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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 4864
FAZER-SE PROFESSOR HOJE: A RELEVÂNCIA ATRIBUÍDA À CULTURA HERDADA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO SER
SOCIAL
Luiz Carlos Barreira1
Genira Rosa dos Santos2
Introdução
Uma das principais características da metodologia adotada na pesquisa que
desenvolvemos junto ao Grupo de Estudos e Pesquisas “Formação de Sujeitos: História,
Cultura, Sociedade”, que integra as atividades desenvolvidas pelo Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Católica de Santos, intitulada “Fazer-se Professor
Ontem e Hoje”, está na vontade política de ouvir e dar visibilidade aos sujeitos sobre as
determinações ou pressões sociais por eles sofridas ao longo das suas trajetórias de vida,
tanto no que diz respeito à sua formação de ser social, de uma forma geral, quanto à sua
formação profissional, em particular.
Entendemos, com Rui Canário (1988; s/d), António Nóvoa (1998) e João Formosinho
(2001), entre outros, que a formação profissional inicial, obtida, via de regra, em instituições
escolares profissionalizantes, é parte de um processo que contempla inúmeras outras
práticas, institucionalizadas ou não. Por essa razão, tal formação é definida como “formação
profissional inicial”. A ideia central, contida nessa definição, é a de que tal formação terá
continuidade nas práticas profissionais concretas dos sujeitos sociais em questão. A rigor, e a
considerar os resultados das pesquisas realizadas, tais práticas de formação profissional
sequer “iniciais” são. A maioria absoluta dos sujeitos entrevistados na pesquisa revela que a
escolha de determinado campo profissional decorre, muitas vezes, da própria vivência, da
própria experiência. De qualquer forma, o que importa é destacar, nesse raciocínio, a noção
de movimento, de mudança, de um fazer que não se esgota nos estreitos limites temporais de
1 Doutor em Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Santos, Campus Dom Idílio Soares. E-Mail: <[email protected]>. 2 Mestre em Educação pela Universidade Católica de Santos. Professora no Curso de Pós-Graduação em Dinâmica dos Grupos e no Curso de Formação em Desenvolvimento dos Grupos da Sociedade Brasileira de Dinâmica de Grupo. E-Mail: <[email protected]>.
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certas práticas institucionalizadas, como são, de uma forma geral, as escolares. Entendemos,
com Josso (2002), que a formação pode ser concebida e investigada como “arte do tempo”.
Buscar conhecer a experiência concreta (histórica) de sujeitos singulares requer, no
entanto, a utilização de metodologias de pesquisa adequadas. Entendemos que a História
Oral pode ser um campo disciplinar capaz de oferecer contribuições significativas para a
consecução desse objetivo. Por essa razão, fomos buscar, nas práticas de pesquisa de
estudiosos que atuam nesse campo, as ferramentas (noções e conceitos) com as quais
pudéssemos trabalhar. Meihy (2006; 2007) foi um deles. Foi com esse historiador do tempo
presente que aprendemos a ouvir os sujeitos da pesquisa, ou seja, aprendemos a entrevistá-
los. Mais ainda, aprendemos a manejar as ferramentas conceituais necessárias a uma análise
contextualizada das falas dos sujeitos entrevistados, tais como os conceitos de “tom vital”,
“textualização” e “transcriação”.
Dentre os três gêneros de história oral apontados por esse estudioso do tema, o
gênero história de vida foi o escolhido. As histórias de vida narradas neste trabalho foram
transcriadas a partir de relatos obtidos por meio de entrevistas gravadas (que foram
transcritas literalmente e, posteriormente, textualizadas). As transcriações (relatos literários
em primeira pessoa) foram produzidas a partir do “tom vital” (frase ou sentença que expressa
sinteticamente a visão de mundo dos entrevistados), em conformidade com a referência
metodológica observada.
Outro procedimento que fomos buscar nas práticas de investigação da História Oral
diz respeito aos protocolos de utilização dos materiais da pesquisa, quais sejam, as falas dos
sujeitos entrevistados. Optamos por preservar a identidade, tanto dos entrevistados, quanto
da instituição onde trabalham. Para isso, fizemos uso de nomes fictícios para designar os
colaboradores da investigação, bem como a instituição onde eles trabalham.
Oito professoras que atuam em uma escola de educação infantil na Baixada Santista
foram entrevistadas. Elas compõem todo o corpo docente de uma instituição escolar
pertencente ao assim denominado “terceiro setor”. Neste trabalho, as experiências de vida de
quarto delas serão privilegiadas, posto que quatro outras já foram objeto de discussão em
trabalhos apresentados em outros eventos promovidos pela área da Educação e da História
(BARREIRA; SANTOS, 2016; SANTOS; FRAGA, 2015).
Com a palavra, as professoras.
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Ser professor é estar sempre atento às necessidades do educando, é estar sempre se superando
Eu me chamo Sofia e tenho quarenta e um anos de idade. Sou natural de Cesário
Lange, região metropolitana de Sorocaba, cuja população foi estimada em 17 mil habitantes,
em 2015 – uma cidade muitíssimo pequena, portanto. Vivi nessa cidade os primeiros vinte e
três anos da minha vida. Quando concluí o ensino de primeiro grau, tive que decidir o que
faria na sequência: se o curso colegial ou o de magistério. Por mim, teria cursado os dois, mas
meu pai proibiu-me de estudar à noite. Como o colegial era oferecido somente à noite, tive
que me contentar apenas com o magistério. Não fiquei totalmente triste com essa tomada de
decisão, pois o magistério fora a minha primeira opção. Quando concluía esse curso, meu pai
veio a falecer. Mais do que minha mãe, ele sempre fora um exemplo para mim. Gostava de
conversar comigo sobre tudo e sempre me incentivava a estudar. Queria ver-me formada e
trabalhando, mas não necessariamente no campo da educação. Hoje, passados uns bons
anos, percebo quão valiosos foram, e ainda são, os conselhos que dele recebi.
Com a morte de meu pai, tive que começar a trabalhar. Como não havia na cidade
muitas escolas de educação infantil – a grande maioria era mantida pelo poder público
municipal –, comecei a trabalhar em um escritório de contabilidade, pertencente a um amigo
de meu pai – campo profissional muito distinto daquele para o qual havia estudado e me
preparado. Trabalhei nesse escritório por cinco anos. Não desgostava propriamente do
trabalho, mas preferia trabalhar com pessoas e não com papeis o tempo todo. Ao cabo desses
cinco anos, decidi abandonar minha terra natal e me aventurar por outros lugares, outras
cidades. Optei por morar na Baixada Santista. Tentei, inicialmente, encontrar colocação no
mercado de trabalho local, na área da educação – a Baixada Santista, por razões mais do que
óbvias e evidentes, possui um número de escolas de educação infantil muito mais expressivo
do que o de Cesário Lange. Mas não fui bem-sucedida. Não fui aprovada nas primeiras
entrevistas. Tentei, então, uma colocação na área em que já acumulava alguma experiência, a
contabilidade. Consegui um emprego em um escritório e, só então, mudei-me para a cidade.
Mas por pouco tempo. Três meses depois, consegui, finalmente, começar a trabalhar em uma
escola particular de educação infantil. Isso foi em 1999. Permaneci nessa escola por cinco
anos. Nesse interim, fiz o curso de Pedagogia. Em 2004, quando fui indicada para trabalhar
nesta instituição, eu já era pedagoga. Aqui estou até hoje3.
3 Entrevista realizada em 25 de maio de 2015.
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Atualmente, faço um curso de pós-graduação, lato sensu, em neuropsicologia. A
escolha por esse curso deveu-se ao fato de termos na instituição onde trabalho alguns casos
de crianças portadoras de necessidades especiais. Agora é lei. Todas as instituições de ensino
devem acolher crianças e adultos portadores de necessidades especiais. Ocorre que, para que
essas crianças possam ser incluídas, o professor precisa saber trabalhar com elas. Eu não
sabia, por isso fui em busca de capacitação. Eu precisava melhorar o meu desempenho em
sala de aula e fazer com que as crianças portadoras de necessidades especiais fossem, de fato,
incluídas; ou seja, pudessem aprender, serem educadas, ensinadas. Para isso, o professor
precisa respeitar as limitações e os ritmos apresentados por essas crianças, precisa definir
estratégias específicas para cada tipo de necessidade identificada, possibilitando, assim, o
aprendizado dessas crianças e, consequentemente, a inclusão social de cada uma delas. Em
síntese, é preciso conhecer cada síndrome, para aprender a trabalhar com todas elas,
inclusive com os pais de cada uma delas, orientando-os na condução da educação dos seus
filhos no seio da família. É por isso que o magistério pode fazer-se uma prática estimulante e
apaixonante. Em sala de aula, um dia nunca é semelhante ao outro, uma criança nunca é
igual a outra. É preciso querer e saber enfrentar os desafios do cotidiano das práticas
escolares. É preciso reconhecer e aprender a lidar com sujeitos plurais. Por isso você aprende
muito, seja como ser humano, seja como profissional. Trabalhar com crianças plurais é
sempre muito enriquecedor.
Atuo em uma área para a qual penso ter sempre tido vocação. Acho que nasci com o
dom de educar. Um dom que se manifestou e se definiu bem cedo. Tudo começou a acontecer
quando eu ainda era criança. Sempre gostei de brincar de escolinha. Apesar de ter uma lousa,
escrevia em todos os lugares, inclusive nas paredes. Lembro-me que quando eu cursava a
quarta série do primeiro grau, recebia em minha casa um grupo de amigas para brincarmos
de escolinha. Eu era sempre a professora. Passava lição na lousa, aplicava provas etc. Era
uma brincadeira levada a sério. Nas aulas, minhas coleguinhas revisavam o que estavam
aprendendo na escola. Nas provas, elas evidenciavam que estavam aprendendo, e eu, com
elas. Essa experiência durou um bom tempo. De repente, parei de brincar porque a
brincadeira já não mais me satisfazia. A gente cresce e, de repente, as brincadeiras de criança
começam a cansar e a não mais fazer sentido.
No Magistério, os estágios que fiz em diferentes instituições de educação infantil
foram evidenciando que as crianças gostavam do jeito como eu me relacionava com elas. Eu
era – e ainda sou – muito curiosa. Sempre que surgia uma oportunidade para estagiar em
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escolas diferentes, como as rurais, eu sempre aproveitava. Queria saber como é que era. E
assim foi e é até hoje.
Sempre busco atualizar-me, estudando, fazendo cursos. Mas, com a seguinte clareza:
na prática, a teoria é outra. Quero com isso dizer o seguinte: nenhuma teoria pode ser
aplicada mecanicamente, ou seja, desconsiderando-se as singularidades das crianças com as
quais interagimos diariamente e por horas a fio. É preciso observar, inquirir, investigar os
comportamentos evidenciados por diferentes crianças em diferentes contextos, para que cada
uma delas possa ser cativada e, assim, poder participar das atividades escolares, cujo objetivo
principal é desenvolver habilidades e competências, dentre elas aquelas voltadas para a
formação de seres sociais capazes de viver em sociedade. Não há como generalizar, fazer uso
de padrões, porque cada criança é diferente das demais. Cada qual tem a sua história de vida.
É preciso aprender a trabalhar com as diferenças. A teoria deve funcionar como uma espécie
de norte das práticas pedagógicas. Cabe ao professor, entretanto, recorrer a outras
ferramentas, para que a criança possa estar com ele, ou seja, estar no centro das atividades
desenvolvidas em sala de aula. Ele tem que atrair a atenção da criança. Em última instância, é
a criança que diz ao professor o que é preciso fazer. É preciso ter sensibilidade, tato para
conquistar a criança.
Não foi simples, nem fácil, perceber que a teoria, na prática, é outra. Foi um processo
lento e contraditório, caracterizado por tentativas, erros e acertos. É preciso estar no controle
da situação e, para isso, o professor precisa gostar do que faz, observar e experimentar, mas,
acima de tudo, precisa aprender a ser humilde, a reconhecer e a querer superar suas próprias
limitações. Ele pode, por exemplo, observar o comportamento da mãe na relação com o filho.
Ao assim proceder, poderá compreender o porquê de certos comportamentos da criança.
Assumi salas de aula bastante problemáticas, mas sempre aprendi com elas. Atuo na área há
mais de quinze anos. A geração com a qual trabalhamos não é idêntica àquelas que a
precederam, nem será idêntica àquelas que as sucederão. É preciso estar sempre atento às
diferenças. Quando lançamos um olhar para o nosso passado, percebemos claramente o
quanto crescemos e amadurecemos.
Tudo o que eu sonhei e busquei na vida eu consegui. Claro que muitos desejos ficaram
para trás. Mas, no que diz respeito ao básico, digamos assim, eu consegui. Sou muito exigente
comigo mesma. Cobro-me sempre, às vezes até de forma muito exagerada, pois nem tudo, ou
melhor, quase nada depende exclusivamente de nós. Eu sei disso, mas continuo a me cobrar,
sempre querendo me superar. Quero aprender muito mais. Penso em fazer, por exemplo,
pós-graduação stricto sensu.
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É assim que eu me vejo como profissional da área.
Ser professor é tudo
Eu sou Alice e tenho vinte e nove anos de idade. Atuo como educadora da infância
antes mesmo de começar a cursar o Magistério. Isso foi há treze anos4. Foi assim: eu acabara
de concluir o terceiro ano do ensino médio – o antigo colegial –, quando tive que decidir que
caminho profissional tomar. Minha mãe foi quem mais me incentivou a ingressar em um
curso de formação de professores, na época, denominado de Curso de Magistério. Isto
porque, desde criança, eu gostava de imitar os meus professores. Em casa, eu tinha um
quarto usado exclusivamente para a realização das tarefas escolares, guarnecido,
basicamente, de uma escrivaninha e dos materiais escolares então utilizados: papel, lápis,
caneta, borracha e régua, dentre inúmeros outros apetrechos. Nesse espaço, eu imitava os
meus professores. Em cenários imaginários, como os de uma sala de aula, eu batia com a
régua na mesa, repreendia alunos igualmente imaginários, colocava-os de castigo, além de,
evidentemente, passar e corrigir lições. Adorava representar e reproduzir, naquela minha
escola imaginária, o que eu vivia e experimentava na escola que eu frequentava.
Minha mãe incentivou-me de tal maneira a ingressar em um curso de Magistério que
chegou a se inscrever comigo para participar do processo seletivo de um deles.
Evidentemente, ela assim procedeu apenas para me incentivar, pois fez questão de errar
propositadamente o maior número possível de questões para não ser aprovada.
Um mês antes de começar o curso de Magistério, comecei a trabalhar em uma
instituição particular voltada à educação infantil. Assumi uma sala de primeiro do maternal,
constituída por apenas três crianças de dois anos de idade. Foi uma experiência e tanto,
porque eu não sabia fazer absolutamente nada. Não sabia o que era um semanário, nem
mesmo trocar fraudas. Tive que aprender sozinha. Foi assim, aprendendo com os próprios
erros, que eu comecei a me apaixonar pela profissão.
Terminado o Magistério, comecei a fazer o curso de Pedagogia. Nesse curso, uma das
atividades obrigatórias era o estágio. Como eu já havia abandonado o meu primeiro emprego,
comecei a estagiar em outra escola particular. Nessa escola, aprendi muito. Acabei assumindo
a classe regida pela professora com a qual eu estagiava, que, vítima de um aneurisma, viera a
falecer. Não permaneci por muito tempo nessa escola, pois, além de ser muito mal
remunerada, não era registrada. Fui, então, trabalhar em uma escola conveniada com a
4 Entrevista realizada em 13 de maio de 2015.
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Prefeitura, que oferecia registro em carteira de trabalho. Saí dessa escola para vir trabalhar
nesta, que acolhe e abriga crianças carentes e em situação de risco.
Cheguei a esta instituição para acompanhar e cuidar de uma única criança, durante
todo o dia – eu entrava às sete horas da manhã e saía às dezessete horas. O cuidar dessa
única criança foi-me dado, porque ela apresentava inúmeros problemas de comportamento,
como recursar-se a ficar em sala de aula e a realizar as atividades com as demais crianças.
Isso, ao longo do primeiro ano da minha estada aqui. No ano seguinte, a criança foi-se
embora e eu fui convidada a atuar na instituição como monitora, auxiliando as professoras no
período da manhã e, à tarde, realizando atividades recreativas com as crianças.
Hoje, tenho dupla jornada de trabalho: estou aqui todas as manhãs, regendo uma sala
de jardim da infância; e, no período da tarde, em uma escola particular. Dois universos
bastante distintos. É cansativo, estressante, pois a educação que os pais não conseguem dar a
seus filhos em suas casas, eles cobram da escola. Isso, de um lado. De outro, temos de lidar
com problemas de relacionamento com colegas de trabalho, que também ocorrem em
ambientes empresariais. Via de regra, são picuinhas, mas que resultam em desgastes
desnecessários. Lidar com crianças é relativamente fácil; com adultos, nem sempre. Por isso,
é preciso gostar muito do que aqui se faz. É preciso amar. Doar-se. Vivemos neste universo de
segunda a segunda, sempre prensando no que fazer no dia seguinte para cativar a criança,
para que o nosso trabalho não caia em rotinas estafantes e insuportáveis para a criança.
Duas professoras serviram, particularmente, de exemplo para mim: uma da primeira
e outra da quarta série do ensino de primeiro grau – iniciei minha trajetória escolar quando
ainda vigia a Lei 5.692, promulgada e publicada em 1971; mas, logo em seguida, começou a
viger a Lei 9.394, promulgada e publicada em 1996, que redefiniu as diretrizes da educação
no Brasil e, consequentemente, o redesenho dos sistemas de ensino no país. Essas duas
professoras eram muito carinhosas. Esse carinho que elas dispensavam aos seus alunos era o
que me motivava. Eu ia à escola por causa delas, por causa da forma carinhosa e atenciosa
como eu era tratada. Sempre receptivas, jamais grosseiras. Aprendi a ser carinhosa com essas
duas professoras. Na educação infantil, as crianças não sabem, ainda, diferenciar o certo do
errado. É preciso saber “brigar” com a criança, caso contrário não aprenderão a discernir o
certo do errado. Mas, depois, é preciso “passar a mão”, conversar com a criança e dizer a ela
por que ela foi repreendida.
Minha mãe, entretanto, foi e ainda é a minha grande inspiração na minha trajetória
de vida como educadora, professora. Não fosse ela, hoje eu talvez não estivesse aqui. Fiz o
Magistério por ela. Outras pessoas – professoras, diretores, donas de escola – eu conheci
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nessa minha trajetória e muitas delas deixaram marcas positivas indeléveis no meu modo de
ser e pensar. Algumas, porém, eu gostaria de esquecer, se isso fosse possível. Lembro-me,
com muita clareza, o quanto aprendi com uma colega, hoje casada e residindo nos Estados
Unidos da América do Norte. Eu era ainda iniciante e muito inexperiente. Não sabia
absolutamente nada sobre a minha profissão. Recorria, então, a essa colega. Eu levava meus
alunos à sala dela, pois não tinha a menor noção do que fazer com eles. Ela, pacientemente,
ensinava-me a profissão. Foi com ela que eu aprendi a fazer máscaras de carnaval. Foi
também com ela que eu conheci e aprendi a usar certos materiais, como a tinta em alto
relevo, por exemplo. Trabalhei em uma escola cuja dona e diretora, Dona Ana, muito me
ensinou sobre o ofício. Já em outra, a negligência da dona, chamada Edna, era a marca
distintiva da escola. Ela era Conselheira Tutelar e, por essa e outras razões, abandonava a
escola nas mãos de um sobrinho, não conhecedor do ofício.
Trabalhar em duas escolas tão diferentes, como é o meu caso no presente momento,
acaba sendo bastante positivo, pois a experiência adquirida em uma pode favorecer o
trabalho realizado na outra. Explico-me. Na escola particular, trabalhamos com projetos. O
que são esses projetos? São atividades programadas para serem realizadas ao longo de um
bimestre sobre determinado tema, como, por exemplo, a água e o circo. As atividades são
encerradas ao final do bimestre com uma exposição dos trabalhos realizados pelas crianças,
dirigida aos pais e demais interessados. A dinâmica é a seguinte: ao longo daquele bimestre, o
tema escolhido é trabalhado diariamente em salas ambientes – sala de leitura, de DVD, de
música e parque – com duração de meia hora cada uma delas, exceção feita à primeira, de
duração de uma hora, na qual atividades de prontidão são focalizadas. Além da exposição
final, um trabalho, mais elaborado, é também realizado; mas, para isso, solicitamos ajuda
financeira aos pais.
Essa experiência em educar por projetos, muito presente no cotidiano de escolas
particulares, pode ser, de certa forma, incorporada ao trabalho que realizamos em escolas
conveniadas. Há que se considerar, naturalmente, as condições objetivas de trabalho
ofertadas por esse tipo de instituição escolar – nem todas, ou quase nenhuma, possui, por
exemplo, salas ambientes. O fio condutor do educar por projetos pode orientar, entretanto, o
trabalho pedagógico em instituições conveniadas.
Apesar dos momentos em que a vontade de “jogar tudo para o alto” é muito forte – de
não querer mais trabalhar com crianças, de “calçar um sapato de salto alto” e ir trabalhar em
empresas –, eu adoro o meu trabalho. Quero continuar a aprender, sempre. Quero fazer
cursos de pós-graduação lato sensu, especialmente aqueles que focalizam práticas de
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alfabetização. Quero estar preparada para enfrentar os desafios postos pela prática
pedagógica, assim como para poder sair-me bem em concursos públicos – até agora, não
tenho sido bem-sucedida nos concursos dos quais participei; sempre ponho o “x” no lugar
errado. Quero, acima de tudo, continuar a trabalhar com educação infantil. Não quero ser
gestora, nem dona de escola. Quero estar em sala de aula, sempre em contato com as
crianças. Quero ver e estar em contato com as crianças todos os dias. Quero ter e retribuir o
carinho delas, assim como o reconhecimento dos seus pais. Eu amo ser o que sou. Ser
professor é tudo. É ser pai, mãe, avô, avó, tio, tia, amigo, amiga, companheiro, companheira,
psicólogo e, também, professor. É ensinar a discernir o certo do errado. é ser um espelho, um
modelo exemplar para a criança. É preciso ter nascido com o dom para ser educador. Ser só
professor, transmissor de conhecimento, não basta. Qualquer um pode ser ou representar o
papel de professor. Mas apenas aquele que nasceu com o dom para ser professor é que fará a
diferença.
Tudo o que sei, aprendi na prática
Eu em chamo Isis. Quando pequena, brincava de professor: falava sozinha, tinha
alunos imaginários, escrevia na porta da cozinha da casa da minha mãe, coisas assim. Penso
que a ideia e a vontade de ser professora veio daí.
Quando eu concluí a oitava série do ensino de primeiro grau, escolhi fazer o curso de
Magistério em uma famosa instituição escolar da cidade onde eu morava. Era um curso
oferecido em horário integral. Pode ter parecido pesado, mas não foi. Adorei fazer. Tinha
teatro, uma loucura! Todo mundo junto no auditório da escola. Isso foi em 1997.
No curso de Magistério, havia uma professora de Matemática, chamada Roseli, que
ensinava de um modo muito divertido. As aulas dela eram 10! Havia uma outra, professora
de Química, chamada Rosa Maria, com quem eu muito aprendi. Essas professoras foram
exemplos para mim. Exemplos de bons professores. Não tenho dúvidas que devo à professora
Rosa Maria o meu bom aprendizado em Química, porém, há um detalhe que eu considero
digno de nota: a partir do segundo ano do curso, o meu aproveitamento, não apenas em
Química, mas também nas demais disciplinas e atividades do curso começou a melhorar
sensivelmente. Coincidência ou não, o fato é que eu engravidei nesse período. Com a
gravidez, comecei a ficar mais inteligente, como eu gosto de brincar. Sou muito brincalhona.
Eu tenho, hoje, 34 anos. Minha filha, já completou 16. Fui mãe, portanto, muito jovem.
Quando minha filha nasceu, pensei que teria que abandonar os estudos. Fui morar com o pai
da minha filha. Ele e os meus pais ajudaram-me muito. Não tivessem sido eles, hoje eu não
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estaria aqui. A inteligência do aluno conta, sim, bem como a competência e as habilidades do
professor. Mas isso não é tudo. Há que se considerar, também, as condições objetivas de vida
daqueles que trabalham e estudam. Sem o incentivo e o amparo familiar que eu tive, não teria
conseguido.
Concluí o Magistério no final do ano 2000. Com o diploma em mãos, comecei a
procurar emprego na área. Afinal, por que razão eu cursaria o Magistério, se não tivesse
interesse e determinação para atuar nessa área? Distribuí o meu currículo, mas nada surgiu.
Comecei, então, a trabalhar em lojas, em empresas prestadoras de serviços, como as de
telemarketing. Mas sempre com a sensação de não estar atuando no lugar certo. Sentia-me
como um peixe fora d’água. Permaneci nesse ramo por sete anos. Estava prestes a desistir de
ingressar no Magistério, quando uma escolinha, na qual eu havia deixado uma cópia do meu
currículo, entrou em contato por telefone, chamando-me para uma entrevista. Fui correndo.
Depois da entrevista, fui convidada a trabalhar naquela instituição. Aceitei, claro! Foi o meu
primeiro emprego na área. Fiquei feliz da vida!
A escolinha em questão funcionava em uma casa adaptada e pertencia a um casal de
evangélicos que me recebeu muito bem e me apoiou muito, pois eu não tinha nenhuma
experiência. Tudo o que eu sei, eu aprendi com eles: com os donos da escola e com as minhas
colegas. Eu não sabia, por exemplo, o que era um semanário. Foi com eles que eu aprendi. Ao
todo, éramos seis profissionais: três meninas cuidavam do berçário, uma do maternal, outra
do jardim e outra da pré-escola. Havia uma menina, chamada Mariana, que era um exemplo
de profissional. A postura dela, como professora, era o que mais chamava a atenção. Ela era
muito generosa: passava todas as “novidades” paras a colegas, sem nada pedir em troca. Até
hoje mantemo-nos em contato. Ela trabalha como professora concursada em um município
próximo ao nosso. Permaneci nessa escola por quase três anos. Saí de lá, porque a instituição,
localizada na periferia, passava por sérias dificuldades financeiras e encerrou suas atividades.
Arrumei emprego em uma segunda escola de educação infantil, mas, nessa,
permaneci apenas alguns meses, pois não gostei de nada. Voltei a distribuir o meu currículo e
um deles foi deixado aqui, nesta instituição. Eu tinha uma amiga que trabalhava aqui e foi
por intermédio dela que eu fui chamada para uma entrevista. Fui aprovada e comecei a
trabalhar. Adoro trabalhar aqui. Não me vejo fora daqui. Esta é a melhor escola de educação
infantil do mundo! Se um dia eu tiver que sair daqui, sentirei muita falta. Estou há cinco anos
na instituição. Vim para cá em 20105.
5 Entrevista realizada no dia 27 de maio de 2015.
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Eu gosto de criança, de trabalhar com criança. Não sei muito bem lidar com as mães
delas, mas elas percebem que eu dou carinho aos filhos delas. Os filhos falam sobre o que
fazem na escola e, assim, os pais ficam sabendo como trabalhamos com os filhos deles nesta
escola.
Para a escolha da profissão, não considero ter sido influenciada por ninguém, nem
mesmo por aquelas professoras que foram professores exemplares, e não apenas para mim.
Nem mesmo minha mãe, que muito me incentivou a estudar, embora fosse analfabeta e só
soubesse desenhar o próprio nome, exerceu qualquer tipo de influência sobre a decisão
pessoal de me fazer professora. Penso ter sido a vida e as oportunidades que ela nos oferece.
Sinto orgulho, muito orgulho de ser professora. É muito gratificante ouvir dos alunos
que o que eles aprenderam foi a “tia” Isis. Eu me realizo, como profissional e como pessoa,
quando consigo transmitir o que eu sei para uma criança.
Sei que sei, mas gostaria de aprender muito mais. Gostaria de fazer um curso de
Pedagogia. Tentei em 2008, mas, com a chegada de um segundo filho, o trabalho doméstico
foi aumentando: jantar para fazer, roupa para lavar e passar, além de inúmeros outros
encargos e demandas. Esse meu filho já está com nove anos. Talvez agora eu consiga cursar
Pedagogia. Um curso à distância, provavelmente. De qualquer forma, não me vejo em outro
lugar. O meu lugar é aqui, na escola.
Ser professor é mágico! É um aprendizado constante
Meu nome é Bruna. Sou neta de pescadores que adoravam mergulhar. Atribuo à
minha ascendência o gosto pelo mar e pelas coisas do mar: sol, praia, mas também balada.
Adoro curtir a vida. Meu sonho era ter-me feito bióloga marinha, mas isso não foi possível. A
vida tinha outros planos para mim. Tive três filhos de pais diferentes: duas meninas e um
menino. A mais velha nasceu quando eu tinha dezoito anos de idade, a mesma idade que ela
tem hoje6 – eu cursava, então, o último ano do Magistério. O menino tem sete anos e, a mais
nova, três. Não me casei, mas pude contar com o apoio incondicional dos meus pais. Tenho
um irmão que, diferentemente de mim, fez tudo certo e na hora certa: estudou – fez
Propaganda e Marketing –, trabalhou, adquiriu casa própria e só depois constituiu família –
foi pai há pouquíssimo tempo. Sou o reverso do que ele foi. Meu pai sofreu muito comigo.
Certa feita, ele quis me fazer uma surpresa: havia pago um curso de mergulho para mim – eu
era o xodó dele. Não sabia, entretanto, que eu estava grávida novamente. Conseguiu
6 A entrevista foi realizada no dia 27 de maio de 2015.
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recuperar apenas a metade do dinheiro que havia investido no curso. Ficou muito chateado,
não apenas com a perda do dinheiro, mas, principalmente, com o fato de eu ter aprontado
novamente.
Comecei o curso de Magistério, mais por causa de minha mãe. Ela estudou até a
quarta série do curso primário. É uma grande guerreira. Ela e o meu pai batalharam muito
para que a família tivesse uma casa e condições razoáveis de vida. Minha mãe nunca
trabalhou fora de casa. Cuidava dos filhos, do marido e da casa. Meu pai estudou apenas até a
sexta série do primeiro grau, mas faz cálculos mentais perfeitos. Ele chegava em casa sempre
muito tarde, pois trabalhava no Cais do Porto. Minha mãe esperava por ele, lendo os nossos
livros didáticos. No dia seguinte, ela nos ensinava a fazer as tarefas escolares – meu irmão e
eu estávamos na sexta ou sétima série do primeiro grau. Minha mãe foi nossa professora.
Hoje, eu sei que deveria ter ouvido mais os conselhos que ela me dava.
Com dezoito anos de idade eu engravidei e parei com os estudos. Como eu não tive
nenhuma ajuda financeira do pai da minha primeira filha, meus pais assumiram tudo. O
dinheiro que eles me davam era para ela, não para mim. Eles se ofereceram para cuidar da
minha filha, para que eu pudesse retomar os estudos, mas eu não aceitei. Achava que eu
deveria cuidar da minha filha, dar-lhe carinho, já que o pai dela era e sempre seria ausente.
Ter sido mãe jovem demais, e nas condições em que eu fui, fez com que eu tivesse que
interromper os meus estudos. Não me graduei em nenhum curso de nível superior.
Comecei a trabalhar nesta instituição, graças à força de vontade e determinação de
minha mãe. Meu filho do meio tem, hoje, sete anos. Quando eu aqui ingressei, ele estava com
um ano e alguns meses. Trabalho aqui, portanto, há quase seis anos. Gosto daqui, embora eu
nunca tenha trabalhado em outra escola de educação infantil. Tudo começou assim: certo dia,
eu estava na praia me bronzeando, quando uma amiga me telefonou para dizer que ela havia
arrumado uma entrevista de trabalho para mim, naquele mesmo dia. Disse a ela que não
seria possível, pois estava muito ocupada. Não disse a ela que eu estava na praia. Logo em
seguida, foi a vez de minha mãe me telefonar. Ela soube da entrevista e da maneira como
reagi àquele convite inusitado, pela amiga que me havia telefonado antes. Perguntei a ela do
que se tratava e ela me disse que seria para trabalhar em uma escola de educação infantil.
Quis resistir ao convite, alegando ser tarde – por volta de duas horas da tarde – e estar muito
bronzeada para comparecer à tal entrevista. Ela ficou muito brava e exigiu que eu fosse à
entrevista de qualquer maneira. Fui.
Cheguei para a entrevista morrendo de medo. Nunca havia trabalhado em um
“escolinha”. Havia trabalhado apenas em um consultório dentário. Éramos apenas dois: o
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dentista e eu. A tal “escolinha” era enorme e havia muita gente trabalhando nela. Eu estava
sozinha, apavorada e me sentindo desamparada. A diretora, percebendo o meu estado de
ânimo, tratou-me muito bem. Como ela já conhecia o meu currículo, disse-me que eu já
estava contratada e que tinha certeza que eu me daria muito bem na escola. De fato, foi o que
aconteceu. Com a ajuda de Deus, o apoio da diretora e as orientações de algumas colegas,
tudo foi se encaixando. Como as demais colegas, comecei a trabalhar como monitora. Fiquei
nessa função por três anos. Hoje, sou professora.
O início dessa minha experiência foi muito hilário. Eu já era mãe, mas morria de
medo de cuidar de crianças pequenas. Fui designada para trabalhar no berçário. De repente,
uma criança começou a chorar; depois, outra; depois, mais outra e assim por diante. Então,
eu me sentei e comecei a chorar junto com as crianças. A diretora, que passava pela porta da
sala, perguntou o que acontecia. Uma vez ciente do ocorrido, propôs-me experimentar
trabalhar na sala ao lado, onde ficavam as crianças com três e quatro anos de idade – na
época, o Infantil I. Por um ano, fui a responsável pelo banho das crianças do Infantil I –
trabalho reservado às monitoras ingressantes – e, depois, passei a ser responsável apenas
pela recreação deles. Adorei! Eu brincava bastante com as crianças, agia como elas. Depois de
três anos passei a assumir sala de aula, como professora. A professora tem mais
responsabilidade, tem que ter outra postura com as crianças. É preciso se preocupar com o
jeito de falar, pois as crianças tendem a imitar os adultos.
Penso que o fato de eu ter sido mãe precocemente ajudou-me muito a ser professora.
Eu sempre quis dar o melhor para os meus filhos. Eu acho bonito, por exemplo, quando o
meu filho do meio diz querer ser professor, por achar legal ver a mãe dele, em casa,
preparando atividades para os alunos dela no dia seguinte. Ele também gostaria de fazer isso.
Quer ser pedagogo como a mãe. Fico muito orgulhosa disso. Minha filha também afirma
pender para a docência. Estudou balé por nove anos e, agora, diz querer ser professora de
balé. Mas está muito indecisa entre fazer Pedagogia, Biologia Marinha e Educação Física.
Estranhamente, ela também gostaria de seguir a carreira militar, no Exército, muito embora
essa Arma Nacional admita apenas homens em suas fileiras. Suas duas primeiras opções tem
muito que ver comigo e com os meus sonhos de fazer Biologia Marinha, na adolescência, e,
agora, Pedagogia. Educação Física, por sua vez, é uma disciplina voltada para o corpo, o que é
compreensível, posto ter ela estudado balé por nove anos. O único ponto fora da curva é esse
desejo dela de ingressar no Exército.
Para mim, ser professor é um aprendizado. Gosto de ser professora. Sinto muito
orgulho do que faço. Ser professor é mágico! Aprendo muito fazendo o que faço. No colegial,
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uma professora de Matemática, chamada Margarete, foi muito especial para mim. Ela me
olhava de um jeito carinhoso e incentivador, quando eu dizia a ela que gostaria de ser
professora, mas igualzinha a ela. Margarete foi a única professora que marcou, de fato, a
minha trajetória escolar.
Meu campo de atuação é na escola e em minha própria casa. Faço uso de tudo o que
eu aprendo aqui, na educação dos meus filhos. E vice-versa. Se eu sei ensinar em casa,
saberei ensinar na escola. É uma troca, uma transferência de saberes adquiridos por meio da
própria experiência, da vivência pessoal e profissional. É assim que eu vejo as coisas. O
ensino, hoje em dia, é muito precário. Meus filhos estudaram e ainda estudam em escolas
mantidas pela Prefeitura. O meu filho do meio, por exemplo, está há duas semanas sem aula.
Eu passo tarefas para ele: leitura de livros e cálculos, por exemplo. Assim, ele vai aprendendo
e, quando os professores retornarem às aulas, não estará tão perdido. Eu também me
comporto assim com a minha filha mais velha. Por isso, posso afirmar que aprendi a ensinar
com os meus filhos e, também, com minha mãe, que agia conosco do mesmo modo como ajo
com os meus filhos. Meu irmão, por exemplo, odiava fazer resumos. Minha mãe dizia-lhe que
também nunca havia feito, mas que poderia ajudá-lo a fazer. Pesquisava, estudava e, depois
de um tempo, dizia-lhe que já havia compreendido o que deveria ser feito e orientava-o na
execução da tarefa. Quase sempre ele obtinha boas notas. Ficava todo orgulhoso e dizia que
havia aprendido com a mãe dele a fazer o que era solicitado pelos professores. Quando
tínhamos dificuldades na execução das tarefas escolares, nossa mãe pegava os nossos livros
de História, Geografia, Matemática e das demais matérias escolares e dizia: – “Meu Deus! O
que é isto?”. Mas nunca desanimava. Lia, pesquisava nos dicionários e relia o que os livros
traziam até ter clareza sobre o que era solicitado pelos professores. Em seguida, sentava
conosco e explicava-nos o que e como deveria ser feito. Assim aprendíamos. Não foi no curso
de Magistério, portanto, que eu aprendi a ensinar. Foi com minha mãe e na prática cotidiana
do ensinar em casa e na escola – com os meus filhos e com os meus colegas de trabalho.
Minha permanência no magistério é, por enquanto, bastante incerta. Já nos disseram
que, a partir de 2016, não mais poderemos continuar a trabalhar na instituição, sem o curso
de Pedagogia. No momento, não tenho como arcar com os custos de um curso de Pedagogia.
Se eu for demitida, não saberei o que fazer. Se eu pudesse, faria de tudo para pagar um curso
de Pedagogia para a minha filha. Seria bom para o futuro dela. Quanto mais estudo, mais
portas poderão se abrir. Mas eu não posso. Além de precisar, por imposição legal, eu também
gostaria de fazer um curso de Pedagogia, mas, sem recursos financeiros, como?
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Considerações Finais
Como nos fazemos professor, educador, ou profissional de qualquer outro ofício? Que
papel a formação profissional inicial, quando existente, desempenha nas práticas cotidianas
dos trabalhadores? Quando inexistente, que lógica orienta tais práticas? É em Edward
Palmer Thompson (2002) que nos apoiamos para compreender, dimensionar e interrogar os
processos de formação do ser social, tanto aqueles que enfatizam a valorização da experiência
educada (da cultura letrada, refinada), quanto os que se estruturam a partir da experiência
herdada (da cultura provinda da experiência, da “escola” da vida, quase sempre associada aos
“pobres” e vista como subordinada), sem perder de vista a historicidade do social.
Não queremos, com este nosso trabalho de investigação sobre as percepções que as
professoras da educação infantil têm de si e do trabalho que realizam, reforçar a tese segundo
a qual as relações entre experiência educada e experiência herdada seja um movimento de
mão única. Nem a experiência educada se impõe sobre a herdada, nem esta sobre aquela. A
considerar as evidências presentes nas falas das professoras que entrevistamos, há, entre
uma e outra, um movimento de mão dupla.
Por mais que os sujeitos desta nossa investigação menosprezem ou atribuam pouco
peso àquilo que aprenderam no curso de Magistério, é evidente e bastante significativo tal
peso, não em todas as histórias de vida que foram aqui narradas, mas, em pelo menos, duas
delas. Isso está evidente, por exemplo, na fala de Sofia, para quem “a teoria, na prática, é
outra”. Tal visão estereotipada e equivocada da relação entre teoria e prática (pragmática e
utilitária) não pode ser atribuída apenas ao sincretismo que caracteriza o senso comum dos
professores. Sofia evidencia ter conhecimento das teorias a que se refere. Evidencia, ainda,
ter aprendido ser na prática concreta do dia a dia que tais teorias precisam ser testadas
(incorporadas, reformuladas ou negadas). Ainda que tal conhecimento não tenha sido
aprendido por ela no âmbito das práticas escolares de uma instituição singular e particular –
o lugar onde obtive o diploma, o certificado, a habilitação para o exercício do magistério –,
sua origem é escolar (experiência educada). Mas, o ter conhecimento (das teorias
pedagógicas, no caso), aqui, não é questão central, mas periférica. A questão central,
consoante estudos realizados recentemente (CANÁRIO, 2017; NÓVOA, 1998;
FORMOSINHO, 2001), parece estar nas habilidades e competências desenvolvidas por Sofia
para identificar e equacionar os problemas que enfrenta no seu cotidiano escolar (experiência
educada). Algo que Sofia demonstra claramente ter. A prontidão evidenciada por algumas
das professoras entrevistadas no enfrentamento de problemas postos pela prática pedagógica
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no cotidiano escolar, associada à passividade e à resignação de outras, pode estar indicando
que as finalidades dos cursos de formação de professores precisam ser redefinidas. Afinal, o
que os cursos de formação de professores priorizam hoje em dia? O desenvolvimento de
competências e habilidades para o enfrentamento criativo de problemas postos pelo
cotidiano escolar ou a memorização de certos conteúdos disciplinares de valor duvidoso? Que
profissionais tais escolas estão formando?
Outra evidência a ser considerada nestas nossas reflexões finais diz respeito à própria
percepção que os sujeitos têm de si e dos outros. As professoras entrevistadas, com
raríssimas exceções7, não se percebem como produto de relações sociais concretas. Quando
muito, identificam algumas determinações vividas, mas atribuem a elas explicações muitas
vezes pouco racionais, tais como sorte, azar, destino e mérito, entre outras. A ambiência
cultural é sempre lembrada (escolaridade dos pais, situação financeira, estrutura familiar,
associação de estudo com trabalho etc.), mas raramente considerada (sentida) como fator
determinante na trajetória de vida de cada uma delas. O trabalho, como categoria
estruturante do ser social, raramente é considerado8. Ser professor é ter vocação para atuar
no magistério, é ter nascido com esse dom. Mas, contraditoriamente, afirmam ter aprendido
o ofício com alguém – geralmente a mãe, algum professor que marcou sua trajetória escolar
ou, então, alguma colega de trabalho. Há, aqui, uma visível distinção entre a percepção do ser
e a do fazer – nasci professora, mas aprendi a ensinar com minha mãe, com a dona da
primeira “escolinha” onde trabalhei, com colegas (a escola profissional raramente é
lembrada).
Outras questões poderiam ser aqui destacadas, mas o espaço e o tempo não são
entidades fictícias. O caminho a ser trilhado é-nos desenhado, entretanto, de forma cada vez
mais clara: revisitar heranças culturais e experiências de formação de identidades e de
subjetividades de professores como condição necessária, ainda que não suficiente (é sempre
bom lembrar), para repensarmos as políticas e as práticas de formação de professores.
7 Referimo-nos ao conjunto das professoras entrevistadas ao longo da pesquisa, e não apenas àquelas cujas histórias de vida foram aqui narradas. 8 Apenas uma entrevistada, cuja história de vida não foi aqui apresentada, evidenciou ter consciência de que o trabalho é fator determinante no processo de formação de sujeitos.
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Referências
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