Feminismo Justica e Reconhecimento

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    TEORIA SOCIEDADE n 16.2 julho-dezembro de 2008 p. 98-127E

    FEMINISMO, JUSTIA E RECONHECIMENTO:

    REPENSANDO O PAPEL DA MULHER BRASILEIRA

    NOS ESPAOS PBLICO E PRIVADO*

    Ana Carolina Freitas Lima Ogando

    RESUMO

    Tendo como o condutor o paradigma bidimen-

    sional de Fraser (1997, 2001, 2003), que visa a

    remediar injustias no mbito econmico e no

    cultural/simblico, avaliamos como o movimento

    feminista e de mulheres no Brasil avanou para

    difundir seus valores. Procuramos vericar, por

    meio da anlise da subamostra A, da pesquisa da

    Fundao Perseu Abramo (2001), osdcits de

    reconhecimento presentes na sociedade brasileira

    em relao s mulheres. Trabalhamos, especial-

    mente, com a idia de reconhecimento como um

    valor feminista, para estabelecer uma presena

    mais igualitria, tanto na esfera privada (no que

    se refere diviso do trabalho domstico) quanto

    na esfera pblica (no que se atm defasagem da

    representao poltica da mulher brasileira).

    PALAVRAS-CHAVE

    movimento feminista e de mulheres no Brasil

    poltica de reconhecimento

    poltica de redistribuio

    dcitsde reconhecimento.

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    INTRODUO

    No nal da concluso de sua obra seminal,O Segundo Sexo,a feminista SimoneBeauvoir resume a condio feminina ao longo dos anos com uma simples frase:

    certo que, at agora, as possibilidades das mulheres foram suprimidas e per-didas para a humanidade, e que chegou o momento de ser permitido mulherfazer uso de suas oportunidades para seu prprio interesse e interesse de todos(traduo nossa, 1989: 712). Considerando, assim, o legado histrico, econmico,social e poltico, persistem inmeros desaos para o enfrentamento das formasde opresso e desigualdade enraizadas nas sociedades contemporneas. Mesmocom os avanos dos movimentos de mulheres e feministas, inclusive no Brasil, arealidade cotidiana das mulheres pode, em grande medida, ser caracterizada comoinjusta: marcada por desigualdades salariais, uma diviso tradicional e desigual

    do trabalho domstico, duplas e triplas jornadas de trabalho, violncia doms-tica, assdio sexual, estruturas rgidas e patriarcais que dicultam sua inseronas instituies polticas e instncias de poder, entre outras. Por um lado, essasassimetrias se estendem do pblico ao privado, evidenciando que as questesrelativas justia de gnero esto presentes nesses dois mbitos marcados porrelaes de poder. Por outro lado, a institucionalizao e legitimao das diversasestruturas hierrquicas na sociedade conguraram os espaos de interao de

    * Este artigo resultado da minha dissertao de mestrado, cuja fundamentao terica o quechamo do paradigma bi-dimensional da Nancy Fraser (1997, 2001, 2003). Recentemente, Fraser buscou reformular seu paradigma bi-dimensional sobre justia social, ao incorporar a dimensoda representao (2005). Nesta reformulao, ela procura responder a uma srie de criticas suaobra e, consciente do fato que essas duas dimenses no do conta das ramicaes da injustiaem sociedades capitalistas, a autora aponta mais um impedimento participao paritria: aexcluso de espaos de participao. Agradeo as crticas e sugestes feitas pelos professoresMarlise Miriam Matos de Almeida e Juarez Rocha Guimares, orientadores da dissertao; aElaine Meire Vilela pela sua valiosa ajuda e contribuio metodolgica e a Mariana PrandiniFraga Assis pelas inmeras discusses tericas que sempre me inspiram.

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    um modo em que h certa internalizao, se no aceitao, dessa realidade e dospapis de gnero.

    Claramente existe uma valorizao hierrquica de gnero devido s formasde dominao e subordinao das mulheres rigidamente estabelecidas nos maisdiversos espaos da vida social. Essas formas, que podem ser encontradas desde alosoa poltica clssica1, fortaleceram-se e ganharam legitimidade ao longo dosanos, devido prpria reproduo de sistemas binrios, tais como razo versus emo-o, homem versus mulher e o pblico versus o privado, apenas para citar alguns.Evidentemente, esses sistemas binrios, em conjunto com as inmeras formas desubordinao j referidas, relegaram a mulher a um status inferior, designando-aa esfera da domesticidade e, por conseguinte, excluindo-a da esfera pblica. Essaconstatao no se apresenta de forma diferente quando reetimos sobre o papelda mulher nos espaos pblico e privado, ao longo dos anos, no Brasil. Dessemodo, esse artigo tem como objetivo central entender as razes da subordinaodas mulheres brasileiras e seu papel nos espaos pblico e privado, na tentativa defornecer uma perspectiva crtica e feminista que possa viabilizar uma alternativacapaz de desaar as estruturas e papis hierrquicos e tradicionais.

    Pensar o problema da subordinao e da opresso feminina, a partir dospontos levantados acima, nos leva a considerar a questo da relao entre justiae gnero. Com esse intuito, dialogamos com Nancy Fraser (1997, 2001 e 2003)para considerar a dinmica social de opresso das mulheres brasileiras como um

    processo cultural-simblico e econmico, que historicamente estabeleceu con-dies que impedem, subordinam ou, at mesmo, desprezam diferentes grupossociais, nesse caso as mulheres, de participarem em condies de igualdade noespao pblico. Esses obstculos criaram, e ainda criam, profundas assimetriasculturais, econmicas e polticas, pois tm servido para fragmentar e desvalorizaras subjetividades femininas. No que tange aos padres de interao e de valoraosimblica, as sociedades tm enraizado e legitimado estruturas que privilegiamsistemas histricos e culturalmente aceitveis. Segundo Fraser, esses padrespodem encontrar-se institucionalizados na sociedade, permeando as formas deinterao social e as normas polticas e jurdicas:

    1Para uma leitura rica sobre a relao entre cognio eeros na losoa poltica clssica at suagrande inuncia na losoa de Kant, veja Robin Schott (1988) Eros e os Processos Cognitivos.Schott assinala, com clareza, como se deu a oposio entre pureza e sensaes corporais quefundaram a relao binria corpoversus emoo. Como complemento questo particularda separao da razo do desejo, que est particularmente ligada a oposio do corpo versusemoo, veja o clssico texto de Iris Young (1990)The Impartiality of the Civic Public.

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    Expressamente codicados em muitas reas do direito (incluindo odireito de famlia e o direito penal), eles informam as construes le-gais de privacidade, autonomia, auto-defesa e igualdade. Eles tambmesto embutidos em muitas reas da poltica governamental (incluindopoltica reprodutiva, de imigrao e de asilo) e em prticas prossionaispadro (incluindo medicina e psicoterapia). Padres androcntricos de valorao tambm permeiam a cultura popular e a interao cotidiana.Como um resultado, as mulheres sofrem formas especcas de gnero desubordinao de status, incluindo violao e violncia domstica; repre-sentaes e esteretipos trivializantes, objeticantes e humilhantes nosmeios de comunicao; assdio e depreciao na vida cotidiana; exclusoou marginalizao nas esferas pblicas ou nos corpos deliberativos; enegao de direito integral e protees iguais decorrentes da cidadania(Fraser, 2003:21).

    O poder destrutivo desses valores reside no fato de que so expressos na vidacotidiana e nos processos mais bsicos de socializao, instalando um sistema decrenas que atribui s mulheres um status inferior no conjunto das relaes sociais.

    Alm disso, o que podemos destacar a aceitao desses valores, no somentepelos homens, mas pelas prprias mulheres, o que consiste em, algumas instncias,na naturalizao dessa situao desigual.

    Diante desses dilemas e desaos, armamos, ento, que preciso ingressarno Brasil, concomitantemente, na luta pela transformao de valores culturais esimblicos e por uma poltica de redistribuio. Somente assim conseguiremosatingir as bases das estruturas hierrquicas bem como os padres assimtricos edesiguais de interao, buscando, sobretudo, elevar o status da mulher brasileirapara um novo patamar, mais igualitrio. A essncia desse projeto de transformaoe emancipao consiste em que a sociedade reconhea no somente o fenmenohistrico de injustias, mas tambm a papel, tanto dos homens quanto das mu-lheres, na perpetuao da desigualdade de gnero, seja na esfera privada, seja naesfera pblica/poltica.

    Para desenvolver esse debate, o artigo ser dividido em trs partes. Na primeiraparte, discutiremos as contribuies de Fraser para uma teoria de justia que lanaluz sobre os arranjos sociais, econmicos e culturais que possibilitam (ou no)a participao paritria na sociedade. Na segunda parte, procuramos identicaras reivindicaes e as mudanas dos movimentos de mulheres e feministas noBrasil. Suas vozes foram e permanecem sendo de grande relevncia no projeto detransformao das relaes de gnero, pautado na igualdade e na emancipao.

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    Essa discusso pertinente no somente porque resgata guras importantes naslutas que emergiram diante de estruturas opressoras, patriarcais, autoritrias econservadoras, mas tambm porque se alinha com os propsitos de uma teoriacrtica. Concordando com Nancy Fraser (1986) que a denio mais apropriadapara uma teoria crtica aquela elaborada pelo prprio Marx, em 1843, a saber,

    o auto-esclarecimento das lutas e desejos da poca, pode-se denir tal projetoterico por seu duplo papel de entender as bases de subordinao e, criticamente,analisar os percursos das lutas dos atuais movimentos sociais. Alm disso, essa breve reconstruo histrica servir, particularmente, para ilustrar como e emque medida as reivindicaes dos movimentos atingiram ou lidaram com asquestes ligadas redistribuio e ao reconhecimento Na ltima parte do artigo,pretendemos trazer a discusso para o panorama contemporneo das mulheres brasileiras, tendo como referncia o impacto dos movimentos de mulheres e femi-nistas e o processo de destradicionalizao das relaes de gnero no Brasil. Paratanto, analisaremos a subamostra A, da pesquisa da Fundao Perseu Abramo

    A mulher brasileira nos espaos pblico e privado de 2001, buscando entenderporque a insero das mulheres brasileiras, na esfera pblica, no resultou emmaior adeso aos valores mais centrais do feminismo ou mesmo no acarretoumudanas mais profundas nas relaes de gnero. Argumentaremos que osd-citsde reconhecimento servem como verdadeiros obstculos transformao dasprticas e costumes na sociedade e, igualmente importante, impedem uma viso

    mais crtica, pelas prprias mulheres, no que tange sua atuao e ao seu papelna reproduo de valores e prticas desiguais.

    1. JUSTIA COMO POLTICA DE REDISTRIBUIO E RECONHECIMENTO: AS CONTRIBUIESDE NANCY FRASER PARA UMA COMPREENSO AMPLIADA DA JUSTIA SOCIAL

    Percebemos, no debate sobre o liberalismo2 e o comunitarismo, que questes sobre justia social tm, histrica e politicamente, resvalado ou no campo da poltica deredistribuio ou no campo da poltica de reconhecimento, criando certa bipolari-zao. Por causa da perda do poder explicativo do conceito de classe social, que foi,durante muito tempo, tido como um eixo crucial do pensamento poltico seja emfuno da queda do comunismo, ou por conta da crescente pluralidade de identida-des que no se conformam mais ao modelo hegemnico liberal , defrontamo-nos

    2 Importante ressaltar que o liberalismo a qual nos referimos deve ser entendido como libe-ralismo igualitrio.

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    com novas perspectivas para estudar o surgimento de novos atores polticos e assuas reivindicaes pautadas em polticas de identidade. justamente diante dessecenrio que Nancy Fraser, cientista poltica e feminista norte-americana, justicasua tentativa de elaborar uma crtica compreensiva das sociedades capitalistas,ancorada nos fundamentos da Teoria Crtica. Ou seja, os esforos de Fraser estoligados questo de saber qual caminho uma teoria crtica deveria percorrer tantono sentido de englobar as demandas dos novos movimentos sociais quanto de en-tender o lugar da cultura no capitalismo contemporneo e as demandas por justiadiante da pluralizao de identidades (Fraser, 2003: 199).

    Sendo assim, Fraser constri sua teoria normativa sobre a justia social, que visa a unicar duas vertentes, historicamente desconexas, quais sejam redistri- buio e reconhecimento. O seu intuito propor um novo modelo para pensaridentidades e justia social ao ilustrar como as formas de injustia passam pelaestrutura econmica da sociedade bem como pela ordem de status. Em outraspalavras, a grande contribuio de Nancy Fraser (1997, 2001 e 2003) diz respeito armao da existncia de duas formas de injustia que estariam imbricadas emum relacionamento dialtico, na qual uma poltica de redistribuio e uma polticade reconhecimento precisam ser avaliadas na sua interligao para efetivamentealcanar o cerne das injustias sociais.

    Fraser questiona a forma como a subjetividade colocada em uma situa-o de meros binarismos, levando-nos a um reducionismo que no capaz de

    apresentar a complexidade e as dinmicas envolvidas nas interaes sociais.Portanto, vrios so os questionamentos que a guiam, na tentativa de entenderas dimenses das injustias que remetem, sobretudo, a padres de subordinaocultural e institucional. O que signica justia no mundo contemporneo? Po-demos entender a justia somente por meio das tentativas de redistribuio quepodem ser identicadas no liberalismo decorrente do New Deal (americano), nademocracia social ou no socialismo? (FRASER, 1997, 2003). Podemos eliminar asrazes de injustia pelas polticas pblicas que alguns governos implementaramcomo aes armativas? Podemos eliminar a injustia somente reconhecendogrupos diferentes e seus movimentos, como o movimento gay, o movimento negro,o movimento feminista, o movimento indgena? A ampliao do enquadramen-to de uma teoria da justia permite entender que as demandas por mudanaseconmicas, muitas vezes, cruzam com as demandas por reconhecimento dasdiferenas. Portanto, Fraser ressalta a necessidade de uma abordagem tericanormativa abrangente, capaz de superar a polarizao entre redistribuio ereconhecimento, para efetivamente transformar os padres que sustentam ainjustia no mundo contemporneo.

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    Conseqentemente, o o condutor do seu paradigma a tentativa de unica-o dessas duas vertentes3 historicamente desconexas e, por sua vez, polarizadas,chamando a ateno para a maneira de formular remdios que ajam concomi-tantemente. Isso porque, segundo Fraser, quase todas as coletividades sujeitas ainjustias no mundo contemporneo, dentre elasraa e gnero, seriam coleti-vidades bivalentes, por sofrerem injustias tanto no mbito econmico quantono cultural/simblico. So essas injustias, associadas tanto s desigualdadeseconmicas quanto falta de reconhecimento, que do origem aos arranjos sociaisque impedem a participao plena, de todos os indivduos, na arena pblica. Ouseja, sem o estabelecimento da igualdade em seus vrios nveis e patamares, noh maneira de participao que se d, de fato, entre iguais. De acordo com Assis,a obra de Fraser nos conduz reexo acerca da esfera pblica e da justia socialperante seu princpio normativo:

    Pode-se armar, assim, que Fraser olha para as diferenas (culturais,tnicas, de gnero, etc) sob dois focos: i) o da esfera pblica nesteespao, contrariamente ao que sustenta a teoria habermasiana, a autoraacredita que as diferenas entre os parceiros da interao no devem sersuspensas ou ignoradas, como se eles fossem iguais, mas sim explicitadas,tematizadas publicamente; e ii) o da justia social aqui, a questo dadiferena liga-se, de modo mais prximo, ao tema do reconhecimento:devero ser empregados remdios contra dcits de reconhecimento

    sempre que s diferenas exibidas pelos sujeitos corresponderem pa-dres de valorao simblica que denigram, subordinem ou desprezemidentidades especcas (2007: 111).

    Para tanto, Fraser estabelece a participao paritria como seu princpionormativo da justia e apresenta-o por meio de duas pr-condies que precisamser cumpridas para efetivamente estabelecerem-se padres justos de interaosocial (2003:36). A primeira condio, designada como a pr-condio objetivada participao paritria, est relacionada distribuio dos recursos materiaisque possam garantir a independncia econmica do indivduo. Isto signicaeliminar arranjos sociais que impedem a participao, nos espao(s) pblico(s),de todos os membros de uma sociedade devido privao, explorao e gravesdesigualdades econmicas. J a segunda condio, a pr-condio intersubjetiva,

    3 Fraser reconhece que, ao integrar essas duas vertentes, necessrio discutir elementos da losoamoral (Moralitt Kantiano versus Sittlichkeit Hegeliano) sem, no entanto, alterar radicalmentea proposio e contedo de cada vertente. Para tal discusso, veja Fraser 2001 e 2003.

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    est relacionada aos padres de valorao cultural que so capazes de expressarrespeito e igualdade de oportunidade a todos os participantes. Isto porque Fraseridentica que determinados marcadores sociais (como cor da pele, sexo, etnia)tm sido mobilizados para codicar, segundo um padro hierarquizado de valo-rao cultural, alguns sujeitos e grupos como desprezveis e inferiores e outroscomo bons e superiores (ASSIS e OGANDO, 2006). Portanto, esses padres hie-rarquizados negam-lhes oportunidade de participar como um par nas interaessociais. Cabe ressaltar que Fraser discorda particularmente com Charles Taylor(1989) e Axel Honneth (1995) quanto relao entre reconhecimento e auto-re-alizao. Ao contrrio de Axel Honneth (1995)4, Fraser alinha as condies deno reconhecimento a uma dimenso poltica, ao tratar estas situaes no comoum impedimento a auto-integrao ou auto-realizao do indivduo, mas simcomo uma injustia ao seu prpriostatus, efetivamente colocando o problemado reconhecimento no patamar da poltica (FRASER, 2003). Fraser defende seuparadigma transferindo a idia de reconhecimento para uma forma especca detratar a justia social (a matter of justice or social status), em vez de se alinharapenas ao eixo auto-realizao (2003).

    A argumentao de Fraser ancorada na idia de que o reconhecimento cons-titui um elemento fundamental para a participao dos sujeitos como pares, naesfera pblica, e no apenas uma forma de reconhecer uma identidade especca.Desse modo, o no reconhecimento signica mais do que uma mera depreciao

    ou deformao de uma subjetividade, ele corresponde a uma condio de su- bordinao de status, localizada nas interaes sociais e no em uma psicologiaindividual ou interpessoal (Fraser, 2003: 31).

    O potencial emancipatrio por trs destas duas condies que elas procuramlanar luz sobre essas duas formas de injustia enraizadas nas sociedades, em queas interaes sociais so governadas por um princpio de excluso. Em ltima

    4 Cabe ressaltar que esse artigo no pretende entrar no interior do debate entre Fraser e Hon-neth (2003). No entanto, importante atentar para o fato de que a teoria de Fraser no propriamente uma teoria do reconhecimento, podendo alinhar-se muito mais a uma teoriada esfera pblica (Assis, 2007: 101). A teoria formulada por Honneth (1995) insere-se nointerior da teoria crtica e visa conferir centralidade ao conceito de reconhecimento em umprojeto emancipatrio. A luta por reconhecimento refere-se a um conito social de cartermoral, que tem como objetivo no somente a emancipao do indivduo, mas tambm aproduo de relacionamentos que favoream a incluso social e a auto-realizao. Honnethdemonstra que a identidade dos indivduos s pode se formar de modo integral e no distor-cido se, no processo de interao social, eles/elas desenvolvem autoconana, auto-respeitoe auto-estima, em trs respectivas esferas (amor, direito e solidariedade).

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    instncia, essas duas condies buscam, de fato, desinstitucionalizar os padres de valorao cultural que regulam as regras, tanto das instituies econmicas e pol-ticas quanto das normas culturais, excluindo certos sujeitos e grupos do processode interao social. Esses padres so importantes, pois eles inuenciam formasde pensar e agir nas duas esferas, pblica e privada. A argumentao baseada napluralidade pode gerar decises mais qualicadas, possibilitando, por sua vez, aintegrao de igualdade social, da diversidade cultural e uma democracia maisparticipativa (Fraser, 1997: 85). Por esse motivo, defendemos que tal paradigma seaplica ao caso das mulheres brasileiras, j que, quando tratamos da justia comouma forma destatus , podemos igualmente examinar os padres de subordinaocultural e institucional. Apesar das mulheres brasileiras terem adquirido espaono mercado de trabalho e se escolarizado massivamente nos ltimos anos, alm deterem tido um impacto relevante na histria do Brasil, particularmente no que dizrespeito a sua oposio ditadura militar, persiste a necessidade de se articularemreivindicaes e presses que atinjam os vestgios da cultura patriarcal.

    2. AS ONDAS DO MOVIMENTO FEMINISTA E DE MULHERES NO BRASIL

    Vrios estudos tm analisado o impacto dos movimentos feministas e de mulheres,focalizando a capacidade destes movimentos articularem as discusses relativas

    desigualdade de gnero. O movimento feminista e de mulheres no Brasil nopode ser caracterizado por uma unicidade e sim por sua diversidade diantedas mais variadas tenses e ambigidades que marcaram e marcam suas lutas.

    Ao contrrio do movimento consolidado e organizado dos Estados Unidos5, noBrasil no podemos caracterizar perodos de movimentao de mulheres comosendo claramente movimentos feministas. necessrio, porm, destacar que

    5 O contraponto das fases do feminismo no Brasil com as ondas do movimento nos EstadosUnidos serve-nos para ilustrar como este se engajou na reivindicao de uma poltica deidentidades j nos anos 70. Segundo Fraser (2007), a segunda onda do movimento femi-nista pode ser caracterizada por trs distintas fases. Na primeira fase, o movimento estava bastante ligado emergncia dos novos movimentos sociais dos anos 60. Na segunda fase, jse articulava uma poltica de identidades. E, nalmente, na terceira, o movimento feministase articula com os movimentos transnacionais. O que podemos notar que, considerandoo contexto poltico e social, o movimento norte-americano conseguiu articular demandasrelacionadas no somente a questes de desigualdade econmica mas desigualdade baseadanos valores e smbolos institucionalizados pela cultura bem mais cedo do que o movimentofeminista e de mulheres no Brasil.

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    107FEMINISMO, JUSTIA E RECONHECIMENTO Ana Carolina Freitas Lima Ogando

    vozes feministas emergiram diante das estruturas opressoras e conservadoras,desde o sculo XVII. Apesar de uma cultura patriarcal e de uma sociedade pre-dominantemente masculina expressarem o lugar submisso da mulher, as vozesfeministas no Brasil apareceram nos espaos menos esperados e em momentosainda menos propcios. Essas vozes chamaram a ateno de outras mulheres,abrindo o caminho para a entrada delas, com novas reivindicaes, na arena p- blica. Enfatizaremos trs momentos ou ondas distintas de maior movimentaoe mobilizao no pas: a primeira caracterizada pela luta pelo sufrgio; a segunda,marcada pela mobilizao das mulheres contra o regime militar; e a terceira onda,correspondente mobilizao das mulheres no perodo de redemocratizao, que,por sua vez, passa por novas formas de organizao. Certamente, a chave para acompreenso do signicado histrico desses movimentos que eles expressam onascimento de uma conscincia poltica oriunda de um grupo tradicionalmenteexcludo da esfera pblica e subordinado na esfera privada.

    A primeira onda, perodo de maior movimentao de vozes de mulheres noespao pblico, expressou-se com a luta pelo voto, liderado por Bertha Lutz. Mas,mesmo antes desse perodo, cabe salientar que a histria de feministas brasileiraspode ser retraada at Nsia Floresta Brasileira Augusta e seus escritos sobre acondio feminina.

    Nsia Floresta reconhecida em razo de suas reivindicaes por condiesigualitrias para as mulheres e por sua adeso causa abolicionista. As contesta-

    es de Floresta so encontradas no seu mais divulgado livro, Direitos das mulherese injustia dos homens, publicado em 1832, sendo uma livre traduo de Mary

    Wollstonecraft. Nele, a autora desaa os esteretipos de gnero, em meados dosculo XIX, reivindicando o direito ao trabalho e educao para as mulheres.

    Alm das obras de Nsia Floresta, a imprensa do sculo XIX comeou a defendero direito educao para as mulheres com a difuso de vrios jornais, como

    O Jornal das Senhoras, editado por Joana Paula Manso de Noronha em 1852,O Sexo Feminino, fundado em Minas Gerais por Francisca Senhorinha MottaDiniz, em 1873, entre outros. Portanto, podemos armar que estas publicaesfeministas, vinculadas idia do direito educao das mulheres, estabeleceramum cenrio para o movimento sufragista organizar-se.

    justamente na formao da primeira fase de um movimento mais organizado demulheres que vamos encontrar o seu principal desao: como escapar caracterizaode que o movimento feminista composto por mulheres de elite ou intelectuais e norepresenta movimento de massa ou, em outras palavras, um movimento popular?Contudo, importante certicarmos que a prpria caracterizao do movimentocontinua sendo um impedimento para a ampliao da sua base de apoio.

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    A primeira fase do movimento feminista brasileiro foi denida pela luta pelo voto,ou seja, por direitos polticos. necessrio ressaltar que o movimento para o acessoao voto permaneceu, em grande escala, como uma luta organizada e formada porum grupo homogneo de mulheres intelectuais e certas parcelas da elite brasileira(Pinto, 2003; Hahner, 1981). De acordo, ainda, com Linhares e Alves (1987: 210), omovimento sufragista no representou uma ruptura com os valores, prticas e cos-tumes que mantinham a subordinao das mulheres e muito menos um movimentocapaz de desaar a Igreja. As autoras armam que, ao contrrio, as mulheres eramconsideradas uma fora conservadora, capaz de serem cooptadas .

    Com efeito, essa mobilizao foi composta por mulheres das classes mdias ealtas e, freqentemente, por lhas de polticos ou intelectuais da sociedade brasileiraque tiveram a chance de estudar em outros pases6. Bertha Lutz foi, provavelmente,a gura mais ilustre e famosa associada a essa fase, mas vrias outras mulheresparticiparam, particularmente Leolinda de Figueiredo Daltro e Branca Moreira

    Alves. Cabe destacar que os contatos com os Estados Unidos e com a Europa foramessenciais para o desenvolvimento do movimento, uma vez que as mudanas polticase sociais nesses pases serviram para guiar e estruturar boa parte do movimento noBrasil. Essa troca de idias entre as feministas de vrios pases estabeleceu um rela-cionamento amigvel, facilitando a visita de lderes ao Brasil, como a da sufragistaamericana Carrie Chapman Catt, em 1922. Interessante perceber que a oposioem relao ao direito de voto da mulher era baseada na histrica dicotomizao

    das esferas pblica e privada. Ou seja, o argumento contra o direito do voto recaasobre a premissa de que as mulheres pertenciam esfera privada, enquanto a esferapblica era o espao, predominantemente, dos homens. No entanto, nessa busca poruma cidadania igual dos homens, as mulheres efetivamente iniciaram um longo einacabado processo de desaar os valores e prticas patriarcais no Brasil.

    A segunda fase do feminismo um momento que consideramos de menororganizao, mas, tambm, de um notvel crescimento em relao ampliao dosdiversos interesses dentro do movimento. Enquanto a primeira onda concentravaseus esforos na ampliao dos direitos das mulheres, particularmente os direitospolticos, a segunda onda teve uma preocupao mais difusa diante da luta parare-instaurar a democracia no pas.

    6 Bertha Lutz destacada por ser a lha de uma enfermeira britnica e de um famoso cientista brasileiro, Adolfo Lutz. Bertha estudou em Paris e se graduou em Biologia. Mais tarde, estudouDireito. Viajou pela Europa e pelos Estados Unidos e representou o Brasil em vrias confe-rncias internacionais de mulheres, como o Conselho Feminino da Organizao Internacionaldo Trabalho e a Conferncia Pan-Americana da Mulher nos Estados Unidos.

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    Interessante notar que a arena internacional tambm vivia um momento deconito com a Guerra da Coria, a Guerra do Vietn, as revelaes dos crimes deStalin, a invaso da Hungria, em 1956, e tambm a invaso da Tchecoslovquia.Diante de todos esses conitos, a literatura feminista ganhou duas obras querevolucionariam os conceitos de gnero e o feminismo: as publicaes de Simo-ne de Beauvoir, uma escritora francesa e feminista (O Segundo Sexo, 1949) e deBetty Friedan, uma das lderes do movimento feminista americano dos anos 60 ( A Mstica Feminina, 1963). A convulso social tambm se estabeleceu nas cidadesdo Brasil, enquanto o regime militar continuava no poder usando tticas de terror, violncia e tortura. Podemos armar que, neste momento, o movimento feminista brasileiro organizou-se sob vrias bandeiras, iniciando uma discusso acerca dacondio desigual da mulher na sociedade brasileira.

    Nessa segunda onda, as mulheres mobilizaram-se nas comunidades e or-ganizaes de auto-reexo, clubes de mes e donas de casa e, particularmente,nas comunidades eclesiais de base. Alm disso, a segunda onda dos movimentosfeminista e de mulheres pode ser identicada em vrios centros urbanos, particu-larmente, em So Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Os primeiros movimentosde mulheres foram organizaes promovidas para ampliar os direitos trabalhistas,especialmente das trabalhadoras domsticas, com vistas a melhorar a qualidadede vida em seus bairros. Esses movimentos alinharam-se parte progressistada Igreja Catlica, que, por sua vez, tambm passava por mudanas drsticas no

    que diz respeito sua organizao e relao estabelecida com a sociedade. Nasdcadas de 70, estendendo-se aos anos 80, as mulheres trabalhadoras uniram suascomunidades com o objetivo de melhorar os servios urbanos, tais como moradia,sade e educao. Nesse mesmo sentido, as mulheres organizaram seus esforostambm na luta contra os preos dos alimentos e outros servios pblicos, como,por exemplo, energia. A participao e a associao das mulheres nesses clubes eorganizaes deram-lhes um sentimento maior de independncia. Esse momentopode tambm ser entendido como o ponto crucial da articulao de interessesprivados no espao pblico, apesar das tticas profundamente repressoras doregime militar. necessrio que reconheamos, contudo, que tais reivindicaespolticas no tiveram um impacto na desmontagem das hierarquias que organizamas relaes de gnero na sociedade brasileira, mas marcaram um grande momentode politizao das mulheres. Esses movimentos deram incio a um processo desocializao, politizao e mobilizao que iria, em breve, promover uma trans-formao nas demandas das organizaes e movimentos de mulheres.

    No nal dos anos 60 e durante os anos 70, mulheres participantes de gruposde movimentos estudantis e de organizaes militantes de esquerda passaram

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    a reunir-se para discutir o feminismo marxista e outros textos feministas quecirculavam nos Estados Unidos e na Europa. Vrias mulheres, jornalistas e inte-lectuais, tais como Heloneida Stuart, Heleieth Safoti e Rose Marie Muraro, entreoutras, comearam a escrever sobre as condies das mulheres brasileiras. Emoutubro de 1975, o primeiro jornal feminino, reetindo o movimento de mulhe-res contemporneo, chamado Brasil Mulher, foi criado por prisioneiras polticasrecm-libertadas. O jornal estava ligado ao Movimento Feminino pela Anistia etinha como foco, em primeiro lugar, a insero da mulher nos movimentos sociaispara a mudana social e poltica e, em segundo lugar, a necessidade de a mulherse organizar nos nveis locais para a anistia poltica (Alvarez, 1997). importanterelatar brevemente que, tanto no mbito internacional quanto no nacional, o anode 1975 foi um marco histrico para o feminismo. Com o governo de Ernesto Geisel,em 1975, e com o ltimo governo militar sob o comando de Joo Figueiredo, oBrasil preparava-se para uma onda de redemocratizao. Outros fatos histricosglobais assinalaram um crescimento na ateno dada ao compromisso das mu-lheres na luta pelo seu reconhecimento. Com efeito, as articulaes e as pressesinternacionais de movimentos de mulheres feministas foram decisivas para aincorporao de temticas especcas referentes igualdade de gnero, como otema dos direitos sexuais e reprodutivos.

    Foi tambm o momento em que as Naes Unidas proclamaram o ano de 1975como o Ano Internacional da Mulher. Ainda nesse ano, realizou-se a I Conferncia

    Mundial Sobre a Mulher e, no Brasil, aconteceu o primeiro encontro de mulheresacadmicas na Reunio Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia(SBPC), em Belo Horizonte, que se estenderia at 1985 e inauguraria, no pas,o chamado feminismo acadmico (Pinto, 2003: 62). Em 1978, foi lanado umdocumento intitulado Carta das Mulheres, que defendia os direitos da mulherno que se refere ao trabalho, sade, direitos de propriedade e sociedade conjugal,alm de direitos mais especcos no que se refere violncia contra a mulher eao aborto. Toda essa articulao foi fundamental para a garantia de inmerastransformaes no estatuto legal e civil da mulher pela Constituio de 1988.Com o patrocnio da ONU, tivemos a criao do Centro de Desenvolvimento daMulher, no Rio de Janeiro. O Centro tornou-se um smbolo do movimento, queera dividido, por um lado, por grupos da esquerda que lutavam contra a ditaduramilitar; por outro, por mulheres que se uniam sob a bandeira da luta de classes.Isso reetia a clssica tenso entre os vrios grupos de movimentos sociais noBrasil. Essa fragmentao certamente dicultou ainda mais a consolidao deum movimento feminista no Brasil, j que muitas mulheres conferiam maior im-portncia s reivindicaes da luta de classes, enquanto outras enfocavam temas

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    mais especcos e particulares da vida das mulheres, tais como sexualidade, corpo,aborto e contracepo (Pinto, 2003).

    A terceira onda pode ser discutida luz da participao das mulheres na fasede redemocratizao. Os movimentos sociais agora defrontavam-se com uma novamaneira de conceber a cultura poltica frente s regras estabelecidas pelo regimeautoritrio. Nas dcadas de 80 e 90, identicamos a construo de um novo Brasil,focado nos conceitos de democracia e cidadania. A Constituio de 1988 permitiuas eleies diretas de lderes polticos e pavimentou o caminho para a democraciarepresentativa. O processo de redemocratizao teve impacto, sobretudo, na pr-pria utilizao do conceito de cidadania, que passou a se vincular: 1. experinciados movimentos sociais e novas subjetividades; 2. construo de uma democracia;3. a uma transformao social no que se refere poltica e cultura, aps a quedado socialismo na arena internacional (Dagnino, 1994).

    O movimento feminista, por sua vez, mudou sua forma de organizar-se pormeio de redes ou ONGS. Tais mudanas estruturais foram um reexo do cartermultidimensional dos interesses dos movimentos feministas, nos quais os temasde violncia contra mulher e da sade feminina (direitos sexuais e direitos repro-dutivos) ganharam enfoque (Matos, 2005).

    A mobilizao feminista teve maior articulao com redes que abraaram te-mas de relevncia social, como a Rede Nacional de Sade e Direitos Reprodutivos(RedeSade), a Articulao de Mulheres Brasileiras (AMB) e a Rede Brasileira de

    Estudos e Pesquisas Feministas (RedeFem). Essas redes tiveram uma CoordenaoExecutiva Nacional e trabalharam para disseminar idias sobre a cidadania e a lutapela igualdade das mulheres. Alm dessas redes, os movimentos puderam contarcom ONGs, tais como o Centro de Estudos Feministas e Assessoria (CFEMEA) e

    Aes em Gnero Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE), tendo forte atuao nocenrio poltico. O CFEMEA, criado em 1989, em Braslia, destacou-se e ainda hoje sedestaca por articular questes importantes junto ao Congresso Nacional. Para tanto, vem defendendo projetos, propondo emendas s comisses, assessorando a bancadade mulheres e divulgando, por meio do seu jornal Fmea,o andamento das questespertinentes s mulheres brasileiras no Legislativo (Pinto, 2003). A AGENDE teve etem um enfoque voltado especicamente para desenvolver aes deadvocacy queauxiliam na proposio e monitoramento de polticas pblicas. J a ONG SOS Corpocriada em 1981, no Recife, destaca-se por sua atuao como um movimento feministae popular, buscando transformar as relaes desiguais de gnero. O SOS Corpo vinculaao seus ideais a luta contra a pobreza, o racismo e a homofobia.

    O que podemos armar sobre a terceira fase do movimento feminista e demulheres no Brasil que esta foi uma fase com objetivos mais diversicados,

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    quando comparada primeira e segunda que, por sua vez, tiveram objetivos maisfocalizados para uma luta especca. Na terceira fase, comeamos a ver uma novadireo no prprio discurso do movimento quanto ao valor do reconhecimento.

    Um outro elemento denitivamente histrico foi o fato da Secretaria dosDireitos da Mulher ter sido transformada em Secretaria Especial de Direitos paraas Mulheres, em 2003, com status de Ministrio. J em 2004, sob a coordenaoda Secretaria Especial de Polticas para as Mulheres e do Conselho Nacional deDireitos da Mulher (CNDM), foi convocada a I Conferncia Nacional de Polticaspara as Mulheres, precedida de conferncias estaduais e municipais.

    Apesar de todas essas importantes mudanas e transformaes advindas dasreivindicaes dos movimentos de mulheres e feminista existem, ainda, diversosobstculos a serem vencidos. A expanso de interesses contemporneos ligadosao movimento de mulheres implica grandes desaos, no somente na luta porigualdade, mas tambm pela ampliao da prpria representao das mulheresnas instituies polticas. O Brasil apresenta um dos piores desempenhos da

    Amrica Latina e do mundo (105 lugar no ranking), com 9,0% de participaofeminina na Cmara de Deputados e 12,3% no Senado Federal (Inter-Parlia-mentary Union, 2008)7. Continuamos enfrentando o desao de conexo entrea baixa presena de mulheres na poltica e a baixa proposio de uma agendapoltica de um escopo propriamente feminista. As mulheres que entraram napoltica no necessariamente faziam parte da militncia feminista, devido ao fato

    de que muitas representavam interesses locais das elites e nem sempre tinhamparticipado de organizaes feministas anteriormente. Dessa maneira, temosuma representao feminina que pode ser, mais uma vez, a representao dos valores tradicionais e no propriamente dos valores feministas (Avelar, 2001).Sem dvida, a necessidade de lanar luz sobre as desigualdades econmicas eculturais persiste no Brasil e destacada pela crescente pluralidade das iden-tidades que cruzam, confrontam e contracenam com os valores da sociedade.

    Ao mesmo tempo, observamos como este cenrio apresenta novos desaos parao movimento feminista no Brasil, diante at mesmo das mudanas referentess relaes de gnero, para efetivamente romper com os padres hegemnicosde interao social que subordinam as mulheres.

    7 Dados disponveis em: e . Acesso em: 25 set. 2008.

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    3. A MULHER BRASILEIRA NO ESPAO PBLICO E PRIVADO:AMBIVALNCIAS DE UM MOVIMENTO INACABADO

    De fato, o cenrio atual marcado ainda por excluso, desigualdades e explora-o das mulheres. Mas, acreditamos que a diversidade e a fora dos movimentosfeministas e de mulheres no Brasil foi um elemento importante para o estabelci-mento de direitos e de um status de igualdade para as mulheres ao longo dos anos.Certamente, se, de um lado, temos conquistas signicativas, especialmente com a visibilidade da mulher no espao pblico, por outro lado, temos ainda uma lacunano que se refere autonomia e conscientizao do papel da mulher brasileiracomo articuladora de princpios de cunho mais feminista8.

    O empoderamento e autonomia das mulheres est intrinsecamente ligado a trseixos centrais que remetem s bases da cultura patriarcal brasileira e, sobretudo,representam uma barreira aos esforos para a construo de um projeto emancipa-trio. Em primeiro lugar, entendemos que a cultura hegemnica patriarcal brasileirafoi formada e permanece embutida de valores, prticas e doutrinas religiosas quereforam os papis assimtricos de gnero. Em segundo lugar, rearmamos quea ampliao de direitos para as mulheres precisa ser capaz de atingir as razes dacultura jurdica para haver uma verdadeira efetividade das leis. Como arma MalaHtun, ampliar os direitos das mulheres na regio [da Amrica Latina] requerno somente a alterao das velhas leis mas tambm a transformao da cultura

    jurdica (traduo nossa, 1999: 135). E, em terceiro lugar, a rgida estrutura dosespaos formais da poltica, bem como as regras e os procedimentos que as regem,tanto reforam padres masculinos de agir, excluindo ou marginalizando as poucasmulheres que conseguem entrar neste cenrio, quanto legitimam os esteretiposde gnero, relegando as questes pertinentes igualdade das mulheres a um se-gundo plano. Portanto, percebemos que ainda necessrio desaar as bases dessesestruturas na sociedade brasileira para alcanar uma transformao mais ampla.Diante desse cenrio, somos levados a uma inqueitao. Por que, apesar de umacerta emancipao da mulher brasileira, com sua insero em espaos de visibili-dade pblica, no houve uma difuso dos valores igualitrios que dizem respeito arelaes simtricas de gnero, nos espaos pblico e privado?

    8 Cabe salientar que, mesmo com os avanos na rea de sade, articulados, em grande medida,pelo movimento feminista na sua luta por uma poltica da sade materna e reprodutiva maisinclusiva e eciente, existem diculdades para articular as reivindicaes por direitos sexuaise reprodutivos, particularmente no que diz respeito sexualidade e reproduo, tanto noprprio movimento quanto nos mbitos formais da poltica institucional.

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    Acreditamos que a noo de reconhecimento proporciona ao movimento feminista eaos movimentos de mulheres no Brasil uma nova abordagem para entender as contradi-es acerca da emancipao da mulher brasileira em ambas as esferas. A discusso sobreo feminismo e a participao poltica das mulheres no Brasil poder enriquecer-se muitocom a utilizao dessa nova abordagem que trabalha com duas lutas polticas distintas,mas extremamente interligadas: a luta contra a injustia econmica (cujos exemplosmais claros podemos encontrar no movimento feminista brasileiro) e a luta contrainjustias culturais (que ainda no obteve grande presena no movimento feminista brasileiro). Por exemplo, se analisarmos as conseqncias de uma poltica social quepretende redistribuir a renda mais igualitariamente, os efeitos continuaro sendo perver-sos para a sociedade, principalmente se certos valores de gnero no forem trabalhadosou alterados. Um caso clssico de poltica de redistribuio que ilustra esse paradoxo apoltica norte-americana do welfare para mulheres/mes solteiras. O sistema de welfarefoi, em certa medida, perverso, pois estigmatizou (e continua estigmatizando) os querecebem essebenefcio, muitas vezes rotulando mulheres solteiras como preguiosas, promscuas e irresponsveis. Esses estereotpos, reproduzidos e reforados por umapoltica que visa remediar injustias, rearmam a necessidade de unirmos a luta porredistribuio com a luta por mudanas nos valores culturais que discriminam certosgrupos sociais. Ou, ao contrrio, teremos que lidar com a persistente desvalorizao dascaractersticas atribudas e construdas ao sujeito feminino, que criam novos obstculospara o enfrentamento dedcitsde reconhecimento.

    Dada a grande importncia do tema dereconhecimento no que tange s rei- vindicaes por igualdade de gnero no Brasil, buscamos investigar , por meio daanlise da subamostra A da pesquisaA Mulher brasileira no espao pblicoe privado , do Ncleo de Opinio Pblica da Fundao Perseu Abramo (2001),os dci ts de reconhecimento presentes na nossa sociedade em relao mulher brasileira.A partir da nossa interpretao dos dados, esperamos encontrar algunsindicativos que apontem para um processo de destradicionalizao e para algunselementos que possam nos ajudar a compreender a adeso ou no das mulheresao feminismo no Brasil. A destradicionalizao refere-se queda ou mesmo a umprocesso de desconstruo da tradio, sendo evidenciado pela perda de conanaem valoresou nas prprias instituies, tais como a religio, a famlia ou o sistemapoltico. O conceito, como descrito por Heelas (1996), envolve mudanas no relacio-namento com a autoridade, sendo mais difcil os indivduos exercerem a autoridadefrente a um cenrio de desordem e de contingncia. Heelas (1996) prefere tomaruma abordagem inclinada a interpretar a destradicionalizao como um processoque compete e, ao mesmo tempo, se envolve com o processo de manuteno datradio, sendo, assim, uma tese que explora a coexistncia de ambos.

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    Diante da nossa anlise, as questes essenciais que buscamos responder so:1. o conceito de ser feminista ou o fato de se auto-identicar como feminista algoque se refere a poucas ou a muitas mulheres brasileiras? 2. Quais fatores inuen-ciam, seja aumentando, seja diminuindo, as chances de uma mulher Ser feminista ou de se auto-identicar como feminista no Brasil? Por conseguinte, buscamos vericar as seguintes hipteses para as mulheres no Brasil: 1. Quanto maior o graude escolaridade, maiores so as chances de uma mulher ser feminista ou de seauto-identicar como tal; 2. Quanto maior a renda, maiores so as chances de umamulher ser feminista ou de se auto-identicar como tal; 3. Residir na rea urbanaaumenta as chances de uma mulher ser feminista ou de se auto-identicar comotal; 4. Quanto mais jovem, maiores so as chances de uma mulher ser feministaou de se auto-identicar como tal.

    A partir dos testes dessas hipteses, buscamos identicar se necessrio, parafortalecer o feminismo no Brasil, caminhar simultaneamente para estabeleceruma redistribuio de renda mais igualitria e para mudar os valores culturaise simblicos enraizados nas instituies, que inuenciam as aes e percepesdas mulheres brasileiras, nos espaos pblico e privado.

    Nossa anlise, conforme j apontado, utilizou os dados da pesquisa feitapelo Ncleo de Opinio Pblica da Fundao Perseu Abramo, que realizou 2.502entrevistas com mulheres de 15 anos de idade ou mais, em outubro de 2001. Essaamostra foi estraticada em cotas de idade e em reas urbana e rural, distribudas

    geogracamente em 187 municpios de 24 estados das cinco macrorregies do Pas(Norte, Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste).

    As margens de erro so de mais ou menos dois pontos percentuais para osresultados do total da amostra. A amostra de 2.502 entrevistas foi divida em duassubamostras, A e B (1.254 e 1.248 entrevistas, respectivamente), para contemplaras demandas por tantas questes. As margens de erro so de trs pontos para osresultados das perguntas aplicadas apenas na amostra A ou B. Utilizamos a Amos-tra A, em nossa anlise, devido ao interesse pelas questes que foram formuladase respondidas por todas as participantes nessa amostra.

    O primeiro passo que tomamos foi analisar as respostas para a questo queindagava se a entrevistada se considerava feminista ou no. De acordo com a suba-mostra A, 22% das brasileiras consideram-se feministas, sendo que, desse total, 8%consideram-se totalmente feministas e 14% parcialmente feministas; enquanto 78%no se consideram feministas. Desse total, 41% no se consideram efetivamente fe-ministas, 24% disseram no compreender o que seria o feminismo ou no souberamclassicar-se e 13% disseram ser feministas, mas confundiram feminista com femi-nina, conforme pergunta-controle posterior sobre o que entendiam por feminismo.

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    O percentual que mais nos preocupa o dos 78% das mulheres brasileiras que res-ponderam no serem feministas e/ou no saberem o que o feminismo. Apesar determos um total de 22% das mulheres respondendo que so totalmente (8%) e/ouparcialmente feminista (14%), acreditamos que h ainda um desconhecimento oumesmo rejeio do feminismo entre as mulheres brasileiras.

    importante ressaltar que reconhecemos os inmeros avanos que o movimen-to feminista j obteve no Brasil. Continuamos, porm, preocupados com o fato deque, apesar dos progressos na educao, no mercado de trabalho e na sade, essesno terem sido inteiramente capazes de levar o movimento feminista a ser maisagregador de um nmero substantivo de mulheres, j que continuamos a ter aindaum alto nmero de mulheres que armam desconhecer o feminismo. Acreditamosque, ao reconhecerem seusstatus na sociedade, as mulheres estariam mais prop-cias a aderirem aos valores e, portanto, prticas feministas. Se, de fato, buscamosdesaar estruturas na sociedade, como as instituies polticas, que reproduzem ahierarquizao, no somente de gnero, mas tambm de uma cultura hegemnica, importante que as mulheres, que se inserem nesses espaos, articulem uma agendamais propriamente feminista. Segundo Mala Htun: [...] a mera existncia de mulhe-res em posies de tomada de deciso nem sempre conduz introduo de mudanaslegislativas e polticas em benefcio das mulheres. Para produzir mudanas, mulheresno devem apenas estar presentes. Mulheres devem ser poderosas, porque poderenvolve mais do que um ttulo ou um cargo (2000: 2, traduo nossa). Portanto,

    estamos vinculando a noo de reconhecimento a um valor feminista importantepara a autonomia da mulher nos espaos pblico e privado.

    Como nosso objetivo maior na anlise dos dados foi perceber quais seriamos elementos que inuenciariam a adeso ao feminismo, optamos por reunir asrespostas da pergunta: voc se considera feminista? Ela foi produzida da seguintemaneira: a categoria feminista compe-se das respostas que incluem To-talmente feminista e Parcialmente feminista . Na categoria No feminista no agrupamos nenhuma outra resposta. J para a categoria No sabe/confunde feminismo, colocamos as respostas que incluem: No sabe se classicar, Nosabe o que e Confunde feminista com feminina. De acordo com a nossa an-lise, 21,8% das mulheres brasileiras consideram-se feministas, enquanto 40,7%das mulheres no so feministas e 37,5% das mulheres brasileiras no sabemou confundem o conceito de feminismo. Como se pode observar, o percentualdas mulheres que no sabe o que seja o feminismo e confunde o feminismo, porexemplo, com feminino, consideravelmente alto. Isso pode, em grande medida,ser atribudo aos estereotipos negativos frequentemente associados ao feminismoao longo dos anos no Brasil.

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    Buscamos tambm identicar a relao entre a auto-identicao ao feminis-mo por faixas de idade, no sentindo de averiguar se as geraes mais novas teriammais fortes ligaes aos valores e ideais do feminismo.

    Faixa etria

    % das mulheres

    que se identicam

    feminista

    % das mulheres que

    no se identicam

    feminista

    % de mulheres que

    no sabe ou

    confunde feminismo

    Total em

    nmeros

    absolutos

    15 a 20 anos 34% 43% 23% 191

    21 a 30 anos 31% 52% 17% 266

    31 a 40 anos 19% 63% 18% 23541 a 50 anos 24% 55% 21% 161

    51 a 60 anos 24% 45% 31% 107

    61 ou mais anos 13% 41% 46% 119

    Total 25,4% 51,3% 23,3% 1079

    Fonte: Fundao Perseu Abramo, A Mulher Brasileira nos Espaos Pblico e Privado, 2001. Dadostrabalhados pela autora.

    Tabela 1 Auto-identicao das mulheres brasileiras ao feminismo por faixa etria

    Em razo do que consideramos ser um processo de destradicionalizao, esperamosque as mulheres mais jovens se identiquem mais com o feminismo. Isto porque o pro-

    cesso de destradicionalizao desaa certos padres de interao nas relaes de gnero, justamente por ser um processo que confronta valores tradicionais e conservadores.De modo mais especco, a destradicionalizao pode ser c-onsiderada como umprojeto que inlcui um espao para os indivduos agirem individualmente e, tambm,coletivamente (Matos, 2005), tornando-os mais autnomo. Diante disso, plausvela hiptese de que as mulheres mais jovens estejam um pouco mais permeveis a essastransformaes dos valores do feminismo. Na tabela 1, observamos que tal hiptese sesustenta: as mulheres mais jovens (das duas faixas que compreendem dos 15 aos 20anos e dos 21 aos 30 anos) so aquelas que se consideram mais feministas, vericando-se percentuais de 34% e 31% respectivamente. perceptvel, ento, ver que a adesoao feminismo diminui com o aumento da idade, chegando a 13% para as mulheres nafaixa de idade de 61 ou mais. Precisamos car atentos para o fato de que, mesmo nasfaixas de idade em que encontramos a maior adeso ao feminismo (de 15 a 20 anos ede 21 a 30 anos), temos, ainda, uma representao signicativa entre aquelas mulheresque no sabem ou confundem o que o feminismo: 23% e 17%, respectativamente.

    A seguir, na tabela 2, apresentamos a adeso ao feminismo recortadas pelasreas de residncia, isto , se urbano ou rural.

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    Tambm, como era de se esperar, temos a maior auto-identicao com ofeminismo entre as mulheres residentes nas reas urbanas (30%), em comparaos mulheres residentes nas reas rurais, que aderem ao feminismo em menor grau(19,4%). Fica claro, portanto, que, com a urbanizao e o cosmopolitismo, h maiortendncia para mudanas culturais que possam reetir valores mais feministas que,por sua vez, desaariam o tradicionalismo. J no campo ou nas zonas rurais, taismudanas so um pouco mais lentas e atuam com menos fora no cotidiano.

    Vejamos, na tabela 3, a auto-identicao com o feminismo por faixas de esco-laridade. Esses dados foram os que nos apresentaram as informaes inesperadase, talvez, as mais difceis de compreendermos.

    % das mulheres

    que se identicam

    feminista

    % das mulheres que

    no se identicam

    feminista

    % de mulheres que

    no sabe ou

    confunde feminismo

    Total, em

    nmeros

    absolutos

    Urbano 30% 56% 14% 610

    Rural 19,4% 45,2% 35,4% 469

    Total 25,4% 51,3% 23,3% 1079

    Fonte: Fundao Perseu Abramo, A Mulher Brasileira nos Espaos Pblico e Privado, 2001. Dadostrabalhados pela autora.

    Tabela 2 Auto-identicao das mulheres brasileiras ao feminismo por reas de residncia

    % das mulheres

    que se identicam

    feminista

    % das mulheres que

    no se identicam

    feminista

    % de mulheres que

    no sabe ou

    confunde feminismo

    Total, em

    nmeros

    absolutos

    Ensino fundamental 21,2% 47,4% 31,4% 704

    Ensino mdio 35,9% 55,4% 8,7% 287

    Ensino superior 24,7% 72,8% 2,5% 81

    Total 25,4% 51,5% 23,1% 1072

    Fonte: Fundao Perseu Abramo, A Mulher Brasileira nos Espaos Pblico e Privado, 2001. Dados

    trabalhados pela autora.

    Tabela 3 Auto-identicao das mulheres brasileiras com o feminismo por faixas de escolaridade

    Conforme os dados apresentados na tabela 3, as mulheres brasileiras com ensinosuperior, ou seja, as mais escolarizadas, no so as que mais se denem como femi-nistas. Apontamos que o movimento feminista no Brasil, de certa forma, foi marcadopor um elitismo, principalmente no perodo que estamos chamando da primeira onda

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    ou o momento da luta pelo sufrgio universal. Isto , as primeiras feministas vieramdas classes mais abastadas, das nossas elites polticas e econmicas, e, por isso, tive-ram maior acesso ao ensino superior. Esses dados, ao contrrio do que pensvamos,demonstram que a auto-identicao com o feminismo no se encaixa no perl damulher mais escolarizada. Devemos ressaltar que esse elemento, por sinal, no deforma alguma um elemento negativo e faz-nos reetir se o movimento feminista, noBrasil, realmente conseguiu maior adeso em outros grupos de mulheres que somenos escolarizadas, ou de algum modo, passou de um movimento de elite para ummovimento de cunho mais popular. Voltaremos a essas indagaes mais frente,quando apresentamos os resultados da regresso logstica multinomial realizada.

    Buscando investigar quais fatores inuenciariam as chances de uma mulherconsiderar-se feminista, rodamos um modelo de regresso logstica multinomial.

    A varivel dependente formada por trs categorias: feminista; No sabe seclassicar; e No feminista, sendo a ltima a nossa categoria de referncia.

    As variveis independentes ou explicativas so: a) logsalrio (logartimo natural do valor do rendimento mensal); b) educao, representada por trs variveis binrias:ensino fundamental, ensino mdio e ensino superior, sendo o ensino fundamentala categoria de referncia; c) idade; d) urbano, isto , se a mulher reside em reaurbana, sendo esta uma varivel binria: sim/no; e) religio, representada portrs variveis binrias: evanglica; outras religies; e catlica, sendo essa a ca-tegoria de referncia; f) situao de trabalho; representada por quatro variveis

    binrias: nunca trabalhou; trabalhou, mas no trabalha mais; desempregada, e,por m, trabalha, sendo essa ltima a categoria de referncia.

    O modelo utilizado para a regresso logstica multinomial tem esta equao: Y (Se Considera Feminista ou No sabe o que ser feminista ouNo se considera feminista) = 0 + 1idade + 2 Urbano, + 4 logsalario+ e educao + j

    Situao de trabalho + r Religio +.

    Devido ao nosso interesse em vericar os fatores determinantes da auto-identicao com o feminismo, comparado com a no auto-identicao, noapresentaremos os resultados para a comparao entre o no sabe se feministae o no ser feminista. Portanto, o Modelo apresentado na tabela 4 tem comoobjetivo identicar aquelas variveis que mostram alguma correlao, estastica-mente signicante, com o Ser feminista e o No ser feminista .

    Podemos observar que no h uma relao de signicncia estatstica para as variveis que denem as categorias urbano/rural e religio com a identicao ou aadeso ao feminismo. Entretanto, h uma relao negativa para as variveis de idadee de educao. A varivel renda apresentou uma relao positiva, no sentindo de que

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    quanto maior a renda, maior as chances das mulheres identicarem-se com o feminis-mo. A varivel situao de trabalho mostrou-se positiva e estatisticamente signicantepara a categoria nunca trabalhou, comparada ao fato de estar trabalhando.

    A regresso permite-nos vericar que as mulheres mais jovens tm maioreschances de se auto-identicarem com o feminismo, como proposto pela nossahiptese. Isto porque, quando consideramos a idade, vericamos que, para cadaum ano que aumenta na idade da mulher, diminui em 1% o efeito percentual dea mulher denir-se como Feminista, comparado a denir-se como No serfeminista.

    Um dos fatores surpresas dessa anlise de regresso foi quanto ao efeito da varivel situao de trabalho sobre a auto-identicao com o feminismo. Quandoconsideramos o efeito da categoria nunca trabalhou, comparado a estar traba-lhando, o valor deu positivo e estatisticamente signicante. Isto , aumentam aschances em 168%, das mulheres que nunca trabalharam, em se auto-identicarem

    Ser feminista, comparadas quelas que esto trabalhando Espervamos que asmulheres j inseridas no mercado de trabalho, isto , na esfera pblica, tivessemmais contato com a difuso das idias e dos valores de um cunho mais feminista e,por isto, se auto-identicassem com o feminismo. Isso signica uma clara proble-mtica que precisa ser enfrentada, tanto por homens quanto por mulheres, refe-rente negociao de papis na esfera privada. Como j armamos anteriormente,

    Exp(B) Sig.

    Idade1 0,99 0,020

    UrbanoRural 1,00 0,691

    Educao Secundrio 1,15 0,416

    Educao Superior 0,55 0,049

    Logsalario 1,16 0,064

    Evanglica 0,81 0,296

    Outras 0,72 0,156

    Nunca Trabalhou 2,68 0,039Trabalhou ou no trabalha mais 1,70 0,253

    Desempregada 1,52 0,397

    Nagelkerke 0,14 Sig. 0,000

    Chi-Square 159,83

    Fonte: Fundao Perseu Abramo, A Mulher Brasileira nos Espaos Pblico e Privado, 2001.Dados trabalhados pela autora.

    Tabela 4Razes de chances das mulheres identicarem-se feministas

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    a relevncia da dicotomizao da esfera pblica e privada d-se a partir do fatode que o papel exercido pela mulher, na esfera privada, inuencia consideravel-mente o seu papel na esfera pblica. As duplas e, at mesmo, as triplas jornadasde trabalho enfrentadas pelas mulheres brasileiras continuam negando-lhes umstatus igual ao dos homens e, ao mesmo tempo, dicultando a possibilidade e a viabilidade de sua participao em atividades de cunho poltico.

    Quanto varivel renda mensal, a relao positiva com o aumento de chancesde adeso ao feminismo merece ser ressaltada. Quando consideramos a varivelrenda, o efeito percentual de auto-identicao Ser feminista eleva-se, em m-dia, 16% em oposio a No ser feminista, com o aumento de salrio9. Cabe-nosdiscutir a associao que viemos fazendo, no decorrer desse artigo, em favor deuma poltica de redistribuio e uma poltica de reconhecimento. Essa relaopositiva e signicativa estatisticamente entre salrio e auto-identicao com ofeminismo de grande importncia, pois refora o nosso argumento de que, comuma distribuio mais igualitria de bens, as mulheres estariam em condiesparitrias para participarem na esfera pblica.

    Mais uma vez, o elemento que consideramos mais perturbador foi o fato deque, com maior escolarizao, h menores chances de adeso das mulheres aofeminismo. Quando consideramos a educao, o efeito percentual de Ser feministadiminuiu, em mdia, 45% em oposio a No ser feminista, para as mulheres quetm educao superior, quando comparadas quelas que tm ensino fundamental.

    Se voltarmos para a descrio da segunda onda do movimento feminista no Brasil,observamos que muitas das mulheres que aderiram luta contra o regime militarforam donas de casa que se associaram aos grupos e s comunidades de seus bairros ou, at mesmo, alguns grupos vinculados Igreja Catlica.

    Outro elemento importante a ser discutido no que tange escolaridade, par-ticularmente aquela de ensino superior e sua relao com o feminismo, o fatode que esse ainda no se difundiu ou encontra mais diculdade de aceitao emdiversas reas da produo do conhecimento cientco-acadmico. Alm disso, esseresultado falseia a hiptese de que o feminismo algo eminentemente acadmicoe universitrio no Brasil. Por um lado, isso positivo, pois pode apontar que omovimento no teria se organizado necessariamente num padro elitizado. Poroutro lado, os dados apresentam-nos o problema de que as mulheres brasileirasno so, em geral, feministas. A segunda hiptese que podemos apresentar arespeito da relao entre feminismo e escolaridade que nem mesmo em altos

    9 O Log de salrio feito do logaritimo natural da varivel renda, para que a distribuio torne-se normal e um logaritmo natural dos valores das rendas mensais dos indivduos.

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    nveis de escolaridade o feminismo produziu um efeito de difuso favorvel, o queem si mesmo profundamente problemtico.

    Porm, isso no signica que devemos desconsiderar a relevncia dos gruposde estudos sobre as mulheres. Em meados dos anos 1960 at hoje, no Brasil, tive-mos uma proliferao de tais grupos nas universidades, que abordaram complexasquestes sobre gnero. Esses ncleos de estudos e pesquisas demonstram um grandeavano ao conjugarem teoria e prtica. Alm do mais, tivemos a conquista do seuprprio espao dentro das universidades, buscando o reconhecimento como umobjeto de estudo merecedor de relevncia acadmica. Vale lembrar que, no cenriointernacional, a temtica dos estudos de gnero j conquistou seu prprio espao,sendo que, no Brasil, isso no est ainda consolidado (Costa e Sardenberg, 1994).

    CONCLUSES

    Interessante perceber que, a partir desse quadro, estamos diante de ambigidades etenses em relao o papel da mulher brasileira nos espaos pblico e privado quandoconsideramos, por um lado, os avanos conquistados e, por outro lado, as barreirasque impedem uma igualdade de gnero. A questo que se coloca at que ponto umaconscientizao derivada da insero das mulheres no mercado de trabalho e de suaindependncia econmica capaz de transformar as relaes de gnero, tanto no

    pblico quanto no privado. Isto ocorre devido ao fato de que referida insero podeser caracterizada por marginalizao e explorao, fatores que certamente impedema capacidade das mulheres de participar como um par na interao social. Alm disso,devemos questionar os espaos em que as mulheres se inserem e se, de fato, eles solugares mais igualitrios e emanciptorios. Por isso, acreditamos que existemdcits de reconhecimento no Brasil, que so reexos da diculdade de remediar as injustiaseconmicas e culturais/simbolicas. Cabe salientar que estamos vinculando o conceitode reconhecimento adeso aos valores feministas, pois somente a concretizaodesses valores permitir s mulheres se integrarem aos mais diversos espaos deinterao social em condies de paridade. Ou seja, uma poltica de reconhecimentosignicar a implementao dos ideais igualitrios feministas.

    Primeiramente, no que tange questo redistributiva, as triplas jornadas detrabalho das mulheres serviram e servem como forte obstculo para sua atuao ematividades com um escopo propriamente poltico, sendo esse mbito consideradoexclusivamente designado aos homens. Em segundo lugar, as mulheres que estoinseridas no mercado de trabalho e que geralmente possuem dupla ou tripla jornadadiria, muitas vezes, no tm tempo para problematizar os assuntos polticos, j que

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    esto lutando por sua sobrevivncia. E, nalmente, as mulheres que trabalham so vtimas do preconceito atribudo ao feminismo, como tambm aos valores a ele rela-cionados e, portanto, freqentemente, as trocas de informaes e de dilogo crtico,sobre assuntos relacionados poltica, continuam incipientes. Talvez haja uma faltade percepo de que a autonomia e a liberdade, no campo prossional, esto, de fato, vinculadas aos valores feministas como uma conquista da mulher. Isso, mais uma vez,leva-nos a pensar sobre a tenso existente entre os valores patriarcais e tradicionais,que esto embutidos na vida cotidiana no Brasil, e os valores feministas, tenso essaque diculta o rompimento com aqueles valores e prticas. De modo geral, esses fa-tores explicam como uma redistribuio mais igualitria inuenciaria positivamentea auto-identicao com o feminismo, j que as mulheres brasileiras, nesse contexto,estariam primeiramente lutando para garantir as suas necessidades bsicas.

    Com relao a dimenso do reconhecimento, verica-se uma incipiente debatesobre tal questo tanto no mbito do movimento quanto na academia. Acreditamosque um novo discurso sobre reconhecimento e redistribuio poder fortalecer o vnculo da mulher brasileira com a idia (e o valor) de se considerar mais feminista,no somente em suas percepes, mas, sobretudo, em suas prticas . A partir domomento em que comearmos a olhar para dentro da esfera privada, poderemoslivrar-nos do legado do patriarcado. Trata-se de sustentar que as dinmicas dasrelaes sociais, dentro da esfera privada, so importantes para o papel exercidopela mulher na esfera pblica. Alm disso, necessrio estabelecer nexos entre os

    padres de interao exercidos na famlia e em outras instituies sociais para, assim,efetivamente romper tais padres que perpetuam a desigualdade e a injustia.

    O nosso esforo, ao defender o paradigma bidimensional de Fraser, resulta emgrande parte da nossa tentativa de discutir as razes da injustia social e desvincular-nos dos opostos binrios que tm servido, a nosso ver, muito mais para subordinaras mulheres. Ao pensar sobre o movimento feminista e o movimento de mulheres noBrasil, buscamos ressaltar como gnero constituiu-se como uma coletividade biva-lente e como a injustia social inclui desigualdades econmicas e de subordinao destatus. Ao tomar a postura de enfatizar as injustias simblicas e culturais, estamosarmando uma postura que entende que a cultura est envolvida na formao dos valores10e, conseqentemente, na formao das hierarquias de poder, no que se refere

    10 Segundo Jos Murilo de Carvalho, h uma relevncia da simbologia e das alegorias na for-mao de uma ideologia poltica, j que por meio do imaginrio que se podem atingir nos a cabea mas, de modo especial, o corao, isto , as aspiraes, os medos e as esperanasde um povo. nele que as sociedades denem suas identidades e objetivos, denem seusinimigos, organizam seu passado, presente e futuro (1990:10).

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    s esferas privada e pblica, implicando em uma opresso de mltiplas faces.Por-tanto, rearmamos que o conceito de reconhecimento no precisa ser tratado comoalgo exclusivo. Perspectivas feministas (Benhabib, 2002; Fraser, 1997 e 2003; Scott,2005) vm revelando-nos que as escolhas binrias, nos debates contemporneos,servem mais para intensicar conitos na presena da pluralidade de identidadese nas lutas por cidadania que, ao mesmo tempo, no do conta de compreender ascomplexidades da opresso e da subordinao nas relaes de gnero. Com um visterico ancorado no paradigma bidimensional de Fraser (1997 e 2003), ressaltamosque as questes sobre feminismo, cidadania e justia, no caso das mulheres brasileiras,precisam incluir uma abordagem capaz de alcanar, ao mesmo tempo, as injustiaseconmicas e culturais, pois no haver redistribuio sem reconhecimento.

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    127FEMINISMO, JUSTIA E RECONHECIMENTO Ana Carolina Freitas Lima Ogando

    ABSTRACT

    Relying upon Frasers bi-dimensional paradigm

    (1997, 2001, 2003), which seeks to remedy eco-

    nomic and cultural/symbolic injustices, I consider

    how the feminist movement and womens move-

    ment in Brazil advanced in the sense of spreading

    (or not) feminist values. Consequently, I analyze

    data of a national survey, from the research con-

    ducted by Fundao Perseu Abramo (2001), in

    order to reveal the decits of recognition present

    in Brazilian society, particularly with reference

    to Brazilian women. This article works especially

    with the notion of recognition as a value in itself

    of feminism, capable of establishing a more equal

    status in the private sphere (with particular refe-

    rence to the division of domestic work) and in the

    public sphere (with particular reference to the low

    political representation and visibility of women in

    Brazilian politics).

    KEY WORDS

    feminist movement and womens movement

    politics of recognition

    politics of redistribution

    decits of recognition

    RECEBIDO EMfevereiro de 2007

    APROVADO EMabril de 2007

    ANA CAROLINA FREITAS LIMA OGANDOMestre e doutoranda em cincia Poltica pela Universidade Federal de Minas Gerais.