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5/24/2018 Fernando Tese Completa PDF
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FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI
FLEXIBILIDADE PROCEDIMENTAL
(um novo enfoque para o estudo do procedimento em matria processual)
TESE DE DOUTORADO
ORIENTADOR: PROF.DR. CARLOS ALBERTO CARMONA
FACULDADE DE DIREITO DA USP
SO PAULO
2007
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FERNANDO DA FONSECA GAJARDONI
FLEXIBILIDADE PROCEDIMENTAL
(um novo enfoque para o estudo do procedimento em matria processual)
Tese apresentada Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo como requisito parcial
para obteno do ttulo de Doutor em Direito
Processual, sob orientao do Prof. Dr. Carlos
Alberto Carmona
FACULDADE DE DIREITO DA USP
SO PAULO
2007
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Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Mais difcil do que elaborar o trabalho externar os agradecimentos de todos
aqueles que, direta ou indiretamente, contriburam para sua consecuo.
Sem ordem de preferncia, a vo juristas que no podem deixar de ser
nominalmente lembrados.
Aos meus professores das disciplinas que cursei na Faculdade de Direito da
Universidade de So Paulo, tanto no Mestrado quanto no Doutorado, seja na rea de
concentrao (Cndido Rangel Dinamarco, Jos Rogrio Cruz e Tucci, Jos Roberto dos
Santos Bedaque, Carlos Alberto Carmona, Flvio Luiz Yarshell, Carlos Alberto de Salles,Paulo Henrique dos Santos Lucon, Luiz Carlos de Azevedo e Antonio Carlos Marcato) ou
fora dela (Paulo Borba Casella, Jos Eduardo Campos de Oliveira Faria, Eros Roberto
Grau, Paula Andra Forgioni e Luiz Gonzaga de Mello Beluzzo), pelos conhecimentos
transmitidos.
Aos meus colegas do ncleo de estudos e debates do CEBEPEJ Centro Brasileiro
de Estudos e Pesquisas Judiciais coordenado pelo querido Prof. Kazuo Watanabe, pela
constate troca de idias, muitas delas desenvolvidas no curso desta tese: Paulo EduardoAlves da Silva, Lslie Shrida Ferraz, Valria Ferioli Lagrasta, Rogrio A. Correia Dias,
Juliana Demarchi, Michel Romano, Susana Henrique da Costa, Daniel Issler, Marcos
Antonio Garcia Lopes Lorencini e Marcos Paulo Verssimo.
Aos componentes das bancas de defesa da minha dissertao de Mestrado (Carlos
Alberto Carmona, Kazuo Watanabe e Estvo Mallet) e da qualificao do Doutorado
(Carlos Alberto Carmona, Kazuo Watanabe e Jos Rogrio Cruz e Tucci), pelas valiosas
sugestes de aprimoramento de ambos os trabalhos.Aos professores Luiz Flvio Gomes e Ada Pellegrini Grinover, meus
coordenadores no curso de ps-graduao telepresencial da Rede LFG, pelo apoio e
confiana constantes.
Ao meu colega Mrcio Henrique Mendes da Silva, da Faculdade Municipal de
Direito de Franca, pela indispensvel reviso final da tese.
E, principalmente, ao meu orientador Dr. Carlos Alberto Carmona, meu modelo de
professor, pelo verdadeiro privilgio concedido de integrar o seleto grupo de seus
admiradores e seguidores.
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Muito se tem escrito pelos sbios sobre osinconvenientes pblicos, e do Estado, queresultam os processos ordinrios e suas delongas(...) Os senhores Reis deste Reino tmreconhecido a mesma necessidade da causapblica; e por muitos decretos tm mandadoconsultar o Desembargo do pao sobre asprovidncias mais oportunas, a fim de seabreviarem as demandas sem prejuzo daAdministrao da Justia, e se principiou atrabalhar neste importante negcio. Pormtambm estes reais projetos to sbios, como
providentes, no chegam a ultimar-se, e encher aspaternais intenes dos Soberanos; ficando-senesta falta observando a antiga Ordenao
(Manoel de Almeida e Souza de Lobo. TractadoPrtico Compendirio de todas as aces
summarias, sua ndole, e natureza em geral, e em
especial, Das Summarias, Sumarssimas,
Preparatrias, Provisionaes, Incidentes, Preceitos
Comminatorios, etc. Lisboa: Imprensa Nacional,1847, do prefcio).
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Repito o gesto todos os dias
Olhos que no se cansam de olhar
Sua face; a mais bonita
Asensao de bem estar
No quero dos cus outra vida
Ah, minha rosa, s cativo o seu lugar
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RESUMO
certo que os modelos procedimentais devem se adaptar s realidades do caso
concreto. Todavia, pouco se tem contribudo no plano acadmico para que a adequao do
procedimento sua substncia seja efetivamente possvel, ainda que contrariamente ao
modelo disciplinado no Cdigo de Processo Civil. Pretende-se com a presente tese
despertar o interesse pelo estudo do procedimento, mais precisamente da necessidade dele
estar sempre predisposto a atender s particularidades da demanda individualmente
analisada. Partindo-se de uma viso descentralizadora da fonte normativa processual, com
releitura da competncia concorrente dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre
procedimento, admite-se a flexibilizao das regras procedimentais no plano normativo,
com adequaes do processo s realidades locais. Aps, constatado que s a via legal no
suficiente, constri-se toda uma teoria sobre a flexibilizao procedimental, seus
condicionamentos (finalidade, contraditrio til e fundamentao) e sua compatibilidade
com a previsibilidade e segurana do sistema, bem como com o devido processo
constitucional. Ao final, aps breve incurso sobre o direito aliengena, indicam-se casos
prticos de variao procedimental: a) flexibilizao legal genrica; b) flexibilizao legal
alternativa; c) flexibilizao judicial e d) flexibilizao voluntria.
Palavras-chave: Procedimento Competncia concorrente Adequao procedimental
Direito material Flexibilidade procedimental Rigidez Variao ritual.
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ABSTRACT
It is clear that proceeding models must adapt to reality of the cases. However, little
has been contributed by the academic plan so proper utilization of these proceedings can be
effectively utilized rigorously, even if contrary to the civil process law. Herein, this
dissertation elicits the interest for proceeding studies, focusing on the necessity for
attending individual demands particularly analyzed. Starting with a decentralized
standpoint from the regular process source, with re-lecture of the concurrent competence of
States and the Union for legislating over the proceedings, flexibility of the proceedings
rules is admitted under the normative plan, adapting the process according to local
necessities. After realizing that the legal pathway is insufficient, a theory is built regarding
the procedural flexibility, their conditions (goal, useful-contradictory, and fundament), and
their compatibility with predictability and security of the system, likewise with the proper
legal process. Finally, after a brief mention regarding the others systems, it is indicated
practical cases of ritual-variation: a) generical and legal authorization; b) alternative and
legal authorization, c) judicial flexibility e d) voluntary flexibility.
Key words: Proceedings Concurrent competence Adaptation Material rights
Flexibility Ritual variation.
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SUMRIO
1. INTRODUO .................................................................................................................................12
1.1. Apresentao do tema ....................................................................................................................12
1.2. Premissas metodolgicas ...............................................................................................................15
1.3. Objeto do estudo.............................................................................................................................17
2. SISTEMA FEDERALISTA BRASILEIRO E CENTRALIZAO DOS
PROBLEMAS DO PROCESSO NA ESFERA FEDERAL...............................................20
2.1. Formas de Estado ...........................................................................................................................20
2.2. Federalismo ....................................................................................................................................21
2.3. Federalismo brasileiro....................................................................................................................23
2.3.1. Repartio constitucional de competncias legislativas na Constituio Federal de
1988 ....................................................................................................................................26
2.3.2. Competncia legislativa concorrente e a dificuldade de se estabelecer o conceito
de normas gerais.................................................................................................................27
2.3.3. Distores do modelo federalista brasileiro........................................................................312.4. Competncia para legislar sobre processo e procedimento no Brasil .........................................33
2.4.1. Breve notcia histrica..........................................................................................................33
2.4.2. Competncia para legislar sobre processo e procedimento na Constituio Federal
de 1988 ...............................................................................................................................39
2.4.3. Normas processuais e normas procedimentais ...................................................................41
2.4.3.1. Processo e normas processuais ............................................................................42
2.4.3.2. Procedimento e normas procedimentais .............................................................46
2.4.4. Normas gerais em matria de procedimento processual e a inconstitucionalidade
das normas desta natureza editadas pela Unio Federal aps 1988................................53
2.4.5. Normas no gerais em matria procedimental e a relativa capacidade dos Estados
e do Distrito Federal flexibilizarem o procedimento .......................................................59
2.4.6. Jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal e interpretao quanto competncia
concorrente dos Estados e do Distrito Federal em matria procedimental ....................63
2.4.7. O fracasso da iniciativa legislativa em se estabelecer o alcance do art. 24, XI, da
Constituio Federal ..........................................................................................................67
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2.4.8. Competncia concorrente dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre
processo e procedimentos em sede de juizados especiais .............................................71
2.5. Concluso parcial ...........................................................................................................................77
3. FUNDAMENTOS DOGMTICOS DA FLEXIBILIZAO PROCEDIMENTAL.......80
3.1. Processo e procedimento ...............................................................................................................80
3.1.1. Distino ...............................................................................................................................80
3.1.2. Evoluo terminolgica e conceitual do sistema processual civil vigente em
relao s legislaes processuais antecedentes ..............................................................81
3.1.3. Classificao dos processos .................................................................................................85
3.1.4. Classificao dos procedimentos .........................................................................................88
3.2. Sistemas procedimentais e rigidez ................................................................................................93
3.3. Procedimento rgido como regra de ordem pblica .....................................................................96
3.4. Procedimento rgido como fator de segurana e previsibilidade do sistema..............................97
3.5. Flexibilizando a rigidez do procedimento sem perder a previsibilidade e segurana do
sistema ...........................................................................................................................................100
3.6. Requisitos indispensveis flexibilizao procedimental.........................................................103
3.6.1. Finalidade............................................................................................................................1043.6.2. Contraditrio til ................................................................................................................105
3.6.3. Motivao............................................................................................................................110
3.7. Procedimento como legitimador da atividade judicial ..............................................................111
3.8. Compatibilizao da funo legitimante do procedimento com sua flexibilizao .................114
3.9. Legitimao da deciso pelo contraditrio til e no pelo mero procedimento.......................114
3.10. Devido processo constitucional e flexibilizao procedimental .............................................117
3.11. Flexibilizao procedimental e instrumentalidade das normas...............................................120
3.12. Concluso parcial .......................................................................................................................122
4. FLEXIBILIZAO DO PROCEDIMENTO EM OUTROS SISTEMAS .......................125
4.1. Introduo .....................................................................................................................................125
4.2. Sistemas inquisitoriais e adversariais..........................................................................................127
4.3. Processo ingls .............................................................................................................................130
4.4. Processo norte-americano ............................................................................................................136
4.5. Processo portugus.......................................................................................................................1404.5.1. Reforma processual civil portuguesa ................................................................................140
4.5.2. Princpio da adequao formal (art. 265-A do CPC Portugus)......................................144
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5. FLEXIBILIDADE PROCEDIMENTAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO ........153
5.1. Introduo .....................................................................................................................................153
5.1.1. Princpios da adequao da adaptabilidade do procedimento .........................................153
5.1.2. Princpio da adaptabilidade e sistemas de flexibilizao do procedimento....................157
5.2. Flexibilidade procedimental legal genrica................................................................................160
5.2.1. Art. 153 do Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/90)..............................161
5.2.2. Art. 1.109 do CPC (jurisdio voluntria) ........................................................................164
5.2.3. Art. 21 e 1 da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96) .....................................................168
5.2.4. Art. 6 da Lei dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95)...................................................172
5.2.5. Atipicidade das medidas executivas nas obrigaes de fazer, no fazer e dar coisa
(art. 461, 5, e art. 461-A, 3, ambos do CPC, e art. 84, 5, do CDC) .................176
5.3. Flexibilidade procedimental legal alternativa ............................................................................179
5.3.1. Converso do procedimento sumrio em ordinrio (art. 277, 4 e 5 do CPC) .........179
5.3.2. Facultatividade da audincia preliminar (art. 331, 3, do CPC) ...................................182
5.3.3. nus da prova (art. 333 do CPC) e sua inverso (art. 6, VI, do CDC)..........................184
5.3.4. Interrupo do curso procedimental pela resoluo antecipada do pedido.....................188
5.3.4.1. Julgamento antecipadssimoda lide (art. 285-A do CPC) ..................................189
5.3.4.2. Julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC) ...............................................1925.3.4.3. Smula impeditiva de recursos (art. 518, 1, do CPC).....................................194
5.3.4.4. Julgamento monocrtico dos recursos (art. 527, I, 557, 1 e 1-A, do
CPC)........................................................................................................................196
5.3.5. Converso legal de recursos (art. 527, II, e art. 544, 3, do CPC)................................198
5.4. Flexibilidade procedimental judicial...........................................................................................201
5.4.1. Direitos difusos e coletivos e procedimento diferenciado ...............................................204
5.4.2. Inverso da ordem de produo de provas........................................................................207
5.4.3. Fungibilidade procedimental .............................................................................................209
5.4.3.1. Fungibilidade entre ritos e demandas ...................................................................212
5.4.3.2. Fungibilidade entre defesas...................................................................................215
5.4.3.3. Fungibilidade entre procedimentos liquidatrios ................................................217
5.4.3.4. Fungibilidade entre cautelares tpicas e atpicas..................................................219
5.4.4. Utilizao de procedimento diverso do legal e abstratamente previsto ..........................221
5.4.5. Variantes no mbito do procedimento recursal ................................................................227
5.4.6. Flexibilizao judicial dos prazos .....................................................................................2285.4.7. Flexibilizao das rgidas regras sobre precluso ............................................................233
5.5. Flexibilidade procedimental voluntria ......................................................................................235
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5.5.1. Flexibilizando a cogncia em favor da eleio do procedimento pela parte ..................236
5.5.2. Prorrogao convencional de prazos .................................................................................241
5.5.3. Eleio do ato processual na srie .....................................................................................243
6. CONCLUSES ...............................................................................................................................244
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...........................................................................................250
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1. INTRODUO
1.1. Apresentao do tema
Qualquer introduo de um trabalho acadmico, mais do que toda a tese que se
ofertar, j revela, ainda que no seja este o propsito de seu autor iludido pela idia de
evitar a precocidade e a simplicidade do raciocnio os motivos, os objetivos, a diviso e
as principais concluses do estudo. Na maioria das vezes, inclusive, de maneira bem mais
sucinta e clara do que se ver nas pginas do prprio trabalho.
A rigidez do procedimento processual civil brasileiro sempre foi objeto das
minhas mais altas reflexes, especialmente quando desenvolvia, nesta Casa, a dissertao
de mestrado com o tema Tcnicas de Acelerao do Processo uma anlise crtica luz
de dados estatsticos.1
Paradoxalmente, nosso sistema permite ao juiz brasileiro, com fundamento no
art. 131, do Cdigo de Processo Civil (princpio do livre convencimento motivado), que
decida livremente, com base na lei, nas provas e na sua convico pessoal, sobre a
pretenso formulada. Mas no lhe permite, tambm com base naqueles mesmos elementos,
no direito material, nas condies especiais ou na autorizao das partes2, que opte pela
prtica de tal ou qual ato processual. Ou seja, permite-se ao juiz liberdade no principal, no
julgamento da causa, mas no se lhe concede liberdade no minus, isto , na escolha do
melhor iterpara a conduo do processo.
Minha preocupao foi majorada quando, ao consultar nossa legislao e algunsprecedentes jurisprudenciais, percebi que j h situaes, pese em casos muito restritos,
1O trabalho foi posteriormente publicado com o ttulo Tcnicas de acelerao do processo.Franca: Lemos eCruz, 2003. As preocupaes com o modelo procedimental brasileiro e os prejuzos celeridade especialmenteem razo do papel diminuto dos Estados federados neste sentido logo revelada na pgina 66.
2A enumerao supra exemplificativa. H inmeros outros fatores que devem nortear a eleio doprocedimento que no s o valor da causa ou a tutela do direito material. (a) A complexidade das questesde fato ou de direito; (b) a complexidade da prova a ser produzida; (c) o nmero de litigantes; (d) o volumeda prova oral; (e) a relevncia da causa para pessoas no participantes do processo; entre outras, tambmdevem influenciar na elaborao e eleio do procedimento, algo que no me parece ter estado na pauta doslegisladores e nem dos intrpretes ptrios. Prova disto, conforme veremos mais adiante, que parte da
jurisprudncia repulsa a simples idia de se optar pelo procedimento ordinrio quando ele se revele maisadequado tutela do direito ofertado que o procedimento sumrio, decretando a nulidade do julgado pelovcio de forma procedimental.
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que admitem a reclamada flexibilizao do procedimento, permitindo que o magistrado ou
as partes, dentro do processo, elejam o melhor ato processual a dar seguimento srie. O
art. 153, do Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), por exemplo, permite,
na inexistncia de previso legal sobre o procedimento na lei, que o magistrado crie o rito
para os feitos afetos Infncia e Juventude. E o art. 21 da Lei de Arbitragem (Lei n.
9.307/96), admite expressamente que o processo arbitral obedecer ao procedimento
estabelecido pelas partes na conveno de arbitragem, que poder se reportar s regras de
um rgo arbitral institucional ou entidade especializada, facultada, ainda, a delegao da
eleio das regras de rito ao prprio rbitro ou ao tribunal arbitral.
O extremo de minhas aflies com a rigidez legal que escraviza o procedimentoprocessual civil brasileiro3, entretanto, ocorreu quando no exerccio de minha atividade
profissional, percebi que uma pronta e adequada tutela dos direitos, atenta aos valores
constitucionais4, depende, muitas vezes, de uma liberdade procedimental que no
conferida pelo nosso sistema aos operadores do processo.
Com efeito, partindo-se da premissa que a adequada tutela jurisdicional no pode
ser negada a pretexto da falta de um modelo legal de procedimento5, tem-se que a resposta em
muitos casos depende em grande parte da flexibilizao dos prazos, do retorno a fases
processuais j superadas (com afastamento do rgido regime de precluso a que estamos
sujeitos), da combinao de diferentes ritos, da insero de atos processuais no previstos no
esquema procedimental padro, da superao de bices de natureza puramente formal em
favor da tutela do direito material, e da adoo mais generosa da fungibilidade instrumental no
sistema, providncias estas que no so autorizadas genericamente pela nossa legislao.
Ora, o procedimento no precisa ser to cartesiano como pinta a lei! A
necessria racionalidade jurdica no se apresenta como assepsia lgica, tendo, pois, o
direito brasileiro, plenas condies, dentro de sua perspectiva histrica e cultural, de
3E vrios motivos podem fazer com que o procedimento seja muito prejudicial ao exerccio dos direitos:porque sujeitos a termos de exerccio muito restritos, porque privados de adequada instruo probatria, ousimplesmente porque muito complexos ou muito longos (Cf. BIAVATI, Paolo. I procedimenti civilisemplificati e accelerati: il quadro europeo e riflessi italiani. Rivista Trimestrale di Diritto e ProceduraCivile, Milano, ano 56, n. 3, p. 754, sett. 2002).
4Conforme bem adverte Carlos Alberto lvaro de Oliveira a estrutura mesmo do processo civil no moldada pela simples adaptao da tcnica do instrumento processual a um objetivo determinado, masespecialmente por escolhas de natureza poltica, em busca de meios mais adequados e eficientes para arealizao dos valores, especialmente os de contedo constitucional (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvarode. Poderes do juiz e viso cooperativa do processo.Revista da Ajuris, Porto Alegre, ano 30, n. 90, p. 55,
jun. 2003).5YARSHELL, Flvio Luiz. Tutela jurisdicional. So Paulo: Atlas, 1999. p. 180.
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apresentar solues procedimentais mais adequadas do que os modelos rituais rigidamente
previstos em lei.6
De fato, o exerccio da jurisdio pelo Estado sempre foi uma manifestao desoberania, com aspectos de desejada solenidade, da qual o rito sempre foi importante
figura. Hoje, todavia, o tema da tutela dos direitos substanciais surge como o contedo
prevalente da funo jurisdicional, de modo que a forma vem dia-a-dia perdendo destaque.
As sociedades, em resumo, toleram uma quantidade limitada de procedimentos formais, e
se no pode desprez-los, que pelo menos estas regras sejam reduzidas, cleres,
flexveis7, pois as formas, de fato, so necessrias, mas o formalismo uma deformao.8
Evidentemente, h vlvulas de escape casuisticamente espelhadas pelo sistema
e que acabam a permitir ao juiz, mediante certo elastrio interpretativo, que altere o iter
procedimental rigidamente estabelecido em lei. Mas os processualistas ainda no se
preocuparam com uma investigao mais aprofundada sobre o tema, e, principalmente,
sobre quais seriam os limites condicionantes almejada flexibilizao.
A presente tese objetiva suprir este espao que h no direito processual civil
brasileiro (eis a sua contribuio original para a cincia jurdica nacional), investigandoamplamente com base no direito comparado, na doutrina, na jurisprudncia, e nos
dispositivos legais que j temos o procedimento processual em matria cvel sob a
moderna tica da efetividade e da tutela dos direitos, revisitando o instituto no atravs da
reproduo de idias de outros tempos ainda vigentes, mas especialmente repensando estas
idias luz das exigncias dos novos tempos, aferindo se ainda compatveis com elas.9
6Cf. ZANETI JNIOR, Hermes. O problema da verdade no processo civil: modelos de prova e deprocedimento probatrio. Revista de Processo, So Paulo, n. 116, p. 369, jul./ago. 2004. O autor sugere acriao de um modelo probatrio mais aderente realidade brasileira, superando o antagonismo dossistemas da commom lawe continental. Mutatis mutandis, idntico raciocnio pode ser feito no concernenteao modelo procedimental rgido por aqui vigente.
7Cf. BIAVATI, Paolo. I procedimenti civili semplificati e accelerati: il quadro europeo e riflessi italiani, cit., p. 774.8LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Traduo e notas de Cndido Rangel
Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985. v. 1, p. 258. Dinamarco, alis, aponta que a instrumentalidadedo direito processual ao substancial e do processo ordem social constitui uma diretriz a serpermanentemente lembrada pelo processualista e pelo profissional, para que no seja subvertida a ordemdas coisas, nem feitas injustias em nome de um injustificvel culto forma (DINAMARCO, CndidoRangel. Os institutos fundamentais do direito processual. In: _______. Fundamentos do processo civilmoderno. 3. ed. So Paulo: Malheiros Ed., 2000. v. 1, p. 73).
9A nossa modernidade est na conscincia de que o processo, como o direito em geral, um instrumento devida real, e como tal deve ser tratado e vivido, pensado como instrumento em favor do homem, e no contraele (CAPELLETTI, Mauro. Problemas de reforma do processo civil nas sociedades contemporneas. In:MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.) O processo civil contemporneo. Curitiba: Juru, 1994. p. 29).
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O estudo do processo, em um Estado democrtico e de direito como o nosso,
no pode se fundar na aceitao de uma verdade incondicional construda atravs dos
tempos, como a de que o procedimento processual rgido e que no cabe s partes ou a
Estado dispor da sua forma, predicado indispensvel da segurana jurdica. A justificao
racional desta assertiva s pode se fundar em argumentos igualmente racionais e
pragmticos10, algo que no me parece ocorrer sem umas tantas ressalvas.
1.2. Premissas metodolgicas
Desde j, para o adequado desenvolvimento do trabalho, algumas premissasdevem ser estabelecidas, sob pena de extravasarmos os limites originrios fixados para a
exata compreenso da flexibilidade procedimental.
A primeira e sem deixar de reconhecer a importncia da deformalizao dos
atos processuais em favor da tutela dos direitos no sentido de que o objeto da anlise que
se efetuar recair com exclusividade sobre o procedimento como um todo, e no sobre um
ou outro ato processual considerado individualmente11, sobre o que j h estudos de
primeira grandeza.12No se enfrentaro questes atinentes forma do ato processual de
per si. O foco total do trabalho recai sobre a combinao dos atos processuais na cadeia
lgica denominada procedimento. Referncias a atos processuais individualmente
considerados sero pontuais e apenas feitas luz da importncia do ato para todo o
procedimento.
10Cf. Jrgen Habermas, para quem a validade do direito aponta no s para a expectativa de submisso deciso, mas especialmente para expectativa de reconhecimento racionalmente motivado de uma pretensode validade normativa, a qual s pode ser resgatada atravs da argumentao e dos discursos de cunhopragmtico (HABERMAS, Jrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:Tempo Brasileiro, 1997. p. 247 e 309).
11Os atos processuais no se apresentam isolados dentro do processo, pois cada ato se encontra ligado ecoordenado a um grupo mais ou menos numeroso de outros atos processuais que se sucedem no tempo eformam uma srie contnua, como os elos de uma corrente; o grupo forma uma unidade que recebe o nomede procedimento e os atos so elementos constitutivos dessa unidade (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manualde direito processual civil,cit. p. 228).
12Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. Invalidade dos atos processuais e ao rescisria. Revista IOB de DireitoCivil e Processual Civil, Porto Alegre, n. 39 p. 63-79, jan./fev. 2006; BEDAQUE, Jos Roberto dos Santos.Nulidade processual e instrumentalidade do processo. Revista de Processo, So Paulo, v. 15, n. 60, p. 31-43, out./dez. 1990; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentena. 5. ed. SoPaulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004; KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. So Paulo:Ed. Revista dos Tribunais, 1991.
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A segunda premissa tambm sem desconhecer a importncia da tcnica de
sumarizao da cognio (sumarizao material) para a efetividade do processo no
sentido de que no se revelar por aqui preocupao a no ser com a sumarizao dos
procedimentos (sumarizao formal), isto , com a reduo dos prazos, recombinao ou
supresso dos atos processuais, converso de procedimentos, tudo a fim de que se possa, a
final, com cognio plenria e estabilidade da deciso, se obter a melhor tutela
jurisdicional.13Da porque no ser feita referncia neste estudo ao importante mecanismo
da antecipao de tutela, previsto nos artigos 273 e. art. 461, 3, do CPC. Embora a sua
concesso tenha certo impacto no curso do procedimento, esta deciso no alcana, como
regra14, imutabilidade, tampouco faz abreviar o curso do procedimento (que prossegue at
o acertamento final)15.
A terceira premissa que no cogitamos, em hiptese nenhuma, que no haja o
estabelecimento pelo sistema de regras formais a controlar o procedimento. O ideal, alis,
seria que o legislador fosse capaz de adequar os procedimentos em matria processual s
realidades do servio judicial local e de cada causa em si, considerada pela sua relao com
o direito material e com as partes envolvidas, ou permitisse expressamente que o juiz
pudesse faz-lo. Esta opo, pela segurana que proporciona ao sistema, nos seria mais
cara, razo pela qual, inclusive, defenderemos com afinco a possibilidade plena dos
Estados e do Distrito Federal legislarem efetivamente a respeito. Como o Estado,
entretanto, no capaz de prever e criar abstratamente procedimentos adequados para
todas as situaes da vida (at pelas dificuldades burocrticas do trmite legislativo), ento
13Valendo-se da lio de Victor Fairn Guilln, a sumariedade no processo pode assumir de carter formal oumaterial. A sumarizao se d tanto quando se altera a moldura externa do processo o procedimento,atravs da supresso de atos e de formalidades, da reduo de prazos, etc. (carter formal) como tambmatravs da limitao da cognio do juiz sobre as questes processuais ou sobre a prova (carter material).
Seis, ento, so os tipos de processos rigidamente considerados: a) aes de cognio plena e deprocedimento ordinrio; b) aes de cognio plena e de procedimento sumrio; c) aes de cognio plenae de procedimento especial; d) aes de cognio sumria e de procedimento ordinrio; e) aes decognio sumria e de procedimento sumrio (v.g.cautelares); e f) aes de cognio sumria e deprocedimento especial (FAIRN GUILLN, Victor. El juidicio ordinrio e los plenrios rpidos.Barcelona: Bosch, 1953).
14Diz-se como regra, eis que h profunda controvrsia doutrinria sobre a precariedade da antecipao detutela concedida com fundamento no art. 273, 6, do Cdigo de Processo Civil. Pela definitividade de taldeciso, cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatria, julgamento antecipado e execuoimediata da sentena. 4. ed. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000. p. 141-142.
15Tramita no Senado Federal o projeto de lei n. 186/2005, que objetiva estabilizar os efeitos da tutelaantecipada concedida e no impugnada. Em sntese, requerida a antecipao de tutela em procedimentoantecedente ou em curso, se a medida for deferida caber ao demandado, se no concordar, propor a aode conhecimento (em se tratando de antecipao em procedimento antecedente) ou requerer oprosseguimento da ao (quando a antecipao concedida no curso do processo de conhecimento). Casono o faa, a tutela se estabiliza, adquirindo autoridade de coisa julgada, algo que tem manifesto impacto noprocedimento, que ser abreviado.
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nossa opo ser tambm pela flexibilizao judicial das regras de procedimento, o que
ocorrer, de qualquer modo, apenas em situaes excepcionais, assegurada a participao
das partes e as demais garantias constitucionais do processo.
Finalmente, como ltima premissa esta de ordem absolutamente formal
estabelea-se que, apesar das crticas feitas ao emprego da expresso ritopara se referir ao
procedimento, acabamos por utiliz-la no corpo de todo o trabalho como sinnimo de
procedimento. Pese a carga de formalidade sacra que acompanha tal expresso cujo
emprego, desta forma, no seria conveniente em trabalho que sustenta, exatamente, a
maleabilizao do procedimento a opo pelo uso se deveu a fatores de cunho histrico e
pragmtico, visto ainda ser comum na academia e nas lides forenses a utilizao da citadaexpresso.
1.3. Objeto do estudo
Logo em seguida a este primeiro captulo introdutrio da tese, onde esto sendo
estabelecidas as premissas do estudo, se investigar, no segundo captulo, a relao do
procedimento em matria processual com o sistema federativo brasileiro. Aps breve
delimitao das balizas e das distores do federalismo brasileiro, bem como da distino
entre normas processuais e normas procedimentais, 16 se comprovar, atravs da anlise
dos precedentes do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, que apesar da
autorizao constitucional para que os Estados membros legislem sobre procedimento em
matria cvel adequando o processo s realidades locais em pas continental como o
nosso ainda prevalece firme a idia centralizadora que informava a Carta Constitucional
de 1967/1969, concentrando-se o problemas relativos ao processo e ao procedimento na
esfera federal (que no deixa espao para que os Estados inovem em matria
procedimental, adequando os procedimentos processuais s suas realidades locais)17. Por
16Discusso que, aps 1988, deixou a academia para ter relevante interesse prtico, j que atualmente dacompetncia dos Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre procedimento em matriaprocessual (WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentena civil: liquidao e cumprimento. 3. ed. So Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 2006. p. 91).
17Basta ver, neste sentido, a Lei dos Juizados Especiais Cveis (Lei n. 9.099/95) e Federais (Lei n.10.259/2001), que, ao contrrio do comando constitucional, disciplinaram por completo o processo e oprocedimento destas Justias Especializadas, no permitindo regulamentao alguma por parte dos Estadosmembros.
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fora disto os procedimentos obedecem exclusivamente s normas traadas pela Unio,
independentemente da realidade judiciria local.
No captulo seguinte (terceiro) luz da constatada centralizao euniformidade dos procedimentos em matria cvel no nosso pas se passar
investigao das razes de cunho social e poltico para a adoo de um modelo
procedimental rgido. Aps aferio dos procedimentos processuais previstos na legislao
em vigor e das teorias sobre o tema especialmente a teoria legitimadora de Niklas
Luhmann, at hoje considerada referncia mxima no que tange anlise global dos
procedimentos18 se projetar reflexo a respeito da prevalncia dos fundamentos que
inspiraram a j citada rigidez, concluindo que ela no mais se coaduna, sem restries, comos anseios atuais, que em detrimento da forma rgida e previamente fixada em lei prefere a
participao das partes em contraditrio til (esta sim legitimadora da atividade judicial), e
que a flexibilizao no incompatvel com a previsibilidade, segurana jurdica e devido
processo legal. Neste captulo, tambm, se revelar preocupao com as balizas
condicionadoras da flexibilidade judicial do procedimento, mais uma vez se alertando que
a medida de exceo e s pode ser utilizada em situaes muito particulares.
No quarto captulo, aps breve comparao da rigidez procedimental nos
sistemas adversariais e inquisitorias, sero apresentados os modelos de alguns pases nos
quais houve flexibilizao do procedimento, demonstrando, assim, que longe de devaneio
no compatvel com a realidade, possvel sim, sem afetar a previsibilidade das regras do
jogo, libertar nosso procedimento das amarras formais que o maculam, permitindo que as
partes ou o juiz fujam do rigor formal conforme peculiaridades da causa. Especial destaque
merecer o ordenamento jurdico portugus, que sem precedente de direito comparado,
estabeleceu um princpio geral da adequao formal do procedimento (art. 265-A do CPC).
No quinto captulo se buscar, j com base exclusiva na realidade judiciria
brasileira, a construo de uma teoria prtica sobre a flexibilizao procedimental, a partir
da implementao do modelo gerencial do procedimento para casos anmalos em
detrimento dos j superados modelos adversarial (adversarial system) e
inquisitorial(inquistorial system).19Revelar-se que o procedimento em nosso sistema h
18LUHMANN, Niklas. Legitimao pelo procedimento. Traduo de Maria da Conceio Corte Real.Braslia: Ed. da UnB, 1980.
19Conforme muito bem adverte Paulo Eduardo Alves da Silva, o padro do sculo XXI que o processo sejagerenciado (material judge), em detrimento dos j tradicionais e falidos sistemas inquisitorial legalista e
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de se flexibilizar em quatro situaes: a) mediante disposio legal genrica que conceda
ao juiz poderes para moldar o procedimento ao caso concreto; b) mediante disposio legal
que possibilite tramitaes processuais alternativas pr-dipostas; c) por fora de iniciativa
judicial, ainda que no haja previso legal; e d) voluntariamente, com as partes adequando
o procedimento s suas pretenses; discorrendo-se, a seguir, sobre inmeras situaes de
incidncia prtica do procedimento flexibilizado em cada uma destas situaes.
Ao final, diante de todas as reflexes efetuadas no corpo do trabalho (Captulo
6), sero ofertadas snteses conclusivas, sempre com a lembrana de que ao plantar o novo,
como no poderia deixar de ser, haver uma srie de dvidas e inquietaes. Estas
dvidas, porm, nunca estiveram ausentes do mundo jurdico, ainda que se haja tentadoexpuls-las com teorias formalizadas. As dvidas e imperfeies fazem parte de qualquer
teoria, mesmo porque nenhuma teoria pode ser dita finalizada.20
adversarial. O juiz, preocupado com o tempo, custo e outras particularidades da causa, quem devecontrolar integralmente a prtica das tarefas processuais (e no assumi-las). A lei deve exclusivamentetraar os limites para atividade deste juiz gerente, sem engess-lo a ponto de no poder gerenciar (SILVA,Paulo Eduardo Alves. Conduo planejada dos processos judiciais: a racionalidade do exerccio
jurisdicional entre o tempo e a forma do processo. 2006. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito,Universidade de So Paulo, So Paulo, 2006. p. 133).
20MARINONI, Luiz Guilherme.Novas linhas do processo civil. 4. ed. So Paulo: Malheiros Ed., 2000. p. 18.
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2. SISTEMA FEDERALISTA BRASILEIRO E CENTRALIZAO
DOS PROBLEMAS DO PROCESSO NA ESFERA FEDERAL
2.1. Formas de Estado
As formas de Estado correspondem maneira como dado pas organiza o seu
povo, seu territrio, sua estrutura de poder interna, especialmente no que tange
distribuio de competncias. S com a exata anlise do modelo de Estado brasileiro que
podemos compreender com clareza a centralizao dos assuntos atinentes ao processo na
esfera federal e suas conseqncias.
H Estados dito Simples em detrimento dos ditos Compostos, isto se analisados
sob a tica da pluralidade das ordens jurdicas. Simples so os Estados em que h um nico
poder poltico e um nico ordenamento jurdico (uma s Constituio). Compostos so
Estados em que h uma pluralidade de poderes polticos (nacional, regional e/ou local),
havendo, por conseguinte, pluralidade de ordenamentos jurdicos (vrias Constituies).
Os Estados Simples, em funo da descentralizao, podem ser Unitrios ou
Regionais (tambm denominados constitucionalmente descentralizados). Nos primeiros h
uma nica ordem jurdica e as competncias que eventualmente so repartidas ou
delegadas s o so por graa do poder central, que pode ampli-las ou restring-las
livremente (no havendo, portanto, garantia contra a vontade do poder central). Neste tipo
de Estado os eventuais agrupamentos regionais ou locais no tm capacidade alguma de
auto-organizao, sendo toda sua estrutura moldada pela ordem jurdica central, que cria
eventuais regulamentos das entidades parciais.
J nos Estados Regionais ou constitucionalmente descentralizados21, a ordem
jurdica descentralizada, isto , ocorre uma descentralizao do poder22, que pode ser
21A Itlia e a Espanha so bons exemplos de Estados Regionais, j que suas regies, apesar da autonomiapoltica, no possuem poder constituinte prprio, razo pela qual, alm de sua organizao ser aprovada porlei nacional, podem tais regies ser suprimidas por reforma da Constituio Federal.
22Bem pondera Manoel Gonalves Ferreira Filho que no h Estado sem um certo grau de descentralizao.Na realidade, o grau mnimo de descentralizao aquele em que somente a criao das normas individuais conferida a rgos subordinados e perifricos (descentralizao administrativa), enquanto adescentralizao em grau maior ocorre quando aos rgos perifricos concedido poder para legislar arespeito de assuntos locais (descentralizao legislativa). Da conjuno da descentralizao administrativa elegislativa surge a descentralizao poltica (FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direitoconstitucional. 32. ed. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 50).
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administrativa ou poltica. Tm-se, assim, regies que se aproximam dos Estados-
Membros de uma Federao, pois possuem certa faculdade de auto-organizao. No
obstante, as regies no se confundem com os citados entes federados, pois no dispem
de Poder Constituinte decorrente, isto , capacidade de, sem interveno direta do poder
central, se auto-organizarem de acordo com suas prprias Constituies (Constituies
Estaduais). Por isto, o Estado Regional dispe apenas de uma Constituio, enquanto suas
regies elaboram estatutos polticos administrativos ou leis locais, cuja validade
condicionada aprovao pelo rgo central do poder.
No outro vrtice da classificao temos os Estados Compostos (pluralidade de
poderes polticos e de ordenamentos jurdicos). So de dois tipos: os Estados Confederados
e os Estados Federados.
A Confederao nada mais do que uma associao de Estados soberanos que
se unem para manter a defesa e a paz externa. A Confederao tem personalidade jurdica
internacional, mas isso no retira o poder soberano interno e externo dos Estados
confederados em tudo que no foi abrangido pelo acordo constitutivo da Confederao. A
Confederao instituda por tratado, admitido o direto de secesso (possibilidade de
retirada do pas membro a qualquer tempo).
Sobre o outro modelo de Estado Composto o Federalismo discorre-se a
seguir.
2.2. Federalismo
O Estado federal surgiu no final do sculo XVIII, mais precisamente nos
Estados Unidos da Amrica, como forma de manter uma aliana permanente23de Estados,
submetendo-os a uma nica Constituio, e fazendo-os obedecer aos preceitos de um
governo formado pela vontade de todas as unidades e com autoridade sobre todas elas.24
Sua formao se deu em alguns Estados por agregao vrios Estados preexistentes
renunciando sua soberania e se reunindo para formao de um nico novo Estado (v.g.
23Cf. notcia de Jos Luiz de Anhaia Mello, no sentido de que j havia uma idia de federao na antiguidade,s que no talhada em um iderio permanente e comum (MELLO, Jos Luiz de Anhaia. O Estado federal esuas novas perspectivas. So Paulo: Max Limonad, 1960. p. 19).
24DALLARI, Dalmo de Abreu.O Estado federal. So Paulo: tica, 1986. p. 7.
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Estados Unidos e Alemanha) e em outros porsegregao25 um nico Estado soberano,
por razes polticas e de eficincia administrativa, desmembra-se, descentralizando
regionalmente sua administrao e formando entes parciais (v.g.Brasil).
O Estado Federal um Estado Composto com descentralizao do poder. Logo,
a Federao tcnica de descentralizao de poder poltico que se organiza, em dada base
territorial, atravs de competncias que se repartem entre rgos centrais e locais, havendo,
portanto, vrios centros de deciso poltica, alm da pluralidade de ordenamentos jurdicos
originrios, motivo pelo qual os cidados e todos os entes federados devero obedincia a
mais de uma Constituio (Federal e Regional)26.
O Poder Central soberano exercido pela Unio, enquanto os poderes regionais
autnomos cabem aos Estados federados. H modelos federativos, como o do tipo
brasileiro, que h ainda descentralizao poltica no mbito local (Distrito Federal e
Municpios)27.
A participao dos Estados federados na formao da vontade nacional e a
autonomia so os princpios basilares da estrutura federalista. A participao das entidades
regionais no Poder Central se d por meio de uma Cmara que os representa (o SenadoFederal), cujos membros so eleitos pelos Estados federados e participam ativamente da
elaborao das leis nacionais e da reviso da prpria Constituio Federal. J a autonomia
(e no soberania, que caracterstica dos Estados confederados) advm da capacidade de
auto-organizao dos Estados-Membros (poder constituinte decorrente) dentro das regras
da Constituio Federal. Para tanto, os entes regionais no necessitam deferncia ou
ratificao do Poder Central s constituies que elaboram.
25Cf. RAMOS, Dirceo Torrecillas. O federalismo assimtrico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 47-48.No se pode deixar de j apontar embora sobre isto discorreremos mais adiante que nas federaes poragregao, h uma resistncia bem maior universal tendncia de centralizao de poderes (inclusive osatinentes ao processo) na esfera central, algo que no se encontra nas federaes por segregao como abrasileira.
26Aponta Andr Luiz Borges Netto que, apesar da multiplicidade de modelos federativos, ao menos quatrocaractersticas so essenciais a todos eles: a) repartio de competncias; b) autonomia poltica dasunidades federadas; c) participao das unidades federadas na formao da vontade nacional; e d)atribuio de renda prpria aos entes federados (BORGES NETTO, Andr Luiz. Competncias legislativasdos Estados-Membros. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999. p. 44).
27Cf. indica Magno Guedes Chagas, o termo federalismo no leva a uma nica realidade, mas a vriosmodelos de Estado. O Estado Federal, conseqentemente, conceito de natureza vaga e polissmica, sendoimpossvel traar um modelo nico, devendo-se, desse modo, perquirir o que h de essencial nos Estadosditos federais, isto : o que os identifica como modelo de organizao poltica (CHAGAS, Magno Guedes.Federalismo no Brasil: poder constituinte decorrente na jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal. SoPaulo: Srgio Antonio Fabris, 2006.p. 58).
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A Constituio Federal que a base e o fundamento do Estado federado
estabelece uma repartio de competncias entre os entes federados (incluindo deveres,
direitos e obrigaes). Duas tcnicas principais so empregadas nesta partilha: a de reserva
de matrias de alada exclusiva da Unio ou das entidades parciais (competncia
exclusiva), sobre as quais no dado, sob pena de inconstitucionalidade, haver interveno
de outro ente federado (repartio horizontal de competncias); e a tcnica de repartio da
mesma competncia (competncia concorrente), quando, ento, os entes federados podem
atuar sobre o mesmo assunto (repartio vertical de competncias), havendo, na prpria
Constituio Federal, regras para evitar conflitos ocorridos pela atuao conjunta (v.g., art.
24 da Constituio Federal brasileira).28
Obviamente, quem tem o nus deve ter o bnus. Por isto, da essncia do
regime federativo at para manter a autonomia das entidades parciais, permitindo que
elas possam cumprir suas competncias que elas tenham renda prpria e suficiente
(repartio de rendas e capacidade tributria), cuja aplicao no sofre interferncia do
Poder Central, mas pode sofrer da Constituio Federal.
2.3. Federalismo brasileiro29
A Constituio imperial de 1824, apesar dos anseios federalistas que j
rondavam o movimento de independncia30, deu ao Brasil a forma de Estado Unitrio
Regional ou descentralizado.31 O Brasil era dividido em 20 (vinte) provncias, cujo
28Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional, cit., p. 52-53.29Para compreenso do movimento histrico que culminou com a adoo do federalismo no Brasil, cf.
ALENCAR, Luiz Carlos Fontes de. A federao brasileira e os procedimentos em matria processual.Revista do Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal, Braslia, ano 5, n. 13, p. 184-186, jan./abr. 2001.
30Nos idos de 1831 a Cmara dos Deputados pretendeu fosse o imprio do Brasil uma monarquia federativa.O Senado, entretanto, bloqueou o curso da proposta (ALENCAR, Luiz Carlos Fontes de. Procedimentos emmatria processual.Revista do Centro de Estudos Judicirios do Conselho da Justia Federal , Braslia, ano2, n 4, p. 92, abr. 1998). Conforme nota de Florisberto Freire, de 1824 a 1840 a idia republicana chegou aassumir a forma de aspirao federalista. Chegou tambm a inspirar a elaborao do Direito Constitucional,quase sob os mesmos princpios da Constituio promulgada em 15.11.1891 (FREIRE, Florisberto.
Histria constitucional da Repblica dos Estados Unidos do Brasil. Braslia: Ed. da Unb, 1983. p. 279-280). Cf., tambm, BASTOS, Aureliano Cndido Tavares.A provncia:estudo sobre a descentralizao noBrasil. 3. ed. So Paulo: Nacional, 1975. p. 7.
31O prprio art. 1 da Carta Imperial de 1824 negava terminantemente a federao: O Imperio do Brazil aassociao Politica de todos os Cidados Brazileiros. Elles formam uma Nao livre, e independente, queno admitte com qualquer outra lao algum de unio, ou federao, que se opponha sua Independncia(redao original).
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presidente era nomeado pelo Poder Central, e cujas atribuies, alm de pfias, eram
praticamente todas sujeitas ratificao do Imperador.32
A primeira referncia ao federalismo por nossas terras ocorreu com aproclamao da Repblica (art. 2 do Decreto n. 01, de 15.11.1889), que transformou as
provncias em Estados, dando-lhes certa autonomia. Tal iderio foi consolidado pela
Constituio Republicana de 189133, a ratificar, tambm, a criao de um Estado
federalista dual (Unio e Estados)34e por segregao, algo que, conforme j vimos, tendia
a uma concentrao de poderes na Unio Federal.35
Os primeiros anos da Repblica revelaram a absoluta disparidade entre os
Estados federados brasileiros alguns ricos, outros miserveis razo pela qual, com a
Constituio de 1934, o modelo federalista brasileiro fez com que Poder-Central tivesse
que participar mais incisivamente da realidade regional. O modelo adotado a partir de
ento era de federalismo orgnico ou cooperativo, com forte integrao entre o governo
central e os governos regionais.36 Pretendia-se, com isto, diminuir a diferena entre as
regies brasileiras, impondo Unio o papel de colaborador constante no desenvolvimento
regional.
O incio do Estado Novo e a Constituio Getulista de 1937, o respiro
democrtico e a promulgao da Carta Constitucional de 1946, no alteraram a j referida
tendncia centralizadora, posto que Unio, atravs de macios investimentos nos Estados
mais pobres, era dado consolidar a igualdade econmica e social do Estado Brasileiro.
Manteve-se o regime federalista por cooperao, elevada a Unio ao suposto ator da
igualdade entre os Estados federados.
Com o golpe militar de 1964 e a conseqente promulgao da Constituio
Federal de 1967 (e emenda de 1969), alterou-se o modelo federalista brasileiro no que
32BARROSO, Luis Roberto. Direito constitucional brasileiro: o problema da federao. Rio de Janeiro:Forense, 1982. p. 30.
33Logo no art. 1 j se anunciava que a Nao brasileira adota como forma de Governo, sob o regimerepresentativo, a Repblica Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por unioperptua e indissolvel das suas antigas Provncias, em Estados Unidos do Brasil.
34No federalismo dual os Estados-Membros atuam de forma independente, no havendo interpenetrao deuma esfera governamental em outra (CHAGAS, Magno Guedes. Federalismo no Brasil,cit., p. 60).
35Tendncia que, paradoxalmente, no atingiu a competncia para legislar sobre o processo (conformeveremos adiante), que nesta poca permaneceu na alada dos Estados federados.
36Cf. CASSEB, Paulo Adib. Federalismo: aspectos contemporneos. So Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 10.
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tange sua dualidade, pois se reconheceu a existncia de outras entidades parciais alm da
Unio e dos Estados Federados: os Municpios.
De fato, os Estados Membros de um Estado federal podem ser Estados federaiscentralizados ou Estados federais descentralizados, algo que determinado pela
Constituio Federal. No primeiro caso, no h descentralizao no mbito do Estado-
Membro (a extinta URSS bom exemplo). No outro caso, a Constituio Federal pode
determinar que as Constituies Estaduais adotem a descentralizao, o que implica
autonomia de entes locais ou intra-estaduais (os Municpios).
No h, portanto, um s federalismo. Cada Estado assume as feies prprias
do federalismo, como o Brasil, que inseriu no seu modelo, sem notcia de sistema anlogo
no estrangeiro, os Municpios.37
A Municipalizao do Estado brasileiro, entretanto, no trouxe alteraes na
concentrao de poderes nas mos da Unio. Pelo contrrio, at pelo regime militar que se
instaurava, acentuou-se o papel da Unio em detrimento dos demais entes federados
(Estados e Municpios), a ponto de alguns autores indicarem a inaugurao de um novo
modelo de federalismo (federalismo por integrao), muito prximo da substituio do
Estado Federal por um Estado Simples descentralizado.38
Com a Carta de 1988 foram mantidos os entes federados do regime anterior
(art. 1), elevando-se a forma federalista de Estado clusula ptrea (art. 60, 4).
Entretanto, procurou-se conferir maior autonomia aos entes federados parciais,
especialmente aos Estados Membros, restabelecendo, ainda, o federalismo cooperativista
das Constituies pr-militares.
Para isto, a Carta Magna reconhece e prev competncias e rendas a todos osentes federados (Unio, Estados e Municpios), repartindo, entre o Poder-Central e as
entidades parciais, a responsabilidade pelo desenvolvimento local, regional e nacional.39
37Para anlise desta pecular figura do direito brasileiro, cf. ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de.Consideraes sobre os Municpios no Brasil. In: TAVARES, Andr Ramos; FERREIRA, Olavo A. V.Alves; LENZA, Pedro (Orgs.). Constituio Federal 15 anos: mutao e evoluo. So Paulo: Mtodo,2003. p. 313-319.
38Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional, cit., p. 52-55 e 57.39Interessante notar, tambm, que no regime federalista brasileiro reconhece-se, ainda, um quarto ente
federado o Distrito Federal, verdadeiro tertium genusentre Municpio e Estado (a abarcar a competncia ereceitas de ambos, nos termos do art. 32, 1, da Constituio Federal), com capacidade de auto-organizao, auto-governo e auto-administrao (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed.So Paulo: Atlas, 2004. p. 284).
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Apesar das boas intenes do constituinte, o modelo federalista inaugurado com
a Constituio Federal de 1988 no alcanou seu propsito descentralizador40, sendo
mantida, pois, em detrimento dos Estados-Membros e dos Municpios, forte concentrao
de poderes e rendas na esfera federal. voz corrente na pauta de projetos para melhoria do
Estado brasileiro a redefinio do pacto federativo.
2.3.1. Repartio de competncias legislativas na Constituio Federal de 1988
A suposta autonomia das entidades federativas, entre outras coisas, pressupe a
existncia de competncias prprias, entre elas legislativas, administrativas e tributrias41
,sem o que no h espao para a formao de um ordenamento jurdico prprio destas
entidades, elemento fundamental para a prpria eficcia do sistema federativo.42
A simples repartio de competncias, todavia, no bastante para assegurar a
autonomia dos entes federados. mister que essas competncias ao menos no que toca
ao mbito legislativo versem sobre matrias relevantes, de verdadeiro significado
poltico, sob pena de se ter um conjunto de atribuies inexpressivas que no possibilitam
o exerccio da autonomia dos Estados-Membros.43
E necessrio, ainda, que Unio, Estados e Municpios, todos, respeitem e
faam respeitar as competncias estabelecidas na Carta Constitucional, algo que no me
parece ocorrer muito bem na prtica. De fato, conforme veremos a seguir, a Unio,
principalmente, com o beneplcito do Poder Judicirio, e seguindo seu histrico
centralizador, excede no mais das vezes os limites constitucionais de sua competncia,
avanando (especialmente no que toca legislao concorrente) espao reservado para aatuao dos Estados federados.
A Constituio Federal brasileira estabelece as competncias legislativas
prprias da Unio (art. 22), dos Estados (art. 25, 1) a destes de maneira residual ou
40Cf. BORGES NETTO, Andr Luiz. Competncias legislativas dos Estados-Membros, cit., p. 54.41MORAES, Alexandre de.Direito constitucional, cit., p. 290.42ROCHA, Carmem Lcia Antunes. Repblica e federao no Brasil: traos constitucionais da organizao
poltica brasileira. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. p. 181.43CHAGAS, Magno Guedes. Federalismo no Brasil,cit., p 76. Cf., tambm, BORGES NETTO, Andr Luiz.
Competncias legislativas dos Estados-Membros, cit., p. 85.
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remanescente e dos Municpios (art. 30), algo que a doutrina denomina repartio
horizontal de competncias.
Sobrelevando a forte tendncia centralizadora, o art. 22 da Constituio Federalabarca em vinte e nove incisos quase todas as questes de maior relevncia nacional,
amenizando a disposio atravs de um pargrafo nico, a permitir (ilusoriamente) que lei
complementar possa autorizar os Estados a legislar sobre estas questes.
A Carta Constitucional estabelece, ainda, competncias legislativas
concorrentes da Unio, Estados-federados e do Distrito Federal (art. 24), nestes casos,
ressalvando que a atividade do Poder-Central limitada ao estabelecimento de normas
gerais. A este ltimo modelo de repartio de competncias d-se o nome de repartio
vertical.44
2.3.2. Competncia legislativa concorrente e a dificuldade de se estabelecer o conceito
de normas gerais
O constituinte, ao abrir campo competncia concorrente, teve por escopoevidente dar maior elasticidade participao legislativa dos Estados e do Distrito Federal,
no intento de fortalecer a autonomia federativa, sem desfigurar a necessidade de um poder
central harmonizador que se encontra na prpria essncia de uma federao moderna e
dinmica.45
A utilizao da tcnica de repartio vertical de competncias muito adequada
para pases federativos como o Brasil, que com sua dimenso continental e imensas
44Assim se diz porque se trata de diviso de competncia dentro de um mesmo campo material, diversamentedo que ocorre com a diviso horizontal de competncias, quando cada ente recebe atribuies exclusivas(MORAES, Alexandre de.Direito constitucional, cit., p. 300-301).
45Raul Machado Horta anota que as Constituies federais passaram a explorar, com maior amplitude, arepartio vertical de competncias, que realiza a distribuio de idntica matria legislativa entre a UnioFederal e os Estados-membros, estabelecendo verdadeiro condomnio legislativo, consoante regrasconstitucionais de convivncia. A repartio vertical de competncias conduziu tcnica da legislaofederal fundamental, de normas gerais e diretrizes essenciais, que recai sobre determinada matrialegislativa de eleio do constituinte federal. A legislao federal reveladora das linhas essenciais,enquanto a legislao local buscar preencher o claro que lhe ficou, afeioando a matria revelada nalegislao de normas gerais s peculiaridades e s exigncias estaduais (HORTA, Raul Machado. Estudosde direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 366).
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disparidades econmicas, geogrficas e culturais entre os Estados, permitem que estes
legislem sobre as realidades locais.46
Tanto assim que os quatro pargrafos do art. 24 da Carta Constitucional dizemque, no mbito da competncia concorrente, a Unio limitar-se- ao estabelecimento de
normas gerais ( 1), prerrogativa esta que no exclui a competncia complementar dos
Estados e do Distrito Federal no estabelecimento tambm destas normas gerais ( 2). No
existindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercero competncia legislativa
plena, dita competncia supletiva ( 3), cujo produto ter sua eficcia 47suspensa em caso
de supervenincia de lei federal sobre normas gerais em sentido contrrio ( 4). E mesmo
que haja normas gerais sobre o assunto editadas pelo Poder Central, compete ao Estado eao Distrito Federal a edio de normas especficas, detalhadas, minuciosas (competncia
suplementar), hbeis a particularizar e adaptar a matria de sua competncia realidade
regional.48
exceo do Municpio que no tem competncia concorrente todos os
demais entes federados so limitados pela norma. Da mesma maneira que a legislao
estadual ou distrital que no se limitar funo complementar ou suplementar da lei
federal inconstitucional49, tambm inconstitucional a lei federal que extrapola seus
46CHAGAS, Magno Guedes. Federalismo no Brasil,cit., p. 79. Ceneviva acentua que em nosso pas o quevale para um Estado no vale para outro, eis que apesar da unidade legislativa, as realidadessocioeconmicas so diferentes, o que aconselha diversidade de solues (CENEVIVA, Walter. Falta queos Poderes se entendam: Legisladores e os exercentes do Poder Executivo no chegam a entender osproblemas do Judicirio. Folha de S. Paulo, So Paulo, 10 mar. 2007. Disponvel em:. Acesso em: 02 mar. 2007.
47Tecnicamente, como bem aponta Srgio Bermudes, eficcia, neste pargrafo, empregou-se como sinnimode vigncia. Revogada embora, a lei continua eficaz. Imagine-se a sentena, que fez atuar sua vontade
concreta, ato judicial que subsistir inclume revogao, projetando, no futuro, a vontade da lei, quedeixou de vigorar. No caso, admite-se a revogao, porque a lei local ter sido supletiva da lei federal eatuado como se lei federal fosse (BERMUDES, Srgio. Procedimentos em matria processual. Revista de
Direito da Defensoria Pblica, Rio de Janeiro, ano 4, n. 5, p. 161, fev. 1991).48Sobre a compatibilizao das legislaes federal, estadual e distrital, extremamente didtica a seguinte
ementa do Supremo Tribunal Federal: "O art. 24 da CF compreende competncia estadual concorrente no-cumulativa ou suplementar (art. 24, 2) e competncia estadual concorrente cumulativa (art. 24, 3). Naprimeira hiptese, existente a lei federal de normas gerais (art. 24, 1), podero os Estados e o DF, no usoda competncia suplementar, preencher os vazios da lei federal de normas gerais, a fim de afeio-la speculiaridades locais (art. 24, 2); na segunda hiptese, podero os Estados e o DF, inexistente a leifederal de normas gerais, exercer a competncia legislativa plena para atender a suas peculiaridades (art.24, 3). Sobrevindo a lei federal de normas gerais, suspende esta a eficcia da lei estadual, no que lhe forcontrrio (art. 24, 4). A Lei 10.860, de 31/8/2001, do Estado de So Paulo foi alm da competnciaestadual concorrente no-cumulativa e cumulativa, pelo que afrontou a Constituio Federal, art. 22, XXIV,e art. 24, IX, 2 e 3." (ADI n. 3.098, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10/03/06).
49MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentrios Constituio de 1967 (com a emenda n. 1 de1969). 2. ed. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1970. v. 1, p. 170.
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limites e passa a disciplinar exausto matria reservadas legislao concorrente,
esgotando o assunto50.
Isto porque sendo a Constituio Federal rgida um dos alicerces, alis, daFederao brasileira as competncias dos Estados membros so reservadas
constitucionalmente, o que impede a Unio de adentrar nas competncias dos demais entes
por meio de legislao infraconstitucional51, sob pena de violao da prpria Carta Magna
e instaurao de um regime que, na prtica, se equivaleria ao de um Estado Simples.
Assim, em matria de competncia concorrente, vedado ao ente central
avanar sobre a competncia suplementar dos Estados e do Distrito Federal, a quem
constitucionalmente compete tecer mincias e adequar a lei geral realidade local. Em
critrio de valorao poltica, o constituinte entendeu que o Estado federado mais apto a
identificar seus problemas e a adotar providncias legislativas destinadas a resolv-los.
A grande dificuldade no tocante ao assunto a de ser estabelecido, na falta de
um critrio legal objetivo, o que seriam as normais gerais, tarefa tormentosa e que tem
dado azo a variadas interpretaes.52
O Supremo Tribunal Federal foi capaz de identificar tal conceito para
identificar o alcance do art. 22, XXVII da Constituio Federal (competncia da Unio
para legislar sobre normas gerais de licitao e contratao). Estabeleceu que a
formulao do conceito de normas gerais tanto mais complexa quando se tem presente
o conceito de lei em sentido material: norma geral e abstrata. Ora, se a lei, em sentido
material, norma geral, como seria a lei de normas gerais referida na Constituio?
Penso que essas normas gerais devem apresentar generalidade maior do que apresentam,
de regra, as leis. Penso que norma geral, tal como posta na Constituio, tem o sentido de
diretriz, de princpio geral. A norma geral federal, melhor ser dizer nacional, seria a
50Neste sentido Alexandre de Moraes, para quem a competncia da Unio direcionada somente s normasgerais, sendo de flagrante inconstitucionalidade aquilo que delas extrapolar (MORAES, Alexandre de.
Direito constitucional,cit., p. 301). E tambm Carlos Mrio da Silva Velloso: Na competncia legislativade normas gerais, diretrizes ou princpios, no poder a Unio legislar sobre questes especficas, sobreparticularidades. Se o fizer, cometer inconstitucionalidade (VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Temas dedireito pblico. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 375).
51Cf. FERRARI, Regina Maria Nery. Efeitos da declarao de inconstitucionalidade.4. ed. So Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 1999. p. 261. No mesmo sentido CHAGAS, Magno Guedes. Federalismo no Brasil,cit., p. 75.
52JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios lei de licitaes e contratos administrativos . Rio de Janeiro: Aide,1993. p. 13.
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moldura do quadro a ser pintado pelos Estados e Municpios no mbito de suas
competncias.53
Normas gerais referidas no art. 24, 1, da Constituio Federal, so, ao nossosentir, leis de carter e abrangncia nacional, de natureza mais genrica e abstrata do que
as normas locais.54So disposies que determinam parmetros mnimos, com maior nvel
de generalidade e abstrao que as leis editadas fora dos limites da competncia
concorrente. So disposies j predispostas a ser desenvolvidas e complementadas pela
ao normativa subseqente dos demais entes federados (Estados e Distrito Federal), que
se contenham no mnimo indispensvel ao cumprimento dos preceitos fundamentais,
abrindo espao para que o legislador possa abordar aspectos diferentes, diversificados, semdesrespeito a seus comandos genricos, bsicos55.
No so normas gerais, por isto, as que se ocupem de detalhamentos, que
minudenciem condies especficas, que esgotem por completo o assunto, de modo que
nada deixam criao prpria do legislador a quem se destinam (o legislador estadual ou
distrital), exaurindo, assim, o assunto de que tratam.56
Toda vez que a Unio, no exerccio da competncia concorrente, exceder oslimites dos princpios e regras gerais, tem-se por inconstitucional e sem efeito as
disposies por si emanadas, por manifesta violao do pacto federativo.57
53STF, ADI-MC n. 927-3/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 03.11.1993. Cf., tambm, STF, ADI-MC n.933/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 04.11.1993; e STF, ADI n. 3098/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, j.24.11.2005.
54Sobre normas particulares, cf. JACQUES, Paulino. Da norma Jurdica (forma e matria). 2. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1963. p. 52 e ss. De acordo com o autor, so normas particulares as que vigoram dentrode certa poro de territrio (Municpios, Estados ou Distrito Federal), enquanto que as normas gerais tmvigncia na extenso de todo territrio do Estado soberano (Brasil).
55Cf. BORGES, Alice Maria Gonzalez. Normas gerais nas licitaes e contratos administrativos: contribuiopara a elaborao de uma lei nacional. Revista de Direito Pblico, So Paulo, v. 24, n. 96, p. 81, out./dez.1990.
56Cf. FERRAZ JNIOR, Trcio Sampaio. Normas gerais e competncia concorrente: uma exegese do art. 24da Constituio Federal.Revista da Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, So Paulo, v. 90,p. 245-251, 1995; VELLOSO, Carlos Mario da Silva. Lei Complementar Tributria. Revista de Direito
Administrativo, So Paulo, n. 235, p. 117-138, jan./mar. 2004; REIS, lcio Fonseca. Competnciaconcorrente e normas gerais de direito tributrio. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. p. 34-35.
57Cf. Maral JUSTEN FILHO, Maral. Comentrios lei de licitaes e contratos administrativos, cit., p.13.
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2.3.3. Distores do modelo federalista brasileiro
Vrias so as distores e crticas que so feitas ao modelo federalista
brasileiro.
Primeiro, a autonomia dos Estados Membros ou a descentralizao de poder s
ocorre, convenhamos, no mbito administrativo-financeiro, e no no mbito poltico.
Isto porque, se analisarmos a Constituio Federal, veremos que o rol de bens
(art. 20), as receitas (artigos 153, 154 e 157) e as competncias administrativas (art. 21) e
legislativas (art. 22) da Unio so bem maiores e mais relevantes que a dos Estados e
Municpios (art. 30), de modo que pouca importncia tem a legislao estadual emassuntos de interesse maior.58
Mesmo na grande maioria dos casos em que se reconhece a competncia
concorrente para que os Estados Membros ou Distrito Federal disciplinem certos assuntos
com a Unio (repartio vertical de competncias), o Poder Central avana sobre o limite
de edio de normas gerais, tratando minuciosamente de assuntos que fogem de sua alada
(art. 24 e ). Conseqncia que a atuao poltica dos entes parciais, grosso modo,
quase nenhuma, j que sequer conseguem legislar a ponto de fazer valer suas normas
particulares em seu territrio.59
Alm disso, o poder de auto-organizao dos Estados na Federao brasileira
extremamente limitado, a ponto de ser reduzido a quase nada60, o que faz igualar o nosso
58Correta, portanto, a anlise de Dalmo de Abreu Dallari, para quem a igualdade que deveria haver entreUnio e Estados-Membros comprometida: a) pela extensa enumerao das competncias federais, entre asquais se encontram matrias de grande relevncia nacional; b) pelo poder da Unio editar regras gerais em
matria de competncia concorrente; e c) pela possibilidade de interveno federal da Unio nos Estados(art. 34 da CF) (DALLARI, Dalmo de Abreu.O Estado federal, cit., p. 69-71).
59Janice Helena Ferreri Morbidelli, ao comentar que o federalismo norte-americano j padece do mesmoproblema centralizador dos modelos federalistas por segregao, anota, em lio que tambm serve realidade brasileira, que dever o federalismo americano preocupar-se com as formas de descentralizaoentre seus entes, concentrando a ao governamental central somente nas questes relevantes da vontadenacional, de conformidade com a Constituio e a Carta de Direitos (...). Por outro lado, para obter adescentralizao desejada, dever redefinir as atribuies dos Estados e do governo local, colocando asresponsabilidades de cada um desses domnios, pois a maior defesa contra a centralizao propiciargoverno estadual competente (MORBIDELLI, Janice Helena Ferreri. A federao. In: BASTOS, CelsoRibeiro. Por uma nova federao. So Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995. p. 22).
60Preciso, por isto, o comentrio de Magno Guedes Chagas, fruto de profunda anlise da jurisprudncia doSTF e das disposies da Carta Constitucional de 1988: o mbito de liberdade para a auto-organizao dosEstados-membros no Brasil pequeno, uma vez que a Constituio Federal estabelece praticamente toda aorganizao dos poderes estaduais, bem como a forma de investidura e prerrogativas de seus titulares,situao esta que leva a se questionar se o Estado-membro teria realmente um poder constituinte(CHAGAS, Magno Guedes. Federalismo no Brasil,cit., p. 62 e 95-107).
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Estado Composto de modelo Federado ao Estado Simples de modelo Regional ou
constitucionalmente centralizado. De fato, as Constituies Estaduais devem ateno aos
denominados princpios sensveis estabelecidos na Constituio Federal (art. 34, VII), bem
como a todos os demais que regem a Administrao Pblica, determinem vedaes ou
fixem procedimentos de mbito nacional (princpios constitucionais estabelecidos)61, algo
que se tem globalmente reconhecido como princpio da simetria ou da similitude das
Constituies Estaduais Constituio Federal.
Segundo, tendo-se em vista a tendncia centrpeta de concentrao de poderes
na Unio Federal desde a Constituio Federal de 1934, o Poder Legislativo Federal, com
o beneplcito do Judicirio, interpreta a nova ordem federalista da Constituio Federal de1988 especialmente a repartio vertical de competncias e o conceito de normas gerais
do artigo 24, 1, da Constituio Federal sob a tica dos regimes centralizadores
pretritos, fazendo, assim, que mesmo diante do mvel descentralizador do constituinte, os
Estados Membros permaneam sob o jugo da vontade e das leis (e rendas) do Poder
Central. Exemplificativamente, at se conhecem decises em que o Judicirio declarou a
inconstitucionalidade de norma estadual por entender que ela extrapolava os limites da
legislao suplementar62. Mas no se tem notcia de julgados, talvez at por falta de
provocao dos Estados e do Distrito Federal, em que nossa Suprema Corte tenha
declarado inconstitucional lei federal por exceder os limites da legislao em matria geral,
algo que bem revela a realidade centralizadora.63
E terceiro, na maioria dos Estados federais, os senadores que em tese
deveriam representar os Estados na formao da vontade do poder central esto presos a
partidos polticos e no propriamente aos Estados que os elegem, razo pela qual no
espelham a vontade regional na formao da vontade geral.64
Ouso dizer que o sistemabicameral brasileiro uma farsa: temos duas casas que, na prtica, tem a mesma natureza
representativa.
61Cf. CHIMENTI, Ricardo da Cunha; CAPEZ, Fernando; ROSA, Mrcio F. Elias; SANTOS, Marisa F.Curso de direito constitucional. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 183.
62Tratava-se de norma estadual que dispensava estudo de impacto ambiental para fins empresariais, algo quenada tem a ver com questes de mbito local, sendo, pois da alada da Unio (STF, ADI 1.086/SC, Rel.Min. Ilmar Galvo). Em outra passagem, declarou-se a inconstitucionalidade de lei estadual, fundada nacompetncia concorrente, a disciplinar rotulagem de produtos transgnicos, algo que tambm no temrelevncia nem particularidade local (ADI 3.645/PR, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 31.05.2006).
63Algo que no restou despercebido a Magno Guedes Chagas, Federalismo no Brasil,cit., p. 228.64FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional, cit., p. 52.
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Por isto, urge reconhecer o desaparecimento da velha ordem federativa, fincada
no binmio Estado autnomo e Poder Central. A interveno econmica e legislativa da
Unio, j institucionalizada desde o nascimento da Repblica, cassou praticamente a
autonomia dos Estados, desfazendo a iluso que publicistas de boa-f e inocncia vm
desde muito acalentando, ao batizar de federalismo cooperativo, um modelo que,
dissimuladamente, no reconhece verdadeiramente a autonomia dos Estados, tampouco
pode ser considerado federalista.65
E mesmo que se reconhea neste modelo atpico os traos de um Estado
Federal, urge que se encerre o fim da simetria imposta constitucionalmente, permitindo que
haja tratamento diferenciado entre os Estados Federados, de modo a solucionar asacentuadas diferenas sociais, econmicas e culturais existentes entre eles66, ou, mantida a
simetria, ao menos concedendo receitas e reconhecendo competncias mais relevantes no
mbito regional, permitindo, assim, que os Estados tenham verdadeira autonomia poltica.
Estas distores no federalismo acabam refletindo no processo e no
procedimento, visto que os Estados, pese a autorizao constitucional (art. 24, XI, da CF),
no conseguem adequar as normas processuais realidade regional, flexibilizando-as de
acordo com as necessidades que lhe so prprias. sobre o que discorreremos a seguir.
2.4. Competncia para legislar sobre processo e procedimento no Brasil
2.4.1. Breve notcia histrica
Sujeito o Brasil Colnia desde sua descoberta ao domnio portugus, por aqui
tiveram vigncia, ao menos em tese, as normas processuais lusitanas, a se iniciar com as
constantes do Livro III das Ordenaes Afonsinas (1.500 at 1.521).67
65Cf. BONAVIDES, Paulo.A Constituio aberta. 2. ed. So Paulo: Malheiros Ed., 1996. p. 398.66A expresso federalismo assimtrico, ao menos no Brasil, deve-se ao gnio de Dirco Torrecilas Ramos,
que em obra clssica, apresenta verdadeiro projeto de rearranjo do Estado Federal brasileiro ( O federalismoassimtrico, cit.). Cf., tambm, MORBIDELLI, Janice Helena Ferreri. Um novo pacto federativo para o
Brasil. So Paulo: Celso Bastos, 1999. p. 34.67As Ordenaes Afonsinas so uma coletnea de leis promulgadas, como primeira compilao oficial do
sculo XV, durante o reinado de Dom Afonso V. Iniciada sua elaborao no reinado de D. Joo I, acomisso composta por D. Duarte e Rui Fernandes acabou o trabalho em 1446, mas por ordem de infante
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Posteriormente, de 1521 at 1603 foram as normas constantes tambm do Livro
III das Ordenaes Manuelinas que regularam as nossas relaes jurdicas processuais68.
Finalmente, as disposies do Livro III das Ordenaes Filipinas vigoram noBrasil de 1.603 at boa parte do perodo Imperial69, de modo que por mais de 300
(trezentos) anos de nossa existncia ficamos sob o jugo de leis do reino portugus.
D. Pedro foram introduzidas alteraes. Suas fontes foram, sobretudo, leis existentes. Muitas disposiesforam extradas dos direitos romano e cannico. Pensa-se que oLivro das Leis e Posturase as Ordenaes
de D. Duartetenham sido trabalhos preparatrios desta codificao. As Ordenaesencontram-se divididasem cinco livros, talvez imitao dos Decretais de Gregrio IX. Todos os livros so precedidos deprembulo, sendo que no primeiro (mais longo) se narra a histria da compilao. Embora com cincolivros, as Ordenaes estavam longe de constituir um sistema completo; no direito privado h institutos queso esquecidos e outros excepcionalmente lembrados. Estas Odernaes no apresentam uma estruturaorgnica comparada a dos cdigos modernos. No entanto, no ficaram em desvantagem comparadas com osoutros cdigos vigentes na poca em outros pases. As Ordenaes Afonsinas ocupam uma posiodestacada na histria do direito portugus: representaram o final da evoluo legislativa que vinha desde D.Afonso III, e forneceram as bases das colectneas seguintes, que se limitaram a atualiz-las. Sendosubstitudas no reinado de D. Manuel I, depressa caram em esquecimento, sem terem chegado a serimpressas. Fonte: ENCICLOPIDA Wikipdia. Acesso em: 08 dez. 2006.
68Com este nome se designa a nova codificao que D. Manuel I promulgou, em 1521, para substituir as
Ordenaes Afonsinas. Para explicar esta deciso do rei apontam-se dois motivos fundamentais: adescoberta da imprensa e a necessidade de correo e atualizao das normas, assim como a modernizaodo estilo afonsino. Alm disso, talvez o monarca tivesse querido acescentar s glrias do seu reinado umaobra legislativa. Em 1514 faz-se a primeira edio completa dos cinco livros das Ordenaes Manuelinas.A verso definitiva foi publicada em 1521. Para evitar confuses, a Carta Rgia de 1521 imps que todosos possuidores de exemplares das ordenaes de 1514 os destruissem no prazo de trs meses, ao mesmotempo que determinou aos Conselhos a aquisio de nova edio. Estas constituem j uma atualizao dasOrdenaes Afonsinas, embora mantendo o plano adotado, compreendendo, portanto, cinco livros,subdivididos em ttulos e pargrafos. Mas as alteraes so importantes, como a supresso das normasrevogadas. Quanto forma, a principal diferena reside no facto de se apresentarem redigidas em estilomais conciso e todo o decretrio, s excepcionalmente aparecendo o extrato de algumas leis (nunca atranscrio literal). Vigeram at 1603, quando, ento, foram substitudas pelas Ordenaes Filipinas. Fonte:ENCICLOPIDA Wikipdia .
Acesso em: 08 dez. 2006.69Esta compilao jurdica resulou da reforma do cdigo manuelino, como consequncia do domnio
castelhano, tendo sido mais tarde confirmada por D. Joo IV. Mais uma vez se fez sentir a necessidade denovas ordenaes que representassem a expresso coordenada do direito vigente. A obra ficou pronta aindano tempo de Filipe I, que a sancionou em 1595, mas s foi definitivamente mandada observar, aps a suaimpresso em 1603, quando j reinava Filipe II. O castelhano Filipe I, poltico hbil, quis mostrar aosportugueses o respeito que tinha pelas leis tradicionais do pas, promovendo a reforma das ordenaesdentro de um esprito tradicional. Estas Ordenaes apresentam a mesma estrutura e arrumao de matriasque j se verificara nas Ordenaes Manuelinas, conservando-se tambm o critrio nestas estabelecido arespeito do preenchimento de lacunas. O livro III, que cuidava do processo, regulava o processo ordinrio,o sumrio, e ainda cuidava de alguns processo especiais. Tambm separava de maneira clara as fasespostulatoria, instrutria, decisria e executria. Apesar disto, tem ausncia de originalidade; pouca clareza efrequentes contradies, que resultam muitas vezes do excessivo apego ao texto manuelino: a falta decuidado em suprimir alguns preceitos revogados. As Ordenaes Filipinas, embora muito alteradas,constituram a base do