19

Click here to load reader

Favela e Controle territorial - Igor Robaina

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Favela e Controle territorial - Igor Robaina

Citation preview

  • XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPURMaio de 2011Rio de Janeiro - RJ - Brasil

    POLTICAS PBLICAS OU CONTROLE SCIO-TERRITORIAL: CONFLITOS E DISPUTAS EMTORNO DAS PRTICAS DA FUNDAO LEO XIII NAS FAVELAS CARIOCAS (1947-1962)

    Igor Martins Medeiros Robaina (UFRJ) - [email protected], Mestre em Histria Social e Doutorando em Geografia pela UFRJ. Atualmente professor Substituto naUFF, especificamente no Colgio Universitrio Geraldo Reis.

  • POLTICAS PBLICAS OU CONTROLE SCIO-TERRITORIAL: CONFLITOS E DISPUTAS EM TORNO DAS PRTICAS DA

    FUNDAO LEO XIII NAS FAVELAS CARIOCAS (1947-1962)

    Resumo: O presente trabalho busca compreender as causas para o surgimento da Fundao Leo XIII, criada no dia 22 de janeiro de 1947 e sendo efetivamente a primeira interveno em polticas pblicas direcionadas para atuar no interior das favelas e seus habitantes no Brasil. Contudo, os precedentes de sua formao, materializam-se num conjunto complexo de elementos que se desdobraram a partir de mobilizaes polticas de mltiplas ideologias, onde a favela acaba se tornando um espao de disputa e tenso entre os movimentos de esquerda, sobretudo, ancorado principalmente no Partido Comunista Brasileiro e de foras contrrias a este ativismo poltico-social, como foi o caso articulativo entre o Estado e a Igreja Catlica na unio da prpria instituio para promover um controle deste Perigo Vermelho no interior das favelas no Rio de Janeiro. Introduo

    Pensar o processo de formao histrico e espacial das favelas na cidade do

    Rio de Janeiro constitui-se num movimento complexo de compreenso das

    acumulaes de vulnerabilidades e precariedades scio-econmicas de determinados

    grupos junto ao espao geogrfico. Esses espaos produzidos atravs das mazelas de

    grupos historicamente marginalizados aos acessos e direitos cidade, a partir de um

    conjunto de elementos que restringiram a plenitude do urbano, principalmente, por

    conta dos hegemnicos interesses do capital, que desencadearam a produo de uma

    realidade conflituosa numa das mais importantes metrpoles Brasileira.

    No entanto, cabe ressaltar que esta prpria denominao e realidade scio-

    espacial, originada segundo alguns estudiosos1 no ltimo quarto do sculo dezenove,

    possui uma extraordinria histria, que dificilmente os numerosos estudos conseguiro

    contemplar em toda sua magnitude de manifestaes sociais, polticas, culturais e

    econmicas.

    Desse modo, faz-se necessrio a partir da permanente incompletude, propiciar

    continuidades analticas sobre este espao especfico e principalmente olhar para

  • trs, para o passado das favelas, e recuperar algumas de suas caractersticas e suas

    relaes com a cidade(SILVA, 2005, p.10).

    Assim, pensamos neste movimento como um instrumento fundamental para

    que possamos, enquanto sujeitos polticos, termos alguns elementos para agirmos em

    defesas das garantias dos direitos sociais e democrticos na produo do espao.

    Desse modo, pela complexidade do assunto, delimitaremos espao-

    temporalmente uma determinada realidade a respeito das favelas, identificando esses

    espaos como mais um componente indissociado da estrutura citadina, que passa

    tambm por permanentes processos de transformao na conformao do urbano em

    suas mltiplas esferas da sociedade2.

    De tal modo, buscamos analisar a favela, como um espao j constitudo, como

    um conjunto contraditrios de acrscimos imbricados na cidade pela ao de

    indivduos e grupos distintos scio-economicamente. Estas aes humanas

    intencionais, segundo Milton Santos (2004, p.82) so realizadas porque s ele tem

    objetivo, finalidade, e so basicamente sustentadas na realidade das necessidades

    sociais, ampliadas nas dimenses materiais, imateriais, econmicas, sociais,

    culturais, morais, afetivas3 e que levam os homens a agirem sobre o espao e

    produzi-lo subseqente num determinado momento que para um indivduo ou grupos

    especficos se fez extremamente imprescindvel e irremedivel.

    Dos Antecedentes ao Surgimento Da Fundao Leo XIII

    A Fundao Leo XIII foi criada na cidade do Rio de Janeiro, no dia 22 de

    Janeiro de 1947. Sua histria e principalmente sua atuao sistemtica no cenrio

    scio-poltico-espacial carioca se diferenciou talvez de todas as outras instituies de

    assistncia sociais do sculo XX, por ter sido a principal instituio assistencial no

    tocante das intervenes em melhorias s favelas na cidade do Rio de Janeiro e no

    Brasil.

    Suas aes assistenciais, no perodo de 1947 at 1964 foram marcadas por

    uma atuao em 33 favelas na cidade do Rio de Janeiro, e mesmo estas aes

    variando nos nveis de interveno, garantiram algumas necessidades sociais jamais

    proporcionadas anteriormente pelo Estado para com estes espaos, como as

    questes de educao, alimentao, sade, lazer, apoio jurdico e urbanidades.

    Contudo, cabe ressaltar, que sua histria tambm foi demarcada por inmeras

    tramas, onde por trs da grandeza e imponncia poltica e social de suas aes, vrios

    foram os conflitos, disputas e interesses. Neste complexo jogo de foras opostas no

    cenrio poltico espacial carioca, a Igreja Catlica, o Partido Comunista do Brasil e o

  • Estado se fizeram presentes junto as populaes no interior das favelas, articulando-

    se e/ou (des)mobilizando-se, numa clara e histrica disputa pelo poder e suas

    dimenses espaciais.

    Analisar os motivos que levaram o processo de formao da Fundao Leo

    XIII, , sobretudo, compreender articuladamente os processos de formao das

    favelas cariocas e principalmente suas transformaes espao-temporais na

    complexidade do urbano carioca.

    Os Discursos precedentes sobre as favelas na cidade do Rio de Janeiro

    Dada a constituio espacial das favelas, muitas foram as problemticas e as

    tenses vivenciadas pelos seus moradores. A forma material da paisagem e

    conseqentemente a precariedade scio-espacial, proporcionou em determinados

    grupos (no moradores das favelas) uma indesejabilidade frente esta nova realidade

    scio-espacial.

    Deste modo, os espaos das favelas foram bombardeados a partir de mltiplas

    direes, sendo ora pela invisibilizao dos problemas existentes, inclusive pelo

    prprio Estado, ora pela estigmatizao, especialmente nos discursos dos

    representantes polticos, dos grupos hegemnicos e/ou da prpria mdia, que

    reforavam as formas de violncia simblica sobre as favelas e seus habitantes.

    A respeito desta viso estereotipada e estigmatizada, Pelrman, a partir de suas

    anlises em direo de deteco dos discursos sobre as populaes faveladas,

    descreve:

    A favela uma aglomerao de vagabundos desempregados, mulheres e crianas abandonadas, ladres, bbados e prostitutas. Esses elementos marginais vivem em condies subumanas, sem gua encanada, esgoto, coleta de lixo, e outros servios urbanos bsicos, num ambiente sujo e insalubre. As favelas, feias como so, prejudicam o pitoresco panorama da cidade. Econmica e socialmente, constituem um dreno, um parasita, exigindo altos gastos em servios pblicos e dando pouca retribuio. Os favelados mantm-se -parte, no contribuem nem com aptides nem ao menos com poder aquisitivo para o bem geral, e so uma ameaa pblica. Ademais, as terras que ocupam so em geral muito valiosas, portanto, as favelas impedem que se lhes d uso mais lucrativo, alm de desvalorizarem as propriedades vizinhas.(PERLMAN, 2002, p.42)

    Alm de Janice Perlman, outro intelectual dos espaos da favela, foi Anthony

    Leeds, que promoveu uma srie de anlises a partir de lgicas discursivas de

    atribuies de descrditos que so associadas aos moradores das favelas, criando-se

  • determinaes explicativas metonimicamente, onde a representao de determinada

    realidade passaram a ser compreendida numa viso onde a parte acaba sendo

    utilizado como o todo, indiferente da proporo ou veracidade desta parte. A partir

    desta configurao sobre os moradores das favelas e os discursos proferidos sobre

    eles, Descreve o autor:

    Suas populaes se constituem, num dos extremos do mal, de assassinos, ladres, assaltantes, maconheiros e viciados em drogas; em um outro extremo do mal, de comunistas e outros tipos de ameaas em termos polticos e sociais; num terceiro e mais brando extremo, de pobres ignorantes, no educados, mal-adaptados, imigrantes rurais, caipiras; ou, no melhor dos extremos, de seres humanos razoveis, mas tristes e pobres, morando em cabanas, criando promiscuidade, um cncer social e urbanstico da cidade (LEEDS, 1978, p.146)

    Desta forma, tanto nas anlises de Perlman, quanto nas de Ledds, houveram

    registros dos discursos proferidos pelos grupos dominantes acerca dos espaos das

    favelas de maneira muito estigmatizada, que de certo modo, no era uma viso

    isolada, pois eram compactuadas tambm na prpria viso e gesto do Estado.

    Construdas contra todos os preceitos de Hygiene, sem canalizao dgua, sem exgoto, sem servio de limpeza pblica, sem ordem, com material heterclito, as favellas constituem um perigo permanente de incndio e infeces epidmicas para todos os bairros atravs dos quaes se infiltram. A sua lepra suja a vizinhana das praias e os bairros mais graciosamente dotados pela natureza, despe os morros do seu enfeite verdejante e corri at as margens da mata da encosta das serras . . . (a sua destruio importante) no s sob o ponto de vista da ordem social e da segurana, como sob o ponto de vista da hygiene geral da cidade, sem falar da esthtica (Prefeitura do Districto Federal, 1930, p.189-190.)

    Deste modo, em meio de tantas adversidades, tanto fsicas, materiais e

    objetivas, mas tambm na perspectiva psico-sociolgica, as favelas buscaram mnima

    e autonomamente resolver suas questes, sobretudo, por conta da descrena em

    relao ao Estado como protetor e mantenedor das condies bsicas e garantias

    sociais.

    Os Cenrios da transformao poltica no interior das favelas

    O cenrio poltico no interior das favelas passar por profundas

    transformaes, principalmente com o fim da ditadura Varguista, no ano de 1945,

    quando retornar a ordem democrtica do pas. Este novo perodo, garantir a

    liberdade para toda sociedade e todos os espaos sociais, inclusive para as favelas.

  • Assim, os movimentos sindicais, sociais, trabalhistas e os partidos polticos

    foram postos em liberdade e tiveram uma nova chance de florescer e disputar projetos

    de sociedade no campo poltico e social, tendo em vista o grande perodo de

    silenciamento frente a postura centralizadora e autoritria de Getlio Vargas.

    Neste novo cenrio poltico-social tambm emerge o Partido Comunista do

    Brasil4, no qual inicia um movimento de transformao e de auto-ressignificao de um

    partido de quadros para um partido de massas, aproximando-se assim, das questes

    polticas locais e seus respectivos problemas.

    diante destas questes que surgem os Comits Democrticos Populares5

    como um espao de construo de autonomia popular, funcionando no sentido de

    mobilizar as lutas pelos diretos e as garantias sociais, alm de ser um espao de

    conscientizao poltica.

    Sobre este respeito:

    Os Comits Democrticos Populares, que j se vo organizando por todo o pas, sero como que as clulas iniciais do grande organismo democrtico capaz de unir o nosso povo e de gui-lo no caminho da democracia e do progresso. Os Comits Populares falaro a voz do povo diro de sua vontade, suas reivindicaes imediatas e permitiro que se revelem os verdadeiros lderes populares, homens e mulheres, jovens e velhos, que falem a linguagem do povo e sejam de fato os melhores na defesa dos seus interesses e na luta pelos direitos do prprio povo. E por isso, nesses organismos ser relativamente fcil o desmascaramento dos agentes do fascismo, dos demagogos e desordeiros inimigos da unio e da democracia.(PRESTES, L,C. s/d. Discurso proferido no dia 15 de Julho de 1945, p.113-114)

    A proposta dos Comits Democrticos Populares se fazia com bases bastante

    vanguardistas e revolucionrias, pois caminhavam no sentido de proporcionar a

    presena e a integrao da populao no campo poltico, diferenciando-se das

    histricas e conservadoras manobras polticas de reproduo passiva, onde os

    sujeitos sociais nada eram alm de meros expectadores.

    Uma outra caracterstica sobre os Comits Democrticos Populares constitua

    na sua forma de organizao popular, pois mesmo sendo criado pelo Partido

    Comunista do Brasil num anseio pela democracia e autonomia dos sujeitos como

    cidados polticos, os seus fundamentos tericos, no deveriam estar atrelado a

    qualquer movimento poltico-partidrio, assim, fugindo a rtulos governistas ou

    oposicionistas, funcionando como uma estrutura neutra e unicamente direcionada

    para o progresso e para os interesses populares.

    Nesse sentido:

    O partido comunista, vanguarda esclarecida do proletariado, sempre marchou e marchar com o povo, e os comunistas participaro

  • ativamente da organizao e desenvolvimento de Comits democrticos populares dentro dos quais se sentiro felizes ao lado de todos os democratas no comunistas, quaisquer que sejam suas opinies polticas, filosficas e religiosas, dignas tdas do maior respeito, como deve ser no Brasil progressista e democrata a que desejamos chegar (discurso proferido por Luis Carlos Prestes no estdio de So Janurio, no dia 23 de maio de1945. In: VINHAS, p.107)

    De fato, vrios Comits Democrticos Populares surgiram pela cidade,

    especialmente nos espaos com maiores precarizaes, tendo em vista, a esperana

    dos prprios habitantes tentarem resolver as suas problemticas e promoverem as

    melhorias das suas condies de vida.

    Assim, os espaos das favelas tambm conquistariam progressivamente um

    corpo expressivo de autonomia poltica ao promover processualmente auto-

    intervenes scio-espaciais, seja atravs dos Comits Democrticos Populares ou de

    outras formas de organizao e ativismos populares que surgiam na cidade. Portanto,

    estes movimentos, a partir da prxis social, produziram um processo de

    reconhecimento de autoconscincia de suas realidades, suas causas e o desejo de

    transformao. Estas questes puderam ser claramente detectados sobre os mltiplos

    aspectos da realidade social nas reportagens do peridico, A Tribuna Popular6.

    Desse modo, as favelas ganhariam progressivamente um corpo expressivo de

    autonomia poltica e iniciando um processo de auto-interveno espacial dos seus

    prprios habitantes em relao as favelas para a melhoria do seu prprio e nico lugar

    disponvel, tendo em vista a grande precariedade existente. Estas favelas enquanto

    realidades scio-espaciais mantinham no seu interior uma gama de problemticas,

    que derivavam-se desde as condies materiais at as dimenses simblicas.

    Infra-estruturalmente, as favelas vivenciavam inmeras precariedades scio-

    habitacionais por carncias mltiplas, ou ausncias, que talvez fossem as principais

    caractersticas deste espao. Esta realidade pode ser constatada conforme a densa

    reportagem sobre o Morro da Liberdade, a partir das precariedades manifestadas nos

    discursos de sua prpria populao no peridico matutino A Tribuna Popular:

    Sobre as Habitaes:

    No habitamos casas: superlotamos barraces de madeira e lata, que, em geral, ns mesmos construmos com os materiais que podemos arranjar: Caixas, tbuas, pregos, telhas, zinco e barro, raramente tijolos. Nos barraces no h espaos, nem gua, nem luz, nem esgotos e portanto, podemos dizer sem exagero, no ha higiene, nem sade, nem ar!.(...) (TRIBUNA POPULAR, 10-08-1946, p.4)

  • Sobre as questes educacionais:

    (...) Nossas numerosas crianas ressentem-se grandemente da falta de uma escola no local, pois quase nunca podem freqentar as existentes nas proximidades ou so delas afastadas prematuramente pela necessidade de trabalhar e pela completa impossibilidade em que se encontram os pais de fornece-lhes uniformes, calados, livros, material escolar e merenda.(...) (TRIBUNA POPULAR, 10-08-1946, p.4)

    Sobre as necessidades de gua:

    A falta de gua um dos principais problemas aqui no parque. Raro o dia em que a bica atende o nosso apelo.(...) As mulheres ficam em posio de sentido com a lata dgua na cabea. A falta dgua aqui to grande que ns somos obrigados a lavar a nossa roupa dentro de um pequeno rio, cujas guas recebem a sujeira dos canos de descarga...(...) (TRIBUNA POPULAR, 27-09-1946, p.4)

    Sobre as questes de sade:

    A indigncia de assistncia mdica, dentria e hospitalar em que nos encontramos absoluta, carecemos de amparo moral para as gestantes; carecemos dos ensinamentos da profilaxia, da difuso das normas de higiene, dos servios de saneamento bsico local e principalmente, das condies materiais mnimas que possibilitem a aplicao dos princpios de uma medicina preventiva(...)(TRIBUNA POPULAR, 10-08-1946, p.4)

    A reportagem constata o nvel de precariedade scio-espacial enfrentada pelos

    habitantes das favelas cariocas e que conseqentemente no eram os nicos, pois

    outras inmeras problemticas incrementavam-se espacialmente sem que qualquer

    providncia fosse tomada pelo Estado.

    Contudo, esse processo de abandono vivenciado pelas favelas promoveria um

    novo tipo de movimento at ento inexistente, visto que junto ao processo de

    democratizao ocorreria tambm a expanso do Partido Comunista Brasileiro7 no

    cenrio poltico, assim como sua orientao em direo as classes populares e menos

    favorecidas para a construo de um partido de massas, sobretudo, a partir da

    atuao dos Comits Democrticos Populares8.

    Sobre este respeito:

    Os Comits Democrticos Populares, que j se vo organizando por todo o pas, sero como que as clulas iniciais do grande organismo democrtico capaz de unir o nosso povo e de gui-lo no caminho da democracia e do progresso. Os Comits Populares falaro a voz do povo diro de sua vontade, suas reivindicaes imediatas e permitiro que se revelem os verdadeiros lderes populares, homens e mulheres, jovens e velhos, que falem a linguagem do povo e sejam de fato os melhores na defesa dos seus interesses e na luta pelos direitos do

  • prprio povo. (PRESTES, L,C, s/d. Discurso proferido no dia 15 de Julho de 1945, p.113-114)

    Dessa forma, os Comits Democrticos populares atravs do dilogo e da

    participao autnoma da populao nas gestes polticas sobre as esferas locais no

    caso especifico do prprio espao da favela na figura de seus habitantes, acabavam

    por construir progressivamente uma autoconscientizao das problemticas sofridas e

    as possibilidades de atuao no sentido de propor solues para precariedades

    existentes no interior de suas prprias realidades scio-espaciais. Como foram os

    casos dos Comits democrticos nas favelas do Sampaio-Jacar e da Barreira do

    Vasco, nos quais foram reportados mais uma vez pelo peridico A Tribuna Popular:

    Os moradores do morro do Sampaio h anos vem lutando para conseguir a instalao de torneiras dgua no sop do morro, sem qualquer resultado. H cinco meses resolveram fundar a Unio Pr-melhoramentos do morro do Sampaio, para, juntos, trabalharem pelas reivindicaes de necessidades de mais imediata para a populao daquele morro. E dentre todas, sobrevalece a instalao de bicas onde pudesse o morador abastecer-se da gua indispensvel s suas necessidades e de suas famlias. Com a cooperao do Comit Democrtico progressista do Sampaio-Jacar, do qual se tornou sub-comit a Unio Pr-melhoramentos conseguiu domingo passado a sua primeira grande vitria; foram inauguradas duas bicas no sop do morro. Correram por conta dos moradores as dispensas do material e de instalao. Dando lhes assim uma significativa prova que quanto pode o povo unido e coeso. (TRIBUNA POPULAR, 25-10-1945, p.4.)

    E Ainda:

    Os habitantes do bairro proletrio padro da Barreira do Vasco vivenciaram um grande dia. Foram inauguradas em primeiro logar, os nomes das ruas do bairro, construdo em condies modestas, mas higinicas. Em seguida, teve logar a inaugurao da escola 13 de maio que ser orientada pelo guindasteiro Jos Cludio do Nascimento, operrio, que muito tem feito pela extino do analfabetismo nas favelas. (TRIBUNA POPULAR, p.4, 5-7-1945)

    Assim, os espaos das favelas acabou por agir sobre suas prprias bases para

    a garantia de condies sociais mais dignas nas quais estavam sobre os processos

    especficos de desfiliaes infra-estruturais do urbano, e mais, rompendo inclusive

    com a ordem preestabelecida, pois no seus habitantes no viam mais no Estado o

    instrumento legal que poderia propor a essas melhorias. Estas aes foram um

    resultado processual de auto-reconhecimento scio-espacial e de uma tomada de

    conscincia sobre as precariedades sofridas pelos prprios grupos.

    Conforme o discurso dos moradores Tarclia Martins, do morro do Capinzal e

    Joo Pereira, do Morro das Catacumbas ao peridico A Tribuna Popular:

    Temos aqui trs bicas. existia uma nica, mas ns fizemos arrecadao e conseguimos obter um dinheiro para botar mais duas.

  • Mas isso no nada. O que precisamos de casa. Estamos como bichos. O Sr. pode ver, famlias cheias de filhos vivendo num quarto. Ouvi dizer que o Partido Comunista tem um plano para isso. Eu s acredito nesse partido, se os candidatos forem eleitos, temos a certeza de que nesses terrenos abandonados a prefeitura construir casas para o povo. (TRIBUNA POPULAR, 17-11-1946, p.4) O povo do morro das catacumbas est bem esclarecido quanto aos candidatos que se apresentam (...) uns papagaios de promessas que no arranjaram nada. Surgiram de mos vazias e assim saram. Os problemas do povo j compreendemos, s podero ser resolvidos com trabalho e no com palavras. por causa disso que vamos votar nos candidatos comunistas, para que o conselho municipal de 1947 no seja nada parecido com o que foi outrora. (TRIBUNA POPULAR, , 27-12-1947, p.4)

    No entanto, esta articulao e, sobretudo, esta tomada de conscincia sobre as

    problemticas sofridas, o ausente papel do Estado e a nova dimenso da poltica,

    inclinada sobretudo, acerca do Partido Comunista Brasileiro e os espaos das favelas

    acabaria por desencadear futuramente uma articulao perigosa no entendimento das

    elites, ancorados atravs dos membros das elites inseridos no corpo do prprio Estado

    e na figura Igreja Catlica.

    Assim, como uma medida contencionista aos possveis riscos, ocorre uma

    reao articulada entre a Igreja catlica, na figura do Arcebispo do Rio Dom Jaime de

    Barros Cmara e o Estado, na figura do Prefeito Hildebrando Gis, sendo instituda em

    22 de janeiro de 1947 a ento Fundao Leo XIII, nome este para homenagear a

    figura pontifcia de Leo XIII, conhecido tambm como o Papa Anticomunista9. Desse

    modo, esta nova instituio dava indcios de sua verdadeira funcionalidade, mas

    justificava que estaria dimensionalizada para atender as favelas e seus habitantes das

    pssimas condies de vida. Conforme a reportagem do peridico O Globo:

    Instituda a Fundao Leo XIII

    O chefe do governo assinou decreto criando essa organizao de amparo s populaes dos morros e das favelas. O presidente da republica assinou um decreto instituindo uma fundao de assistncia social denominada LEO XIII. Nos considerando o decreto frisa o dever indeclinvel do governo em acudir as populaes localizadas nos morros e nas favelas cujas dificuldades topogrficas as privam dos servios assistenciais de que gozam outras zonas da capital federal. (...) (O Globo, 23-01-1947.p.6)

    As Aes Da Fundao Leo XIII No Interior Das Favelas

    O que, porm, o Estado e a sociedade no podem nem devem ignorar, essa condio de miserabilidade em que vive quase um tero da populao da nossa capital. Minorar-lhes os sofrimentos fsicos e morais, dar-lhes noes de higiene e educ-la para saber viver em

  • outro ambiente social, e ser til sociedade, eis o nosso principal escopo.(Provncia Eclesistica. 1948 p. 193)

    A Fundao Leo XIII significou o conjunto de suas aes no interior das

    favelas cariocas a partir dos Centros de Aes Sociais. Estes Centros se

    materializaram como os principais espaos de planejamento, organizao,

    administrao e principalmente, na realizao das atividades polticas e sociais no

    interior das favelas cariocas.

    Sobre os Centros de Aes Sociais e suas questes arquitetnicas, inmeras

    eram as dificuldades, tendo em vista a declividade topogrfica na maioria das favelas

    e as dificuldades na realizao nas obras de engenharia, pois necessitavam de obras

    infra-estruturais, como era o caso das construes de muros de arrimo, sistemas de

    bombas hidrulicas e encanamentos de gua para o deslocamento at o alto do

    morro. Por sua vez, sua constituio fsica era basicamente feita em madeira. A

    justificativa para que estes Centros fossem espaos pr-moldados e sua construo

    fosse em madeira e no em alvenaria era por conta de uma estratgia da prpria

    Fundao em poder esquivar-se das inmeras crticas relacionadas a um possvel

    papel de fixador das favelas no Rio de Janeiro.

    Em relao ao funcionamento dos Centros pela FLXIII, estes procediam da

    seguinte maneira: inicialmente se promovia um cadastro num centro de triagem, onde

    se analisava o perfil individual e familiar de todos os moradores das favelas assistidas,

    no qual posteriormente eram encaminhados se necessrio para os servios existentes

    pela Fundao nos prprios Centros de Aes Sociais.

    Sade

    A questo da sade, ou melhor, a falta dela no interior das favelas cariocas se

    constituiu concomitante com o prprio processo histrico carioca. Questes como a

    falta de saneamento bsico (gua tratada e encanada, sistemas de esgoto,

    pavimentao e coleta de lixo), a dificuldade do acesso e a ausncia de unidades de

    sade mdico-hospitalares, assim como questes da desnutrio infantil no eram

    desconhecidas pelos governantes e por isto foram os pontos fundamentais das

    respostas e das aes da Fundao Leo XIII atravs dos seus Centros de Aes

    Sociais. Nesses Centros foram implantados inmeros servios na esfera da sade,

    com a presena de profissionais especializados, como mdicos, farmacuticos,

    dentistas e dietistas10, que se encontravam presentes e que promoviam o atendimento

    das populaes nos morros e favelas assistidas pela Fundao.

  • Nas favelas onde trabalha a Fundao Leo XIII, h no Centro Social, um servio mdico cuja extenso varia com o tamanho da favela. No Cantagalo, o Centro tem dois mdicos, embora no muito assduos, uma enfermeira, de tempo integral, e 5 visitadoras. Os mdicos encaminham ao posto clnico geral e aos servios mdicos j articulados com a Fundao. O centro tem telefone e o servio equipado com uma padiola. Para os casos urgentes, chamam o pronto socorro do Miguel Couto. No So Carlos, para uma populao de 28.000 favelados, s h o centro da Fundao e, em caso de urgncia o pronto socorro do Hospital Souza Aguiar. Na Rocinha, o servio mdico tem lactrio e farmcia; possui dois clnicos, um pediatra, dois dentistas, duas enfermeiras, uma dietista, dois auxiliares de dentista e um responsvel pela farmcia. Esse servio mdico atende a mais ou menos 15.000 pessoas, correspondendo s 3.000 famlias matriculadas no Centro. (Relatrio SAGMACS, 1960, p.25)

    Um dos pontos chave da atuao Fundao Leo XIII em relao s aes

    sociais de sade era a preocupao com a faixa etria infantil. Esta questo se dava,

    sobretudo, por conta de que as crianas configuravam-se previamente como o grupo

    mais vulnervel e indefeso a todas as intempries existentes no interior das favelas e

    de suas condies precrias, assim como por conta de uma sensibilizao social,

    disseminada no seio da sociedade e pela prpria ideologia crist.

    Cada Centro de Ao Social possua ambulatrios que promoviam consultas,

    exames, pequenas cirurgias e atestados mdicos para os adultos das favelas. Alm

    dos atendimentos em escala local, nos casos que estivessem para alm das

    condies infra-estruturais dos prprios Centros, ocorriam encaminhamentos para

    internaes e cirurgias nos hospitais da rede pblica de sade, previamente

    estabelecidas por um acordo institucional.

    Por ltimo e no menos importante, o servio de sade da Fundao Leo XIII

    disponibilizava assistncia mdico-dentria, o que, para o perodo, constitua-se como

    um avano, visto que graves eram os problemas de sade bucal, inclusive no tocante

    ao prprio relatrio em relao a inmeros casos de abscessos dentrios. Deste

    modo, a Fundao promovia extraes, obturaes, alm de programas de higiene

    dentria.

    Assim, as aes mdicas no interior das favelas configuraram-se de maneira

    significativa, tanto do ponto de vista qualitativo como do ponto de vista quantitativo,

    visto que, segundo os dados estatsticos da Fundao Leo XIII, no perodo

    compreendido entre 1947 e 1954, por exemplo, foram atendidos 1.486.018 pessoas

    nos servios mdicos e distribudas 4.782.924 de mamadeiras nos lactrios. Deste

    modo, podemos afirmar que aes da Fundao promoveram significativamente uma

    melhoria nas condies de vida nos aspectos de sade das populaes moradoras

    dos morros e favelas assistidas.

  • Educao

    Pois estamos certos de que o problema da favela eminentemente o problema da falta de educao. Doenas, analfabetismo, ideologias exticas, crimes, contravenes, prostituies, etc., so males de um povo que vem vivendo, anos a fio, sem o benefcio de uma palavra esclarecedora e amiga, que s a escola, na sua mais alta concepo, pode dar (Morros e Favelas Como trabalha a Fundao Leo XIII: Notas e relatrios de 1947 a 1954. 1955, p.31)

    A questo educacional para Fundao Leo XIII compreendia como a principal

    forma para resoluo dos problemas nas favelas cariocas. Sua concepo de

    educao consistia numa dimenso para alm da formalidade escolar, ou seja, uma

    compreenso complexa e articulada, direcionando amplamente para questes de uma

    educao do ponto de vista da moral e dos bons costumes, fsica e recreativa, e

    tambm uma configurao imprescindvel da educao religiosa. A grande proposta

    da Fundao Leo XIII enquadrava-se principalmente com a educao infantil, pois

    segundo seus pressupostos, somente pelas novas geraes era possvel resolver os

    problemas das favelas e assim todas as aes eram inicialmente projetadas para a

    assistncia social das crianas e jovens. Os espaos educacionais da Fundao

    estavam localizados nos prprios Centros de Aes Sociais e eram basicamente

    divididos em Escola maternal, para crianas de 2 a 4 anos; Jardim de Infncia, para

    crianas de 4 a 7 anos e Ensino Primrio, curso diurno para menores de 7 a 14 anos.

    A Fundao Leo XIII atravs de unidades escolares nos Centros de Aes

    sociais buscou garantir todos os meios de condies e acesso ao direito educao

    nas favelas, alm de tentar estabelecer uma certa qualidade ou ao menos uma relao

    de equiparidade educacional para com as populaes das favelas, pois o projeto

    educacional desenvolvido nos seus centros seguia de maneira prescritiva o modelo

    desenvolvido pela Prefeitura do Distrito Federal, com o qual a Fundao se orgulhava

    em colaborar.1 Outro ponto importante para o modelo desenvolvido pela Fundao

    estava na questo da alimentao, na figura da merenda escolar.

    Os alunos se aglomeram em torno da professora que segura o bujo. A distribuio farta. os recipientes variam de tamanho: copos pequeninos, xcaras maiores, medidas de meio litro e at litro. Encontram-se por perto algumas mes, ficam paradas, sem dizer nada, assistido cena e algumas esperando pela sobra dos bujes. A professora usa uma canequinha de alumnio que serve de medida para poder fazer uma distribuio mais justa. Para cada criana um copo normal, que equivale a 250 grs. Se querem mais, repetem. quando sobra leite, este distribudo entre as mes que ficam em torno olhando o bujo. (Relatrio SAGMACS, 1960, p.29)

    Alm da educao bsica de alfabetizao, a Fundao tambm promovia,

    enquanto complementaridade, a educao profissional, denominada de ensino

  • artesanal. Estas aulas funcionavam dentro dos prprios Centros e possuam oficinas

    de tecelagem, calado, madeira, cermica, estofamento, encadernao e de outras

    atividades leves, adequadas idade escolar11, sobretudo, para um encaminhamento

    da qualificao e o aprendizado para uma insero estvel no mercado de trabalho.

    Neste sentido, o relatrio SAGMACS fez uma extensa observao a respeito dessas

    atividades no desenvolvimento dos trabalhos da Fundao Leo XIII:

    Um dos problemas mais graves da favela o encaminhamento dos menores na vida pelo aprendizado de uma profisso. A fundao Leo XIII mantm, em algumas favelas, escolas artesanais que visam a suprir essa deficincia. Tratando-se de importante experincia pedaggica, pareceu-nos interessante conhecer, pelo menos atravs de uma unidade, a maneira como est sendo feita. Na Barreira do Vasco, o Centro Social da Fundao mantm uma escola artesanal deste tipo para meninos e meninas.(...) A escola atende a duas turmas: a da manh, que funciona das oito s doze horas com um intervalo de meia hora, s dez, e a da tarde, que funciona das 13 s 17 horas, com um intervalo s 15.(...) O tempo mdio de permanncia na escola de um a dois anos. (...)1(Relatrio SAGMACS, 1960, p.30)

    Outra prtica recorrente da Fundao Leo XIII era a educao fsica e

    recreativa, a qual seria um canal de sociabilidade, ou seja, um meio de distrair

    educando12. Para isto, a Fundao organizava inmeros eventos esportivos nos

    prprios centros, alm de ser anualmente organizadas as Olimpadas da Fundao

    Leo XIII, em que todas as favelas assistidas pela instituio disputavam entre si uma

    taa com o nome da instituio:

    A Olimpada Esportiva uma festa eminentemente popular que congrega, numa convivncia sadia, dirigentes e assistidos da Fundao Leo XIII. A esta festa, que geralmente se tem realizado em campo esportivo cedido amigvelmente (j utilizamos o campo do Fluminense, do Vasco da Gama, o do Corpo de Obuses e o da Light) tm comparecido todos os Centros Sociais e Agncias, com Flmulas, estandartes, bandeiras, numa demonstrao pblica do alto nvel cvico e educacional j atingido pelos moradores de favelas assistidas pela Fundao Leo XIII. Todo o conjunto desfila, garbosamente, ao som de uma marcha, sob os aplausos calorosos dos que assistem, inclusive o Sr. Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro. (Morros e Favelas Como trabalha a Fundao Leo XIII: Notas e relatrios de 1947 a 1954. 1955, p.49)

    Urbanidades

    Uma outra preocupao da Fundao Leo XIII em relao as questes sociais

    balizava-se nos servios de melhoria urbana. O processo de urbanizao se constitua

    como um elemento fundamental em direo ao interior das favelas, visto que esta

  • orientao era parte integrante da poltica de insero aos acessos e na

    transformao das favelas em espaos mais humanos, e para isto, fazia-se necessrio

    promover condies mnimas de sobrevivncia para com as populaes, colocando-as

    em condies infra-estruturais como as existentes em outras reas da cidade.

    O desdobramento poltico no plano urbanstico da Fundao Leo XIII balizou-

    se atravs de duas propostas para a resoluo dos processos de favelizao. A

    primeira delas e que, conseqentemente, se tornou hegemnica, consistia num plano

    de desenvolvimento urbano local (infra-estrutural), promovendo melhorias nas favelas

    de maneira gradual e possuindo a conscincia da necessidade de um longo perodo

    de trabalho. A segunda vertente desdobrava-se na possibilidade da promoo de

    projetos para alm dos espaos das favelas, como a construo de conjuntos

    residenciais, articulados com rgos governamentais, como a Fundao Casa Popular

    e at mesmo por iniciativa de classes, como os Institutos de Assistncias e Penses.

    Dessa forma, por meio principalmente das aes buscava-se resolver o

    problema da favelizao atravs das melhorias que acabavam conflituando com o

    prprio Estado e grupos hegemnico, tendo em vista que a Fundao Leo XIII

    possua seus pressupostos ideolgicos marcados pelo anti-remocionismo.

    Desta forma, estas condies de defesa aos espaos das favelas eram

    somente contrariadas quando existia em andamento um processo de complementao

    da poltica da ao social catlica ou quando o peso das presses dos capitais

    imobilirios, especulativos e da interveno do Estado e/ou dos grupos hegemnicos

    se fazia presente e irreversvel:

    No adiantam certas solues simplistas, daqueles que julgam que s se podem acabar com as favelas do Rio de Janeiro, enviando-se todos os favelados para o campo, nem muito menos podem ser levados em considerao as opinies dos que se referem s famlias que a desgraa levou para a vida miservel dos barracos dos nossos morros, subestimando o seu valor humano e sua condio crist de irmos nossos que devemos amar, de sade, educao, casos sociais, problemas de famlia (registro dos filhos, casamento, etc.) (Morros e Favelas Como trabalha a Fundao Leo XIII: Notas e relatrios de 1947 a 1954. 1955, p.7)

    Deste modo, inmeras aes para melhorias nos planos urbansticos foram

    desenvolvidas, sobretudo, na esfera do saneamento bsico. Esta questo,

    historicamente presente na cidade do Rio de Janeiro, foi extremamente

    problematizada pela prpria Fundao, pois para ela, as precariedades se

    caracterizavam como um verdadeiro entrave para a humanizao e desenvolvimento

    das favelas, alm do fato de que articulavam desde dimenses estticas, funcionais e,

  • principalmente, questes relacionadas sade. Segundo a prpria Fundao Leo

    XIII:

    A falta permanente de gua, e a falta de escoamento apropriado para as guas pluviais, e os despejos domsticos de tda espcie, criam em trno das casas uma situao verdadeiramente insuportvel e, na favela, um ambiente pestilencial difcil de ser descrito (Morros e Favelas Como trabalha a Fundao Leo XIII: Notas e relatrios de 1947 a 1954. 1955, p.25)

    Consideraes Finais: As Consequncias Das Aes Da Fundao Leo

    XIII

    Ao longo deste trabalho, buscou-se analisar e compreender a complexidade

    processual dos motivos que desencadearam a criao da Fundao Leo XIII, bem

    como as aes que tal instituio promoveu no interior das favelas na perspectiva

    de um ordenamento scio-espacial e de suas consequncias do ponto de vista

    poltico-espacial e das mobilizaes e organizaes sociais. Destaquemos

    sinteticamente alguns aspectos da reflexo empreendida e suas concluses.

    Como dito anteriormente, a Fundao Leo XIII, no perodo compreendido

    entre 1947 e 1962, sob orientao e gesto da Igreja Catlica sobretudo nas figuras

    de Dom Jaime Barros de Cmara prestou assistncia a 33 favelas no Rio de

    Janeiro, atravs dos Centros de Ao Social, onde servios de sade, educao,

    alimentao, apoio jurdico e processos de urbanizao e urbanidades se fizeram

    presentes.

    Estes servios, de fato, promoveram melhorias e avanos significativos nas

    condies de vida das populaes dos morros e favelas, antes abandonadas scio-

    historicamente. No entanto, o presente trabalho aponta que, concomitantemente s

    melhorias proporcionadas pelas aes da Fundao Leo XIII, funcionaram

    estrategicamente, sob os auspcios da Fundao, diversos dispositivos de anulao

    dos ativismos polticos e sociais libertrios como foi o caso dos Comits

    Democrticos Populares e de outras formas de organizao que floresciam no interior

    das favelas. Tais movimentos eram inseridos em uma poltica de ruptura poltica por

    fora de uma lgica proposta ou imposta pelo Partido Comunista do Brasil, dentre

    outros agentes, e foram combatidos permanentemente no campo poltico.

    De fato, A fundao Leo XIII possuiu um importante destaque no processo

    Scio-Histrico-Espacial carioca no perodo especfico da anlise, onde diante de suas

  • aes, orientadas pelas foras hegemnicas modificou a realidade de milhares de

    pessoas na cidade do Rio de Janeiro.

    Contudo, em meio a todo um conjunto de transformaes nos espaos das

    favelas e diante das condies adversas, sendo elas materiais ou polticas, seus

    moradores jamais se calaram ou imobilizaram. Exercendo sempre um forte papel na

    produo do espao.

    Bibliografia

    ABREU, M, A. A evoluo urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO/Zahar, 1987.

    _____. Da habitao ao hbitat: a questo da habitao popular no Rio de Janeiro e sua Evoluo. Revista Rio de Janeiro, n. 10, Maio-agosto 2003.

    ALVITO, M (Org) ; ZALUAR, A (Org.). Um sculo de Favelas. 5 edio. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1998.

    BURGOS, M. Dos Parques Proletrios ao Favela-Bairro: as polticas pblicas nas favelas do Rio de Janeiro. In: Um Sculo de Favelas. ALVITO, M (Org) ; ZALUAR, A (Org). Um sculo de Favelas. 5. ed. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1998.

    CAMPOS, Andrelino. Do quilombo favela: A produo do espao criminalizado no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

    CASTEL, R. As Metamorfoses da questo social: uma crnica do salrio. Petrpolis, Editora vozes, 1998

    ______. A Dinmica dos Processos de Marginalizao: da Vulnerabilidade a Desfiliao. Caderno CRH, Salvador, n.26/27, p.19-40, Jan./Dez. 1997.

    CHILCOTE, R, H. Partido Comunista Brasileiro: Conflito e Integrao 1922-1972. Editora Graal. 1982.

    HAESBAERT, R. O mito da desterritorializao: do fim dos Territrios multiterritorialidade. Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil, 2004.

    FUNDAO LEO XIII FAVELAS: UM COMPROMISSO QUE VAMOS RESGATAR, 1962.

    HARVEY, D. Planeta Favela. So Paulo. Editora Boitempo. 2006.

    KOWARICK, L. A espoliao urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1979.

    MORROS E FAVELAS: COMO TRABALHA A FUNDAO LEO XIII NOTAS E RELATRIOS DE 1947 A 1954. Rio de Janeiro: Imprensa Naval, 1955.

    MOURA, V, T. Favelas do Distrito Federal. In: Aspectos do Distrito Federal. Grfica Sauer. Rio de Janeiro, 1943.

    PARISSE, L. Favelas do Rio de Janeiro: Evoluo Sentido. Caderno do CENPHA n5. 1969.

    PEREIRA, M, L,S. Favelas Cariocas: 1930:1964. Rio de Janeiro. Contraponto. 2005.

  • PERLMAN, J, E. O mito da marginalidade: favelas e polticas no Rio de Janeiro. So Paulo. Editora paz e terra. 2002.

    PINHEIRO, M, C, O. O PCB e os comits populares democrticos na cidade do Rio de Janeiro (1945-1947). Dissertao de Mestrado em Histria Comparada pela UFRJ. 2007.

    PRESTES, L, C. Problemas atuais da democracia. Rio de Janeiro-vitria, s/d. (Organizar o Povo Para a Democracia- Discurso proferido no dia 15 de julho de 1945). P.113-114.

    SAGMACS. Aspectos humanos da favela carioca: Estudo scio-econmico. So Paulo: O estado de So Paulo, 1960.

    SANTOS, M. A natureza do espao: tcnica e tempo, razo e emoo. So Paulo. Edusp. 2004.

    SILVA, M, L, P. Favelas Cariocas: 1930-1964. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

    VALLA, V,V. Educao e Favela: Polticas para as Favelas do Rio de Janeiro, 1940-1985.

    VINHAS, M. O Partido: a luta por um partido de massas 1922-1975. Editora Hucitec, So Paulo, 1982

    WOOD, E, M. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro, Jorge

    1 Destacam-se em nossos referenciais a Presena de ABREU, M; VALLADARES, L; LEEDS, A e VALLA,V. 2 O presente trabalho caminha no sentido de analisar os motivos que desencadearam a criao da Fundao Leo XIII na cidade do Rio de Janeiro, at ento Distrito Federal, enquanto uma das mais importantes instituies de assistncia social do Estado historicamente, at os dias atuais. A base analtica configura-se em compreender sua atuao relacionada estreitamente com os espaos das favelas, sua organizao poltica e social, assim como as questes com o comunismo, o Estado e a Igreja Catlica. 3 SANTOS, M, Natureza do Espao p.82

    4 O Partido Comunista Brasileiro surge no dia 25 de maro de 1922.

    5 Os Comits Democrticos Populares organizavam-se praticamente em duas vertentes: A primeira estava no campo das lutas trabalhistas, sobretudo nas bases espaciais das fbricas, sindicatos e outros setores laborais. A segunda mantinha uma relao espacial com o lugar, ou seja, na dimenso dos bairros, sendo eles principalmente localizados em espaos que apresentavam precarizaes infra-estruturais do urbano, como as favelas ou reas localizadas nos subrbios.

    6 Cabe ressaltar que, o Tribuna Popular acabou sendo funcionalizado como um instrumento de propagao dos ideais do Partido Comunista Brasileiro e de visibilizao e dilogo junto com as classes populares. Sua escalaridade alcanou o nvel nacional, com uma tiragem de 50.000 exemplares. Do ponto de vista das classes populares, estendeu-se desde as populaes precarizadas nos campos e subrbios, at as das reas favelizadas, nos quais explanavam seus problemas, reivindicaes e vitrias atravs dos Comits Democrticos populares ou outros espaos populares.

    7 O PCB acabou se configurando como uma presena efetiva na vida poltica do cenrio brasileiro e carioca posteriormente a eleio de 1945, onde o partido recebeu 9 % do total de votos e elegeu quatorze deputados e um senador pelo Distrito Federal. A representao mxima do PCB, Luiz Carlos Prestes. 8 Os Comits Democrticos Populares organizavam-se praticamente em duas vertentes: a primeira estava no campo das lutas trabalhistas, sobretudo nas bases espaciais das fbricas, sindicatos e outros setores

  • laborais. A segunda mantinha uma relao espacial com o lugar, ou seja, na dimenso dos bairros, sendo eles principalmente localizados em favelas, bairros com precarizaes infra-estruturais do urbano ou os localizados no subrbios 9 Esta caracterizao consolidou-se principalmente pela produo da encclica Rerum Novarum (1891), no qual o ento Papa, refletia sobre as pssimas condies do operariado e conseqentemente promovia um ataque ideolgico aos comunistas e suas prticas, sobretudo, as balizadas na violncia. 10 O que seria denominado atualmente como o profissional do campo da nutrio.

    11 Existiam tambm outros modelos de educao profissionalizantes propostos pela Fundao, como era o caso dos cursos de cozinha, domsticas, enfermeiras e corte e costura, todos destinados pra o sexo feminino.

    12 Morros e Favelas Como trabalha a Fundao Leo XIII: Notas e relatrios de 1947 a 1954. p.67, p.33. Segundo a Fundao Leo XIII, estas prticas ajudavam no esprito da disciplina, respeito e lealdade nas populaes das favelas, ou seja, questes de bons costumes