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UNIBH - CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE CLARISSA MARQUES SANTOS FAVELA CHIC: um vetor de cultura brasileira Belo Horizonte 2014

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UNIBH - CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

CLARISSA MARQUES SANTOS

FAVELA CHIC:

um vetor de cultura brasileira

Belo Horizonte

2014

CLARISSA MARQUES SANTOS

FAVELA CHIC:

um vetor de cultura brasileira

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do titulo de Bacharel em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Leandro de Alencar Rangel

Belo Horizonte

2014

Dedico este trabalho a todas as pessoas que consideram o ser humano um grande mistério, uma fonte infinita de inspiração e aprendizado em todos os dias de nossa vida.

Agradeço a Pacha Mama que com sua força inspira-me em todos os dias de vida e continuará promovendo minha intuição diariamente.

À minha mãe, por seu incondicional amor, que com sua doce insistência me levou a encontrar o meu melhor.

Ao papai, por saber o momento certo de soltar minha mão para minha caminhada solo.

Ao Léo pela fé e paciência: La dulzura puede cambiar el mundo. Obrigada pela inspiração.

À Jerome Pigeon, por responder aos meus e-mails.

Ao meu orientador Leandro Rangel, pela oportunidade neste trabalho. Seu apoio foi fundamental para que eu levasse adiante esta idéia.

À Professora Marinana Barros, por seu trabalho exemplar na doação de seu conhecimento.

A todos aqueles que não nominei, mas que sabem de sua importância em minha vida.

“A cultura não é uma prática, nem simplesmente a descrição da soma dos hábitos e costumes de uma sociedade. Passa por todas as práticas sociais e é a soma de suas inter-relações.”

(STUART HALL)

RESUMO

O fenômeno da Globalização trouxe ao indivíduo uma quantidade de escolhas

infinita, na construção de sua identidade. Não existe mais uma forma única para

conceber o “eu” por si só. Agora, a formação das identidades passa pela matriz

cultural individual até chegar na relação com o “outro”. Essa construção é

influenciada por fatores que fazem parte de sua vida cotidiana como música,

gastronomia e arte. Consciente ou inconscientemente essa construção é feita e o

resultado é um indivíduo cada vez mais culturalmente diverso. O projeto Favela Chic

foi estudado sob este prima. Este trabalho busca expor a idéia de identidade e

cultura como uma necessidade do ser humano, num caminho onde suas

experiências o podem levar à consciência de si e o tornar mais plural, menos fixo.

Palavras-chave: Globalização, Cultura, Identidade, Favela Chic

ABSTRACT

The phenomenon of globalization has brought the individual an infinite amount

of choices in the construction of their identity. Does not exists a unique way to

conceive the "I" itself. Now the formation of identities involves the individual's cultural

matrix to get the relationship with the "other." This construction is influenced by

factors that are part of your everyday life as music, food and art. Consciously or

unconsciously this construction is done and the result is an increasingly culturally

diverse individual. Favela Chic work was studied in this material.

This work seeks to expose the idea of identity and culture as a human necessity in

the way in which their experiences can lead to self-consciousness and become more

pluralistic, less fixed.

Keywords: Globalization, Culture, Identity, Favela Chic

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1- Estatística de solicitações de refúgio no Brasil entre 2010 e 2012........25 Figura 1 – Logo do Favela Chic......................................................................26 Figura 2 – Rosane Mazzer..............................................................................27 Figura 3 – Jerome Pigeon...............................................................................27 Figura 4 – Entrada do Favela Chic London.....................................................29 Figura 5 – Entrada do Favela Chic Paris.........................................................29 Figura 6 – Cardápio (Foods)...........................................................................30 Figura 7 – Cardápio (Drinks)...........................................................................30 Figura 8 – Restaurante do Favela Chic Paris..................................................31 Figura 9 – Bar do Favela Chic Paris................................................................31 Figura 10 – Capa do primeiro disco........................................................................32 Figura 11 – Foto institucional do Favela Chic.................................................37 Figura 12 – Novo Logo do Favela Chic...........................................................38

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

2 CULTURA E IDENTIDADE .................................................................................... 12

3 MODERNIDADE GLOBALIZANTE......................................................................... 14

4 A FORMAÇÃO DA CULTURA E IDENTIDADE BRASILEIRAS ............................. 18

5 DESLOCAMENTOS E FLUXOS MIGRATÓRIOS .................................................. 23

6 FAVELA CHIC ........................................................................................................ 26

7 DESCRIÇÃO FÍSICA DO ESPAÇO ....................................................................... 29

8 POSTONOVE ......................................................................................................... 31

9 CULTURA, IDENTIDADE & GLOBALIZAÇÃO ....................................................... 33

10 FAVELA CHIC E A IDENTIDADE CULTURAL ..................................................... 35

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 39

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 40

1 INTRODUÇÃO

Este projeto tem por objetivo analisar o movimento Favela Chic, um projeto

idealizado por uma brasileira radicada em Paris com o objetivo de tentar modificar a

imagem que os amigos tinham do Brasil, ela percebia em seu cotidiano que era

possível disseminar a cultura brasileira naquele país à sua maneira. Este estudo

busca compreender como esse movimento cultural iniciado num pequeno

estabelecimento na França ultrapassou fronteiras estrangeiras, chegando a se tornar

uma referência nas áreas das artes e da música.

O trabalho pretende questionar como a iniciativa de um grupo ou indivíduo

levou à disseminação de uma forma de identidade brasileira fora do Brasil, e ainda,

com quais ferramentas esse feito foi possível através da utilização de linguagens

como arte, música e culinária. Discussões acerca do conceito de identidade se

tornam fundamentais para compreender a disseminação da cultura na sociedade

contemporânea e, ainda, o diálogo com a idéia de encurtamento de espaços entre

os indivíduos do século XXI, serão importantes para compreender a cultura como

agente modelador da identidade. No caso estudado, a cultura doméstica se

estabelece fora do país através de um movimento de expansão cultural, onde o

limite territorial acaba se tornando ilimitado sob a ótica do conceito da globalização

que facilita esse movimento. A identidade cultural já não é mais exclusividade de

uma sociedade de um dado território, a movimentação cultural, quer seja através da

música ou da arte, é universal, extrapolando a regra da formatação da identidade

somente pelo fator territorial.

As transformações ocorridas nos últimos vinte anos sugerem, segundo Hall,

que a sociedade está cada vez mais exposta e ao mesmo tempo mais aberta a

novas experiências com o outro mundo. Tal fato permite esse intercâmbio do

indivíduo moderno, que transita livremente por diversos países e culturas mesmo

que ainda utilizando a rede mundial de computadores ou os mais recentes canais de

comunicação contemporâneos.

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A identidade cultural e a globalização são pontos que denominam o marco

teórico do presente estudo. A globalização atua através de processos de escala

internacional, onde fronteiras nacionais são transpostas, num movimento de

integração, que leva à conexão de indivíduos e comunidades, trazendo uma nova

concepção de tempo e espaço para estas relações, tornando-as mais

interconectadas conforme (HALL, 2006).

O objeto Favela Chic será analisado por meio de fatores que possam

esclarecer como, através do posicionamento de um pequeno grupo de pessoas com

valores e idéias comuns, a cultura brasileira é acessada por pessoas que nunca

visitaram o Brasil. O Favela Chic, ao utilizar-se de música, artes, culinária e cultura

brasileira para expressar sua percepção do Brasil, acaba por apresentar aos outros

uma forma de pensar e se identificar o país.

Assim, pergunta-se: o contato de indivíduos a essa experiência, é suficiente

para que este indivíduo possa compreender alguns símbolos da cultura brasileira?

Existe, de fato, uma expressão da cultura brasileira nas atividades do Favela Chic?

Além, este movimento gera impacto na sociedade internacional de alguma forma? A

maneira com que um grupo de pessoas transmite suas idéias, seus princípios, é um

elemento importante para compreender os caminhos que são utilizados para tal

transmissão.

Uma das hipóteses deste trabalho está baseada na assimilação do fenômeno

da globalização como um ator importante na questão da disseminação de culturas.

O trabalho pretende expor os conceitos de identidade cultural e globalização como

base para se entender a expansão de idéias, valores e suas representações na

comunidade internacional. Levando-se em conta a relação entre comunicação e

visão de mundo, a linguagem é tida neste trabalho como uma ferramenta principal,

utilizada pelo ser moderno para definição de sua percepção de mundo. Uma outra

hipótese que norteia este estudo é, no mundo moderno, as conexões culturais entre

os seres sociais se ampliaram e geram, cada vez mais, impactos nas identidades.

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2 CULTURA E IDENTIDADE

Em face do problema proposto no presente estudo, é indispensável a

discussão acerca dos conceitos de cultura, tanto no âmbito geral, quanto nos

âmbitos das áreas de conhecimento pertinentes ao tema. Etimologicamente a

palavra cultura vem da expressão latina colere, que significa o cultivo da terra.

Dentre os diversos significados do verbete cultura, pode-se ressaltar os trazidos pelo

Dicionário de Sociologia:

Cultura é o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família. Juntamente com estrutura social, população e ecologia, constitui um dos principais elementos de todos os sistemas sociais e é conceito fundamental na definição da perspectiva sociológica. A cultura possui aspectos materiais e não materiais. A cultura material inclui tudo que é feito, modelado ou transformado como parte da vida social coletiva, da preparação do alimento à produção de aço e computadores, passando pelo paisagismo que produz os jardins do campo inglês. A cultura não-material inclui símbolos - de palavras à notação musical -, bem como as idéias que modelam e informam a vida de seres humanos em relações recíprocas e os sistemas sociais dos quais participam. As mais importantes dessas idéias são as atitudes, crenças, valores e normas (JOHNSON, 1995, p.59).

Nos séculos XVI e XVII, na Itália, França e Inglaterra, a palavra cultura era

utilizada para significar o cultivo e o aperfeiçoamento de algo, referia-se tanto ao

solo quanto à literatura. Somente no século XVIII o termo cultura passa a ser

empregado quase que exclusivamente em relação à vida espiritual do homem, tendo

a arte, a filosofia, a literatura e a ciência como setores da cultura (BRANDÃO e

DUARTE, 2004).

Não se pretende aqui, apontar uma definição exata para cultura, haja vista

que se trata de um tema amplamente discutido em todo mundo, com as mais

diversas definições. Na definição de Darcy Ribeiro:

Cultura é a herança social de uma comunidade humana, representada pelo acervo co-participado de modos padronizados de adaptação à natureza para o provimento da subsistência, de normas e instituições reguladoras das relações sociais e de corpos de saber, de valores e de crenças com que seus membros explicam sua experiência, exprimem sua criatividade artística e a motivam para a ação. Assim concebida, a cultura é uma ordem particular de fenômenos que tem de característico sua natureza de réplica conceitual da realidade, transmissível simbolicamente de geração a geração, na forma de uma tradição que provê modos de existência, formas

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de organização e meios de expressão a uma comunidade humana (RIBEIRO, 1985, p.127).

A cultura diferencia os povos e nações de outros, esse mecanismo faz com

que sejamos diferenciados uns dos outros, que sejamos autênticos, pois somos

produto do meio e produtos para o meio. Dessa forma pode-se dizer que existe um

processo de pertencimento coletivo e não individual em nossas relações sociais,

sem isenção à mudanças e evoluções. Verifica-se também, um ângulo de

abordagem que traz o homem como produto e produtor da cultura, tendo como

elemento central, o indivíduo se inter-relacionando com seus pares, mas mesmo

assim, nunca podendo dentro desta definição, ser observado como uma

individualidade produtora de hábitos e costumes, como apontam Antônio Carlos

Brandão e Milton Fernandes Duarte:

O ser humano distingue-se dos outros animais pela capacidade de criar, de pensar, ordenar seus pensamentos e suas ações, projetar no futuro essas ações e, acima de tudo, transmitir suas experiências às gerações futuras. Todo esse conhecimento e essa criação humana recebem o nome de “cultura”. A cultura surge das relações que os seres humanos travam entre si e com o meio em que vivem, em busca da própria sobrevivência. É um produto do trabalho do homem e de tal forma inerente à sua vida, que podemos afirmar que não existe ser humano sem cultura, nem que todo ser humano é produto de sua cultura (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.10).

Pode-se pensar a cultura como uma construção feita por grupos humanos,

anterior a cada um de nós, e por esse prisma, é possível ter um espectro de amplo

alcance para uma definição do papel da cultura para a sociedade. Faz-se

interessante, portanto, perceber que a cultura torna-se um símbolo importante para

se definir a identidade:

Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes (GIDDENS, 1990, p. 37-8).

Complementando tal conceito, e abordando também com propriedade a

função da cultura para a sociedade, o conceito de Lèvi Strauss acrescenta:

Toda cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos. No primeiro plano destes sistemas colocam-se a linguagem, as

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regras matrimoniais, as relações econômicas, a arte, a ciência, a religião. Todos estes sistemas buscam exprimir certos aspectos da realidade física e da realidade social, e mais ainda, as relações que estes dois tipos de realidade estabelecem entre si e que os próprios sistemas simbólicos estabelecem uns com os outros (STRAUSS, 1950 apud CUCHE 2002, p. 95).

Portanto, a cultura poder ser considerada como um veículo para a formatação

das identidades dos seres humanos, no meio em que estes estão inseridos. As

identidades culturais constituem-se de elementos ligados à cultura racial e étnica,

levando os indivíduos a satisfazerem uma necessidade vital do ser humano de

pertencimento a algo em alguma estância.

Como homem pós-moderno não tem uma identidade fixa ou permanente, ele

pode assumir diferentes identidades em momentos diferentes. Segundo Hall:

Isto ocorre porque um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas, fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que antes propiciavam sólidas localizações aos indivíduos. (HALL, 2006, p.9)

Desta maneira é possível afirmar que o indivíduo manipula e é manipulado

por sistemas que caracterizam sua identificação na sociedade em que vive.

3 MODERNIDADE GLOBALIZANTE

A história aponta as relações de interdependência entre as sociedades

através dos tempos. A troca de valores e costumes sempre permeou a formação dos

povos, ou seja, de formas diversas, sempre houveram influências internas e

externas nas formações culturais. Pensando-se na contemporaneidade, também não

é possível dissociar uma certa cultura da cultura global, atualmente, a miscigenação

de culturas é a concepção considerada normal pela sociedade. Hoje é natural que

um certo comportamento de jovens no Japão influencie a mesma geração no

Ocidente, quase que de forma instantânea, tal comportamento pode ser acolhido por

jovens ocidentais de forma integral ou parcial. Essa encorporação total ou parcial

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será resultado de como a sociedade ocidental receberá esse comportamento

adquirido, pois a diferença cultural será definidora. Para Lèvi Strauss:

O conjunto dos costumes de um povo é sempre marcado por um estilo; eles formam sistemas. Estou convencido de que estes sistemas não são ilimitados e que as sociedades humanas, como os indivíduos - em seus jogos, seus sonhos ou delírios - não criam jamais de maneira absoluta, mas se limitam a escolher certas combinações em um repertório ideal que seria possível reconstituir (STRAUSS 1955 apud CUCHE 2002, p 96).

Com essas palavras é possível compreender o papel da cultura interna –

quero dizer a cultura genuína de certo povo - das diferentes sociedades, em síntese,

a relação entre culturas é infinita, não havendo limites que possam determinar a

trajetória das relações humanas. Como conseqüência, as identidades culturais

estarão sempre em constante modificação. O cerne de cada cultura poderá manter-

se através da transmissão de padrões entre gerações mas haverá interferências

inevitáveis neste processo.

Além das ponderações a respeito da formação das culturas dos povos, outro

ponto importante a ser levado em conta na construção das identidades culturais é a

alienação cultural presente na relação dominantes-dominados. Seja interna ou

externamente, a opressão de uma cultura própria ou original de uma dada

sociedade, faz-se instrumento de predominância e ou manutenção de interesses

oriundos de uma ordem comum pré concebida. Para Darcy Ribeiro, observamos

assim a alienação cultural:

A alienação cultural consiste, em essência, na introjecção espontânea ou induzida em um povo da consciência e da ideologia de outrem, correspondente a uma realidade que lhe é estranha e a interesses opostos aos seus. Vale dizer, à adoção de esquemas conceituais que escamoteiam a percepção da realidade social em benefício dos que dela se favorecem (RIBEIRO, 1985, p.151).

Buscando o foco em nossa cultura, vamos observar a origem de nossa

formação cultural, para entendermos nosso cenário atual. Se creditarmos o notório

esvaziamento de nossa cultura, exclusivamente às influências externas atuais,

incorremos no erro primário de ignorar nossa história. A dominação territorial e

política imposta pela metrópole portuguesa, trouxe obviamente consigo um pacote

cultural a ser - inevitavelmente - implantado na colônia. Dessa forma, pode-se

entender que tivemos uma formação cultural de substituição aos códigos do povo

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que habitava nosso território, ou seja, sem possibilidade de escolha consciente.

Fazendo uma alusão ao sistema internacional contemporâneo é possível verificar

como a influência das nações hegemônicas, ainda hoje, podem atingir não somente

o modus operandi da sociedade internacional como também, já sabido, em suas

questões políticas, econômicas e etc. Ao observar o comentário de Regis de Morais:

Respeitadas todas as exceções, que indubitalvemente existem, os valores essenciais de nossa cultura não resultaram de uma escolha consciente e decisiva, mas foram assumidos ou por imposições colonialistas, ou pelas carências de nosso vazio cultural (MORAIS, 1989, p. 125).

E também de Octávio (IANNI, 1983, p 14), se faz necessário ressaltar a

dependência cultural que, se desenvolveu no Brasil desde o seu descobrimento até

os dias atuais das mais diversas formas, explícitas e implícitas. Portanto, tanto o

Brasil quanto os países colonizados sofreram uma espécie de enxerto cultural, no

caso do Brasil, a colonização determinou todo o retrato de cultura, dita brasileira,

que podemos perceber hoje.

A valorização de nossa cultura é notadamente, fator de extrema importância

na formação do indivíduo dentro de sua sociedade, entretanto, vê-se que a

constituição de uma identidade cultural homogênea torna-se cada dia mais difícil.

Mesmo levando-se em consideração nossa formação colonial, aspectos de uma

cultura global em que fatalmente estamos inseridos são disseminados de forma

rápida e impositiva pelas tendências economicamente dominantes, proporcionando

o desaparecimento ou o enfraquecimento de nossos códigos culturais. A motivação

inicial para a realização desse estudo, parte da premissa de que as atividades do

projeto Favela Chic podem ser um elemento facilitador no processo de ganho de

consciência cultural de indivíduos, que nunca tiveram, previamente contato com a

cultura brasileira e, partindo deste pressuposto, evidenciar como a cultura nacional

pode se desenvolver e consequentemente sua identidade cultural desde a

colonização até a contemporaneidade.

A constituição de uma identidade cultural autêntica, também passa

invariavelmente, pela integração da sociedade nacional. Integração esta, que inicia-

se com o contato e o reconhecimento da cultura local, e que na maioria das vezes

esquecida ou deixada de lado pelo deslumbre ao novo. Como o que se levanta no

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presente estudo, acredita-se poder identidade cultural ser um importante veículo de

aproximação da sociedade moderna à sua matriz cultural, promovendo uma

consequente integração da sociedade local. Um fator de extrema importância no

processo de libertação de pré-noções e preconceitos culturais:

Só mediante um esforço persistentemente conduzido contra todas as formas de compulsão e alienação, as sociedades nascentes podem auto afirmar-se como uma nova entidade étnica. Esta amadurece a medida que sua cultura se liberta da carga de pré-noções e preconceitos destinados a resigná-la com seu destino de núcleo ancilar de uma macroetnia em expansão; e à medida que toda a população se incorpora ao mesmo núcleo de compreensões culturais, dando integração à sociedade nacional e homogeneidade e autenticidade à cultura (RIBEIRO, 1985, p.132).

Notadamente, a arte tem por suas características específicas, maiores

possibilidades de promover a aproximação dos indivíduos com a cultura. A

identidade cultural é constituída por variáveis de comportamento que são

compartilhadas pelos indivíduos, e pode ser considerada como uma identidade

coletiva, principalmente nas sociedades modernas, onde as mudanças, em todas as

áreas, ocorrem de forma rápida e constante. Acarretando uma forma de reflexão

diferenciada como afirma Denys Cuche:

Na medida em que a identidade resulta de uma construção social, ela faz parte da complexidade social. Querer reduzir cada identidade cultural a uma definição simples, “pura”, seria não levar em conta a heterogeneidade de todo grupo social. Nenhum grupo, nenhum indivíduo está fechado a priori em uma identidade unidimensional. O caráter flutuante que se presta a diversas interpretações ou manipulações é característico da identidade (CUCHE, 2002, p. 192).

Então podemos dizer que a formação da identidade cultural está sujeita a

interferências causadas por ruídos na condução da informação levando a

conceitos equivocados de identidade cultural. O projeto Favela Chic à sua

maneira foi gerado à partir desta percepção: de um indivíduo que não

reconhecia a identidade cultural brasileira naquele lugar específico em que

estava, na cidade de Paris. Essa inquietação, esse não reconhecimento - por

parte dos franceses - de como a cultura brasileira era percebida naquela

localidade impulsionou ao trabalho deste grupo. Buscando o ser humano para o

reconhecimento da cultura brasileira por si só através de ferramentas como a

música, a comida e a arte brasileiras.

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Partindo da afirmação de Giddens (1990), a identidade está envolvida

diretamente no processo de representação, e as representações são iniciadas à

partir de um espaço, um lugar onde as raízes do indivíduo dimensionam suas

relações identitárias. Na sociedade atual, os lugares permanecem fixos, entretanto,

o espaço se tornou invisível:

Nas sociedades pré-modernas, o espaço e o lugar eram amplamente coincidentes, uma vez que as dimensões espaciais da vida social eram, para a maioria da população, dominadas pela presença, por uma atividade localizada. A modernidade separa, cada vez mais, o espaço do lugar, ao reforçar relações entre outros que estão ausentes, distantes (em termos de local), de qualquer interação face a face. Nas condições da modernidade, os locais são inteiramente penetrados e moldados por influências sociais bastantes distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente aquilo que está presente na cena: a “forma visível” do local oculta as relações distanciadas que determinam sua natureza (GIDDENS, 1990, p. 18).

Um dos mecanismos de identificação do sujeito é o sentimento de

nacionalidade (sentir-se pertencente a uma nação). Na dita modernidade tardia,

o sentimento de lealdade é originário da idéia de nação como uma comunidade

simbólica, sendo compartilhada por um grupo específico de indivíduos. A

globalização aparece dentro deste processo, como um fator catalisador da

dispersão de identidades. O processo da globalização vem se tornando

responsável por esse deslocamento da identidade nacional, as identidades

nacionais acabam se sobrepondo a novas formas de identidade. “A

modernidade é inerentemente globalizante” (GIDDENS, 1990) o que leva à

compreensão de como os indivíduos modernos têm uma assimilação mais

rápida e plural dos elementos culturais externos, e como conseqüência, as

identidades nacionais estão sendo substituídas pelas identidades híbridas: “As

culturas híbridas constituem um dos diversos tipos de identidade distintivamente

novos produzidos na era da modernidade tardia” (HALL, 2003,p.89).

4 A FORMAÇÃO DA CULTURA E IDENTIDADE BRASILEIRAS

Como já abordado neste estudo, a valorização da cultura e a constituição

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de uma identidade autêntica partem em grande parte, do resgate da cultura já

exercida pelos costumes e valores de uma sociedade. Nessa parte do trabalho,

será trazida a discussão acerca da formação da cultura étnica brasileira desde

a colonização até a idade moderna.

Partindo da definição que a identidade se define pelos fatores externos

(sociais, políticos e econômicos) que circundam o indivíduo em sua sociedade,

será preciso então demonstrar como o povo brasileiro iniciou seu processo de

identificação cultural para se tentar delinear sua organização ao longo dos

períodos históricos.

Tomar-se-á como base, a síntese do conceito de cultura feita por

Marilena Chauí em seu livro “Conformismo e Resistência”:

Em sentido amplo, Cultura é o campo simbólico e material das atividades humanas, estudadas pela etnografia, etnologia e antropologia, além da filosofia. Em sentido restrito, isto é, articulada à divisão social do trabalho, tende a identificar-se com a posse de conhecimentos, habilidades e gostos específicos, com privilégios de classe e, leva à distinção entre cultos e incultos de onde partirá a diferença entre cultura letrada - erudita e cultura popular (CHAUI, 1986, p.14).

Como citado acima, ao se articular o conceito de cultura com a divisão

social do trabalho, emergem duas categorias de cultura: a erudita de um lado e

a popular de outro. Essa divisão tem sua origem no século XVIII (CHAUI, 1986),

quando o termo cultura passa a ser utilizado não somente para questões do

cultivo e cuidado com a terra e criação de animais, mas também, para designar

atos derivados, do latim, cives e civitas, referindo-se a palavra civil, homem

educado, polido. Está exposto nessa idéia que - após a separação do homem

racional, pelo projeto Iluminista - as formações de cultura passam,

inegavelmente, pelos restritos modelos de sociedade que, diferenciam

naturalmente o que é culto do não culto. Dessa maneira, irei tomar como ponto

de partida, a formação do povo brasileiro para tentar compreender e chegar ao

esboço da formação atual da identidade e cultura brasileiras.

A cultura brasileira que conhecemos hoje, passou por transformações ao

longo dos cinco séculos de nossa existência. Muitos estudiosos argumentam

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que a pluralidade cultural brasileira se interpreta pelo grande território nacional,

pelas características diversas em sua formação, como a colonização européia e

as tradições culturais distintas trazidas. Para Darcy Ribeiro, o nascimento da

matriz étnica brasileira se iniciou com a chegada dos portugueses nas novas

terras:

No plano étnico-cultural, essa transfiguração se dá pela gestação de uma etnia nova, que foi unificando, na língua e nos costumes, os índios desengajados de seu viver gentílico, os negros trazidos da África, os europeus aqui querenciados. Era o brasileiro que surgia, construído com tijolos dessas matrizes à medida que elas iam sendo desfeitas (RIBEIRO, 1995, p.30).

Pode-se dizer então que, a realidade cultural brasileira foi constituída por

quadros interpretativos ligados ao meio e à raça, estes fatores internos

definiram a identidade brasileira em sua conceitualização.

A Igreja Católica teve função primordial na atuação dos descobridores

sob os “descobertos”, ela comandava o domínio, exemplarmente e de forma

autônoma, como se verifica na bula Inter Coetera, de 4 de Maio de 1493:

[...] por nossa mera liberalidade, e de ciência certa, e em razão da plenitude do poder Apostólico, todas as ilhas e terras firmes achadas e por achar, descobertas ou por descobrir, para o Ocidente e o Meio-Dia, fazendo e construindo uma linha desde o polo Ártico [...] quer sejam terras firmes e ilhas encontradas e por encontrar em direção à Índia, ou em direção a qualquer outra parte, a qual linha diste de qualquer das ilhas que vulgarmente são chamadas dos Açores e Cabo Verde cem léguas para o Ocidente e o Meio-Dia[...] A Vós e a vossos herdeiros e sucessores (reis de Castela e Leão) pela autoridade do Deus onipotente a nós concedida em São Pedro, assim como do vicariato de Jesus Cristo, a qual exercemos na terra, para sempre, no teor das presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, sucessores, vos fazemos, constituímos e deputamos por senhores das mesmas, com pleno, livre e onímodo poder, autoridade e jurisdição.[...] sujeitar a vós, por favor da Divina Clemência, as terras firmes e ilhas sobreditas, e os moradores habitantes delas, e reduzi-los à Fé Católica[...] (MACEDO SOARES, 1939, apud RIBEIRO, 1995, p. 40).

Esta era a dinâmica política da época do descobrimento do Brasil, é

preciso ressaltar que nesse período, as condições do povo local, se resumiram

em aceitar os descobridores sem de fato poderem escolher posição alguma

(RIBEIRO, 1995). O índios espantados, viram suas vidas indígenas sendo

destruídas, sua vida social exterminada, a negação de todos seus valores, lhes

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restando apenas duas opções: desistirem de suas vidas, fugirem mata adentro

ou se entregarem à pregação missionária. “A cristandade surgia a seus olhos

como o mundo do pecado, das enfermidades dolorosas e mortais, da covardia,

que se adornava no mundo índio, tudo conspurcando, tudo apodrecendo”

(RIBEIRO, 1995,p. 43). Por outro lado, haviam os que não resistiam aos

adornos e ferramentas nunca antes vistos e por assim aderiam aos novos

senhores culminando numa chocante aproximação de dois mundos, este

encontro marcou eternamente, um novo tempo para a cultura do Brasil.

A civilização europeia impôs, dessa forma, aos povos das Américas sua

já formada identidade que fora constituída muitos anos antes, através de

guerras, revoluções e resistências. Milhares de índios foram incorporados à

sociedade colonial não como membros, mas, como servidores da missão da

colônia em desbravar a novas terras, com intuito de organizarem a exploração

de forma segura, pois, aqueles habitantes eram vistos como instrumentos

facilitadores para a instalação e administração de uma nova sociedade da

expansão européia. Autorizados pela coroa, a uma guerra “justa”, os

colonizadores começaram o processo “civilizatório escravizante dos índios que

neste momento histórico, já se miscigenavam com os europeus, brancos e

índios dando origem a nova etnia do Brasil: brasilíndios” (RIBEIRO, 1995). Não

se pretende neste estudo, esmiuçar as origens, mas sim, relevar de forma

genérica, as principais misturas étnicas que formaram a concepção étnica

cultural brasileira.

Os primeiros contingentes de negros foram introduzidos no Brasil nos

últimos anos da primeira metade do século XVI, (RIBEIRO, 1995) trazidos

principalmente da costa ocidental africana, para reforçar a produção açucareira.

Inseridos nas terras brasileiras, tiveram de se adequar, forçosamente, pelo

instinto de sobrevivência, em todos os âmbitos da vida, inseridos numa cultura

já constituída luso-tupi.

Os negros se encontraram submetidos à escravidão e todos os elos

culturais possíveis de serem estabelecidos, entre eles, foram evitados pela

logística da época:

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A diversidade linguística e cultural dos contingentes negros introduzidos no Brasil, somada a essas hostilidades recíprocas que eles traziam da África e à política de evitar a concentração de escravos oriundos de uma mesma etnia nas mesmas propriedades, e até nos mesmos navios negreiros, impediu a formação de núcleos solidários que retivessem o patrimônio cultural africano (RIBEIRO, 1995, p. 115).

A escravidão colocava limites epistemológicos para o desenvolvimento pleno

da atividade intelectual, os negros foram compelidos a incorporar-se passivamente

no universo cultural da nova sociedade por imposição de seus senhores, sendo

designados para o trabalho escravo nas minas e nas fazendas açucareiras. O

processo da escravidão acabou levando à deculturalização, pela erradicação parcial

da cultura africana. Em contrapartida, iam-se aculturando nos moldes brasileiros.

Só através de um esforço ingente e continuado, o negro escravo iria reconstituindo suas virtualidades de ser cultural pelo convívio de africanos de diversas procedências com a gente da terra, previamente incorporada à proto-etnia brasileira, que o iniciaria num corpo de novas compreensões mais amplo e mais satisfatório. O negro transita, assim, da condição de boçal – preso ainda à cultura autócone e só capaz de estabelecer uma comunicação primária com os demais integrantes de novo contorno social – à condição de ladino – já mais integrado na nova sociedade e na nova cultura. Esse negro boçal, que ainda não falava o português ou só falava um português muito trôpego, era entretanto, perfeitamente capaz de desempenhar as tarefas mais pesadas e ordinárias na divisão de trabalho do engenho ou da mina (RIBEIRO, 1995, p.116).

Lentamente o negro foi tomando espaço na própria atividade mercantil, com

maior contato com diferentes africanos, mais tempo de adaptação à nova terra,

estabeleceu sua função de servidão e aos poucos pode se aculturar mesmo que

influenciado pela estratificação social exacerbada. No que diz respeito às culturas,

essas condições dotaram a sociedade brasileira de várias falhas de estrutura, no

sentido em que, houve desde o princípio da gestação étnica brasileira, distúrbios de

classes, levando a caracterização da oposição entre grupos subordinados e das

classes dominantes.

É possível dizer que ocorreu um paradoxo no processo de construção da

identidade cultural do Brasil colonizado. Tínhamos de um lado uma Corte

Portuguesa que não somente se portava no Brasil pra reduzir seu povo à fé cristã e

também já favorecida de todas riquezas encontradas aqui que, por sua vez,

naturalmente trouxe consigo seus costumes e modos. Numa outra extremidade

23

haviam dois núcleos: o original, os indígenas e, os recém chegados da África, os

escravos. Os índios com sua cultura ancestral e os negros recentemente

aculturados formam então uma espécie de classe doméstica de cultura brasileira.

Logo, esta classe doméstica de cultura que de certa maneira recebe as inflexões de

cultura europeia, temos então uma tríade.

O contato direto entre as três culturas citadas, torna-se o embrião de cultura

do então recém-concebido Brasil. É possível verificar neste momento uma

demonstração da segregação da sociedade e ao mesmo tempo a formação dos

pilares da identidade cultura brasileira, como nas palavras de Darcy Ribeiro:

Essa herança africana – meio cultural e meio racial -, associada às crenças indígenas, emprestaria entretanto cultura brasileira, no plano ideológico, uma singular fisionomia cultural. Nessa esfera é que se destaca, por exemplo, um catolicismo popular muito mais discrepante que qualquer das heresias cristãs tão perseguidas em Portugal (RIBEIRO, 1995, p.117).

Como já mencionado anteriormente, a identidade cultural não é limitada,

a identidade cultural é dinâmica. Fazendo uma alusão ao corpo humano: a

cultura tem seu corpo, mas o seu biotipo poderá variar de acordo com as

diversas formas de influências como localização geográfica e acontecimentos

históricos. Apesar de diferentes em tamanho, idade e herança genética, todos

os corpos humanos contêm os mesmos órgãos e a mesma cor de sangue.

5 DESLOCAMENTOS E FLUXOS MIGRATÓRIOS

À partir deste ponto de vista os deslocamentos e fluxos migratórios

também podem desempenhar um papel importante sobre as influências

culturais de uma região, principalmente nas sociedades moderas. Como já

mencionado anteriormente, o Brasil, historicamente tem sua estrutura cultural

formada por três etnias: o índio, o europeu e o negro africano. Atualmente os

fluxo migratório tem incrementado, de forma mais constantes, a modificação da

fisionomia cultural. A migração global segundo Giddens:

24

Apesar de a migração não ser um fenômeno novo, ela parece estar andando em ritmo acelerado como parte do processo de integração global. Os padrões de migração mundiais podem ser vistos como um reflexo dos laços econômicos, políticos e culturais que estão em rápida mudança entre os países (GIDDENS, 2005, p.215).

A migração global é um fenômeno que se intensificou após a Segunda

Guerra Mundial e atualmente é uma questão política importante para as

nações. Conforme análise de Anthony Giddens:

Em nosso mundo globalizante, o fluxo de idéias - e de pessoas – pelas fronteiras é bem maior do que em qualquer outra fase da história. Tais processos estão alternando profundamente as sociedades nas quais vivemos: muitas ganham diversidade étnica pela primeira vez; outras vão descobrindo que os padrões existentes de multietnicidade estão sendo transformados ou intensificados (GIDDENS, 2005, p 230).

Os Estados, principalmente os desenvolvidos, são desafiados por esse

fenômeno e estão cada vez mais, desenvolvendo legislação e tecnologias para

o adequação de suas políticas de controle de entrada e saída de estrangeiros.

A demanda destes fluxos e suas regras de imigração têm se tornado mais

rígidas e interligadas com outros países.

No Brasil, os números de imigrantes - impulsionados pelo bom

desempenho econômico do país diante da economia global e pela real falta de

mão de obra qualificada, além do já conhecido acolhimento brasileiro - têm

crescido. O Brasil têm sido a escolha de estrangeiros que reconhecem o país como

agradável e acolhedor com os estrangeiros (ACNUR 2013).

De acordo com os dados do ACNUR - Alto Comissariado das Nações

Unidas para Refugiados, em sua última análise emitida em 2013, pautada em

dados fornecidos pelo CONARE – Conselho Nacional para Refugiados

Estrangeiros, entre 2010 e 2012, vê-se um aumento nos pedidos de refúgio no

país:

25

Gráfico 1- Estatística de solicitações de refúgio no Brasil entre 2010 e 2012

Fonte: Refúgio no Brasil – Uma análise estatística 2010 – 2012 publicado pela ACNUR em 2013

As migrações globais demonstram a capacidade de mudança na

identidade nacional de um país amparada pelo processo da globalização no

mundo. Stuart Hall 2006 demonstra este aspecto da contemporaneidade com

devida racionalidade:

“Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e fechadas de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas” (HALL, 2006, p. 87).

Portanto, a identidade nacional bem como a identidade cultural de uma

nação têm natureza diversa, diversidade é a palavra chave para definição de

identidade nacional nas sociedades do mundo moderno.

26

6 FAVELA CHIC

O projeto Favela Chic teve início a partir de uma percepção pessoal de

um de seus criadores: o descontentamento sobre como o Brasil – de uma forma

geral – era visto pelos franceses. Isso levou Rosane Mazzer a tentar promover,

à sua maneira, uma visão diferenciada sobre a cultura brasileira.

Figura 1 – Logo do Favela Chic Fonte: Site Favela Chic

Rosane Mazzer nasceu em Londrina e aos 23 anos mudou-se para Paris.

Estabeleceu um pequeno restaurante de comida brasileira, e neste local

percebeu a maneira com que os franceses viam o Brasil. Munida desta

experiência e não satisfeita, iniciou o projeto Favela Chic. Chamarei neste

trabalho o Favela Chic de projeto, mas um de seus fundadores têm uma

definição diferente que abordarei mais adiante.

Em 1995, Rosane Mazzer e seus amigos Jerome Pigeon e Jorge Nasi

unidos no mesmo ideal fundaram um pequeno estabelecimento que tinha como

principal atração a comida e a música brasileira. O maior interesse do projeto

era de unir num só lugar um universo que pudesse expressar quão rica a

cultura brasileira poderia ser. O que foi feito para isso nas palavras de Rosane

Mazzer:

Nossa idéia é de criar dentro do caos, é desordem e progresso. O que fiz nesse tempo inteiro foi colocar valor em tudo que é arte popular brasileira na forma mais tradicional, moderna e polêmica em volta da

27

comida, em volta da música, em volta dessa aglomeração de objetos que dá um outro tipo de leitura, um outro tipo de harmonia. Vídeo na internet.

1

O segundo co fundador é Jerome Pigeon também é conhecido como DJ

Gringo da Parada, é o membro que responde pela parte musical do Favela

Chic. De acordo com Jerome Pigeon, o Favela Chic nunca foi um projeto

pensado e estudado, foi uma reunião de pessoas com mesma vontade e no

momento certo:

Favela Chic has never been a concept. It was just a happy miracle based on love, friendship and chaos. "Disorder & Progress" was our punchline and i think we always respected it. Favela Chic is not venues, brand or marketing project it's only the sweet combination of different personalities who met at the right time to create all of this. we wanted first of all to blend any kind of convivialities in the same place (speaking, eating, drinking, dancing, kissing...) (PIGEON, 2014, E-mail)

2

Jerome Pigeon nasceu em Paris, é músico, DJ e produtor musical e,

atualmente vive em Londres. Seu trabalho no Favela Chic passa por toda

produção musical do grupo.

Figura 2 – Rosane Mazzer Figura 3 – Jerome Pigeon Fonte: Site Favela Chic` Fonte: Site Favela Chic

1 Depoimento registrado no vídeo “Favela chic Paris”, do FAVELA Chic Tube. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=-UQEdCuA3Is&noredirect=1>. Acesso em: 11 abr. 2014.

2 “Favela Chic nunca foi um conceito. Foi apenas um milagre feliz baseado em amor, amizade e

caos. “Desordem e Progresso” foi nosso slogan e acho que sempre respeitamos isso. Favela Chic não é ponto de encontro, marca ou projeto de marketing, é apenas uma doce combinação de diferentes personalidades que se encontraram no momento certo para criar tudo isto. Nós queríamos em primeiro lugar misturar todo tipo de convivências num só lugar ( conversar, comer, beber, dançar, beijar...)” PIGEON (2014, E-mail), tradução nossa.

28

O Favela Chic pode ser considerado um coletivo de arte, já que em suas

atividades promovem uma forma diferente de apresentar a cultura brasileira. No

ano de 2002, Gringo da Parada produziu e lançou o primeiro de quatro volumes

de uma compilação de música brasileira chamada Favela Chic Postonove. Foi

através desta compilação que conheci o Favela Chic, a compilação foi lançada

pela produtora Musical Fla- Flu Produções, empresa multinacional em que

Rosane Mazzer e Jerome são sócios. A idéia neste estudo é demonstrar o

projeto Favela Chic como sendo um veículo reprodutor de cultura brasileira fora

do Brasil, à sua maneira em todos os eventos e projetos que se envolve. Todo o

trabalho deste grupo, sua personalidade gira em torno da arte e cultura

brasileira.

No ano de 2005 o grupo expandiu o projeto para o Reino Unido, e uma

filial do Favela Chic foi inaugurada na região leste de Londres em Shoreditch,

vemos neste momento uma expansão territorial transnacional do Favela Chic. A

nova casa reproduziu o conceito inicial, oferecendo um ambiente onde era

possível ter acesso a cultura brasileira através da música, da comida e bebida.

A filial trazia o mesmo conceito de decoração da matriz. Tanto o cardápio

quanto a programação musical mesclava interesses “Brasil – Mundo”.

Interessada em analisar o Favela Chic neste trabalho de conclusão de curso,

visitei ambos estabelecimentos em 2012, vivenciei de fato a proposta deste

projeto. De fato tive a sensação de estar no Brasil. A filial de Londres fechou em

2012, trocou de nome, passando a se chamar Floripa. O espírito do local

continua o mesmo, apenas o nome mudou. Floripa está aberto até o momento,

não há mais administração nem relação com os fundadores do Favela Chic,

mas mantém a idéia inicial de promover a cultura brasileira naquele pais. Com o

lema “Desordem e Progresso” o projeto trabalha desde sua fundação, com

artistas de várias nacionalidades, diferentes vertentes artísticas. É justamente

essa diversidade que importa para este estudo. A forma como todos estes

elementos se fundem num resultado tão rico culturalmente, é que transforma o

Favela Chic em objeto deste estudo.

29

Figura 4 – Entrada do Favela Chic London Figura 5 – Entrada do Favela Chic Paris Fonte: Site Favela Chic Fonte: Site Favela Chic

7 DESCRIÇÃO FÍSICA DO ESPAÇO

Fisicamente o espaço é decorado com móveis antigos e mesas

comunitárias feitas de madeira, materiais reciclados e novos. Tudo inspirado na

diversidade das favelas brasileiras. As paredes com cores que remetem ao

Brasil em verde e amarelo. Em todo espaço é possível ver obras de arte

contemporânea de artistas brasileiros e estrangeiros, imagens de santos

brasileiros, fotografias e objetos inusitados. A origem do nome Favela Chic é

percebido na decoração do local, os espaços são decorados com formas e

cores numa mistura de traços contemporâneos e rústicos, uma mistura de

coisas novas e velhas.

Situado na região leste de Paris, o estabelecimento – chamarei assim

pois segundo sua fundadora não é um bar, não é um restaurante, não é um

30

clube - tornou-se sucesso imediato e a cada noite seu público crescente

confirmara o sucesso.

O local abre às vinte horas onde o restaurante serve comida brasileira,

mesas comunitárias proporcionam um tipo interação entre os freqüentadores

sem precedentes, não existem mesas privadas. O cardápio é composto

basicamente de comida brasileira nas entradas, no prato principal e sobremesa.

Coxinhas, Pães de Queijo, Quibes e Pastéis aparecem no cardápio como

entradas. Feijoada, Picanha, Moqueca de Camarão são pratos principais,

Mandioca Frita é servida como acompanhamento e a sobremesa composta de

Pudim e Quindim. Na carta de bebidas o cliente pode encontrar a tradicional

Caipirinha, Batida de Côco, Cuba Libre e Guaraná. Nomes de comida e bebida

em sua maioria são em português e sua descrição na língua local.

Figura 6– Cardápio (Foods) Figura 7 – Cardápio (Drinks) Fonte: Site Favela Chic Fonte: Site Favela Chic

31

Figura 8 – Restaurante do Favela Chic Paris Figura 9 – Bar do Favela Chic Paris Fonte: Site Favela Chic Fonte: Site Favela Chic

8 POSTONOVE

A compilação Favela Chic Postonove reúne vários artistas brasileiros. De

acordo com Jerome Pigeon, “é uma anti-antologia da música pop brasileira”

(Jerome Pigeon Fla- Flu site). Os quatros discos foram lançados entre 2002 e

2007 e se resumem a uma vasta mistura de ritmos brasileiros atuais e raridades

como samba, forró, funk, electro entre outros. Os quatro álbuns reúnem

músicas de artistas brasileiros renomados como: Jorge Ben, Jair Rodrigues,

Bebeto, Elza Soares, Sandra de Sá, Bezerra da Silva, Os Incríveis, Walter

Wanderley, Erlon Chaves, Ed Lincoln, Antônio Carlos, Os Reis do Batuque,

Funk Como Le Gusta, Seu Jorge entre outros, numa mistura de diferentes

épocas e estilos. A compilação musical é uma obra que define muito bem o

lema do Favela Chic: “Desordem e Progresso”. A reunião de artistas e ritmos é

de uma diversidade ímpar, o ouvinte poderá perceber o espírito do Favela Chic

ao ouvir a coletânea.

Jerome Pigeon é o membro musical do projeto Favela Chic, toda

produção musical tem seu envolvimento, ele viveu no Brasil, - o que lhe rendeu

o apelido Gringo da Parada, é o idealizador da compilação Favela Chic

Postonove. Produziu todo material pela Fla-Flu Produtora em que é um dos

sócios. Além da coletânea, Jerome tem em seu currículo a produção do

32

primeiro disco do artista Seu Jorge, que é um artista muito envolvido com o

Favela Chic, seu primeiro cd foi lançado em 2004, o álbum Cru.

Figura 10 - Capa do primeiro disco Fonte: Fake

A empresa Fla-Flu Produtora além de produtora musical é também uma

agência e produtora de eventos, está por trás da identidade da marca Favela

Chic. A Fla-Flu produz todo conteúdo artístico e cultural do projeto em Paris e

Londres. A Fla-Flu e o Favela Chic atuam na organização de eventos culturais

emprestando seu estilo à marcas que os contratam para realizar eventos

criativos, tem como clientes empresas multinacionais e galerias de arte. O

envolvimento desta produtora na identidade do projeto Favela Chic pode ser

notado em seu currículo e pelo seu extenso trabalho sempre ligado ao

arcabouço de identidade cultural brasileira e sua estética, vê-se em sua

estrutura de trabalho a principal premissa de análise deste estudo: a

demonstração de criatividade e da cultura brasileira. É possível perceber como

o trabalho de construção de uma identidade brasileira própria é feita pelo

projeto Favela Chic em suas atividades.

33

9 CULTURA, IDENTIDADE & GLOBALIZAÇÃO

O conceito de cultura e identidade são muito importantes no estudo da

teoria das Relações Internacionais. Seu caráter humanístico precede ao

principal ator das RI, o Estado, que por sua vez é gerido pelo homem. Todas

ações estatais estão ligadas ao comportamento humano. Tanto o conceito de

cultura ligado ao caráter nacional, quanto o caráter de construção social da

identidade, são base para o estudo das relações de poder desta área do

conhecimento humano.

Com o fim da Guerra Fria o mundo passou por um processo de

redefinição da ordem internacional (MURDEN, 2001) a hegemonia do poder

passa para o bloco vencedor que consequentemente, tem prevalência a toda

forma de influência sobre a comunidade internacional, inclusive sobre seu modo

de vida. A cultura passa a integrar essa nova era da história de uma forma mais

relevante para a política internacional.

As ações políticas dos estados (MURDEM 2001) passaram a considerar

a revolução tecnológica e a mudança de padrões culturais como interesses

legítimos. A identidade está intimamente ligada à cultura uma vez que ela é

resultado da interação de um indivíduo ou um grupo com outros, é esta

interação que os fazem assimilar interesses diversos e, juntamente com a

globalização e a intensificação de diversos processos políticos e econômicos,

tornam mais claro para o indivíduo sua noção de identidade dentro de sua

comunidade.

A identidade é tão difícil de se delimitar e de se definir, precisamente em razão de seu caráter multidimensional e dinâmico. É isto que lhe confere sua complexidade mas também o que lhe dá sua flexibilidade. A identidade conhece variações, presta-se a reformulações e até a manipulações (CUCHE, 2002, p. 196).

O fenômeno da globalização aproximou as culturas influenciando as

identidades dos indivíduos. O desenvolvimento de novas formas de

comunicação trouxe uma nova forma de se relacionar com o outro, a

globalização criou novos parâmetros dentro da sociedade trazendo

34

diversificação ao pensamento do indivíduo moderno, o dotando de um conjunto

de possibilidades para construção de sua identidade. “No mundo atual, temos

oportunidades sem precedentes de moldar a nós mesmos e de criar nossas

próprias identidades” (GIDDENS, 2005). Sob este ponto de vista o projeto

Favela Chic pode ser exemplificado a partir de uma identidade formada através

de vivências e experiências de seu núcleo fundador com indivíduos de outra

nacionalidade, ou seja, se não há limites na formação da identidade, pode-se

afirmar que a modelagem da identidade brasileira proposta pelo Favela Chic é

autêntica, mesmo que seja para seus criadores. Nessa perspectiva, a

globalização pode desempenhar um papel importante para explicar a

identidade brasileira proposta neste trabalho.

Sem o fenômeno da globalização talvez seria impossível definir o que é a

identidade brasileira, me refiro aqui identidade brasileira tida pelos não

brasileiros, pois com o avanço tecnológico das comunicações o acesso a outras

culturas se tornou mais acessível à sociedade, o que antes era possível apenas

através do intercâmbio, de viagens, relatos e estudos sobre a cultura de um

determinado local (GIDDENS 2005). Assim o acesso à informação era tido

através de relatos de terceiros, agora, a sociedade é capaz de construir sua

identidade e sua opinião de forma prática, vivenciando por si a experiência, as

sensações tidas ao conhecer uma nova cultura.

No mundo atual, os progressos em transportes e comunicações produziram interações mais freqüentes, mais intensas, mais simétricas e mais abrangentes entre pessoas de civilizações diferentes. Em conseqüência, suas identidades civilizacionais tornam-se cada vez mais proeminentes (...) Esses níveis mais amplos de identificação civilizacional significam uma percepção mais profunda das diferenças civilizacionais e da necessidade de proteger aquilo que distingue “nós” de “eles” (HUNTINGTON, 1997, p.159).

Nesse contexto a cultura torna-se o agente diferenciador de identidade

entre uma sociedade e outra. Com costumes e crenças particulares, a

sociedade consegue ver-se como diferente e dessa maneira pode, com esse

conhecimento, definir a cultura alheia da maneira que preferir. Portanto, no caso

estudado neste trabalho, vê-se a forma com que Viviane Mazzer preferiu

demonstrar aos franceses - mesmo que sem intenção pré moldada - como ela

gostaria que os franceses conhecessem as coisas do Brasil, como era possível

35

fazer com que houvesse uma experiência sensorial com a cultura brasileira e a

partir desta experiência, os indivíduos que passaram pelo Favela Chic poderiam

conhecer melhor e assim ter sua opinião formada de forma prática e não

apenas teórica.

Contudo, espera-se que haja a compreensão deste estudo à partir desta

concepção: de um movimento iniciado a partir de uma percepção de um

indivíduo que, fora de seu país, o levou à promoção da cultura brasileira fora do

Brasil, sugerindo aos franceses em primeira instância, uma espécie de prova de

como era o ser brasileiro em termos musicais e gastronômicos, essa condição

obviamente não pode ser uma afirmação de nacionalidade em si mas de sua

cultura e estilo de vida. Em termos gerais uma demonstração da brasilidade

fora do Brasil.

10 FAVELA CHIC E A IDENTIDADE CULTURAL

Partindo da idéia de Hall que “as identidades modernas estão sendo

descentradas, isto é, deslocadas ou fragmentadas” pretendo demonstrar neste

capítulo como o Favela Chic pode ser um objeto de propagação de identidade

brasileira e que, esta identidade está sujeita a fragmentações oriundas do

contexto contemporâneo da sociedade moderna. A identidade a qual me refiro

neste caso é a identidade disponibilizada pelo projeto dentro de suas atividades

diárias, uma identidade formada através de vetores sensoriais como música,

artes e gastronomia e que por seu caráter subjetivo, poderá caracterizar ou não

a identidade brasileira. Enquanto que o contexto já mencionado anteriormente

segue a premissa de mudanças contínuas na forma de identificação do sujeito

contemporâneo.

O descentramento das identidades pode ser demonstrado pelo Favela

Chic que busca justamente a não imposição de uma identidade específica mas

sim oferecer uma visão disponível no Brasil, que neste caso, está sendo

propagada fora do Brasil. Temos novamente uma característica desta dita

36

fragmentação do conceito de identidade, onde a oferta da cultura brasileira está

no núcleo do objeto deste estudo, e seu acolhimento ou não dependerá de cada

indivíduo que terá sua própria assimilação e a fragmentará por conseqüência,

tendo uma modificação ou não de seu eu, seja ela em qualquer nível da

identidade cultural deste indivíduo.

Busca-se compreender neste estudo como o sujeito moderno constrói

sua identidade e como este feito é possível verificando as ferramentas

utilizadas pelo Favela Chic. A principal diferenciação da sociedade moderna

para a sociedade tradicional é justamente seu caráter de mudança constante,

rápida e permanente (HALL, 2006), ao ouvir uma música, por exemplo da

Cazaquistão, o indivíduo moderno tenderá a criar seu próprio ponto de vista

sobre tal música, tendo contato direto ou não com esta cultura, este sujeito

construirá para si uma impressão pessoal, imediata e intransferível, este

indivíduo terá de forma instintiva sua opinião formada à partir deste contato.

Essa assimilação poderá ser modificada num próximo momento em que este

indivíduo, ao pesquisar sobre o tema verificar que esta música é uma tradição

secular, feita com um instrumento que existe apenas numa dada região do

Cazaquistão e isso pode tornar esta música mais especial para este indivíduo

ou apenas o fazer ter desinteresse ao tema por se tratar de uma tradição a qual

ele não considera importante.

O caráter de mudança constante das identidades é o que importa para

explicar o Favela Chic no contexto pretendido neste trabalho. Não é

aconselhável que se tenha uma visão estrita e etnocêntrica nesta concepção da

formação de identidade, “comportamentos etnocêntricos resultam também em

apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes”(LARAIA,

2000) pois a análise aqui sugerida é justamente sobre um ponto de vista

democrático onde o sujeito terá livre movimentação de conceitos para chegar

ao seu próprio entendimento proposto neste estudo.

O Favela Chic dialoga com a idéia de propagação de identidades, de um

modo em que a oferta de possibilidades para identificação são múltiplas. Esse

diálogo entre o que é brasileiro com o que pode ser a brasilidade concebe uma

idéia de como a cultura pode transformar o sujeito moderno em um sujeito

37

dotado de escolhas para definir sua própria identidade. Como já referenciado, o

projeto lançou uma compilação de quatro álbuns de música brasileira.

Analisando esta ferramenta em si, o Favela Chic possibilita ao ouvinte uma

experiência musical brasileira autêntica pois há nestes álbuns vertentes de

música de diferentes épocas da história da musical brasileira, esse contato

possibilita a quem tem acesso a esta ferramenta, uma forma de identificação

com o estilo de musicalidade brasileira. Segundo (HALL,2006) “as culturas

nacionais, ao produzir sentidos sobre a nação, sentidos com os quais podemos

nos identificar, constroem identidades”. A música é uns dos símbolos de

identificação que o Favela Chic proporciona ao indivíduo, no caso estudado foi

o primeiro veículo de acesso que me levou a pensar neste projeto como um

vetor de cultura brasileira.

Figura 11 - Foto institucional do Favela Chic Fonte: Site Favela Chic

Além da música, o Favela Chic proporciona o contato com a identidade

brasileira através da gastronomia. O ato de alimentar-se é universal, em todo

grupo social o comer é um ato dotado de cultura, dentro do arcabouço cultural

de uma nação, a culinária - que é a técnica utilizada no preparo do alimento - e

os ingredientes selecionados formam uma identidade específica de cada

cultura. A feijoada servida no Favela Chic pode não ter o mesmo sabor da

38

“nossa” feijoada, mas este prato servido em qualquer lugar do mundo, sempre

remeterá ao Brasil e não à França. Segundo DaMatta:

A comida vale tanto para indicar uma operação universal – o ato de alimentar-se – quanto para definir e marcar identidades pessoais e grupais, estilos regionais e nacionais de ser, fazer, estar e viver (DAMATTA, 1986, p.57).

Analisando o Favela Chic como um objeto de propagação de identidade

cultural é possível comparar o projeto ao que Hall chama de comunidades

imaginadas, o que dá sentido em como a identidade nacional pode ser formada,

através da imaginação de um sujeito moderno que novamente irá conceber sua

identidade a partir de relações com outras culturas que irão moldar a sua forma

identitária.

As culturas nacionais são compostas não apenas de instituições culturais, mas também de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos (HALL, 2006, p. 50).

Acredita-se neste trabalho que o processo de formação de uma

identidade exclusivamente brasileira é possível ao indivíduo estrangeiro que vai

ao Favela Chic pela primeira vez, pois neste estabelecimento há toda

simbologia brasileira suficientemente necessária para que ele possa conceber,

que seja em mínima instancia, como o ser brasileiro se identifica através da

música, da decoração da comida e bebida que ele consumirá. Todas estas

características de brasilidade oferecidas pelo projeto se tornam o pano de fundo

para essa construção individual.

Figura 12 – Novo Logo do Favela Chic Fonte: Site Favela Chic

39

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho é um estudo de caso do projeto Favela Chic e teve como

objetivo demonstrar como a identidade brasileira pode ser transmitida através

de vetores culturais estabelecidos no trabalho do grupo estudado. Pretendeu-se

dialogar com as diversas formas de concepção da identidade do indivíduo na

sociedade moderna, pautando a globalização como seara para este processo

contemporâneo. Este fenômeno da sociedade moderna sem dúvida é o

principal ponto de início para discussão oferecida neste trabalho acadêmico.

A construção da identidade, na sociedade moderna, passa por um

processo evolutivo muito rápido, e que ainda está em andamento, quero dizer,

não foi finalizado. As tecnologias da informação são responsáveis em grande

parte – quiçá totalmente – por esta incrível ascendente da forma como a

sociedade se orienta e em conseqüência, adquire conceitos que irão se moldar

à sua identidade. Portanto, não será possível responder à pergunta feita neste

trabalho a respeito do impacto que o projeto Favela Chic poderia causar na

sociedade internacional, ora, se esta sociedade ainda não conseguiu se situar

diante deste processo global, provavelmente, ainda é cedo para tal resposta, se

é que ela existirá.

Ao mesmo tempo que a globalização pode ser considerada uma

ferramenta que desvincula o indivíduo da primeira noção de identidade – idéia

da construção através do pertencimento a algo – oferece também uma grande

escala de escolhas ao indivíduo. A globalização mostra-se como um amplo

espaço para o movimento de integração da sociedade, conectando os

indivíduos em um nível jamais visto na história. Essa conexão confirma a

afirmação feita neste estudo sobre como o projeto Favela Chic poderia

disseminar a cultura brasileira fora do Brasil. Expondo a cultura brasileira

através dos símbolos culturais genuinamente brasileiros, é possível afirmar que

há de fato, uma expressão de brasilidade em suas atividades.

Partindo da idéia de globalização como um grande território onde novos

conceitos se agregam à identidade individual, a cultura não material modela e

40

rege as relações dos indivíduos dentro dos sistemas culturais aos quais estão

inseridos. A cultura proporciona escolhas, ela é democrática. Portanto, a

iniciativa do Favela Chic foi orientada neste princípio de pluralidade, não

fechando um círculo perfeito contento “a identidade brasileira” e sim

proporcionando uma opção de identidade brasileira através de ferramentas

como arte, música e comida. Simbologia que, entre outros, na prática celebra a

cultura de um país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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