lanar e validar hipteses, como no

    15Note-se, o prprio objeto do livro, Um tratado sobre a reforma monetria, decorre da observaodeste fenmeno por Keynes.

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    caso das quatro condies de estabilidade que impedem movimentos cclicos inten-sos no sistema econmico. Nas palavras do autor,ora, como estes fatos da expe-rincia no se seguem de necessidade lgica, pode-se supor que o ambiente e aspropenses psicolgicas do mundo moderno so de um tipo tal que produzem esteresultado [estabilidade] (Keynes, 1964, p. 250). E, reiteradamente ao longo docaptulo 18 da GT, no obstante, a experincia mostra (Keynes, 1964, p. 252)ou nossa terceira condio concorda com nossa experincia da natureza humana(Keynes, 1964, p. 252), at que, por fim, deste modo nossas quatro condies emconjunto so adequadas para explicar as caractersticas bem conhecidas de nossaexperincia corrente (Keynes, 1964, p. 254).

    Ainda no referido captulo da GTh evidncia da induo, dada inclusivepelo ttulo dele: A Teoria Geral do Emprego Reafirmada. nele que Keynes con-firma a generalidade de sua teoria, aps ter examinado as relaes causais de di-

    versas instncias particulares, tais como: o que causa o emprego? O que causa ademanda efetiva? O que causa o consumo? O que causa o investimento? O quecausa a taxa de juros da moeda? Por que a moeda e no qualquer outro ativo? Aose investigar cada uma destas variveis, o que se pode generalizar? Induz-se e rea-firma-se, a partir das premissas do conhecimento direto, o argumento da GT.

    Raciocnios por analogia tambm esto presentes, notadamente nas discussesmais abstratas. Em especial, a forma pela qual Keynes questiona na GT o segundopostulado da Economia Clssica. O referido postulado clssico aponta que redu-es no salrio nominal implicam menores salrios reais (ou aumentos em sua

    identidade, a desutilidade marginal do trabalho) e conduzem ao aumento do de-semprego. Por analogia, variaes dos preos, dados os salrios nominais, condu-zem reduo dos salrios reais (ou aumentos na desutilidade marginal do traba-lho) e causam aumento do desemprego? Esta analogia falsa, pois, no se veemtrabalhadores deixando seus empregos por conta de aumentos no custo de vida.Keynes, ento, parte para a induo pura, somando-a analogia, o que lhe permi-te, por um lado, concluir um problema na teoria Clssica e, por outro lado, buscarsolues para o problema terico. Neste contexto,

    ora, a experincia ordinria nos diz, sem dvidas, que a situao emque o trabalhador estipula (...) os salrios monetrios ao invs dos reais,longe de ser uma mera possibilidade, o caso normal. Enquanto os tra-balhadores resistiro sempre a uma reduo dos seus salrios monetrios,no da prtica deles abandonar seus empregos sempre que houver umaumento nos preos dos bens-salrio. (Keynes, 1964, p. 9)

    Como se no bastasse, somem-se as seguintes observaes factuais: mas, sejalgico ou no, a experincia mostra que este o comportamento dos trabalhadores(Keynes, 1964, p. 9) e ademais, o argumento de que o desemprego que caracterizaa depresso devido recusa do trabalho de aceitar uma reduo em seus salriosmonetrios no claramente atestada pelos fatos (Keynes, 1964, p. 9). Por fim,

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    estes fatos da experincia so,prima facie,base para se questionar a adequao dateoria clssica (Keynes, 1964, p. 9).

    Outra analogia relevante da GT se expressa na abordagem do fenmenojuros (Keynes, 1964, cap. 13). Como afirma a teoria Clssica, sendo os

    juros a recompensa pela espera, por consequncia, toda espera deve serrecompensada. Por analogia, por que a espera em moeda, ento, no pagajuros? Ao no poder responder a tal questo, corrobora-se que a teoriaClssica no pode ser geral, pois ela no lida com todas as vicissitudesdo sistema econmico. Por fim, saliente-se a analogia pela qual se podecompreender a relao entre investimento produtivo, taxa de juros emoeda, que resulta de Keynes (1964, cap. 17). Todos estes objetos possuemnaturezas semelhantes por serem meios de se reservar valor; contudo, sodiferentes em qualidades como risco, custo de carregamento e prmio

    de liquidez. Logo, pelo exame das semelhanas e dessemelhanas, pode-se concluir que eles sejam alternativos uns aos outros. E, conhecendo ascaractersticas e as influncias de cada um destes objetos, pde Keynes(1964) modelar os determinantes do emprego e do produto.

    Diante de inmeras evidncias, parece haver pouca dvida de que o mtodoindutivo foi um importante caminho para Keynes construir sua obra. Por conse-guinte, o autor no somente defendeu a validade dele enquanto meio de se conhe-cer, mas aplicou-o para elaborar suas teorias sobre fenmenos econmicos. Almdisso, coerente com sua posio epistemolgica, em que o conhecimento por indu-o inconclusivo e, portanto, novas evidncias podem levar a novas concluses,seus objetos e suas concepes tericas foram, em parte, se alterando ao longo dotempo. Exemplo notvel a teoria quantitativa da moeda, dada como vlida porKeynes no Tract, pelo menos no longo prazo,e refutada na GT. Enfim, uma teoriacientfica no pode pretender que os fatos se ajustem a suas prprias hipteses(Keynes, 1964, p. 276) e, assim sendo, a cada incorporao de conhecimentos, asteorias se adaptam, para perseguirem os fatores que, principalmente, determinamo nosso quaesitum (Keynes, 1964, p. 247).

    CONSIDERAES FINAIS

    Como visto, Keynes buscou validar a induo no somente como um mtodocientfico, mas, tambm, como um caminho intuitivo pelo qual os sujeitos, em geral,podem conhecer. Talvez, o papel do mtodo indutivo seja uma das facetas maisimportantes da revoluo terica keynesiana, pois investigador e investigado so

    agentes comuns, usam da mesma lgica ordinria, observam, sentem e experimen-tam o real worldda mesma forma, algo fundamental para que a teoria detenha noum significado contemplativo, mas, sim, prtico de interveno na realidade, prin-cipalmente em um contexto econmico sujeito a instabilidades e desequilbrios,como o caso de economias monetrias.

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    Embora a questo metodolgica em Keynes esteja em aberto, os argumentose as evidncias apresentadas neste artigo permitem concluir que o mtodo indutivoest bastante presente na obra de Keynes, tanto na forma pela qual o empresrio,sujeito teorizado, age, quanto como mtodo de abordagem que permitiu ao autorconceber o fenmeno econmico como uma economia monetria da produo. Omtodo histrico-indutivo relaciona-se intimamente com a induo de Keynes e,assim sendo, possvel inferir que o indutivismo de Keynes fornece as bases parao referido mtodo, podendo ser ele considerado como uma forma especfica dainduo, em especial, da induo pura.

    To importante quanto isso enfatizar que os fundamentos epistemolgicos emetodolgicos dele no esto circunscritos apenas s influncias recebidas ou soapropriaes que ele faz de mtodos utilizados por outros tericos. Keynes deu-seo trabalho de conceber um aparato intelectual prprio que lhe permitiu desenvolverseus trabalhos econmicos e que oferece explicaes funcionais para a trajetriahistrica do sistema. Seus pressupostos epistemolgicos e metodolgicos buscam,e apresentam fundamentos lgicos para tanto, tornar vlido o conhecimento incer-to, elemento fundamental para explicar o comportamento de uma economia mo-netria da produo. Logo, uma importante concluso a que se pode chegar nesteartigo que a incerteza inerente ao dos agentes no um pressuposto da teoriaeconmica de Keynes, mas uma decorrncia de sua teoria do conhecimento, pois

    nosso conhecimento, contudo [...] frequentemente obtido indutivamente, e com-partilha a incerteza a que todas as indues so passveis (Keynes, 1921, p. 108).

    Por fim, ressaltem-se duas observaes: por um lado, sendo a Economia, paraKeynes, uma cincia moral, a induo permite estabelecer a racionalidade da deci-so individual em um mundo incerto. Nesse sentido, Keynes no observava a in-duo apenas como um mtodo cientfico, mas como a forma pela qual os sujeitosem geral conhecem. Por outro lado, embora o artigo tenha explorado o papel dainduo em Keynes e o mtodo indutivo, sua vasta e variada obra deve, certamen-te, utilizar-se de outros mtodos.

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