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319 Conceito A Recife n. 3 p.319-350 2012 Metáfora no gênero tirinhas: uma análise referencial sob a ótica cognitiva. FACULDADE SÃO MIGUEL CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS ERONILDO DA SILVA METÁFORA NO GÊNERO TIRINHAS: UMA ANÁLISE REFERENCIAL SOB A ÓTICA COGNITIVA. RECIFE 2012 ERONILDO DA SILVA METÁFORA NO GÊNERO TIRINHAS: UMA ANÁLISE REFERENCIAL SOB A ÓTICA COGNITIVA. Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Faculdade São Miguel, como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habili- tação em Língua Portuguesa. ORIENTADOR PROFESSOR: JOÃO MURILO SANTOS CO-ORIENTADOR PROFESSOR: RONALDO CORDEIRO SANTOS RECIFE 2012 ERONILDO DA SILVA METÁFORA NO GÊNERO TIRINHAS: UMA ANÁLISE REFERENCIAL SOB A ÓTICA COGNITIVA.

FACULDADE SÃO MIGUEL CURSO DE LICENCIATURA EM … · Prof. Esp. Ronaldo Cordeiro Santos (UPE) (Co-orientador) ... gal) Dedico este trabalho: A Deus por ter me oferecido a oportunidade

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FACULDADE SÃO MIGUEL

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS

ERONILDO DA SILVA

METÁFORA NO GÊNERO TIRINHAS: UMA ANÁLISE REFERENCIAL SOB A ÓTICA COGNITIVA.

RECIFE2012

ERONILDO DA SILVA

METÁFORA NO GÊNERO TIRINHAS: UMA ANÁLISE REFERENCIAL SOB A ÓTICA COGNITIVA.

Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Faculdade São Miguel, como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habili-tação em Língua Portuguesa.

ORIENTADORPROFESSOR: JOÃO MURILO SANTOS

CO-ORIENTADORPROFESSOR: RONALDO CORDEIRO SANTOS

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METÁFORA NO GÊNERO TIRINHAS: UMA ANÁLISE REFERENCIAL SOB A ÓTICA COGNITIVA.

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Trabalho julgado adequado e aprovado com conceito (A) em 26/06/2012

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________Prof. Esp. Ronaldo Cordeiro Santos (UPE) (Co-orientador)

_________________________________________________________Prof.ª Mestranda. Silvania A. Ataíde de A. Vila Nova (UFRPE/Lusófana Portu-gal)

Dedico este trabalho:A Deus por ter me oferecido a oportunidade de viver, evoluir a cada dia e con-hecer todas as pessoas que me circundam.

À minha mãe e irmãos pelo apoio e carinho oferecidos em todos os momento de minha vida e principalmente neste.

Aos meus tios e demais familiares, por terem acreditado em minha capacidade de concluir mais essa etapa em minha vida.

A minha inesquecível “Drª. Judite Botafogo (UFPE) pelo companheirismo, dedi-cação e incentivo oferecido antes, durante e seguramente, por toda a minha trajetória de vida e trajetória profissional

A “Drª. Márcia Mendonça (UFPE) pelo apoio, carinho e principalmente por ter me fornecido as ferramentas essenciais para o desenvolvimento desta pes-quisa.

DEDICATÓRIA ESPECIALAo meu inesquecível irmão, Adriano da Silva (em memória), exemplo de irmão e amigo, figura de grande importância em minha vida e formação e de quem sinto muitas saudades.

AGRADECIMENTOSA Deus, que me fez, pelo cuidado, proteção e conforto em todos os momen-tos.À minha família mais precisamente a minha Mãe, base inicial e refúgio certo durante toda minha vida educacional e profissional. Ao meu orientador, Prof. João Murilo Santos, pela presteza na orientação, por sua simplicidade e compreensão, estimulando, de forma muito significativa,

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os avanços na minha formação como pesquisador; pela confiança em mim depositada. Ao meu Co-Orientador Ronaldo Cordeiro, por seu companheirismo e cumplici-dade, durante minha formação acadêmica; figura a qual o tenho como Pai.A Professora Gesilda Marques, a qual sempre me manteve de pé, quando mui-tos tentaram me desestimular, ela é pendulo que me deu forças e me sustenta sempre que necessito.A minha equipe de estudo, pela partilha de sonhos e pelos passos dados jun-tos.Aos queridos amigos(as), pelas alegrias, incentivo, amizade e pelas palavras que sempre me atingiram com grande força, impulsionando-me a continuar e ir mais longe entre eles: Adriana Menezes, Andreia Marques, Bruna A. Gon-çalves, Dielson Vilela, Elizangela Albuquerque, Gleicilne Rosa, Joedson Maria-no, Joanna Figueiredo, Jonadacy Vieira, Maria Luciene Diniz, Luzinete Cruz, Pe. Joseildo Zeferino, Prof. Madge Schuler, Profª. Tatiana Luna, Patrícia Barbosa, Rildecy Tenório, Yngrid Araújo enfim a todos aqueles que são do meu ciclo de amizade –, pelo apoio e amor incondicionais.A todos os professores da FSM (Faculdade São Miguel), pelos grandes ensina-mentos e pelos grandes profissionais que são.Ao NCC (Núcleo de Construção do Conhecimento) por estar com as portas sempre abertas para esta pesquisa.Aos membros da Banca Examinadora, pela presteza e pelas contribuições sig-nificativas para a versão final desta monografia.A todos os colegas, companheiros de vida e demais professores que já pas-saram por minha vida e que, de alguma forma, contribuíram para a minha jornada, a todos esses o meu mais sincero muito obrigado!

(…) a afirmação do valor narrativo indiscutível da história em quadrinhos a ser-viço da qual técnicas complexas devem ser utilizadas para que ela possa ser o que em verdade é: uma arte completa e autêntica.Pierre Couperie

RESUMO

O foco geral desse estudo é a análise da compreensão da linguagem metafórica nas tirinhas de jornais revistas e gibis. Os objetivos específicos fora: apontar as dificuldades que os leitores têm em interpretar o humor presente nas tirinhas de linguagem metafórica; apresentar a importância da interdependência entre as linguagens verbal e visual como meio de expressão e comunicação compac-ta e propor estratégias de leitura que facilitem a interpretação metafórica das tirinhas pelos alunos. A pesquisa utiliza-se de dois eixos teóricos principais: teorias de leitura e teorias de metáfora. Como metodologia utilizou-se uma pesquisa bibliográfica onde foram consultados livros, artigos científicos, teses,

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dissertações, monografias, tirinhas de jornais, revistas e gibis, além disso, foram feitas consultas em sites na internet. Os dados analisados apontam para a indissociabilidade entre os elementos imagéticos e verbais tanto para o esta-belecimento metafórico quanto para a criação do humor. Ademais, o enunciado metafórico apresentou-se como um elemento central para geração do efeito humorístico.

Palavras-Chave: Metáfora. Quadrinhos. Humor. Linguagem. Cognitiva.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................... 3241 ANÁLISE DE METÁFORAS COGNITIVAS EM GÊNEROS TIRINHAS..................................................................... 324 1.1 Conceituando a Metáfora sob o prisma cognitivista... 326 1.2 Compreensão Bakhtiniana sobre gênero.................. 328 1.3 Perspectiva de Maingueneau sobre gêneros..............328 1.4 Gêneros e hipergênero nos quadrinhos sob a ótica de Paulo Ramos...................................................... 3292 A RELEVANCIA DAS TIRINHAS E AS DIFICULDADES DE INTERPRETAÇÃO........................................................... 334 2.1 Conceituando Tirinhas (quadrinização).................... 335 2.2 A importância do Gênero Tirinha............................ 337 2.3 As dificuldades de interpretação............................. 338 2.4 Mecanismos Cognitivos da Leitura.......................... 339 2.5 Dificuldades Inespecíficas de Compreensão..............3403 PROPOSTAS ESTRATÉGICAS DE LEITURA DE TIRINHAS...... 341 3.1 Tirinhas – Estratégias de leitura e compreensão....... 341 3.2 Estratégias de Leituras......................................... 342 3.3 Processos Inferenciais e sua importância nos gêneros textuais................................................. 344 3.4 Os gêneros midiáticos impressos.......................... 3454 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................. 346REFERÊNCIAS....................................................................... 348

INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso tem como tema metáfora no gênero tirinhas: uma análise referencial sob a ótica cognitiva. O referido projeto tem como primeiro objetivo geral analisar referencialmente o que está implícito/subentendido nos termos que designam uma relação de semelhança entre os elementos que substitui a palavra nos gêneros tirinhas. E como objetivos espe-

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cíficos: apontar as dificuldades que os leitores têm em interpretar o humor pre-sente nas tirinhas quando as mesmas apresentam uma linguagem metafórica; apresentar a importância da interdependência entre as linguagens verbal e visual como meio de expressão e comunicação compacta e propor estratégias de leitura que facilitem a interpretação metafórica das tirinhas pelos alunos. A problemática desse trabalho gira em torno de uma questão nortea-dora: Por que os leitores de jornais, revistas gibis etc. não percebem o humor presentes nas tirinhas quando as mesmas apresentam uma metáfora cogni-tiva, ou seja, não identificam a relação de semelhança, entre a palavra e a realidade? Acredita-se que esses leitores não conseguem identificar o humor/sátira presente nas tirinhas quando as mesmas abordam uma linguagem metafórica. Contudo, acredita-se também, não ser uma prática constante desses leitores refletirem sobre a abordagem em pauta, muitos deles leem por ler, deixando de lado até a interpretação textual trazida pela tira. Haja vista, que para uma real compreensão das metáforas presentes nas tirinhas, os leitores devem pri-orizar a reflexão nesse tipo de linguagem, identificando o conteúdo, o qual está subentendido na metáfora. Nesse contexto, o trabalho justifica-se por apresentar a ótica da lin-guística cognitivista, o papel da linguagem metafórica para a criação do efeito de humor nas tirinhas presentes em jornais, revistas, e gibis de grande circula-ção. Além de discutir as relações de interdependência entre as linguagens ver-bal e visual. Sendo assim, optou-se pelas tirinhas como objeto de análise por constituírem uma forma de comunicação compacta, a qual faz uso de uma lin-guagem verbo-visual como meio de expressão. Segundo Barbieri (1998, apud Ramos, 2010, p. 17) “as várias formas de linguagem não estão separadas, mas sim interconectadas.”, ou seja, ao parafrasear Barbieri, Ramos quis dizer que a linguagem é como um ecossistema um grande ecossistema, cheios de peque-nos nichos distintos uns dos outros (que chamou atenção de ambientes). Cada nicho (ou ambientes) teria características próprias, o que garantiria autonomia em relação aos demais. Isso não quer dizer, no entanto, que não possam com-partilhar características comuns. Além disso, o texto e imagem presentes nas tirinhas desempenham cada qual o seu papel a fim de prender o leitor, fazer a história progredir e criar o efeito humorístico. Metodologicamente esse trabalho será construído por meio de uma pesquisa bibliográfica e para isso serão consultados livros, artigos científicos, teses, dissertações, monografias, tirinhas de jornais, revistas e gibis, além de consultas em sites na internet. Para efeito de organização esse trabalho será sistematizado em três capítulos, onde no primeiro será apresentado uma análise referencial das me-táforas cognitivas contidas no gênero tirinhas, o segundo capítulo tratará da importância e das dificuldades de interpretação e o terceiro capítulo trará pro-postas estratégicas de leitura que subsidiarão a compreensão das tirinhas.

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1. ANÁLISE REFERENCIAL DAS METÁFORAS COGNITIVAS PRESENTES NO GÊNERO TIRINHA.

No presente capítulo, será exposto o conceito de metáforas em linhas gerais, ou seja, o uso de uma linguagem específica nascida nas Histórias em Quadrinhos, que com o passar dos anos se adaptou a outras esferas discursi-vas, com outros propósitos comunicativos. Partindo dessa linha de raciocínio, percebemos que as tiras em quadrinhos tem espaço garantido nos cadernos de cultura dos grandes jornais revistas e gibis no Brasil. O tema em geral está relacionado à metáfora cognitiva presentes nas tirinhas. A questão que levantamos nesta pesquisa é: Por que os leitores de jornais, revistas gibis, não percebem o humor presentes nas tirinhas quando as mesmas apresentam uma metáfora cognitiva, ou seja, não conseguem identi-ficar a relação de semelhança, entre a palavra e a realidade? Responder a essa pergunta não será uma tarefa das mais simples. A ideia é observar o objeto de análise e verificar o que ele nos oferece para o debate, uma vez que, esta análise não abordará os recursos estéticos, exceto os que possam ter algum efeito importante para a apresentação do discurso científico. Para iniciarmos com afinco nossa pesquisa, começaremos trazendo os conceitos de metáforas, os quais serão descritos no tópico seguinte.

1.1 Conceituando a Metáfora sob o prisma cognitivista.

A metáfora1 é uma figura de linguagem que consiste na alteração do sentido de uma palavra ou expressão, pelo acréscimo de um segundo sig-nificado, quando entre o sentido de base e o acrescentado há uma relação de semelhança, de intersecção, isto é, quando apresentam traços semânticos comuns. Conceito tradicional e efetivo2 para a compreensão do processo de significação da linguagem humana, a metáfora pode ser definida como uma transferência de significado que tem como base uma analogia: dois conceitos são relacionados por apresentarem, na concepção do falante, algum ponto em comum. A partir daí, amplia-se o campo de abrangência do vocábulo, instau-rando-se a polissemia, essencial para que se realize qualquer processo de mu-dança, que exige variação e continuidade. Em termos cognitivos, os procedi-mentos analógicos apoiam-se em conceitos mais concretos e mais próximos à experiência do indivíduo. Dessa maneira, ele pode estender sua compreensão para níveis mais complexos e abstratos de apreensão e conhecimento da reali-dade. Esse procedimento é altamente produtivo na ampliação e renovação do vocabulário de uma língua. Embora seja um processo tradicionalmente encarado como eminente-

1 UFRJ. Metáfora. Disponível em: <http://acd.ufrj.br/~pead/tema04/metafora.html> acesso em 10/03/2012.2 Ibid.

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mente semântico, na verdade ele opera com regras pragmáticas. Se entendida apenas no nível semântico, a analogia metafórica pode não ser plenamente decodificada pelo receptor. As inferências são significações pragmáticas não dedutíveis de regras lógicas, mas sim de regras conversacionais, do que é ver-dadeiro ou relevante a partir das relações contextuais. Dessa forma, percebemos que a linguagem cognitivista presentes nas metáforas tem sido amplamente discutida/investigada no meio acadêmico, tanto que consolidou-se logo no início dos anos 80 com a publicação da obra Metáforas da vida cotidiana , de autoria de Lakoff e Johnson, reconhecida como precursora dentro do paradigma cognitivista. Nesse panorama, a metáfora é vista como um processo cognitivo que norteia a maneira, o modo como fala-mos, o modo como pensamos e agimos baseada nas ideologias de vida de cada indivíduo. Sendo assim, Lakoff e Johnson (2009) mencionam que:

La metáfora (conceptual) se entiende por el uso de un dominio mental (de dominio de origen) en términos de otra (dominio de destino). Existe también la imaginería metáfora, que es el mapeo concepto de una imagen convencional a otro. (LAKOFF & JOHNSON, 2009, p.156-157).3

Contudo, as expressões linguísticas formadas a partir das metáforas conceituais são denominadas expressões metafóricas. Lakoff e Johnson (2009) analisaram e distinguiram três tipos de metá-foras: estruturais, orientacionais e ontológicas. As metáforas estruturais – estão presentes na própria estruturação do sistema conceitual comum aos membros de uma cultura, uma vez que, as me-táforas se ratificam na língua. Essas metáforas estruturais convencionais não são raras. Ao contrário, constituem, como já o afirmam Lakoff e Johnson, a base do mesmo sistema conceitual do homem. Amiúde, percebemos cada vez mais que conceitos mais abstratos são metaforicamente estruturados a partir de conceitos mais concretos. É o que ocorre, por exemplo, com o conceito que temos do amor, como indicam os temas metafóricos: “o amor é uma loucura”, por diversas vezes ouvimos ou falamos essa expressão, a qual se manifesta nas expressões: estou doido por ela, ele me fez perder a juízo; neste simples exemplo percebemos que são manifestações, de que são as expressões: a at-ração entre eles parece ser irresistível, a vida dele gira unicamente em torno dela. E difícil falar de amor a não ser por metáforas. Este é um simples exemplo de metáfora estrutural. Já as metáforas orientacionais – não estruturam uma apreciação em ter-mos de outro, elas organizam através de um sistema de relações espaciais em relação a outro, ou seja, em sua maioria estão relacionadas à orientação espa-cial, a qual surge, a partir de nossas experiências física e cultural. Por exem-plo: bom é para cima / mau é para baixo; status superior é para cima / status

3 “A metáfora (conceitual) é compreendida pela utilização de um domínio mental (domínio fonte) em termos de outro (domínio alvo). Há, também, a metáfora imagética, na qual o mapeamento conceitual ocorre de uma imagem convencional para outra.”

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inferior é para baixo; feliz é para cima / triste é para baixo.Finalmente, têm-se as metáforas ontológicas – originam-se a partir de nos-sas experiências com objetos físicos, permitindo-nos compreender coisas ab-stratas como entidades e substâncias em termos de coisas concretas e/ou convencionais. Os autores acrescentam que “talvez as metáforas ontológicas mais óbvias sejam aquelas nas quais os objetos físicos são concebidos como pessoas” (LAKOFF; JOHNSON, 2009). A atribuição de características huma-nas às entidades não-humanas gera acontecimentos de personificação que por meio desses acontecimentos abstratos acabam tornando-se coisas bem mais concretas e/ou compreensíveis. Observamos, portanto, a seguinte expressão metafórica, a qual será nosso objeto de estudo neste exemplo: “Você não vê que os países desenvolvidos são justamente os que vivem de cabeça para cima”. Percebemos que o exemplo do enunciado acima, o qual está presente dentre uma das milhares tirinhas de Mafalda, trata-se de um exemplo de per-sonificação proveniente da metáfora conceitual “Países são Pessoas”. Entre os múltiplos usos da metáfora na linguagem, seja cotidiana ou literária, destaca-se, nesta pesquisa, o uso tanto como mecanismo para produção do efeito de humor, quanto de fornecimento de insights4 cogniti-vos os quais envolvem o funcionamento do efeito humorístico. Partindo dessa premissa veremos no tópico a seguir a compreensão do gênero tirinha sob a ótica de Bakhtiniana.

1.2 Compreensão Bakhtiniana sobre gênero.

Por muito tempo estudos sobre os gêneros estiveram associados à litera-tura. Desde Platão a Aristóteles, de ambos as abordagens realizadas no século seguinte, ora mais rigorosa com relação às marcas textuais, ora mais bran-das. Michael Bakhtin (2000 [1953]) realizou abordagens, as quais levavam em consideração tanto os gêneros literários quando os não literários, abordagens essas que abriram novas perspectivas. Para ele os gêneros estariam presentes em todas as atividades comunicativas, e não apenas nos gêneros de produção artística escrita. Além disso, o pensador russo define os gêneros como “tipos relativa-mente estáveis de enunciados”. Logo, para entender essa formulação o pen-sador formulou três palavras chaves com o intuído de elucidar seu raciocínio: relativamente, estáveis e enunciados. Iniciando pela última. O escritor entende que a língua não pode ser vista dissociada de seu contexto social e histórico. Pelo oposto, ela deve ser analisada em diferentes esferas/atividades em que as pessoas agem. Sendo assim, o enunciado não seria o mesmo que uma frase seria então uma unidade abstrata, a ser notada do ponto de vista gramatical.

4 Capacidade de entender verdades escondidas especialmente de caráter ou situação, portando um sentido igual a “discernimento” ou “a capacidade para dis-cernir a verdadeira natureza de uma situação”, o ato ou o resultado de alcançar a íntima ou oculta natureza das coisas ou de perceber de uma maneira intuitiva.

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Por outro lado o enunciado deveria envolver de forma global o exato momento em que a fala/escrita foi produzida, e para quem ela foi direcionada, e em que situação. Assim Bakhtin conceitua o enunciado como:

(...) unidade real da comunicação verbal: o enunciado. A fala só existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre a forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma. Quaisquer que sejam o volume, o conteúdo, a composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da comunicação verbal, características estruturais que lhes são comuns e acima, fronteiras claramente delimita-das. (...) As fronteiras do enunciado compreendido como uma unidade da comunicação verbal, são determinadas pela alternância de sujeitos falantes e interlocutores. (BAKHTIN, 1997, p.293).

Percebemos que nas palavras de Bakhtin ele afirma que o enunciado não é uma unidade convencional e sim uma unidade real, a qual é estritamente delimitada pela alternância de sujeitos falantes. Assim, fica claro que para o autor, há a necessidade de que se tenha um contado completo com o enun-ciado para, só então, atribuir a ele uma atitude responsiva ativa. Dessa forma, a totalidade produzida só seria compreendida após a pessoa: 1) dar um tratamento exaustivo ao objeto do sentido; 2) identificar a intenção, o querer dizer do locutor; 3) perceber as formas de estruturação do gênero. Aparentemente os três itens estariam interligados, porém os dois últi-mos apresentam uma conexão à parte: objeto do falante/ouvinte seria con-cretizado por meio de um enunciado, manifestado via gênero do discurso, que possui uma forma relativamente estável de organização do processo intelec-tual. Os gêneros do discurso, como Bakhtin se refere conceitua-se pela mani-festação dos enunciados por meio da recorrência do conteúdo temático, ou seja, do estilo (mais perceptível em produções artísticas, como a literária) e de uma estrutura composicional. Podendo ainda surgir em contextos comunicati-vos mais simples ou mais complexos. Logo, o primeiro caso seria os do gênero do discurso primário. O segundo caso os do gênero do discurso secundário. O que define os primários é serem produzidos em situações espontâneas de co-municação, como os vários modos de realização do diálogo oral. Os secundários surgem a partir dos primários de forma bem mais complexa de comunicação, manifestada numa (re)criação dos gêneros nos secundários, processo que fica mais nítido na língua escrita. Em linhas gerais Bakhtin nos diz que os gêneros não seriam algo regra-do, normatizado. Seriam, ao contrário, constituídos no processo de interação entre as pessoas, criando expectativas sociocognitivas sobre as inúmeras situ-ações comunicativas das quais participam. O pesquisador Dominique Maingue-neau segue praticamente a mesma linha de raciocínio de Batkhtin, portanto

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veremos no tópico a seguir o que diz o pesquisador Francês sobre o gênero tirinha.

1.3 Perspectiva de Maingueneau sobre gêneros. O pesquisador Dominique Maingueneau se enquadra no paradigma so-ciocomunicativo, seguindo propostas semelhantes às de Bakhtin. Dessa forma, Maingueneau trabalha a questão dos gêneros em dois momentos teóricos. O primeiro deu-se no fim do século passado, quando ele defendeu que um gênero do discurso (termo usado por ele) não se limita apenas a organização textual, embora seja ele um de seus elementos. Existem outras característi-cas, igualmente relacionadas e definidoras: lugar e momento onde ocorre, finalidade, suporte material (televisão, diálogo, rádio, jornal), a consignação de parceiros coerentes com a situação (o autor chama de parceiros legítimos). Neste último caso, o linguista adiciona que o locutor e o interlocutor travam um contado, ou seja, uma espécie de jogo, e que exercem papéis definidos na situação comunicativa. De modo ilustrativo, imaginemos um médico atendendo um pacien-te. Onde a pessoa doente está em um consultório, para se tratar de alguma moléstia (finalidade) e era esperada em um consultório no hospital (lugar e momento). O canal de comunicação é o diálogo oral (correspondente ao su-porte material). O fato de um ser médio e o outro, paciente, torna a situação coerente, uma vez que um exerce o papel de autoridade de saúde; e o outro de enfermo, logo, temos um acordo pressuposto, não declarado (contrato, que faz parte do jogo comunicativo). Partindo desse raciocínio o autor ver o gênero do discurso como atrelado a uma cena comunicativa, onde a situação de comunicação funciona como uma encenação. Destacando ele três tipos de cenas:● Cena englobante – é a que define o tipo de discurso a que pertence à situa-ção comunicativa. Podendo ser, por exemplo, religiosos, políticos, publicitários e etc.● Cena genérica – gênero do discurso a que pertence à situação de comunica-ção. A cena genérica, aliada a englobante, define o quadro cênico do texto.● Cenografia – é a forma como o quadro cênico é transmitido. Em outras pala-vras: é a própria cena da encenação. Maingueneau afirma que as três cenas podem ocorrer ao mesmo tempo, além disso, ele ainda afirma que há uma tensão, um conflito entre elas. Assim como Bakhtin, Maingueneau distinguiu os gêneros chamados de instituídos dos conversacionais (que lemos como semelhantes aos gêneros primário e secundário do pesquisador russo anteriormente citado). Os conv-ersacionais têm um modelo muito incerto e dependente da relação entre os interlocutores. Os instituídos se aproximam mais das situações convencionais de gênero e podem ser de duas ordens, rotineiros e os autorais. Os rotineiros apresentam situações comunicativas relativamente con-stantes. Por exemplo: uma entrevista radiofônica e um debate televisivo. Os

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gêneros autorais advêm com o auxilio de uma indicação externa do autor ou do editor, se dissermos, por exemplo, que, um texto de cinco páginas é um en-saio, ele tende a ser visto assim pelo leitor. Porém se dissermos que o mesmo texto trata-se de um artigo científico ou uma resenha. O termo utilizado (ró-tulo) influenciaria na forma como o leitor interpretaria o gênero. Congregando essas ponderações, Maingueneau diz que os rótulos po-dem influenciar os aspectos formais do texto, os interpretativos ou ambos. O uso deles constituem o que chamou de hipergêneros. Assim, ele fundamenta de forma sucinta, mas com precisão o assunto:

No caso dos rótulos que se referem a um tipo de organização textual, men-cionamos em primeiro lugar aquilo a que demos o nome de hipergêneros. Trata-se de categorizações como um “diálogo”, “carta”, “diário” etc. que permitem “formatar” o texto. Não se trata, diretamente do gênero do dis-curso, de modo de organização com fracas coerções encontramos nos mais diversos lugares e épocas e no âmbito do qual podem desenvolver-se as mais variadas encenações da fala. O diálogo que no Ocidente tem estrutu-rado uma multiplicidade de textos longos ao longo de uns 2.500 anos, é um bom exemplo de hipergêneros. Basta fazer com que conversem ao menos dois locutores para poder falar de “diálogo”. O fato de um diálogo – assim como a correspondência epistolar – ter sido usado de modo tão constante decorre o fato de que, por sua proximidade com o intercâmbio conversacio-nal, ele permite formatar os mais diferentes conteúdos. (MAINGUENEAU, 2002, p. 91).

Seguindo o raciocínio de Maingueneau, podemos dizer que há, então, dois níveis de rotulações: as próprias aos gêneros autorais e as que interfer-em na formatação do texto, como é o caso dos hipergêneros. Além de disso, percebemos também que o diálogo possuiu uma correspondência epistolar, podendo ser reformulado à medida que o falante formata os conteúdos con-versacionais, à medida que ele discorrer o diálogo. Sendo assim, veremos no tópico seguinte como o Pesquisador Paulo Ramos foca a questão dos hiper-gêneros.

1.4 Gêneros e hipergênero nos quadrinhos sob a ótica de Paulo Ra-mos

Em uma de suas pesquisas mais relevantes o autor Paulo Ramos (2007), estuda diferentes formas de produções ligadas às histórias em quadrinhos. A premissa do trabalho de Ramos foi analisar e observar os textos como são pro-duzidos e a forma como são vistos na prática e na teoria para, então, formular um possível quadro de análise do assunto, de modo a entender como funcio-na cada gênero dentro da situação sócio-comunicativa. Dessa forma, Ramos (2007, p.424) destaca as principais tendências, as quais englobam o gênero e hipergênero nos quadrinhos:

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01) vários gêneros utilizam a linguagem dos quadrinhos; é o caso da charge, do cartum, dos diferentes gêneros autônomos das histórias em quadrinhos (entendidas aqui como um gênero integrante de um rótulo maior homônimo) e das tiras (entre eles, as tiras cômicas); como exemplo da figura 01 apresen-tada logo abaixo.

Fonte: disponível em:<http://www.scientiatraductionis.ufsc.br/garfield.html> aces-so em 13/05/2012

Percebemos neste caso, que o autor ao introduzir a expressão metafóri-ca “É muita areia pro meu caminhão” ao invés de “Eu te mereço”, podemos dizer que o autor foi bem sucedido por fazer uso dos indícios necessários para a compreensão extralinguística, uma vez que, foi levada em consideração a cultura do povo brasileiro, além do regionalismo da comunidade falante a qual a tira está direcionada, já que o teor cômico da tira nos remete ao sen-tido de paquera.

02) predomina a sequência textual narrativa, que tem nos diálogos um de seus elementos constituintes; exemplificada pela figura 02 em seguida:

Fonte: disponível em:<http://www.monica.com.br/comics/tirinhas/tira2.htm> aces-so em 13/05/2012.

A tira acima demonstra uma narrativa curta, diálogos somados a el-ementos visuais, necessidade de conhecimento prévio. Para compreensão total da tira o leitor deve saber que os personagens são Mônica e Cebolinha, e que Cebolinha troca os “r” (erres) pelos “l” (eles), ou seja, o personagem Cebolinha ao invés de pronunciar “porta” diz “polta”. Neste caso, o humor surge quando a Mônica se enfurece com o Cebolinha por ele ter colocado o

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papel de parede em todo o quarto inclusive na porta, deixando a Mônica e até mesmo o próprio Cebolinha sem saber onde fica a localização de saída do ambiente onde estão, neste caso, o quarto do Cebolinha. Acredita-se em tal interpretação, uma vez que os personagens de Maurício de Sousa (Mônica e Cebolinha) estão em constantes atritos nas histórias em quadrinhos. Além disso, percebemos ainda que o autor ancorou-se em elementos linguísticos e visuais para provocar o humor e a compreensão da tira.

03) há personagens fixos ou não; alguns dos trabalhos se baseiam em per-sonalidades reais, como os políticos; como veremos na figura 03 apresentada a seguir.

Charge extraída do Livro de Paulo Ramos. A leitura dos quadrinhos. 1ª ed. São Paulo, SP: Contexto, 2010, p. 22.

Nas tiras as quais os personagens, são reais como é o caso dos políti-cos. Os autores fazem criticas aos políticos e consequentemente a sua forma de administração governamental através de uma linguagem metafórica. A tira em questão se refere aos meses iniciais do primeiro mandato do presi-dente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 a 2006). Percebemos então que o autor da tira utiliza o humor para fazer uma crítica à política econômica adotada por Lula na época. A brincadeira se baseia na pressuposição de que as medidas propostas por ele para manter o controle da inflação (alta na taxa de juros e redução na oferta de crédito para inibir o consumo) são as mesmas do gover-no anterior, administrado por Fernando Henrique Cardoso. Logo, percebemos que no quadro seguinte Lula se transforma no Fernando Henrique Cardoso, por ter seguido o mesmo modelo econômico que ele, como mostrado na úl-tima cena do desenho. Além disso, é importante frisar que o leitor, para entender o texto, deve recuperar dados históricos da época e inferir que os personagens mostrados na tira são caricaturas dos dois presidentes. Assim, o leitor será remetido ao tema, percebendo então o humor presente na narrativa, por ela está atrelada

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ao noticiário político do início do ano de 2003.

04) a narrativa pode ocorrer em um ou mais quadrinhos e varia conforme o formato do gênero, padronizado pela indústria cultural; vemos isso na figura 05 apresentada abaixo.

Fonte: Toda Mafalda, Quino. Trad. Andréa Stahel M. da Silva et al., 2007, 9.ed., Ed. Martins Fontes, p.02.

Ponderando a comunicação estabelecida entre os personagens nas histórias em quadrinhos, perceberemos neste caso a existência de diálogo na tirinha de Mafalda, onde os personagens Mafalda e Felipe interagem através da comunicação verbal face a face, porém, percebemos também que além dessa comunicação os dois personagens estabelecem um amplo ponto de vista, uma vez que eles se entrecruzam, posicionando-se ideologicamente dando vida à linguagem. Assim, percebemos então que Felipe dialoga com a voz de Mafalda logo no primeiro quadrinho da história, contestando o ponto de vista defendido por ela: “É exagero seu! Nem todo mundo que se forma vai para o estrangeiro!”. A voz do personagem Mafalda não aparece explici-tamente, porém, pode ser apreendida através da resposta de Felipe, algum posicionamento ou opinião anteriormente colocada por Mafalda. Se observar-mos com afinco ainda o primeiro quadro da tira iremos perceber que Mafalda reafirma o seu ponto de vista e a sua voz ao questionar a opinião de Felipe: “Você acha?”. Mas, Felipe se mune de argumentos, nos próximos quadrinhos, provando seu ponto de vista: “Veja os políticos!... Quem não é advogado, é engenheiro, médico...”. Além, de provar seu ponto de vista Felipe estabelece a ideia de que os políticos são pessoas que se formam e não vão embora do país: “... ou arquiteto!... E nem por isso vão para o estrangeiro!”. Dessa for-ma, podemos dizer que o discurso de um personagem é produzido em relação ao discurso do outro, deixando em evidência os aspectos de alteridade (pres-suposições). Assim, percebemos a opinião de Mafalda sobre a permanência dos políticos no país – “QUE PENA!” – o qual dialoga com dois pontos de vista, e com duas vozes distintas: 1) a preocupação com a saída de pessoas com formação superior para trabalhar fora do país, uma vez que evidencia a perda de pessoas qualificadas para outra nação; 2) o lamento dos políti-cos não irem embora para o estrangeiro, já que os mesmos tem formação superior, a esperança que Mafalda tinha era que eles emigrassem. Partindo do pressuposto que e do ponto de vista da personagem que os políticos são

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considerados corruptos; por isso, o afastamento deles do país seria bom para a população.

05) em muitos casos, o rótulo, o formato e o veículo de publicação constituem elementos que acrescentam informações genéricas ao leitor, de modo a ori-entar a percepção do gênero em questão; nesse caso a figura 05 esclarece.

Fonte: disponível em:<http://www.peixeaquatico.net/2012/01/rotulos.html> aces-so em 13/05/2012

Percebemos na tira acima que há uma sequência de fatos, no primeiro quadro o autor deixa claro o desespero da personagem, a qual se encontra desiludida ou até mesmo desesperançada com sua vida atual por estar sendo rotulada pela sociedade a qual está inserida. No segundo quadro lhe é ofere-cido veneno (representado pelo rótulo da caveira – alerta de perigo, presente nos rótulos e nas embalagens que contém substâncias químicas nocivas aos seres humanos e aos animais vertebrados e invertebrados) por alguém, con-sequentemente para provar sua fala no primeiro quatro “não me importo com rótulos”, à personagem bebe o liquido contido na garrafa (veneno), o que leva ao fim de tudo e ao fim da história com a morte da personagem, como ilustra o terceiro quadro.

06) a tendência é de uso de imagens desenhadas, mas ocorrem casos de utilização de fotografias para compor as histórias. Como veremos no exemplo da figura 06.

Fonte: disponível em:<http://tenso.blog.br/2009/09/19/tirinhas-com-william-e-fati-ma/> acesso em 13/05/2012.

Nas tiras cujos personagens, são reais como é o caso dos apresenta-dores de telejornal William Bonner e Fátima Bernardes, os quais apresentam

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o Jornal Nacional exibido em horário nobre pela Rede Globo de Televisão. O autor faz criticas a emissora de TV, a qual os personagens prestam serviços através de uma linguagem metafórica, partindo da premissa que o a direção geral da emissora quer que os apresentadores em especial os de telejornal exerçam sua função sem emitir qualquer sinal de emoção ao telespecta-dor. Então percebemos que o autor ao criar a tira ele coloca o Apresentador Wiliam Bonner como se estivesse insatisfeito com a decisão da emissora e abre o telejornal com a expressão: “Boa Noite! Eu sou um robô do mal!” em seguida a esposa e também apresentadora do telejornal Fátima Bernardes profere a expressão “Alocs Mey! Corram para as colinas”, a expressão (“Alocs May” quer dizer “Oloco Meu” – expressão usada pelo apresentador Faustão em seu programa de entretenimento) no terceiro quadro percebemos a mu-dança no olhar do apresentador William, o qual fica de olhos acessos com uma coloração avermelhada, pressupondo então que ele fará o mau a quem está a sua volta, mais precisamente ao diretor geral do telejornal. Além disso, percebemos o humor na tira pelo simples fato dos apresentadores fugirem do padrão de abertura do telejornal, a qual a Rede Globo estabelece, assim, os apresentadores promovem com seriedade em suas abordagens o riso dos telespectadores. Percebemos nas analises acima que Ramos elencou seis tendências, as quais englobam o gênero e hipergênero presentes na produção das tirinhas. Porém é de suma importância enfatizar que também existem produções que não se aproximam do modo estável do gênero. É o que acontece com tiras cômicas que não possuem humor, parecem mais contos ou poemas feitos na forma gráfica. Nesse caso, o exemplo mais concreto do “relativamente” da definição Bakhtiniana e poderiam ser o ensaio de um novo gênero. Dessa forma, podemos constatar que existem elementos comuns aos diferentes gêneros, dentre os quais destacamos dois: predominância da se-quência narrativa, representada em um ou mais quadros, e uso da linguagem gráfica das histórias em quadrinhos (como os balões). Esses elementos ante-cipam informações genéricas ao leitor e ajudam no processo de identificação e leitura dos diferentes gêneros que compartilham tais características. Quadrinhos ou história em quadrinhos seria um grande rótulo, que agregaria diferentes gêneros comuns, uma vez que existe uma possível relação entre essa leitura e a noção de hipergênero conceituada por Maingueneau (2002). Um grande rótulo, denominado história em quadrinhos ou somente quad-rinhos, une diferentes características comuns e engloba uma diversidade de gêneros afins. Rotulados de diferentes maneiras, utilizam a linguagem dos quadrinhos para compor um texto narrativo dentro de um contexto sócio-comunicativo.

2. TIRINHAS: SUA IMPORTÂNCIA E AS DIFICULDADES DE INTERPRE-TAÇÃO.

Neste capítulo, será exposto o conceito de tirinhas (quadrinização), ou seja, o uso de uma linguagem nascidas nas histórias em quadrinhos, a

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qual se transpôs para outras esferas discursivas, abrindo um novo leque de propósitos comunicativos. De início será conceituado o gênero tirinha. Depois será mostrada a importância e as dificuldades de interpretação desse gênero, uma vez que buscamos focalizar o que é relevante para a análise e para com-preensão das tirinhas. No decorrer desse capitulo, discorreremos mais sobre o conceito de tirinhas e os mecanismos usados para sua compreensão.

2.1 Conceituando Tirinhas (quadrinização)

Percebemos até então que o amplo sentido da quadrinização poderia ser considerada uma forma de “escrita” que demandaria, do leitor, o domínio de certas estratégias de leitura, como a leitura sequenciada dos quadros, a inferênciação dos quadros “implícitos” nas sarjetas (espaços em branco entre cada quadro), etc., de modo a se (re)construir o sentido do texto. Partindo dessa linha de raciocínio, Márcia Mendonça diz que:

A tirinha (quadrinização) constitui a criação de qualquer gênero na lin-guagem dos quadrinhos, na sua conformação mais moderna, ou a adap-tação de um gênero para essa linguagem. (MENDONÇA, 2008, p. 15).

Desse modo, podemos dizer que a “arte sequencial” como denomina Ei-sner (1999, apud Mendonça, 2008, p. 15), resume-se na sequênciação, o que nos remete a um traço inconfundível dos quadrinhos, podendo-se abranger diversas sequências tipológicas:

a) sequência de fatos, no caso de uma narrativa como as típicas em histórias quadrinhos; como veremos na figura 07 apresentada a seguir.

Fonte: Disponível em <http://brincandocomcores.blogspot.com.br/2009/06/suges-toes-de-atividades-para-trabalhar.html> acesso em 13/05/2012.

b) sequência de postulados ou de argumentos, no caso de uma exposição, como as obras técnicas de McCloud ([1993]2005,[2000]2006); como apre-senta-se na figura 08 a seguir.

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Fonte: Disponível em <http://editoraemt.blogspot.com.br/2010_06_01_archive.html> acesso em 13/05/2012.

c) sequência de ações, no caso de instruções para procedimentos, como manuais de instrução quadrinizados. Exemplo na próxima figura 09.

Fonte: Disponível em: <http://leticianogueira.blogspot.com.br/2011/11/tirinha-re-

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ceitas-ilustradas.html> acesso em 13/05/2012.

A partir dessas sequências observamos que há uma diferença dos tex-tos verbais, nesses tipos de sequências presentes em textos quadrinizados, o caráter descritivo mostra-se presente, já que o uso de imagens numa nar-rativa assume, em geral, uma função descritiva bastante evidente.5 As tirin-has trazem uma sequência em que imagem e texto verbal se fundem, não havendo como separá-los para a produção de sentido, ao menos no caso de textos em quadrinhos de qualidade. Portanto, percebemos que o gênero das tirinhas (quadrinização), é to-mada como linguagem característica, composta de simbologia e organização próprias, as quais só puderam ser distinguida após o estabelecimento das histórias em quadrinhos como gênero. Nas palavras de Bazerman (2005), “Trata-se de um processo de tipificação6, nas palavras de, que permitiu a criação de uma linguagem própria, a dos quadrinhos”. Destarte, relataremos no tópico seguinte à importância do gênero tirinha.

2.2 A importância do Gênero Tirinha

De acordo com as ideias de Bakhtin e de seu circulo, que lançaram no-vas luzes sobre a linguística textual e, por consequência, para as práticas co-municativas não literárias, apesar do estudo dos gêneros terem uma herança literária, percebemos que essa transição deu-se principalmente após o desa-brochar das ideias Bakhtinianas. Assim sendo, percebemos que os gêneros estão num constante processo de tensão, alguns mais estáveis, outros com elementos novos. Como define Bakhtin, são tipos relativamente estáveis de enunciados. Há estabilidade, mas ela é relativa. São o que o autor russo chamou de forças centrípetas7 (de estabilidade) e centrífugas8 (de mudan-ça). Esse equilíbrio gera o gênero, usado na situação interativa e manifestado no texto. A consequência dessa perspectiva é que evita a análise dos gêneros de um ponto de vista apenas descritivo, como afirma Maingueneau:

Entendemos que tais características se tornam mais ou menos relevantes dadas às circunstâncias particulares de uso de cada um dos textos. São situações que precisam ser investigadas caso a caso. Há gêneros com tendência a uma estabilidade maior e outros com tendência a uma esta-bilidade menor. (MAINGUENEAU, 2002, p. 91).

5 Normalmente, a descrição, em textos quadrinizados (tirinhas), dá-se a partir das imagens tomadas isoladamente, não necessariamente pela sequência de imagens justa-postas.6 Tornar típica uma conduta, ou seja, caracterizar ações praticadas em um único delito com sua própria definição legal.7 Força resultante que puxa o corpo para o centro da trajetória em um movimento curvilíneo ou circular.8 Força radial decorrente de movimento circulatório, com origem no centro da circunferência. A força centrípeta é a sua reação.

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Tendo como premissa a citação acima, percebemos a importância do gênero tirinhas, para análise e interpretação textual, uma vez que a perspec-tiva desse gênero é evitar a análise de um ponto de vista descritivo, fazendo com que o leitor interfira na maneira de ler/ouvir do(s) interlocutor(es). O hi-pergênero daria as coordenadas de formatação textual de vários gêneros, que compartilhariam tais elementos. Uma carta teria uma estruturação própria (cabeçalho, texto em primeira pessoa, cumprimentos finais, assinatura) e po-deria ser usada em diferentes gêneros: carta pessoal, carta comercial, carta de admissão de emprego. Vemos o mesmo raciocínio na área de quadrinhos. Um hipergênero anteciparia informações textuais ao leitor e ao produtor e funcionaria como um guarda-chuva para diferentes gêneros, todos autônomos, mas com cara-cterísticas afins. Porém, os leitores não conseguem identificar essas infor-mações pré-textuais, as quais lhes dariam autonomia para realizar uma boa interpretação textual. Sendo assim, o tópico seguinte abordará as dificul-dades de interpretação.

2.3 As dificuldade de interpretação

Os seres humanos por natureza sentem a necessidade de interagir com a diversidade de signos linguísticos, assim os indivíduos se deparam com o ato de ler. Porém Ler é muito mais do que o simples ato extrair a sig-nificação de um texto, uma vez que a leitura está embutida em todas as ex-periências vivenciais e cobra do leitor a sua percepção e sensibilidade. Dessa forma, percebemos então que a leitura é a compreensão do texto a partir do momento em que o indivíduo transita do ângulo semântico para a visão crítica, ultrapassando os limites do texto, percebendo assim o que aparece nas entrelinhas (pragmática). Durante os séculos XVIII e XIX a educação pautava-se apenas em ensinar aos indivíduos a ler, escrever e a dominar a linguagem matemática, elementos essenciais para uma completa e harmônica integração social e profissional. Mas, vale lembrar que durante estes séculos a explosão da Rev-olução Industrial estava em evidência, o que trouxe a exigência de escolari-dade para todos e a revolução tecnológica do século XX exige a formação de um novo homem. Com isso, percebemos que já não basta somente ser alfabetizado e dominar cálculos é preciso agora deparar-se com uma nova exigência que claramente é gritante nos tempos modernos: o ato de pensar, isto é, libertar-se do superficial e seguir o caminho da análise do racional. Essa contextualização é apenas para nos remetermos ao grande pecado do setor educativo no processo de alfabetização das crianças, no que tange à leitura e a compreensão da mesma. Além disso, percebemos também que desde o processo de aquisição do ato de ler, os indivíduos são visualizadores do que está escrito, não sabendo compreender a mensagem daquilo o que está sendo transmitido, ou seja, não há um rompimento com o texto super-ficial, logo, não há a verdadeira leitura, isto é, aquela que acontece nas en-trelinhas, a qual chamamos de interpretação. Sendo assim, nos deparamos

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com umas das problemáticas enfrentadas pelas escolas públicas de um modo geral, uma vez que pensar e reagir sabiamente são uns dos aspectos cobra-dos rigidamente para um bom convívio social. Destarte, percebemos então, o quanto é importante trabalhar o as-pecto da leitura, a qual nos remete diretamente ao caminho da compreensão, como afirma Jean Foucambert:

Ler é ser questionado pelo mundo e por si mesmo, é saber que certas respostas podem ser encontradas na produção escrita, é poder ter acesso ao escrito, é construir uma resposta que entrelace informações novas àquelas que já se possuía. (FOUCAMBERT, 1994).

Partindo do raciocínio Foucambert, percebemos que o essencial é apli-car metodologias aptas à amenização da crise da leitura e da interpretação textual, pois o mais viável seria uma sistematização de ensino, onde os pro-fessores desde o alicerce estudantil, isto é, as séries iniciais orientassem as crianças a ler, uma vez que a prática dessa atividade os elevaria a um nível futuro, eliminado definitivamente as com as dificuldades atreladas à com-preensão de texto. Parafraseando Luzia de Maria (2002), podemos concluir que um texto só se completa com a leitura e com a identificação da mensagem que esta embutida no interior da mesma. A cada leitura feita surgem novos significa-dos. Toda leitura de um texto é, portanto, individual, porque individuais são as experiências de cada um. Um texto é plurissignificativo e cada pessoa atualiza parte de suas possibilidades, ou seja, dependendo de sua vivência, atribui determinando significado, mobilizado por outro aspecto e explorado pelo autor. Percebemos isso, quando lemos um texto literário, a subjetividade é marcante, pois o nível de leitura e informação prévia do leitor vai influir na leitura, na interpretação, na compreensão. Por outro lado, é visível que di-ficuldades no ato de ler repercutem em consequências negativas no ato de compreensão. Como dito, o nível de leitura dependerá de informações prévias, as quais os leitores devem influir para a compreensão, e assim, desenvolver mecanismos cognitivos de leitura que os subsidiarão no ato da interpretação, no tópico seguinte abordaremos mais sobre esses mecanismos.

2.4 Mecanismos Cognitivos da Leitura. Tomando como referência os estudos desenvolvidos por Jacques Gré-goire e Bernadette Piercert (1997) na obra “Avaliação dos problemas da leitu-ra” a psicologia cognitiva consagrou esforços consideráveis, ao longo dos últimos anos, para tentar compreender e descrever os mecanismos que per-mitem realizar, essa operação elementar no que tange à investigação da situ-ação da leitura permitindo-nos idealizar uma série de operações elementares que interferem no processo de compreensão. Esse processo destina-se especificamente ao reconhecimento das pa-lavras escritas, esse reconhecimento deve-se ao fato de que é logicamente inconcebível compreender um texto sem identificar ao menos , uma parte das

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palavras que ele contém, sendo assim, Alégria, Leybaert e Mousty afirmam que:

A relação entre leitura e identificação das palavras é específica na propor-ção em que sabemos dar ênfase a importância de ambas sempre atingin-do uma boa relação entre leitura e interpretação. (ALÉGRIA, LEYBAERT & MOUSTY, 1994 p.105).

Assim, percebemos que o ato de ler, isto é, compreender o texto escri-to exige do indivíduo uma série de fatores e proporções precedentes. Porém para que haja uma compreensão textual primeiramente se faz cogente, uma descrição funcional dos conhecimentos necessários para realizar esse ato (conhecimentos lexicais, sintáticos, pragmáticos, etc.) e em seguida levar em consideração a maneira pela qual se chega a um texto. Alguns conheci-mentos, assim como o processo, são específicos à leitura, outros são compar-tilhados com outras atividades cognitivas: as noções lexicais, por exemplo, servem para ler, mas também para compreender a linguagem. Contudo, esses aspectos característicos e inespecíficos ajudam a mel-hor compreender como se adquire o processo de aquisição da leitura além de dar proeminência aos problemas que dificultam o ler e o interpretar. Dessa forma, esses aspectos ao mesmo tempo em que contribuem para a aprendi-zagem da leitura, colaboram também na focalização das dificuldades en-frentadas pelo individuo no processo de leitura e compreensão textual. Para facilitar a identificação dessas dificuldades o próximo tópico abordará as di-ficuldades inespecíficas de compreensão. 2.5 Dificuldades Inespecíficas de Compreensão

A identificação das palavras é decisiva na explicação dos problemas de compreensão de textos. Deste modo, a identificação das palavras é uma con-dição necessária à leitura. Isso justifica-se a medida que lemos texto apres-sadamente se faz necessário que tenhamos uma boa interação com o mundo exterior, ou seja é necessário que tenhamos uma bagagem de informações empíricas como destaca Foucambert:

(...) para aprender a ler, enfim, é preciso estar envolvido pelo escrito o mais variado, encontrá-lo, ser testemunha de e associar-se à utilização que outros fazem dele querer deter de textos da escola, do ambiente, da imprensa, dos documentários, das obras de ficção. Ou seja, é impossível tornar-se leitor sem essa continua interação com um lugar onde as razões para ler são intensamente vividas. (FOUCAMBERT, 1994).

Os estudos feitos por Alégria, Leybaert e Mousty (1997), assim como os estudos realizados por Foucambert (1994) acerca da problemática que os indivíduos possuem em familiarizar-se com a compreensão de textos, demon-stram que para falar legitimamente de dificuldades de um determinado leitor de um texto, é indispensável supor que o texto em questão seria compreen-dido se ele fosse apresentado verbalmente. Mas, dois problemas marcantes no ato da compreensão é a lucidez e

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a hiperlexia. A lucidez trata-se do caso de indivíduos que são aparentemente bons na identificação das palavras, mas possuem problemas quando se trata de compreender um texto, não conseguindo explicá-los nem por um nível linguístico, nem por seu nível intelectual. Já hiperlexia – referem-se aqueles indivíduos que são bons no nível de identificação das palavras, mas extre-mamente fracos em compreensão de textos. Podemos então perceber que tais problemas não são específicos da leitura e sim de problemas ligado ao processo cognitivo do indivíduo. Portanto, as dificuldades inespecíficas da compreensão estão ligadas a distúrbios no que tange a competência linguística e psicolinguística. O es-sencial seria então trabalhar métodos capazes de sanar essa deficiência, aju-dando assim a esses indivíduos a encontrar-se no fantástico mundo da leitura e interpretação textual.

3. PROPOSTAS ESTRATÉGICAS DE LEITURA DE TIRINHAS.

Neste capítulo, apresentaremos, de forma detalhada, algumas estra-tégias de leituras para uma boa compreensão, o conceito e a classificação dos processos inferenciais e a importância destes para a leitura de difer-entes gêneros textuais, em particular, dos gêneros midiáticos, mais especifi-camente as tirinhas em quadrinhos as quais apresentam metáforas, além de mostramos as semelhanças e diferenças com outros gêneros discursivos.

3.1 Tirinhas – Estratégias de leitura e compreensão

A ideia de leitura geralmente está restrita apenas aos livros ou a algum jornal de fácil acesso, e poucos são os leitores que saem dessa realidade e buscam leitura dos mais variados gêneros textuais, ou seja, os leitores que não buscam mergulhar nesse mar de conhecimento leem palavras, e nada mais. As ciganas, por exemplo, dizem ler a mão humana, e os críticos afir-mam ler um filme. O fato é que, quando escapa dos limites do texto escrito, o homem não deixa necessariamente de ler. Lê o mapa astral, o teatro, a vida – forma a sua compreensão de realidade. Porém ler é muito mais do que repetir palavras, ou simplesmente buscar uma compreensão semântica no texto, ler envolve uma série de habilidades, que são formadas dentro e fora das escolas. Se pararmos para observar o universo infantil, iremos perceber que as crianças antes mesmo de ir a escola e “aprender a ler” palavras, iremos perceber que a criança já faz uma leitura do mundo onde vive, percebemos isso quando ela assiste a um desenho animado ou a um programa infantil ou se deleita com uma revista em quadrinhos, e depois interpreta de acordo com seu conhecimento de mundo recontando aquilo que viu ao assistir ou ler um desenho animado (vídeo e quadrinhos) ou falar em meios termos o que o apresentador infantil relatou em seu programa. Assim podemos afirmar que a leitura está presente quando observamos o mundo a nossa volta, uma vez

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que podemos cultivar esse ato das mais variadas formas possíveis. Como a criança necessita de ampliar sua leitura para um universo mais intelecto, surge então o principal papel da escola, o de servir como mediadora da leitu-ra, permitindo ao estudante formar habilidades e desenvolver as competên-cias propostas em seu currículo. Quando nos referimos a explorar estratégias de leitura e desenvolver competências e habilidades, estamos nos referindo à busca da leitura que vá muito além do livro: a leitura da imagem. Nesse sentido, podemos destacar três objetos de estudo:

• Filme – Sequência de ações que desafiam a capacidade do leitor de analisar, assimilar e entender todo um enredo que pode reunir anos em pou-cos minutos;• Jornais – com suas charges e tirinhas diárias, que pendem a atenção do leitor, fornecem informações rápidas e despertam o senso crítico;• Quadrinhos – com a mistura de imagem, palavra e ação, formando uma sequência em perfeita sintonia.

Nesse sentido, se faz necessário que, o professor em seu ambiente pedagógico, atue como um facilitador do processo de aprendizagem ao incen-tivar e utilizar outros recursos que vão além do livro didático, desenvolvendo dessa forma a habilidade da leitura. No tocante o educador pode fazer uso das histórias em quadrinhos, dos filmes e dos jornais com o intuído de aguçar o educando nesse mar de conhecimentos. Contudo, elencaremos a seguir algumas estratégias de leitura que irão subsidiar a compreensão dos alunos no desenrolar do ensino aprendizagem, além, de ajudar a compreender e a interpretar o que está subentendido nos textos de jornais revistas e gibis quando os mesmos apresentam metáforas cognitivas.

3.2 Estratégias de Leituras

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto a partir do que está buscando nele, do conhecimento que já possui a respeito do assunto, do autor e do que sabe sobre a língua (características do gênero, do portador, do sistema de escrita etc.). Jamais podemos extrair informações do texto escrito decodificando le-tra por letra, palavra por palavra. Se analisarmos qualquer leitor, iremos con-statar que a decodificação é apenas um dos procedimentos que ele fez uso para ler: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias, isto é, de recursos para construir significado; sem elas, não é possível alcançar rapidez e proficiência. Segundo os Professores organizadores do programa de for-mação de docentes Letra e Vida (2002), além da decodificação, há também estratégias de seleção, de antecipação, de inferência e de verificação.As estratégias de leitura apresentadas a seguir é um amplo esquema do qual o professor poderá fazer uso para avaliar os discentes em seu processo de ensino aprendizagem ou até fazer uso deles ampliando assim seus conheci-mentos.

• Estratégias de seleção: permitem que o leitor se atenha apenas aos

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índices úteis, desprezando os irrelevantes. Ao ler, fazemos isso o tempo todo.• Estratégias de antecipação: tornam possível prever o que ainda está por vir, com base em informações explícitas e em suposições. O gênero, o autor, o título e muitos outros índices nos informam o que é possível que en-contremos em um texto.• Estratégias de inferência: permitem captar o que não está dito no tex-to de forma explicita. A inferência é aquilo que “lemos”, mas não está escrito. São adivinhações baseadas tanto em pistas dadas pelo próprio texto como em conhecimentos que o leitor possui. Às vezes essas inferências se confir-mam, e às vezes não.• Estratégias de verificação: tornam possível o controle da eficácia ou não das demais estratégias, permitindo confirmar, ou não, as especulações realizadas. Esse tipo de checagem é para confirmar ou não a compreensão, a qual é inerente à leitura.Percebemos após a leitura de cada estratégia que fazemos uso de todas elas, mais ou menos ao mesmo tempo, sem ter consciência disso. Só nos damos conta do que estamos fazendo se formos analisar com cuidado nosso pro-cesso de leitura. Porém, Ler é uma prática social que acontece em diferentes espaços com características muito específicas: o tipo de conteúdo dos textos que nele circulam, as finalidades da leitura, os procedimentos mais comuns, decorrentes dessas finalidades, os gêneros textuais que apresentam circun-stâncias, as quais determinam os diferentes motivos que por sua vez deter-minam os procedimentos de leitura cujos estão relacionados diretamente a finalidade de leitura:

• ler para estudar;• ler para obter uma informação;• ler para obter uma informação específica;• ler para seguir instruções;• ler para aprender;• ler para revisar um texto;• ler para produzir repertório para produzir outros textos;• ler oralmente para apresentar um texto a uma audiência (num sarau, numa conferência, etc);• ler para praticar a leitura em voz alta para uma situação de leitura dramática, de apresentação, etc;• reler para verificar se houve compreensão;• ler por prazer estético (leitura de fruição).

Além desses procedimentos destacamos também alguns procedimen-tos de leitura, os quais subsidiarão de forma direta o trabalho educacional dos docentes se empregados de forma correta e de acordo com os procedimentos metodológicos do professor.

• Leitura colaborativa ou compartilhada: a leitura em que professor e alunos realizam em conjunto, construindo o sentido do texto; prática fun-damental para a explicitação das estratégias e procedimentos que um leitor

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proficiente utiliza;• Leitura em voz alta feita pelo professor (ou pelo aluno): como forma de compartilhar com o grupo a leitura de um texto ou de obras extensas, um capítulo ou um trecho a cada dia. Possibilita ao aluno acesso a textos muitas vezes difíceis;• Leitura autônoma: é aquela que o aluno realiza individualmente, a partir de indicação de texto do professor. É uma modalidade didática que pos-sibilita ao professor verificar qual a aprendizagem já realizada pelo aluno;• Leitura de escolha pessoal: é a leitura de livre escolha. O aluno sele-ciona o que quer ler, realiza a leitura individualmente e, depois, apresenta sua apreciação para os demais colegas. É uma leitura que possibilita a construção de critérios de seleção e de apreciação estéticas pessoais. Após nos debruçarmos sobre as estratégias de Leitura e compreensão, o próximo tópico mergulhará no conceito e classificação dos processos infer-enciais e a importância destes para a leitura dos diferentes gêneros textuais, em particular, os gêneros midiáticos, mais especificamente as tirinhas em quadrinhos as quais apresentam metáforas cognitivas, também será mostra-do nesse tópico as semelhanças e diferenças com outros gêneros discur-sivos.

3.3 Processos Inferenciais e sua importância nos gêneros textuais.

Conquanto os pesquisadores das áreas psicologia cognitiva psicolin-guística e até mesmo os pesquisadores da linguística, concordem que as características do processo inferencial referem-se a soma de informações ao texto feito pelo leitor/ouvinte, podemos então afirmar que há uma heteroge-neidade de definições de inferências, como salienta o pesquisador McLead:

(...) inferências são informações cognitivamente geradas com base em informações explícitas, linguísticas ou não linguísticas, desde que em um contexto de discurso escrito contínuo e que não tenham sido previamente estabelecidas. (COSCARELLI, 2003, p.31).

Observamos então nesta citação que o processo de inferências refere-se a duas características, que são: a) o acréscimo de informação ao texto e/ou b) as inferência são considerada como a vinculação de partes do texto, com o objetivo de preencher lacunas de coerência. No entanto, vale salien-tar que as referencias a inferência como a operação cognitiva estão sendo denominadas como inferênciação, logo, partimos do pressuposto de que o processo inferencial se dá tanto na compreensão do texto escrito quanto do texto oral. Muitos pesquisadores como (KLEIMAN,1989,1993,1995; RUMEL-HART,1980; VAN DIJK e KINTSCH, 1983; SMITH,1999). Entram em con-sonância e dizem que o início do processo de leitura é a formulação de hipó-teses, durante a qual a maior parte do significado que o leitor constrói tem de ser inferida, então, é necessário lançar hipóteses também sobre a infor-mação não-explícita. Dessa forma, o processo inferencial durante a leitura, preencherá os vazios de informação, além de conectar informações mais ex-

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plícitas linguisticamente. Entretanto, podemos dizer que o processo inferencial, durante a leitu-ra, pode tanto preencher vazios de informação como conectar informações mais explícitas linguisticamente. Logo, se partimos do pressuposto de que o processo inferencial é essencial à leitura fluente, perceberemos que esse processo está constituindo-se, inclusive, como uma característica desta. De acordo com Kato (1985), quando um aluno faz a leitura de um texto sem que estabeleça um objetivo pré-determinado, dificilmente poderá monitorar sua compreensão, ou seja, para autora a elucidação em pauta é discutir a importância das estratégias cognitivas9 e metacognitivas10 , posicionando-se a um modelo interativo do ato de ler. É importante frisar que quando a autora faz referência à elucidação, ela refere-se à discussão sobre a importância das estratégias cognitivas para o ensino da leitura, uma vez que ela posiciona-se a favor de um modelo inter-ativo do ato de ler. Além disso, a aurora defende que a leitura se processa na interação leitor-texto ou leitor-autor. Cabendo ao leitor ser proficiente e, en-tão, utilizar-se metacognitivamente dessas estratégias para poder acompan-har sua compreensão textual. Coscarelli em suas publicações (2003, p.24), diz que os objetivos do leitor também auxiliam na aplicação dos conhecimen-tos esquemáticos, uma vez que contribuem para a resolução do problema da escolha dos conceitos e esquemas adequados a determinada atividade de leitura, sendo assim os objetivos do leitor são extremamente importantes na seleção dos elementos, componentes e dos esquemas mentais, refletindo nas inferências as quais serão produzidas no processo de compreensão do texto. Diante da imensidão de pesquisas existentes acerca do estudos rela-cionados a compreensão de textos não podemos definir um conceito, uma vez que cara pesquisador se coloca de forma distinta, a partir do tipo de pesquisa e dos dados que estão sendo investigados por eles. Dessa forma, o termo inferência tem sido usado para descrever as mais variadas operações cognitivas, que vão desde a identificação do referente de elementos anafóri-cos até a construção de esquemas ou modelos mentais dos textos. O tópico seguinte fará uma sucinta abordagem sobre os gêneros midiáticos, mas es-pecificamente os das tirinhas em quadrinhos que apresentam humor através das metáforas.

3.4 Os gêneros midiáticos impressos

Os gêneros midiáticos estão presentes em diversos gêneros textuais sendo ele retórico-opinativo, o qual apresenta a seguinte classificação: edito-rial, comentário, artigo, resenha ou crítica, coluna, crônica, carta e caricatura (neste último inserem-se a charge, o cartoon e a tira), também nomeados de humorísticos.

9 Ato ou processo de conhecer, que envolve atenção, percepção, memória, raci-ocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem.10 Uso de habilidades e estratégias para refletir e controlar o processo de aprendi-zagem

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Seguindo essa linha de raciocínio ao analisarmos uma tira, a qual este-ja presente em algum jornal, revista ou gibis, perceberemos que a (narrativa composta por imagens que se sucedem, sendo completada por textos em for-ma de balões). Apreenderemos nessa primeira conceituação, que as tirinhas são definidas como textos icônico-verbais, os quais aparecem na perspectiva da fala e da escrita dentro de um continuum11 tipológico das práticas sociais de produção textual, que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio- comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica (MARCUSCHI, 2002, p.22-36). Abreviando o estudo dos gêneros textuais voltados para quadrinização, ou seja, para as histórias em quadrinhos, apontamos, portanto as tipologias textuais, as quais se classificam em: retórico-opinativa, retórico-informativa e retórico-interpretativa. A primeira permite explicitamente que o leitor realize interpretações e forme juízos de valor ou, ainda, desenvolva pontos de vista sobre um deter-minado assunto ou fato; a segunda tem como objetivo/meta ampliar o públi-co ou o auditório receptivo, centrando-se, isto é, no receptor ou referente. A última tem por finalidade informar aos leitores, constituindo-se numa atitude de ofício do agente da informação da atualidade. Portanto, o estudo dos gêneros midiáticos foca-se no gênero retórico-opinativo. Consoante Pieroni (1998), relata que o universo opinativo dos jor-nais, revistas e gibis não se limita apenas ao texto, mas incorpora igualmente a imagem. Assim, o uso da imagem como instrumento de opinião atende, muitas vezes, ao imperativo de influenciar um público maior que aquele dedi-cado à leitura atenta dos gêneros opinativos convencionais.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todos os aspectos aqui considerados, esta pesquisa buscou identificar o humor/sátira presente nas tirinhas, gênero textual muito atual no qual seus autores fazem critica aos grandes problemas sociais, por meio de metáforas, que consiste em alterar o sentido de uma palavra ou expressão acrescentando um segundo significado. Esse gênero textual é muito comum em jornais, revistas e gibis, por isso, vale salientar o que afirma Lakoff & Johnson: “metáfora é vista como um processo cognitivo que norteia a ma-neira, o modo como falamos, o modo como pensamos e agimos baseada nas ideologias de vida de cada indivíduo”, o que significa dizer que a ideia da metáfora nesse gênero textual tem por princípio deixar a mensagem (crítica) implícita, para que seus leitores possam identificar não só o humor/sátira por trás das tirinhas, mas o que está implícito/subentendido nas entrelinhas. É da natureza do ser humano a interação, e para esse processo ac-ontecer se faz necessário que ele domine a linguagem, e por meio dela, a leitura, que não significa dizer o ato simples de extrair a significação de um texto, vai mais além. Ler é experiência, vivência, percepção, sensibilidade. 11 Conjunto de elementos tais que se possa passar de um para outro de modo con-tínuo.

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Dessa forma, percebemos então que a leitura é a compreensão do texto a partir do momento em que o indivíduo transita do ângulo semântico para a visão crítica, ultrapassando os limites do texto, percebendo assim o que aparece nas entrelinhas. Contudo, percebemos que os leitores não compreendem a mensagem por traz das entrelinhas das tirinhas quando elas apresentam uma linguagem metafórica, por não possuir os conhecimentos empíricos necessários para compreensão da tira. Logo, para que haja essa compreensão o leitor deve conhecer os personagens presentes nas tirinhas, conhecer a realidade de público para qual a tira está direcionada, e assim ter os insights necessários para tal compreensão. Buscando compreender as dificuldades na tentativa de fazer algumas elucidações sobre as tais dificuldades, a pesquisa fez uso de dois eixos teóri-cos principais: teorias de leitura e teorias de metáfora. No primeiro caso, adotou-se uma visão interacional e sócio-comunicativa de leitura (RAMOS, 2007). No segundo, seguiu- se a abordagem cognitiva da metáfora (Lakoff e Johnson, 1980/2009), em que essa figura é vista como uma representação do pensamento, e não só de linguagem, que está presente no discurso do cotidiano, mantendo uma forte relação com a cultura. Com relação a metodologia adotada, essa pautou-se em pesquisa bib-liográfica, dias e noites a fio debruçados sobre os livros, artigos científicos, teses, dissertações, monografias, tirinhas de jornais, revistas, gibis e consul-tas em sites na internet, com a finalidade de construir um trabalho de cunho científico sobre alicerces sólidos, os quais abordam o tema, como é o caso da Drª. em letras Márcia Mendonça, do Dr. em letras Paulo Ramos, de Dominique Maingueneau, de Michael Bakhtin entre outros citados no referencial teórico do presente trabalho, vale salientar que a busca dessas referencias não foi uma tarefa fácil, já que poucos teóricos trabalham com o gênero tirinha (mais especificamente com metáforas cognitivas), por esse motivo desprendeu-se dias e noites debruçado em busca desses alicerces e, após encontrá-los comecei a erguer à luz desses referenciais esta monografia, a qual revelou a indissociabilidade entre os elementos imagéticos e verbais após análise acurada das tirinhas, tanto para as metáforas como para o humor. Ademais, o enunciado metafórico apresenta-se como um elemento central para geração do efeito humorístico. Prontamente, foi possível observar de modo geral que os enunciados metafóricos presentes nos quadrinhos, são o que causam o efeito humorístico e sustenta-se no aspecto da hibridização das linguagens verbal e imagética e tem o enunciado metafórico como fio condutor para sua criação. Portanto, pôde-se concluir que a imagem não apenas se constitui um elemento imprescindível para a compreensão das metáforas, mas, em alguns casos, é essencial para a identificação e constituição metafórica. Há situ-ações, ainda, em que o elemento imagético, associado ao enredo, propicia o (re)avivamento, ou conduz à interpretação literal de expressões metafóricas convencionais que, por sua vez, origina o humor/sátira em suas entrelin-has.

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Para finalizar, citamos (COUPERIE, 1970, p. 201), segundo o qual:

(…) a afirmação do valor narrativo indiscutível da história em quadrinhos a serviço da qual técnicas complexas devem ser utilizadas para que ela possa ser o que em verdade é: uma arte completa e autêntica”.

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